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DA PORTA DA EUROPA

'RIBLIO'fECA 11 LlB 'll'J'AH u N, 1


1

NENO VA S CO

Da Porrta
da Eut1opa
FA CTOS E IDEIAS

A QUESTÃO RELIGIOSA
'- QUEST/O POLÍTICA !!! A QUE.STAO ECONÓMICA

:19:1.:1 - :19:12

En1TOR: O Au·, 011. C0mp osto e impr,·sso na T ipo·


µ 1al' a RI· NASCENÇA. rua dos
/\nj os, 3-M e 3·N- Lisboa- 191 3.
- - - - - - - - --
/\ M E U PAf

V l l'O IU o 1E V SCONCELOS

T EST EMUNHO DE AF ECTO E GRAT IDÃ O


A ENTRADA

Nesta época de transição, de grande e desesperado em_


bate de ideias e de métodos, são úteis todas as co nt ribuições
sinceras; e eu enten di que o ponto de vista soc ia lista e liber-
tário, ap licado aos aco ntec im entos de cada dia, necessita de
ser o uvido, fora dos débeis e minguados meios de publicida-
de, q i,ie são o magro quinhão dos ideais servidos por gen te
pobre, e por isso mesmo privada das essencia is lib erdades.
A ap reciação de alguns factos mais salientes da agitada
vida social moderna e do período de eferv escência em que
Portugal en trou nes tes do is últimos anos, feita po r um cri-
tério que não é o dos partidos políticos em luta à vo lta do
poder, nem tampouco o dos scépti cos pessimistas e extra-
partidários, deve interessar os próprios adversários sinceros'
ou pelo menos os espírito s independentes e lil'res de secta-
rismos.
Esta modesta contribuição de ideias é a reunião de cró-
nicas publicadas em jorn ais brasileiros e portugueses-a
Lanterna, de S. Paulo, a Guerra Social, elo Rio ele Janeiro, o
Diário, de Porto Alegre, a Aurora, elo Porto, e a Sementeira,
de Li sboa. Se portanto não é uma obra metódica e coorde-
nada, tem ao menos a desculpa de mai.o r viveza e combativi-
dade, de se adaptar melh or à vida act ual de escaram uças e
às necessidades urgentes da batalha de ideias.

LI SBOA, [ 1 DE MARÇO DE 19 13.

NEN0 4 VASCO
INDICE - SUMARIO
P:igillóls
1.- A República e a Igreja . . . . . . . . . . . . . 17- 3o
Condições de vida da república na actua-
lidade, sobretudo em Portugal. Classes inte-
ressadas na conservação do regime. - A lei
de separação e a oposição eclesiástica. O
puro separatismo é pouco escutado na Eu-
ropa. A Igreja vencida invoca a liberdade
como ardil. - O desamparado protesto do
Vaticano .
11. - 0 Parlamento e o operariado . . . . .. .. .
Uma opinião repub licana · sobre a greve
agrária. - A abertura da Constituinte. -
Uma entrada de favor no teatro da repre-
sentação nacional, ou o deputado por bam-
búrrio. Evolução do socialismo parlamentar.
A ineficaz Providência legal. - Esperando o
maná da lei. Na Constituinte cavaqueia-se
sôbre legislação operária.
Il l.- Questões politicas . . . . . . . . . . . . . 47- 66
A propós ito da des locação de ti'opas . O
infantil pacifismo. Os ccdireitos adquiridos.,,
IO 1 1•

a-,,ioma indi,cutivl·I. lfosc' para um pro- c·ana. - A conqui sta de Tripo li . - As guer-
jc · 10 de lei: os dcpu tados pagos sómen te ra' co loniais, fr uto do regime indu stri al m o-
pcl!Js seus cli;itorcs. - Deve haver ou não dern o .
presidente ? O ve rdadeiro poder po líti co e
o único travão. A inútil P rov idência. Expo- li - Literatos mortos. A função policial l oS - 118·
sição de dou tr inas libertárias. Defini ções. Duas classes ele incu rso res ri alistas. Os fi-
IV. -A questão univer sitária . . . . . . . . . . . lho s ele E ça de Queirós : epílogo dos Nlaias .
- História tri ste dum esc ri to r qu·e m o rre na
O s interesses e «direitos adqu irido~» de mi sé ria. Os heró is do dia . A po lítica, fonte
Co imbra contra a «Falange dem agóg ica>>. -
de glórias e de proventos.- Her vé conde-
A dem ocrac ia e a instr ução su perior. Os nado por ter atacado a polícia po lítica. Uma
obs tác ulos à cultu ra mental. O mal da di- distin ção m eramente teórica. O co nceíto q ue
visão entre o trabalho manua 1 e o trabalh o do «crim e» de heresia faz em os .gove rn os. A
intelectu al ; o ma l da a utoridade. repressão policia l, ho je impo tente, inú ti l a ma-
V.- Parlamento e acção directa . . . . . . . . . nh ã, peri gosa sempre.
O direito de greve não entra na Constitui- Vlll. - A questão clerical. Um precursor . .. . .
ção . «Ques tão de fa cto, não de direito». - A lei ele sepa ração. Regalism o cont ra teo-
Inge nuidades e desc uidos de deputados bi- cra cia . Em defesa da liberdade.-Uma grande
sonhos e sem fé. - As razões do a nt ipa rla- m anifes tação da opinião anticlerical. A fô rça
m enta rism o. Qu e é. a «acção directa»? Sen- do govê rn o . - A inocência de F errer. Recor-
tido res tri cto e sentido lato . O ana rq ui smo, dação opo rtun a du m grande crime. - A pro -
m éto do po lítico. Ana ryu ismo e vio lência. O pósito da co mem o ra çã o de H enr iq ues No-
tira nicídio. gueira.
VI.- Guerra internacionàl e guerra sociàl . . . . 89- 104
IX. - A greve de janeiro . . . . . . . . . . . . . . 137-148:
Nu ve ns de guerra. O co nflito anglo-al e-
A greve de É vo ra e suas causas. A titude
mão. - Segredos ela diplomacia . Manifesta-
elas auto ridades. Greve ge ral de pro testo.·
ções antiguerr eiras. - Os res ultados dum~
Un{a fa ntas ia de po lític os .- Os sindicalistas
guerra : uma boa eventualidade, consequên-
cia inclirec ta, contra cem ma les certos. - A e a Repúb lica .- 0 govêrn o começa a rec uar
e a desd i zer- se.~ Uma retirada co mpleta e
guerra soc ial na Ingla terra. Dec isão e fran-
um disc urso de defesa .
yueza. - A tendência das greves para a ge-
nera lização. - Uma grande greve em Espa- X. - As grandes greves e as .guerras . . . . . . . q g- 160.
nha. O carácter dos mov imentos grevistas A guerra do ca rvão na Ingla ter ra . O val or
espanhóis e as razões da abs tenção rep ubli- da gre1•e . - Irnp ort::lncia e reperc ussão da
12

g reve mineira . - A ·tlian ça anglo- lusa e os .111 .ill'la e o revigoramento do soc ialismo
gan h os do a nã o . - A m aior fô rça antiguer- lil11·r1:'1rio . Valor eco nómi co e mora l da acção
reira. A greve geral co ntra a guerra. dir ·1.· tu 1: dM se us resultados. A tarefa dos
X!. - A dúvida, a tolerância e a acção . . . . . . tl'1olt11.:io111'11io' 'º'-' i11i' no-. 'ind icaros .
O apedre jamento de do is jornais e o co n- I\ ' PnrndoxoR dn 1>oliUca . . . . . . . .
ceito de liberdade. A dúvida, a tolerância e 1\ t1i'l 11htlid11d • 111i nisteriu l. Ouanto menos
a acçã o não são incompatíveis . - Uma pro- 1, 11l111ll'1ra, 111 <.! lho r fun cio na a m:lquina par-
cissão tumu ltu osa e d uas mane iras de con- l1111H·11111r. A legação p ort ug uesa do Vati-
ta r a história . Luta de caprichos, em vez de· rn1u1 Prc t1:xtos e razõ es da s ua conserva-
luta de ideias . Sectários contra sec tários, '"' <) l' l1:ro «separado». - A derro ta de
intolerância contra into lerà ncia. l .1111l'c iro e a morte dum espanta lho. - Um
XIl.- Alguns males do capitalismo . lidulgo antigo. Curioso caso de re ta rda-
O m orticíni o do L ena. Fuzilam-se operá- mento. - O que é a República e o que dela
rio s para que subam cotações. O naufrág io de1·em esperar os revo lucionário s socia is.
do Titanic . Actos de bruta lidade e actos de .'V .- Riqueza e mi séria . . . . . . . . . . . . .
solidariedade. - O sentido duma greve. O
direito do s traba lhadores à gerênc ia directa A s jo ias duma rainha perdulária. O esco po
das coisas. - O significado do Primeiro de da produçã o actual. Desv io e desperdício do
Maio. - Os «bandidos de automóve l» e o es fo rço humano . - O dinh eiro, in strum enw
anarquismo. de tirania. Onde es tü a riqu eza. - A p ropó-
sito duma crónica. A fonte do mal-estar e
XII I. - 0 valor da acção operária 189-2 16 deso rdem ac tuai s. O úni co m odo de «tornar
A greve d o pessoal do s carros eléc tri- toda a [:(ente proprietária.»
cos. - O qu e pode vir a se r a arbitragem
numa soc iedade livre e o que ela é ho je nos XVI. - Militarismo e demo cracia.
conflitos entre o Capital e o Trabalh o. - Os lim ites da libe rdade de exp ressão . O s
A verdadeira e a falsa «liberdade de traba-· direitos do cidadão e o crime de a ntimilita-
lho>» Os parasitas de ho je e os ociosos do ri smó.- Dem ocrac ia e mi litarism o casam-se
futur o. A necessida de fisio lógica, m oral e perfe ita m ente.- 0 c u lto o briga tó ri o do hin o
social do trabalho . - O peq ueno valor ma- na cional. - Os a rmam en tos e se us efeitos.
terial das reformas e a necess idade duma O m e lho r modo de «defesa naciona l». Ma les.
revolução soc ia l.- A atitude dos anarquis- da guerrra. - O qu e é a pátria para o bur-
tas ante o movimento operário e as degen'e- e
guês para o pro letári o. A so lida ri edade de
rações individualista s. O renascimentO sin- c lasse . - He rvé «rectifica o tiro». O h erv e is-
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mo. A pa laYra oantipa tri ota», ê rro pedagó-


gico . O que vem a ser o «militarism o reYo-
lu cionário» . Com o Her vé entende a «co n-
quista do exé rcito» . Uma adesão perigosa .
Com o deve se r de fendida .a revo lu ção. O
exemplo dé 4 de Outubro. CORRIGENDA
XVII. - Parábola do fim . . . . . . . . . . . . . . 283-2 8

Pájina Lin has Onde se lê: Leia-se:


3o 17 ó dio-o ód io-e
32 li ás as
41 17 infiuência influ ência
41 27 de as
54 16 lam entado la mentando
64 13 nm um
!02 20 u ão não
121 6 e lem en tes elem entos
128 3 lh e lh es
131 10 ca ro caso
160 Allemanh a Al ema nh a
238 2 denominação dominação
268 25 das dos

Alêm dês tes erros, esca param à revis5o a lguns o utros,


de m enos importân cia, co nsistentes sobre tud o na falta ou
troca de ace ntos. ·
.I

LISBOA, 15 DE MAIO DE 191 I.

Chegado a Portugal há dez dias, após uma au-


sência de dez anos, acho-me ainda atordoado da
viagem e sinto-me ain~a como que em país estran-
geiro ...
Tudo, porêm, o que já pude ver e ouvir não
veio senão confirmar a opinião que daí eu trouxe
formada quanto à estabilidade da República: que
a República tem larga vida e que o século das re -
taurações monárquicas já passou. A monarquia já
não encontraria elementos de vida nem no am-
biente interior do país, nem na atmosfera política
e social da Europa e do mundo ...
Em qualquer parte onde hoje se instaure uma
república, essa república tem todas as probabilida-
des de viver. Antes de dado o passo, houve hesi-
tações, receio de complicações sociais, temor de
cons ·rvadorcs, vacilaç-cs de rev lucionários - so- 11 dcscnganos da república e do sufrágio universal
bretudo onde a questão ocial ruge mais formidá- 11\'.eram o anarquismo, o socialismo e sindicalismo
vel, porque então os que teem que perdet·. reem volucionários, mas nada aproveitaram os rialis-
mais que temer e os outros são pouco entusiastas t11s. •

das soluçqes democráticas ... Não o elemento avançado dêsse mesmo opera-
Mas transposto o Rubicáo republ!cano, ninguêm riado, porque êsse não quer absolutamente o re-
terá interesse em voltar atrás, todos se apressarão ~rcsso dum tempo de equívocos, quando, para
a cortar a ponte ... fundar a república, o proletariado se esquecia da
E Portugal era µm dos países da Europa mais organização e da luta de classe, ao passo que hoje, .
propícios ao estabelecimento da república. desembaraçado o terreno daquela questão política;
A questão social manifesta-se débil mente ... a experiência em república há-de fazer · a sua obra.
Não há um numeroso e aguerrido proletariado in- Não os trabalhadores rurais, mesmo onde mais
dustrial. O operariado das cidades e os artífices das se encontrem sob a influência clerical, porque ~n­
vilas deixam-s~ embalar ao som das promessas de- tregues à sua lavoira, não os apaixona a política;
mocráticas. A alta e pequena burguesia tinha pouco e ignorante s e desorganizados,_ não teriam capaci-
que recear. As classes médias podiam pois mano- dade nem fôrça para opor uma resistência vito-
brar à vontade. riosa à vontade das cidades.
Quem resta agora para querer reconduzir ao Não as classes médias, porque a república é
passado monárquico esta terra lusitana? obra delas e para elas. As reformas democráticas
Não a alta burgue sia e a alta finança, porque a respeitam quase exclusivamente as idealidades e
essas são-lhes mais ou menos indiferentes as for- interesses daquelas classes. São elas afinal que,
mas de govêrno e aos seus interesses convêm mar- pela sua importância numérica relativa e pela sua
char de acôrdo com a opin.ião. independência material, teem maior influência em
Não o operariado das cidades, que é republi- democracia. Eleitoralmente, a alta burguesia, pouco
cano, por esperar da República sobretudo vanta- numerosa, e o proletariado, analfabeto e depen-
gens económicas; e que, por isso mesmo, se a dente, valem pouco.
República o desiludir, seguirá conforme os seus in- Quer isto dizer que não há complots monárqui-
teresses de classe, um caminho que o afastará cad·a cos? Não; não faltam os boatos, nem as prisões, .
vez mais da monarquia - como em França, onde nem as denúncias e suspeitas. . . Espalham-se ma-
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nifestos. O ex-capitão Paiva Couceiro já perpet rou


Mas qualqu er vento ligeiro lança por terra um ca-
·dois, famosos pela sua puerili dade e falta de gra-
mática . E ' um militar ão, valente nos comba tes, sarão em ruínas!
Como disse o último preside nte de ministros do
mas nulo em política, e ao que parece um pouco
rei, Portug al era uma monar quia sem monár quicos ;
desequilibrado. ~ . e a rialeza caíu mais por falta de esteios, pela
A impren sa republ icana declara nao ligar ?ra~de
frieza dos seus supostos defensores, do que pelo
import ância nem aos boatos nem às c?nspir~ç~es
ímpeto dos seus atacantes.
descob ertas. . . Uns dizem que anda msso metido
Mas restaur a-la agora contra uma forte corren te
0 govêrn o, para se fazer valer, e rec~amam o fim
de opinião - o caso é muito diverso. Os ventos
da coméd ia; outros asseve ram que sao manobr~s
não lhe são propícios, nem o decorr er do tempo
de jesuitas e monár quicos interes.sados em mante r
lhe será favorável, e qualqu er tentativa sossob raria
um ambiente de dúvida e de receio; outros acusam
no ridículo, se.gund o todas as probab ilidade s.
simple smente a fantasia dos boat~iros e ~ manha
Não é que faltem os descontentes. Não faltam.
dos explor adores da candur a de ricos dedicados à
São, ao que parece , · numerosos. Mas, com eles,
velha causa ...
na sua quase totalidade, não pode a monar quia con~
. . Se há, porêm, conspi radore s sinceros,_. ê~s.es
tar ...
proveem certam ente de meios polít.i:os at~t1hc1a1s,
das secreta rias do Estado , das reg1oes etereas ou Procla mada a Repúb lica, o primei ro momen to
foi de júbilo expansivo, de sincera adesão , de an-
palacia nas estranh as ao n1undo ~eal e po:'itivo; êsse~
nãu vêem na mudança de regime mais do que a siosa e confiada expectativa. Eram todos os olhos
suhstiwição duma coroa por um barrete f~ígio ou para ela voltados, eram todas as esperai~aSrJt&~l
vice-versa, feita à vontade em qualqu er sentido. As fundad as. . . Para todos os males se ~plt! rava aJi!:O1'
. A proviºd'enc1a
v10. . ~ over a fü do. 6'10vL.
. repu bl.1cana d evta.jlr
lutas e interes ses d.as classes, as aspiraç ões e mo-
vimentos das massas , as mil complexas causas so~ O providencialismo leva a esper~ d'um govern o Vi
ci ais que se entrech ocam - não existem . ~ara êl.es. duma simples transfo rmação políti§:hs s.olução par'a 8
Houve quem empre gasse o seu espmto ~ tam todos os proble mas sociais , remédi o p <!-ra tod11s }ü~
grande como a sua super_ficial id~d_: - em ~ir da dores particu lares.
rapidez e benignidade da 111surre1çao repu~lic_ana, Ora o govern o novo não deu mais do que podia.
depois engran decida por hipérb oles entusiá sticas. Os governos - em quanto govern os houver rtâo
podem conten tar a todos e hão-de descon tentar
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muitos para contentar alguns ... As desilusõe s vie- muito talhado pará as altas cavalarias da revolta· e
. '
ram; vieram os descontentes. . crew que de boamente aceitaria o subsídio que lhe
Mas dêsses descontentes, alguns dos quais ouvi, oferece a República, se não fossem os jesuitas e Ro-
uns ainda esperam; outros são conservadores e re- ma, a velarem pelos supremos interesses da Igreja.
ceiam enormemente a contra-revolução, que seria Depois de mim o dilúvio, pensaria êÍe; viva eu e
para mais a promessa de novas danças; e outros arranjem-se como puderem os que me sucederem.
se os desilude a república, é para saírem a campos Entretanto o clero mexe-se, os prelados reunem-
donde se descortinem mais largos horizontes - e a se e aguardam ordens do papa. Os simples padres
monarquia pode conta-los entre os seus piores ini- tambêm se reunem e proclamam seguir incondicio-
migos ... nalmente os seus respectivos prelados, muitos acres-
Uns temem as mudanças, outros querem avan- centam: e Roma; na maioria parece triunfar a re-
jeição do subsídio. Alguns protestam acatamento
çar.
E assim a minha convicção está feita: a monar- às leis do Estado e há-os que felicitam pública·-
quia é um trapo sujo, abandonado na poeira dos mente o ministro decretador - e declaram aceitar
caminhos, ,e a República, por ~ais desenganos que a pensão - que, por exemplo, o prior José Maria
acumule, está definitivamente estabelecida. A?çã ((p:efere, por mais digna e segura, às presu-
midas e mcertas esmolas dos fieis». . . .
Os leitores já estar'áo informados de que ésta
_ «separação» não é bem uma sepai;ação pura e sim-
Caí em Lisboa em plena efervescência provo- ples. . . Ao que parece, o pensamento do ministro
cada pela lei da «separação do Estado das Igrejas», foi separar o Estado das Igrejas, mas não ... vice-
versa ... Não sei se me percebem ... Até aqui, 0
,·, ~e' 28 11:le1,~bril. .
J )• '.)Efe:r.'vei,éência é um termo talvez excessivo ... Estado _e ·a !?reja ma~chavam emparelhados; agora
,' ,,,. • > > as Igrejas sao a matilha e o Estado o caçador, a
...,' egte , d l'cio~o mês de maio, gentil e florido, -
segurar nas correntes ...
' (quantà ftor'~s ! - ceu azul, campos verdes, cora-
. '\ Em paga o caçador dá ao~ párocos já atrelados
çõ & o/ -ries,,> por aqui nada ferve, salvo talvez os
) )b 'at):lp de conspiração, que fervilham mas não che- a título de direitos adquiridos, a ração conveniente:
para o que duplica a verba orçamental antes desti-
gá'm a1le~antar fervura ...
nada a tal fim; e se o referido animal - salvo os
Este nosso cura de aldeia não me parece, aliás,
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atributos divinos ... - recusa o prato de lentilhas . Tal é a teoria ...
estendido, o Estado recolhe o prato, com um «para
Mas os factos são o que são, e não o que que-
quem não quer mais há», mas largar a corrente, isso reríamos que êl.es fossem. Nem o Estado, nem a
é que não. Assim o faz saber a imprensa oficiosa. Igreja, escutarão semelhantes conselhos. Se no Bra-
Semelhante modo de ((separani não agrada cer-
sil, por exemplo, a separação foi mais ou menos
tamente aos espírito ena.m orados da liberdade e
perfeita, a ituação era muito outra, não existia um
que da liberdade conhecem o valor positivo. Esses passado de apaixonadas e violentas lutas religio-
não reconhecem ao Estado nem autoridade, nem
sas. . . Formular em leis quaisquer princípios teó- .
capacidade, nem competência, para intervir em re-
ricos, calmamente concebidos, era então aí extre-
ligião, como em sciência, como em arte, para reger
mamente fácil, sem ' grande oposição nem aplauso,
os domínios da consciência e da inteligência; e pro- e tambern sem fortes ernpeo bos para o futuro ...
curam restringir-lhe quanto possível as atribuições,
Mas na velha Europa, agitada de seculares con-
sendo ainda a!) que lhe restam todas elas mera-
tendas, com o ressaibo de ó~ios profundos e anti-
mente transitórias ... A êsses, o dogma do Estado
gos ressentimen tos, impossível uma solução amável,
rep~gna quase tanto como o dogma da Igreja ... ·
mesmo que fosse meramente teórica ... Como Por-
Esses, apesar de esperarem traiçã<;>, dariam á
tugal, fará por exemplo a Espanha: quando verda-
Igreja .a liberdade que ela reclama - não lhe dei- deiramente chegar a sua vez, lá tambêm, ainda
xando a atitude elegante de a reclamar com visos
mais do que em Portug al, se diní.: expulsão, rega-
de justiça, ela que tanto a negou, que tanto a con- lismo, fiscalização ...
tinua a negar aos outros, exigindo para si exclusi-
E no próprio Brasil, quem poderá garantir, ape-
vamente o predomínio e a exploração, quando pode sar de tod as as oposições teóricas, que o Estado
usar francamente essa linguagem.
prossiga para sempre na mesma conduta? A Igre-
- Nada de privil égios, diriam êsses; para todas ja, as congregações manifestam desde já veleidades
as opiniões, seitas, religiões, igrejas, escolas, asso- de predomínio, prujectam e constroem um partido
ciações, a mesma liberdade de propaganda e de
político, cujo escopo é essencialmente amold ar à
crítica. Que em frente da Igreja se erga e se orga- sua f eiçáo as instituições republicanas, ((levar Deus
nize livremente o livre-pensamento, o anticlerica-
ao Estado». A sua influência política exerce-se já
lismo - e que com iguais direitos, liberdade igual,
fortemente sôbre os poderes públicos, e S. Paulo
se combatam as duas fôrças ...
bem o sabe. Ora é provável, é quase certo que
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surja, no mesmo terreno, animado dos mesmos in- E' uma lei biológica tanto como social. Ninguêm
tuitos, imbuido de idênticos princípios autoritários, se lembra de pedir ao tigre que deixe de matar
um pai;-tido político anticlerical, que trate de lançar para viver.
mão da fôrça do Estado e de com ela dar combate Assistimos aqui à luta entré a Igreja e o Estado
ao adversário. E quando o Brasil ti ver bem ·plan- - e êste tambêm conforme a sua natureza; e como
tada a questão social e um operariado industrial desta vez a Igreja é a parte fraca, invoca a liber-
organizado, aque le partido 'anticlerical formar-se-á dade ...
e fortificar-se-á tanto mais depressa quanto mais Manhas de vencido .·. . Que fôsse ela a mais
rápidamente fôr preciso entreter, com ruidosas lu- . forte! ·
tas democráticas, as reivindicações proletárias . .. Nem em nçime do Estado, nem em nome da
Há uma boa dose' de ingenuidade em pedir ao Igreja se pode falar em liberdade, porque ambos
Estado e à Igreja o que não pode dar a natureza cultivam a impo ição do dogma - e a liberdade está
destes organismos de violencia .. . Eles lutam con- no polo oposto.
forme sabem e podem. Nem o Estado renunciaria Entre os dois a questão é sobretudo de fôrça e
à sua supremacia, estando de cima, nem a Igreja só indirectamente de liberdade . Que ao menos seja
deixaria de protestar, ainda que só lhe tivessem vencido - para todo o sempre - o mais caduco e· o
sido arrancados os privilégios e i;egalias. que mais repugnâncias .inspira!
Agora fala de liberdade ; falaria de direitos E a questão da liberdade - não teórica, náo le-
adquiridos em outros casos ; de direitos divinos gal, mas de facto - há-de vir a seu tempo.
noutros lugares; de fôrça e de fogueira noutros
tempos.
A Igreja não é um apostolado, mas uma potên-
cia flnanceira e política: nem é formada de evan- 5 DE JuNHO
geliza~ores e apóstolos, mas de funcionários, profis-
sionais, ambiciosos e gozadores. Com o escopo de Eleita uma Constituinte unànimemente republi-
enriquecer e dominar (uma coisa ajuda a outra: ri- cana, eis que nos chega, em telegrama de Roma,
queza e domínio conjugam-se), ·procura viver e de- . a notícia da publicação da encíclica papal de 25 de
senvolver-se conforme o seu destin-0, como qual- maio sôbre a República portuguesa.
quer orgamsmo. Nela, segundo diz o lacónico telegrama, o papa
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lastima vivamente que a série de disposições do go- nh~ - nem será por isso que s~ separarão da Igreja,
vêrno provisório da República portuguesa seja ins- mais ou menos azedamente, todos os Estados. Se-
pirada no mais avançado espírito anticlerical; co- ri~ estreitar ridículamente a questão imaginar tal
menta algumas delas e especialmen.te a lei de sepa- coisa.' O, r:púdio tem causas bem mais profundas
ração do 'Estado das igrejas, que declara nula e sem na vida mtima dos povos, nas necessidades morais
valor algum .contra os invioláveis direitos da Igreja. e intelectu.ais dos tempos novo's, na crise que re-
A Igreja tem naturalmente, pela boca do seu di- vol.\'.e e agita a humanidade.
rigente oficial, de reivindicar os seus privilégios ~eja qual for o papa, de tal modo a situação da
como um direito, de proclamar a sua superior au- Igreja, sobretudo na Europa, é precêlria que, longe
toridade, de defender a sua existência unitêlria e de reacender a fé uma ou outra forma autoritária
dogmática. Não há poder que renuncie, não há da acção do Estado, não se ouve senâo alguma
classe privilegiada que abdique, não há organismo breve observação filosófica de qualquer scéptico to,-
que se suicide, ou mesmo que se deixe matar sem ler.a.nte. Em vão a Igreja toma atitudes de perse-
resistência - a não ser que esteja moribundo ... guida e de vítima: ninguêm a leva a sério e nin-
E que diz afinal o Vaticano, segundo o resumo _guêm lhe estende a mão.
telegráfico? Que o govêrno provi.s ório é anticleri- ~ssim, no presente caso, para obter algum ar-
cal e que as suas leis atentam contra invioláveis di- ranjo com a República ou da parte desta algumas
reitos da Igreja, sendo por isso írritas e nulas. Em transigências, creio bem que não devcrü contar se-
verdade, não se lhe poderia exigir menos do que não com. . . a graça divina, sem cotação na praça,
êste protesto platónico, desamparado daquela fôrça e com as suas próprias forças e influências.
que seria imprescindível para anular de facto as leis Te?ricamente, en~ parte das suas reclamações,
republicanas ... a Igreja tem razão.
A cúr'ia romana poderia ter mais diplomacia? E evidentemente, se elas fossem apresentadas
E' pois quando muito uma simples diferença de ha- por mansos apóstolos sem mácula, suscitariam as
bilidade diplomática, bem pequena coisa aliás, por- si~p~ltias universais e levantariam cóleras irrepri,
qu~ não' há diplomacia que detenha a fôrça das m1ve1s e tempestuosas contra a violência execrêl-
c01sas ... vel. ..
Não foi por· inabilidade diplomática do Vaticano . Mas tal é o passado da Igreja, que a palavra
que se deu o conflito com a França e com a Espa- liberdade na sua boca parece urna grutesca contra
3o

<lição-que apenas provoca gestos de indiferença,


sorrisos de mofa ou contracções de furor. Ainda
tem partidários ou assalariados, ainda terá crentes;
mas não teiu militantes, nem mártires, nem heróis.
Tripudiou, dof!linou, esmagou. . . Mostrou que,
quem dispõe dw11 poder, quer inevitávelmente dis-
pôr de todos os outros; que com o espiritual se al-
cança o económico e com êste o político, e vice- II
versa. E' uma empresa, é um partido - e por certo
não são os jesuítas manobrando os conspiradores na
fronteira que daráo a todos a segurança dum sacer-
dócio de paz e amor, do puro exercício do poder 18 DE JUNHO
espiritual ...
E por isso o povo - aquela parte do povo des- o 'Mundo publicou no domingo passado sôbre
perto para a vida política e social, a que conta ver- as greves agrári"as, o artigo que já se fazia espe-
dadeiramente - é raivosamente anticlerical ... rar.
Colhem o que semearam. Semearam ódio - o Aquelas greves não são, segundo ele, naturai~
o ódio não é precisamente o pai da tolerância. nem espontâneas. Não tem, confessa, dados· de fa-
cto que lhe provem a existência dum fermento es-
tranho ·e artificial, suspeito ao seu fino faro político;
mas a coisa mete-se-lhe pelos olhos dentro.
Os camponeses do centro e do sul são, é certo,
miseráveis e vivem uma vida precária e extenuante. ·
Mas que sabem êles de greves e reivindicações pro-
letárias? Ignorantes e analfabetos, como puderam
êles concertar-se e reclamar? Longe das cidades ·e
do movimento operário, que luz é que guia e
orienta?
Há pois, por fôrça, orientadores, menew~s, fo-
32 33

mentadores de revoltas: será muito difícil deitar- . Que mais que~em? Nós fizemos a república,
lhes a mão? mstrumento de reformas; nós satisfizemos as mo- 1

Não diz o jornal republicano que idei as e intui - dernas aspirações intelectuais da democracia anticle-
tos atrib ui aos supostos meneurs, e se o conselho de rica 1; nós renovámos boa parte do pessoa 1 burocrü-
repressão que d~i e a doutrina que defende são vá- tic~ e colo~ámos bom número de correligion<:lrios e •
lidos em qualquer caso - quer visione agentes da amigos; criámos lugares novos, afCTuns de dez mil
re acção monárquico -clerical, quer fareje agitadores réis diários, e restabelecem os outrosba princípio abo-
operários. ·lidos ~orno inúteis; demos satisfações e vantagens
E' possível que assim seja, porque, quando é ne- · a ~ános gru~os da pequena burguesia, etc. - qu e
cessário sustentar doutrina de govêrno, depressa se mai s querem e
perdem ás últimas remin iniscencias da retórica e Estamos ern hora de sacrifício para todos, para
das conveniência~- da opos ição. se levar a bom termo a regeneração nacional· e se
'
Mas é tambêm possível que aquilo náo passe da e, ver dade que nem todos estão servidos, as impa-
reed ição das insinuações repetidas a propósito de
. ciências são obra de impatriotism o e traição . A re-
'
cada greve : que no fundo anda «manobra reaccio- pública a todos valerá; ninguêm tem o direito de se
nária)). servir por suas mãos.
Em França semelhante processo é dcsmascara d? Estranho seria que p ensasse m de outro modo,
manejo de governo; mas aqui é ai nd a provável que os nossos republicano s.
esta gente proceda de boa-fé. Não se lhes pode exigir que saiam fora do seu
Compreend e-se a sua mentalidade de jorna listas círculo e da sua lógica, nem que francamente vejam
e politicantes, concebe-se o prisma através do qual e, _d eclarem a repúb lica como forma, expressão po-
se acostumara m a encarar as coisas. 1mca d.a sua cla_sse, sómente capaz de fazer o que
Representante1:1 dos interesses e ideias das clas- tem feito, mas nnpotente para alterar as relações
ses médias, as classes médias são para êles todo o entre as classes, ou para melhorar eficazmente a
povo, e os interesses delas os interes es todos . situação do proletariado - a não ser no papel.
A sua repúb lica é coisa sacrossanta , e de tal Nem peçamos, à sua paixão política, maior se-
modo representa a liberdade e salvação de todos, renidade na questão das greves.
que perturbar levernente o sossêgo dos que a diri - Todos os governos e sua gente teem aquele
gem e digerem é cair no mais hediondo crime. modo de as julgar.


Organizadores e homens de iniciativa, é bem
provável gue os haja, entre os grevistas; ma~ q ué . · . . . l .' :
tenham intuitos políticos é bem difícil prova-lo. O 'J O facto que mais ocupou ttm Portugal as aten~
lv!1111do; afinal, declara nada saber. ções do mundo político na semana pa,ssadc.1 foi -~
E se tais intuitbs tivessem, de pouco lhes valeri·c.1 abertura da Assembleia Constituinte, e as suas pri-
' . meiras sessões.
isso .
Se o movimento alastra, apesar do atráso da~ Para festejar <:~ inauguração do primeiro parla-
populações rurais, é de aldeia em aldeiâ, pela· mento republicano, reuniu-se em Lisboa uma mul-
enorme fôrça do exemp lo contagioso, tendo co1m:- · tidão a son.1brosa, incalculável, que delirou de entu-
e. ado no melhor terreno, ·e pela facilidade çom que siasmo ante o f esado casarão legíslativo e adamou
~ mais rude trabalhador compreende os seus inte- com fr~n~tico alarido a «legalização» da Repúblic~,
resses cornezinhos - póis os grev istas não prden- <lo pav1lhao verde-rubro e do novo hino, bem corno.,
. . ' . ' - ~1 ua passagem, os homens do sol que nasce .. ·•
dern jú expropriar os propnctar1os.
.

Se os republicanos nfo tivess em de defender o · Toda aquela imensa, compacta ·onda hwnana
sossego próprio, e a paz das classes que tcen1 in- vibrava, trepidava, urrava, havia lágrimas em ~ui.­
fluência política, talvez chegassem a perceber e a tos olhos, e a meu lado, num intervalo de ca.l ma
admitir que no fim de contas esta ag itação é para um operário gritou a outro com excitação; .'
reaozijar os homens de progresso, pois indica no - ~ 5 de outubro foi uma grande data; mas a
b 'd . de hoje vale muito mais. .
prol etar~ado agrícola u:11 desp ertar para a v1 a pL-
blica, um grau de consciência e de vitalidade, que E para resistir ü loucura contagiosa da multidã~
não pode favorecer o regresso do passado, tanto e permanecer sereno em tam febril ambient~ era
como o fariam a apatia e a indiferença. '·'
-Oern preciso repetir a si próprio que a «legq.li?:~.Ção»
E póderiam até tirar il ações em bem da sua re- ó vem depois do facto consumado S:! sp por êk
pública, afirmando que, com o abalo produzido pela forçada, e que, se amanhã a orda do 'padre Cabral . ~

insurreição popular, tinha renascido a vida soe ial ·coma~dada pe lo matoide Couceiro, , empu!lhando
do país ... carabmas e ostentando no peito medalh;;i.s qe, Mar~'­
· ~irg~1:11i nos impusesse de novo a suq. monarqu,ia
Jesmt1ca., um novo parlament0, arra0ijado de qual-
quer forma, consagraria e legalizaria, . com igual
36

solenidade unânime, o novo facto con sumado; re- de apuramento declarou tranquilamente pertencer
petir a si próprio que êste parlamento não vai faz er ao candidato socialista ...
senão discursos e leis, isto é, palavras que o vento E eis aí como o govêrno republicano respondeu
leva e papeis que qualquer autoridade rasga ... .com fina ironia às suposições dos socialistas, dando-
fües os prazeres duma primeira vitória fácil e pre-
, .senteando-os com o que se pode bem chamar mm~
* entrada de favor» no teatro da representação na-
cional. . . Se êles depois não souberem correspon,
Os socialistas portugueses conseguiram levar ao <ler à gentileza, é porque são dotados de muito
parlamento - à Constituinte - o seu primeiro de - mau coração!
putado: conseguiram-no, mas sem grande esfôrço, A questão é entrar, e· o que custa é o primeiro
por uma espécie de bambúrrio ou de favor. Saiu- passo . O resto virá de si. E quando se entra assim
lhes a sorte grande por aproximação ... por tam largo e cómodo acesso, não admira que o
' Somados todos os votos obtidos nos vários cír- caminho depois seja todo atapetado de rosas .
culos onde apresentaram candidatos, o total foi de Demais, os socialistas democráticos portugueses.
3.308 (três mil trezentos e oito). Nenhum candidato já não estão nos primeiros tempos, em que se co-
foi eleito, nem mesmo pela minoria, com a repre- meçava a enveredar para o parlamento sob ingé-
sentação proporcional posta em vigor pela repú- nuos ou manhosos pretextos de propaganda ruidosa:
blica. -0s nossos sociais-democratas entram já maduros, e
Apesar disso, aquela cifra encheu de contenta- aqueles ilusórios tempos vão longe ...
mento os nossos bons socialistas parlamentares e~ Depois, veio a experiência e disse tanta coisa -
no dizer dos seus jornais, causou irritação e de - que alguns tinham previsto!
sespêro à imprensa republicana, que por êsse mo- «Porque não aproveitar as eleições e o parla-
tivo guardara silêncio sobre a votação! mento - ao menos para naquelas gritar à massa
E então parece que foi mesmo de propósito: eleitoral as nossas reivindicações e clamar neste, à
um dos republicanos eleitos pelo Porto foi pelo face aterrada dos representantes burgueses, a cólera
govêrno provisório escolhido para governador civil tempestuosa das nossas revoltas, com larga retum-
do .distrito, cargo incompatível com a função legis- bância pelo mundo? . .. »
lativa, e deixou assim uma vaga, que a comissão E eis os fogosos propagandistas ante a massa
38

~leitora!. Eta esta uma classe unida por um grande Depois, era o parlamento. Não já a oficina en -
interesse comum? era ao menos uma legião âaru .. tr.e companheirns, a 1ua, entre rnolucionári os, o
. b
pa'da em tôrno durna vasta · e forte id_eia? ·meio em que se ganha calor e ánimo, sob o incita-
Nada disso.' Tratava-se dum amálgama dis'- n1ento e a vigilfü1cia directa de todos, e OQ.de as
corde de desconte.ntes por motivos diversos e cor±i tentações de suborno são . ram grosseira~ que só
bem diversos pequenos interesses e fins, de lojistas~ apanham os predipostos, os ,pequen os ambiciosos e
taberneiros, pequenos proprietários, empregados, alguns .inutilizados pela misérja... .
funcionários, operários . 1 Era um ambiente burguês, requintado, acaricia-
Como falar-lhes? Fazer a crítica da propriedade dor, traiçoeiro, corrompido, uma assembleia de
privada, da pátria-Estado, do exército? Falar-lhe s desesperante incompetência, impotente e de rn á-
1

de revolução soda!, de socialização, de expropria- vontade.. .


ção revolucioná1'ia ? Credo·'. · E vieram as manobras \:SCuras; os compromis-
Qualquer prog1:ama nítido, qualquer afirmação sos e combinações, os escündalos, os a.rnansamen-
revolucionária dispersa ria aquela gente, afugentaria , tos; m1s recolheram as suas iras, .outros desertaram
os melhores. · a causa, outros fizeram-se ministros e n<lo foram
Ali estavam os· pequenos burgueses, a maior dos mais doces . . .
força eleitoral;· pela sua instrução e pela sua rela- E foi o partido organizado só com o fim eleito-
tiva independência económica. Era preciso lison- ral, gastando nisso rios de dinheiro e de· energias
jea-los, falar-lhes nos seus interesses, esconder em e descurando o resto. ·
sua honra o mais rubro do programa. São meio E foi o «trab alho » parlamentar, a obra legi sla-
patriotas, e as suas aspirações reduzem-se a certas tiva, vã e inerte, chamando todas as atenções, con-
0

reformas democráticas - tributárias, aduaneiras, lo- centrando toda as ene rgias, resumindo todas a
cais ... Prometa-se disso! lutas. •
Junta-se número com vagas aJirmações liberais E foi a necessidade de refazer o caminho per-
e ribombantes,, sobre as quai s todo u mundo está de dido - proclamandó o movimeo.to operário laborio-
a.côvdo. E aceitam-s·e concursos duvid osos, fecham ~ . sarnente a sua independência, constituindo-se no
se os olhos sobre contingentes comprometedores, le- partido uma facção para lutar, com proveito es-
vam-se a cabo combinações e intrigas, executam-se . casso, pelo remoçamento '.e revigoramento do socia-
.((manobras» ... A questão é entrar: depois .. . lismo, contra a mania e marasmo eleitorais .
41

E foi a invasão do partido por um bando de - E' preciso, diz um, que a República não se
((intelectuais>), de profissionais da política, do jor- Limite a promessas, como fez a monarquia.
nalismo e das profissões liberais, todos tarados de E por isso vamos ter farta messe de leis ou de
burguesismo nos hábitos e nas ideias, que vieram, projectos ...
não como propagandista s sinceros e desinteressa- Já um dos deputados acusa a assembleia de ter
dos, mas como aventureiros ambiciosos, buscar po- sido únicamente platónica, com os seus requeri-
pularidade e precipitar a queda do socialismo elei- mentos, ao passo que se precisa de «legislação));
toral e parlamentar, dando-lhe o programa dum e outro atalha a êste propósito, que legislação exis-
partido burguês radical . . . te, até do tempo da rialeza (trabalho das mulheres
Radical? que digo eu? Não é preciso tanto! Mo- e .menores, bolsas de trabalho, etc. ) mas que não
narquias e repúblicas fazem à porfia «legislação .se cumpre . .. .
operáriaJ>, e até ministros liberais e conservadores E porque não se cumpre? Responde outro depu-
são dela corifeus ... tado, entrevistado pelo Séwlo:
Para isso não precisam o socialistas de ir ao Pela «simples e soberana razão de o nosso ope-
parlamento . . . Assim · a Constituinte portuguesa rariado ter estado completamente desorganizado .
tem seis dias, e já em duas sessões consecutivas Por melhor que seja uma legislação, só poderá ter
foram apresentados vários projectos e propostas de infiuência e P.roduzir vantagens apreciáveis se o
ccprotecção >> ao operário, na ausência do único de- .operariado tiver fôrça para manter a sua aplicação.
putado socialista ... Por qualquer aspecto que se encare a questão-ope-
rária, tem fatalmente de concluir-se que a principal
condição de progresso reside, essencialmente , na
organização das fôrças trabalhadoras. Sem isso, a
Os socialistas, na verdade, podiam ter-se dis- protecção da lei será sempre ineficaz.>>
pensado do parco esfôrço que fizeram para levar E, parece que de propósito, um deputado pro-
ao parlamento um deputado: a Constituinte está põe que não se aprovem projectos que envolvam
cheia de amigos do proletariado que se apressaram aumento de despesa, antes de se saber como estão
a apresentar, na ausência do representante social- de finançàs. . . ·
democrático, um punhado de propostas e projectos Lá ·fora, há repúblicas e monarquias que teem
de reformas sociais. uma vasta e complicada legislação operária.
.E como em geral o Estado estú para estas coi- contentou a gregos e troianos. E representações
sas mal apetrechado, é preciso criar novas engre- para aqui, e propostas para ali, e promessas para
nagens, ü custa naturalmente do trabalhador; de acolá - e tudo como dantes, mesmo quando, pro-
cujo bolso saem os impostos e todo o dinheiro qtiie ' clama.da a república e avivadas novas esperanças,
se gasta e desperdiça nas reformas. recomeçou o mesmo jogo, de tal modo que a comis-
E.ssas engrenagens só se movem onde e quando são ameaça demitir-se e declinar roda a responsa-
(mesmo dentro de cada país) bá a fôrça motriz da bilidade no que possa suceder.
organização operária .. . e da acção directa . Há já vinte anos!
Mas é raro que se mexam bem, ~em ferrugem e , E poderão continuar assim indefinidamen te, so-
com proveito, porque o Estado só sabe regu lamc:n- bretudo se confiam na nova ordem política de coi-
tar e coarctar, iludir e cqibir . . . sas e no grande estadista Fulano que, tendo decre-
Depois, tudo é mesquinho, precário e transit<i- tado reformas democráticas simp<lticas às c l asse~
rio, porque em regime capitalista, todas as \' ant<L- médias há-de rnelhorar certamente - como se fôsse
a mesma ' coisa'. - a situação do operariado com um
gens cunguistadas esüfo il merce das crises e do
próprio funcionamento normal do regime, que as «conjunto de leis redentoraSl> que «assegurem a sua
anula. lib,erdade económica)) !
Porque, se entre os políticos republicanos há
que.m reconheça a necessidade da organização ope-
:!4 01;: Juuw i·ária e da acção directa, não falra quem veja na
simples mudança do regime político a garantia de
Hecentcmente , uma com is ' ãO de óperários e a'J)licação certa de vúlidas refo_rmas operárias, ape-
mestres da construção civil do ·Porto apresentou ao sar da demonstração cotidiana de parcialidade fa-
govêrno urna representação relaü,·a aos acidentes no vorüvel aos patrões, dada pelas no\'as autoridade ·
trabalho, descrevendo o longo esfàrço empregado republicanas, que acabam, por ex.emplo, de encer-
para obter uma lei de protecçáo razoável e eficaz. rar. no Porto a Federação das Associações Opení-
Hc\ vinte anos que se consomem em demandas rias e a União Geral dos Traballladores .
e requerimentos . Em I~)o'.°) foi finalmente promul- E apesar de ha,·er monarquias onde se aplicam
gado um decreto regulamentar ou coisa que o va- numerosas reformas, se há organizaç üu operúria,
lha, mas ficou letra morta; e outro de 1 ~)O~) des- consciencia de classe e ... ri queza i11Llu -; trial.

li
44
Respondendo a um deputado, disse há dias na trão, interessado em tal concorrência, que lhe rn1
Assembleia Constituinte portuguesa o ministro do abrir os olhos!
fomento: Quantos exemplos mais de obstáculos opostos
(<Aludiu o sr. Ladeira ao trabalho dos menores às reformas pelos próprios beneficiados - por icrno-
. b
nas fábricas. rância ou por desunião em face do patrão - pode-
Quanto a êsse assunto, é mui fácil legislar mas riamos citar!
dificílimo executar. E disse mais o minisu:o:
Por exemplo, é frequente em muitas fábricas «Ü que é preciso, no que toca a relações entre
declararem os patrões que admitem crianças por- operários e patrões, é que todos aqueles se compe -
que os próprios pais o exigem e, assim, encontra- netrem da necessidade de tornar próspera a indús-
mo-nos perante a exploração dos menores pelos tria em que trabalham e que não teem direito de
próprios pais, e não pelos patrões.» forçar o industrial a pagar-lhes mais do que êles
Falou com cabeça a excelência ilustre. E ' o pró- produzem.»
prio operário que tem de tomar consciência dos Fala em nome da classe que ele representa, na-
seus direitos e da sua situação, de conquistar e turalmente. Porque se o operário se põe com essas
manter os melhoramento s desejados. Pela propa- considerações e espera pacientemente que a indús-
ganda, pela organização, pela acção, é que a classe tria prospere, arrebentará de fome antes de chegar
operária se emancipa a si própria - e que chega a ao fim. E se a indústria alcançar a prosperidade e
perceber que a lei é coisa nula, e que afinal as re- êle, habituado a esperar, permanecer na expecta-
formas não modificam sensívelmente as suas con- tiva - está servido. O patrão enriquece, mas êle
dições gerais, não podendo os produtores dispor continua na mesma, se não se mexe: é o que acon-
dos instrumentos de trabalho, fábricas e máquinas, tece nos países que atingem rápidamente um grande
e organizar a produção não para lucro de poucos, desenvolvimen to industrial, como os Estados-Uni-
mas para consumo de todos. dos.
No caso citado pelo ministro, o operário incons- Quem não pode arreia. Se o patrão se sente
ciente ignora que, alêm da infâmia praticada contra fatigado e impotente, que renuncie à sua função
a infância, prejudica os seus próprios interesses e inútil e parasitária e abandone aos trabalhadore s o
os de todos, porque a concorrência das crianças encargo da produção. Se estes, por inconsciência e
faz baixar os salários. Mas não é certamente o pa- desorganização , não estiverem aptos a receber a
herança, que abra falencia, que vá para o diabo -
e os operários emigrarão. Cruel necessidade dêste
regime social; mas sempre é melhor isso do que
morrer de fome na «querida pátria».
Demais o mini stro dissera antes: 1'

((Há ainda a notar, quanto às condições ger"!-is


da indústria, que é tambêm vu lgar, se não genérico,
encontrar da parte dos próprios industriais uma fl

insciência lanlentável quanto aos meios de produ- 11 l


zir melhor e mais barato; e daí a exp loração do ;_

operário."
Pois bern: que os industriais se mexam, se de-
sembaracem, se desembrulhem, aperfeiçoando ~
técnica, desenv0h-endo o maqu inismo, p'ara pode-
rem satisfazer as ·reclamações dos operários -- e Com a organização do exércitó, denlrn-sc alguns
estes por sua yez, · empurrados pela introdução de incidente s significativos, e entre os que mais o fo-
·máquinas, irão exigindo redução de horas para que ram estão as manifestações de protesto ou de re-
não fiquem alguns sem !Ligar, e irá tudo num .cres- gozijo pela deslocação de tropas.
cendo e nurn·a alternação de progressos e conqu1sta.s, Todas as localidades se pretendem com direito
até ao estoiro final . .. a um magote de soldado;; ; e aquelas que de algum
E ·e ntão os nossos operários, factores de pro- contingente são privadas espinoteiam de desespêro,
crresso l impulsore~
t:> . . da técnica
industrial, habituados assirn como fogueteiam de contentes as que t·ecebem
à luta, ao5 melhoramentos, à nova indústria - acha- o precioso folar dum batalhão.
rão pronta urna bo'a maquinar ia, capaz de bem. ser- . Assim, por exemp lo, em quanto Faro agradece
vir, sem grande esfôrço humano, a comuna li ber- ru1dosame~He um «sensato)} brinde dessa ordem, vi-
tada ... toriando a RepLÍblica e chamando podre ao velho
regime, que deixara ao abandono aquela capital
de distrito, TaYira, espoliada dum batalhão e1ú fa-
vor de Faro, clama contra a negra traição republi-
n
49
cana, fecha as portas das suas lojas, faz greve de trinas económicas esse,ncia1s, reclamam nos parla-
serviços públicos e reune comícios violentos. mentos a redução das despesas militares cc improdu-
E' provável que tudo acabe em bem, com as de- tivas )) ! ·
vidas compensações para todos, não porêm antes Como se o consentissem de boamente, sem uma
de nos suscitar várias reflexões. revolução social, todos os numerosos interessados!
Pensa-se primeiro nesse conflito de interesses São primeiro os militares profissionais; os por-
que é a característica do actual regime económico. , tadores de divisas e · galões, · e as classes médias
E acode em seguida à mente o pequeno alcance que acham nessa carreira um bom escoadoiro para
das reformas legais, mesmo aquelas para as quais os seus moços e bons partidos para as suas don-
está o govêrno mais apetrechado e tem maior com- zelas.
petência. Deve respeitar <<direitos adquiridos» ou São os grossos fornecedores do exército e da
interesses criados, não despojar de proveitos sem marinha e a metalurgia nacional e estrangeira -
dar compensações, ou pelo menos fazer tantos con- esta últin1a com a protecção interessada dos respe-
tentes quantos os descontentes: .isto é, na melhor _ctivos governos e agindo diplomciticamente ...
hipótese, tirar a este para dar aquele, deslocar ape- São os pequenos comerciantes, hoteleiros, artí-
nas. Reformar mais pela rama do que no fundo. fices, etc., - a quem o quartel' dá de comer, em
Mas isso são considerações gerais. Outra há maior ou menor grau, mais ou menos directamente.
particular ao caso presente. . São ainda os numerosos operürios ocupados nas
Não se trata agora de abolir o exército perma- indústrias e profissões que . vivem hoje da vida das
nente nem de reduzir os armamentos, antes pelo classes armadas - operá~ios que 1ançados de re-
contrário. Trata-se de simples deslocação de tro- pente, ou em grandes fornadas, nÇ>,mercado do tra-
pas. E o alarido é o que se vê; imagine-se então o balho, causariam uma espantosa erise.
que seria, se redução ou supressão houvesse em São portanto os operários todos, de todas as in-
regime capitalista e se fosse preciso descontentar, dústrias, agrícolas e fabris, tanto mais que essa
não uma pequena cidade e reduzido número de in- crise se agravaria com a entrada, no campo da
teresses, mas todas as cidades e muitas mais clas- concorrência de braços, da massa de soldados dis-
ses poderosas! pensados.
E há um pacifismo que sonha com o desarma- A nossa bela sociedade está de tal modo orga-
mento,_e até «Socialistas», esquecidos das suas dou- nizada que qualquer trabalho, por mais reconheci-

4
damente inútil ou mesmo nocivo que seja, contanto
e
de extinguir O parasitismo mi~itar outros é !OIJnar
tudo de todós e produzir para todos. Então, c~da nov9
que garanta o pão cotidiano ao :rabalhador e ao~
braço aplicado ao trabalho útil será p<f,ra todos uma
filhos, é sempre aceito e bem-vmdo, e a sua su
verdadeira bênção. , ,
pressão causaria sofrimentos e yr~testos. .
'li:
O nosso lindo mundo capitalista - no qual a
produção é regulada para Lucro .dos senhores d~s , r
Sempre que s.e fa la da abolição duma peça inúti~
meios de produzir e não para satisfazer as necessi- e dispendiosa no mecanismo do Estado, dum' priv,i -
dades de todos - está .de tal máneira arranjado que légio ou duma velharia, logo surge, a imp'e dir a re-
a desocupação é origem e smal de miséria e não . tt
forma ou a neutralizar-lhe os efeit~, a velha histá:-
'
1

prova de riqueza e abundância. . . ria dos «direitos adquiridos».


Os soldados, empregados num serviço improdu- ' i
E é argumento indiscutível e decisivo, ao . 'qua,l
tivo e vivendo portanto à custa do labor pro~'Utivo, ninguém ousa pôr o mínimo reparo e que párec~
deveriam numa sociedade racional, se abandonas- dispensar todos os outros. ' ,.. · ·
sem tal ~erviço, aliviar os encargos gerais e ainda E' por exemplo suprimida a rialeza; ·mas ' man~
colaborar no' trabalho produtivo. têm-se aos reis destronados uma boa renda ' ~ ainda
Assim seria, numa sociedade racional. Mas, sub- quando tenha havido famosos ((adiantamentos); . ·
sistindo o Estado e a apropriação individual dos
Separa-se a ·Igreja do Estado, pr<;>clama-se a
meios de producão, nem os impostos seriam r~d~­ justiça de só pagarem aos padres os que deles ne·-
zidos, porque ~averia numerosos e pesados «direi- cessitem; mas aos actuais funcionários eclesiásticos,
tos adquiridos)) e infiuência, a compensar, nem os
em nome dos <edireitos adquiridos», reserva-se uina
braços disponíveis viriam farnrecer os outros tra-
pensão vitalícia, qúe pode mésmo passar à esposa
balhadores - muito pelo contrário, pois que os sa- . ,
e aos menmos. .
lários baixariam pela superabundância de mão de
Trata-se da mudança, da extinção duma secreta-
obra. ria, duma Universidade, dum regimento - e aí te-
E então? 1
mos os «legítimos e sagrados interessesJ> e <;direi-
Então o remédio está naturalmente indicado: o
'
desarmamento . -
é uma utopia na actual organ1zaçao
tos adquiridos» a oporem urna indestrutível barreira
a qualquer innovação ou a impore!11 compensações
social e só serve para engôdo da massa incon~­ equivalentes .
ciente em programas de oposiçãó; e o único rtl;'l10 ·
53

Os casos são sem conta. E até se poderia de- ~orventura s.e reconhece ao velho operário des-
fender a eternização duma situação qualquer, em pedido o seu direito adquirido, e bem adquirido ?
nome dum «direito adquirido)) - mesmo que fôsse . Quando se fecha uma fábrica ou rebenta uma
o de reinar. .crise industrial, fala-se nos direitos adquiridos pelos
trabalhadores ?
E é natural.
A mudança de forma de govêrno e de pessoa[ Teem . <'.direitos adquiridos» os pobres, os peque-
governante (pouco sensível em geral, com as «ade- nos, as vitimas sem poder e sem influência?
sões» e a rotina de processos) não altera o regim e Que se considerem muito felizes quando lhes é
económico e político da sociedade, nem o valor e a reconhecido o direito a uma esmola, a um osso ma-
situação das fôflças que a dominam. gro que os faça desistir de algum intento de revolta
Conservam-se as mesmas influências financeira s e de protesto.
e económicas e até as mesmas influencias políticas, E se ainda alguns outros lhes são reconhecidos '
, '
vestidinhas de novo com a roupagem da mais sin- e q~ando se un~m e mostram os dentes. Adquirem
cera adesão. entao. naquele mstante direitos que ninguêm lhe ~
E um govêrno qualquer não tem outro remédio .s uspeitara antes disso.
senão obedecer-lhes. Os direitos adquiridos ·estão na rç1zão directa dá
Não se trata então de saber como e po1·q11e foram fôrça dos interessados -- como ~stão muitas veze~
adquiridos os direitos; re speitam-sé fôrças e influên- na razão inversa da sua legitimidade.
cias, acalmam-se resistências, arranjam-se amizade Um privilégio, com bons empenhos, vale mais
e apoios. e faz-se pagar mais caro do que um bom direito
sem protecções e amparos.
Questão de fôrça, não de direito.
Porque o privilégio e o abuso não adquirem fo- Pois ben:: uma revolução verdadeira - e par~
ros de legitimidade por mais tempo que durem- ser. verdadeira, _tem de ser social, transformar 0
Ninguêm reconhece ao salteador o direito adqui- regime de propnedade - não pode respeitar «direi-
reitos adquiridos)).
rido de roubar, ainda que o haja exercido sem obs-
táculo desde a infância. Em vão êle alegará que E o primeiro de todos é o do proprietário à ni-
não pode sem sacrifício renunciar àquela vida e pe- demnização, prometido por alguns falsos socialistas
dirá que para os outros continue o sacrifício de. partidários dum Estado que seria, corno todos, '
morte do socialismo. 1
nela o sustentarem.
são sôbre a assembleia, o que seria indigno qum
O único direito adquirido a reconhecer é o di-
país civilizado!
~~it~ ài vid'a - o _direito ao trabalho e ao pão, o
O autor da moção deve ria ler e· meditar a
fürelto ' a consumir segundo as suas necessidades
(1Grande Revolução», de Krap ótkine, para ver que
tendo produzido conforme as fôrças próprias.
as secções revolucionárias de Paris não se conten-
tavam com a ((pressão» exercida na praça pública,
mas levavam-na para dentro das salas onde se re-
uniam as assembleias legislativas tidas como inno-
9 DE JULHO
1 '
v11doras ...
Mas se o P.a rlamento faz tam elevado conceito
Tenho 'a honra de apresentar á nobre Assem-
de si, mais divino o faz de si própria a Igreja - e
bleia Constituinte as bases para um projecto de lei,
no entanto esta diz que se conformaria com uma
que passo a fundamentar.
separação pura e simples ...
Bem sei que o parlamento se tem na conta de
Poi~ bem: é uma coisa neste género que eu
engre'n agem indispensável e indiscutível. Assisti da
que rena propor ...
galeria a um pequeno facto sintomático. Um depu- Os deputados pretendem votar para si mesmos
tado propusera a amnistia aos ferro-viários suspen-
:um subsídio - sem o qual, como viveriam os legis-
sos ou castigados por motivo da greve e a câmara
ladores pobres? Seria o ludíbrio da representação
recusara a urgência. .nacional!
Estava n:a mesa um telegrama de ferro-viários
. E todos. estão de acôrdo. A objecção é apenas
«estranhando e lamentado a resolução ... » E vozes
a moporturndade ... (<Não mostremos tanta pressa
iradas: comprometente. Votemos primeiro a lei básica. So-
- Não yode ser! ... E' uma censura à Assem-
mos juízes em _causa própria - e que diria o povo
bleia!. . . Esse papel nem deve ficar na mesa! ...
se antes de mais nada nos servíssemos a nós mes-
E o papel foi rasgado. A «soberania» parlamen- mos por nossas mãos, dando às massas o mau
tar não admite censuras do «povo soberano» ... exemplo· da acção directa ?» ...
Verdade seja que o povo soberano tem a mesma
Ora _eu reconheço francamente a lógica desta
ideia: assim a moção aprovada num comício da pretençao. Desde que se admita a necessidade ou
Rotunda, sôbre a constituição e o subsídio aos depu- utilidade do parlamento, é natural que seja pago ...
tados, salientava que o povo não queria fazer pres-
56

Mas - eis a questão ...:._ é só para quem admite, sendo inexorávelmente riscados os que não pagas-
só para quem gosta . Tal qual sucede com os pa- sem, ou sôbre os que viessem votar no dia das elei-
dres, que se reconhece geralmente deverem ser ções, havendo neste caso .sôbre a mesa duas urnas:
sustentados única111ente por aqueles que não podem u ma para os votos, outra para os cobres, como uma
dispensar os seus serviços. caixa das almas . . .
Não é, pois, igualmente lógico, igualmente justo, O produto de tal imposto iria para um cofre, do
que os deputados sejam subsidiados sómente pelos qual seriam subsidiados os nobres pais da pátria .. ~
eleitores? Se os senhores deputados não aceitam com ale-
A lei eleitoral exige, para a validade da candi- g ria êste elegante projecto, ficarei autorizado a di-
datura, certas formalidades, entre as quais que seja zer que não confiam na espontaneidade, entusiasmo
apresentada por cem eleitores do círculo . e desinteresse dos eleitores, nem no va lor do· famoso
Pois bem: que êsses eleÍtores constituam obri- d ireito de voto.
gatóriamente uma associação encarregada do . . . - *
ia a dizer do culto! - de prov_er à subsistência do
seu deputado eleito, podendo angariar sócios con- 3o DE JULHO

tribuintes entre os eleitores do mesmo, mais ou me-


nos como se faz com as associações cultuais na lei Tem-se discutido, dentro e fora da Constituinte,
da Separação da Igreja ... se a República deve ter ou não presidente, se deve
Esta parece ser a solução mais justa, pois que ser parlamentar ou presidencialista, se há-de haver
o deputado seria pago sómente pelos que o ele- uma ou duas Câmaras, se os ministros hão-de ir ou
gessem. não ao parlamento, se o senado deve representar
Mas haveria meio de tornar solidários todos os os municípios ou as classes associadas, se o sufr::í.-
e leitores, lançando sobre eles um imposto - pe- gio há-de ser mais ou menos universal, etc.
queno sacrifício em troca dum direito, que parece Isto é, discute-se o modo de cozinhar a iguaria;
ser tam proveitoso e importante, tam fecundo de q ue é sempre a mesma.
regalias que hoje até senhoras mais ou menos deso- Por mais voltas que lhe dêem, o gôsto a peixe-
cupadas o reclamam. e spada · não lho tiram; e o povo há-de vir a perce~
O imposto referido poderia recair ou sôbre to- ber, ainda que lhe custe, que, seja qual fôr a farda~
o s os que se inscrevessem nos caderrros eleitorais, trata-se sempre do mesmo guarda aos privilégios
58
59
da class.e que o explora, sempre da mesma burocra-
E dizer-se que, hà poucos meses, um grande
cia parasitária. poeta, consultado sobre a necessidade ou desneces-
Mesmo dentro do critério político burguês tudo
~id~de de' presidente da república, respondeu que é
que possan;i fazer virá a dar na mesma.
md1spensàvel a peça, porque os homens não são
Com presidente de república ou com president·~
anjos, nem o serão nestes mil anos mais chegados!
d~ ministros, com o apoio ou sob as ordens dum
· Oh! fôrça da imaginação poética!
bando político ou duma oligarquia financeira, será
A questão era bem restricta: não se tratava afi-
sempre mais ou menos a ditadura, por mais más-
nal de suprimir o Estado, nem o poder executivo,
caras democráticas, e parlamentares que lhe afive-
nem sequer o cabeça do mesmo ... A pesada má-
lem. quina continuaria a funcionar do mesmo modo -
O poder executivo, se precisa das engenhosas e
corno ~uncionou nos meses de govêrno provisório.
cómodas ilusões parlamentares, sabe e pode muito
' Aplicado nestas condições, o raciocínio mostrou
bem organiza-las e manobra-las a seu gôsto.
bem o que vale e como é feito!
E' êle que dispõe dos empregos, da fôrça ar-
O govêrno, com todos os seus ramos, ou a sim-
mada e da influência do poder, e é êle que faz as
p~es peç~ ~o centro.' é a providência que regula a
eleições. ·
vida social. Para viver sem êle, deveriam os ho-
O «sufrágio universah obedece ao poder do di- mens ser anjos!
nheiro, às sugestões da grande imprensa política e fi-
. E' e sa providência que preside a todas as ma-
nanceira e às influências e coacções do caciquistJ?O.
mfestações da indústria, da sciência, da arte, que
E quando o embaraçam essas formalidades de
Jhes coordena os movimentos ! que promove todos
expediente - sobretudo se o inimigo é o de classc::t
os progressos!
o inimigo «social>i, o proletariado - a máscara é.
Como é diferente a realidade!
violentamente arremessada para longe e a ditadu.ra
A instituição governamental - com todos os seus
surge tal qual é. pod~res - não promove progressos, nem defende
Tem apenas um travão: a resistência popular
?s interesses gerais, nem protege os fracos, nem
directa; mas não é estatuido nas Constituições, a
impede os actos anti-sociais.
não ser às vezes dum modo platónico e hipócrita.
· . A · sua. função específica é garantir a propriedade
Porqí.le a acção directa é a revolução ou conduz a
pnvada, isto é, o privilégio . económico, e manter e
ela, e a revolução é a quebra da legalidade.
alargar o seu próprio poder, o privilégio político.
60 \'I

E' proteger os ricos contra os pobres e fazer Os homens não são anjos, nem quando gover-
justica de classe. nados, nem quando governante s; e se o tivessem
Á polícia, os tribunais e as prisões, em vez de de ser, seria para tornar possível a absurda utopia
prevenir e curar o crime, fomentam-n o e desenvol- dum govêrno progressivo , paternal e imparcial.
vem-no, o que aliás lhes é vantajoso; e mesm? nos Mas para viver livremente, produzindo todos
actos francamente anti-sociais, são só severidade e todos consumindo , não precisam de ser anjos.
para os pobres, mas passa-culpa s para os ricos e Basta que não tenham meios de explorar e domin~r
influentes. os outros.
Ora bem: passem os meios de produção - terra,
máquinas, matérias primas etc. - e os de trans-
porte a ser de todos, e seja por todos e em pro- A sociedade actual está dividida em duas clas-
ve.ito de todos organizada a produção, bem como ses principais: a dos poucos que possuem hereditá-
o consumo. riamente a terra e toda a rique'za social, e a da
Organize-se a vida social a começar por baixo, grande massa, privada dos instrumento s de traba-
pelo acôrdo livre e espontâneo, em gru~os e fede- lho e da terra, e obrigada por êsse motivo a dei-
rações de produtores e consumidor es, guiados pelas xar-se roubar e oprimir pelos proprietário s. Os ex-
suas necessidade s. plorados são forçado a abandonar a maior parte
Suprimam-s e dêsse modo as causas de ~quase do produto do seu trabalho e veem muito reduzida
todos os delitos e entreguem- se a prevençao e a a sua possibilidad e (ÍL' adqui;·il·, bem inferior às
solução dos conflitos subsistentes , bem como a .cura suas necessidade s reais. E como a produção é re-
dos doentes, à intervenção da família e dos amigos, gulada pelo capitalista, que só quer vender e lucrar
aos árbitros voluntáriam ente escolhidos, à influên- e não satisfazer as necessidade de todos, só se
cia das associações e da opinião pública esclare- produz em quanto há lucro, em quanto o mercado
cida, aos homens de coração e competênci~ - ~ pode comprar, embora os consumidor es precisem
essa verdadeira «vigilância social», bem supeno~ aQ de muito mais. O proprietário tem interesse em
nosso absurdo sistema repressivo e ... fomentador . rarear ou assambarca r o produto para o encarecer.
Que viria· então fazer um govêrno --:- a ~ão ser Assim é que, havendo disponíveis e inactivas
restabelece r o privilégio em favor de apa111guado~ máquinas e matérias primas para outras máquinas
e . partidários seus? · e para todas as espécies de produções, materiais
02

de construção, terras incultas, etc., não são apro..-~


s?ciais; o seu principal cuidado é reprimir os aten-
veitadas essas fôrças produtivas, êsses capitais ver- tados contra as instituições económicas e! políticas
dadeiros (o dinheiro é apenas um sinal), porque o~ de que êle é a expressão e distribuir a justiça se-
proprietários não teem nisso interesse, embora so-1

gu~d o, a classe social, a categoria, a riqueza dos
brem populações privadas do necessário e centenas delmquentes, mesmo nos actos verdadeiramente an-
de milhares de trabalhadores busquem trabialho! ti -sociais . ,
. Desta situação resulta a miséria com os . seu~ Os cri.mes são quase totalm ente resultado da
derivados (ignorância, falta de higiene, depereci 7
~ctual organização da sociedade e desapareceriam
mento físico, encurtamento da vida e enorme mor-
com a .causa que os gera . Para resoh·er os conflitos
talidade infantil nas classes pobres, crimes, depres-
pessoais e curar os . poucos doentes da mente que
são moral, prostituição), bem como a .perversão de
res:asser:i numa sociedade livre e igualitária, bas-
sentimentos, os vícios e o desequilíbrio provenien-
tan a a . intervenção dos amigos, de árbitros livre-
tes da ociosidade, do espírito de dominação e de
m ente e~colhidos, das associações, de competentÚ
casta, do desempe_nho de funções inúteis ou noci~
vol un~á:JOs, sem necessidade de criar um pesado
vas. maqw~i smo re~res.sivo, interessado na manutenção
Tal estado de coisas, efeito do privilégio econó-
do delito p~ra 1ust1ficar a sua própria existência; e
mico, é mantido e legalizado pelo Estado, isto é, sem necess1dade de prisões, que são as «Universi-
por um conjunto de instituições governamentais i
dades do crime». Quem nelas entra, sai ainda mais
parlamento, ministério, burocracia, magistratura,
criminoso e não tarda a voltar para lá (as estatísti-
polícia, exército, etc. O Estado (ou Govêrno), que
cas o prova.m), ta?to mais que todos o repelem.
consome sem nada produzir, alêm de ser represen-
l!rge, p01s, realizar: «a abolição da propriedade
tante e defensor da classe capitalista, trata sempr~ p articular da terra, matérias primas e instrumentos
de consolidar e melhorar a sua própria posição,
d~ traAbalho, que p~ssarão a ser de todos, para que
para o que busca apoio num partido, distribuindo
nmguem tenha meJO de viver desfrutando o traba-
favores, benesses, privilégios, vantagens, lugares ç lho. de outrem e para que todos, tendo seguros os
honrarias e gastando nisto e na repressão dos des-
meios ~e produção e de vida, sejam verdadeira-
contentes e revoltados uma grande soma de fôrças mente mdependentes e possam associar-se aos ou-
sociais. 1
tros livremente, tendo em vista o interesse comum
O Govêrno não evita os crimes ou actos anti-
e em conformidade com as suas simpatias»; a abo"
65

lição do govêrno e de qualquer poder que faça leis~ e de transporte, repartindo-s e os produtos segundo
e as imponha aos outros pela violência»; a «Orga- as necessidade s (comunismo ) ou segundo as obras
nização da vida social por meio de livres associa- de cada um (colectivismo). .' ocializ.ação quer dizer
ções e federações de produtores e de consumidor es, expropriaçã o da actual classe proprietária , de modo
feitas e modificadas segundo a vontade dos compo- que a riqueza existente, que em sua origem é social
nentes, guiados pela sciência e pela experiência . e '(obra de todos), passe a ser também social no seu
livres de qualquer imposição que não provenha das. destino, passe a ser de todos e para todos.
necessidade s naturais, a que cada um, vencido pelo ANARQUI A - ausência de govêrno e de leis
sentimento mesmo da necessidade inelutável, vo- impostas pela violência; sociedade regid a pelo
luntáriamen te se subm.ete ». .(Malatesta) . acôrdo livre e voluntário. A palavrá A11.1rquio, de
Se fosse abolida a propriedade particular e fi- origem
,
grega, significa simplesmen te sem ba·o1•êr110 l
casse um govêrno, êste concederia privilégios para e e a crença errónea de não poder haver ordem
formar nm partido seu e assim faria ressurgir a sem govêrno que lhe deu o sentido de «desordem »'.
burguesia ou uma burocracia rica; se fosse abolido A mesma sorte teve por muito tempo a palavra
ó o govêrno, em breve o capitalismo faria nascer 1·cpública. A ordem é inerente à sociedade e as
outro, qualquer que fôsse o se u nome, para lhe ga- suas condições de existência - e não é um govêrno
que a poderá garantir, antes pelo coo.trário. ·
rantir os privilégios.
A a11a1·qzna é a form a política necessária do·'º- ANARQt:lSMu - doutrina segundo a qual todas as
eia/ismo, assim como êste é a base económica in- formas de govêrno assentam sobre a violência e
dispensável para o funcioname nto duma sociedade são desnecessár ias e nocivas.; método de acção e
sem govérno, isto é, da an arquia. Não poderiam vi- organização baseado sobre a autonomia e a livre
ver um sem o outro. iniciativa dos indivíduos e dos grupos, excluindo a
delegação de poder (eleição ou nomeação de qual-
quer autoridade, ou de qualquer fautor de leis obri-
gatórias).
Podemos assim definir:
Soc1AL1SMO ANARQUISTA - doutrina segundo a qual
SOCIALIS MO - doutrina e movimento tendo a anarquia é a forma política necessária da socie-
em vista a sociali:z.ação da terra e dos meios de pro- dade socialista, o mzarquismo é o método de acção e
dução (máquinas, matéri as primas, sementes, etc.) o indispensáv el instrumento de realização do socia-
5
66

lismo, tanto no presente como na expropriação fi-


nal assim como a socialização é condição essencial
' a possibilidade da anarquia; teoria que de-
para
fende a organização livre e a livre experimentação
social, abolida toda a coacção, quer directa (a que
é exercida pelo poder político) quer indi7·ec/a (a que ·
resulta da privação dos meios de produzir, sujei-
tando-nos ao patrão). A livre federação dos grupos
lV
livres de produtores e consumidores, dispondo em
comum e livremente da terra e instrumentos de
trabalho, seria uma sociedade socialista anarquista.
23 DE JuLHO

Dissipado o alarma motivado pelo anúncio duma


incursão de Couceiro, os reservistas recolhem e
tudo parece voltar à normalidade, da qual, porêm,
saíram os estudantes de Coimbra. Houve conflitos
entre estudantes e lentes e acabou por ser fechada
a Universidade, que brevemente reabrirá, ao que
se diz. A minoria revolucionária ·activa aproveitou
o ensejo para reclamar a morte da decrépita insti-
tuição, atacada do vírus jesuítico e rialengo, ou pelo
menos o desdobramento da faculdade de direito,
vindo para Lisboa um curso livre.
Do seu lado um deputado no meio do assombro,
indignação ou chacota da maioria dos colegas, pro-
pôs tambem a extinção da Universidade e a consti-
tuição duma comissão destinada a estudar a maneira
prática e rápida de compensar Coimbra ...
68 69

Passou o tempo, esclarece o proponente, em que A minoria académica-outro s dizem maiària-


a Universidade brilhava entre as primeiras no organi zou uma manifestação de agrado ao estudan-te
tempo e na qualidade. Entregue um dia aos jesui- que, sendo deputado, propôs na Constituinte a ex·
tas, ali deixaram a marca indelével do dogma, ma- 'tinção da velha Universidade coimbrã. O povo fez
taram a originalidade e o espírito de iniciativa. So~ então uma violenta e agressiva contra-manifestaçã o,
bretudo a faculdade de direito tem exercido uma protestando em. nome dos «legítimos e sagrados in-
acção atrofiante sôbre a mentalidade portuguesa, teresses e direitos da cidade>>. E a famosa Falange
perdeu todo o seu crédito e prestígio. Os seus pro- dema gógica que, como represália, quis depois im-
fessores deram péssimos políticos, incompetentes, pedir os exames e pede agora que sejam celebra-
chicaneiros e intrigantes. A Universidade, especial- dos ao mesmo tempo em Li sboa e Porto, é acusada
mente a faculdade de direito, vive em Coimbra de trai ção e de instrumento de manejos reaccioná-
num insulamento egoista e ignaro, refractária ao nos.
moderno espírito, · incapaz de acompanhar os pro- Conspirador, talassa, paivante - são insultos
gressos scientíficos dos últimos tempos, teatro de amiudadamente jogados, suspeitas lançadas com
contínuas e ásperas lutas entre as gerações novas e frequência. Quem se sente lesado nos seus interes-
os atavismos medievais. ses, contrariado nas suas manias e ideias fixas, não
Na verdade, a questão é ainda mais profunda. dei xa de recorrer a essa arma, com grande indi-
Num país sem indústria, ou quase, a instrução se- gnação do ofendido.
cundária e superior é um manancial quase exclusivo
de burocratas, de politicantes, de intelectuais deso-
cupados e famintos, que se corrompem e tudo con-
taminam. ÜUTUBRO
Mas Coimbra ficará com a sua Universidade,
que só poderá ir morrendo aos poucos. . . Quando Os estudantes da Universidade de Coimbra, dis-
duma cidade se retira um regimento, toda a popu- cutindo a reforma dos estatutos e reclamando a fa-
lação protesta, porque mil interesses são feridos. cilitação pecuniária dos cursos, curso e matrícula
Assim sucede com a velha escola, o nó vital de livres, abolição dos exames de estado, aprovaram
Coimbra, e a sua mais importante fonte de rendi- uma moção da qual é interessante reter alguns
mento. considerandos :
o:Considerando o decreto de 22 de março de 1911 • mentam com cuidado, especialmente durante a opo-
- que a frequência regular da instrução superior sição. Quando se proclamou a efémera república
demanda tal «sacrifício de tempo e dinheiro», que espanhola, camponeses houye, sobretudo na Anda-
a constitui um privilégio de ricos e remediados, Íuzia, que julgaram chegada a hora da partilha das
tornando-a inacessível, de facto, a muitos estudio- terras e deram comêço de execução a essa medida,
sos com mérito e aptidões, mas desprovidos de re- que não seria aliás uma solução eficaz e duradoira
cursos; do problema social.
Considerando o rr,esmo decreto - que rnm dos Os estudantes seguem a mesma trilha dos cam-
maiores deveres do Estado democrático» é assegu- pónios. Uns e outros ignoram, ou esquece-lhes, que
rar a todos os cidadãos, sem distinção de fortuna, a democracia, forma política do individualismo bur-
a possibilidade de se elev~r aos mais altos graus guês, não pode garantir senão, quando muito, a
de cultura, quando disso sejam capazes, por forma teórica «igualdade perante a lei» e o direito abs-
que a democracia constitua, segundo a bela defini- tracto e legal (não a possibilidade) aos mais altos
ção do imortal Pasteur, aquela forma de Estado que graus de cultura e ao integral desenvolvimento da
permita a cada indivíduo produzir o máximo es- personalidade.
fôrço e desenvolver, em toda a plenitude, a sua Singular ilusão!
personalidade; Nós vivemos num país pobre, sem indústrias e
Considerando nós completamente destruidas es- sem trabalho, onde por isso mesmo as classes diri-
tas afirmações pelas novas disposições que ainda gentes não teem feito um esfôrço sério para debelar
mais dificultaram «materialmente» o acesso a ins- o mal do analfabetismo. A falta de instrução é uma
trução superior ... » causa de atraso industrial, mas é mais ainda efeito
do que causa. Onde quer que, por circunstâncias ·
O conceito de Estado democrático com o dever favoráveis, se haja introduzido uma indústria prós-
de assegurar a todos o direito ou possibilidade de pera, o analfabetismo tende a desaparecer, porque
se elevarem aos mais altos graus de cultura e a in- a produção moderna favorece, e até certo ponto
génua definição pasteuriana de democracia valem determina e exige, o desenvolvimento da instrução
bem a esperança do povo trabalhador no bem-estar e da educação técnica, ao mesmo tempo que pro-
económico e na igualdade sob o regime republi- porciona aos mais habilitados situações relativa-
cano, esperança que os políticos e os cândidos ali- mente compensadoras. Comparem-se com os outro
1

os países industriais, e dentro de cada país, embora não garantido pelos meios de rea lização. O pobre li

rotineiro (Espanha, Itália, etc.) as regiões industria- faz até sacrifício mandando o filho menor à escola
lizadas com as que o i1áo são. gratuita de primeiras letras, ainda que ali forneçam
'
Entre nós o desenv'o!vimento da instrução não ao pequeno algum pão e vestuário. As próprias
viria senão aumentar ainda mais o número dos as- aptidõ.es, .que. muitas vezes não se desenham logo
pirantes a empregos públicos e o proletariado inte- na primeira idade escolar, não se mostram senão
lectual, agravando o já avultado mal da burocracia com meios adequados, fora do alcar:ice das famílias
e do parasLtismo; e assim o acréscimo de embara- pobres e pouco instruidas. •
ços, em tempo e dinheiro, postos á obtenção dum Mas admitamos muito mais. Admitamos que o
diploma qualquer, toma estranhament~ o 'aspecto Estado democrático se pôs em condições de cum-
- contraditóri o corno tantas outras coisas nesta . prir o seu ccgrande dever>J de assegurar a todos os
contraditóri a sociedade - de uma conveniente me- cidadãos a possibilidad e de treparem ao cume do
dida de defesa social! ' saber, se para isso tiverem pernas, destruindo todos 1

Imaginerno-nos, porêm, em país rico. ou qua~e todos os estorvos - mera hipótese, já se vê.
A indústria acha-se em acelerado e contínuo pro- Assim mesmo, persistindo a organização autori-
gresso e florece a democracia . tária e capitalista, haveria a insuperável barreira
Dei xaria por isso a instrução superior de cons- d a divisão, da separação jerárquica entre o tra.ba-
tituir um privilégio quase exclusivo de ricos e reme- lho manual, inferior, escravo e pesado, e o trabalho
diados . e seria ela porventura acessível a todos os intelectw~ l, superior, dirigente, agradável e honroso.
capazes? E como não são precisas grandes capacidades para,
Acaso maiores facilitações, na duração dos cur- o exercício das leves e lucrativas profissões liberais,
. sos e nas despesas, bastariam para que tivesse burocráticas , literárias, scientíficas, artísticas - me- i
plena realidade a fórmula de Pasteur? E ' êsse o di cina, advocacia, magistratur as diversas sciências
único ou o principal obstáculo que se opõe ao rápido '
professorad o, engenharia, belas letras e belas artes,
' l

progresso da cultura? etc. - todos muito humanamen te as seguiriam . . .


Fazer a pergunta ~ responder-l he. Em regime e aí teríamos o Estado democrático e capitalista a
de privilégio económico, de apropriação individual precisar de refrear novamente a sêde de cultura
dos meios de produção, o direito ao desenvolvi- alongando e dificultando os cursos e elevando as'
mento integral não pode ser mais do que teórico, propinas.

1.1'
74

Só uma sociedade sem privilégios económicos ~


políticos, na qual tudo seja de todos e a riqueza
social a administrem directamente os interessados;
na qual vigore de facto, não na lei, uma igualdade
de condições, tendo todos assegurado o necessário,
em troca do trabalho manual proporcionado às fôr-
ças de cada um;, na qual cada um, sem excepçáo,
tendo executado com a cooperação de todos e o po- V

deroso auxílio das máquinas a breve e aprazível
tarefa diária, possa dedicar muitas horas a varia-
das e gratas ocupações e estudos, aliando assim ·
útilmente o exercício muscular ao esfôrço mental, 6 DE AGOSTO
para maior saúde do corpo e do espírito, e trazendo
para os seus estudos teóricos a sua habilidade e Discutiu-se há dias no parlamento o direito de
experiência prática e para o trabalho os seus co- greve. A assembleia jurou solenemente reconhecê-
nhecimentos técnicos, scientíficos e artísticos; só lo, e assim o declarou até em moção, dois dias
essa sociedade socialista e <(lnarquista poderá, se- mais tarde.
gundo a fórmula de Pasteur, permitir a cada indi- Mas o que não quis é que ficasse consignado na
víduo produzir o seu máximo esfôrço e desenvolver, Constituição. E por isso o riscou do projecto, onde
em toda a plenitude, a sua personalidade. estava aliás de uma maneira bem anódina:
«E' garantido aos directores e assalariados de
indústrias particulares, nos termos de leis e regula-
mentos especiais, o direito de cessarem, colectiva e
pacíficamente, o trabalho)).
Aduziram-se argumentos vários. O direito de
greve não ·é matéria constitucional. Como o seu
correspondente, o lock-out, direito de fecharem os
patrões colectivamente as suas portas, tambêm in-
cluído na disposição acima transcrita, o direito de
77

greve é restricto a uma classe e não pode ser colo- Se o direito de greve é tam sagrado e elemen-
cado entre os gerais para todos os cidadãos. A tar, que nem precisa de ser declarado no estatuto
'
Constituiç ão está sendo demasiad amente sobrecar- wmo não o são o de viver e o de respirar, então
regada com os direitos individuais, e ela não deve não pode tornar a Constituiç ão demagóai b
ca nem
. .
ser nem demagógi ca, nem atrasada. · De resto há const1tmr um convite a uma. situação anormal. ..
direitos sagrados que, para a República os respei- E para que. são consignados os direitos ' se não
,
tar, por isso que estão nos seus -"rincípios elemen- e para que se iam usados?
tares, não é necessário consignar na Constituiç ão . Não é verdade que da liberdade de trabalho -
• Cita-se porventur a em alguma Constituiç ão o di- - do «livre exercício de qualquer género de trabalho»
reito à vida, o direito de respirar? Não. O direito - tenham as autoridad es jamais depreendi do o di-
de greve, na Constituiç ão, pode ser considera do por reito de greve, isto é, de cessar colectivam ente o
alguns como um convite a uma situação anormal tra.balho e .so?retudo de impedir a traiç<fo, que ani-
que não agrada a govêrno algum ... E se na Cons- quila tal direito. Livre cada um de recusar indivi-
tituição se consigna que o trabalho é livre, é des- dualmente o serviço e de se deixar morrer de fome
necessário consignar o direito à greve, que aliás e substituir por outro, arriscando -se ainda a ser
não pode ser um princípio imutável, visto que é um preso como vagabund o ... Para maior clareza, por-
remédio para um estado social transitório e imper- tanto, o transitóri o direito de greve deveria ser tran-
feito. sitóriame nte especificado na Constituição, igual-
Que diz o leitor a tais razões? ... mente transitória - como todas as formas políticas
E' evidente que o direito de greve não é maté- e sociais!
ria constituci onal. .. antes de estar na Constituiç ão. Deveria - mas não valeria a pena, com efeito.
Quanto a ser de classe, restricto, é possível: mas Já as condições em que era formulado o direito o
quantos outros não estão nos mesmas condições e anulavam . Restringia -se às indústrias particular es
entram na lei fundamen tal? E depois, se nem todos e, sendo. muito necessário , qualquer serviço pode
são operários ou patrões, todos são. pelo menos ser considera do público. Há sempre modo de não
consumid ores; todos podem fazer lock-out ou greve, ter como «pacífica» uma greve. Basta acumular tro-
como produtore s ou como consumid ores, como in- pas e provocaçõ es, criar situações tensas, dissolver
dustriais ou assalariad os . Não tem havido greves ajuntamen tos, impedir que os grevistas persuadam
de todos 0-s feitios - até de padres? ... o traidores da vergonha do seu procedime nto, efec-
79

tuar prisões sob quaisque r pretexto s: tudo isso faz não sabia se era ilegal, porque não é homem de
leis!
parte da mais rudimen tar sciência policial. E a im-
prensa ajudará. Tambêm «as leis e regulam entos O ministro é médico, mas é tambêm ministro
especiais» podem reduzir a zero ou a uma quanti- homem- d'Estado , fazedor e executor de leis·' e s;
. -
as ignora, nao o deve confessar em pleno parla-
dade negativa o já raquítico direito, exigindo forma-
lidades que, a serem cumprid as, significariam a mento, em nome do prestígio, em nome da ((razão
do Estado» ...
derrota antecipada. E' o que já existe em Portuga l
- sem eficácia ... ~ ninguê1? é' lícito alegar, em sua defesa, igno-
°'
A

e princípio basilar do direito es _


Mas embora sem essas restricções, o estar na rancia
. ' da lei:
Constituição não é garantia segura para um direito cnto, e a pedra angular do editício jurídico do Es-
tado.
-sobret udo quando exercido pelos pobres. Afirmou
recentem ente um deputado que as Constituições Se tal alegação fôsse admissível a lei não seria
são como os grandes poemas - todos falam delas, ob.rigatória, todos se poderiam fur~ar ao seu cum-
mas ninguêm as lê; e nesta discussão sôbre o di- primento . Não haveria Estado, não haveria autori-
dade ...
reito de greve foi proclam ado que se trata duma
questão de facto, não de direito. Foi um ministro Mas, tendo um ministro - o do Interio r_ dado
que o disse. o mau exemplo, qualquer pobre diabo governa do
poderá pergunta r com infinita razão:
- Porque não hei-de poder alegar em minha
20 DE AGOSTO defesa, e. com muita mais razão, o que um ministro
do_ Interior não se pejou de declarar em plena fá-
brica de leis ?
Na Constituição há deputados pouco calejados
pela política e pelo parlame ntarismo e por isso fa- ~s~e pobre diabo pode fazer parte da grande
ma10na de analfabetos.
lam ainda com o coração nas mãos e sem respeito
pelas conveniências parlame ntares ... Deputados e Mas à_inda que saiba ler, escrever e contar, so-
até ministros. bram-lhe motivos para não percebe r patavina de
legislações. ·
Assim o ministro do Interior, interpela do sôbre
um acto ilegal dum seu subordi nado- um edital Os próprios jurisconsultos e advogados tiram
do reitor da Universidade de Coimbra - disse que cem conclusões do mesmo texto, defendem causas
80 8r

opostas coi:n o mesmíssimo artigo, que os JU1zes in- por temperamento! Tarn certo como êle estar ali,
terpretam e aplicam de diversos modos. Conser- no parlamento ...
vando-se a mesma letra, a lei modifica-se constan- Tal deve ser tambêm a convicção íntima de mui-
temente no seu espírito e aplicação : demonstração tos dos seus colegas, alguns dos quais sofreram ata-
ainda há pouco feita por Jean Cruet. ques de diletantismo anarquista, em tempos de
Para poder subsistir, a lei apoia-se, pois, sôbre «vagabundagem intelectual», na frase dum ex-stir-
uma falsa presunção, uma ficção impossível, um re- neriano em mar é de amena confissão.
finadíssimo embuste : que todos a conhecem, a en- Deve ser ainda a persuasão recôndita daquele
tendem e aplicam do mesmo modo. outro fabricante de leis que, a propósito da carestia
Mas se nem os próprios ministros sabem onde dos géneros, veio a justificar a ·acção directa em
está a ilegalidade - e assim .º declaram ingénua- c;:tso de demora da acção legal, afirmando que o
mente! ... povo teria o direito de invadir os armazêns ...
Na mesma ordem de ideias estava aquele depu- E' verdade que contra êste perigoso e herético
tado que, falando da Constituição e pugnando pela conceito, contn'lrio ao exclusivo da acção leaal
l:l '
admissão de certa «garantia)) constitucional, reco- arruinador da lei e da autoridade, protestaram logo
nheceu com ar alegre : muitos colegas, par.a os quais só existe uma le-
- Que afinal as constituiçóes, sr . presidente, gítima acção ilegal: a que lhes conquistou o po-
são como os grandes poemas: todos falam deles, der ...
mas ninguem os lê ... E' verdade que o povo, se tentasse invadir os
Frase lapidar e profunda - aplicada por um le- arrnazêns, como fez em Poço do Bispo, ou o par-
gislador ao próprio estatuto fundamental, à lei bá- lamento, corno tentou há dias, encontraria na sua
sica do Estado, equivalendo a dizer que ninguêm a frente, de baioneta calada, em nome da união re-
observa ... publicana e da salvação da pátria, algum herói da
Com que convicção há-de êste deputado colabo- Rotunda ...
rar no arranjo e formulação de códigos que sabe Mas a falta de fé está nos políticos revelada,
de antemão condenados ao abandono e ao péi? descoberta, demonstrada ...
Com a mesma daquele outro deputado - o Nos outros parlamentos dá-se o mesmo ou pior;
sr. Boto Machado, que no parlamento proclamou mas os seus membros scépticos são mais astutos e
altamente que é antiparlamentar por educação e experientes, e mais cautelosos.
6
82 83 ',
E assim temos a situação contraditória de fazer 3. 0 -Ambiente burguês e politicante, domin;ido ·
leis coactivas quem nelas não acredita, e de fazer pelos inter.esses capitalistas e financeiros, exerc.e ·'.
parte do parlamento quem lhe sabe a inutilidade ... uma inevitáv.el corrt.tpção sôbre os que para. lá, eJl:; \
E' a última desmoralização. . tram, vindos do seio .do povo trabalhador e anim:}- .
E' a dissolução, é o cancro em pleno organis- dos das melhores intenções. 1:
mo ... 4. 0 - Dispensa o povo de agir directamente. e ,
entretêm as impaciências populares tanto mais efi-
cazmente quanto mais atroadores e ccrevolucioná-
Os anarquistas, como tais e como socialistas, rios)) forem os discursos ali proferidos. ·
repudiam o parlamentarisrpo e a acção eleitoral, não Quanto á acção eleitoral:
só pela razão teórica geral de ser o parlamento 0
1. - Trata-se ele obter núme1-o e para isso fa-
uma instituição autoritária, incumbida de forjar leis zem-se só vagas afirmações, esconde-se o ideal re-
obrigatórias, mas ainda por outros motivos teóricos volucionário e entra-se em combinações e intri- ,
e práticos. Eis alguns: gas.
Quanto ao parlamento: . 2. 0 -A massa eleitoral, dominada pelas classes :
1. 0 - A assembleia parlamentar é incompehnte médias (única fôrça eleitoral verdadeira) e orien-
para decidir sôbre qualquer dos assuntos da vida tada pela gr.ande imprensa capitalista, é heterogé- .
social. Um congresso de técnicos (médicos, sapatei- nea, não é ligada por um interesse de classe nem ,
ros ou engenheiros, etc.) discute com conhecimento por uma ideia forte.
de causa o que é do seu ofício; num parlamento, ; ~. -
0
A acção eleitoral e parlamentar chama ao .
cada ponto de vista, cada interesse, ..cada ramo do socialismo uma nuvem de aventureiros da pequena ,
saber tem sempre para o tratar uma minoria, sendo burguesia, de profissionais da política e do jorna- ,
no entanto a maioria que decide. lismo burguês, de advogados, etc., que corrompem
2.º - O seu poder limita-se a formular leis, e desviam o movimento.
sendo impotente para as fazer aplicar, quando por- Querendo mna revolução profunda, verdadeira-
ventura contrariem os interesses das classes domi- mente social, em que o povo trabalhador se aposse .
nantes, dos proprietários, que teem nas suas mãos da riqueza de todos e directamente a administre.;
as autoridades e os próprios favorecidos, seus de- sabendo que essa revolução não pode ser decretada
pendentes por meio do salário. elo alto, que nenhuma classe privilegiada se despoja .
85

de 'bom grado, que a emancipação dos trabalhado- deve sobretudo ser contínua, de cada dia, em qual-
res há-de ser obra dêles próprios, como é lição da ,quer das suas formas, e em todas as suas fases:,
história, os anarquistas pretendem que o povo se propaganda, organização, realização.
habitue desde já a agfr directame11te e a associai·- Agindo-se, praticam-se erros, dão-se passos fal-
se, sem confiar em providências e amigos e sem sos, golpes incertos. Quem caminha arrjsca-se a
delegar poderes. tropeçar; sobretudo quando se começa, e falta .~
A tática adequada, essencial ao anarquismo, , experiência, a musculatura, a elasticidade. Mas to-
pode designar-se mesmo com a expressão hoje vul- dos êsses erros, incertezas, inabilidades, tropeços,
garizada de acção directa, que aliás não é nova na são corrigidos pelo exercício, pela própria prática
literatura anarquista. da acção, pela crítica serena e acertada. Pensa-
- Emprega-se hoje geralmente esta expressão para mento e acção.
indicar, em sentido restricto, a acção da classe O que é necessário ter bem presente é que a
operária, sem interpostas pessoas, com os meios acção não pode ser substituida. Só a acção prnduz
que lhe são próprios (greve, boicotagem, sabota- o facto, só ela o mantêm.
gem, etc.) Ainda supondo que a lei não fôsse a expressão
Mas analisando a ideia, vê-se facilmente que a dos interesses das classes dominantes, pelo mono-
acção sem interpostas pessoas, isto é, sem delega- pólio da riqueza, do poder e da influência, ela seria
ção de poderes, tem aplicação em todos os campos, pelo menos inútil, pois não viria senão reduzir a
no económico e no político, tanto contra os patrões fórmulas (estreitas e incompletas sempre) os factos
como contra as autoridades, abrange várias formas que só a acção directa, incessante, permanente de
de actividade e resistência, e não é senão o anar- cada indivíduo e das colectividades interessadas
quismo considerado como método. origina e alimenta, em cada minuto e eiu cada me-
E o método é o mais importante para um par- tro quadrado do território. Todos os dias vemos
tido ou movimento, o que sobretudo o distingue, direitos, escritos nas leis, desprezados · por falta de
pois não basta ter boas intenções: é preciso saber resistência dos interessados e mais alêm, no mesmo
o meio de as pôr em prática, de lhes dar reali- país, respeitados quando são defendidos. E a lei é
dade. a mesma!
A acção directa, no seu sentido mais lato, pode E é ainda necessário evitar o que pode contra-
ser violenta ou pacífica, individual ou colectiva, mas dizer, desviar, diminuir a acção directa, a emanei-
86
pàção por suas próprias mãos. Nós queremos urría os pode culpar nenhum - absolutamente nenhum
revolução social, isto é, .não «emancipar o povo1», - dos partidos existentes, que empregam diári a-
mas que ele se emancipe, tome conta dos seus des- mente a fôrça, não só em legítima defesa, como os
·tinos., não se deix.e roubar e mandar, não delegue anarquistas, mas para, oligarquias sanguinárias,
póderes, organize e administre directamente a pro- ' conquistar e conservar o poder, sobre o sangue de
dução. milhares de vítimas humanas imoladas à sua insa-
Ora nada ataca mais esta obra de emancipação ciável sêde de oiro e de domínio .
.P'rópria, de esfôrço pessoal, do que o parlamenta- Se anarquismo náo significa sequer insurreição,
. r-ismo e o eleitoralismo, desvio de energias e de ôr- greve geral revolucionária, sendo coisas diferen-
-g:a nização, porta aberta a todas as corrupções, a tes, embora juntas muitas vezes, com mais razão o
todas as infiltrações de ideias e interesses estra- atentado político - durante o período evolutivo que
-nhos. atravessamos - não faz parte do programa anar-
· A ignorância e a má-fé interessada consideram quista.
o anarquismo como o simples exercício da violên- Se há anarquistas que o praticam, não é como
Cia e dão a accão directa como novo disfarce dêsse tais, mas apenas como homens oprimidos, perse-
' ' '
guidos, violentados. Não são atentados «anarquis-
método. ·
Ora os anarquistas não são violentos. tas», mas actos de revolta instintivos, inevitáveis,
Os anarquistas, inimigos da autoridade, da respostas de baixo às violências do alto.
opressão, da coacção, pretendem, porque ~ã.o anar- E são tam humanos e naturais que sempre que
quistas, banir a violência das relaçõe s sociais. · um grupo de homens, mesmo o mais conservador,
Mas para realização dêste escopo, são em grande se sente oprimido, o atentado, o tiranicídio é dese-
-maioria revolucümárzos ou insurrecClonais (alêm jado, invocado, aplaudido. Os anarquistas teem sido
;de· anarquistas), isto é, admitem o emprêgo da fôrça ainda os mais moderados ; todos os partidos e seitas
·para remate da evolução que se realiza no sentido o teem usado em ocasiões oportunas: católicos, que
libertário e como 1·esistênc1a à violência e à opres- o justificaram e praticaram, como os frades Jacques
2são. Acham que a fôrça, alêm de inevitável perante Clément e Ravaillac ; patriotas, como os italianos
a incapacidade de abdicar das classes opressoras, da independência - Oberdan e Orsini- e os irlan-
-é altamente moral para ·evitar o prolongamento deses; republicanos, como Nobiling, Passanante,
·dum mal imensamente mais doloroso. E disto . não Marcelino Bispo, Costa, Buiça, etc.; socialistas
88

democráticos (não anarquista s), como Hoedel e


grande numero de niilistas russos, etc., etc. A lista
seria interminável.

24 DE JULHO

Teremos a guerra europeia?


Os ares estão toldados -mas a diplomacia é
uma coisa escura e reservada , e eu não me demoro
nas barbearia s, onde se discutem de modo cate-
górico e proficiente as altas questões internacio-
nais.
E ' possível que todos cheguem a acôrdo, e os
lobo da finança repartam entre si amigávelm ente,
rosnando e temendo-se uris . aos outros, as presas
que são objecto das suas variadas cubiças.
Mas parece que não faltam complicações e difi-
culdades.
Entre a França e a Espanha são já vários os in-
cidentes e conflitos. Jornais franceses há que recla-
mam energia da parte do govêrno. A imprensa
espanhola é em geral prudente e comedida ; só o
90 gr

jornal católico El D ebate dá conselhos arrogantes e dos no conflito; e em Madrid e Barcelona, de fran-
guerreiros, mostrando mais uma vez o espírito pa- ceses e espanhóis.
cífico e evangélico desta santa gente. A guerra - só a querem contra os tiranos e ex-
O conflito franco-alemão não está tampouco ploradores de todos os países.
ainda resolvido. A Alemanha não se contenta com
as compensações oferecidas, dentro ou fora de Már-
rocos, sobretudo aos seus financeiros e industriais:
parece querer a partilha franca e «equitativa» do 3o DE JULHO
império marroquino , ou então a neutralidad e per- ·
feita e garantida do mesmo ... Em que ponto está a questão? Que tramam, em
Qo seu lado, a Inglaterra quer ser consultada e segredo, as chancelaria s, a diplomacia manobrada
ouvida, não gosta da Alemanha em Marrocos; e pelas grandes empresas industriais e bancárias?
como estas duas nações são as verdadeiras rivais Não se sabe ao certo. Como no tempo dos reis
da peça, na sua formidável disputa do mercado absolutos, os senhores de hoje decidem da vida e
mundial, é aqui que está o nó da questão, o ponto da sorte dos povos sem os consultar; ao mesmo
escuro e perigoso da contenda. temp? que a grande imprensa, ao serviço da fi-
A civilização está, pois, sob a terrível ameaça nança, engana e excita as massas populares com
duma guerra monstruosa , que representa para o ilus órios interesses nacionais e grutescos pontos de
mundo novo em gestação uma tenebrosa e tortu- honra.
rante eventualidade. Corno nos tempos antigos, trata-se de levar ao
Que nos reserva o futuro? matadoiro o rebanho crédulo e de o imolar à insa-
Entretanto, os meios operários e revolucionário's ciável cupidez duma minoria.
agitam-se . Deve ter partido estes dias para Berlim Ao que parece, a situação tem a mesma gravi-
uma numerosa delegação das organizações operá- dade ainda.
rias francesas, convidadas pelas alemãs a uma de- A Alemanha quer absolutamente uma compen-
monstração de solidariedad e entre os dois proleta- sação de valia ou que a França abandone Marrocos;
riados. Entre os delegados, vai o dos operários dos mas a Inglaterra opõe-se decididamente a uma con-
arsenais de guerra. Depois haverá em Paris mani- cessão qualquer. E se é verdade que a França tem
, festação de delegados operários dos países envolvi- vários motivos para temer uma guerra - rnoti vos
de ordem internacional e interior - já a Inglater ra E repete-se ao govêrno a já famosa advertên cia ·
tem peio contrário as suas razões para precipita r o fatídica:
conflito armado, antes que o poder naval alemão - «Antes a insurreiç ão que a guerra!)> A' guerra
se desenvolva ainda . . . Dizem as notícias de hoje entre trabalha dores para proveito dos que os explo-
que já se conhecem activos preparat ivos militare s; ram, preferim os a guerra social, entre as classes,
e como as guerras moderna s começam sem aviso, para a emancip ação de todos. A qualquer declara-
quem sabe que surpresa s nos reservar á o dia de ção de guerra responde remos com a greve geral e
amanhã? a insurreiç ão !
Para conhecer os actores principais -dêste drama, Poderá este aviso ter oportuna execução?
que pode ter um desenlace trágico, aconselho aos Se a ameaça fôsse levada a efeito, embora não
leitores uma recente brochura de Francis De laisi, substituísse por outro o actual regime económico,
La Guern.: qui vienl . O autor, competente na maté- seria um dos factos mais grandios os da história da
.ria, descreve-nos a luta económica anglo-ge rmánica humanid ade!
e consider a inevitável e próxima uma guerra para
a qual a Inglater ra e a Alemanh a se veem prepa-
rando há muito tempo. 13 DE AGOSTO
As duas temíveis rivais receiam-se e medem- se,
procuran do pretexto s, buscando que a provoca çã? As negociações franco-alemãs prossegu em - e
parta da outra, escondendo-se por trás de tercei- parece que est<:l afastado o maior perigo de rompi-
ros ... m ento.
E que fazem entretan to os verdadei ros inimigos Não sei se já é permitid o dar o suspiro de alívio,
da guerra, os trabalha dores revolucionários, que re- passado o terrível pesadelo , mas uma forte espe-
presenta m legítima mente os mais pr~fundos e sir~­ rança de paz nos sorri.
ceros sentimen tos da população laborios a das ofici- Para quem vê com amor desenvolver-se o germe
nas e dos campos? de uma nova sociedade mais igualitária e mais har-
Já se realizou a anunciad a visita duma delegação mónica que a nossa, estas últimas semanas foram
operária francesa às organizações operária s de. Ber- cheias de angustiosa ansiedade.
lim, onde teve magnífica recepção ; e em Paris ce- A guerra poderia ser o sinal da nova era: mas
lebram-s e comícios de protesto . quem sabe se, ainda imaturo o embrião , não sairia
94

um abôrto doloroso, adiando ainda urna vez o nas- dramática pugna, tendo por teatro precisame nte
cimento desejado? uma das nações mais directament~ envolvidas no
conflito pendente. '
Porque já a guerra de 70 retar;dou a obra fe-
cunda da Internacio nal, agravando o terrível fardo , E'. a guerr~ social que se combate em Inglaterra ,
da paz armada; e se não fôsse a Comuna de Paris, com igual decisão de parte a parte .
v~ncida embora - oh indestrutí vel virtude das in- Os ope~ários ingleses eram . muito legalistas.
surreições ! - nem a república teria perdurado em 9-uando faziam as suas greves, era por corporaçõ es.
França. rnsul~das, em atitude pacífica e expectant e, à força
O proletaria do consciente conhece bem o perigo. de dmheiro. A solidaried ade intercorpo rativa e in-
E assim em Berlim, Paris, Madrid e Barcelona , ternaciona l era-lhes quase estranha. Ignoravam a
greve geral e a acção enérgica e pronta. ..
corno se projectara , delegados operáeios das nações
interessad as, perante dezenas de milhares de tra- Mas o desequilíb rio entre os salários e o_custo
balhadore s, afirmaram sob um delírio de aplausos · da vida agravou-se. As coligações patronais e os
a sua firme vontade de impedir a guerra, hecatomb e trusts fortificaram-se, alcançando sempre vitór~a
de pobres, fogueira de liberdade s, banquete de abu- no terreno do dinheiro e da expectativ a. . . Os tri-
tres e de financeiros, cornucópi a de impostos e de J;iunais desataram a condenar a perdas e danos as
misérias. pesadas e velhas uniões operárias, cóm seus tesouros
lentament e acumulados. Depois foram as comissões .
· de conciliação que, a princípio, sob. a pressão da
20 OE AGOSTO greve, resolviam a favor dos operários , mas em
breve começar~m a inclinar a balança para 0 lado
De novo nos chegam notícias inquietant es, e fa- qos mais ricos ...
la-se até em rompimen to, em discretos preparativ os . ·. Os chefes industriai s lançavam com freqúênci a
militares, em concentra ções de esquadras ... o unpruden.te desafio do luck-out - o encerram ento
De novo adeja sobre a Europa o negro fantasma combinad o das oficinás duma indústria.
da guerra ... Por todas essas causas, a luta tornou-se mais
Mas em quanto p~rdura a dolorosa expectativ a, , acesa, mais ardente, as tropas aguerriram -se e ga-
na perspectiv a terrível duma luta internaci onal- nharam experiênc ia.
varnos assistindo ao desenrola r duma não menos., A recente greve marítima teve um carácter fran-

/
9'-> 97
camente novo; e a actual, que é sua derivada, ou 17 DE SETtMBRO
continuadora, a~entuou êsse carácter.
A greve generaliza-se, tem urna forma decidida, De todos os países da Europa é talvez Portugal
praticam-se actos de sabotagem. Apela-se para a o menos agitado.
solidariedade na acção das outras corporações de Assim neste momento, em várias cidades de Es-
ofício e para a ajuda moral e financeira dos prole- panha, rugem fragorosas greves gerais e o estado
tariados dos vários países. de sítio foi declarado nas Astúrias. Dos vagos e
Os grevistas falam francamente em guerra do incompletos telegramas parece depreender-se que o
trabalho; e com igual franqueza os directores da movimento, partido de Bilbau, se estende por soli-
indústria declaram não ceder por uma questão dariedade a San Sebastián, Saragoça, Barcelona ...
de princípio. «Estamos chegados - proclama um Estas perturbações económicas, que mostram a
deles - a um momento, na história da humanidade fôrça do produtor operário e fazem estremecer até
como na das nações, em que não é já possível con- aos alicerces o velho edifício capitalista, repetem-se
tinuar no sistema das concessões, mas sim entre- cada vez com maior frequência e intensidade, e
garmo-nos à sorte das grandes batalhas». · desorientam por completo os dirigentes, que não as
E', pois, um grande episódio da luta de classes, sabem deter ou evitar, nem mesmo compreender.
da guerra social- perante a qual não recuam os Ontem era na Inglaterra; hoje o grande abalo
que mais enérgicamente se opõem às guerras. entre sacode a Espanha, e um pouco por toda a parte
nações, como recentemente numa vasta manifesta- sentem-se tremores.
ção operária de Londres . Nestas, trucidam-se mas- Não há muito tempo, restringia-se a greve a
sas de jovens pelos interesses de oligarquias finan- uma secção de fábrica, a uma oficina, a uma in-
ceiras e industriais; na guerra social, batem-se duas dústria na cidade. Depois desenvolveu-se rápida-
classes rnundiais pelos seus verdadeiros interesse~, mente, irresistívelmente a tendência para a genera-
irredutívelmente antagónicos - até ao desaparect- lização pelo rastilho da solidariedade e da comuni-
mento das ciasses rivais pela socialização dos meios dade de interesses.
de produzir. Alastrou pela cidade, ganhou indústrias inteiras
dum país, estendeu-se à nação, já galga as frontei-
ras ...
Não tem ainda a amplitude da unanimidade -

7
98 99
não a terá talvez jamais, nem precisará, - não a 24 [)E SETEMBRO
ilumina ainda a intenção firme e definida d'e se
apossar do instrumento de trabalho e de ge:ir a As comoções populares em Espanha sucedem-se
produção, mas a onda avoluma-se e ruge furiosa- cada vez com maior freqúência . Um ano depois da
mente ... insurreição catalã contra a guerra e contra a explo-
E não num ponto sómente. Em França, onde há ração económico-religiosa nos conventos, era a greve
muito que se encarneira o mar social, o movimento revolucionária de Bilbau, com a solidariedad e de
popular contra a carestia dos géneros, guia.do s.o- Saragoça e Barcelona. Dois anos após o mesmo
bretudo pelas mulheres, longe de s~ extmgmr, facto, dois anos após o assassinato de Ferrer, era
ameaça invadir Paris, onde se complicará com ~ de novo Bilbau a iniciar um movimento, que desta
acção e protesto dos inquilinos pobres, tende a dt-
A vez se propagava em várias direcções e assentava
vulgar-se por todo o país, repercute mesmo alem- em Valência um dos focos principais.
fronteiras ... Estes movimentos teem, em geral, uma origem
Em sua defesa, tinham os assambarca dores ale- económica, iniciam-se com a luta antipatrona l duma
o-ado escassez natural, mas é o próprio govêrno que corporação operária: foi o carácter dês te último e
~s desmente, quanto ao trigo, cuja última colheita assim acabam de o fazer notar os dirigentes do
foi superior à precedente. Nem valeu o argumento partido republicano, em seu protesto contra o go-
da alta dos salários, pois a agitação começou onde vêrno de Canalejas.
êles não teem aumentado, no Norte; e depois os Mas, se teem uma origem económica, tomam
operários pretendem que não lhes tirem de um com íacilidade um aspecto político. Em muitas lo-
modo o que de outro lhes cedem. calidades são expulsas as autoridades , proclamada
E por isso boicotam os careiros, ou vão-se ao~ a República ou aclamada a Comuna. A' parte a
mercados e estabelecim entos e repartem entre ~1 activa. minoria libertária e socialista, o proletariad o
os géneros, deixando o preço justo - como que a espanhol é quase todo republicano. Em Espanha
ensaiar-se para a forma social em ~ue, sen~ore.s (cá e lá . . . ) ainda vigora e faz efeito o verbo infla-
da produção, poderão tambem !orgarnzar a d1.stn- mado dos tribunos que fazem saúdes ao povo . O
buição em proveito de todos, e não para ganho de culto da frase e o democratism o retórico ainda ali
poucos. estão nas suas sete quintas.
Parece, pois, que os chefes republicanos pode-
101
JOO
completa, ou pelo menos uma ponte de passagem
riam tirar proveito dêstes movimentos populares . necessária , um cómodo patamar, com assentos, na
Mas não tiram. No momento da acção manteem- se escada da evolução progressiv a ...
afastados e protestam platónicam ente, -reclamando «Não teem grandes centros industriais, nem forte
a abertura do parlament o, onde se comprome3em ~ e combativa organização operária, nem estão aguer- .
fazer barulho tardio e inofensivo. Alguns vao _ate ridos nas lutas económicas. Os grupos e partidos
muito oportunam ente veranear para o estrangeir o. revolucionários incómodos não são ali influentes
Durante o processo Ferrer houve-os que escreve- nem desenvolvidos. Havia «revolucionários civis»
ram à maçonari a italiana para que esta nã_o a~oia~s_e em abundância, mas dos bons, dos que 7 implantad a
a agitação em favor do pouc~ orto~oxo irm~o, m1- a república, se fizeram espiõ~s e polícias e se ati-
migo de todos os ídolos e idolatnas ; e a~nd_a os raram aos tímidos e respeitosos grevistas como San-
houve ' de menor cateaoria,
o
que foram fals1ss1mas
.
tiago aos moiros.
e infames testemunhas de acusação contra o hereie, «Mas em Espanha? Os nossos revolucionários
suspeito de anarquismo e sin~i~ali~mo. H oje a su~ civis serão igualmente acomodatícios e fieis ? Pode-
memória é calorosamente re1vmd1cada pelos con- rão êles domar e reter nos justos limites o proleta-

feus do democratJsmo e da rnaçonan• a.1 · · · . r~ado industrial da Catalunha , de Valência, de Bil-
Aos chefes republicanos espanhóis agradana bau e de outros grandes centros operários , e o pro-
uma revolução à brasileira , isto é, um simples pro- letariado agrícola de Andaluzia .? Em Portugal, após
nunciame nto militar, tranquilo e sem abalos, mu- a república, houve numerosa s greves: mas quantas
dando de improviso o scenário político, co:no nas e de que qualidade seriam elas em Espanha, sant0<
mágicas. O povo não seria chamado se~ao para deus ? Sabe-se como principia uma revolução, não
assistir surpreso ao espectáculo e aplaudJr. Estas se sabe como ela acaba, com esta espécie de gente
mutaçõe s, porêm, são um tanto difíceis com as acau- que nós temos em alguns pontos. Não se lembram
teladas monarqui as europeias. , êles, a cada greve geral, de proclama r a Comuna
E' talvez indispensável o concurso pop_ular e numa ou outra localidade ?
está 0 diabo! Ainda se fôsse possível uma revolu- «Deixámos escapar a república de 1873: não
çãozinha à portugues a. . . , . soube~nos ou não pudemos conserva-la. Ai de nós!
-Mas aquilo em Portugal e outra c01sa. Boa classes médias, burguesía democráti ca: é possível
gente, os portugueses ... Nadava~ em plena ilus~o que tenhamos deixado escapar tambêm a oportuni-
democrát ica: para êles, a república era a salvaçao
102 103

dade o momento histórico preciso, exacto, propí- condições péssimas e comprometedoras. Políticos
cio, ~ara:a proclamação dum~ r~pública bem n~ssa. que se prezem, homens de ordem, homens de go-
Agora poderemos evocar~ Gemo popula~, mas este, vêrno, não podem assumir tam graves responsa-
apenas solto e excitado, e capaz de fuglf ao nosso bilidades. E' preciso dar aos conservadores do do-
poder de mágicos da pol~ti~a - de futuros home~s mínio de classe garantias de seriedade e de respeito
de Estado, presidentes, mm1stros, deputados ... Eis pelo stalu quo social. Viva a propriedade. . . de
decerto a razão por que alguns dos nossos, como poucos! Cidadãos! sem o respeito religioso pela
Sagasta, Moret, Canalejas, Mo~ote, se passaram propriedade não há ordem, não h1:l progresso possí-
oportunamente para a monarqma. : . Na verdade, vel! Guardai os bancos, ó ad1;niráveis heróis famin-
aqui para nós, mais vale a monarqma, onde mesmo tos!
republicanos alguma coisa r,odemos ser, do que um O povo trabalhador é, por conseguinte, abando-
regime de greves e cóleras desencadeadas e o ru- nado a si próprio, às suas próprias fôrças, às suas
bro espectro ;da revolução social a encher-nos de aspirações, ao seu destino.
pavores os nossos sonhos de gl?~ia e de poder· . · _» Pois, deus me perdoe, tanto melhor! Quando
Assim pensarão talvez os dmgentes do republi- um dia a vitória lhe cair nas mãos, dela disporá a
canismo espanhol. Mas se porventura assim pens~~ seu bel-prazer. Poderá talvez limitar-se a varrer a
acêrca dum movimento por êles preparado e m1- podridão monárquica e clerical - se já não o tive-
ciado escolhendo o melhor ensejo, caindo de impro- rem feito os próprios conservadores, como medida
viso ~ dominando logo a situação, em ocasião de de salvação-mas poderá tambêm encet.a r e mesmo
i;elativa calma, que uão hão-de pensar dos movi- levar a cabo a obra inevitável e urgente de expro-
mentos iniciados pelo operariado e com um pro- priação dos bens e capitais activos (não o escusado
fundo carácter económico? dinheiro) monopolizados por uma classe, sob a ga-
Seria já o impulso tomado de baixo, e se os rantia da fôrça e do engano.
chefes republicanos interviessem, embora nã? fôsse ' As Comunas, que hoje esporádicamente brotam
ultrapassada a democracia burg~esa, esta teria u~a aqui e ali, em pequenas localidades, germinarão
origem perigosa, um nascimento suspeito e ficaria talvez vigorosamente por todo o solo da Espanha,
excessivamente exposta e sujeita à vontade e às que desde então pertencerá em comum, com os ins-
reivindicações do povo trabalhador. trumentos de trabalho, com os já maravilhosos en-
Seria um república aceita das mãos do povo em genhos da mecánica, com as já exploradas e as
10::>

ainda inexploradas minas e matérias primas, aos na sua ma1ona de reformismo legalista, falou-se
verdadeiros produtores redimidos da escravidão do em greve geral contra a guerra. Mas pode uma
salariato e do Estado. greve geral, sem prévia preparação, antes após
uma propaganda mais contrária do que favorável,
ser posta: em execução?
Segundo os telegramas, salvo numa ou outra
l DE ÜUTUBRO povoação onde se esboça uma resistência do mesmo
género ~a que há anos obstava à partida de tropas
Termina o conflito. franco-alemão, quando estala para a Africa, parece haver uma grande explosão
a guerra ítalo-turca, por causa de um novo Marro- do p~triotismo italiano, certamente na pequena bur-
cos, a Tripolitânia. guesia.
Não houve delongas, não houve demoradas ne- Até o papa manda rezar pela vitória das armas
gociações. Quando se quer decididamente empreen- ~o rei ... Deus costuma favorecer os exércitos mais
der uma guerra é preciso agarrar no vôo o primeiro fortes: era a opinião de Bonaparte e é tambêm de-
motivo, o primeiro pretexto aparecido ou provo- certo a do papa e a do matreiro GiolittÍ, que se
cado, e agir rápidamente, sem dar tempo ao adver- vale, não só dessa vantagem numérica, mas da opor-
sário de se prevenir, nem à opinião antiguerreira tunidade rara oferecida pela situação política na
de organizar uma resistência eficaz aos manejos e Itália, na Turquia e na Europa em geral ...
vontades dos tubarões interessados no conflito, sob E eis como o povo italiano vai fazer uma «con-
a capa de civilização e humanitarismo. quista» que lhe há-de fàrtamente render ... despe-
A ideia dessa resistência não pôde, na Itália, sas colossais, agravamento de impostos e sacrifícios
propagar-se e desenvolver-se. Demais, os partidos de vidas.
democráticos tinham perdido muito, nestes últimos Digo o povo - não me refiro aos corvos e aos
tempos, da sua fôrça e do seu prestígio; nem eram tubarões.
' absolutamente unânimes em condenar as conquistas
coloniais, as guerras e o imperialismo. Os elemen-
tos verdadeiramente revolucionários não tinham
grande influência determinante sôbre as massas.
Por parte do operariado organizado, inquinado
100

I :1 DE NOVEMBRO

Se a guerra social em França toma grave cará-


cter, cavando-se cada vez mais fundamen te o abismo
que separa as classes antagónic as da sociedade de-
sequilibra da de hoje, o conflito internacio nal está
ainda desta vez evitado. Chegou-se a um acôrdo e
combinou-se, ao que parece, entregar a um tribunal
arbitral as divergências, que para o futuro possam VI
surgir sôbre o caso.
A França tem pulso livre em Marrocos - salvo
na parte que toca à Espanha, e a Alemanha vai
continuar a obra de «civ.ilização» francesa na parte 29 DE OUTURBO
do Congo que lhe é cedida ...
Pobres marroquin os! Pobres congoleses! Ha quem diga os rialistas inteirame nte desfeitos
E pobres tripolinos ! e d.esmoralizados, dispersos e desarmad os pelas au-
A estes estão os italianos a distribuir agora boas klndades espanhola s, furiosos os míseros assalaria-
doses de «civilização» europeia. dos em vista das promessa s não cumprida s dos che-
O regime industrial moderno leva à expansão fes. Porque muitos daqueles guerrilhei ros são pobres
colonial - não, porêm, em.prove ito dos conquista- diabos inconscientes, que assentaram praça nas hos-
dos, que dispensar iam bem a «civilização» que lhes tes de Paiva Couceiro, como poderiam ter aceitado
trazem, embrulha da em violências, roübo de terras, um lugar de mineiro ou de polícia secr~ta, ou qual-
vexações fiscais e exploraçã o do trabalho ; nem para quer outro igualmente perigoso ou repugnan te: úni-
vantagem dos pobres da pátria conquista dora, por- camente para comer. «Ah! se eu assim comesse
que êsses, a respeito de lucros, só os encargos e os em minha casa -suspira va um paivante feito pri-
perigos da guerra de conquista - ao passo que, com sioneiro - não estaria agora aqui nesta situação.»
um regime económico mais justo e produtivo, a pró- No presente estado social, que não garante à grande
pria pátria daria a todos mais do que o suficiente ! maioria a independê ncia económica, tudo se faz pela
necessida de de viver, embora sem aquele nobre im-
108
co9
pulso e aquele ardente entusia smo que só a convi-
cção sincera e profund a pode dar. 7 DE NOVEMBRO
Nem todos os incurso res, porêm, são simples
assalari ados, e não o são certame nte, por exemplo, Morreu míseram ente no sábado e míseram ente
dois filhos do ilustre Eça de Queiró s ! Causa certo foi a enterra r no domingo o escritor Silva Pinto.
assomb ro o facto, não é verdade ? Como é que os Era um grande escritor ? Afirma m que sim, di-
filhos do autor da Relíqui a e do Cnme do Pad1·e zem que era um mestre da língua, embora 0 reco-
Amaro, de tantas obras de sátira e de ironia con- nheçam sobretu do um panfletário.
tundent e, se acham entre os restaur adores da ria- Eu, por mim, conheci-o mal. Li-lhe há anos '
. 1 do Porto, as suas breves crónica' s diá-
leza e da santa madre igreja ? Que influência teve num JOma
sôbre os filhos o pai scéptico e frio, que não seria rias d~ ~isboa, sêcas, agres, rabugen tas. E como
o ·pessim ismo desalen tado me soa mal e o azedum e
capaz de se mover pela repúbli ca, quanto mais pela
monarq uia? Quando hoje se começa a sorrir da ilu- me incomoda, como só amo os hinos à vida ou 0
são democr ática e legalista da simples mudanç a de scepticismo s~rride_nte e benévolo, não quis saber
regime político, que educaçã o poderão ter recebid o mais, convencido amda de que o cronista não tinha
aqueles dois rapazes , débeis sob o pêso de um no- a compen sar suficientemente o árido amargo r d~
me consagr ado, perdido s na infantilidade retarda tá- sua frase, um sôpro vivificante e renovad or de ideias
largas e modern as ...
ria e ridícula duma contra- revoluç ão?
Eça de Queiró s era aliás urh snob e um scéptico ' Oiço· agora que teve uma mocida de ardente e
fatigado e doente. O seu scepticismo era bem di- ~ombativa, corri as vibrant es seduções do ideal e os
verso, por exemplo, do de Anatole France , risonho impulsos generos ?s do sacrifíc io; que era, no fim,
e amável, que duvida e sorri, mas não exclui o pro- un:a alma de criança rabugen ta como as própria s
gresso, nem repudia o combat e. Tudo bem pesf!.do, criança s que êle amava, a quem êle dispens ava os
o gesto dos filhos é a conclusão irónica e o comen- melho~es fulgores da sua bondad e e da sua pieda-
tário acre da filosofiá oca e dissolvente do pai. Pa- de .. Orço que o seu estilo se desconjuntou e desco-
rece um fecho dos Maia.;, com o grutesc o a mais! lorm na mesqui nha tarefa de coment ar dia a dia à
sobrepo sse, pela obrigaç ão cotidiana do ganha-p ão
os raquíticos e fastidiosos sucessos do ramerr ão po~
lítico e social ...
Quanta s ilusões literária s perdida s dêste m_odo !
110 1 [l

quantos sonhos de arte esvaidos ! quant'as almas c.om galharda desenvolt ura e desembar açado ape-
azedadas! tite, por entre os ruidosos feirantes da política.
Atemoriz ados ante o seu humor, os amigos .co- Os grandes homens, em regra, não estão no la-
meçaram a fugir-lhe. Foram-se quase todos. Tor- boratório do sábio ou no gabinete do escritor: pe-
nou-se um solitário, a desabafar amargame nte. roram na praça pública. E' aqui que se tecem c.o-
E veio a expirar em casa de um dos seus dois roas de_ glória e se organizam apoteoses , que as
únicos amigos, abandona do e pobre como Camões, aclamaçoe~ se colhem ~om menos talento do que
horas depois de iniciada uma subscrição para lhe o nec~s:áno para aperfeiço ar a peça de aço de um
valer na sua doença e na sua penúria! O seu en- ~aqwn1smo 1 para discutir um problema social, para
• 1dear uma estrofe.
têrro foi uma cerimónia miserável e desperceb ida.
O homem que. deixa uma não leve bagagem li- Pobres multidões ! boas multidões ! Elas vivem
terária, crítico reputado e prosador de renome, não na ânsia de melhorar, e como há homens que sa-
lernu, triste e frio cadáver a caminho do cemitério , bem prometer, elas, que são ainda tam confiadas,
senão um reduzido grupo de colegas e os alunos da sab~m tambêm ter e~p.erança. São os políticos que
Escola de Reforma de Caxias, de que fàra director. se mcumbem da fel1c1dade de todos; por isso, em
Nada m ais. Nem lustrosas librés, nem fulgentes qu.anto os hom.ens não sabem ocupar-se , êles pró-
uniformes , nem as altas personalid ades políticas, prios, de tam mgente tarefa, como não hão-de ve-
nem as figuras consagrad as da república · das le- nerar os políticos, segm-los anelantem ente, deposi-
tras. tar neles a sua mais ardente fé? Onde menos se
O mundo oficial boicotou o acto ; a gente inte- trabalha, onde menos se sabe actuar e coordenar
lectual e literária eclipsou-se. Se cu tivesse adivi- as .e~ergia~ individuais e colectivas, é que a peleja
nhado tais ausências ... teria ido! ?oht1ca mais referve e estua. Erguem-s e e tombam
Hão-de supor tah·ez que estou tambêm a r~dun­ 1dolos_, que, embora caídos, ou porque caidos no
dar em pessimista amargo. Não, senhores. Eu es- concerto de uns, ganham e conservam a admiração
tou a sorrir-me . de todos. Novas formas exteriores veem redoirar
antigas . substância s. Os neolocrism os veem caiar e
Estou a sorrir-me , imaginand o o pomposo fune- t>

ral que teria tido Sih·a Pin.to, a despeito da sua mo d errnzar os interesses velhos e os inveterado s há-
mordacid ade sarcástica e acidulada , se alêm de es- bitos. Classes aparentem ente soterrada s, reapare-
critor tivesse possuido dinheiros e houvesse furado, cem com os mesmos poderes, mas outras máscaras .
112 u3

E as boas multidões, na mesma ânsia, na mesma vaiou- o tribuno outrora glorioso, que se consola re-
oposição, derribam ídolos, levantam ídolos, vivem crutando nova e proveitosa clientela e vendo agora,
da mesma esperança. Aclamações, apoteoses, de- pelo binóculo ·invertido do seu orgulho maltratado
lírio. reduzida 'às ridículas proporções de· meia dúzia d~
. Conhecem o nosso .µmito ilustre tribuno Antó- maltrapilho s assalariados a incbntável multi-dão que
nio José de Almeida, que de salvador de enfermos antes o vitoriara com delírio. . ...
passou a salvador da pátria e foi ministro do go- As aclamações delirantes vão agora a novos
vêrno provisório? messias. · Vão aos chefes popularíssimos da facção
Este homem saboreou o mais mtacto prestigio democ1·ática; vão especialmente ao estadista 1•ota-
popular. Orador consagrado de comícios, verbo díssi1110 à ·salvação desta pá1n·a, como disse no
fluente e vigoroso, ideias não muitas nem profundas, Porto à multidão extasiada um senador entusiasta.
mas tiradas fulgurantes e tropos magníficos, rece- . O messias em questão é o dr. Afonso Costa,
beu as mais entusiásticas ovações das massas. Fa- tipo bem acabado de político e advogado, sagaz
zia entrever paraisos radiantes. manobrado r de júris, e de partidos. E' o grande
Veio a República, subiu êle ao poder, dizem que homem do dia. o seu prestígio, alêm de outras ori-
quis opor a colegas seus um partido forte, e para gens, procede das suas leis anticlericais e da pro-
isso fez a famosa «política de atracção», chamou a messa, c:iu.e êle parece representar , de vagas refor-
aderir ao regime novo as «boas vontades» do velho, mas sociais ...
favoreceu influentes da monarquia. Com outro chefe . . . E quando o exercício do poder lhe tiver em-
astuto e fino jornalista, o capitão-médico Brito Ca- baciado a auréola aos olhos das boas multidões '
.
macho, acaba de fundar uma União Nacional Re- sempre ans10sas, sempre ·na oposição·, estas talvez
publicana, para opor ao grupo Democrátic o, se- ainda ajudem outros a trepar, sem que os velhos
nhor de quase todo o partido republicano histótico, percam de todo as posições adquiridas e a grave e
como se provou no recente Congresso. A União é brilhante consideração das altas rodas, e sem que
uma excelente válvula de segurança para a forma o seu cortejo fúnebre - que aos deuses apraza re-
republicana , porque será o escoamento de todos os tardar o mais possível! - deixe de ter o luzimento
descontentes. Mas o povo dos grandes centros não do número e o' aparato dos galões e das cartolas,
se rende naturalmen te a esta razão, considera trai- e -na descarga simbólica da tropa a imagem do
dores os seus antigos generais, e já por três vezes muito ruído que fizeram.
8
e a q4e ela qer~e, aiµda çolT\ ntai9i; ~finc0 ~, fmmi;,
contra os seus próprios inimigos?
Julgado e copdeqa~o por Uffi; <i;qigo justificar;\do . Não é quqlquer go"."êrµo ~tii;i.~ivalllente ~~Vlado
a resjstêf\Cié\ a yiol,~~cia 1 p lici~is, I:Ieç,vé 1 na su:;i é\ considerar o.s seus iniqiig9s político , os revQ).u,.
autodefesa p~ra,nte o tri_bl\íli3:~,, disti,nguiu entre a,s cionários, como os piores l:randidos,, co,r:n9 e ~1)1~-µ­
funções policiais de repressão política e as que tos mórbidos, amantes da çles0rdem pela çle~ofdem,
se, çeferem, aos actos a{\ti-sociais, . aos chamados seres perversp e perturbadores, m1,1ito maiS; ngçi-
delitos de c\i, eiJ. , comu,m.. Foi contra ·as primei- vos à «socie~ade» do qt;\e 9s mesn;10s culpaçl0 ·. ~e
ras que êle escreveu: o que êle reclama é que ~s actos anti-sociais ? ·
agentes de polícia se limite~ a prend~r os malfe\- Todo o corpo aut0riçé\_i;io organizado, Estac!@ o,u
tores. Igreja, sejq qual for a sua ,deno1Piné\Ção, ~ende a,-
. ~ exclamã: turalmente, por necessidade de d,efesa p.rópri~- a
«Nesse .o(íciçi d_e guarqas da paz, quem poderia dar a maior \mportânciiJ. a,qs crjmes de heresia pa-
despreza-los? [;:u não, em todo o caso, pois comçi lítica ou religiosa., arrogando-se o preteQc.i0&0 <di-
colectivista (autoritário) - qe nenhuma maneira L~­ reito de representar , os interesses de tod,os e de
bertário, como pensais - sou partidário, na socie- cada um, e acobertando-se sob os mais especiosos
dade socialista dos meus sonhos, duma forte auto- pretextos de defesa social e garantia de lib~rda­
ridade social, e nem amanhã, em república social, des.
nem hoje, em çepública capitalista, estou resolvido E ' profunda ingenuidade, portanto, reclama;r;. a
a deixar-nos molestar ou esfaquear pelos element<?s extinção desta função essencial da autoridade.' s~
m órbidos, os degenerados, os alcoólicos, os sád}- alguma concessão pudesse ser feita por um govêr-
cos, as escórias sociais que qualquer sociedade, a no, reduzir-se-ia a organizar uma polícia poU,tica
actual sobretudo, arrasta como uma bala de canhão es_pecial - cujo fim muito part\cu[ar ser.ia sobretudp.,
presa aos pés. » e.orno. é de facto, promover e cultivar o delito polí-
Como pode, êle que foi professor de história e t1co, mventar:: qcoq1plots» e aten~ados, para ter oca-
é propagandista do socialismo, êle que deveria co- si?o de prestar serviços e justificar a sua existência·
.
mas isso não impediria o govêrno de aproveitar, se
'
nhecer a natureza de todo o poder político, como
pode crer praticável a separação efectiva entre a de tal precisasse, a outra polícia comum, como
acção repressiva da autoridade nos crimes comuns aproveita sempre o exército, embora êste seja teó-
Il6

ricamente criado par~ defesa da «pátria» contra o .qtfe se _erocma dipheiro . ou se f::rreLam j9ias ~ ri-
«inimigo exteri~r». \ ' · . q~ef a~ pp rtii,te~s, com . gi:ande v~l9r comÚcial, fá-
1<" Não i::nenos ingénua é a crença na necessidade .ç;ilmen~e transformáv~is nq o,i ro que prop~rç_ion~
e nà: -eficácia duma autoridade e duma polícia, so- todos os. pri\~eres e a~r~ tpd~as as. portas, ou , ga~an~~
bretudo numa sociedade socialista. ' a vid'• a pqr1 algum tympo no ,,ócio suberbo dos ricos- '
1 • • '
' Organizadas a produção e a distribuiÇão dos considerados ~- r~speit,ados ,por todqs, COIJlq se ,tra-
produtos pelos produtdres-coásílmidores 1ivrerriente balhass~m. e foss~m $eres úteis. E g~e admira, ~~
11.ssociados; própürcionand o cada g'r upb produtor a l~.~s~ oc10~1dade, dadq corpo prém,iq e honraria, não
toda a população da comuna o seu trabalho, em como opróbrioL, é por mu{tos p~eferida,_, aq m~IlP~
troca dos serviços .dos outros grupos e sem neces- secret~n;iente, ao tçr[l\'.~I mart{rio da labu}a perma-
sidade de dinheiro~ tendo cada um o seu bem-estar Jl.ente e escravizacI.a? r
) , 1 , ,u _Ji _ 1 u~ ·
.
assegurado, mediante um esfôrço breve e variado Há as «esc<?r~as soçiais», seIIl dúvida. Hervé fez
(o .mellior, o verdadeiro repóuso está na variação) notar q_ue são sobret9do abundantes na actual ~~­
·~xecutado com o poderoso auxílio dos mais perfei- ciedade. Com efeito, os elementos. mórbidos êsse~
,, ~ • ' j

tos meios mecánicos, pertencentes à colectividade; mesmos tenderão a dif!llnu!r rápidamente ,numa so-
oride estaria então a causa da enorme maioria dos çiedade ~m que tudo s~i~ d,e todo~ e eII\ que o h,o-
crimes ? onde a justificação duma: polícia ? · _m em sei a u.gi Eroduto são, sãrpente gerado e crjado.
Sabem-no todos os socialistas e os modernos cri- o alcoolismo, Çl tuberculose e a sífilis são 'ainda
minalistas,' é verdade adquirida e comprovada pelas males da miséria ~ dq d~~equi!Íb1:io social., : 1 .''
·estatísticas: os crimes teem em grande parte por . Mas adsnitindo que .sµbsis,tam, loljgamentç to.d9s
móbil o roubo, e ·em quase todos entra como pre- os degenerados ou viciados que hoje çis.p,risqes, em
·dominante o factor económico. Hoje delinqúi-se vez de curar, ainda corrompem mais, justifica-se
quase sempre e:m . virtude do antagonism.o de inte- por causa dêles a existência duma corporação ar-
resses, dos ódios que êle produz: das rivalidades mada, encargo pesado para todos· e ameaçà gravís-
que · êle suscita, da ignorância e outros frutos da sima para a liberdade de cada um ? Os guardas
miséria ; e roubá-se tambêm porqué há dinheiro e garantem-nos contra os criminosos; mas quem nos
·«valores» de fácil apropriação. Quando se assalta garante, a nós, contra os guardas? Quem nos põe
•uma cása, ou um viandante, e se emprega, para ao abrigo dos seus abusos, se são êles que dispõem
roubar, o punhal, o revólver ou o veneno, é por- da fôrça?
E protege dHios êles eficazmente, verdadefra~
ril'ente, contra os ataques dcis desequilibrados?- A~ê'm
de füdo 1 há nisso até uma simples impossibilidade
materia l. Nas actuais cidades amontoadas, concen-
tradàs, produto infernal da present e organização irl-
dtlsfrial e comercial, nessas me§rnas seria preciso
fazer policia méio mundo; pára defende r o outro
meio. Os crlmes repetem-se, mesmo nas barbas dá
titltôridade; t! em corli~ensação há províncias, re-
tiões inteiras ohde não circ:úla urri guarda, nem há
o medo da lei, e nem por isso os delitos são mais
freqlientes. A vida social e a seguran ça dos indiví-
dllos repousa m sol)te bases o~m mais sólidas e pro
fühCÍas, felizmente!' - Neste momento, o assunto que· 1nais fortemente
'- A societlade livre e igualitá ria db futmo não rétêm a atehção da gente política e das massas ci-
prl!dsa rá de· policia. Se tiver de se defende r contra tadinas é a questão clerical, ou mais restrictamenre,
a questãd dos bispos. ,
qualque r inimigo, e- se para isso precisa r de se ar•
mar, tbdos sem distinção tomarã o 'ármas e se in- A lei que separoli a Igr~ja ao Estado, - ou que
cumbir ão da defe a. E as funções de vigilância ou a êste subordinou aquela, ho d1zt:r do deputado Jir-
sentinela, caberão 1 a r'ddos "e todos as desempenha- dnto Nunes, - nãd permite' que Se·' contribua par: a
rão por turnos .'1
as despesas gerais do culto a não ser por intermé-
dio de corporações que, alem dêsse encargo ' te-
,
h
n am o de assistên cia e berreficên:c'ia e a êste último
escopo dediquem pelo menos úhl têrço da sua rê ~
ceitá - ou uma sexta parte, se tiverem ainda · dé
ptover ao· sustento e habitação dos respectivos fa-
cerdotes. Em numerosos artigos, fixam-se meticuló-
sament e a comI?osiÇão e o funcionamento · dessai
e
tultuais , a administração destino dos seus• bens e
120 12.1

rendimento s, as suas atribuições e capacidades . pouco. Reclama. er;i~Fgia d_o gevêmo, ent~ncle que,,a
Únicas fontes de receita admitidas: .os peditórios república é ainda ·be.n,igna e enluv:ada, desejaria
nos actos do culto, o aluguei de bancos e cadeiras, 1 uma atitude pombalina, rejubila porque sôbr,e os
de objectos cultuais e funerários, e a remuneraçã o graúdos t©mbq pelo menos a amostra, do casügo
dos serviços religiosos segundo uma tabela máxima que costum<l; preferir ~s pequenos e,i. como nq pr\-
préviament e organizada e afixada. Das cultuais não rneiro dia do ano os elementes c)ericais de ,L isbo.a
podem fazer parte os padres; e os edifícios ou t'.cm- o
festejaram, no p.aç.o patr!arca) de S. V::icentel seu
plos que elas adquirirem ·ou construirem serão ina- prelado ·desterrado, promete p~ra depois de áow-
lienáveis e reverterão, ao cabo de 9y anos, para o nhã uma desforra ret4mbante em todo 'o país -, uma
pleno domínio do Estado, sem indemnização. manife_s'tação ·que deve ser, com ef~ito, yasta e im-
Os senhores não vão naturalmen te supor que ponente, sobretudo nos centros populosos e iqç!µ,s-
semelhante~ çl,isposi.ç,õe:; foram do completo agrado triajs, muito especialmente em Lisboa ~ J;orto.
do clero católico e' sobretudo dos prelados. Não; as A imprensa republicana , principalme nte a do
cultuais vierarp até a .constitµir o pri!fcipal motivo <~partido demoçrático», pão descansa na defesa e
de opqsição ~clesiástiq ; e eis que últimament e os propaganda da lei de separação e da SQa intangibi-
bispos sairam solenemente a campo, . proibir\do, em lidade e _no ataque da revolta pr~latícia, lançando
categóricas pastorais sem beneplácito - outra exi- aos cidadáos a solerte e desconfiada advertência de
gência da lei,·- a constit}liçáo da~ cultuais por parte bem,.-prov~veis é interes açlos manej9s 1 jesuíticos e
do·s ijeis e a anuência e subordinaçã o às mesmas por rialis~as .... E, nesta ho!'~ de luta, n~da de te.r;giver-
parte .do's clérigos, ~ob . pena d~ scisma e excomu- sações nem de opiniões terceiras! , ~
nhão papal. . , Ou pela lei de separação e pelo~gqvêrno - º1;1
Já dêste moçlo p ocederam cinco mitrados e já pelo padre Cabral e por D. Manuel! ... Cuidado
quatro de entre êles - o quinto espera a sua vez - com os «maus republicanos», e com os «çúmplices»
receberam a punjção ad1;ni11tistrativa que a lei con- qlie podem trair· e perder a República! . E do
sente: interdição de residência po.r dois anos nos factQ de esperarem os emigrados, da resistência· à
distritos .onde moravam e perda dos benefícios ma- lei anticlerical, favor e ensejo para a contra-revolu-
teriais do Estado, serp prejuizo do processo judicial ção, conç_luem os nossos democratas regalistas e
a que estão sujeitos. · , pombalinos, extremamen t,e fortes ei;n lógica, que é
A população demoq-ática acha ·bem e acha necessário defender incondicionalmente o famoso
l '
_um 5êrç9,, mas ,metageyq9.v;nep~ . P\.o,veqtos~ despo-
1

fieis . contribu intes e .de' impedir :a .reconstitoíç'ão. do


t

,jar-me inte\r_arl}e.10t~,. w_e,sn1.0 ... _mas µãp q.u~r'? ~er e


antigo poderio económico 'pólíticd·?. .' . : ..,
c0agip;a .a 1~ma {l'flSSJ: q1ridade . . .-Q~ero eu mesrn~ 1
E _ depols~ 1 meus _amrg?s, con1Ó ~ ónd~ padrrá o
rea.uiar
0 •
o- destino
,
.J ..
•.
do meu
• ,._.~.·
dinheiro ... »~ . -· Estado? Porque há-de escolher ,- éncoraja do é pres:.!
I .,. / >' i

_A . I_grei·:t _µ,ãp . §e. sen,~irá mu~t~ à vontade para tigiado na sua'.fain a de fiscal, úniCaíhente ·a Igrej·á
respçmder assim: e~]?.aq~a-lhe ~ . voz, jl compro~~­ como óbjecto da 1'sua ingerênc ia furadora e ió.tronie· '
,tedqra .r:<:cor,d ação,. qa ~ua h,is~ória qe s~p~emac1a tida? ·1
teoc1~ática. . . Mas os lib.erajs conscient~s e verda; · Potqué ·e m vúdade vos 'digo que, se a história
d~iros· _:_ não aqueles .·que sQb~etem o liberalismo da Igreja est'á ch'eiá:' de severas advertênci"as, ·o pas-
às coµveniê~ci.as e se~tarismos çie partido? Deverão sado do Es_tadó ' nãa é menos inquiet~nte.
ser cccúmp.li,ces.1> dos j~s~it~~ Q.~gros 9u ve~11_:>:elhqs,
'ou «eúmpl[~es» d~ liber,d a9e?. . . . . ;_ .
. Imaginemos as associações scientífic~s, ed~c~t~­
vas, artísticas , técnicas, -QP.erárias, fi\o~ófi~as, Péilq1-
.d~rias ~ livr~-pensad.ora\), socia,listas, , anarquis tas,
- fiscalizadas, administr~das, regidas pelo Estado, Deu carácter ·à semana, poderia dizer 'à quinze-
cqm os seus rendime~tos rigorosamen~e delimita dos na, a grandios a manifestação' anticlerical organiza-
e restringi dos, sujeitos a uma contribuição .~orçada da, no domingo último, em Usboa, Porto, Coimbra
para um fim que elas p_o dem fté cqnside\ ar vão, e muitos outros centros das províncias, pela Asso-
hipócrita ou fa!~o, p~ivada.s dos s_eus, e?iljcios. ciação do Registo Civil e pela Maçonaria. A pri-"
. Intoleráv el abuso, nã9 é. verdade ? . meira é uma sociedade fundad·a há bastante s anos
. Ben~ sei: tré).ta~se sómente da Igreja, e o Estado para pugnar pela supremâ cia do pOder civil é pela
tem a santa intenção de impedir que ela enriqueç a vitória do laicalisino. Triunfan te a Repúblic a, alcan-
de novo ·e, p~l.a posse da riquef a, alcance o poder
1

çada esta vitória: e afirmada aquela suprema cia, a


e a ,influência política. . . Mas se essa riqueza há activa agremia ção julga dever $ubsistir para velar
p9uco ex:propria~a. não deteve a marc~a ~d,as i_d eias zelosamente pela integrida de_e éonsolidação da sua
que foram- ter à__ revo~ução e à expropn a9ao, porq~e obra. E o protesto dos bispos contra as cultuais e
não çonfiar a essas mesmas ideias, cada vez mais a: manifest ação do clero paroquia i de Lisboa no
livres e fortes, o encargo de diminuir o púm~ro de paço patriarc~l de S. Vicente forneceram-lhe um
1
pG

~splênd,\do . ffiS,ejo N-,Fl- ~· ~rcer a.. sµé\ act.iyi:d?-4~ wJ ter\os ~~f~~.ço ~ é\ c_on i!.\l!Í~~ª-e e!.~ su~ U,ÇÇ,~g
demonstrar a s a pqi~'í1Ǫ··' · · · que ontem era destruidora, hoje é conservador~ A
Assisti à -IU,anife~t~çáq realizad,a ~m Lisboa. Foi 90 spiraçáo fez- se'f~\\çi ~ -mego.~ ,~Jesr. ta e\nb9ra.
na yerdade iiv:pqne0it~ . A mai~ i;iurnewsa e \wp.o.- Todos os organismos sociais fortes ~ 1 tfiqqf~l)%S
nente que tenho visto, ~c.J,ªmadpq1, ·e ·en~u~iasq co..wi ~obrev.ive.rn i à ~ua f1:.11;iç-o ~ pr~111:1r~w qeriva~i o de
um bando de e.st dantes, tçanqujla e grave com.p yj,dl:\ e novas r~zõe . de peqnan~nsié\·
uma procissão. . . · No correjo 3>n,,ticleri<;:a~ i3iW jli9-da sie,l~aqgsJ çl,~
laQ;\ no coq~j9 ~o,dos. os p;:irtidos da República sociedades: populares e de agrupações, op~~á,ri~s,~
e todos os centr~ po\ítico.s, inclusive o centro. <1AP~ e se muitas destas faltaram, nã.9 foi p.or .s imp tia à
tónio José de A,lmeidan coJU o s~u próprio p,a:troÃ\o~ gei;i,te . sacerdotal, mas porque julgaram a maf\íJ;~ ta-
cujo grupo, aos olhos malévolos e desconfi_ados d.os çáo fora da slla alÇ, da, ou porql\e não guiseram;, sob
adversários, não prima por uma excessiva e m- aqueLe com0 sob qualq~er o~tro prettx~o, frateri;i._i-
condicion~I fidelidade a todos os pontos de Sua
1
zar com classes, que elas reputai;n irr ~conci!iá.vel,
lntancribilidade
i::>
Lei de Separação. n;i,e nte inimigas. .
Lá ia tambêm, largamente representada, a Ma- '! A burguesia endinheirada tambêm se encorpo-
çonaria Portuguesa,· cujo vibrante e inquieto, g áo- rou; e não era das menos nm~erosas a As~ ciaçãp
mestre, o tribuno Magalhães Lima, havia de a,r- dos Lojistas, marchao.do gravemente, com o seu içç>
• remessar- das janelas -do ministério da justi~a © estandarte, rubicunda e encar~9lada,.
flamante verbo às i;nassas. E a tenebrosa e teçriveJ A iOJeJ;lsa Praça do Comércio fi~?\l c<;>a,lh~~
Çarbonária para ali tinha igualmente delegado. um. duma colossal massa ~troadora, que interrompia o
grupo nurpei,-oso; ostentando galhardamente as suas seus clamores, os seus cantos e as suas músic~s,,
secretas fisiop.orpias ·e autovivaudo-se conscienciosa para ouvir a palayra chamejante e cominatória dos
e complacentemente para as compensadoras a,dmi- S)US tribunos e as promessas ardentes e categórica!),
raçÕes do presente .e para as imorredoiras glórias, dos seus ministros. A multidão vinha ali reclaq:i~r
do porvir. Houve quem perguntasse há pouco se a .t,não firme e pesada contra o clericalismo, vinha ali
Carbonária, implantada a República, escopo da sua poiar a obra e a atitude do ministro da justi~a,,
existência anterior,.. não daria por finda a sua mis- exigir o respeito integral das leis anticlericais, rç-
são; mas o seu chefe, que tem lugar no parlamento, querer a supressão da legação junto ao Vaticaqo;
defendeu ali vigorosamente a necessidade do seu e os ministros prometiam firmeza e proclamavai;n-se
128 129

fortes e anitnado~ ''pelO ' vigoroso aplauso dá op1- E ter um govêtno a fôrça ·e o prestígio é tal v~z
rl'iãd: . ,,, tâm perigoso como ter a vida precária e pe'riclitan-
• E a fôrça que esta lhe dispensa é na realidade te '. O abuso do poder é v'izinho do desespêro da
considerável. defesa: tocam-se pelos efeitos. · ·
Ao lado•da política anticlerical e republicana es- ... Jornada famosa, a de domingo, sobretudo ali,
tão as forças mais vívas e activas do · país, estão no Terreiro do Paço, negro de povo, retumbante
especialmente ' os centros populosos. Ao lado do de .aclamações,· com a assistência
'
dó Marquês que ' )

gasto ideal monárquico-clerical quem ·está? no seu medalhão, parecia sorrir com rhalicia satis-
Quem está? a despeito dos inevitáveis descon· feita, sob a figura oxidada do pobre homem que
tentamentos e desilusões causadas pelo novo regime? lhe serviu de rei absoluto.
As devoções empoeiradas "duma minoria hierá-
tica e impopular ·nás cidades e as simpatias impre-
cisas e desorientadas de algumas populações rurais
-não de todas. Não . dos camponeses alentejanos, ' .:!6 DE JA:-<E11<u

por exemplo, dos que fazem agora as stias»greves ar·


vorando bandeiras verde-rubras e detendo o ímpeto Quando, após os sucessos de Bárcelon:a, em ju-
da cavalaria com a figura -da República ... nho de 1909, circulou pelo mundo a notícia da pri-
Mas, embora numerosa·s, as populações retrógra- são de Francisco Ferrer, como :implicado prin::ipal
das dos campos podem fornecer. a um govêrno, qu~ na insurreição popular, os 'q'ue o conheciam, os que
governe ·contra a opinião activa das· cidades ou con- lhe. seguiam atentamente a obra ed ucativa,. os que
tra o proletariado industrial, soldados obedientes e sabiam o escopo da sua actividade, ·a directriz do
passivos eleitores, submissos e arrebanhados, mas seu pensamento e as virtualidades do seu carácter
bem dificilmente constituirão fôrças vivas de acção refl.e~tido, os que não o ignoravam quase sempre
de iniciativa. · ausente de Espánha, pessoalmente pouco conhecido
As Vendeias n~o são de hoje. Alêm do mais, a e sem influência entre o proletariado barcelonês
imprensa e os meios de ·transporte impedem a for- (um membro da comissão de greve nem de vista o
mação e persistêncía dos fanatismos impenetráveis conheda), os que enfim tinham presente, em todos
e insulados e dos focos insurreccionais. o pormenores, o anterior processo, cujo falso e in-'
A República anticlerical tem, pois, a fôrça. fame pretexto fôra o acto de Morra!, êsses não pu-


13..1

.d era m deixar de exclamar, çonfiados e optimistas: e_is q~ie. uma das suas ct1pulas ma.is majestosas e su-
,..~ Não é possível! E' mais µm fiasco, que a cc jus- b,e rbas, vem agora indirecta, .mas solenemente pro.-
tiça » terá em breve de reconhecer. clamar a inocencia de Ferrer.! · ,
O conhecimento minucioso dos factos veio de- ' '· Já a •Um p.articular , é be~ peno~o o reconheci·~
pois amplamente confirmar esta convicção - e au- ,me.nto dum êrro: ·m as as instituições, as ((justiças»·,
mentar o espanto suscitado pela incrível teimosia essas . sentem em regra uma ainda mais invencív.:el
.dos inimigos da sua paciente .e ponderada propa- ·repugnância em bater no peito . um humilde e comr
g.an.da, que recusavam. solta r a presa. E o assombro pungido mea culpa, pox:que essa confissão lhes ·ve!lil
foi embrµtecedor, , inen ar rável, qu.ar;i.do o infame tri- gp1p,anar o brilho pre~tigioso e'. autoritário . · .
bunal de guerra, sem provas, contra todas as nor- Esse caro raro deu-se · todavia em favor dai ·me~
mas da justiça, fechando os ouvidos à razão, sufo- mória dum fuzilado ... Não que fôsse desonra ba-
cando a defesa, ousou pronunciar uma sentença de ter-se nas ruas entre o povo, sangrado e oprimido·
'
mas P?rque 1~fámia e desonra foi, para os algozes,
'
morte!
-Emborp.! -,- dizia-se aind a; - náo ousaráo ir ;:i~sassll1,a-1o 'V1lmente por. ideiàs, sob· o pretext0 in-
até ao fim, o crime não será inteiramente consu- ventado de beligerância.
mado! Impossível! Arma-se uma comédia obscena , . O, Supremo Tribunal de Gúerra de Madr'id
pa1:a fazer brilhar a piedade régi.a ... .aéaba de ordenar a restituição .dos bens de F;errer
, E foi provávelmente esta ideia . que entbrpeceu 1 .e :s:la E;scola Moderna aos seus herdeiros, reconhe~
que contribuiu para entibiar a campan,ha 'internacio- cendo que: .: ·
0
nal em favor do preso, em favor da justiça, em fa- ,.. i. - F e rrer . em nada interveid ·nos factos de
iYO r da . vida. A multidão revoltou-se;. colérica. e ' im= :Ba,rcelona; · :.
0
petuosa - mas quando o mal era irreparável. .. 2. - Nenhuma das pessoas processaçlas estava.
. l\iesmo o.s que .conhece m· o valor e a natureza às .s uas ordens;
das in•stituições autoritárias, .çle exploração e de do- .. · . 3.º -E m nenhum dos 2.000 processos, causados
n1ínib, se deixam por vezes levar· a bem simples .p.e~os acontecimento s, se achar'am vestígios da par-
canduras ! t1c1pação_ou da instigação de Ferrer. · · , .
, · , . . E no entanto, ap ós a tremenda ir:idigna:ção . , : ~ os coove.ntos perdem a acção de reivindic·açã6
universal, após , a ardente. campanha de .reivindica- qµe tinham inten.tado - o que torna mais significa~
ção e de justiça, eis que essas mesmas instituições; tiva a vitória da verdade,. .
•I
1
·, Invade-nos ainda hoje uma onda· de çólera, re- havia repuolicanos nem propaganda democrática ,.
memorando , depois disto, aquela dolorosa vergon~a afirmou a possibilidade e, a vantagem de ser desde
histórica! Vergonha inextiágúível e mortal para a logo implantado o regime que só meio século der
maldita reacção ·clerical e rnilitarista ! Vei:-gonha pois veio a ter reatização prática. " .. .
.para os interessados , para os fanáticos e para os E essa prática teria correspondi do ao sonho? ..• ,
!cretinos que aplaudiram o crime hediondo! Vergonha Como devia ser bela a República, então! Não
e remorso ·para os ingénuos e retardatário s que havia partido republicano , nem estava próxima , ai
•creram na honra e justiça dos algozes! hora do triunfo . .1 1
As instituições_ . . essas não se corrigem, essas Henriques Nogueira morreu aos ~rinta e trê~
costumam morrer impenitent' d. anos . Dizem .que nó último período d1;1 vida sentiu.
' ' dolorosame nte a amargura que vem, para o since~
ro, para o apaixonado, da impenetrabi lidade s~r­
cá:stica e indiferente do ambiente hostil, mas nunca
O Centro Republicano Henrique's Nogueira teve perdeu a sua convicção íntima e profund1;1. O desa-
a ideia de comemorar solenemente há três dias, em lento originado nas resistências estúpidas da atmos~
'plena 'vitó'ria da República, o aniversário da morte fera social é certamente cruel e torturante, mas não
prematura - repentina e· rniste'riosa, diz o seu bió~ vale o desmentido brutal e grosseiro do facto, por..
gTafo - de um' ilustre precursor dó regin:ie triun~ que, no pnrne_iro caso, ao menos existe a imensa e 1
fante, o patrono do mesmo centro. ' · insuperável consolação de que se vive íntimament e
: · Quem foi Henriques Nogueira? Incumbiu-se de -O ideal, de que se possui a verdade contra a fra-
lhe esboçar o perfil moral e intelectual, na sessâo gorosa oposição exterior ....
comemorati va, o erudito st. 'r'eófiio· Braga. Belíssima idade, pois, e belíssima época, ~fü
Henriques Nogueira finou-se há cincoenta ê quá~ tão! ...
t:ro anos, em pleno vigor da ' idad~ e na integral ro- . Depois veio a propaganda , veio o partido. Ao ,
bustez das ideias. Rico, económicamente ili.depen· lado de um ou outro snob, de um ou outi:-o dilêtante,
dente, pôde afirmar, ante a hóstilida~e do;neio, um .em cata de sensações e de poses distintas e raras,
ideal político que tinha ·então o cunho sagrado e glo- .s em . dúvida a grande maioria era de convictos e de
rioso do arrojo · intelectual e do indiscutível desín· .entusiastas . As ideias afirmavam-se com todas as ,
teresse. Num livro seu de '18'51, quando ainda não minúcias, sem dobras nem escontj.er.ijos, sem rebu~
135

ços · riem corisiderações, com fres,cos radicalismos _. arrepe lam-se ' tddos porque lhes escamotear am o
súberbos, m agníficos, cantantes, ·zombando alegre~ fül gente idea l que tinham ante a vista .
mfote' das zombarias e encolhendo ombros de.s -' Isto é que é · a República? ! E :os homens, que
<lenhosos às sensatas admõestaçõ es da gente· prá-; não volvem olha res saudosos ao passado, porque o
tica. conhecem triste e 11egrn e espe ram no futu ro, po r-
e· 'O partido engrossou. Decorreram os anos, , ro- que o pass;:ido monár quico esté:Í liquidad0 e mo rto/
laram lustros. A' m edid a que se aproximava o cre-' bem morto;-na alma popular, desatam entretanto a
púsculo matutino . do triunfo, a ideia esbati a-se, es- . lamentar-se · doloros ah1e nte. Os trabalhador es so-
bretudo. Fazem uma greve, empunhand o bandei ras
'
qúeciam-se pontos .comprome tedores, en cobria-se
púdicament e, com o m anto das· conveniênci as e das republicana s, uma au toridade superior reconhece-:
adaptações, a nude z ofensiva de. certos lugare s re~ lhes no íntimo razão ; mas a'S associacoes ·sao- lhes
cônditós: Começaram a vir, mais numerosos, osi fechadas, a tropa fuzila-o s e prc.ndem~;e ve lhos re'-!
s..e-dentos de popularidad e, sempre prove itosa . E as-, publicanos operários, dos que lutaram· e dos que se
sim 'como, nos de se rtos áridos da África, batidos arriscaraci1 . ·
de luar pálido, acorrem os chacais ao anúncio de : E entretanto, no alto, digladiani-se os grupos e
práxim.o cadáver, no encalço de possante carn ívoror' s ub- grupos pdlí ti cos, na r êde emmaranha da das suas
assim acudiram ao partido os chacais da polític"a,: ii:-trigas e despeitds, e no ardor das suas impacien-
na , ~xpectativa da presa do .leão popular, mas nq.· c1as. !

e.sperança de lha empolgarem toda. : · Um jorna l, e não dos menores, trombeteia que
-·. E · quando enfim se consumou a vitória ansi"ada, há sobreprodu ção de ambic10sos, crise de abundün-
- oh! assombro ! -eis que · o ·partido era o país : cia de grandes salvadores de sempregado s. Todos
inteiro! Como a vitória convep.ce ! se sentem com enormes apt idões governativa s, to-
Mas em quanto surgem, aos milhares, as caras ' dos teem pressa de as mostrar. Correram boatos ·
novas. a· gritar, a jurar que · sempre pertenceram a de um golpe de Estado -- ora por um grupo, ora
3rlmas e corpos retintament e republicanos, mais re- 1 por outro. Falou-se depois em queda do ministé rio,
publicanos do que ninguém, muitos dos que bem: trabal hou-se p:ira isso - e tive ram de contentar-se
sentidamen te o foram antes, abrem olhos espanta.-· com o s"aída de um ministro . Paciencia: será para
dos à realid ade, e embora não a vejam pior, enc· outr a vez.
r.am ··de · clamar· que não é .sensívelme nte melhor. e . Se H enriques Nogue ira pudesse viver ainda ...
E' 'verdade que poderia encobrir a sua desilusão
com uma desculpa: o seu ideal não está ainda de.
todo realizado. Henriques Nogueira era federalista,
como o foi mais tarde o espanhol Pi ·Y Marga!!. Fe-
deralismo po)itico, s~m .d úvida: federação pelo alto, 1 •

de govêrnos ierr[toriais, de circunscrições adn1inis-


trativas; não o livre federalismo que o ope,rariado
da vanguarda ergue hoje como uma bandeira, o fe-
deralismo económ,ico, que parte do indivíduo e d,o IX
grupo autónorco, .e ssencialmente produtor.
Em todo ç.as~, Henriques Nogueira queria a
República e a República cá está. . . . .
. Morreu com trinta e três anos, hü mais de meio. 4 DE FEVERtJi{O
século! Feli z republicano! Bela idade e formosa
época~para a República! Fizeste bem. Viver lon- Fialho de Almeida deixou-nos páginas admini-
gamente não que,r dizer viver muito, em intensida- veis, fortes e coloridas, sôbre a faina rude e bestial
de. Tu tiveste a preciosa ventura de viver o teu do campesino alentejano, na região da grande pro-
ideal até ao fim, sem o ver manchado ' de suspeições priedade, onde o salariado moireja para um opu-
e sem o presenciar triunfante. lento fazendeiro e onde a máquina fez a sua apari-
ção. Foi êsse proletariado agrícola que se .associou
e revoltou para conquistar uma pequena melhoria .
de condições ; foi no A lentejo e por toda a região
ribatejana que, em junho passado, a greve rural
co11stguiu um aumento de sa láriGJs. N <Í:O cresceram
'1 mui t<? - oh! n:lo ! - êsses pobres salürios, que se
em Evora passaram a oscilar entre 400 e 700 réis
por dia, conforme a esraçáo, para os .homens, fi, ,
xando-se em 200 réis papa a~ mulheres durante .
todo o ano, já em Santarêm, por exemplo, não su-
138

biram senáo a doze ou sete vintêns segundo o sexo, Em vão vieram comissões de Évora . Em vão d·d e:
em q~alquer época. gações · operárias de Lisboa procuraram levar o go~
E depois, em Évora, o contrato não foi mantido . vêri10 a uma sóluçc'io ·que eviLasse a g reve, não de-
Deu- se urna quebra de compromisso - e foi contra sejada pelos militantes das as1>oc1ações 1 cônscios das
ela que os traba lhadores rurais tiveram de retomar suas próprias responsabilid ades " e da insuficiência
a luta. Fizeram-no com todas as formalidades le- de· organização. A excitação entre os openirios mais
gais. Concentraram-se na capital do distrito, mas com penetrados da · revolta e âo espírito de solida-
mantiveram uma atitude passiva e sofredora an te i;iédade era , grande; e para ela contribuira forte:
as provocações e violênciàs. O próprio governador mente certa imprensa republicana : que tinha esbra.
civil reconheceu, particularmente, a profunda e ele- vejado de indignação ... política ante as arbitrarie;
mentar justiça da sua causa. E em quanto se segre- dades de ~~vora, para depois cair sôbre o protesto
davam de certos . lavradores suspeições de manejo da Lisboa proletária.
monárquico, fomentador de revoltas, com a rup tura '. ·A greve irrom.p eu, tomo movimento de protestÓ,•
do contrato, os seus servos d<J gleba afixavam, pelo em Lisboa e arredores, em Setúbal, estendendo-se·
cont·rário,. a sya ·ingénua espe!'ança republicana, no pelo Ribate.jo, repercutindo-se em Coimbra. Isto foi
agitar das füímulas verde-rubras e no atroar cân, em 27 d·e · janeiro ; e logo no dia seguinte pare:ceu
dido dos •vivas. ·, encontrada uma solução razoável: o govêrno man:. r
_:_ Viva a República! e as associações foram-lhe . dava reabrir a associações; promovia a soltura deis
Jogo encerradas. Viva a República! - e a cavalariai presos ob fürnça e o aceleramento da investigação
afuaentava ·da cidade grupos submissos, perseguin=· judici al e C"Onsentia que a Évora fõsse unJa comis-
do-~s durante , quil ómetros . V iva a República! - e'. são ope.rária certificar-se Clas medidas tomadas ei
os r epresentantes dos grevistas, republicanos de ve: inquiJ-ir se a autoridade .e xorbitara ... Livre o go-
lha data, vinham para as pri sões ·de Lisboa. Viva a. vêi·no de confiar m.ais no que lhe viera dizer o seu
República! - e \'arados pelas balas da guarda re- enviado especial ou no relatório que esta comissão•
public~na caram un1 morto e vários feridos, um dos publicaria. ·
quais, em 31 de janeiro d.e t ::-9 1, enfrentara, em de-.: Partiu a comissão na manhã de 3o. Pois bem:
fesa da aspiração republicana, a mesmíssim a guarda nesse mesmo di5l- mudança repentina ·e impre-
com epíteto monarquista. vista. · Sôbre consulta da autoridade militar, era â
O. ministério aprovou. O parlamento sancionou. es'ta entregué o govêrno da cidade de Lisboa e aqui·
,140

suspensas as garantias! A çom1ssao . que fôra a lências, que os rialistas 'se tinham alegrado,, que a'
Évora via-se, presa no regresso; e à,s duas da ma- União dos Sindicatos est'avà <<luxuosamente» insta-
drugada de 31 - data gloriosa da revolta do Poqo ! i.ada, e que tinha ramificações.
:- as tropas republicanas de todas as armas alcan- As. violências, 'e tn Lisboa sobretudo, foram sim-
çavam, conio desforra ,de outra hi.stórica maclr,ugada ples .arranhadura$. Como est1vemds longe das g·ran-
de vencidos, trna brilhante vitória sôbre os grevis- des greves lá de fóra ! Os agentes provocadores e·
tas. A Casa Sindical, onde estes espeI,""avam ansio- os doidos, se os houve - - todos os partidos os teem
samente a comissão e o fim da greve, era sitiada, -não tiveram influência. A União estava no velho
e centenas de presos lev.ados ent_re baionetas para palácio do ri1arquês de Pombal: renda mens::il '- ·
bordo dos navios de guerra. 75:ttJ6oo réis, paga por umas quarehta associações.
Descobrira-se que a greve er~ ... uma tentativa ds móveis são os antigos: As despesas da greve
ri alista! E para o provar melhoi,'" . .. faziam-se na não ·foram tais que não coubessem nos rJcursos dôs
cidade rusgas a elementos desordeiros e tarados e numerosos in.dicatós, ou na habilidade administra·:
prendiam-se monárquicos que sorriam .. , • , tiva dos operários, pobres de dinheiro mas ricos de
O parlamento sancionou. Concedeu o govêrno inicicit'iva' e actividade, habituados a grandes esfor-
militar e o estado de sítio por 3o dias e decretou, ços com minguados fundos . Os militantes operá'rios,.
retroactivamente, o julgamento sumário dos presos que tantas vezes sacrificam os seus interesses as
em tribunais militares! E ia decidir o adiamento . suas convicções, não são homens que se vendam.
das sessões por um mês, se não começasse a surgir. Dos 'monárqLiitos separa-os um abismo de ideias e
a visão do êrro com o correlativo arrependimento. dt! classe. Nem àqueles poderia ser favodvel o en-
Corre até que o chefe do Estado recusou a princí- sejo, krmado e prévenido ;o govêrno. Ê se os sindi-
pio firmar a lei de excepção, declarando por .fim catos, as federações operária~ · teerü :ramificações;·
fazê-lo ((constrangido» (sic ), por não ter o direita qué duvida! - tambfan as : 'feem ~s partidos políti"'
de veto e não querer, com o abandono da sua fun- cos; "teve'-as b partido tepublitano ! :·
ção, agravar ainda as circunstâncias. Tão estranhos foram os sucessos e bs actos do
govêrno, ·'que n~uitos julgam 'poder afümàr e ' afir-
1
Mas tem ao menos o govêrno indícios seguros
de fOnspiração monárquica na greve? Nenhuns! , mam saber que o ministério 'quis afei'rar o pretex1td
' 1 '
Convidado a apresenta. los no congresso - ó manes p~ra se preca ve.r contra urii golpe de Estado pre~
de Offenbach, valei-nos! .,- disse que houvera v.io- parado ·pelos radicais .. : É · outros ajurttain qLié'
q .2

houve poi: isso imposiçãQ dé!.S legaçóes estrangeiras. produzir e pela administração directa da produção,
Já' leram C!le des Pi11g:o11i11s de· Anatole F. r.:,rn,<;.e? e ..que, · entretanto, nada reclama do Estado alêm do
Pois há lá situaçóes análogas ... respeito das liberdades essenciais e das vidas dos
_ .Entretanto, em quanto Machado Santos ~ pai d,~ trabalhadores, - dessa minoria nada. tem a Repú-
República zelando a bo11ra da· filh<J.-clama . aflito bhca· que' recear por em qu i:l nto.
que se .tenha juizo ! que .se tenha juízo! que não, se. Embora isto .pareça à prim·e ira vista . um para-
indi sponha cont1:a o regime o melhor fermento da- doxo, essá minoria que ao democratismo opóe o
massa operária, ·t antas vezes inerte! a imprensa re- sindicalismo, isto é, que .ao govêrnci dos represen-
publicana em geral, . sob o olhar vigilante da ,cen- fantes . e delegados, forçosamente incompetentes ern
sura prévia militar em .Lisboa, apoia o govêmo 1· Ga11:la questão : especial, opó e a gerêucia directa pelos
mas ._ se nte-se 1;na·l, procura terra firme, não vendo pvóprios prodútores, pelos in,teresados, pelas com-
tabr.ez ainda o·,fiasco monumental, a verda~e . que é petênci as técnicas, e a· livre fed,traçáo dos g-1,1pos
pi;eciso . r,ecop.be:c er,,. o êrro que .é preciso confes; prndutores: - é contµdo ..mais republicqna do que .os
~~r.. . : .1 i : , próprios republicanos ' oficiais ·e oficiosps ! ..
-~·,. .. .. Ou, ern breve o ?ilêncjo constrangido da ver.; Efectivamente, e'stes últimos,. por despeito ou
gonha. por desilusão, podem facilmente recaír nos braços
da monarquia, da qual aliás muitos deles vieram
( . sem g rande esfôrço nem profunda mudança. Para
[ [ DE FEVCl{E I R,O . ' os .sindioalistas não há despeitos nem desi lusóes pos-
\,; síveis: da República nada espercwam, nem para sa-
A República precisa de contar com as cidades·; tisfação pessoal, .nem para emancipaÇ,ão do trabalho;
c~ par.a isso, não pode,_muito especialmente, i.ri:itaLJ ou, s9 esperavaq1 precisamente os salutares efeito~
e . magoar o proletai~iado industrial, ou o que vai~ do des,engano da maioria ,t rabalhadora .. E como ê$te
quase o mesmo -:--- a minoria activa que lhe serve <desengano levará ainda longos e pacientes au.os de
de fermento. · ' regime democrático, regres sa r à monarquia!, à ou-
.. De.ssa minorfa, que trabalha pela organização e, tra , forma política espúria da sociedade burguesa,
eduçação do operariâdo para que éste possa um diq seria para o sind icalismo um verdadeiro e sério re:
apofü _às classe_s sociais pe_la apr9priação e explo- t;:;ocesso : seria um novo período de esforços e ener-
~ação colectiva do solo e de todo_ s os meips ele gias populares roubados a organização operária in-
144 .,

depeadente e à acçao de classe · pela esperançai para fazer acreditar que houve fundamento para
dernoc'táti'c'.:a do povo e pelo fogo tribuiJ.ício dos de- suspeitas e não revelar todo o desastre e toda a
màgogos. ·· 1
•• , .. , miséria do seu fiasco - ou do seu' estratagema po-
O govêrno 'talvez não salba ou não queira "\rer lítico. · i ·

estas coisas, e está perfeitamente ·convencido do que: ~ Interpelado pelo único deputado social-democrá-
afirnl.a: que as greves podem ser aproveitadas pelos tico, o presidente do ministério disse ' que ' nunca
rialistas ! que as luta's económicas· sã0 ·cc desordens»· afirmara ter sido a greve feita ou dirigida pelos mo-
nocivas ao ~ ·aís e ao regim e! e ·que . os actos de· narquistas; só tinha ·declarado que estes se abriga-
«energian dão prestígio ao poder,' cá dent ro e lá ram por trás dos grevistas, para explorar os suces-
fora! Dizetn-no," sem pestanejar, os que, pela vio-· sos e agitar a sociedade portuguesa. Evidentemente,
lência, tanto ~o ncorreram para o alargamento dC>, isto não é verdade; a nota oficiosa, públicamente
conflito e -irritação dos ânimos, em quanto noutros; afixada nas esquinas em 31 de janeiro, não deixava
países, O.a· Ingl a terrct, Bélgicá, ·, etc.,) em frente de; dúvidas: na narração da greve e seus .incidentes,
greves bem mais ternp estuosas1 se .faz uso de be!Tli metia a prisão do ex-ministro monárquico Jos'é de
maior prudência· e sangue fri o ! Azevedo, «autor de cartas de graves responsabili-
1 ' dades», e concluia que «tudo indicaya que o movi-
mento ... era sustentado pelo dinheiro dos reaccio-
'*
' ' ' ,t .,, nários monárquicos.» E as declarações feitas no
parlamento, para obter a sanção das medidas to-
madas e os tribunais militare~, foram ainda mais
··· bJs pre'sos por motivo d'a greve geral de janeiro, categóricas .
poucos re sta11-\. na cadeia _u... e êsses poucos por pleno· . Mas êste lamentavel recuo do govêrno e da sua
á'tbitrio auforitár'io, 'pois que sôbre êles não pesan~· _imprensa dá · a ,medida da sensação que êles pare-
il~m · m ais 1responsabihdades nem mais' acusações do· cem . ter do seu ~'r.ro e revela a ansiedade com que
que sôbre: os outrós já soltos, · . 1 ••
1
1
êles procuram o perdão e o esquecimento ..
' Jâ' quisi nin guêrh acredita que os tribunais mar~ 1
cia:is · venhani i funci ona r; e é pcissívç l que o go-
vêrno retenhà ainda alguns ccprisioneirbs de guerra»·,
fingindó a · continuação dum 'misterioso Inquérito;
10
146 1 47

13 DE MARÇO
lhando bem, os mm1stros apenas podem referir,
para explicar as extraordinárias medidas de exce-
O crovêrno não teve remédio senão engulir o me-
pção, próprias para uma guerra civil com barrica-
lhor d~ que tinha dito e do que tinha feito pa:a não
das e centenares de mortos, algumas ocorrências
.agravar mais o seu tremendo fiasco por m.otivo da
tam numerosas como em tempos normais, algumas
greve de Lisboa. Morreram,. antes de fu~c10nar, º.s
ameaças sem execução, algumas excitações sem
tribunais mi litares para grevistas; e no discurso m~­
efeito, alguns petardos de origem ignorada! Arbi-
ni sterial· que justificou o recuo, falou-se d~ «.n:ov1-
trariedades, prepotências, má vontade, desvaira-
rn ento anárquico», mas nem pio sôbre o ?mhe1ro e
mento atitude ridícula - tudo isso esteve do lado
as manobras de ria listas - infames calúnias que no ' '
da autoridade, em Evora primeiro e em Lisboa
entanto tinham valido para arrancar ao parlamento
depois, e nada o fará esquecer, por mais esforços
a sanção apressada e solícita das medidas de ex-
que façam.
cepçáo ! ·
No seu discurso «de defesa », o ministro da jus-
Naturalmente, não se confessou francamente a
tiça tem uma passagem ... surpreendente: ousa ne-
asneira cometida (ou os motivos verdadeiros e ocul-
gar à greve do suJ motivos sérios!
tos d:is medidas). Pode fazê-lo porvent~ra UL~ ~~­
·Por faltar à greve generalizada do sul -- dei pro-
vêrno? No fundo, o govêrno pedia para si, à opm1ao
testo e de solidariedade - uma «reivindicação eco-
pública, o perdão-' e a amnistia; mas to~av.am-se ex-
nómica» particular, o movimento não tinha razão
teriormente ares de generosa complacencia. A Re-
de ser! A causa económica tinham-na os grevistas
pública sabe perdoar e esqm~cer - embora tivess~
de Evora, tinham-na portanto os de Lisboa, solidá-
tido todas as razões para agir com aquela brutali-
rios com aqueles. A solidariedade faz progressos
dade que os senhores viram . ..
entre os trabalhadores; estes já não se encerram
E aqui, para cobrir a retirada, repet.e-se .ª nar-
nas suas fábricas, nem nas suas corporações de
~ação oficial dos ·acontecimentos : Ment!fas Já de_s-
ofício.
íeitas - ou incidentes inevitáveis e estranhos. Nao
Isso bastaria para justíficar a manifestação efe-
há crreve sem êles, e se os querem tomar como pte-
tex~s para sangrentas repressões, sejam, f~ancos e ctiva de solidariedade, ·sentimento muito gabado,
em discursos académicos, pelos parlapatões, · que
declarem desde já terminantemente pro1b1da to?a
depois o censuram quando aplicado pelos operários.
e qualquer greve. Que violências houve? Esp10-
Mas havia ainda associações encerradas (aber-
'tas, sim, como diz o ministro , mas depois de decla-
·rada· a greve de protesto), havia presos, havia vio-
·lências da fôrça armada, havia feridos , b'.avia um
·assassin ato! Amplos motivos para uma explosão de
'-Cólera! Liberdad e de associação e de reunião, liber-
-dade' de greve, direito à vida - o que há de mais
' essencial e mais sagrado para os trabalha dores, X
Ltutio ·em jôgo ! O que êles, se não são inconscientes
·e' desunidos, não podem absoluta mente, sob pena
·de 'aviltamento, deixar tocar sem o mais vibrame
protesto , que dará sempre resultado s, come> todas
24 DE FEVEREIR O
as revoltas, como a greve de janeiro, a despeito da I'
sua aparente derrota.
Prepara- se na Inglater ra, uma grande greve em
Em todo o mundo os trabalha dores defendem
tôrrto desta reivindicação dos cavouqueiros da hu
-ci?sàmente, à custai de sacrifí~ios, aqueles direitos
lh!i: a supressã o do trFtbalh0 por tarefa e a substir
.elementares, que só pelo facto se conquistam e pelo
tuição dêste pelo trabalho por ,jornada, com um•mí-
facto se manteem . Em. todo o mundo o fuzilamento " .
nima de• salário:
de tl'abalhadores levanta as mais irreprim íveis• in- no primeiro de març~, ·~~
· A greve deve estalar
,(iignações. Quem não se lembra das imponen tes
até M não. sobrevie r uma solução conci1iatória. Até
gr.eves gerais, abrangen do não uma província mas
hoye as negociações não teem· dado resultad o· ~as.
o país inteiro, proclam adas em Itália, apesar do '
predomi nante das suas organiza ções, concessões oferecidas pelos propriet ários das mina5,
1 reformis mo
foram pelos trabalha dores, julgadas insuficientes. e
por causa de crimes como os de Évora? E na Ar-
ilus.ór:ias .. A intervenção do govêrno inglês - bem.
,gentina, não se decidiu uma vez que a greve deve-
mais. hábil nestes assuntos que os :dos outros países
·ria• estalar, sem mais acôrdo, a cada notícia de
~ tem sido perfeitam ente vã e friament e. acolhida
assassin ato de trabalha dores ·?
pelos dois ·partidos em presença . " · 1 • •J t;.

Será pois inevitável a guerra?


Porque se trata de uma guerra. Uma ·guerra de
t - · r "·
150 l 5I
classes, uma guerra social, não provávelment~ tam ros, que compõ~ a classe, 850.000 operários empre- ·
sangrenta como uma guerra entre nações, mas 1g~al­ gados nos te ares · de lã e algodão; 70.000 opertjrios
mente ameaçadora de consequências certas ou im- de caldeireiros e··oficinas de aço; 60 .000 operários ·
previstas, próximas ou remotas. Uma guerra em mecánicos, 243.ooo ·homens, empregados na coris-
que os exércitos inimigos combatem realmente por truÇão de vagões e locomotivas, 236.ooo operários
interesses definidos e bem seus. de engomação e tinturar,ia, 1r2.000 homens e mu-
O ministro Edward Grey qualifica a greve pro- lheres empregados nas fabricas de bolachà, etc.
jectada «a maior cate:1strofe nacional da ~1istória d.e Tudo isso terá de fazer greve quase logo, por falta
Inglaterra». O primeiro ministro Asqmth, convi- de carvão. '
dando os representantes dos patrões e dos operá- Em resumo: · serão ao todo mais de ·cinco mi-
rios a uma ·conferência, escreve: «A paragem com- lhões os trabalhadores parados, os que, com as
pleta do:comércio dos carvões, prolongan?o-s:, far!a suas famílias, · sofrerão as conseqüências da teimo-
parar de todo a indústria. O govêrno bntâmco nao sia patronal. Os mineiros, é certo, teem em caixa
pode deixar produzir tal calamidade. sem pelo me- 55 milhões de francos ; IT<as se a sua resistência se
nos ter feito todo o possível para a impedir.» prolongar, aquela reserva não durará muito, e a '
Naturalmente, naquele possível não estão incluí- situação pode então tomar um carácter extrema-
dos os meios violentos e arbitrários: encerramento mente agudo.
de associações, prisão de delegados operários, es- Mas há mais. A Federação dos trabalhadores
tado de sítio, etc. ~ Isso seria precipitar e agravar os dos transportes resolveu não descarregar o carvão
acontecimentos - e nem o govêrno inglês é tam es- importado e auxiliar . de todos os m.odos a 'greve
túpido como os outros, nem .ª Inglat~rra. é terreno mineira, se esta vier a· declarar-se. Como se sabe,
propício, a essas extravagâncias auto:1tánas. · esta Federação iniciou e venceu · a última grande .
E no entanto, ao lado da calamidade em pers- greve inglesa. ·
pectiva bem ' ridícula e pobre coisa, mesmo pro- Por outro lado, reuniu-se a comissão executiva
porcio;alm~nt~, foi a recente greve geral de Lisboa, da Federação internacional dos mineiros, e os de-
que tantas atrapalhações causou e em tam grutes~a legados franceses e oelgas fizeram a promessa for-
postura colocou os nossos grandes homens de Es- mal do seu apoio. · Na Bélgica, ainda há pouco ter-
tado! minou a por vezes violenta greve do Borinage. Em
Imagine-se: Importa juntar ao milhão de minei- França, o último congrésso mineiro, celebrado há
c:l2
153

dias, deu à comissão federal a faculdade de esco- Dizem aos próprios pobres, aos seus irmãos no tra-
llier a ·oportunidade·' para a greve ·hã aa'nto· tempq bl=J.lho e na escravidão do ,salariato, que ninguêm
reclama<ia. Na Alemanha,· a cc União •dos mineiros».. pode impunemente desinteressar-s e dos outros, que
declara muito prov~vel uma pr,óxima greve geral, toda a sociedade sofre quando sofre uma parte d©s
e' é 'já viva a agitação ná importante bacia do Ruhr, seu:s membros. E pondo em crua evidência o anta-
O conflito poge, pois, galgar as •fronteiras, assu- gonismo de interesses entre proprietários e salaria~
rründo proporçõ.es vastíssimas. 1
dos, e os males resultantes das sul;ls lutas, levam a
· A greve é, sem dúvida, uma arma de dois gu, conceber e a des~jar a harmonia dos interesses e a
mes. Fere os próprios que a manejam. Fere támbê111
1 fusão das classes inimigas na classe única dos pro-
a classe pobre. A colossai greve inglesa, porventura dutores úteis, livres usufrutuários das terras, das
inte'rnl:!-cional, que s'e vê no horizont,e, está bem ~inas, dos instrumentos de trabalho,' dos meios de
nesse caso. ~ l transporte.
Mas os trabalhadores não teem outra arma. Far- ....
taram-se de esperár. Fartaram-se de confiar 1em
panaceias legislativas e em promessas de patrões e
de políticos. Sofreram as mais crueis desilusões. 4 DE MARÇO

Viram o ruir das utopias democráticas de govêrno.


Verificaram o vazio e a ineficácia das reformas O que naturalmente prende mais neste momento
le'gais. a atenção de todo o mundo em g~ral e do mundo
E por isso vão à guerra. Vão à guerra e rece- proletário em particular é a colossal greve ing\'esá,
bem golpes, naturalmente. Mas tambêm os vibram.- a gtan.de <cguerra do tarvão», o imp'onente confüto
Mostram ao mundo desatento, com uma sacudida social, já imp etuosamente iniciado. · •· '
IJrutal, a fôrça da sua' união, a importfmcia do seu .Conflito que não é pura e simplesmente nacio-
papel social e a justiça da sua causa. Tomam êles nal, porque, sem contar com a solidariedade operá-
próprios consciência do se u valor e do' seu poder: ria internacional, que pode fazer alastrar a grevt:
Exercitam-se e dignificam-se . pelos países hulhíferos, há várias nações cuja indús-
Provam que a solidariedade não é só uma bela tria depende em parte do carvão inglês, e assim, se
palàvra, mas realidade viva, i,lm laço indestrutível· fôr demorada a solução, a luta terá larga repercus-
1
que liga, na dor .corilo no prazer, os homens todos. são pelo globo e causará mil greves forçadas. 1
E demonstrará à evidência, não só o valor dêsse 16 DE MARÇO
«pão da indústria» que é o carvão de pedra, não só '
a primacial importância de . certas· greves e de cer-
1
As declarasões ontem feitas na Câmara dos De-
tas corporações operárias, como os mineiros, para putados pelo ministro dos Estrangeiros, tambêm
a determinação da greve geral, que é a arma su- chefe do gabinete; · sobre a aliapça anglo-lusa e a
prema e o meio últi!J?O do sindicalismo revolucioná- segurança das colónias portuguesas, são considera-
rio, mas ainda e sobretudo êste facto simples e in- das como absolutamente sensacionais e fazen'l as de•
tuitivo, tantas vezes esquecido no entanto: que ·a.· lícias e originam o entusiasmo dos patriotas.
vida social depende do rude labor do proletário, O ministro, respondendo a urna interpelação, li-
que o nosso irregular mundo social assenta, com mitou-se a esclarecer · e a proclamar solenemente
todo o seu pêso, sobre o esfôrço manual do pobre, coisas antigas mas pouco conhecidas·, porque as coi-
o qual retira todavia do produto comum o quinhão · sas menos divulgadas são as que se passam no
mais magro e a ingratidifo mais dura. mistério das chancelarias e das quais dependem,
E contudo .. . e contudo nem o próprio grevista segundo parece, formidáveis ac,:ontecirnentos histó-
compreenderá bem, ainda desta vez, - é o mais ricos e ingentes abalos nacionais.
provável - a significação grandiosa do seu acto, o Com todas as nações vizinhas, na rne.trópole ou
valor enorme da sua função social e todo o alcance, nas possessões, está Portugal em excelentes e sóli- ·
todas as consequências desta realidade brutal: a das relações de amizade; e a velha e tradicional
dualidade mortífera e absurda da nossa sociedade a.liança anglo-lusa, que vem de e373, renovada, al-
capitalista, o facto de existir, de um lado, a posse terada e ampliada em tratados numerosos e suces- ·
exclusiva, a propriedade dos- meios de produção - sivos, subsiste em todo o seu vigor. Dessa aliança ·
feita esta a sabor e no interesse principal dos pro- resulta o compromisso recíproco de auxílio material
prietários - e, do outro, a posse nua e única dos em caso de guerra, espoliação ou conquista; e se
braços para o trabalho assalariado, monótono e ex- Portugal, pequeno leão caduco e desdentado, não
. I .
tenuante .~ pode improvisar um apreciável poderio militar, pelo
menos há-de fortificar e valorizar os seus portos de
abrigo, as suas bases navais espalhadas pelo mundo, ·
para não valer como zero na soma com a sua co.'
lossal aliada.
' ' J 1
Quanto ao ainda vasto império colonial lusitano, nheiro e de soldados e capazes de colher 0 fruto
nada há que temer: os boatos que por êsse mundo da vitória, ver-se-ia provávelmente arrastado na vo-
correm, alirnentados pela imprensa clerical ou im- ragem, donde não sairia em todos os casos senão
perialista, são puras fantasias. Entre a lngla~erra e doente e magoado. ·
a Alemanha - declara-o êle com o assentimento ~· Refere um conto infantil que um fortíssimo ·gi-
dos gabinetes de Londres e· de Berlim - nã? exist.e gante celebrou aliança com um pequeníssimo anão.
o' tam falado acôrdo de 1898 sôbre os domí111os afri- ,E foram à guerra. E o anão voltou estropiado e arre-
canos d.e Portugal: «Cumprimos os nossos deveres pendido, ao passo que o aliado i;ecolheu são, coqtent_e·
de potência coloniàl», «às vezes com sacrifícios bem e carregado de desp,ojos. Os republicanos, na opos1-
penosos», e a República abre francam~nte as ~u~s cão, sabiam de cor esta história, e quase todos con-
colónias à iniciativa, indústria, comérc10 e capitais sideravam nefasta a aliança anglo-lusa, da qual o
estrangeiros. l·
anão lusitano não havia retirado senão dissabores
Quem o ignorava ainda, ficou sabendo que ao e, prejuizos, de vez em quando safanões dados pelo
pobr.e e pequeno Portugal incu~1be o ?ever, par.a próprio gigante, que assambarcava as vantagens
me'recer a protecção da sua desproporcionada ami- todas. '
ga, incumbe o dever de, não improvisai·, mas de- Mas é da sabedoria das nações que das inge11ui-
senvolver a sua fôrça militar e naval e entrar em dades de oposição à alta sciência de;> Poder e à so-
l~rgas · despesas com a fortificação e valorização dos berana Razão de Estado vai um abismo tenebroso.
seus portos continentais e coloniais. Uma agradá_v~l ·A aliança anglo~lusa é, pois, indispensável. ,
perspectiva de militarismo e armamento_:, d~. d1v1.1 A quê? A existência da República? Para que a
das e de encargos- para aumentar o peso Jª sien- democracia, que se diz pacífica, tenha de depe,nder
Údo. da pesada carga e ·do perigo certo constituidos pelo
·','' E se vier a estalar uma grande guerra europeia, ·militarismo, e da eventuali~ade temível duma gue~ra
se tiverem realização as profecias pessimistas rela-. calamitosa e inútil? ;
tiyas ao grande conflito latente entre as duas .~ode ~ Para garantir a independência de Por~ugal, hÔje,
rosas ri vàis no domínió do. mercado mundial, ' a. na época da expansão colonial e comercial das
Inglaterra e a . Alemanha, êste pequeno país, hqje.
1
potências, que já não desejam, porêm, qne;x:ações
P1ouco fadado para as aventuras guerreira.s das gra~~ d~' países . civilizados, pelo temor das complicações
des potências industriais e militares, ncas d~ · d.1-. políticas, dos encargos financeiros, das resistências
.•:
138 159
'' Esperemos que as próprias classes dirigentes
. oac1ona1s, a agravarem as questóes internas e so-
ciais? dàs grandes potências recuem ante a aventura duma
Para manter o domínio colonial? guerra europeia,, terrível incógnita sob o ponto .de
.., Eis uma questão sagrada, que ninguêm, nenhum vistà tanto militar como económico, como social·
'
mas esperemos sobretudo. no esfôrço organizado e
'
político ousa encarar de frente neste país. A neces-
sidade, mais política do ·que económica, de conser- consciente dos · trabalhadores, os maiores e verda-
var a todo o custo o império colonial português é deiros inimigos .da guerra. ·
um dogma intangível para todos os homens qt:1e pre- · O govêrno real das naçóes reside nas oligarquias
tendam governar esta ponta da Europa, como ainda ,financeiras, a cujo serviço estão, como simples· co-
há dias o disse ·em .Paris o nosso messias mais acre- n1issões executivas nacionais, os ministérios . e os
.ditado, o dr. Afonso Costa. E' preciso conservar, parlamentos. Se a essas oligarquias, aliás interna-
com «sacrifícios bem penosos», para os cap~tais es- cionalmente entrelaçadas, convêm a guerra, a guerra
. rrangeiros sobi,-etudo; as <~nossas)> belas possessóes. faz-se: é uma questão de pesarem mais ou menos
v ·" Ora não faltam opiniões autorizadas que afir- estes ou aqueles interesses, e uma questão de opor-
mam convir enormeh1ente à Inglaterra o statu quo tunidade. Há poderosas indústrias (sobretudo as
colonial português: livra-se dês te modo dos mais metalúrgicas) que vivem dos armamentos, das guer-
pesados enc.argos, evita a partilha e colhe os me- ras e txpedições; há classes que ganham mesmo
· lhores frutos. · com a derrota da «pátriaJ> e até fornecem capitais
O velho leão lusitano, para . ter o orgulho de e armas ao inimigo. Demais, o actual regime indus-
conservar, ao menos . nominalmente, os restos do trial necessita a exportação (isto quando na pátr:ia
seu desproporcionado império colonial, não ·preci- o consumo não foi satisfeito integralmente, por fal-
saria portanto de celebrar alianças desiguais. Es- tar à maioria uma suficiente capacidade de aquisi-
cusaria de um tratado político, com graves e peri- ção!), necessita a expansão colonial, a conquista
gosas cláusulas; um· simples ·convénio comercial lhe de mercados:_ perene fonte de disputas.
·· .bastaria. Só o trabalhador perde sempre com as guerras
'- física, económica e moralmente.
·~ ·-
·,,
* Saberá êle impedi-las ?
O pequeno Portugal anastado na voragem guer- Vejamos a actual grande greve mineira, absolu-

reira f
.... tamente geral na Inglaterra, com carácter violento
160

e tendência à extensão na Allemanha, onde h<:l dois


dias havia já cerca de 300 mil grevistas, com eco
·em Françà, onde rebentou uma curta greve de en-
saio e aviso.
Não há muito que tal movimento simultâneo era
considerado utópico. Impossível tambem ser feito
para abolir o salário -por tarefa, que ·os próprios
op~rários preferiam. Pois a greve geral com tal es-
XI
copo é um facto positivo. H á ·pouco, chegavam os
patrões hulheiros a· provocar greves, ou não as re-
ceavam, porque tinham grandes stocks e queriam
31 DE MARÇO
vendê-los a bom preço. Mas desta vez os operár·ios
dos transportes declararam que, por solidariedade,
não mexeriam nos stocks de carvão. Êste acôrdo Como um jornal do Porto transcrevesse de uma
era utopia: é hoje realidade. fôlha estrangeira uma notícia. que os patriotas con-
E sabem o que, para uma guerra, seria uma sideraram afrontosa dos brios nacionais e ofensiva
greve nas minas e transportes? A imobilização das da independência da pátria, alguns grupos decidi-
esquadras e dos exércitos. Porque não hão-de rea- ram castigá-lo com um certo número de pedradas·
. '
lizar êsse acôrdo e êsse escopo os trabalhadores, e Já que estavam com as mãos na massa, dispensa-
tam profundamente feridos pela guerra nos seus in- ram o mesmo tratamen,to a outra gazeta, suspeita
teresses vit~s ? · de moderantismo excessivamente complacente com
A greve geral ataca directamente o verdadéiro a reacção monárquico-clerical, e ainda à casa par-
poder da sociedade capitalista, o fautor real. das ticular do seu director ausente.
guerras - a oligarquia financeira e económica, - Em Lisboa tambêm houve quem sub-reptícia-
tem a virtude educativa dos esforços colectivos, que rnente penetrasse na redacção do Dia, cortasse a
dispensam os messias, e atinge o alvo eficazmente. canalização do gaz e pegasse fogo às colecções de
jornais; mas êste facto é dado corno suspeito pela
imprensa democrátiç,a, que não o acha próprio do
povo exaltado, mas sinç~ro e fraf}.co,
11
162
163
O que, porêm , a mesma impren sa não co~de~a
tricçõe s .o conceito e . a prática -da liberdq de de :pen-
com a severid ade suficiente e com a necess ária m-
samen to proced em com0 êle, àparte .os meios e ins-
depend ência é a intoler ância dos grupos lapidad~­
t..Pument0s modificados .pela civilização.
res. Essa intoler ância fanátic a recebe o nome bene-
Vós sois livres de manife star a .verdad e. Quai
volo de intrans igência apaixo nada em favor da· · ·
verdad e? A nossa, natural mente, . a que nós defini.-
liberda de, e o que era ontem atacad o é hoje def~n­
mos, a oficia[, . a de quem possui o .poder. O êrrq
dido, porque a posse do poder ocasionou uma m-
será castiga do. Qual êrro? O que nós conden amos,
versáo de valores . o que nos ofende. Nós mesmo s, ~uizes em causa
E' possível que os jornali stas republ icanos sin-
própri a, é que Q determinam9s~
tam no fôro íntimo a contrad ição, sendo levado s a
Há só uma verdad e absoluta, e é que tudo é re-
poupar o povo. pelas necessida ~es par~idárias, por-
lativo: mas esta verdad e é a-que menos convêm aos
que os·· que vivem da popula ndade sao ao mesmo
partido s de govêrp o.
tempo seus escrav os; ma,s . é ain.d a pr~vável que te-
-. Recen tement e o fino e amáve l rabela iseano Ana-
nham perdid o de vista a noção de_ l~_berdade, que
tole France , expond o . mais uma vez em público o
porven tura nunca conceb eram mU1to claram:nt~.
risonho sceptic ismo actuan te do bom médico e cura
Não 0 prova a ií-reflexão com que alguns JUStl·
de Meudo n, repetia a bela lição dessa filosofia da
ficam os seus· actos com os actos análogos da mo-
dúvida , da tolerân cia e da acção tam simple s e tam
narqUia? Quand o, por exemplo, algum pres~ polí-
adequa da às conveniências da vida social.
tico, talvez inocen te, se queixa de certos ngo1~es
A dúvida é a virtude mais confor.rqe à felic idade
carcer ários, respon dem-lh e: «O mesmo· fez a na-
e à nature za human a, não a dúvida doenti a e an-
lezaii. Mas então porque ·a atacav am em nome da
gustiad a, mas a dúvida serena , equilib rada e higié-
liberda de? Qu~ difereºnça há, pois; sob tal ponto de
mca.
vista, entre os dois regime s?
Dessa dúvida nasce a tolerân cia, mas não pro.;
A liberdade, ao que parece , é sómen te a nossa;
vêm a inacção.
sois livres de pensar como nós. Torqu emada não
Nós vivemos, e viver é agir:. se a dú:vida · é uma
raci~cinava de outro modo: julgando-se muito sin-
virtude necess ária, a acção .é uma -necess idade ine-
. cerame nte senhor da Verdad e, .admiti~ a liberdade
lutável .
de ·a dizer, mas nunca a liberda de do ,êrro - que
E' preciso agi r, e não às cabeça das, em pltma
êle própri o definia. Todos os que sujeita m a res-
-hesitaç ão, ·; sem ; norte, mas refleçt idamen te e sôbre
rfü

um plano préviamS!nte ,Çoncenado, embora gradual- de pensamentó e a~çãó e a gerterosidade do ~en·


mente modificado pela -experiência. cedor não são de modo algum incompatíveis com
A tolerância i o laço que une, a fórmula que o ardor pela defesa dos direitos próprios.
concilia a virtude salutar da dú.vida com a suprema Esta devia ser, ingénuamente o suponho, a dou-
necessidade da a1>ção, segundo as normas duma trina propagada por toda a imprensa, sem medo de
convicção formada .e experimentada. afrontar a popularidade.
Duv~dar, tolerar, agir. Ter a tolerância que qe- Mas há ... os interesses partidários-, e por isso
riva da dúvida f! ter a ousadia das grandes ·empre- é preciso dar sempre razão ao povo exaltado, dizer
sas, a coragem de experimentar hipóteses, no labo- que no fim de contàs os culpados são os jornais la'-
ratório ou JJa vida, essa ousadia, essa coragem que pidados, que abusam da liberdade ~ provocam as
a necessidade de agir nos impõe. iras e justas indignações ·do povo calado e paciente.
As massas, educadas pelos pedagogos com o Que tenham cautela com a língua; e quanto aos
guizalhar de fórmulas vãs, não téem o conheci- atacantes, fizeram sem dl'.fvida ma}, não p0rque te-
mento nem a intuição desta sã filosofia. ·nham esfarrapado a liberdade, mas porque servem
Não sabem ouvir sem pestanejar, antes com os desejos de gazetas ávida·s de rédarrte . ..
atenta curiosidade, as opiniões contrárias, por mais
absurdas que estas pareçam; actuam por impulsos
e correm atrás de fantasmas.
No caso que motiv.a esta crónica, não havia aliás
uma situação de_s csperada e anómala a explicar ex- 7 DE Á&RlL
cessos intolerantes,
A República não me parece que corra o menor Estes floridos dias da semana santa católica fo-
perigo: conta com a fracção mais activa e mais im- ram de ún1a verdadeirai, suave e· assoalhada prima-
portante da opinião e tem inimigos de bem reduzida vera. E por isso os crentes e os descrentes andaram
f õrça mor.ai e material. satisfeitos e bem dispostos, tolerando-se mútua~
A República tem vida; mais uma razão para mente com benevolência, enchendo uns as igrejas
a completa tolerância da parte dos seus defenso- por motivos nem sempre religiosos, reunindo-se ou-
ries. tros em sessões de propaganda livre-pensadora e
A tole~âru:i~ Q_JJe dt!ve distiJ-iguir todo o homem Itarmonizancfo-se todos, com santa paz, na contem-
i66

plação das lindas moças que passam e na mastiga- casa os somos de ·chapéu na cabeça, provocadora-
ção não menos doce das amêndoas e confeitas. n1ente. Protestaram. E então, .s.em-tir.t e-nem-guatte,
Sobretudo onde nãô houve procissões. os , anticlericais arrerness ~lram uma bomba fraca e
. Porque da Chamusca, por exemplo, onde apesar logo a seguir dispararam uma quantidade de tiros
de proibida, saiu a procissão nocturna do Ecce de .pistola. Resultado:. um · morto e vários féridos.
Homo-dos «fogaréus» - desordenadamente e em O h.omem, .que foi . morto com cinco tiros, estava
som de revolta, d:ü, da famosa terra ribatejana dos trariquilamente . ao lado do Centro. D_os feridos, um
bons melões, a risonha tolerância teve de fugir, só entre os .. antic..lericais, e êsse mesmo p'rovável~
velando de pura vergonha a face lacrimosa. 1nente . por baias dos. seus próprios correligionários:
Dos sucessos, naturalmente, são dadas duas ver: Segundo outr.os, a provocaç.áo partiu dos. c)e.ci-
sões opostas. • cais .. :Forain .e.s tes q.ue,. acint.osamente, só par.a çpf17
Seguado uns, a. provocação partiu dos anticleri- trariar. a lei · de separação, que apenas erp cas_o~
cais do Centro Republicano. Foram estes que com excepc'ionais permite o cul.to público d.epoís do so~
grande antecedência, manobraram para obter a posto, e par.a .c ombater os republicanos, embora o
proibição da antiquíssima e tradicional ~olen!da?e ano passado, ·antes de vigorar a disposição referida,
religiosa, fazendo público alarde da sua mfluencta. tivessem espºontân~amenté efectuado a procissão de
Foram êles que, em tal sentido, escreveram ao dia, juraram · que êsfe ano havihm de a realizar de
ministro, o qual baseando-se num artigo da lei de noite, fazendo. público alarde d~ sua fôrça. A im-
separação, telegrafou ao administrador do concelho prensa democrática aconselhou calma, pr.udênci <1 e;
lembrando-lhe a conveniência de negar licença para toferânáa. E por c.ausa ~os ares turvos é que a si-
a procissão, se presumisse perturbações da o~dem. tuação foi exposta ao ministro, cujas providências
· Irritados então com a recusa peremptóna da foram moderadas e sensatas.
autoridade, os católicos arrombaram as igrejas e Os desordeiros, não tendo podido impor-se . à
puseram na rua o cortejo cultual,, tocan~o .ºs sino.s autoridade, forçaram ·as 'igrejas, tocaram os sinos a
a rebate e soltando com louvável unparciahdade vi- rebate, apesar do' luto ritual, e puserarn b préstito
vas à República e ao Senhor da Misericórdia .. religioso ,na rua, );oltando morras ~: República. · :
Tudo correu relativamente bem, a autondade · Eti1 frente do . Centro Repub licanoi à çujas jane-
desistiu de empregar a fôrça; mas em frente da las os s.ócios assistiam tranquilamente ad desfile, os
sede do Centro Republicano, · viram às janelas da ele ri e.ais, que . traziam· de long.e pedras pois ali nfo
í68 169

as havia, romperam o ataque, à pedrada e a tiro. presta uma humilhação, e para todos uma hipocri-
E foi então que os anticlericais lançaram primeiro sia. Incapazes assim de respeitar a liberdade alheia,
duas inofensivas bombas de foguete para amedron- as suas manifestações públicas, são um grave pe"
tar, e depois tiveram de se defender contra um as- tigo para a ordem, pois nem todos estão dispostos
salto furioso. O indivíduo que foi morto já tinha a submeter-se a vexatórias imposições e a prestar
subido· à varanda do Centro, de revólver em punho, .culto forçado a ídolos que consideram gtutescos,
e as balas que o vararam vieram talvez de baixo, como não o renderiam os católicos a ídolos de ou-
entre as muitas que crivaram as paredes do edifício, tras religiões. Se os crentes tomam como ofensa
O que estas duas narrações teem de comum é que à passagem de suas imagens alguêm se con-
apenas a circunstância de se contrariarem até nos serve coberto, os livres pensadores poderiam igual-
mínimos particulares. E déste modo um cidadáo ho- mente julgar ofensivo o culto público e ofensivo o
nesto e desapaixonado não sabe a qual dos dois facto de se descobrirem os crentes.
grupos deve dar razão, resolvendo provávelmente Mas não é, em todo caso, deplorável que, por
reserva-la· para si, depois de a recusar a uns e motivos de ordem, tenham de ser. vedadas manifes-
outros. tações que deveriam ser livres como as dos livres
Tam opostas como as narrativas dos aconteci- pensadores?
mentos são as conclusões tiradas, mostrando que a E estão estes bem certos de que todas as culpas
boa e ecléctica lógica serve amávelmente todos os de tal situação recaiam sobre os religiosos intole-
paladàres. rantes, senhor'es da verdade absoluta? Não haverá
- Resultado da proibição do culto público, de- neles tambêm um bom resto dessa educa.ção e dessa
élaram uns. mentalidade que combatem?
- Efeitos da permissão de procissões, afirmam Os clericais ostentavam um capricho; lançavam
outros. uma provocação e um desafio? Mas para que res-
E estes últimos fazem indiscutívelmente um ra- ponder? Pode porventura um livre pensador, sem
ciocínio perfeito, Os católicos, dogmáticos e abso- contradição, aceitar a luta no terrerto do desafio
lutos, exigem que todos se curvem, na rua, aos seus e do capricho? A melhor resposta à procissão e
ídolos. Querem coagir todos a um sinal exterior de ao desafio seria um claro e sereno manifesto de
tespeito, qúe, por não ser sincero, exprime para propaganda ou outra qualquer manifestação pú-
quem o exige uma prepotência inútil, para quem o blica.
17º

· . As procissões poderão pr0v0Çar: desordl';ns? Eis mulação impossível e degradantê de ·um culto; ·nãà
uma razão 'emp'regaç!a, mutati"; mútandis, por .todos é muiro pedir'em ·çi0 ·seu ard,or sirnzero de prop agan-
os governos clericais para impedir todq_~ .as mani- di's tas ·ê educàdor,es o sacrifício · d.e ~ertos impulsos
festações públicas do livre pensame·nto ! Mas como e a paciêneiâ necessária ao ensino.
prever com certéza a,s foçuras alterações. da orç!em Sím, eada um tem o direito de r:epelir imposi-
e em norne de.ssa arbitrária. previsão cercear i,.1ma sições dogmáticas e de, por exemplo, à passagem
importante,' liberdade? ., . . . de uma procissão, não exteriorizar um respeito que
Os católicos, como todos os desgraçados . que se não sente e um culto humilhante que detesta. Man-
supõem :senhores da verdade absôluta, querem na tenha firmemente êsse seu direito incontestável e
rua irnpoi· as suas . crenças e o respeito pelos seus defenda com afinco essa liberdade. Mantenha-o
ídolos a .quem qu er ,que passe . Seja! Mas uma li- mesmo diante de outras imposições e de outros
berdade só pode .set" eficazn1ente. defe ndida . quando cultos - como o da bandeira e hino nacionais ...
é violada; é se por exemplo, ~m virtude dos fre- Mas o propagandista deve sacrificar um pouco
qúentíssirnos tumultos causEJ,d.os p.ela discussão n.as. do seu orgulho ao tacto e paciência que a propa-
assembleias de n.a turezas diversas, fqssem proibidas ganda exige, como o operador que sofre sorrindo
todas as reuniões, que seria dêsse precioso direito (. os insultos do paciente. O fanático, o possesso da
· Os fieis_· da Chamusi::a podiarn .muito bem afir~ horrível mania da ".erdade absoluta é uma espécie
mar: que se !ratava de uma suposição. gratuita, qt:Je de doente. Uma coisa-ésüsi:"entar um direito ante
as procissões anteriores correram seru, novidac;ie; uma imposição, outra é ir em busca dessas impo-
que ·só a · pro~biçáo irritou os ânimos, e dizer que, sições - ir para a janela, de chapéu na cabeça, com
se os adversários presagiavaóJ motins, é p·o rque ti- gesto de domador ...
nham intens-ão de· os provocar. . . . Não é um absurdo, repitamos, aceitar a luta no
Os anticlericais . lutam contra a Igreja e a re ~ terreno dos desafios e dos caprichos, a golpes de
ligião em nome e em favor d::i liberdade de pensa- influências políticas e de provocações? Não é um
mentü, e a ess.êr:icia desta é a tolerância, que êles contra-senso o irrespeito acintoso e procurado? Por-
devem · ensinar ·pela palavra e pelo facto. Mais do ventura isso convence?
qüe tolerância ainda: devem usar benevolência - a Que há ali, no meio daquele violento tumult0
benevolência_do médico e do enfermeiro. . de tiros, pedradas e clamores? Um grupo de pa-
Se é excessivo exigirem à sua consciência a si- cientes ~ apóstolos ante a exaltação fanática de into-
ler·antes 1 ou dois bandos de sectários que se digla-
diam com fúria, sob duas taboletas diversas?
Ai de nós ! muitos anticlericâis são clericais do
avêsso; mas não nos lamentemos muito, porque ó
progresso faz-se assim, aos tombos e através de
ímper'feições !

XII

Chegou ao Brasil a noticia telegráfica do grande


morticínio executado pelas tropas do tsar sôbre os
trabalhadores das minas de oiro do distrito de Vi-
time, govêrno de lrkutsk, Sibéria Oriental, nas
margens do rio Lena ?
O telégrafo costuma ser mudo ou extremamente
lacónico sobre estes factos, para se ocupar larga-
mente dos menores gestos de Suas Inutilidades os
chefes e governantes.
Aquelas minas pertencem a uma sociedade cons-
tituida e dominada pelo célebre financeiro cosmo-
polita barão de Gunzburg, que com a aquisição do
capital-acções da antiga sociedade «Lena» teve ,e m
vista levantar-se do desastre sofrido num jôgo de
bôlsa. O barão reservou para si to.d.as as acçõe-s
privilegiadas e .çoloçou no conselho de .administra-
1 74

ção o irmão do ministro Timiriazeff, o importante os membros da com'issão de ·greve e 40 entre os


metalurgista Putiloff e alguns lordes ingleses. mais activos grevistas; ··p ara s'e rem deportados._ No
O negócio ia bem, quando estalou a greve dos dia seguinte, três mil grevistas foràm reclamar a
mineiros do -Lena, infamemente explorados, pas- -li?erdade dos companheiros cfetidõs. o câpitão Ires-
sando uma vida de indizíveis privações, habitando chenko disse -lhes · que .: sé dispérsassem ou mandaria
em míseras choupanas. Que pediam os grevistas? -f azer · fogo. Mas só as primeiras fileir~s ouviram a
A jornada de oito horas, já bem pesada para tam í.ritimaçãO, não podendo obedecer-lhe . porque er~m
exaustiva labuta, um aumento de salário e o paga- ernp'urradas de trás. · : ·
mento em dinheiro, em vez das senhas que os ne- Apó~ a primeira dêscarga; ·os operár'ios dejta-

gociantes só aceitavam com um desconto variável. ~am-se por terra, mas em segL)icjá, enfurecidos .pela

Em 15 de março eram os grevistas apenas 900, inesperada e feroz ag re-s são, lev-antaram-se de novo
mas ·. alguns dias depois eram já G·ou 7 mil, man- e correram sobre a trop a, qu e os deteve . e. dizimou
tendo uma atitude pacífica. com três outrás descargas. No sól9 j~zia:m 390 t ~a­
As'_ acções da Companhia come.çaram a baixar, balhadores, -entr~ mortos "e feridos: . .
mas os directores, em vez de ceder, espalharam o A sensação produzida ' na Rússià por êste morti-
boato da próxima cessação. da g reve e mostraran'l.- cínio é enorme, sobretudo nos meios op~r4 _rios, onde
se intratáveis. Os g revistas. foram intimados a aban- foram declaradas várias greves de protesto e de so-
donar as suas miseráveis habitações, propriedade lidariedade, como a de Lisboa pelús factos de Évo:
dà Companhia, - medida, .porêm; que, pela sua ra, greves «sem uma reivindicação . económica»,
crueldade excessiva e perigosa, a pr:ópria autori- co_mo diria, entre admirado e"severo, um gracioso
dade não ousou executar, apesar de se ter posto in1111stro nosso.
imediatamente ao serviço do capital, corp a fôrça A :própria Duma, tam anódina e. moderada, se
ar-mada . . -comoveu. · .
· . Entretanto, a despeito dos falsos boatos opti- ~ Possa ao menos contribuir para a queda do abo-
nlistas, as acções· wntipuavam a descer. Havia Soo mmável e monstruoso tsarismo o sacrifício daqueles
mil títulos - parados. Era preciso elevar a to.do desg raçados trabalhadores, vítimas das combinações
custo as cotações dêsses valores nas praças de Pa- gananciosas de financeiros, que queriam fazer subir
ris e de S. Petersburgo. Urgia sufocar a greve. cotações!
.: E então, na noite de 17 de abril, foram -preso~ E não seria tambêm para encarecer acções, avo-
1 77_
!µmar o divideodo, que .se levou o Tita11ic ao nau-
mas repele as criadas do navio, as que iam ali para
frágio e se perderam mais de mil e quinhent.a s
vidas? · ganh_ar o pão. _Sal~am-se m ai~ de metade dos ·pas-
sageiros de pnmeira .. _e segunda ' classe, mas pouco
Sabia-se a rota semeada de geleiras: tinham
m ais da quarta. parte dos de terceira. o· direcfor
sido vistas na tard~ que precedeu a catástrofe : um
da Companhia," : que ia _a bordo, não consente' ên~ ·.·
navio, que se cruzou com o T1ta11fr, avisara-o da
ficar para o fim·; a sua vida vale milhões. Educa-
. pro:x;imidade do grande glaciar fatal. Mas era neces-
dos, afeiçoados por um meio social, onde a divisão
sário dar .a vitória à Companhia, bater o 1·ecot·d dà
em classes e QS ·privilégios produzem a luta inter-
v.elocidade. O capitão tinha um prémio por cada
hora a menos sôbre o tempo estabelecido. «Não
a
hum.an_a, alguI) S passageirós perdem dignidade e
quer~m conquistàr a preferência pela brutalidade
nos deixavam sequer fumar um cigarro» - depõe ' · ·
feroz.
agora um maquinista sobrevivente.
Mais. O navio tinha o maior luxo e confôrto, Pes$imistas, com ares profundos; dizem-nos que
o homem é ra dicalmente mau e . egoísta. . .
tudo fôra previsto para atrair os passageiros e so-
E nós respondémos que êle não é bom nem mau,
bretudo a clientela rica. Mas os meios de salvação
eram escassos. O vigia declara que, se tivesse um é corno o fazem as condições de 'vida, e . o seu
egoísmo pode tomar . mil aspectos e modalidades '
óculo de alcance, teria visto o glaciar a tempo: não .

o tinha. O colossal transatlântico não possuía pro- dos mais sórdidos e animalescos aós mais subli-
jectores eléctricos. Isso é para os couraçados, para mes, e afinar-se pela solidariedade e pela educação
a obra de destruição e de morte, não para a de do sentimento. E a imane catástrofe do Titanic não
nos desmente, antes pelo contrário . Sem dúvida,
salvação e de vida.
Os escaleres eram insuficientes, não chegavam naquel a hora trágica, em face da morte, à qual o
para um têrço da população de bordo: a companhia misticismo deu um carácter obscuro e apavorante,
desprezara êsse pormenor dispendioso e pouco lu- o instinto de conservação assumiu em muitos urna
feição de brutalidade e de demência: ·
crativo.
E esta insuficiência dá ensejo a revelar-se nos Mas quantos actos sublimes de serenidade e de
seus efeitos a funesta divisão da sociedade em clas- altruísmo! Onde os há mais ·belos do que ó dos
ses. Um oficial, por antífrase chamado Lightholder., músicos que _morrem tocando para animar os náu-
escolhe para os barcos primeiramente as mulheres, fragos . e o do telegrafista cuja tarefa impassível só
a morte va_i interromper? Como o homem seria
12
n9
bom, se não existissem tantas causas de rivaliqades 2~ barcos Ber~hon, 1;rns a ~qu~page,?1, cop.~ra a ~J?Í­
e de ganância, de baixeza e de violência! · .. ' mao das :iutondades do Bo ,11-.i of Trnde e dos di-
No morticínio do Lena como no naufrágio do re~t?res da sua . t~ni~o_; julgou-os pouéó segú·r~~ e
·1 ita11ic vê-se c\qramente o interess~ das Compa- ex1gm a sua subst1tmçao por escaleres de madeira.
phias, o interesse particular, contra o interesse pesde a catástrofe do Tita_1úc, os ' marinhefros e
geral. maquinistas navais teem discutioo nos sindicatos a
1
questão do número · de. barcos salva-vià~s a Í.) órdo
1
Os meios de pi:odução e de p;am1N.~!e são P,OS-
sqidos por algun~ stres, que P? tµral ,menfe cpiqam dos t_rans~tlânticos. · '
sobretudo qo seu interesse próprio. A rique~a so- Os trabalhadores do mar defendem a sua vida
com o mais. incontestáv~ l dos direitos. Imp'on'do-llles
1

cial é assim administrada, não par.a bem de todos, 1


mas para vantagem de poucos. O escopo d~ pro-· o dever profissional que fi quem para o fim num' àe-
... - ~ •
j •

sastre mant1mo, para organizar o salvamento éie


• • :

dução e de todos os serviços de utilidade pública


deixa de ser. o bem-estar e a segurança de cada todos, é legítimo exigirem qu'e os meios de salvaç~o
um para consistir apenas no lucro dos proprietários. cheguem tam bêm pàra 'êle\;, que se . ~ui de tar'nqêm
Quando é que os homens verão a necessidade da sua segurailça. · ' · '
da administração directa das coisas pelos próprios E se ninguêm pode negar-lhes tal direito, se
pr9dutores e consumidores? ninguêm ~eHÍ.or dó quJ êles o pode zelar tutelar, e
quem poderá igualmente pôr em dúvida a sua com-
petência ~ a sua qualidade para apreciação da's 'con -
dições de se~pranÇa' ede · trabalho? Não st'b êles
3o pt: ABRIL ~s ·mais ·~irecfam~nie interessados na segurança ao
navio e nas' medicfas d~ ' sàlvação, êles que.. â11 ex-
e corso'me'ill' diá"riamente a ~ua existência?
1
A bordo do PJ.rmp{c, vapor pertencente à mesma r?em
carreira e à rpesm::i. Companhia q4~ o 1T1ta11ic, qe- · Não teedi êles,' pois, 'à chtrí~simo direito d.e 'ns -
calizàção ·e administr'aÇâo' ? f .,. •• • · • •
clarou-se uma greve enérgica.
Qui;tl o ·motivo ? ~ Tàl 'é o m.·~is ' evidente' sentido desta greve .signi-
A insuficifocia das medi9as de ~egur:ança tqrpa- ficativa, seja qual for o resultado. · "n
das pela 1Compao.liif} para a~ ti:ayessi~:" ~turas ; 4os Mas há mais. O interesse da equipagem coincide
·vinte ~scaleres ~X.ͧtJ!ntes tip)1~tp sido aqiciqn,aqos perfeitamente com o dos passageiros, com o do pú-
180

blico. Os. grevis~as, de~eqdend~ a sua ~ida e se~u­


I DE MAIO
rança, d ~fe ndem ao mesmo ten;p? a Vida dos Via-
jantes .e emigrantes. · . Eis a «festa)) do 1. 0 àe Maio, isto é, a manifes-
O naufrágio do I it an!c não se teria dado sem tação proletária que a inconsciência de uns, a astú-
0 rcco1·d de velocidade ~ exig ido pela concorrência
cia e velhacaria de outros e a cumplicid ade de todos
entre Comp anhi as ·; mas, dado o sossôbro., ter)am reduziram, em tantas partes, a uma absu rda «festa
sido salvas todas ou quase todas as vidas, se os do trab alho)), como lhe chaniam os burg ueses com-
meios de salvação ti ve~sem sido preferidos aos pl acentes.
atractivos para a clientela ric,a~ se. os directores e
E n a verdade compreende-se perfeitamente que
accioÚistas. . . fossem marinh~iros, trabalhassem. e os burgueses e séus servos - os gove rnantes e jor-
viajass~m a bordo e n~p tivessem o interesse .do nalistas assalariados - festejeq.1 o «trabalho honra-
lucro e do dividendo. do, as mãos calosas do trab alhador honrado e digno,
Foi .tambêm para .fazeç subir, nas praças de Pa~ meus senhores)) (murro nó peito e ênfase na voz).
ris e de S . Petersburgo, a cotação das acções da Pudera ! Eles vivem dês se trabalho . .. dos outros,
Companhi:a das Minas de oiro do Lena, µa Sibéria dele tiram todos os' seus fartos proventos, e não é
Oriental, que se . exigiu fôsse .es tr angu~ad ~ a grev: muit~ que, por gràtidão, agradeçam o benefício re-
dos descrraçados mineiros dó. remoto . distrito de Vi -
º . cebido, ao menos com flores de estilo e elegantes
time. · . figuras de retórica, tanto mais que assim contentam
Ne ste infame morticínio e. na calamidade do Ti-
e lisonj eiam os ingénuos que os manteem.
tanic manifestou-se à m ais viva ·luz o conflito ~e Mas que os trabalhadores a façam, essa «festa
interesses que resulta da constit~ição capitalista e do tr abalho )) ! Qual trabalho? Será êsse trabalho
autoritári a da sociedade: o i,nteresse das Compa- bestial, roubado, escravizado, monótono, feio, estú-
nhias, dos · capitalistas, .dos ·proprietários dos meios
pido, que o salariaâo suporta submissamente, dolo-
de produção e de transporte., con~ra o . interesse do rosamente, na ofi..:ina ou na fábrica, n a rua ou no
público, contra o interes~e do produtor e do consu- campo, num antro insalubre ou sob a fúria das im-
midÓr. tempéries, durante longas horas e sob olhares vigi-
* lantes?
Será êsse castigo, essa pena, essa escravidão a
183

que o escravo moderno se submete sob a ameaça oficia l o dia da festa; tendes o amor garantido dos
da fom~, sob o insulto do contramestr e, sob o chi- parlamento s, que vos felicitarão e vos concederão
cote do feitor, sob o sabre do esbirro? «amnistias», próprias para descalçar botas aperta-
Será essa labuta, essa faina, essa fadiga que o das 'e evitãr éxplicações sôbre prepotência s; tendes
ser~o do capital executa com instrumento s alheios, a protecção complacente dos patrões, que fecharão
sÔb;~ te~ras e matérias prim'as de gue os parasitas a·m ávelmente as suas portas, em sinal ·de aprovação
se ~rrogam . a posse, impondo a todos um pesado ao vosso regozijo!
Trata-se duma conquista, camaradas, e se não
tri~~to, que os engorda, e falando-nos de supostos
direitos, únicamente sancionados por uma igno- ~os sentis bastante fortes Pª'.ª impor aos patrões
râ~cia tradicional e pela violência das armas? esse magro desc·anso de um dia, dese rtando as ofi-
Não, companheir os, não podeis festejar o que cinas, pois bem! ide trabalhar, h1as nada mendi-
não existe. O trabalho, fecundo dispensador de vida gueis, não associeis os vossos inimigos de classe a
e de beleza, equilibrado e harmónico, voluntário e uma manifestaçã o que deve ser de luta e de pro-
escolhido, de todos e para todos, livremente orga- testo.
' do por acôrdo livre entre os seres humanos ao
niza 1 Assim foi ela na sua origem. Foi um protesto
mesmo tempo produtores e consumidores, simultà- contra os longos dias de trabalho e um ensaio de
neamente trabalhador es e donos de tudo, sendo de greve geral. Os trabalhador es norte-ameri canos de-
t9d~s as terras, os materiais, as máquinas, e para ram-lhe um carácter revolncionário, os mártires de
todos os seus frutos, êsse trabalho verdadeiro nãd Chicago deram-lhe o baptismo do seu sangae. Há
existe,, companheir os. E vós só o podereis festejar 20 anos teve os governos e a burguesia de sobres-

quapdo o tiyerdes conquistado. salto.


~ é dessa conquista que se trata - tanto no pri- E os trabalhador es franceses, e sob o seu exem-
mejro de maio COll).O nos outros dias. plo muitos outros, tratam de restituir ao r. 0 de
Se festejais o trabalho, tendes a simpatia dos Maio o carácter de reivindicação que teve primei-
jo~nalistas das grandes empresas, que vos dedica- ramente, associando-o a conquista das 8 horas e
r~p .Jm desenho alegórico e uma página de prosa desembaraç ando-o de estr.eitas ligações partidárias,
retumbante e oca, com os mesmos fins e as mesmas para o tornar movimento ·de toda a classe.
t .
vantagens duma página de anúncios; tendes a be- r

névolê~cia dos governos, que decretarão feriado *


185

-conflitos e tratan cJ O'.-: raros seres ar. armais pela


4 DE MAIO vigilância directa das associaÇões e de todos, e pelos
cui<lad.?s e intervenção da família, dos amigos, dos
.. A- · in:iprensa de todos os países tem-se ávida- voluntá rios competentes .
men.te ocupado d_os ch?-mados «bandidos automobi- Doutrina política por si só, o anarquismo tem
listas» ou «da rua Ordoner» e descreveu última- co?1.o ~ase económica necessária o socialismo, que
rp.ente a luta selvagem entre o refractário Bonnot e re1vmd1ca a posse comum, colectiva, soci.Jl, do solo
o~ dinamitistas «defensores da ordem». e de todos os meios de produzir, porque a sua de-
. É um tSi1 div~rs, que, por mais sensacional que .tenção nas mãos de poucos dá a estes o direito ter-
seja, não vale~ia talvez a honra duma crónica. ho- rível, a possibilidade de viver do trabalho alheio,
nesta e de ideias, se nele não andassem erivolv1dos de fixar o salário e a vida, de dar ou negar o ganha-
0 prestígi~ \'! a ~oncepção dum ideal nobilíssimo, se pão; de regular a quantidade de produtos, de espe-
não se desse a circunstância de se dizerem anar- á1lar com a rarid'ade da mercadoria, de ganhar com
quistas Bonno_t e. os seus sócios, e se a polícia e. a a carestia ; porque·, em suma, a apropriação indivi-
im.prensa de negócios não aproveitassem _tal cir- dual das riquezas sociais, produzidas· por todos,
cunstância e o estado do espírito público ludibriado leva à espoliação permanente do trabalhador e con-
pa~a mole.s tar opositores incómodos _e caluniar mé- duz ao absurdo de uma produção determinada, não
todos de acção política e soc~al. . pelas necessidades verdadeiras de cada um, mas
Tem porventura alguma relação com as teorias pelo interesse de lucro dos possuidores, interesse
anarquistas a série de assaltos à mão armada, o que está precisamente na limitação dos produtos.
assassinato de empregados de banco? Ninguêm o Ainda sob o ponto de vista moral e filosófico, o
poderia SU$tentar a sério . socialismo anarquista, preconizando a moral da so-
O anarquismo comb.ate precisamente a ideia de lidariedade, a cooperação inter-humana na luta con-
autoridade, por pens.ar que todas as formas de go- tra as fôrças brutas da natureza, é a mais formal
vêrno assentam sôbre a violência e são por isso .condenação da violência e do roubo e tem como
.maléficas e nocivas. Aspira a uma sociedade, fun- essência a tolerân :ia mútua e o reS')~ ito à vida
. . - l '
cionando pelo acôrdo voluntário, prevenindo os de- JUSt1ticando por isso mesmo o emprêgo da fôrça
li tos pela abolição das causas económicas do crime apenas como resistência ao mal e defesa contra a
- propriedade privada e dinheiro, resolvendo os prepotência.
Pode semelhante doutrina autorizar actOS- â'é os ;éfractários anti-sociais? Interrogai o negociante,
banditismo, embora não sancionados pela lei r
Seria absurdo pensa-lo. Os actos de banditismô
o bolsista, o usurário, o fabricante de falências, o
falsificador de géneros, o envenenador público ou
não se filiam, aliás, ~m doutrina alguma: são pro,.. o especulador de ruinas e de misérias, e se estiver
<lutos da nossa organização económica defeituosa,, num momento de sinceridade, dir-vos-á ao ouvido:
frutos do nosso ambiente social desequilibrado , sãó, «Histórias, meu amigo; neste muµdo todos roubam
determinados pelo espectáculo da miséria e do luxoj. o mais que podem, e quem não rouba e se deixa
do pêso do trabalho extenuante e mal pago e do. roubar é porque é tolo!».
brilho do oiro que tudo proporciona. Com as me.s - É porventura isto algum sistema novo ou é a
rníssimas ou menores qualidades de energia e de· moral resultante da luta inter-humana?
coragem, Bonnot poderia ter matado e sàqueado .ª Demais, um ideal determina até certo ponto o~
coberto da lei e com a admiração dos militaristas,
ou poderia ter explora~o sertões, real'.zado invento<~·
actos do indivíduo; mas se contraria fortemente .o
meio social, êste vence muitas vezes, as contradi-
perigosos, afrontado nscos em proveito de todos e. ções são inevitáveis, e a ideia só orienta os actos
com a admiracão de todos. dentro é!e estreitos limites. Os anarquistas bem o
É certo qu~ alguns autores de actos anti-sociai~'· sabem. Eis porque êles, reconhecendo à ideia o
corno. satisfação íntima e justificação a seus pr?- poder de indicar o sentido da acção colectiva, en-
l?rios olhos, procuram cobrir a: sua~ a~çõ,es co.m tendem que só o desenvolvimento constante desta
um sistema doutrinário; mas ent!=lo a ideia e força-
'damente adaptada aos actos. Assim Bonnot te'ria·
acção, cada vez mais ampla e solidária, é que po-
derá transformar_ o ambiente social, as bases ecç-
aproveitado do anarquismo uma pequena parte crj- nórnicas e políticas da sociedade; e eis porque êles
tica, a que incide sobre a legitimidade da prop·rle- reclamam a extinção, não legal e teórica, mas efec.-
dade e da lei ; mas as conclusões não eram as ·d o. tiva dos privilégios, isto é, que aos homens sejam
anarquismo - eram as do meio social em que viv'ia. tirados os meios de explorar e dominar os outros,
«Pois que a propriedade é um roubo, garantido pe!h -meios directos como o poder político, ou indi-
lej; pois que o mundo está baseado sobre a ex~lo­ rectos como a posse individual e exclusiva da terra
ração e a violência - façamos como toda a gente e e dos instrumentos de trabalho.
'n ão sejamos vítimas!». . O exemplo do cristianismo é elucidativo. A sua
Mas não é êste o raciocínio, a lógica de todbs. base teórica é a paz, é o amor entre os homens, e
mais do que isso: a resignação e a pas sividade.
Propagado a princípio entre escravos, teve êxito,
porque ôS escraVOS eram passivos por hábito e não
.constituiam um poder; mas quando se tornou dou-
.trina de senhores e de césares, quando sobretudo
foi sistema ofi cial de uma grande potência econ ó-
mica e política, a Igreja, -- não lhe restou o rnenor
vestígio de coerência. A doutrina foi mesmo retor-
cida em favor do privilégio. Exploração, domínio, XIII
violências - tudo foi santificado. O céu foi com-
prado; os grandes, sujeitos ao inferno em teoria,
dominaram na prática ; e os exploradores, como
sempre, como hoje, encobriram as espoliações com 31 DE MAIO
a distribuição trombete ada de migalhas.
Que era feito do cristianismo? • .Declarou-se a grev,~ dos empregados da Cornp~·­
E no entanto ainda há simplórios ou hipócritas nhia dos eléctricos . E ainda em parte uma conse-
que, lamentando a corrupção da época, atribuem o quência do? acontecimentos de .. janeiro. · E~ 3 de
mal ao abandono do ideal cristão, único capaz de fevéreiro, ~ .Companhia, aprovei.t ando. o estado de
regenerar o ' mundo! Como se a ideia, só por si, sítio e o terror lançado pelas violências do govêrr~o,
subsistindo as condições materiais, de facto, econó- despediu alguns do~ seus salaçiados, por ela tidos
micas e políticas, possuisse tam divinas virtudes! como promotores do movimento. Últimai11ente ex-
E como se o cristianismo não tivesse já tido tempo pulsou outro, acusado de' i~discipÍina.

F~i ·a t>crota
e ocasião de operar êsse milagre! que fez transb9rdar o cálice~ após várias tentativas
para obter aq-iigável~ente · a readmissão dos de~i­
tidos, o ·pessoal dos carros eléctricos e ascensores
declarou-se
.
em g~ev~
.
unânime.
' ' { . - - · ·.
E como se pôs em movimento, entendeu dever
ajuntâr à sua reclamação principal, exigida pela
necessidade · essencial de sol'i'd ariedade e união en-
tre operários, diversas reivindic'áções, entre as quais
191

a ideia infeliz de um «tribunal arbitral para resol- ria destruir a natureza pacificadora da arbitragem, ·
ver q11alq11er conflito entre o pessoal e a Compa- ~as cumpridas voluntáriamente.
nhia n, com um árbitro de desempate teóricamente Pode verificar-se isto actualmcnte? A resposta é
es11-a11ho a ambas as partes, e outras de carácter fácil: não pode, a não ser, em casos a\iás radssi-
econórvico, bem mais importantes, como as oito mos, entre membros da mesma classe. 'Entre o pà-
horas de trabalho e nova tabela de salários. trão e o salariado que dele depende, entre o capi-
talista, que monopoliza os meios de produção, e o
proletário, que possui apenas os seus braço's e 'yive
dia a dia, entre o governante, que dispõe do pqder
A arbitragem, no s~u verdadeiro sentido, seria, ·~ o governado, que lhe está sujeito, n~o se verifi-
na verdade, um meio razoável de resolver um cam as necessárias condições de independência · e
grande número de conflitos, no caso de serem sa- de igualdade para a arbitragem. O patrão, o qeten-
tisfeitas certas condições de voluntariedade e de tor da fôrça económica e política apenas aceita a
independência nos litigantes e nos árbitro~. sentença arbitral quando a luta lhe seria mais des-
· · Nu~a sociedade liv~e e igualitária, da qual ti- yantajosa ou só em quanto não está, momentânea-
vesse desaparecido a coacç.ão económica e p0líÜca 1 mente, disposto para lutar.
a arbitragem p~deria, como opina Krapótkine, de- ' A imparcialidade dos árbitros, mesmo quando
sempenhar um papel ·i;riportante e benéfico. E~t-ão estes não são impostos por lei, é difícil de encontrar
tõáas as ' condições a favoreceriam. ..
· Possuindo e gerindo todos em comum, sem de-
· · o
,e impossível de ' garantir num meio como àctual,
Çm . que são contraditórios os interesses, em que
legaçõe.s de po~er, a terra e os meios de produção, ~odos são ávidos pelo dinheiro para viver ou p'ara
abolidà a escravidão do salariato e suprimido' ó do- qo~inar, em q~e se compra tudo, mesm'o as cons-
iÜínio político, a .. arbitrágem sena feita entre pes- ciências .
s'oas em igualdade de condiçõ~s~ independéntes, .. -De~ais, os confti~os entre o patrão e o operáçjo
equivalentes, põr árbitros imparciais e sôbre riia'té- versam sôbre interesses vitais primordiais, e os qµe
rias secundárias, visto 'que as ~ondições ess~pciais nos fluerem impo1· a arbitrage~ são os primeiros a
d·à' v.ida a todos estariam garantidas. Os árbitros repudiá-la nesses casos·. Quem- a aceitarüt sôbre a
• '~
• • A: • -

senam espontaneamente ptopostos e aceltos, e as


s:·
p
1

~J'a'sl deeisÕe hão i~P-ostas ·~ela violên'éi~, ~ue se-


;.'4 .~.
1
• 1 ' • 1 1

.
própria vida? · Que país a consentiria para · decidir
'

da sua independência?
.
' ... l.t
l ..1) .. , f ...... ·.:~ 41
, ; .. ' 1,. 1C: '"lt~·'~ "'...,. (. i • ,. t '" 1'
192

lhido entre os operários, não só, os árbitros não po-


A arbitraae m, hoje , não é um meio sincero e
,dem dar gai;an~ias segur0;s de ~lllPª~sialidade, não
pacifica dor d~ resolver conflitos; é um ~e}o hjpó- só a sanção le1gal não é penhor certo de aplica-
crita de mascarar a exploração e de opr1m1r e. rou-
bar tranqüilamente. Não é um ramo de oliveira : é
' ...
s~.º contra os patr,ões - ~nas. o intep.to desta n;te-
- djda legal é embaraçar o direito de greve, pôr um
um prato de lentilhas . . . . . . treio ~o moyimento operári9, à resi~têpcia dos ex-
Admitindo ainda que os oper á n os consmtam na:
. plorado.s, com a armadilha leg~I dµr:,ia mentirosa
arbitr agem em qu estões que para êles não podem . pacificação.
sofrer di scussão, os factos demonstram que os pa- E' certo que , a luta de cla~~es é um facto gue
trões só se submeterão à arb itragem quando sintam de.spedaça todas ~s legalidades .e que os conflitos
urna derrota na luta e a sentença , prometa se r uma económicos, ·fruto natural do presente estado de
vantage m. .coisas, , saltariam por ci~a 'de tÓda~ as leis e arhi-
Mas pronunciada .à senten ça; por hipótese fé~vo- . tragens · imagin~ veis; m~s a a~bitc~gem seria um
rável aos ope rários, .quem garanti rá a s u~ aplica- .novo e;tô_r~o, ·, u~a ~ova másca~a .. hipócrita ern~p­
. ção ? Ninguém, sa lvo · os próprios ope rários, com . bri,ndo a reali43;de da situação, um novo instru-
- a greve, com â luta. Tendo voltado os op~rá­
rios ao trab alho, os patrões, aberta ou clandestma-
mentÓ de defesa capitalista, sobfé tudo ~c.onsideran.Po
' ' \ '
que entre nós não está ainda muito désenvólvipo o
. . ,
m ente, exercem . as suas vinganças, retomam o que movimento ?rerárjo.
. finairam ceder e deixam a sentença quase semp re
po~ 'aplicar, e os ferrocarri leiros de Lis ?oa tee~
dis so um exemp lo prütico, à sua custa. Mais vale ri a A liber~ade de trabalho é 4é~~otada em tqq.vs
que os operá ri os continuassem ~ luta porque ~ q~e 1
, os ions 1 pela imprensa bµrg~~~ª: e q_enhuma. Q,pt.ra
ganhassem saberiam que o deviam ao se u propno . , lib,erd~de lhe merece cpmo . ~ílµela ti:im pat~ticos.. e
esfôrço e não teria a .aparênci a de um presente; e indignados acentos. · ' '
havendo .derrota, melhor veriam as causas da s.ua Quererá 1ela, com efeito; . a' ernànCipação do tra-
fraqu eza, que trata ri am de emendar.
Fala-se am iude de arbitragem legal, de arbitra-
>b,alho e < o
do .trabalhador, . trabalho·verdadeiramen}e
, .forre? ~çdirá ela, corno nós, o fim da coacção il~di­
gem obrigatória ... rec~a. que pes_a soqre º<tra~ alh,ad~r, pelo ,facto ,~e
·Não só o verdadeiro árbitro, o de de sempate, sere.tp mon?p0lizados os meios da pr:odução'? Qu_e-
nas comissões de arbitragem, não é decerto esco-
13
,
194 195
. • . t•

rerá ela acabar' com o regime da propriedade e c;io por isso a produção necessária,· limitam o consúmo
salarial:~, p~ra qu~ o trabalhador não seja forçado, -pelo · salário, desdenham o aperfeiçoamento técnico
..
sob peqa de morrer de fome, a ve'nder os seus b~~­ e a suavização da faina é desprezam'"'á comodidade
ços a trôco duma· mi~era parcela ' do seu próp,no e a saúde do trabalhador, objecto abundánte e ba-
produto? Reclamará ela a extinção da coacção ~i­ . rato no mercado, -'--desaparecidos êsses parasitas
recta exercida sôbre o trabalho e sôbre o traballia- maléficos, a · outra espécie de ociosos pouco ,mal po-
dor pelos cólÍigos, pelos cárceres e pelos ~abres? derá fazer~ sem os meios de explorar e de gover-
Não· a liberal imprensa burguesa é' mais mo- nar. O meio renovado tenderá a eliminar, deixando
' ' '
desta: reivindica apenas a· liberdade de ... traiç,ão .
· de. os produzir, êsses lastimosos doentes
· em tempo de guerra1 a liberdade de furar e inut~li­ ·Poi·s quê! Hoje o trabalho é uma labuta. bestial
.zar o protesto proletário. . d_e escra~os- ao passo que .a ociosidade e 0 para-
E para isso eµtoa-nos chistosos estribilhos s.ôbre siti~mo sao recompensas eheias de privilégios e hon-
a detestável ociosidade e a necessidade inelutável . rar~as. O trabalhó, a despeito das hipócritas baju-
do trabalho. Para êsses senhores, o grevista é um l~çoes~ d~ ce~ta vagabundagem demagógica, é urna
vadio, .e na própria sociedade futura . o traba~ho há- sltuaçao mfenor e desprezada - em quánto a vadia-
de ser para todos, sob pena de «'destêrro para as gem rica é aureolada e .venerada. E no entanto a
florestas» ... .g rande maioria · tem um invencível apêgo à faina!
Ora é precisamente porque o trabalho não é Arrebenta-se toda a vida, desde as primeiras
hoje para todos, caindo o seu pêso sôbre aqueles fôrçás da infância aos últimos lampejos da velhice
que dos seus frutos menos gozam, é precisamente e~túpidamente, monótonamente, sem prazeres . ne~
por haver ociosos e inúteis que mandam. e e.xplo- distracções, com magros intervalos pata o sono· e
. ram., que o trabalhador se serve da sua única arma, para á escassa ração, mediante uma paga infame,
da greve, da cessaÇão dêsse mesmo. ~r~balh<;> do tanto menor · quanto mais pes'ada é a lida, ante o
qual. vive a ~ociedade. . espectá~ulo ~a riquez~ r;~peitada e da prosperidade
· E pe)o futuro, nada receiem ... Desaparec~dos con~tru1da sobre a misena de ·muitos, com a sedu-
9s vadios que hoje exploram o t,rabalho al.he10 e ...ção. das · comodidades e vantagens oh.tidas pelo di-
,que, senhores dos meios de produzir, governando nheiro. E no entánto bem poucos se eximem a essa
a produção ao sabor do seu int~resse particular, dura escravidão! , ·
ganham com a carestia e com a miséria, estorvam A família operária é cada vez mais desfeita pela
indústria . Os 1filhos crescem ao-deus- dará, pela ma, grupos produtor es são abertos, são livres; livres as ,
, na mendicidade e na deprav;açáo, tendo já sido · g~­ vocações; livre a escôlha do trabalho ; variadas as -
:. rados e dados à luz em péssima s condições .. ~ ~l­ ocupações. Não há dinheiro, não há «valores» por-
-cóolismo, a ,tulaerculose e ia sífilis, .males de m~sena, táteis, as joias perderam o seu valor comercia l.
·a : insuficiente' alimentaç~o, · arrumam , depnme_m, Produz-s e para consumir, não para vender, e 'são i
matam , prematur-amente. As· gr:.an~es '. aglorr:eraçoes a-tendidas as necessid ades de todos.
·urbanas , produto da indústria capitalista, sa~ focos Que ser hum'ano, regularm ente são, havia de
1<ie infecção física ~ e moral e de P'rovocaçoes ao preferir a um exercício agradáve l e salmar, útil' a 1
crime. A .existência do dinheir:o,. joias e valor~s. de todos igualmente, a situação precária e vergonh osa
: ·fácil apropria ção, comucóp ia ~e pr-azer~s. e de .cic10s, do doente lastimável, vivendo da caridade pública,
·facilita ·o roubo punido. pela lei, o parasms.mo 1~egal. ou a do ratoneiro a surripiar míseram ente, nos ar-
IA prisao, . com ' o rancho as.se,g~rad~, umvers1dà~de mazéns da comuna, o pão de cada dia ?
-ido crirne, é preferível à m1sena e ~ a desocupaq.a?~ E em todo o caso, se a sociedade emancip ada
r E inO entanto . bem11poucosi são ?5 que ª. afrontatn tivesse de se defender contra êsses vadios (encargo
.
. . .. Agora imagine mos uma "S0~1edad~ hvrce ~o ~a- que não confiaria certamen te a determin adas pes-'
1 ras.itismo t explorad or e opre·s sor, ·d01rado
e· mcen- soas, pois há funções, sobretud o as de defesa so-
isatlo. Fevse. urna.tpro funda revolução c?n~ra1 ~le, cial, que não podem abandon ar-se a uma corpora.:.
'- ém honra e favor do trabalho , base ·da· v1?~ soc1~l. ção especial e fixa) ' teria para isso muita mais razão
'A_uotios idade··é·utna .tara, uma doença,· uma mfãmta, do que a de hoje contra os vadios pobres e tara-
;uma .desonra ; uma· infer.io:i1idáde; º' u~abalho 1. m.a- dos, porque, se para todos será o trabalho , igual
- nual um deV'ercm oral ao qual nmguêm püd~ ex1:nir- mente para todos serão ós frutos do trabalho . E ·o
r'-se~ .isob .quálqúe r preteocto. Aumen~o~ cons1d~rav_el­ inimigo que ela teria de combate r seria ridícula-
>mênte: b número dos produtor es ute1s A máquma mente mesquinho ao lado do parasitis mo que hoje
~ stltavizou a ·· tarefa, reduziü~a; de~xa i\argo· tempo às nos subjuga e sangra: os parasitas do futuro limi-
-Idcúpações .do ·espíri.to. Porque o 1~1strumento de tra- tar-se-ia m a comer uma parte dos frutos da co-
·'balho já -não pertem:e a um patrao nem faz concor- muna, sem pagar a sua quota-pa rte de esfôrço;
':-Fênrtia a• .salariad os: está a serviço do~ produto:e.s mas os parasitas de hoje não só consomem e des-
livres, pertence-lhes, e são êles próprios que dm- perdiçam a melhor parte dos produtos e da riqueza
.i:. ge1l1 . a. produção e ' governa m no ·seu trabalho . Os social, mas governa m e dirigem a produção, empre-
1 99_
gam _µrnitas das fôrças produtoras em obras inúteis mam_ maior soma ?e bem-estar para os tra,balha-
e nocivas e impedem de produzir d~ modo suficieµte dor~s e a redução da ar~itrariédade. patro~al na
o útil e o necessário. _ . ,. . - oficina e na gerência ~os serviços. ·Mas nãó: para
A diferenç~ é . co.Jossal. E ~ vantagem é, toda ?s burg~eses ª. _<\liberdade de traball-Ío» é a traição
para ?S OCiO_SOS do, futuro, que sempre teriam mais a cl_asse operár:ia, . a escravização do trabalho e do
direito d_e falar de «liberdad~ de trabalho» do que trabalhador. ·
os m a.µtenedores e apologistas do actual parasitismo Par:a defender ~ss_a cdiberdade» o govêrno ºman-
privilegiado. dou . ~rei:-_der nas su_as casas · os militantes operários
dos s1?_d1catos e os membros da comissão da greve.
Foi para a defender que as autoridades encerra-
25 DE JUNHO ram a associação onde se reuniam os crrevistas
. b '
aqu~ 1a on d . e estava mstalada a cozinha comunista
A greve do pessoal dos eléctric,os de Lisboa foi dos mesn;i9s, e a casa da ·união dos sindicatos.
sufocada pela violência, desta vez. sem estado de Para a defender, ess~ famosa cdib_erdade>>, é que
sítio, para não d<jtr escândalo. Isto pare.ce ter en- fo_ram presos e_mandados para Lisboa, metidos no
trado de vez nos hábitos dos nossos governantes Limoe_iro e d_epois_ num. navio, d01s ope_rários. que
republicanos. Que_rem dar garantias de fidelidaçie à andavam, havia qumze dias, pela província em pro-
burguesia, sua classe, e como o clJ.a11tage da contra- paganda associativa.
revolução e o papão Couceiro já não pegam, resol- . Foi ai~dâ para a d~fender que a tropa e a polí-
vem empregar a maneira brutal para acabar çom cia prend1~m ou acutilavam todo aquele que sol-
as greves, agitações e «impaci~nc1as.» tasse u~ viva à greve.
De rµais a mais, o actual gabipete_d~ co-11centra- . Foi em su1?a para a defender que · a ·autorÍdade
ção é um. «govêrno de fôrça» ..., contra o~ operá- tirou aos grevistas o meio de se reunirem e concer-
rios, e para êle_e para a sua fôrça_tinham apel'ado tarem, lançou ·entre êles a de.5organização e- o ter-
instantemente os patrões e seus lacaios com figura ror, matou a resistência. ·
de trabalhadores, lobos disfarçados em ovelhas._ Tudo, é claro, a par d·a afirmação constante da
O pretexto, naturalmente, foi a famosa cdiber- i~pa_r~ialidade do govêrno, _do se'u respeito religioso
dade de trabalho». Haveis de supor qi.ie a liberdade (Jes~.11~1co, na verdade) pelo não menos famoso di-
de tr~balho é defendida pelos grevistas, que reda~ reito de greve, à tal que não entrou ~a Constitui-
200 201

ção, por ser ta~ · ~agrado e elementar como o direito As derrotas são inevitáveis, mesmo num estado
à' vida e o de respírar. . . . adiantado de organização operária, mas sobretudo
Tudo depois d~ se ter escrito, e decla:nad6 que ' quando o operariado ainda não conseguiu impor-se
era intolerável a arrogância da Companhia, provo- , ao. respeito do patronato e da sua comissão execu-
cadora e irritante ·a sua atitude de intransigência e tiva - o govêrno.
de desprêzo. . . . Ora êsse respeito e essa organização forte não
Tudo depois de darem os grevistas as mais de- se obteem senão pela acção. Sirva de e11sino a In-
moradas provas de paciência e de pacifismo e de glaterra. Na inacção, ou há desorganização de fôr-
mostrarem, com uma solene demonstração de fôr- ças ou há agrupa~entos inertes, mantidos à fôrça
ças, na véspera das medidas violentas, que tinham .de pequenas vantagens que sufocam a primeira ne-
consiao a enorme maioria da· corporação. cessidade do proletariado - a luta de classes, a
oºgovêrno alcançou assim uma brilhante vitória. resistência aos patrões, sem a qual todas as van-
E' verdade que lançou o ódio e o desespêro em tatagens são inteiramente ilusórias e enganado-
muitos corações, mostrou mais uma vez aos traba- ras.
lhadores que todos os governos são fi~is servidores _ E alêm de tudo, circunstâncias há em que é im-
do capitalismo, mas em paga conquistou simpatias possível deixar de aceitar a batalha: é quando por·
e· apoios valiosos. . exemplo está em jôgo a solidariedade operária. Foi
Fica com os fura-greyes, amarelos e lacaios, o caso desta greve : a Companhia, aproveitando
traseiros prontos a todos os pontapés. traiçoeiramente o estado de sítio, despedira alguns
Fica com a burguesia, que nunca se bate, mas' etilpregados no comêço de fevereiro, fazendo o
está sempre preparada para gozar os frutos de to- mesmo a outro últimamente, e os companheiros
das as situações políticas. protestaram. Então não há derrota que humilhe.
Fica com a tropa, à mercê dos manejas dos mi7 Pretende-se então limitar a autoridade patronal,
litarõ es profissionais, mas que acaba tambêm pbr reivindica-se então implícitamente o direito a inter-
beb er a inspiração no meio popular. vir directamente na administração do serviço, o di-
Quanto ao operariado - que saboreie estas li- reito à posse dos instrumentos de trabalho. O do-
ções de coisas, que aprenda à sua custa, que se or- mínio absoluto do patrão é negado·, afirmada a so-
aanize e instrua sem descanso e que sobretudo não
t:>
lid ar iedade operária; proclamada a dignidade do
desanime por tam pouco. frabalhador.
202_ 203

Apesar de tudo, apesar da derrota, ap:sa~ dos meios - o aumento dos preços, das rendas e dos
erros e defeitos da greve, o exemplo frutifica e o impostos, o desenvolvimento . da-. maq~inar.ia, . sua
protesto Sl}bsi:te e perdura. propriedade exclusiva, etc .. - para neutralizar. e des-
truir as pequenas vant.agens materiais conquistadas
pelos . operários, tirando com uma mão o que com
a outra foi obrig.ada a ceder.
A burguesia isto é a ci'asse da·s diferentes es- Tratando-se de reformas legais~ nem sequer êsse
' ' .
pé~ies· de capitalistas, proprietários, patrões, ger:n- trabalho terá, geralmente: bastar-lhe;á não as apli-
tes e políticos, dispondo do solo. e de todos os meios • car, na parte em que possam incomodá-la ou pre-
de . produ.zir, governa e dirije os homens e a pto.du- judicá-la. Para as. iludjr e faze.r esquecer pelos
ção. Ela escraviza o salariado, privando-o dos i.ns- próprios interessados, Jem um poder económico e
trumentos de trabalho, reduzindo-o aos seus ~ra­ político mais do que suficiente, sobretudo onde não
ços nus, ~onstrangendo-o as~im a alugá-los en~ tro~a existe uma resistência popular solidár:ia e organi-
dum. safario insuficiente para o consumo necessário zada~. onde não há o exercício vigilante e perma-
e para a reserva. El~ ?omina e manej.a º~seu· ins- nente da acção directa proletária. Demais, quando
trumento político de repressão e espoliaçao, o Es- para. acalmar descontentamentos e revoltas a bur-
tado. Ela regula a produção segundo os seus pró- guesia concede uma «lei operária)), é principal-
prios . intere~ses e caprichos, rião conforme. ás ne- mente para, sob a capa de -ilusórias e fugitivas me-
cessidades vçrdadeiras de todos os co~1sum1dores. lhorias, fazer aceitar a consagração de interesses
Ela fixa os s~láríos dos trabalhadores ~. os preços seus, desenvolver a fiscalização do Estado, aumen-
das coisas. tar o número de funcionários e ·de. impostos (que
Dêste modo, qualquer reforma que não toque tudo sai d.o tnabalho), travar e dirigir a acção ope-
nas engrenagens essenciais do sistema cap~tali s ta é rária independente. Em cada. «lei operária>> há, sob
impotente. para melhorar sensível e dl1radoiram:nte a magra isca, um sólido anzol de aço.
a situação dos trabalhadores; e se o proletariado Infinitamente superiores às reformas legais são
se contentasse com essas reformas superficiais, não os melhoramanto.s conquistados · pela acção directa
faria 'senão girar ~ternamente num círculo sem do operariado - superiores sobretudo sob o ponto
saída, começar e recorn.eçar mil vezes os mesmos de vista nwral. Superioridade tanto maior quanto
esforços e esperanças. A burguesia fem sempre mais. espontâ11eamente são concedidas as leis pseu-
204 205

do-operárias; presentes gregos de que os troianos rosos meios ·já existentes; ape.sar da fôrças e rique-
devem sempre desconfiar. zas inertes. .
Mas essas reformas, obtidas pela acção directa Só a revolução socÍa!, .que, suprima a proprie-
da classe operá'ria, são inc.apazes de alter:ar efi- dade privada e o E.s tado, ·ncis poderá dar ·ª solução
cazmente as condições ec~mómicas e políticas da eficaz. E' preciso expropriar a iQ'lpotente b,u rguesia
sociedade. Admitindo embora a luta diária sob to- do solo, sub-solo . e todo~ os meio,s qe produção,
dos ' os · seus aspectos - -greves de produtores para fruto do · trabalho indestrinçav,el d!ls. gerações pas-
elevação de ' salários e redução de horas de labuta, sadas e pr{'.sentes . .E' . preciso pôr .~~s.es n:;i.eiqs de
boicotagem, sabotagem, acção dos consumidores e . produ~ir à disposição de todos. E', preciso dar a
inquilinos contra a alta de preços e de alugueis, di- to~os a liberqade de . consum.o, orgá1~iz:ando qs pró-
minuição voluntária dos nascimentos, emigração, pnos trabalhadores a produção e a troca segµndo
etc. - todos os resultados obtidos são sempre es- a& sua~ nec:ssidades. reai:, não par51 l~cro çle pou-
cassos, frágeis e precários dentro da sociedade bur- cos. E preciso .que nin.guem ,tenha rne10s .de explo-
guesa. As suas crises periódicas, os seus craques· ·rar e, dominar, i0s outros, de viver do trabalho útil
financeiros, a emigração dos capitais em busca de dos outros. E' preciso abolir, o din,P.e.iro~ que pe-r-
salários mais baixos, enfim, o seu próprio funcio- . mite ·a acu,rnulação e .o roubo. .·
namento 110,.mal torna insubsistentes quaisquer ten- Tais são as verdadt:s q~e o, socÍ_~lis:m~ v~Ql de-
tativas de sólidas reformas económicas. . monstrando .e propaganqo hçi, longos é:\f1QS. .
Demais, essas reformas não podem ser tais que ,' " Mas deverá concluir-,se daí .que ~ãq _inteirameme
não deixem ganho aos detentores da riqueza social; · .vãs e de.sdenhá·veis qu!lisque.i: refonn!ls parciais e
e modo de viver ao exército imenso dos parasitas .: transitórias, estéreis. de toqq os esfqrço,s , dia q, dia
da produção. Os capitalistas, os governantes, os empregados pelo proletariado, essa acção constante
defensores diplomados ou armados do privilégio .- traduzid.a. principalm~nte : em, gc:eves ?
burguês, o exército incontável dos intermediários, a '"
burocracia, os executores de tarefas inúteis ou no- * 1 ·~
civas, tudo isso vive à custa do trabalho útil, às
vezes com o maior esplendor. E o dano capital do Os ,-socialist~s de~oçráti~~~ q~~,. vÍ!1~ndo à ~on­
sistema vigente é a absoluta incapacidade e insufi- n qnista dos 1poderes públicos, pa~a transfqrm~~ p,o r
ciência do seu modo de produção, apesar dos pode" ~• meio deles ª' srnúedade, . enc,arreir:anam cada v.ez
206

mais, apesar do seu antiparlamentarismo · d? co- dução, que a vida social sejá obra directa de todos
mêço, pela via burgues a do parlamen_taris_rn~ ,. era .
para os anarquistas a questão era outra, .bem dife-
'
natural qué ·coritra-riàsserri ' o e~(etcíc16 dián~ .~ .ª . rente o método a seguir. -
acção de classe· do proletariiado. · , . .. . ·; lnfeli~mente, ap ós• a guerra franco, prussiana e
Os -'o perários nãó ·precisavam' de · agir directà- a derrota da Comufra de Paris, quando uma onda
. mente; os seu·s -representàntes tomariMn conta dos reaccionaria invadíu a Europa, após sobretudo a
seus inte·res'ses." ~ Vofa:r bem era o suffciente. Do dissolução da Internaéional e em face do carácter
mesmo· modó, -depois - de conquistados os poder_t:s refractário 'e pesado dos meios operários e suas or-
públicos; de i c.ima: ,é que se<riá organi:a'dá a socie- ganizações, os anarquistas apartaram-se em éande
dade; · de . cima •·é que viriam as medidas salvado- parte da massa proletária e -da sua vida' de cada
ras. dja, encerrando-se na torre· de marfim da ideia.
Assitn ·os úperádós~ não precisavam d'e se habi- E, .se é certo não terem 'r~mitos perdido a per-
tuar à acção. Quando muito, deviam agir muito cepção clara .da realidade, nem quebrado a conti-
circunspectamente, muito ·"disciplinadamente, sob 1a _ nuidàde teórica do so'cialismo anarquista,. ·ta-1' como
chefia dos seus pastores e sobretudo pára reforçar nos viera de Bacuniri~ e da. Federação Jurassiana,
a obra dêstes, dar-lhes fôrça e pre5tíg'io. Nada de siste.matizaÇão · e interpretação das necessidades
comprometer à~ acção legal dos deputados, e sobre- populares, tambêm é Yerdade . que começaram a
tudo a sua ... . eleiçáó. :A greve era afinal uma arma -formar-se as . capelinhas doutrinais, onde s·e pratica
de dois gurrfes'j' que feria · o manejador -e 0 inimigo, _uma .espécie de masturbação intelectual e se prega
ao contrário da arina eleitotal e parlamentar ... que ·ao? ·cot'l.vertidos uma espécie de teologia e de misti-
não tinhá gume-> algum- e não; feria»quem quer que cismo contemplativo.
fôsse. F ~bricaram-se silogismos até ao infinito. Nasce-
Mas, se era natural que assim falassem e pro- . ram as .discussões abstráctas sobre os mais miudos
cedessem os socialistas democráticos, pondo de pormenores da doutrina, como em Bizâhcio: Adia-
acôrdo os seus métodos com o seu escopo, para os ,' .ram-se, em problemas secundários e derivados, su-
anarquistas que não confiam na Providência-Es- cedâneos para a propaganda e acção principais do
tado, que não querem.1ibertar o póvó trabalha.dor, socialismo anarquista. Magnificou-se, co~o Tolst~i,
mas 'que 'êle próprio se 'e inancipe.~ que pretendem como to~os os reformadores ,religiosos, o poder do
que 'os produtores organizem directamente a pro· verbo, o eficácia da pura educação. Desprezou-se a
. 208

organização das massas, a vida dqs mass,as, o mo- .eia r,évolucionária e autonomista e a entrada dos
vimento operário; e chegou-se a fazer sobre as 1s:e- anarquistas, que .não tinham perdido a noção do
v-es a mesma explicável crítiça social-democ.r~qca - mé~odo, nos sindica:tos profissionais,_.vieram porêm
e. , . ; burguesa. Em n:mitos, o anarquism9, 1quase •reatar ' a límr.ida. tradição sócialista-anárquica, res-
c;i~~provido da .,sua s 1egura base. ~s-sencial, que é ? ' ti.tuir ao gig;mte insulado .a SUll bela virilidade ju-
fim socialista, aproximava-se mais ou menos do li- v·enjl, . reduzir a-. justas proporções a crít~ca feita e
be~alismo iodiv,'i dµalista 4.a burgue!,lia. seleocion,a,r o. trabalho mental _elaborado, aprovei-
" Em suma, COfi1:0 ?.gigante . A~teu da fáb~la, que t;mdo7lhe1os prrogressos e eJiminando as excrescên-
p~e.rdia a ' ~~ª fôrç~ !1º perder co9tac~o com a mãe -' .cia,s-.e . infiltrações estranhas.. ,
terra, o anarquismo, .p~rdendo contacto co~ ;:is -E. ficou de novo assente o _valor da acção ope-
massas, defirhava e degenerava . .·,, . ". rária cotidiana ..
· Ap,a receram, pois, ar:iarquistas que, apart~~os Embor~ insuficientes e precários, os melhora-
.do P<?V?, .se .limi~aran; . ~ ,pl'na propaganda teonca ·men_tos dia a . dia conquistados e mantidos pelo
s~m alcance e sem pre.s a e a exercer, de fo~~' un1a exercício contínuo da ac.ção directa, não são, mes-
· crítica ac~rba 'e •en~rvadora da ,acção proletária~ •md sob o ponto de vista ecqnpmico, inteiramente
1 1, j . ' ' •
·q~e . mais suspeitos e,.jns4\ados os.- ~orna:ª· cnulos e para· desprezar. Mesmo em regime cap~-
Mas havia ainda· outros revoluc10oános que, em- talista, a situação do trabalhador .oscila dentro de
. b~ra com uma conseP:ção men?~ infant!l 'dgs 'mi~o­ cer:tos limites: o máximo, determinaqo pe.Jo ponto
dos de acção, . e,m bora pa,rtidários
( 1 • • ., 1 ' • ~
~a organipção
... -
em que deixaria de have~ lucro para o proprietário,
operári!1 1 achavam que se , d~via.I?~ g,astar to~os os ·.i!i'to é, pelos interesses e pela fôrça da classe bur-
·esforços em preparar a grev<: geçal, exprop~1'.1'19ra .guesa _; e o mínimo, determinado pelo ponto em que
e a revolução social desdenhand<;> as impotentes .o proletário já não pod,eria trabalhar nem viver, isto
' -gr,eves ..parciais ve as fatigantes ~scaiaa;~ç· a~ de, cada é, pelo estalão de vida e pela res'istência da classe
__ _·dia! . Com? se ~ôss~ possí,v_el ?r_gar1z~r. e l'!,ducar as trabalhadora.
,_ mas~as, atingi: las p~la p~opaganda, _prepa~ar aquela • . Se o trabalhador se adapta a viver mal e com
.· ~esr~1a : revolução ~e!ll a acção ~ir~cta e conüµua .pouco, se nãd resiste à' exploraçã0~ patronal, é re-
' d~s :rrabalh,adores pelos firis ,i_me?iatos, ~e,m as miu- .duzido à condição maig. mise'r·ável;. a ponto de per-
t!' . (" . .
das escaram~ç,as ! ~ . der mtiitás vezes, ai vontade- e- a e,nergia de se r~­
' . O re~as~irri_~nto ~a acção !e_conórqica, )de te»d~p- .voha1; s'êf;-' porêtn; · rtãe- pode s\Ij~itar-se· à"·situação
210 211
. i

do bruto, sé tern neéessidades de civilizaçlo e se trabalhadores de certa procedência, habituadqs a


par à ·as sàtisfazer "resiste e orgamz;i a res1~~encia, c~mer .e vestir mís,eramente e a · ~t_l1!)~to~ri se . e~n:i,Po­
• • • ,A • '

'promovendo ' ªº mesmo tempo o ' aumento. de pro- c1lgas .. msalubres, oferecerem-se .mediante condiçõe;>
·dução pelo ' aumento "do consumo, é possível que o que nem · o pró_prio patrão ousa p;opôr; ~·· q 'op~~.á-
patrão recupéfe por ·url'l lado o q~e. por outrn .perde, . rio acostumado a uma alimentação mais humárÍa e
1

aias isso não · é sémpre imediato ; (sobretudp . por substancial, a maior. asseio e confôr~o no ve~~áiio
· causa da concorrência · interpatronàl), e em tod0 .0 e na habitação~ em lace dessa concorrência; oJ.· s~ ·.
-caso o operário eleva o seu estalão·de vida, adquire rebaixa, aceitando o mesmo estalão. de vida, . ve.n-
hábitos que não quererá perder . e que defenderá . ciclo pelo número,. ou .abandona a ,região, q\1 trat~
com 'tanta mais · eil'erg}a e consciência, quanto hrnis de arrastar à resistência a ma'ssa avfltada e 'de le-
se tiver acostumado à luta contra o explorador· e ·à . va-la a maiores exigências e a melhor vida. ·
·solidariedatie ··con1 os explorados e quanto mais A, estatística das greves, dand<;-nos ~pe~as .a
nes.s a gimnástica ·e nessa experiên~ia .tive.ç apren- quantidade, não a qualidade nem os efeitos, é uma
·didó a conhecer a causa. dos seus inales. " indicação ii~cert.a ,e enganadora. Assi.n}, das 1 ;44~
Basta notar a ·diferença,· não apenas de salário greves que. l~o~ve em f:~4oça em ~9 r. r, t~rrnif!..afil\11
·(pois ·os salafios podem ser .diferentes, mas .igu~l~o . 167 pela v1tona total, 5o3 por u.~ tnunfo P.ar~i.al e
·seu poder de : compra), mas tambêm de cç>np1ça() 6 i 3 por urna . derrnta . . Mils ~9{]'.10 .averigu.ar,' ante
'material, moral e intelectúai,' entre os operúrios do êsses algarismos, se .uma . -yitória parci;i.l n~? f?i , no
·. mesmb · ofício ·de ' diversas regiões e: .e ntre ?S de fundo ·completa, sabido que os grevista~ e!Il ·geral
·ai versos ·ofíc'.os da mesma .região ; ,ba~~a , notar pedem mais que o que tencionam obter? 'Como ve-
como a 'ignorància; '.a miséria, a desorganizaç.ãa .e·a rificar que uma derrota, registada como tal, não foi
apatia são inseparáveis . e. proporcionais· en.tre si: de facto um triunfo, sábido que o( p;trões ~e e~pe­
·p ara ver que a situação do trabalhador nãp ..,,Ç". ~w­ nham em vencer pa~a manter sobretudo o Viestígio
pre a mesma, que ela é rn1:Jdável dentro"dos.;\io:utes patronal, mas ce~em depois disfarçadamen te p'ara
dó capitalismo ' e · que nessá _mudaf1Ǫ intlui . co~o evitar a renovação da luta? E como saoer se u'má
in1pomante factor · a resistência operá[ia, tant9 rna·ip . vitória não equivaleu a uma derrot~,· .ou foi pior
·eficaz quanto mais · colectiva e orgap.iz.ada, ..em vista do que eJ.'.1, . sob o ponto de vista moral, pelo · e~pí­
·da impotência da acção individua.!, insulada e dis- rito · com ·que foi conduzida, pelos métodos émpre-
' persa. Nos- países de imigração cosmopolita, vemos gados e pelas ideias que dei~Oll IlOS O~erários? . .
1
213

~Qra. Sabei;µ os ,preços e .tem de reclamar melhor


~m1 todo caso, a esradstiea mostra-nos que, con-
fÓr~e · ó~ ·metodbs de ac-çã'ó, a· perterttag,ém dl.as vi~ PB;g~ ; inventam~ s~ e ape,rfeiÇoam-.
1
se máquinas e
.dirias, como nb àemplo a.cih1a, pode ser superfür â W*.e q~~ e~íja menos '·boras d~ l~bul:a. s~di e~s.a
'd'á sfd~rrota:;. G_uar1do; ali'á's, as greves fossem tod as
1 ~µ~'a, ;f~rça?,~, ~e.ria redu#él:? .à úl9_in~ exprJssãÓ'da
~-ál'Ü'gradas, · n~m por isso estaí-ia · rovada: · a suà g11s.er.1a e çlo a,vilJa~ento; ~os .Pr~gr~ss<,>s da 'i.ndüs-
inuÜlí'cfade, porque às greves ·su'cede como às ifisur- tr,ia •e • da . ro.
,...; I
ecán.ica,
'
'e m .Jug1ir de lheº trázerem
f "' • ; • • • ' ) J' ti i·,. l .
uinâ
reiÇões: mesmo verrc'idas produzem efeitos saluta~ p.~rpc~paç~o, 1 e~cassa e°?bora, na? vauiagên~ 5fa d-
les, e o maior mal ê a ' iná~ção. M-as a ·estatistíta é Y;iliza_ção.., seriam J?ªra ~le um n;ial cresÇ'ente, P.~~
soóretudo, ex.pr'essiva mostram:lb-rros ' que ·cresce a que e'ssas vantagens não ·se lhe ~plicariani .ãdtorriã~
proporçãO das greves de ·. sotidariedade, e que a tiFamente. Os patrões, à medida q\le enriquecem,
acção operária vai encarreirando para a conquist'él ~ão · fazem cqi;icess,ões esfontânea.s : ,,procur~i:n ~ada
das reformas màis· dígnas e duradoiras, como são r.ez gaol).a.r m~is, reduzir os ,gas~os; ,aJ?rÓveíiil~ cada
a redução de 11oras de trabalho; o melhoramento ;vez mais o .braço de . fe,rro para dtspeQsa~ o 'brâÇÓ
dh· higiene nas fábricas, a dimínuição dá' autoridade' • humano,
.' :._ .
e só cedem ante o medo ,
·da revolt~
• :; I
~· a
patí:onal ou sub-patronal, DAr'espeüo da dignidade r.eslstrnCfa qu~, encontram. . · '
rCertamenie,, .a situação _gera:! dos .tq1balhadores
do tra~a!Ilàdbr, e'tc.
· ' Um ponto importante· a considerar n-esta questão µ~o é .Profunda . J
nem ,,
esqivelmente
)' 1
transformadã ' -
ÇO!l:l OS Jn.eJh.or.p.meJHos, e O re~im~ capitáJista con-
é q~e o aumento do custb cfa vida, em vez de ser
consequêricia das reclamações operárias, é pelo con'- tinua• a _ser. . êste absurdo regi!:ie aue' r~string· ~ à
Í:f.ário determilrnnte délas. O cusro ·dá vida· sobe
,..
pr.pdução para dar proventos a poucos em vez de
f 1 11 ,. 1 ....
a
P.r'ii\cipalmente pelo jogo das instituições capitalis- aumentar para dar pão, 'vestuário ··e alojam~ntô ·a
tas: ' o aumento dó ·pa'r.asíi:ismo, da especulação- e db ipçI9~ ...Mas entretap.to a revol,ução .social ,n~o se I~z;
. assambarcamehto, a formação e desenvolvirnertro e .pre.c.1so ppepa,ra-1.a. Ora a massa não sendo sacu-
dos tfuslS~ etc.; ~ o moviinentb oirerário de resis~· gjda pdmeifamen.i:e ,pela J ~ -'-
accã~) ' ~con~
J ( _t ' '
fins J' 1'
imedi~tos
1) • f l ' '
p.ao a_pr.e?dendo .µessa açç~o, de grande v.a lor mo-
- ' J F.

tfocia, , como P.ºr exemplo nos Estadbs énidos ficb'd


demonstrado pelos números, nãó faic mai~ db quê ral ,e equc.a:tiv~, a ht;;r, a conpecé~ e ~rf~à~ar"c}e
. s~gµir, dt oastarit~ làng~, essa asc-errçãu. fr m:ção frepte p:> e,xplorad0re.:;
~ r;-: ..
e s,e1us sustentáculos
J ~
a ape"r'"-'
~.~! o.~ laÇo? de ~C?F9i:!fie1<;iade entre op.~_im1do;, a
j ' ..

oper'.áría e, na verdade, d . 1·esi~tllt i~ ' de: cf~fe'$'tt;


-o proletariadÕ vê:se' cônstràirgiê!.6- á' agfr· ei s'em,. d'ê:b ç#_scutlf ~s qllestões de f
1
comum
- '
inter.esse • • ,
não' só '!

\
1

não estará organizada e preparada pata a revolu- burguesia; aboliç·ã o das instituições governam ·11 111is,
çãó ·social, mas não ouvirá Seq~er a propaganda socializaçfüi> dos meios· de produção".
i:nàis ~imples nesse sent~do ~ muito menos a que O papel'd0s anarquistas, com. a ·sua ideologia, a
lhe servém certo·s · adversários da organização de sua preocupação --constao.te do ·alvó •a atingir, é de
-class~ e das greves, toda transcendente e própria priméirai i:m:portânáa dentro das · organizações op ·-
p·~ra intelectuaís ou semi-iritelectuais, que a d~sc~­ rária's,' onde êles ·d evem ·e-sforÇar-se por conse rvnr
tem tranquilaniente ao café; e para os quase md1- os filovimérit_!}s livres e evitar n'a.· medida do po i-
;feren'te's qué ·m ar a lêem e que a desprezam ao pr-i- . ver·os cargos. q~e, ' por menos diréctivos que seja m,
m~iro' ab\iló"da sociedade.
1
. . ~ . impõem circuríspecção, -rdrei àm ·. a propaganda
":' -E · 1
êss é ·. é- o p; Íncipal valor · da acçãü' operária, franca e forçam a uma certa política de equil-íbri .
~obretudo da a~'ção colectiva, sobretudo da greve. Essa · acção· livre · e independente é de primeira
·qu~ ~ha~a todos à agir, _que pesperta em todos o importância porque a organização e movimento
interesse directo pela luta, que suscita as mais belas operários, com todo o seu valor, teem igualm ente
iniciativas. Assim como a queima c_o nstante de cas- as suas taras e más tendências.
telos feudais e arquivos prepatou, realizou, cafac- A luta económica é a luta essencial, a caminho
.terizou a revolução . francésa, a acção económica duma transformação social fundamentalmente eco-
~ontínua do operariado prepara e caracteriza a re- nómica.
vo~ução social; e ao conu;árÍo das ref~rmas legaís O movimento operário cotidiano tem um enor-
ou das concess'ões patronais ·aparentemente espon- me valor de educação e preparação, colocando o
i:â~eas, ctesenvolve-se a si mesma e faz fermentar a salariado em face do patrão e seus apoios, no ver-
. i
massa. dadeiro terreno da luta de classes; e não o pode
· Aos · revolucionários, vivendo 'a vida do povo e ignorar quem deseja que a massa o acomp anhe à
no seio dele, cumpre pelo · exemplo e pela palavra conquista da emancipação integral e se emancipe a
alargar o movimento operário, propagar os méto- si própria.
do's conducentes à realizaÇão da emancipação ·inte- A organização operária reúne fôrças de com-
grai e, aproveitando' todas as efervescências, todas bate e de reorganização social, e é terreno extrema-
ãs circunstâncias, todas as ocasiões em: que os «ou- mente propício à semeadura das ideias que tendem
vidos êstâo abertós», aponta~ a solução radical do à abolição das classes, à supressão do parasitismo
problema económico e político - expropriação da e da autoridade.
Mas .o movimento operário po~e~)a,mbêm per-
petuar-se ou dege~erar .num .mero .qioviq:i,e.nto de
reformas transitórias, tomaçlfl? ,c9~19 fim.; e ~ or-
ganização , sindic~l _est.~ sujeita aos a:;s.íl\tos jlo~ p.Q-·
liti~antes,, bem .como Jl ctimrílli;rn.ção e ,ao fuo.ciona-. ·
lismo exagerado ,e ·, .abusiv9, · disfarçadDs . com 1 o
pretexto de união .e . de ·simplifjcaç~o · ª-Qmi\li&~r&tivít
e fautor:e~ de jnéx;cia e de .i.:noqeF~D.ti~~1.0. ;
Os ~xe!Ilplos do ·itr&de ;un,iol)..i~m9 jnglê~ e · ~o
norte-ao;iericano são suficie,ntemen_te ih,i.~trat.ivos:··
1 •
Veler.;n os bons semeadores pela ~~r;qenteir;i.

'
Há çp,iase um~ se1:11iV,1ª que se 9eclar<_>l.J ~ cri~~
~i~ist~rhll., .e ajn.da_ r;i~o ~-e .c~eg0,u <seque.~ .•ª? prig.-
-( c1p10 4e q;n{l s,9luç,ao. Nmguem t~._i;n pr5,s sa .;dt .g9-
v:ernar c,o,n,1 1:1.W parla,mentç:> diy;id,id.o em . ,qu,a tro
-1l fílViÓ\!.~., poyco .dapas a acgrçiós ~~távl!~ S e Sffi!!rc;s.
o ( O m~nis.tério ainda ,em fuoção mor.reu mesmo
"l:J cprp. uo:ia boa m.a iorja ~ s~u ,!ade;> e ..5li:l?.Wl ciii~s< vp.~
!:lbth. taçó s favoráveis, dando a ilusão graciosa de Jer
r; '.JD ªrrel)~ntado c0.n;i Utníl Ji;isfige~tão .9e cop.,fümç~.
li :iqi Apro,vad.a a Çoostituição, ~~~it9 q pr.esidel:\te dfl
~~p.ú!J!~cf!, tra1.;isfor,m<;19a a Gon~ itu\~~e em Çon-
-fílO'.J gresso ordiç.,ário e ~ivigido êste en;i f,rasçóes pí_t.ida~
-SrrJ'....'fJ Q1!i!n.J,e separa.d as ,e ?POSt ~sJ a vig.a ~os ministér~os
m~br1:... ~gljr,!-s~ tomapo .d,i(íc~l !'! precária. , .
orn~.i1ir. O gab,i1,1.ete de Jo~o Çhagas, e.t,tra-p,a.rtidárjo~
mµdq,l;l um mini4trq e ' dy.rou pouças .se..maIJ.as. O
218 219

ministério demissionáno teve como o anterior uma tas mais políticas - interior, fomento e justiça. E
recomposição e viveu sete meses, em custoso equi- eis : porque o parti ao democrático é acusach de ter
líbrio, dado cem vezes por morto. provocado a saída do dr. Silvestre Falcão, 'qúe ,lhe
Agora fazem-se e desfazem-se dezenas de com- era suspeito, para se apod'erai do mini.stétio que
binações, algumas das quais são dadas à publicidade .
«faz · as elei1Ções», e de, ·contfa'.··:os outros partidos
.
não querer ,ainda as eleições a'dminisfratívàs; pür2
'
para logo se esvaírem. Teem-.se anunciado tenta-
tivas de todos os géneros, teem-se aventado pro- que, màl preparado e organizado nas províncias,
gnósticos de todos os feitios. não 'tendo às r trunfos do poder' na mão . iria ao e'n~
• 1'
Tudo isto porque o parlamento, eleito antes de contro duma derrota nociva aos seus interesses par"
bem separados os partidd, não pode fornecer uma tidários e .ás suas ambições de govêrrió.
firme e abundante maioria. Obtido um parlamento com uma ·minoria redu-
. Nós temos o regime parlamentar. E ' o parla- zida ~ uma maioria homogénea, funcio~a -hàrrrionio-
mento que elege o chefe do Estado e indica os samente e . sem atri.tos o parlamentarismo, o qual,
ministros. Mas o parlamento, eX:pre'ssão da «sobe- 'como é sabido; é ..exactamente o conti-ário de dita-
rania · poptilanr, deve auxiliar com1:uma compacta dura. . . Se não·, ·não · faltará . até quem pense em
maioria, bem homogénea, o partido .do govêrno. golpes de Estado e 'dissoluções . .. para consultar
E se a- manifestação da ·«soberania popular)) não de novo a nação e obter dela uma Tesposta rriais
dá semelhante resultado? Se ela se fracciona, oÚ conforme e ajuizada. .
se fraccíonam os eleitos por sua cónta e livçe 'alve- Repitámos, para fixar ideias: é esta s'á bia enge-
drio em numerosos grupos importantes 'e divergen- nhoca política, sem a qual se mostra aos olhos de
tes? · ' <• todos, nua e crua, essa coisa horrível que se chama
Pois bem: a essa «soberania popular» é preciso ditadura, é esta máquina genial que recebe ' entre os
dar um 'geito, indicar-lhe representantes com chan- povos cultos o nome apropriado e sério de «parla-
êela, encarr ira-la 1com maiôr ou menor do'çura ou mento)).
mesmo com certa brutalidade, levá-la · a exprimir a O parlamento português, na actual conjuntura,
vontade . = . . do poder·, de modo .q,u:e ? parlamento, só tem êsse defeito: não ter sido criado por um par-
que elege o · presidente e indica os Cffiii:listros, sejà tido preponderante. Nay~eu antes da organização
feito à imagem e se~elhança 'do govÚrio: definitiva dos grupos políticos e está muito dividido.
' ' Eis porque os grupos disputam ei1tré si as pas- Muitos opinam ·por isso que · a Constituinte, finda a
siµa miss:ão, dev~i:;ia ter-se dissolvi90. ·O .Congresso pequena maio'ria, graças a uma manóbra partidt\ ri ,1,
g1;1e está não ~, pqrêm~ pior dp que .~ualquer 9ut.r!? não toi mlmtidb.; pelb Senacl.0, apesar d0s e s for~
parlamento. · Nen: me\ID:or, .nem ,pi~r. 1 de. alguns anticlericais sinceros; e o Congrésso, ·1n
Tem-no acusado de .es.t_erilidade. E' falso! r,~s­ sessão conjunta,. deu r.izão aos C0nservadores . I! ·
pçmcl!'.!.m os kgisifi.d~res. <<Náo .temos .nós feito . di~­ natoriais.
çursos e decretos tPºr ,u~a .pá ~elha? Não temo,s ,nq O facto desagr:adou. p1.16fontfamente aos elemen.-
tràbalh~do qia e noite? ~ão Jqi já uma ;vez prorro_; tos anticlericais, mesmo de tintas políticas i· ê grande
g~da a sessão e nii;o a~a,ba da cl~ o ser nov?-m~nt,e · foi o assombro da gente. cândida áo ~er votar con-
.a~.é r.o .de julho?» tl°'a' a sup'r essão o · parrido que do· anricleticalismo
E sterilidade! ,Mas que .queriam então quf.! tlOJ de Estado faz o seu. cavalo de batalha e o seu cha-
parJaq1ento fizesse? Que crJasse o n;iuf).do? Imyos- mariz político. . '
s,ível ! lá está criado. O que êle po__çie fazer é ,\eis, e Justificando•se numa sessão pública,· o ch~fo de>
o Coqgresso Nacional rep'-'b~icano tem f~ito ~ui tas. partido disse que a iegação junto do Vatícano é llm
Qµe mais querem ,? Essas leis faze~ muita vista ew posto de guerrii• e não de paz!. E' t'ambêm um a
ft:aria, e depois na prática dão ~uito pou".o? .~~s arimac de 'c ombate, um posto de ob·servação. Co:no
~sse .mal não ~ particu a r ao nosso pais e ª ·º nosso
1
ô· píapai se enfurece cont'r.ai a República, esta deve
parlame,i;i.to.. . : teri ali, em Rom.a, um: ··posto p~ra' responder!
O único defeito dês te é est~r r_etal{lado em g1ra,u- A: assembleia- parece rer; ficado satisfeità.'o~m as
des pedaços çlescombio<,t.dos e n~o dejxar por ~sso explicações ; mas nem. por isso a razão alegada·
gove rnar longa e t.ranqu~lame,nte. deixou de ter,. na imprensa, o comentário que salta
E vai daí a ,ficção parJamentar .fie? tod!l a~<i:lfo,d! aos· olhos. Que .a legação,. como arma de combatie
~ põe-~e a q1µger 9esa,sr~fiáveJmen_te.. E' só isso. e sentinela, é inteiramen~e improfícua. O Vaticano
era 'i mpenetrável mesmo no tempo de boas rel ações
e de fidelíssima rialeza, mesmo para a gente da
casa, como o padre Antón~o Vieira:_e iria abrir-se
7 DE JUí1--HO ai tim inimigo,. consentir de bom grado qentro de
p-ort:as · o · ministro da Repúo1íoa,. ainda por cima
A .supre~s~à çia l;gação por:tuguf,!sa }unJo qo Va~ públicamente' deolarado como sentinela. v·ig-ilante: do
~ icano, que os Ç.e,p.u,taçlos tio.,Own a.pr.ov~do ,por U!D-a a:d;~e:r.sádo '!
222 223

Conservar .~ legação .em homenagem à missão católi'~~~: Se elà fÇr súpri~ida quer dar-no.s ~ res-
histórica ~o. «ve11:-er.an,dQ Sa.c~rd óci9 Católico», como ponsabilidade dêsse acto.» . . . .
dizem ·o,s _ po sj tiv~st.as c9mteanos, ainda · tem umà. -. ..E le ,tambe-~ qu~~ da~ ,a.. ~orna .es-s a. ~esp~nsabi·
certa lógica; mas para anticlericais que não senten1. lidad_e; quer q~e. _sej~ o ~ap~ o pnmeiro a suscita~
ê..sse resp.e ito e .qµe consid,eram o Est_ado como neu-· . a rupt_l}ra .. Entao se.~a energrno. . 1 · ._ .• " •
tro e a.,lgreja .Catplica; n.o :-i.;nesmo r,é que. as outras, Mas, ·santo ·deus! essà. -responsabilidade · e~tá to-
tal motivo ;rJ.ão .serv~i e -a'..Ü;ecessidaqe ,de urb «posto mada! E~tá tomada con1 â lei· d~ sepàr~ção ;:. ~ ou de
d~ guerFa J> não resjste ,à mais ligein!-, çritica. , guase-separação,-:,._ d~. qi.u;i.l a ·extinção do ministro
. O .Yaticanq, é, qu~ . não 1.tomou . o _.~.oto do. Senado: qa _R~~i;iblic_a junto ;da Santa Sé seria u~a simples
e do Congresso como acto de. guerrçi."; ma;ihosa-. çonsequênç_i:i ! l'..~ta J extinção ·11ão poderia ofender
mc!1te,. 001f, idero.u-o.. ~qmo: ' homenagem aos senti- ?l con.sciência _·cató_lica mais dp que a iei' se_paradÓr·a;
mentos católicps ela grande m a ioria do_povo portu- e sobsetudo ruais do que os .seus fortesº ress'~ib~s
. _d e r~galis!llo.;' e - as razõ·ê; 'dessa ex~ióÇ,~õ "e.: as .·d ~
1 1

. guês, ç17mo reconheci:inentQ da fôrçti e prestígio dês-


ses se,ntirnentos. e qa .e.mpcesa. que OP, ,~xp lora. Assim . sep~raçã_o , S~J~am, _a~ m.esma~. ü' E~~(l,d~ 'é'.ieigo, é
o decl a~;am,. sorxiçlepte_s; os seus _órgJps.. · l~ é üatu7 neutro em rpatéria. de .. crenças . .·•, .... .'. ' . ' '
ral, ao passo :que $,e.r.ia_igualment~ l1atural ,que ~- Re- A _Repúbfiçil conserv~ a -leg,4ção, .. acr.es'ce ritou~se,
. pública,. se rvindo- se .dos me:s mos argumentos justifi-, como conserva o. direito de fisq.lizar .os do2.u~1en:
.· cati.vos d.a .separação d\l.Ig.ceja do E~ta~o; suprimisse tos ?a Igreja, corri~ coO'serya o b~neplác ito, a inter-
a legaçá_o j~nno . dp. Santa Sé,.. não p.ara ofender sen-,_ · vençãq na po.rr:ieação dos 'púocos,, etc'.: ·pai'~ não de-
timemos q1.Jaisquer, mas .e m obediêpcia aos p.rincí- via cons_ervar çoisa alguma dessas. Êss~ argumento
pios separa~istas e de neutralidade. perante todas as de hf2 mem d_e _Estado não serve para~ homem de
Igrejas . . . . . . · liber9,ade; _u~m . i:nal . não se fustific~ com ;utro ~ai.
O . dr.- .A(onso, Costa _pçirece .t er -. dado. rqzão à. Aquej~s ..~p ir~i}qs_» de , flscalizaçã~ são _~bt.Ísos da au-
interp~·e tação vaJ~canesQ<t, quançl0: di~s~: . '· torid 4de, p1f!js , ~!?~e~ça~~eS .Pàf a ~.J1 ?e~r~~de de ró;
-:- . . ,;. dos do ~L;J~.. .Rª.ra a IgreJa. ,l~sta,, ~epress.a -~~ f<':Sem- :
«Por.que :é qu~ a Roma clerical não tem supri- bar;~y.q r~ -~e)_e~,. e,:~Pl~-fª1::d~-~s: amda..:. 7~111.q od~o~as
mido. a. sua qu_n~iatura_ nQ nosso país? Sentinc;fo-~e persegmçoe,s_, , ~!P!Jgr,a p,ao efe,ctivas; mas o -Estado ·
tam ofendida, porque nã.o pôs ainda, escritos à su-· seguirá o,s , 'r:Ile-smos pr~c~.ú ~~ . c9p~.11~. ;,<:(~·, 'qi.ie não
cursai? Porque não quer afrontar a consciência dos possuem tam abundantes meios de defeS·a. '
225

Diz-se, 'não sei com que fundamento, que o dr: auréola do martírio, apelarão para as boas almas
Afonso Costà afirmou uma và que, graças à sua compassivas, porão a ·render as perseguições e fis-
lei, t'erá desaparecido' a religiã~ · dentro de duas ge- calizações da .Jei. . · ..
·r ações ! Seria i.trha beqi pueril ilusão. Mas se já 0 estão fazendo !
Um p~rtinaz traball16 de propaga nda e educ'ação, E não o fazem por acaso aí? Não foi o velho
. valendo-se dà fôrça adqllirida, poderá obter êsse padre brasileir o, que . esperava quieto , a. côngrua e
re'sultad o; que uma re\:oluç~~ económica: e social~ o _ordenado, su?sti ttiido em grande parte pelo «je -
Ú :pràp'r iando a Igreja dos seu~ privilégios, base do smtaii aventure iro e for.a-vidas, fanatizad or de ci-
séu 'pdder1lo, da ' mesma forma que ()S outros deten- dades e fomenta dor de recrudes cimentos ·de fé?
tores da riqueza social, precipita ria eno1'memente. .E1:1 ~rança, su~ede o- mesmo. E lá, graças à
Sem íssÔ~ ou só' com a' educaçã'o . e .em · quanto e !ti res~stenc1_a d~ · Igreia, tampouco é ap licada a legis-
não ro~a largb . incr~n1e9to, a· Igreja pode conta:_f laçao ant1clencal: regulam ento dos invei;itârios fis-
calização do culto, etc. . '
largos dias de vida, com suficiente fôrça e infiuêncià
para ir 'recortqúistandó ás ooas gráças da auforída dé E ' até muito expr~ssivo o quê sueede tom o cle-
e'. o e,squecimento de c~rta5 a,sperezas legais,' e em ricalismo francês. Privado do orçamen to dos cultos,
todo caso; 'cbrtl meibs · de ir \li vendo, COO'l certa co- o ~lero lanço~-se mais activamente •na luta' social,
. · rriódH:latle, da generosa · boá fé de muitos pobre é aplicando ma10r _arenção ao movimento. operário ;
· ba~iante's' ricos-... e apesar de repetidos fracassos, jé:'t conseguiu alcan-
Secando-se a teta do Estadb, o ofício sacerdot al çar resultados como a organização in'q uietante da
não ·será' bm~c~do ' por'' certa gerite ~om que.da para: União Católica dos Ferros-v iários, com os seus 4 20
o' empt·~gbhto público, h~verá • talvez menor ofert~ grupos ·e os se us Soo padres dirigente s! E' neste
dé ' br'açbs\ soBretudo p'rinc~plo, mas a selecção de terreno, é no operaria do qüe a: Igreja· ç:onta· erguer
pà.dÍ'e ~ f~r-se-á no sentido d espertez a, do d~s·erri! uma nova fôrça social sua·, que ela possa oferecer
lfaral,:o, dbJ~srlitisn b'. . . 0 padres hão de mexer~ ~ediante condições, aos poderes económicos e polí~
se ' mais , dés"ehvo}ver maior· actividade, emprega
'
tt t1cos da burguesia, isto é, ao Patronat o e ao Estado.
i:naior sdnia de a:stücia' e· de expédientes. E d .. pr<}I
pr'ia lei · d~ i sepáraÇão tirarão proveito, tántb rifaibf
qiilíntd mai d füs' fül'em · a!» suiís dis'p'osi~ões; por.;
ventura rHfo aplicadas' de · fado. ·.·. Fai'ão' fü.zir' a:
22G 227

25 DE JUNHO e ornamental, de chefe do Estado, pois Jª n em


sequer o sufrágio universal é carácter distintivo
O «grande)) Couceiro, tam hiperbólicamente ,das repúblicas, que aliás não o teem todas ; e
glorificado éomo invencível capitão e domador. de ex~rce ,s ôbre o Estado a mes1?ª. fiscal,ização e o
pretos, neste patusco país onde todo bicho careta mesmo p9der, bem pouco contrariad? pe,las cama-
é pelo menos. herói e•semideus, realizou mais uma rilhas .
_tentativa de restauração monárquica. . . , Oude 1 porêm, ~ bu'rguesia pôde' pa~sar incólum '
O resultado era de prever, e a teimosia dos cle- o cabo tormentoso da transformação· política, qu '
ricais e rialistas talvez se eÍ<plique em parte pela limpou duma vez a máquina do Estado das sobre-
necessidade de justificar despesas e subscrições, e vivências anacró_nicas, entregando-~ de todo aos
em parte por um mal averiguado fenómeno de psi- políticos da sua . classe, onde ela ·pôde tentar tran-
cologia política, que entra tambêm na história da qüilamentt a aventura, gra~as á inexistência du m
velha agitação carlista de Espanha. · proletariado organiza.do de tendências socialistas,
o fçicto actuàl, comum a todos os povos de ci- então toda ela adere gostosamente ao regime novo
,vilização europeia, caracterizada pelo vigente regime abandonando as místicas saudades do passado aos
de produção, é que a burguesia prefere a república. palacianos e aos clericais.
E se não a proclama em todos os países, social- A contra-revolução passa dêste modo a repre -
.mente mais adiantados do que o nosso, é precisa- sentar o que há de mais odioso e antipático a toda
mente po~que teme que a vitória lhe seja arrancada as fôrças vivas, a todos os elementos activos e in -
1 das mãos pela par.t e avançada do proletariado in- fluentes das populações modernas: às classes mé-
. du$trial. E ' porque pelo menos receia que, tendo dias, que são democráticas e anticlericais por in-
·. de apelar pouco ou muito para o povo, por mais ' teresse e por sentimento ; e ao operariado industrial,
çu)dadosa e disciplinadà que seja arevolução, esta que, estfindo ainda p~r completo na fase democrá-
ultr<ipasse. os limites de antemão marcados, e surja tica ou tendendo já para o ideal do federali smo
.ame açadora e firmemente plantada a questãQ social. econó~ico, sente em aqJbos os ~asos, alêm do ódi
Nesses países, vai-se contentando com asseme- de classe, uma invencível . repugnância ~ por êsse
lhar a monarquia o mais possível à demàcracia, passado morto e putrefacto. · . '
divergindo aquela desta apenas no facto de ser he- Tendo, pois, a opinião - a opinião que conta, a
reditária ou electiva a função, toda representativa q~e tem a fôrça - do seu .lado, e tendo .. tamb êm do
229

seu lado o poder do Estado, a República nada tem .chamada dos presos suprimiu-lhe o· fidalgo «dom»~
que recear. · democratiz.ando-1)1.e .o n,ome num vulga,ríssimo doã?
E esperemos que êste último estabujamentó q'Alm,eida». O fidalgo :miguelista nfo respon.deu; e
seja a liqu.idação définitiva· da conspiração monár- à seguo.da ve~, com ar orgulhoso e a1yigo, ex~,la ­
quico-clerical e do irritante espatnalho do Couceiro. ,m,ou:
Porque, se a burguesia republicana tem empe- -Aqui I).ão há João d'Almeida; há Dom João
nho em' que cesse uma situação de boatos pertur- d'Almeida, que ~.ou eu!
badores, de descrédito e de despesas, o operariado, O oficial sorriu, encolheu os ombros e cons,en-
que começa a ocupar-se dos · ·eus interesses próprios tiu ...
não tem menor vantagem em ·ver-se livre dêsse de- Vê-se que o bom senhor é lido ni;t história da
rivativo dos seus esforços e dêsse objecto de espe- Revolução Francesa; mas veio tarde. São outros
culação política. os tempos, outro o ambiente, outro o quadro histó-
A inéómoda situação pã e·ce felizmehte que ter- rico. O sublime de então é hoj ~ grutesco. O bom
minou. çaiValeiro andante d.a Mapcha, em ép,ocas adequa-
das, H;ria sido um famoso Roldão; ,no tempo de
Cervantes, foi apenas D. Quixote, com Rocinante,
Sancho Pança e DtJ.Jcineia. Não há cómico mais
28 DE JUNHO perfeito e irresistível do que o contraste entre a
personagem e a época. Pobre D. João! ... Na Re-
A presa de maior vulto dos tribunais marciais, volução Francesa, PFante Fouguier-Tinvjlle, aiq.da
pouco atreitos, er'l.1 verdade, a complacentes bran- terias suscitado cqleras a admirações? hoj e r espon-
duras, tratando-se especialmente de rebeldes, é o derall}-te alguns sorrisos de piedade e a indiferença.
flamante e nobre oficial austríaco D. João d' Almei- . Acusado de dois crimes-rebe lião armada e as-
da, que fazia p<:!rte da coluna de Couceiro. Este .sassina to d.e um guarqa fiscal - só o primeiro lhe
nobre senhor, altamente convé11cido da imensa es- foi dado como .provado, valendo-lhe a respeitável
tupidez da plebe vil, tentou intrujar os dois sold.a- pena de seis anos de prisão maior celular, seguj-
dos de dez de degp~ dp, ;u ·na al~ernatjva, a de vinte
1

dos de cavalaria que o'fizeram prisioneiro, falando-


lhes numa «língua estrangeira» . .' . Refere-se dele anos. de degrêdo em possessão de primeira classe.
um out'ró grande gesto. O oficial, que procedia à -Não cumprirá a pen<} tocja ;. est ªA.ui está em
230 231

liberdade! · dizem alguns ' com indignada suspeita, para se alistar num exército estrangeiro, teria sido
murmuram outros com benévola piedade . c~nsiderado e insultado corno um vulgar antipa-
E é ~a verdade possível 'que, dentro 'de poucos tnota.
anos, restabelecida: sólidamente a calma e convenci~ Mas o antimilitarismo e o internacionalismo exi-
dos os contra-revolucionários, em sua maioria, da gem uma reflexão e um estudo que não veem ge-
inutilidade dos seus esforços, postas em acção cer- ralmente aos 14 anos; êsses revolucionários lutam
tas influências e pressões, seja feito generosamente sempre contra o meio e quase sempre contra as
o largó gesto de perdão . . . · ideias e tradições de família. D. João d'Almeida
Quantas outras esperanças, alêm desta, não se pelo contrário, não precisou de ideias: achou-as'
agitarão talvez no coração dêste pobre D. Quixote feitas, seguiu cegamente tradições, rezou maquinal-
miguelista! . . . mente o padre-nosso que lhe ensinaram desde o
A sua atitude no tribunal foi adequada ao seu berço ... Encerrou-se numa espécie de mundo à
orgull~o de fidalgo, à sua mentalidade arcai'ca e parte, numa tôrre vetusta e heráldica e a vida real
porven,'t ura àquelas espéranç'as. Recusou defender- foi-lhe desconhecida .. .
se, negou~ se a escolhú 'advogado: não reconheci a Naturalizado austríaco, ocupado em subir postos
o tribunal,' Portugal está: fora do direito das geri- nas tropas de Francisco José, o fidalgo miguelista
tes ... Frases que, corno a sobranceira reivindicação de Lisboa, alêm de ignorar tudo da vida social mo-
do seu «doim>, não despertam ecos indignados, nem derna, engrenagens, condições e tendências, vive
pasmo-s ºlaudativos: estão fota da moda, como o apartado do seu país, do país que o seu senil par-
seu autor e as ideias que êle representa . tido queria reconquistar. . . Se depois de um de-
Este caso não deixa · de ter interesse e de suge- sastre (queda do cavalo, creio), que o forçou a dei-
rir reflexões pouco hab.ituais. Eis aqui-um homem, xar o exército, ·e, segundo o defensor oficioso, lhe
miguelista de nascença, que, para não jurar a alterou um tanto o juízo, vem a Lisboa, é para logo
bandeira azul e branca, a da monarquia consti- se convencer de que só com Deus e a bandeira
tucional, emigra aos 14 anos. Aos catorze anós ! branca do miguelismo Portugal se levantará .. .
Exteriormente, o seu ac:.to parece o de um antimi- Tal é, em breves traços, a psicologià, a menta-
litp.rista revolucionário, de um internacionalista; e lidade de um dos principais chefes da restauração
D. João d' Almeida, se não fôsse fidalgo e ·migue- monárquica em Portugal! Não há talvez entre os
iista, se não se . tivesse expatriado precisamente contra-revolucionários, tipos tam completos como
.233

êste; mas do modêlo aproximam-se, por um lado ou De ve? em quando, l,lm jornal repub~icano lamep.t.<}
por outro, quase todos . Aproximam-se até aqueles amargamente que hafa quem mão t epide em insj-
que, tendo partido duma aldeia para o Brasil, igno- nuar que nada ou · quase nada devem . à Repú~lica.
rantes das condições das sociedades modernas, as classes proletá:rias, que tanto conéorrieram para
alheios a todo o movimento de ideias, estranhos ao -O seu advento e'para a sua implantação>J, inscinua-
j,ôgo das causas que mudam as formas políticas, -ção essa destinada «a separar da Repl)blica as sir11-
desconhec edores da situação das fôrças reais da sua 2atias do operariado.>) Assim dizia, há dias, por
«páp;ia », achavam tam fácil restabelecer o trono exemplo a República.
como foi lançà-lo por terra. Antes, nem sequer Se a· acusação parte de monarquistas, é na ver-
queriam admitir a possibilidade duma república 1dade uma grosseira e desautorizada manha de opo-
portuguesa. Após os primeiros telegramas sôbre a .s ição . Quanto a nós, n{inca tentámos despersuadir
io.surreição de outubro, não dizia no Rio, a um jor- 1o' operário de que tem sumo interesse e v~ntagem
nalista, um graúdo português, t0do seguro de si, na conservação da República, e no momento pre-
que a louca aventura seria prontamente sufocada e :sente · deveras nos regozija a vitória republicana,
que, caso triunfasse por um momento, o povo, o aliás certa e esperada, sobre a reacção ar,istrocráti-
país em pêso .logo a esniagaria? ... co-clerical.
Há mesmo pessoas, por vezes inteligentes, que, E no entanto pensamos firmemente que à , Re-
sem sair daqui, parecem contudo· viver ... na lua pública nada devem e nada podem dever ps ope-
~num mundo ideal estranho, todo de ilusões ou de rários; que estes dela nada podiam esperar directa-
preconceitos anacrónicos . mente, e que em Repúbli;:;:a é absurdo pretender a
Não falemos já dos aventur eiros e despeitados, «solução do problema social.)) Se· prefecimos a Re-
dos que no fundo não acreditam · na restauração pública à monarquia, é p'elo que ela é-e vale real-
nem esperam vitória alguma - a não ser a penna- mente, não pelo que ela ... não pode ser.-
nente e rendosa· vitória da sua finura sôbre a sim- Com efeito, a República é· uma forma política
plicidade dos seus adeptos. retintamente burguesa, destinada a defender, ga-
rantir· e al.a rgar os interesses da burguesia ; ou me-
lhor, é a verdadeira forma política "das classes médi ~s
triunfantes. Hoje potje-se dizer que, nas nações qi;!
civilização capitalista, já quase não existe a nwnar-
z33
quia. O regime monárquico constitucion al é uma blicas e monarquias constitucion ais, algumas destas
transacção entre a democracia burguesa e a forma mais até do que as primeiras; mas, salvo as van-
própria das · ristocracias passadas . tagens resultantes da prosperidad e industrial e da
Nesse regime transaccion al, trata a burguesia de acçáo incessante dos trab'alhador es, o proletariad o
neutralizar o mais possível as sobrevivênc ias aristo- nem por isso ali melhora de condição, e os seus
crático-cler icais e monárquica s, impondo a sua pre- esforços manteem-se contínuos, apesar de todas ·as
ponderânci a de classe e realizando a democracia de leis «operárias» , e· não rar~1s vezes contra elas:
facto em quanto não a realiza no aspecto .exterior. Essas reformas legais (cujos encargos recaem
Em qualquer caso, sob qualquer das modalida- totalmente sôbre o produtor salariado e que muitas
des exteriores da forma política, a burguesia do- vezes não fazem senão aumentar o funcionalism o
minante tem necessáriam ente no poder a preocu- e os impostos) quando porventura reconhecem uma
pação exclusiva dos seu_s interesses de classe. E legítima ·e persistente reclamação operária, não s'ão
quando, ou para engodar o povo trabalhador , fa- de aplicação certa e con's tante quanto ao tempo,
zendo-o servir aos seus fins, ou para mascarar a nem de vigência geral quanto ao território: ficam
sua dominação, ou para acalmar e canalizar movi- letra morta ou recebem execução onde e quando o
mentos operários, finge cuidar do problema dà mi- operariado organizado sabe e· pode impor os seus
séria e da questáo social, não é senão para apre- direitos. E' história diária e nunca desmentida .
goar, engrandece r pomposame nte anódinas reformas E depois, pbr cima de tudo, · nenhuma reforma
de superfície ou simples léis escritas, cuja primeira que respeite o vigente regime de propriedade , que
e essencial intenção é Hegulamen tar», isto é, cir- deixe subsistir o salariato e a divisão da sociedade
cunscrever, canalizar e embaraçar vantagens e di- em classes econóÍnicas, poderá ser â ccsolução do
reitos duramente conquistado s pela acção directa problema social», nem' a Classé que detêm o poder
dos interessado . económico e político se despojará a si própria ou
Que oferecem, que podem dar os regimes bur- se deixará facilmente expropriar dos seus privilé-
gueses, republicano s ou monárquico s? Leis, que gios, certos e seguros, por mais que lhe falem de
não são factos, e que, sendo factos, não alteram socialização dos meios de produzir e de reorgani-
em substância a órganiza1tão capitalista, não tocam zação da sociedade · para maior proveito de todos.
nos privilégios económicos e políticos da burguesia. O que o operariado pode esperar de melhor e
«Legislação social» teem-na, com fartura, repú- de mais positivo em sociedade burguesa, da parte
dos poder,es público~, é o respeito do seu trabalQ.o ria sempre · fatal a derrota dos grevistas, ei-los ;1
de organização e de educação, e ,a liberdade d,e empregar os meios de coacçái'J e de intimidação em
reunião, de palav1~a e de ,associação .(liberd,ade aliás todos os movimentos importantes.
bem mesquinha, pela privação dos meios ecooómi- A Repú~lica, regime burguês, defenderá sem-
cos), é o direito de greve, não sofismado por wti- pre a sua cfasse, com manha ou com energia, em
midaotes medidas militares, pela penGi de mor.te Portugal como em todos os países onde ela vigora.
aplicada . em plena praça sem julgamento, pelas E no dia em que a luta de 'classes se tornar aqui
violências desorganizadoras sob pretexto de g ran- mais intensa e insofis.mável, ela não hesitarü, se
tir 0s fura-greves, por impraticá.veis d~spqsiçÕ!=!S preciso for, em lançar mão de todos os processos da
.regulamentares. ditadura franca, contra a classe dominada e explo-
Ora isso mesmo, precisa p proletariado de ,o rada.
conquistar e de o manter pelo seu esfôrço perma- Mas, seguros disto, nem por isso nós e todos os
nente e infatigável, não bastando que o consign,e que a nossa propaganda atinge deixamos de prefe-
.l,lma ·lei. rir firme e decididamente a República, o pleno re-
Os republicanos ostent:;un, 1como concessão ma- gime das classes médias.
gna, o direito legal de greve, vedado pelo cópigo Abolida a monarquia, eliminados os resíduos
penal da monarquia. A proíbição legal não i!1fpedia aristocráticos e clericais, anacrohismos odiosos para
ept.retanto que êle fôsse exercido de facto. E se é todos os elementos vivos das sociedades modernas,
yerdade que era i:eprhnido, que faz agora a Rep · - a luta social simplifica-se, aparecem as classes nos
bl~ca tambêrn? seus terrenos próprios: a burguesia com a sua
O abalo produzido pela insurreição de ournbr.o, forma política, e o proletariado com a sua organi-
as promessas que os republicanos tinham s~do for- zação de classe e a sua salutar experiência demo-
ç,ados a fazer ao poyo 1 a ingénua ilusão popul~1.r ;de crática, valendo mil vezes a pura e simples prop.á-
maior liberda,de, a declaração ~olene do direito de ganda teórica.
greve, tudo isso, é certo, coqtribuiu para o recru- Bem sabemos que aos republicanos não agrada
descimento das gr~ves após a proclamação da Re- esta expressão brutal dum facto. Desejariam que
pt!iblica. Mas eis logo os possos republicanos aflitos, se continuasse a dizer e a pensar que a República
de m~os na cabeça, ei-los a fabricar um regula- é regime do povo e para o povo, instrumento ma-
mento «draconiano~ que, se fôsse aplicado, torna- gnífico e inesgotável de reformas eficazes, embrião
de novas sociedades, e náo apenas a máquina mais
aperfeiçoada· da denominação burguesa, . contra a
qual agem e se desenvolvem os ele~e.ntos_ P.repa-
radores e constitutivos duma repoyaçao social.
Mas o interesse do oper:ari<1do está no despeda-
Çf.r de todas as másqi.~as e hipocrisias.

DE AGOSTO

Concluiu ontem, tendo durado uma semana, o


leilão das joias da falecida D. Maria P ia de Saboia,
a avó do destronado rei D. Manuel. Dessas joias,
hqje espalhadas pelas joalhariÇ1.S de Lisboa, Madrid
e Paris, pelas máos de cortesáos ou de amantes. de
relíquias, algumas tinham feito parte da co1·beille
de noiva da faust.uosa princesa, que as pusera no
p re150 para levantar algumas d?quelas fortes somas
.q ue eram constantemente indispensá v~is à s.u~ in-
saciável voracidade de dinheiro.
Piedosa e serviçalmente, alguns dos seus fieis,
murmuram, em guisq. de desculp a, que os emprés-
timos eram levantados, saerificadas as joias, para
fins de caridade generosa ~ larga ... .Mas ·toda a
gente sabe que os gastos caritativqs da! rainqa per-
dulári a consti.tuiam \]ma ?a~ rn~no.s importantes ver-
bas das suas despesas de luxo, eram uma das ma- <lutos; é confiar a direcção da produção a uma clas-
nifestações menos dispendiosas das suas régias lar- se, que a governa no seu interesse particular; é
guezas ... A beneficência entra obrigatóriamente ·restringir o consumo pelo salariato; é produzir a
nas «despesas gerais» de todos os ricos e podero- miséria de muitos para obter o lucro e a riqueza
sos, como prémio de seguro contra as cóleras de de poucos.
baixo, e como imposto sumptuário que, à mane ira Não se produz para satisfazer as necessidades
de todos os impostos, vem a incidir sôbre os que de todos: produz-se para ganhar e para vender. O
trabalham e produzem. · . que regula
.
a produção
.
não é o consumo livre l é o
Embora vendidas em hasta pública, algumas, se- restncto poder de compra do a~salariado, privado
gundo se diz, por preço mferior à base de l icit~1 \ ão da terra e de todos os meios de produzir. Quem
ou aos lanços obtidos na primeira praça, as JOias dirige a produção não são todos os produtores-con
produziram um pouco ma is de 35 I contos em moeda sumidores: são alguns homens apenas, são os que
portuguesa. possuem as coisas e por elas as pessoas, são os que
Trezentos e ·cincoenta contos ·em joias - a preço para ganhar e especular precisam constantemente
de leilão! E por entre o povo e pelos jorn.ais, ôrcula da carestia e do assambarcamento.
o velho comentário sôbre o irrüante cont'ra ste entre E no entanto, para cómodamente alim.e ntar, ves-
a miséria e a opulência, entre os que até do indispen tir e alojar todos os homens, faltarão porventura. as
sável c'a recem e aqueles que mesmo do supérfluo terras desocupada~, as matérias primas, as m.áqui-
dispõem. Quantas famílias úteis não viveriam num nas e os materiais? Não é verdade que a miséria
ano com o produto daqueles resplandecentes mas e a desocupação aumentam justamente quando há
dispensáveis adornos dum ser parasitário e impro- «excesso de produção>)? que esta tem de parar ou
dutivo ? . . . 1 ' afrouxar a marcha, porque se produziu demais, não
.M.as· o comentário corrente .é superficial. para as necessidades reais, mas para o poder de
O grande mal do vigente modo de produção não compra do trabalhador? Náo é certo que se acon-
é dar demais· sómente a poucos: o supérfluo dessa selha e se pratica a destruição duma parte dos pr.o-
minoria, repartido entre o pobres, não daria ainda dutos, da plantação e da colheita, ou se impõem
o necessário a estes. medidas restrictivas da produção, para escassear e
O maior mal do actual regime é fundar-se préci- valorizar o restante, ao passo que as coisas destruí-
samente sôbre a carestia, sôbre a raridade dos pro- das ou restringidas faltam à maioria?
IÔ .
O vício da presente organização social é patente maquinismo, porque os braços humanos são bara-
e reside na posse exclusiva d.a terra e instrumentos. tos; porque o patrão, sendo quem dirige, não é
de trabalho por uma classe: "quem trabalha; e porque, neste regime, a produção
Mas as joias da rainha sugerem outra ordem de não pode ser aumentada indefinidamente. Mas se
considerações. O regime de propriedade individual os meios de produzir pertencessem a todos e a pro-
não impede sómente a produção abundante e a dis- dução fosse dirigida pelos próprios produtores?
tribuição equitativa: desvia as forças produtoras
para o trabalho inútil ou dispensável, quando não
nocivo, sacrificando-lhe a produção do necessário.
·Quanta há tanta miséria por êsse mundo fora,
quanto trabalho útil não é representado pelo valo- «Ü dinheiro é a mola real desta vida», diz-se;
daquelas pedrarias? ... «O dinheiro abre todas as portas», acrescenta-se.
A classe detentora das riquezas, na pesada e Tudo com êle se adquire, o pão e os livros, o ves-
complicada engrenagem política defensora dos seus tuário e o saber, as consciências e os palácios, a
privilégios e criadora de outros, na satisfação dos arte e o calçado, o prazer e os eleitores, uma mo-
seus caprichos, próprios da dominação e da ocio- bília e um noivo, o braço do operário e as carícias
sidade, na ânsia de ganhos fáceis e rápidos, na ex- das mulheres - honras, protecções, fama, amizade,
cessivamente complicada organização das trocas, tudo!
emprega a maior parte do esfôrço humano por ela E ao mesmo tempo que se proclama, com um
governado. O trabalho verdadeiramente útil e ne- terror supersticioso, a omnipotência do dinheiro
cessário cai sôbre os ombros duma minoria, con- para a conquista das riquezas, reconhece-se com a
denada a longas horas de bestial labuta. alma dilacerada que êle deixa sôbre a vida um pro-
E se aos braços desocupados e mal empregados fundo sulco de desgôsto, que êle derrama uma nó-
juntamos as máquinas, então imaginaremos quantas doa sôbre todos os prazeres e estende uma nuvem
fôrças se poderiam aplicar ao desenvolvimento da sobre todas as alegrias.
riqueza para todos e ao alívio do trabalho! Hoje, Pelo dinheiro, jovens, mortificados de desejos,
as máquinas são temidas pelos próprios trabalhado- deixam passar tristemente a mocidade, e quando
res, pois para êles são muitas vezes a desocupação. enfim conseguem apoderar-se da inebriante taça do
Os patrões tambêm favorecem muito lentamente o amor, é com uma prega ao canto da boca que a
244

levam aos lábios. Passou o tempo e veio tarde o . «O -dinheiro abre todas as portas!» E os ho-
gôzo, que só o dinheiro permite. mens precipitam -se desvairad os em sua perseguiç ão,
Quantas aspirações mortas, quantas vocações batendo-s e, ferindo-se, odiando-s e, e deixando ao
sufocadas , torcidas, desviadas , quanta obra perdida! lado, sem os ver, o amor, a paz e a alegril'.!., e dei-
Arte, sciência, filosofia: o dinheiro é o vosso ini- xando ao lado, sem a ver, a vida toda.
migo! Torna-se uma ideia fixa; praticam-s~ todas as
Com urna moeda entre os dedos, um senhor faz infâmias , explora-se , róuba-se, assassina- se, desce:.
consumir numa fadiga bestial, durante horas e horas, se ao fundo da terra, entra-se no antro da fábrica,
dezenas de seres humanos, famintos de algumas ro- executam -se todas as fainas de escravo, sempre
delas de cobre. com os olhos fixos nele. Para se conquista r isso
O dinheiro! Disseram- no destinado a facilitar que dizem ser a mola da vida, arruina-se a própria
as trocas, e êle tornou-se instrumen to de tirania: vida!
disseram- no capaz de determina r o valor e de uti- Nessa correria ofegante -atrás de quê ?-duma
lidade para a economia, e isso significou di:i~ir o mentira, é a própria vida que os seres não vêem !
trabalho em leve é pesado, agradável e fasttdwso , A seu lado estendem- se vastos campos . incultos
pobre e ignóbil, útil e inútil, e isso permitiu a acu- para o pão, erguem-se montanha s de granito para
mulação e deu-nos o avarento! Acumular , pagar, as casas, oferece-se o ferro para as máquinas ! A
pôr a juro:;, transmitir : eis o segredo da tira- natureza sensual, rica, amorosa, abre os seus
nia! braços para o homem, solicita-o, convida-o : -
«Ü dinheiro abre todas· as portas. O dinheiro «Aqui me tens! Fecunda- me! Sou tua! Serás rico,
dá-n9s tudo- a terra, o próprio céu!» E o ho~em imensame nte rico; livrar-te-e i da preocupaç ão dó
lança-se atrás do ídolo, atrás do bezerro de 01ro, dinheiro, porque no meu seio poderás sorver toda
olhos injectados de sangue, louco, cego, tropeçand o, a vida, repartida entre a sciência, a filosofia, a arte
aos encontrõe s. E uns fazem-se avarentos , posses- · e o trabalho! Ama-me. Fecunda-m e. Sou tua!»
sos da terrível loucura do «vil metal», outros, os Mas êle não ouve, não vê, não compreen de ; tam
que o tiveram sem esfôrço, ignorando as lágrimas habituado está a repetir a si próprio que o dinheiro
e o sangue com que está cunhado, põem-se a lançá- é tudo, que é com os olhos espantado s, a boca ras-
lo ao vento, num esbanjam ento de fôrças, que - gada numa expressão de pasrno, que êle te fixa, se
estranha contradiçã o- se torna útil! tu o seguras por um braço e lhe gritas :
247

-Que procuras tu ? Em que consomes a vida de ferro das suas minas. E 's imensamente rico :
estúpidamente? Comes o dinheiro ? O dinheiro porque te obstinas em viver como pobre? Abre os
veste-te? olhos para a vida que te rodeia !
Louco! conquista a natureza, e não o dinheiro. Braços abertos, lábios ardentes, olhares volu-
Dela obterás todas as riquezas; a abundância que p~uosos, a natureza oferece-se: a natureza é tua!
buscas tem-na ela a teu dispôr: porque não lha Porque não a gozas ? Porque não a fecundas ?
arrancas? A abundância dá-te paz, harmonia e
amor.
V ai com os outros homens, em livre acôrdo, à
conquista do bem-estar e de gozos ; mas não· corras
atrás duma quimera, lan.ça-te nos braços da reali- Numa «Crónica do Porto, publicada no Diário
dade: a natureza, a boa amante. Porque tens fome, ' de Notícias de 21 de julho, o sr. João Grave traça-
se ela te dá o pão ? Porque andas nu, se ela te ofe- nos o retrato dum seu amigo, real ou imaginário,
rece o linho ? Porque te fatigas tanto, porque te pessimista amargo, «adversário da riqueza)), que
extenuas, se ela tem o ferro para as tuas máqui- gasta o seu tempo a invectivar pelas esquinas, du-
nas ? Porque moras numa pocilga, se ela te dá a rante horas e horas, entre baforadas de cigarri-
pedra ? A natureza não é de poucos: é de todos. E 1has, os ricos e a riqueza, <<promotores da desor-
para que havia de ser de um impotente que a dem sociológica do nosso tempo», e a rugir contra
deixa estéril, se o seu seio fecundado pode a to- as desigualdades e iniquidades da fortuna, que são,
dos dar vida? Vai arrancá-la aos que a monopoli- no seu dizer, «Obscenidades do destino».
zam! Tal como nos é descrito, êste pessimista supers-
Louco: livra-te da tirania do dinheir:o e de ticioso é um vulgar descontente com as cruezas da
quem a impõe. A mola da vida não é o dinheiro: «sorte)), sem critério renovador nem doutrina social
hoje a vida está mal assente, e daí o desequilíbrio. alguma. Pois é nele que o escritor parece quere.r
Deve assentar sôbre o trabalho, que é o beijo que combater o socialismo !
tu dás à natureza para a fecundar, ~ que não é essa Para isso, começa por aproximar os desabafos
pena de escravo que o dinheiro te causa, gerando do infeliz da doutrina de renúncia do cristianismo·
o ódio. E a natureza ajud.a-te na tarefa com as fôr- primitivo. E ei-lo bravamente a desfazer ness a ne-
ças do raio e do vapor, com os milhões de braços fasta teoria de morte de que o socialismo - seja
/

c~ual for a sua modalidade ,económi~~' comunis~10 Não poderia esta -passagem ser firmada por um
ou colectivismo, ou o seu metodo pohtteo, anarquis- so_cialista libertário ?
mo ou democratismo -- é a negação mais categórica Ah! sim, com efeito, o mal-estar e a desordem
e mais completa. actuais derivam de urn facto económico : da miséria.-
Os de sabafos do pessimista e a renúncia cristã, Não é porque hei ricos e riquezas que se tem o es-
que o cronista julga formarem a. essência das rei- pectáculo dol oroso de tantos male s remediáveis : é
v·indicações modernas das <c classes produtoras e ex- porque há pobres, e é porque há exp loradores e
ploradas», com que argumentos os critica ele? Com explorados, parasitas e produtores .
a rgumentos socialistas! ... Caso alegre, i1ão é ver- E ' porque os ricos, detendo a terra e os instru-
dade ? Assim, escreve : m entos d .:! trabalho, teem a:;sim os meios de ex-
«P orque a vent•Jra do homem anda, desde as plorar e dominar, de escravizar a grande maioria;
mais remotas idades, íntimamente ligada à sua li- é porque os pobres, privados dos meios de produ-
berd ade- mas, não a liberdade expressa nas legis- zir-não só dos que são obra da natureza, como o
lações. Para ser feliz, o homem carece de ser livre :Solo, mas tambêrn. dos que são obra c9lectiva e in-
de leis, de regimes, de admirações, de convencio- divisível das gerações, como as máquinas - estão
nalismos. Precisa, enfim, de ser independente, não por isso <c dependentes» da minoria de monopoliza-
se vendo obrigado a recor:er ao auxílio de ninguêm dores da vasta riqueza social.
- indivíduo ou corporação - para ganhar a sua sub- E' ainda porque essa riqu eza social é restrin-
sist~ncia, le vantando a fronte com altivez, não se gida, diminuida, embaraçada pelo regime de pro-
vergando a cultos de qualquer espécie, não adulando dução capitalista- produção regulad à por uma classe
quem quer que seja, reagindo contínuamente contra em seu proveíto exclusivo, determinada, não pelas
todas as dependências, não se submetendo a deter- re ais necess idades de todos, mas pelas limitadas
minadas imposições, afirmando incessantemente o possibilidades de compra do salariado, dirigida no
séu carácter, o seu modo de pensar, as suas ideias, sentido, não de satisfazer os consumidores, mas de
sem procurar colori-las ou des figura-las no intuito enriquecer os detentores, cujo interesse está preci-
de captar· as simpatias dos dominadores. Ora, esta samente na falta e na carestia, na rarefacção e no
esplêndida independência só a riqueza lha dará . A assambarcamento, na abundância de braços desocu-
infelicidade, o tumulto, a desordem actuais derivam, pados e de estômagos famintos, de terrenos incul-
portanto, de um facto económico.» os e de müquinas inactivas.
2So

E' em suma porque a actual organi zação da so- «Ü colectivismo quer desapo ssar o homem de
ciedad e é absolutarnente incapa z de fazer aprovei- toda a proprie dade para fazer brilhar na terra a
tar a todos a riqueza que é obra de todos os vi vos luz da equidade sem névoas. Ilusão, que apenas le-
e heranç a indestr inçáve l das geraçõ es passad as, é vará para uma confusão e para um sobres salto so-
impote nte para desenv olver êsse precios o patrim ó- cial incomp arávelm en!e maior do que o existen te.
nio comum , propor cionan do-o ao númer o e às ne- A ânsia da fortuna activa maravi lhosam ente o pro-
cessida des das populações. gresso da human idade, estin1ula as iniciativas, cria
E é precisa mente porque querem os a liberda de, os famosos arrojas . O que é indispensável para a
não legal, mas expres sa em possibilidades mate- concór dia human a é descob rir a maneir a de tornar
riais ; é porque querem os o homem indepe ndente toda a gente propri etária. A fórmula é esta :- En-
de facto sem necess idade de vender os braços a riquece i e vivereis conten tes e satisfeitos no El-
' . .
um patrão e de se sujeita r às leis duma mmon a; Dorad o de que falava o sarcást ico Voltair e !»
é porque preten demos que ninguê m, p:la. co~cção Não, não é o socialismo que preten de tirar ao
directa da violência física ou pela pressa o mdirec ta homem a propri edade: é pelo contrár io o indivi:
da fome tenha de se fazer escrav o, e ninguê m possa dualism o burguê s que dela priva de facto a enorm e
'
subtrai r-se à obriga ção natura l do trabalh o, e, por- maiori a dos seres human os. O socialismo quer res-
que aspiram os a essa liberda de, a essa indepe n- titui-la a todos, para os tornar · livres e indepe n-
dência , a essa riquez a para todos, que nós quer~­ dentes .
mos arranc ar a uma classe o monstr uoso e moru- E onde está o estímulo para o trabalh o nos
fero monopólio da fôrça económica e da fôrça ociosos que podem viver do suor alheio e nos des-
olítica socializando os bens, isto é, restitu indo a graçad os que moirej am de sol a sol, bestial mente,
P ' .
cada um o direito de usar livrem ente dos meios de no inferno sem espera nça do salaria to? Quem pode
produç ão, e deixando à consciência das inelutáv~is enriqu ecer, salvo raríssi mos trabalh adores , que
necess idades natura is e ao livre acôrdo entre sóc!os conseg uem evadir-se do salaria to, fazendo-se a seu
iguais, entre os compr oprietá rios ?e tudo.' a orga- turno explor adores e parasi tas?
nizaçã o da produç ão e de toda a vida social. E ' preciso «descobrir a manei ra de tornar toda
Naque la passag em estamo s, pois, de acôrdo com a gente proprie tária» ? Perfeit amente ! E' o nosso
o sr. João Grave, que logo em seguida escrev e, escopo ! Mas como ating i-lo?
porêm : Dividindo a riqueza social em quinhões iguais? ...
' :~

Seria impossível a avaliação; e ainda quando pos- as forças produtivas hoje desdenhadas - braç11'
sível fôsse, em breve voltariam a desigualdade e a desocupados ou mal ocupados, parasitas, improdt 1
miséria. Mas admitamos por hipótese todos ricos tivos, terras incultas, máquinas inactivas, mat~ri:t!-.
dêssc modo. Não havendo salariados nem pobre?, .primas, materiais de construção, fôrças na turai s
todos teriam de trabalhar ... Como? Como se or- inaplicadas, progressos · da técnica, de scobert ·ts
ganizaria a produção? Para não «recorrer ao au- scientíficas - e promovamos a abund<:l.ncia 'para to
xilio de ninguêm, indivíduo ou corporação», traba- dos e para todos o trabalho breve e ameno. Consl1
lharia cada um para si, ou iria quando muito até às ruamos a sociedade pela forma m ais livre e maleü
·t rocas individLiais ? Mas era então o regresso à in- vel, da unidade para a colectividade, sob o impulsu
dústria primitiva, tam escassa de produtos e tam das necessidades naturais e pelo jôgo das afinida
pródiga de canseiras, era a pobreza, era a sujeição des, o indivíduo autóno;no no grupo, o grupo na
a um trabalho material exaustivo e absorvente, era federa ção. Não teria assim o indivíduo a maior
a pior das dependências ... soma de independência?
Não: a liberdade, a independência só existe na A independência material aumenta com a soli -
inter-dependência e na solidariadade entre iguais. dariedad e. Na sociedade actual, dividida em classes,
Só e~iste na equivalência das funções igualmente há dependênci a e subordinação de esc ravos. Numa
necessárias à vida social. Só existe no socialismo organização socialista livre, de propriedade comum
e no trabalho associado,- com a sua indispensáYel e trabalho assoc iado, teria cada um cada vez mais
garantia da liberdade individual que é para cada garantida todas as vantagens da civilização. O
um o direito, em todos os casos, ao uso gratuitO próprio trabalho associado evoluiria no sentido da
dos instrumentos de trabalho, a ter nos grupos maior elasticidade, do menor núm ero de vontades
produtores entrada e saída francas. a congregar, da m3.ior individualização- pela cres-
Façamos todos os homens donos de tudo. Or- cente abundüncia e generalização da fôrça motriz
ganizemos a produção tendo em vista as necessi- e pelos progressos gerais da técnica.
dades reais de todos; produzamos não para a venda Outra independência não há. Onde todos são in-
mas para o consumo. Façamos as trocas sem si- terdependentes e solidários, ninguêm depende de
nal de câmbio, isto é, sem o dinheiro a falseà-las, outrem. Onde a riquezá é de todos, ninguêm é po-
sem valores de fücil acumulação, meio de explora- bre e servo.
~ão, de parasitismo e de furto. Aproveitemos todas O único meio, pois, de tornar todos ricos é so-
cializar a riqueza. A maneira única d: fazer toda
a gente proprietária é restituir à comun.idade. a pro-
ri.edade do solo e dos meios de produztr. A imensa
p . . i·
maioria está privada de propriedade: o socia ~smo
pretende que lhe seja restituida, e com ela a libe~­
dade, não legal, mas de fact~, expressa em reali-
dades e possibilidades económicas.
XIV

8 DE AGOSTO

A À111'ora foi querelada por dois inócuos arti-


gos, em virtude da lei contra os antimilitaristas,
que pune com multa e prisão quem aconselhar,
instigar ou provocar o não cumprimento dos «de-
veres militares» ou a prática de actos atentatórios
da dignidade e independência da «Pátria», embora
tais conselhos não sejam seguidos de efeito.
E' pois o «delito de pensar» que se pune, como
no tempo da Inquisição, àparte os meios de repres-
são que o progresso dos tempos suavizou. Sempre
que se limita e define a liberdade de pensamento,
· é criado aquele delito que ingénuos poderiam supor
extinto. O critério autoritário é o mesmo hoje e
sempre. Quem define a liberdade? A autoridade,
juiz e parte. Ela diz ao «cidadão)) : «Tu és livre de
pensar como eu penso». ·
256

Hoje falta um grande par~ido de oposiçã_o, como


eleger os amos: 'os outros direitos tem-no qualquer
era na monarquia o republicano; e por isso, cm
estrangeiro em nossa <cpátrian, qualquer emigrante
quanto se não puder criar uma n?va opinião, desta
nosso em <cpátria>J alheia. Pois bem: aos maus ci-.
vez verdadeiramente popular, an9burguesa, bastará
dadãos, que ousam pôr em dúvida os «deveres mi-
à classe dirigente afirmar que a democracia é a
litares e patrióticos>i cortem-se implacáve lmente
liberdade e chamar Pütria ao Estado, falar ao povo
esses direitos correspondentes. Não sejam eleitores
em nome da Pátria e da democracia, apodar de
nem elegíveis. Excluam-se afrontosarnente do exér-
ta/assas e cúmplices da reacção os inimigos de
cito . Negue-se mesmo a êsses indivíduos o quali-
classe, para obter a aprovação ou a · indiferença ficativo de cidadãos.
ante as suas medidas repressivas . 1
A cada direito corresponde um dever: qu erp
A burguesia republic~na pode pois abu5ar da
recusa cumprir este, deve ser impiedosamente pri-
sua fôrca momentânea e apressar, por contragolpe,
vado daquele. E' de justiça - e é bastante.
a form~ção da opinião nova, que não se lembrai á
sequer dum passado bem morto, mas apoi_arú a
man:ha para a frente . E abusar sem n_ecess1dade,
como no caso em discu ss ão. Que intensidade tinha,
Não é raro ouvir dizer, especi alrnente em perío-
com efeito a pronaaanda antimilitarista num país
, t :::> d" - do de oposição republicana, que a democraci a é
de movimento operário incipiente e d e con 1çoes
pacífica e inimiga de armamentos; mas a verdade
políticas tais que a questão não assume ~ ur~ência
é que, não sendo antimilitarista nem antiguerreira
e a importância qu~ tem nos grandes paises mdus-
a burguesia, não o pode ser tampouco a sua mais
triais e militaristàs? Mas é preciso macaquear a lídima e pura forma política.
gente grande. . . . . . Nos grandes países, industrialmente desenvol vi-
Ao menos, por or1gmalidade e em homenagem
dos, há um poderoso partido favorável às conqui s-
ao famoso bom-senso português, cominassem penas
tas dos mercados, às expedições coloniais e às guer-
adequadas ao grande e horrível crime de_ le~a-pát_ri~.
ras para esmagamento de ri vais e concorrentes ; e
Que dá a <cPátria» aos cidadãos? ?s d1re1tos, 1Ji:i1-
em todos os Estados, grandes ou pequenos, a bur-
ta,díssimos na prática, de ser eleito ou escol~1do
guesia, que chama «Pátria» ao seu património bu-
para as Junções directivas do Estado ~ de viver
rocrático e financeiro, à expressão política dos seus
pinguemente do erário público; e o mais geral de
interesses económicos, trata de exaltar o sentimento

17
238 259

popular para a defesa desse patrimó.1io e ga ranti a «sociedade civi l,, se aband ona incondi-iona lmente,
dêsses interesses. Em todos êles igualmente se cria nos momentos de pânico e de perigo, s">bretudo
um a forte coli gação de grupo s directarnente inte- di ante das classes exploradas em revolta.
ressados nos a rm amentos, na multiplicação de ba- Para nós, porêm, o militarismo é a própria exis-
talhõ es, nó desenvo h;imento do militarismo. tênci a da fôrça armada -- instrumento !e defesa
Em face di sto, que há-de se r o Est<.:do senão capitalista e de repressão governarne11111 I; ~ a mis-
militarista, tanto mais profundamente quanto mais são que essa classe exerce, o parasi 1is1110 que ela
directamente emanar da burguesia? Assim, nos Es- representa, o dispêndio de entrgias i111 produtivas
tados, onde há sobrevivências monürquico-aristo- que ela provoca, a resi stência impmgrL·ssiva dos
cráticas e um predomínio clerical, e onde o exé r- interesses que. ela cria, a ameaça parn todas as
cito pode até representar um perigo imediato pa ra lib erdades que ela estabelece, o espiri to de autori-
as instituições, traduzindo em factos as aspirações dade e de obediência passiva que el;1 lorma e pro-
d as democráticas classes médias, opera-se ami ude paga, o partido militarista e guerreiro 1ue ela ne-
um a mudança políti ca em que, com o triunfo da cessáriamente promove e desenv 1v · o partido
democracia, o cl ericali smo, principa l apoi0 das ins- dos militares profissionais, orgulhosos da sua fun-
tituições destruídas, cede o lugar ao militarismo, ção e ávidos de promoções, dos jm l'lls burgueses
inst rumento e base das institui ções vito 1·iosas, tro- aspi rantes à carreira militar, dos · 1iortadores e
cando-se o culto de Jesus Cri sto e da cruz pelo funcionários .coloniais, dos beneficiados das indús-
culto da «Pátria» e da band eira, fazendo-se do na- trias militares, dos fornecedores do •\ército e da
cionalismo burguês a condição essencial do ressu r- marinha, do comércio das pequenas localidades
gimento do Estado. possuidoras ou d.ese josas de um quurtel e até dos
O que a burgue sia liberal e democrá tic a entende operários empregados nesses ramos 1 · produção e
afinal por militarismo e às vezes comb ate corno tal d e troca. E' certo que o element 1 ro ll.! tário, pene-
é apenas a subordinação da sua burocracia e dos trando nas indústrias de guerra • compondo a
se us políticos às classes armadas, no govêrno da massa da fôrça armada, pode acuha r por se recor-
nação, é o predomínio da burocracia militar, que dar da sua origem e dos seus int ·rcsses de classe
deve se r únicamente, nas suas mãos, um instru- e constituir um perigo para a d 111i11ação burgue sa,
mento cego e obediente, uma guarda de segurança dentro da própria praça; mas i · · ~ aque la r egra -
e de confiança, em cujos braços, sem embargo, a que as instituições trazem em s i ge rme da sua
260 .

próp ria mor te, e cont ra êsse g.erme luta


.º mili'.a-
rism o, luta o Esta do com o maio r dese sper IJ DE AGO STO
o e \'JO-
lênc ia.
Mes mo com pree ndid o na acep ção restr icta Con tinua m os actos de intol erân cia sect
que ária a
\he dá o simp les dem ocra ta, o mili taris prop ósito do ((hino nacional», cont ra os
mo resu lta incr édul os
.i nevi táve lmel men ta da exist ênci a e alarg que não possuern a bossa do resp eito feitic
ame nto do ista por
órgã o mili tar do Esta do. ídolo s e por símbolos.
Se, com efeito, o exér cito se desenvolv e, "No temp o da mon arqu ia, havia num eros
.com ü os repu -
quer eis que êle não pred omin e·? C?mo quer blicanos que faziam gala de ente rrar aind
eis que a mais na
êle aum enta da a sua fôrça, se resig ne ao cabe ça o chap éu ao som do desc onsi dera
papel de do «hino
sin~ples instr ume nto man eáve l? Não é t.:nd ênci da Carta)) - e o irrev eren te gesto não lhes
era re-
a leva do, ao menos nos cent ros populosos,
cons tante de cada insti tuiçã o dete ntor a de por debi -
forç a e de lidad e de convicções ou impo tênc ia dos adve
influência o alarg ame nto das suas atrib ui rsári os.
ções e do
seu pode r? Não estão emp enha dos no cont H ouve mesm o uma ocasião em que foi ditir
í~~o de- bica rnen te cant ado o «chapéu do sr. Afon
âm-
senv olvim ento do mili taris mo e do seu so Cost a»,
espm to os a prop ósito dum. sara u de S. Carl os,
pode roso s inter esse s que êle gera ?. dura nte o
. qual, em pres ença das maje stad es, os acor
Tal é a teori a liber al; tal deve na ser a dout des ofi-
nna ciai s do E stad o mon árqu ico não tiver am
da dem ocra cia reali zada ; mas a dem oçra o cond ão
cia é um orfei co de fazer ergu er do asse nto e do
instr ume nto político de ·classe, não a expr coiro ca-
essão dos
inter esse s e liber dade s gera is. Na prát ica, belu do o trase iro irrev eren te e o irrev eren
dem ocra - te pena nte
cia e mili taris mo casa m-se perf eitam ente do pop ular caudilho dem ocrá tico.
. E e em
teor ia se desc obre uma irred utíve l opos A respeito das proc issõe s e das pass eata s
ição entr e públ i-
os dois term os é simp lesm ente -ou porq cas do «santíssimo sacramento)), a atitude
ue se dá da maio -
ao militar.ismo um senti do extre mam ente ria dos repu blica nos era idên tica; e não
ténu e e cess ava o
inco lor, ou ' porq ue à dem ocra cia se emp prot e sto, pelo facto e pela pala vra, cont
resta , no ra a hum i-
mun do idea l, uma significação que ela não lhan te e insofrível impo sição dum resp eito
tem na não sen-
reali dade . tido . Es tcí na mem ória de todos o acto do
dr. Ale-
xand re Brag a, que se cons ervo u cobe rto à
pass agem
de um qual quer símbolo re)igioso e sofre
u por isso
dissa bore s.
Pois bem: os republicanos defendem agora a aquele raciocínio, o direito de e-..:1g1r que todos
mesma intolerância, com os mesmos sofismas e pusessem a chapéu e .ninguém manifestasse um ir-
ainda maior número de sopapos. ritante respeito por ídolos grutescos e símbolos
Aos monarquistas dizem êles que os símbolos deres ta dos.
da República triunfante o são igualmente da «Pá- Mas embora os repub licanos tenham teórica-
tria», e ao menos como tais devem ser respeitados mente razão, o seu direito (não digo a sua fôrça)
por todos os patriotas . Mas esquecem-se de que limita-se a demonstrar essa razão, não a impô-1a
símbolos oficiais da «Pátria» (isto é, do Estado) pela violé~ci a, como todos os fanáticos e -intole-
eram tambêm os da monarquia, como recentemente rantes.
foi reconhecido pelos republicanos, acolhendo o re- Aos monarquistas teem de demonstrar por actos
publicano espanhol D. Rodrigo Soriano . com a e palavras, com a ajuda eficaz do tempo, que a re-
Marcha Rial de Espanha e saüdando respeitosa- pública é superior à monarquia e está sempre iden-
mente a música ria lista como hino duma naç5o; e tificada com a «pátria».
no entanto êsses mesmos republicanos, sob a ria- Aos revolucionários sociais, homens não do pas-
leza, até em solenidades internacionais se conser- sado, mas do futuro, teem de demonstrar- tarefa
vavam cobertos e sentados, quando ao som do em verdade, bem mais difícil-que o Estado equi-'
«hino da Carta» se erguiam monarquistas e estran- vale a Pátria e que esta pertence a todos, a todos
geiros. dá iguais direitos e vantagens e de todos merece
Aos internacionalistas e a todos dizem êles que iguais de\'eres e sacrifícios. Depois disto, ainda lhes
o irrespeito pelo hino e pela bandeira é uma pro- restaria provar a necessidade de símbolos patrióti-
vocação e uma ofensa às ideias e à liberdade alheias cos e dum culto externo em honra dos mesmos
e que deve retirar-se quem não quer prestar o culto símbolos.
exigido pelos outros. Mas esquecem- e de que eram Esse direito lhes cabe, aos republicanos, corno
êsses precisamente os míseros argumentos dos ca- lhes cabe o de defesa pelas armas, quando pelas
tólicos e monarqu istas. Esquecem-se do que então armas são atacados; mas nunca, em caso algum,
triunfantemente responderam: que a rua é lugar lhes pertence o da imposição violenta de ideias de
.
sentimentos ou de gestos.
'
público, que em tal caso as procissões eram igual-
mente uma provocação aos sentimentas liberais e K alêm de tudo, qual é o resultado de tal im-
que os republicanos e livres pensadores teriam·, por posição?
265
Dêsse mod o, os repub licanos apenas fomentarão
[ DE SETL\IBRO
nos rebeldes a revolta e a irritação, e nos incj.ife-
rentes, nos fr acos e nos submissos a hipocrisia, a
di ss imulação· e a cobardia de espírito; para siga- Em qu§lnto se reclarn.am couraçados e canhões,
nharão sómente o descrédito que recai sobre todas continua por outro lado o barulho em tôrno dos
as espécies de intolerante e violentos . Há livres aeroplanos, que em breve teremos por ai a ade-
pensadores que, preza ndo sobretudo o aposto lado jar.. . e a quebrar as asas em terra . Os aeropla-
da s suas ideias, desejando-as largamente difundidas nos, com efeito, prestam-se maravilhosam ente a
pelas massas e n"ã o querendo irritar os sentimentos . êste ruido reclamista: oferecer um navio era em-
primitivos e obscuros dos crentes nem inutilizar de · presa árdua e, entre nós, qua se impossível. O ae-
antemão a ua própria obra de propaganda, se su- roplano es tá mais ao alcance das bolsas dos ricaços
jeitam em c~rtos casos a algumas rnanife~ tações benem éritos e das subscrições dos jornais. E ' facil,
exteriores de re speito por um cu lto. Mas quererão elegante, moderno e ruidoso . Que a sua utilidade
os republicanos, que se intitulam liberai s, merecer militar seja discutível, que esteja ainda por demons-
essa mes rna piedade de médico pelo retardatá- trar o seu valor, que sejam diürios os desastres da
rio ? . . .
aviação, isso não importa aos egrégios patrioteiros
Com a violênci a e a imposição do seu culto, que não tencionam perder-se pelas nuvens . ..
nem sequer ficarão a conhecer os seus verdadeiros Se fosse m por diante os projectos grandiosos
e mais perigosos inimigos: ~bedecer-Jhes-~ío os dé- do s nossos guerreiros de gabinete, a República,
beis de espírito, as indiferentes, os hipócritas, os que prometia o desenvolvimen to da riqueza nacio-
di ssinmlados e os que teem que esconder e disfar- nal e da in~trução, traria o aumento ruinoso dos
çar; n·ío lhes obedecerão as almas rebe ldes e alti- encargos militares, das despesas improdutivas '.
vas, os smceros e corajosos, os que nada precisam E quando essas <":les.iesas im;i ro::lu tivas» se
de encobrir. tornassem (<produt ivas» para um nú.ne:o c.-: scer.te
de interessados, quando do militarismo vivessem
poderosas corporações e numerosos indivíduos,
quando cm tôrno do famoso lübaro do si vis pacem
para bellwn se formasse uma inYencível coiiaacão
b '
de interesses, um g rande .e insaciü\·cl partido em-
266

penhado no constante aumento dos armamentos e Uma guerra afim de impor um regime político
até na promoção d guerras e expedições (prepara noutro país civilizado seria hoje para qualquer go·
a guerra, se qeeres a paz ... ), então seri~1 impossí- vêrno um grosso problema e uma terrível aventura.
vel voltar atrás-- a não ser pela revoluçao. Nenhum deles está seguro em sua própria casa -e
E para quê? Pode porventura êste pobre e pe- a Espanha menos que qualquer outra monarquia ...
queno país garantir-se suficientemente contra uma Para conquista? A aventura seria perigosa pelos
potência, mesmo de segunda ~rdem, e contra as mesmos motivos e, embora tivesse êxito, não seria
combinações diplomático-financem1s dos podero ·os? compensadora. Um país bárbaro, como a Argélia,
Se não lhe faltas se gente, aonde iria buscar o di- a Tunísia, a Tripolitânia e Marrocos, onde não está
nheiro, que é o principal nervo da guerra e da paz constituída a propriedade, é na verdade co11quis-
armada? tado: as tríbus são despojadas das suas melhores
Mesmo para aqueles que entendem que um país terras, são rechaçadas para as charnecas e areias
se deve armar, deve estar em primeiro lugar a estéreis e a administração política e fi nanceira passa
criação de riquezas, o desenvolvimento das indús- toda para as mãos dos conquistadores, que impõem
tri as e da instrução. Sem isso, as despesas irnpro- aos vencidos os seus produtos e exploram as ri-
dutivas são ruinosas e insuportáveis. Seria ne.ces- quezas mineiras, agrícolas e industriais da colónia,
sário pedir milhares de contos, sobrecarregar ainda sujeitando os naturais a vexatórios impostos e a um
mais o contribuinte, embaraçar ainda mais as ané- trabalho duro e mal retribuído. Leiam os belos li-
micas indústrias, intensificar a emigração, ir de vros de Vigné d'Octon. Tal não sucederia com a
encontro ao que se pretende evitar - a perda total anexação dum país moderno: a sua indústria, quan-
da autonomia política, pela bancarrota e pela ad- to mais desenvolvida estivesse, maior concorrência
ministração tstrangeira, franca e declarada (porque iria fazer à do país anexador, para a qual as fron-
encoberta já ela existe nos países pobres e sem fi- teiras são um muro de protecção; seria respeitada
nanças). Seria o suicídio, sob o pretexto de defesa. a propriedade, bem como os direitos políticos j res-
· O progresso industrial, o aumento do poder peitada a burocracia; os políticos teriam diante de
económico seria, aliás, de per si, o melhor res- si aberta a mesma carreira ... como o general Bo-
guardo contra qualquer veleidade estrangei'.a d.e tha do Transvaal ; tudo enfim ficaria mais ou me-
conquista, de imposição de regime ou de f1scal1- nos na mesma, salvo p:ira o vencedor o aumento das
zação. despes as militares e das complicações internas e
para todos" vencedores e vencidos, os males da quisera estar seguro do pão de cada di a e ser \'e 1-d~< ­
guerra . .. deiram ente livre e independ ente, livre do im pos to
E es tes seria m sobretudo para os trab alhadores. yu e o esm aga, independ ente do arno que o explora,
P orque os pobres, fican do semp re pobres em caso sem a ameaça de guerras causadas por interesses
de derrota ou de vitória, de independência do Es- que não são bs se us, sem que lhe viessem roubar
tado ou de anexação, tendo em todos os casos de os filhos mais. robustos para defes a do que não tem ,
, . .
ganhar um magro salürio em troca dum trabalho sem que a m1sena o obrigasse a emigrar, como um
duro, de lutar contra os patrões e o govêrno . para sem-pütria ... Aquilo a que · o burguês chama Pü-
melhorar a sua so rte e de emigrar para o estran- tria é, sem tirar nem pôr, o Estado, isto é, o con-
geiro se na pütria não encontram seq uer quem os junto das instituições autoritárias -económicas e
explore, os pobres com o que perdem semp re, políticas - da oligarquia domin ante, o territóri o de
venci dos ou vencedores, é com a guerra. Este é q ue limites conv encionais e variáveis, sôbre o qual se
é o verdadeiro mal que êles devem evi tar e contr a exerce o domínio político e económico dessa ol iaar-
o qual tratam de fo rj ar armas os mais conscientes, guia. º
os que pretendem ver os operürios combater, não E_is porque Carlos Marx proclamou que «o pro-
os inrníos de alêm-fro nteiras, para defesa de interes- l~táno não tem pátria>>, isto é, que para o assa la-
ses alhe ios, mas a exp loração económica e a opres- nado pobre a independência nacional não é a
são política de que são vítimas. independênci a económica e política.
E dessa ameaça de revolução contra a gue rra, Sim, o proletürio am a o torrão natal o luaar
' o
não deve ri am lamentar-se agora as pequenas na- onde cresceu, brincou, amou. Mas qu e tem m ie ver
ções, que ·nisso teem um a das melhores garantias êsse amor natural, espontâneo, voluntário, 'com o
de paz ... «patriotismo » político que os seus governantes e
* exploradores lhe pretendem impingir pela força e
pelo embuste ?
Para os burgueses, cujos in ~e r esses aliüs são in- . Porque há-de ser solidário sómente com os que
ternaci ona is, a «Pátria)) não é o mesmo que para vrvem dentro da mesma convencional e transitória
o povo trabalhador, sob retudo o das campos: para fronteira, em lugares diversos e para êle desconhe-
êste, que ignora fronteiras, geog rafias e políticas, cidos, muitas vezes com hábitos, caractere s, tradi-
a pátria é o torrão amado, onde êle, ai! tanto, tanto ções e dialectos diferentes, e não o há-de ser com
os outros homens, como o galego com o catalão, o produto res ; para conquistar para todos a posse da
bretão com o prove nçal, o genebrês com o su!ço terra, a liberdade de viver no seu lar e no seu
alemão, o escocês com o inglês, sobretudo nesta torrão, com os seus hábitos e o se u modo de ser,
época de com unicações rap idíss imas, de trocas in- sem peias nem senhores, sem ei'nigração forçada,-
cessan tes, de civilização difusa, de emmaranhados para conquistar enfim a verdadeira independência
interesses intern ac ion ais? económi ca e política de cada um.
Ain da se êle conquistasse a pátria ... pa ra ter
que defender! Antes disso, o ~s tado, isto é, .ª
pátri a oficial burguesa, contradiz e mata a pátria
. natural. 3o DE S ETEMeRo
Despojado de tudo pelo proprietário, suje ito ª?
patrão pela privação dos meios de produ zir, op ri- A imprensa burguesa ocupou-se bastante, en tre
mido e espoli ado pelo Estado, com os se us gua rda s, nós, da «conversão)) de Hervé, falando dêste as-
os seus im postos, o se u tributo de sangue, o prole- sunto como um cego de nasce nça fala de côres.
tário não vive livre e independente na sua «pátria )) , A verdade é que não houve própriamente uma
não possui nela eira nem beira e vê-se ami ude con'(ersão, mas sim na fras e do mesmo Hervé,
obri aado a abandona-la, a abandona r os eus, a uma simples «rectificação de tiro )) .
abai~donar o lar, com o coração dila cerado, em Herv é foi sempre um adepto convicto da «con-
busca de melhor salário. Que a fronteira se es tenda qu_ista dos poderes públicOSJ> e do socialismo de-
ou se es treite, para o proletário o torrão natal será mocrático, isto é, do socialismo realizado e m anti-
sempre o mesmo e nele serão se mpre as mesmas do p elo Estado, organizado de cima para baixo.
as suas condicões de vida. A êste fim corresponde naturalmente um método,
O proletá,rio tem uma solidaried~de especial; uma tática; a organização de um partido político
alêm da solidari edade hum ana; mas e de classe , e parlamentar e centralizado, que faça como todos os
intern acion al, é com todos os oprimidos e explora,- partidos democráticos e lute no mesmo terreno
dos contra todos os governantes e proprietários. E sendo-lhe subordinada a acção das massas, des~ina-'
a solidariedade ne cessária para abolir as classes, das a dar-lhe fôrça e p~e·stígio e a iça-lo ao poder.
as fronteir~s e os govêrnos ; para form ar a federa- Ante, porêm, o triste espectáculo da degenera-
ção, não de províncias e de Estados, mas de grupos ção do partido socialista-democrático, absorvido
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pelas suas preocupações eleito rais e conquistado entusiastas que, revolucioná ri os por temperamento,
pel a política parlamentar, Hervé, dot ado de tempe- sofrem a ascendência moral e intelectual de Hervé
ram ento fngoso, lançou-se irreftectidamente no an- (é êst~ que modestamente o declara) e seguem e1~­
tiparlamentari smo, no insurreccionalismo e na exa l- bevec1dos velhas teorias expostas com brilho novo,
tação da acção directa, procurà ndo arrastar a pe- não tendo sido retidos entre os a·n arquistas por
sada máquina partidcíria. uma organização suficiente e uma propaganda bem
E como di spõe de uma g rande habilidade jor- clara e metódica .
nalística e de um talento de polemista vigoroso, Rectificando o tiro, Hervé acha agora que exa-
Hervé foi grandemente escutado, porque em França gerou o seu antiparlamentarismo; que ofendeu o
se estava far to de cozinha e le itoral e parlamentar e pa~tido, magoando os parlamentares ; que o partido
tambêm de pesadas divagações teóricas ... eleitoral pseudo-socialista, corruptor do socialismo
Que era de espe rar desta atitude? é ... o socialismo em pessoa; que a C. G. T. dev~
E ra razoável es perar - e muitos esperaram -- · estreitar com êle uma aliança .. .
que, se ndo o m étod o de acçáo o que mai s separa e Quanto ao antipatriotismo, o que deu origem ao
distingue os partidos, conduzindo cada táti ca, cada boato do seu arrependimento é a seguinte passa-
caminho seguido, a uma meta por vezes impre\'ista gem do prefácio de Mes crimes: «Esta palavra
para o próprio caminhante, Hervé viesse a aba n- antipatn'ota é falsa no sentido absoluto, pois se
don a r o seu partido e a aproximar-se dos anarqu is- co_nseguís:emo_s fazer triunfar entre nós uma Repú-
tas, tanto mais que. m ostrava por êles a cada pa ·so blICa wcial digna de ser defendida e verdadeira-
a sua si mpati a, cercando-se de alguns deles, j ov~ns mente , superior às pátrias vizinhas, ainda mantiqas
e combativos . sob o jugo capitalista, nós seríamos os seus defen-
E era tambêm razoáve l esperar que, reparando sores mais ardentes e os mais fogosos dos patrio-
a tempo na direcção errada, que não o conduzia ao tas>>.
se u socialismo estarista, mas à ruina do Estado e E Hervé esclarece no seu jornal (La Guerre
do seu partido, «rectificasse o tiro », isto é, voltasse Sociale, 24 a 3o de julho) : «Nunca denunciei o
ao «bom caminho », tanto mais que a sua marcha meu antipatriotismo de outrora como um «êrro
era incerta e contraditória ... pedagógico » ; mantive, pelo contrürio, todo o meu
E foi êste último caso que se deu, levando H ervé pensamento, todas as minhas conclusões subversivas
em sua companhia aquêles três ou quatro moços sôbre a atitude em caso de guerra, explicando bem
- bastante claramente para que nem os mais ta- O que devemos é destrinçar o que é positivo ·
pados possam equivocar-se - que a palavra, e só a benéfico no patriotismo do que. é artifício político
palavr'a antipatriotismo é que constituia êrro pe- e exploração burguesa. Devemos dizer ao povo que
dagógico, pois era equívoca e pouco clara.» o seu patriotismo natural e p~cífico é contrariado
Por nossa parte, achamos tambêtn equívoca e e destruído ,pelo capitalismo e pelo Estado -e a
pouco clara a palavra antipafriotismo, mas por prova mais palpável é o facto doloroso da emigra-
motivos diversos dos de Hervé. A revolução e a sua ção forçada.
obra, defendê-las-íamos mesmo sem «patriotismo Devemos dizer-lhe que o socialismo anarquista,
nacional», em qualquer ponto do globo onde nos assegurando ao indivíduo a independência econó-
achássemos. mica e política, não legal, mas de facto, é o único
Outras são as nossas razões. Por patriotismo regime que dei a cada um a plena posse e o livre
entende o povo um sentimento forte e natural - o desenvolvimento da sua personalidade, com todos
apêgo ao torrão e ao meio em que nos criámos. os seus modos de ser-étnico, moral, intelectual,
Para conhecer o seu vigor, basta emigrar, e senti-lo, fisiológico. Pela livre federação económica é que o
e estudar as ideias dos que o sentem. Basta ver sentimento natural de pátria será verdadeiramente
corno Ple é vantajosamente explorado pelos políticos respeitado e garantido.
e patrões, que o misturam e confundem com o fal- Resta o «militarismo revolucionário )), que já
so patriotismo nacional, político, de Estado; ba ta existia em germe no herveismo.
ver como, por exemplo a colónia portuguesa do «Nunca preguei, em nome do «mili tarismo re-
Brasil, desfrutada na sua ignorância e boa-fé, che- volucionário>), esclarece H ervé, a submissão_ à dis-
gou a identificar o amor à terra natal com o lialismo ciplina e o respeito pelos oficiais: aos soldados e
monárquico e com a forma política do Estado. oficiais preguei a revolta para o caso de o~ quere-
Não devemos, pois, logo na taboleta, antes de rem mandar marchar contra o povo ou contra os
toda e qualquer explicação, cometer o «êrro peda- nossos camaradas dos outros países. . . Comecei
gógico» de atacar e ferir brutalmente êsse forte há mês e meio um estudo sôbre a atitude dos povos
sentimento natural, que demais é necessário para contra a guerra, estudo que é uma agravação de
garantir, numa sociedade humana sem antagonis- quanto tenho escrito sôbre êste assunto.»
mos económicos, a distribuição equilibrada da po- As ideias fundamentais de Hervé permanecem.
pulação e a exploração pacífica do globo. O seu lema continua a ser a frase de Vaillant:
· ccAntes a insurre1çao do que a guerra!» Os meios
que êle propug na são: antes da declara ção de guerra, parlame ntos, são afinal os poderes públicos que
se esta fôr tida como inevitável, se do perigo imi- conquis tam os socialis tas, e seria o exército que
nente puder ser convencido o povo, a greve geral ·conqui staria a Revolu.ção, assassin ando-a.
naciona l, sobretu do das indústri as militare s e de Com efeito, como entende Hervé essa conquis ta?
transpo rte; caso contrár io, sendo já a declara ção Natural mente à maneir a de qualque r democr ata:
um facto, havend o já ordem de mobilização, a in- o exército deve ser conquis tado como tal, com a
surreiçã o na rua e nas caserna s . sua jerarqu ia e o seu espírito autoritá rio. Aconse-
c<O meu militari smo revolucionário, escreve Her- lha-se mesmo a conquis ta de divisas e galões. Uma
vé, não é uma atenuaç ão do velho antimil itarismo : é preocup ação revela bem . o pensam ento de Hervé:
pelo contrár io uma acentua ção e um prolong amento nada de magoar e irritar, com sistemá ticos ataques
dele. Como nunca se fez revolução sem exército, ao exército e aos militare s profissionais, os oficiais
querem os conquis tar o exército , para o empreg ar pobres e idealistas, que são a maioria .
nos nossos fins socialistas e revolucionários. O exér- Ora os que se magoam e irritam, são os que não
cito, com a sua juventude ardente , com os _seus pe- perdem o espírito de classe e o es.pírito de casta.
quenos funcionários mal pagos que são os sargen- Conserv ando-se êsse espírito burguês e militari sta,
tos, com os seus intelectuais pobres e idealist as o militar profissional pode aderir superfic ialment e,
que são a maior parte dos oficiais, é nosso se lhe aparent emente , ao socialismo, mas traz um germe
sabemo s pegar. n de degene ração para a ideia e urna ameaça para a
Como se vê afinal, Hervé quer a «conquista do revolução, que êle tenderá a tornar simples mente
exérciton á maneir a de todos os republic anos, de política, como «conquista do Estado)) para reforma r
todos os revolucionários que aspiram a uma sim- do alto a socieda de e reprodu zir as formas autori-
ples révolução política, deixand o subsisti r todas as tárias.
engrena gens do Estado . E' o mesmo caso que se deu a respeito da pe-
Nesse sentido , a «conquista do exércitoJJ faz quena burgues ia, a que aliás pertenc e em grande
parte da ccconquista dos poderes públicosn, e dentro parte a corpora ção agaload a.
desta faz pendan t com a famosa conquis ta do parla- Atacava-~e a pequen a burgues ia como feroz-

mento. mente reaccio nária, opondo-se dum lado ao desen-


E no que isso vem a dar, é sabido : são afinal os volvimento do capitali smo e do outro ao progre-
·dir do. socialismo.
Disse-se então da pequena burguesia como Hervé. Devemos mostrar francamente a todos a missão do
do militarismo profissional: que ela seria nossa, se exército, instrumento do capitalismo, sustentáculo
lhe soubéssemos pegar. d? Estado. E quando chegar o momento, como se
Mas como? Pregando-lhe francamente o ide al diz no Evangelho da Hora, «Os que estiverem pron-
socialista revolucionário? Mostrando, a essa classe tos saberão o que hão-de fazer - onde quer que se
intermédia, a sua posição falsa e incerta e o seu encontrem. »
papel nefasto? Provando-lhe que o seu verdadeiro. Os oficiais aderem? Tanto melhor. Mas que o
intere sse, o seu interesse superior, está em coope- façam conhecendo bem o nosso escopo, que é a
rar resolutamente com o proletariado na revolução. abolição da propriedade privada e do Estado. Que
social? o façam com a ideia de que o exército se dissol -
Alguns assim pensaram; mas outros, pertencen- verá e n~o será substituido por outro, por mais
tes ao mesmo partido estatista de Hervé, entende- «nacional», miliciano e democrático que o digam:
ram democráticamente essa conquista e fizeram-se não queremos que a revolução seja traída e que o
campiões da pequena propriedade e do pequeno co- socialismo seja destruído pela reconstituição franca
mércio, lisonjearam a pequena burguesia nos seus. ou disfarçada dum privilégio económico ou buro-
interesses imediatos e mesquinhos e nos seus pre- crático.
concei.tos. Os pequenos burgueses aderiram com as. . ~e a revolução tiver de ficar por algum tempo
suas preocupações e aspirações de momento e trou- limitada a um país iniciador, se não for ou não se
xeram grande fôrça eleitoral ao socialismo parla- tornar
. rápidamente, como é mais provável , inter-
mentar; mas corromperam o ideal socialista e a nac10nal, se subsistirem Estados agressivos e livres
ideia da revolução. de perturbações internas (tudo hipóteses duvidosas,
Do mesmo modo, a corporação agaloada, o exér- sobretudo no caso de Portugal, que não será dos
cito conquistado pelo alto, com os seus quadros e O· primeiros ... ), se a revolução, em suma, tiver de
seu espírito, traria grande fôrça militar àquela es- ser defendida contra os inimigos estrangeiros ou
pécie de pseudo-socialismo, mas completaria a sua nacionais, êsse encargo não competirá a uma classe
degenerescência e ajuda-lo-ia eficazmente a empal- especial armada, mas ao povo todo. Todos serão
mar a revolução social e a reduzi-la a uma simples «soldados», isto é, cada um terá consigo a sua ar-
revolução política. ma e aprenderá a maneja-la, e todos se baterão ao
Outro deve ser o nosso papel, a nossa atitude. mesmo tempo ou por sua v.ez.
Essa defesa será organizada, não autoritária- -Nenhum, nem são precisos! ...
mente, por uma casta militar, de cima para baixo, E depois, na Rotunda, são. os oficiais que hesi-
mas em sentido contrário, pelo livre acôrdo, pela tam e que fogem, aconselhando a debandada. Ficam
livre escolha dos técnicos e instrutores, com uma os populares, alguns soldados, poucos sargentos e
disciplina voluntária e consciente. Um grande ideal um oficial da administração naval . .. Nos outros
unirá a todos e haverá então realmente que defen- regimentos, os oficiais comprometido s conservam-
der - porque tudo será de todos. Exemplos histó- se fieis ao rei e obedecem, embora molemente ...
ricos, embora ainda incompletos, fazem prever o A marinha revoltada tinha mais oficiais; mas eram
:valor e a eficácia dessa organização. ainda os simples marinheiros os mais entusiastas~
Isto será a verdadeira mação armada». Os au- os que queriam precipitar a acção e o desembar-
toritários falé1 m-nos às vezes de nação armada ... que . E não nos esqueçamos do povo não comba-
nas mãos do Estado; nós queremos o povo arma- tente, que tanto contribuiu para enervar e desorga-
do; .. nas mãos de cada um. nizar as tropas semi-fieis. A insurreição foi mais
Demais, não se deve contar muito com os ofi- popular do que militar, e dentro do exército foi
·c1a1s. mais dos soldados rasos que dos oficiais.
Hervé cita amiude, em apoio da sua tese, o Tratava-se únicamente duma revolução política.
-exemplo da insurreição portuguesa de 4 de outu- Imagine-se agora a revolução social.
bro. Então, do lado do povo trabalhador, fardado ou
Em primeiro lugar, a insurreição lusitana foi à paisana, não haverá sómente urna vaga aspiração
um simples movimento político, não muito profundo e as democráticas promessas dos políticos. Bem
nem demorado. Outra coisa ·bem diferente será a mais digno de entusiasmo e de sacrifício será o
revolução para a abo lição das classes. fim alvejado. Como disse Marx, os proletários nada
E que vimos nós, ainda assim? terão que perder na revolução, salvo as suas ca-
Vimo o valor dos grupos civis, que foram quem deias, e terão um mundo a ganhar.
sublevou o exército. ' Esta sublevação começou por Pelo contrário, os militares profissionais vacila-
infantaria 16, mas pelos soldados e contra os ofi- rão ante o receio de perder a posição, como vaci-
ciais. Ao chegarem ao quartel de arti lharia r os lam nas simples revoluções políticas, das quais en-
insurrectos, um oficial interroga um sold ado do 16: tretanto podem tirar honras e proventos; mas te-
- Quantos oficiais trazeis ? rão ainda outro travão, do qual bem poucos pode-
rão libertar-se: os interesses imediatos de classe e
os preconceitos de casta.
Felizmente, os insurrectos poderão então dizer,
ainda com mais razão do que o soldado do 16, que
os oficiais não são indispensáveis de todo. A revo-
lução social não será um simples combate nas ruas;
na capital, para tomar posse da máquina central de
· governar. A greve geral insurreccional e expropria- XVll
dora será muito mais profunda e muito mais geral
do que isso: será o povo a emancipar-se a si pró-
pno.
'•
No seu solar antigo, no meio · de ainda vasto'
domínios, mal cultivados e mal administra<los, lia
bitava. um velho fidalgo meio arruinado, com a mu
lher, alguns filhos, alguns comensais e hóspedes,
numerosos cortesãos e bastantes lacaios fiei s.
mulher, que era muito devota, contava no seu sé
quito uma turba de padres.
Toda essa gente vivia do rendimento das. terras,
sem fazer outra coisa senão prepotências e de spe!
dícios e um ou outro gesto caritativo, largam e111 1
trombeteado; e todos porfiavam em adular o chcf1·,
que do seu lado se remirava constantemente 11 1•
passado e nas tradições, nas glórias dos tempo
idos, nas valentias e méritos dos antepassados.
Os domínios, ainda vastos, eram administrado
mais mal do que bem, por alguns grupos e fam ília
de rendeiros, que no fim de contas possuíam e µ,11
vernavam tudo mais efectivamente do que 0, sen l1111
11ereditário e a sua côrte, endividados e insaciáveis. vez mais como grosseiras invençõe ; e por isso aos
Mas os rendeiros, em geral, mais ou menos aber- trabalhadore mais activos vinha uma grande irri-
tamente, combatiam os desperdícios e prepotências tação contra a burla secular.
do proprietário e sua gente, achavam que o desgo- Enfim, um dia estalou uma revolta, e o fidalgo,.
vêrno dêstes embaraçava a marcha dos negócios e a sua família, os seus fámulos e os seus padres fo-
.as bemfeitorias da propriedade, sobrecarregad a de ram postos fora das terras. Os trabalhadores vito-
-dívidas e hipotecas, que o seu parasitismo lhes cer- riaram sobretudo a partida dos últimos.
ceava a êles parte dos ,lucros e rendimentos, e por Houve grandes festas, grande regozijo, os tra-
isso falavam em expropriar e expulsar essa raça balhadores não cabiam em si de contentes, foguetes
sugadora e ociosa: sulcaram os ares, auriflamas engrinaldaram as chou-
Nesse intento catequizavam os numerosos traba- panas, e por fim os rendeiros, agora .donos únicos
lhadores - agricultores e artífices - que labutavam e incontestados das terras e casebres, fizeram êste
-sob as .. suas ordens, mal pagos e miseráveis. E discurso, esfregando as mãos de satisfação:
~omo estes viam tudo atrasa.do, lavoira e ofícios, -E agora, amigos, que nos libertámos, amemos.
como lhes faltava o trabalho e tinham amiude de o os nossos domínios, tratemos deles com carinho e
ir procurar fora, longe do lar, como os irritava a sacrifício e voltemos ao trabalho - vós com os bra-.
vida regalada e improdutiva dos senhores, como ços, nós com a cabeça (ai! este último o mais pe-
lhes prometiam maiores facilidades no viv~r e a sado e espinhoso dos dois). Agora que os gover-
, • I ~
participação na administração das terras, a cate- nantes somos nos, isto e, os vossos legítimos e de-
quese .fez rápidos progressos. dicados representantes , por vós livremente escolhi-
() objecto principal dos ódios dos mais inteli- dos, podeis confiar no nosso amor por vós e pelas
,g entes, dos que viviam nos maiores agrupamentos terras. Esperai com paciência. Ordem e trabalho!
de casas, eram os padres da fida lga: estes punham Os trabalhadores voltaram às suas ocupações;
e dispunham, estavam sempre ao lado das violên- mas, passados os primeiros fumos da embriaguez
cias e .abusos e tratavam de justificar o roubo e o do triunfo, começaram a notar, não sem surpresa,
parasitismo dos grandes e de reter as cóleras dos que da vitória apenas lhes restava o contentamento
pequenos, impingindo a estes certas histórias de íntimo pelo desaparecimen to do parasitismo aristo-
duendes, de entes misteriosos e omnipotentes e de crático e clerical.
castigos e.ternos. Essas histórias ressaltavam cada Mas, materialmente , a sua situação não mudara~
:
"286 fl [,
2 7

Na sua arca não entrava nem mais um naco de pão. nós, os governantes, arrecadaremos em depósitos
Do produto do seu labor continuava a ser deduzida seguros) e de aumentar o número de guardas, sob
a mesma pesada percentagtm. Viam-se, como an- () comando dos nossos filhos e parentes.
tes, obrigados a mandar muitos dos seus filhos para - E o dinheiro? perguntou um.
longe. Nas terras, nada lhes pertencia. - Pediremos emprestado.
Os antigos rendeiros eram proprietários de tudo: -Mas então mais empenhado ficará tudo e mai s
terras, casas, i~strumentos de trabalho, oficinas, ' 11 depressa irão à penhora estas propriedades, objec-
etc., e portanto tambêm dos braços dos seus ho- tou outro.
1

mens. Do que êsses braços produziam, tiravam êles -Não. Assim arranjaremos colocação para os
bons proventos e pagavam a todos os seus parentes '
nossos filhos e conquistaremos as boas graças dos
amigos e guardas. construtores, cá de casa e lá de fora.
Dantes, aos trabalhadores parecia constituírem - Mais valeria então empregar êsse dinheiro em
·OS fidalgos e os padres o seu inimigo único, causa arados, máquinas, canais, escolas.
da sua ruína; mas agora que essa ralé faltava, afi- - Não se trabalha em paz sem estar garantida
.gurava-se-lhes por vezes que o velho inimigo en- uma defesa ...
cobria em tempos idos um outro, e que êsse outro, - Defesa de quê? interrompeu um rapaz atrevi-
agora só, era a cl asse dos antigos rendeiros, novos dote. Nós, os trabalhadores, nada temos que per-
gove mantes ! der nem que defender; e a cada passo, por falta
Apesar dos gastos reduzidos, dos parasitismos de pão e de trabalho, nos vemos forçados a ir para
eliminados, -- coisa estranha! - os trabalhadores fora, para longe do lugar onde nascemos e cresce-
não obtiveram maior quinhão do produto dos seus mos. Ainda se tudo fôsse de todos e para todos ...
1
esforços. Os novo~ governantes até lhes exigiram 1 - Cala-te! traidor! bradaram furiosos os novos
novos sacrifícios. senhores. Prendam e castiguem êsse ingrato! To-
- Amigos (vieram êles dizer) : nós expulsámos I•
dos nós terpos o dever sagrado de defender o que
os malditos fidalgos e jesuitas, para vosso bem so- é nosso, de dar a vida pelos nossos belos domínios:
bretudo. E' preciso que êles não voltem. Devemos é um dever que, sendo necessário, saberemos im-
defender-nos contra êles, e tambêm contra as pos- por pela fôrça. E basta de palavriado.
síveis cubiças dos proprietários vizinhos; e para . r •· Houve um silêncio aterrado e gélido, que a voz
isso precisamos de comprar bom armamento (que singularmente cortante do rapaz atrevido, levado
11
ll
288

no meio de guardas armados, rasgou irónicamente:


- Tem graça! Vêr-se cada um obrigado a de-
fender o que é «seu» à força! Que solicitude tam ....
desinteressada!

... ..... . . ....... . .... .. ............... . .. ..


Impossível prosseguir nesta história, evidente-
mente truncada, que nos deixa assim suspensos, a
fantasiar-lhe o seguimento e o desenlace! Mas, a
despeito de todas as investigações, não se encon-
traram as restantes fo lhas do manuscrito.

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