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PPGLL-UFG. © Rezende e Diefenthäler (2021). Este trabalho está protegido pela Lei 9.610/98.
“Voltei de ateu” para “mostrar pr’esses cabras”: reflexões sobre a variação linguística
no português do Brasil na prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias do ENEM -
um estudo analítico-qualitativo
Este trabalho tem por objetivo discutir a abordagem da variação linguística no português
brasileiro (PB) na prova de Linguagens e suas Tecnologias (LCT) do Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM) entre os anos de 2009 e 2019. O ENEM é o maior evento institucional
de letramento em Língua Portuguesa da lusofonia, sendo o instrumento de seleção e ingresso
no ensino superior do Brasil e em algumas universidades em Portugal. Seu alcance impacta em
práticas de ensino de português e pode quiçá ter impactado a própria Base Nacional Comum
Curricular (BNCC-EM). Das múltiplas possibilidades de investigação da prova de LCT, caberia
analisá-la com vistas a compreender como a diversidade linguística do PB é nela abordada.
Defendemos, em caráter preliminar, que a variação linguística no Brasil é apresentada em torno
de dois eixos: (i) o do valor sociocultural da variação; (ii) o da representação estereotipada da
variação. O trabalho consiste em uma abordagem específica, na medida em que analisa
qualitativamente questões e itens da prova. Com foco em questões das edições entre 2009 e
2019, as análises preliminares mostram que não há ainda um tratamento consolidado no certame
no sentido de dar a conhecer e a reconhecer a importância do patrimônio linguístico do Brasil.
Considerações iniciais
Um exame de avaliação externa da escala do ENEM tem motivado, no campo dos estudos da
linguagem e da educação, nos últimos anos, pesquisas de extrações diversas, por exemplo, a
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Renato dedica este texto à sua querida prima Luciana Almeida Junqueira, a Lu, com quem o autor compartilhou
conversas, tantas comemorações de natal e um réveillon marcante - tudo sempre tão alegre -, em Goiânia. A Lu,
que sempre foi sorridente, ficou encantada, depois de tantos anos de luta, durante a conclusão final deste texto.
Minha homenagem a você, Lu, que falava com alegria espontânea e sincera sobre ter um primo professor. Minha
saudade de você, Lu, e nunca pare de sorrir como você sorria para nós!
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Trabalho inédito a ser publicado em livro resultante da I Jornada de Estudos da Linguagem do
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Este trabalho, situado no campo dos estudos sociolinguísticos, insere-se na dimensão 3 acima
mencionada. Embora haja trabalhos com proposta análoga, como Paiva e Dutra (2013), este
trabalho apresenta como diferencial a defesa - em caráter preliminar - da hipótese de que a
representação do português do Brasil na prova de LCT se organizou, entre 2009 e 2019, em
torno de dois eixos: (i) o do valor sociocultural da variação linguística; (ii) o da representação
estereotipada dessa variação. Analisamos três questões da prova de LCT do ENEM na tentativa
de demonstrar conclusões iniciais que justificam a hipótese, apontando para o fato de que não
há, na prova de LCT, um tratamento consolidado no sentido de dar a conhecer e a reconhecer
(cf. BOURDIEU, 1996) a importância do patrimônio linguístico do Brasil.
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repercutido na orientação dos currículos das escolas de ensino médio do país, o que contribui
para balizar o modo pelo qual a relação entre letramento escolarizado (cf. DERING, 2021) e
percepção sobre língua é/tem sido construída.
Durante seus 22 anos de realização, o Enem passou por diversas transformações, naturais de
processos de aperfeiçoamento de avaliações em larga escala. O percurso histórico desse exame,
por isso, divide-se em dois grandes momentos, aos quais foram conferidos os rótulos de
"antigo", compreendido como o primeiro modelo, realizado entre os anos de 1998 a 2008, e de
"novo" Enem, iniciado em 2009. O novo modelo, iniciado após o cancelamento do certame
dado o vazamento das provas, foi instituído com novas medidas, dentre as quais ressaltamos a
adoção da TRI (Teoria da Resposta ao Item) como método de correção e o agrupamento das
disciplinas em quatro grandes áreas do conhecimento. Além disso, vale dizer, em 2010, como
substituto do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e adultos),
o certame adquiriu valor de certificação de conclusão do ensino médio, mecanismo que durou
até o ano de 2017, quando houve a troca da banca avaliadora Cebraspe (Centro Brasileiro de
Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos) pelo consórcio FGV (Fundação
Getúlio Vargas), Cesgranrio e Fundação Vunesp.
Avançando nessa linha temporal, chegamos à atualidade. Pela primeira vez em dois formatos -
o presencial e o digital -, as provas de 2020 foram realizadas em janeiro de 2021 - de maneira
atípica, vale dizer -, mesmo com mobilização social em torno do pedido de cancelamento do
certame, haja vista o cenário de crise sanitária-social imposto pela pandemia do novo
coronavírus. Não nos debruçaremos em sua versão mais recente, mas cabe afirmar que as provas
ratificaram seu objetivo de verificar, por meio de questões com situações-problema, a
capacidade dos alunos de mobilizarem seus saberes construídos ao longo da formação do
Ensino Médio.
Em relação ao conteúdo das provas, divulgado anualmente pelo INEP, salientamos que esse é
regido por uma Matriz de Referência, composta por Eixos Cognitivos, comuns a todas as áreas
do conhecimento, e pelas respectivas Matrizes de Referência, específicas das quatro áreas do
conhecimento. No entanto, a Matriz parece não ser atendida em alguns dos itens da prova de
LCT, tanto pelo enunciado quanto por suas respectivas alternativas, sobretudo em relação à
representação da realidade cultural linguística brasileira, o que mostraremos ao final deste
trabalho. A seguir, vamos nos debruçar sobre a prova de LCT, à luz de sua Matriz de Referência,
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A prova de LCT é composta por nove competências, as quais, em resumo, visam (1) aplicar as
tecnologias da comunicação e da informação em diversos contextos; (2) conhecer e usar a
língua estrangeira moderna para o acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais; (3)
compreender e usar a linguagem corporal como formadora da identidade individual e coletiva;
(4) compreender a arte como saber cultural e estético e integrador da identidade; (5) analisar,
interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens em contextos diversos; (6)
compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de
organização cognitiva da realidade; (7) confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diversas
linguagens e suas manifestações específicas; (8) compreender e usar a língua portuguesa como
língua materna que gera significados e integra a própria identidade; (9) entender os princípios,
a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação no
desenvolvimento do conhecimento individual e coletivo, associando-o aos conhecimentos
científicos, às linguagens, às demais tecnologias e aos processos de produção e aos problemas
que se propõem solucionar.
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À vista do que preconiza a Competência de área 8, nota-se que o exame busca evidenciar que
as diversas realizações linguísticas do português brasileiro teriam, em tese, a mesma valoração
social, compondo o patrimônio cultural identitário coletivo do Brasil, tendo em vista,
especialmente, a Habilidade 25. Isso, portanto, ratifica um esforço (em tese, ao menos) desse
exame para a construção de um imaginário social sobre a língua portuguesa desvinculado de
estereótipos, na medida em que sua Matriz busca encerrar com uma visão reducionista e
preconceituosa de língua, a qual estereotipa hierarquicamente as variedades ao transformar as
diferenças linguísticas em marcas de inferioridade (cf. FARACO, 2020), sobretudo em função
da condição socioeconômica dos falantes, e confere posição de prestígio a uma exclusiva norma
linguística. Considerando, ainda, que muitas escolas de ensino médio do país adotam o certame
como elemento balizador de seu currículo, é possível pensar que a abordagem da diversidade
linguística nesse exame poderia contribuir para além de suas páginas ao construir uma
representação social positiva da diversidade linguística e ressignificar o status (cf. CALVET,
2007) da variação linguística no país.
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Aqui, refere-se, sobretudo, à competência "Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de
acordos e condutas sociais e como representação simbólica de experiências humanas manifestadas nas formas de
sentir, pensar e agir na vida social" (PCNEM, p. 20, 2000).
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Com base no que apresentamos na seção acima, a saber, que o ENEM é um evento de letramento
institucional no/do Brasil que pode ter como uma de suas consequências a construção de uma
representação social da língua portuguesa falada no país, observaremos que, na seleção de itens
e de suas respectivas alternativas, a maneira pela qual a variação linguística no português
brasileiro é apresentada remete a dois eixos: um que trata do valor sociocultural da variação
linguística; outro que mostra a variação de maneira estereotipada, segundo tratamento que vai
de encontro à Matriz de Referência do próprio exame.
Em torno do primeiro eixo, contabilizamos, entre os anos de 2009 e 2019, um total de quatorze
itens na prova de LCT que têm como eixo a variação linguística enquanto patrimônio cultural.
Sob dois aspectos, a saber: A) o valor/efeito poético da variação; B) sua relevância na formação
da realidade sociolinguística brasileira. Na tabela 1 abaixo, observam-se a distribuição de itens
da prova azul neste eixo ao longo dos anos:
Tabela 1
Ano Questões Total
2009 2
111
131
2010 - 0
2011 119 3
125
132
2012 110 1
2013 100 1
2014 104 1
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2015 100 2
120
2016 - 0
2017 38 1
2018 37 2
39
2019 45 1
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Desse conjunto de itens, tomemos para fins de análise, inicialmente, a questão 119 de 2011:
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Semelhantemente ao item 111, de 2009, prova azul, como vimos acima, o comando deste item
também propõe uma correlação direta entre língua como construto identitário e como
patrimônio sociocultural. Neste caso, apenas, porém, há outro aspecto: o texto motivador
evidencia um olhar sobre um aspecto do multilinguismo do Brasil colônia como sendo esse
patrimônio: não apenas os indígenas, mas também os portugueses, em seu espaço familiar, não
falam e não transmitem às novas gerações a língua portuguesa. O comando retrata o
multilinguismo como uma prática social da formação do Brasil. Nesse sentido, parece-nos que
as alternativas oferecem opções ou completamente desconectadas do retrato sociolinguístico
oferecido pelo texto motivador ou opções que, mesmo tangenciando essa realidade, o fazem
também sem contemplar a situação de contato linguístico retratada e, nela, a capacidade de
difusão do que Teyssier chama de “língua Tupi” (na verdade, alguma língua pertencente a
alguma família linguística agrupada no tronco Tupi) como língua de preferência de toda a
população (seja em relações sociais harmônicas ou não).
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contato linguístico. A alternativa B apenas afirma que as línguas do tronco Tupi e portuguesa
são diferentes; já a alternativa D menciona a origem dessas diferenças, mas isso não se vincula
com o que é proposto. Tais alternativas, a nosso juízo, se enquadrariam no conjunto das
questões consideradas fáceis para TRI. A alternativa correta também nos parece - ela, em
especial - profundamente problemática porque adota um pressuposto de relações sociais
tomando-o como se fosse toda a base do processo colonizador, “integração pacífica”, quando o
próprio texto cita expressamente que os bandeirantes eram “falantes de tupi”. Não podemos
deixar de observar, ainda, que, mesmo sendo um item que põe em relevo o valor sociocultural
da variação, cujo texto motivador e comando mencionam o elemento negro como participante
essencial da constituição do patrimônio linguístico brasileiro, ele é sequer mencionado em
quaisquer das alternativas. Isso soa, portanto, como uma espécie de silenciamento dessas vozes
(MATTOS E SILVA, 2004).
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Esta é, talvez, uma das alternativas que, no intervalo entre 2009-2019 de edições do ENEM,
melhor explora a variação linguística brasileira como valor, enfatizando com bastante nitidez a
variedade popular do português do Brasil como patrimônio linguístico. Nela, o foco recai sobre
o nível morfossintático, seja pela pós-posição da preposição “de” ao verbo voltar com carga
semântica [+locativo] e não como voltar com carga semântica [+condição pessoal] (em “voltou
de ateu”), efeito que causa o espanto no narrador; ou anteposição da preposição “a” antes do
verbo (“não sei a ler”), seja por meio da inclusão do prefixo {-des} ao verbo “eliminar”. Além
disso, essa alternativa realça a variação linguística à condição de poeticidade. A seleção de
Manoel de Barros - poeta reconhecidamente premiado por uma poesia narrativa, que se atém à
fala coloquial regional como matéria poética - é exemplificativa disso. O narrador do texto, ao
contar como, em diferentes circunstâncias, se espantava com usos orais da língua que atribuíam
significados mais poderosos do que aqueles que, em tese, preenchiam expectativas do uso
diário, defende a supremacia da função poética da linguagem sobre a função referencial
(“Aprendi a gostar das palavras mais pelo que elas entoam do que pelo que elas informam”),
apesar de ter no riso um de seus efeitos involuntários, e o domínio da coloquialidade é o campo
desta hegemonia.
Os itens decorrentes do comando da alternativa em análise podem ser divididos em dois grupos.
O primeiro é composto apenas pelo item D, que afirma que o texto motivador constitui um
“relato fiel de episódios vividos por Cabeludinho durante as suas férias”. Trata-se de item cuja
proposição meramente apresenta uma informação do texto (no caso, o narrador-personagem) e
indica haver correlação entre este fato e o que o comando da alternativa, de fato, realça: o
significado das expressões “voltou de ateu”, “disilimina esse” e “eu não sei a ler”. O item D é
completamente desconectado do comando. Estrutura assim já havíamos notado no item C da
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alternativa 119, de 2011, que afirma a importância de Padre A. Vieira para a literatura,
informação em nada correlacionada ao que aquela alternativa discutia. Lá, como aqui, o
resultado esperado proposto no comando da alternativa (de que resulta o patrimônio linguístico
brasileiro e uso poético na/pela variedade popular) em nada tem a ver com o item,
absolutamente.
Já o segundo grupo é composto pelos itens A, B, C e E, pois cada um tem um horizonte comum:
de alguma forma, abordam a relação entre normatividade e coloquialidade. O problema da
normatividade repete-se em muitas edições da prova de LCT. Dada, ainda, a força da
normatividade como conteúdo curricular de ensino de língua portuguesa, no Brasil, ele induz o
candidato a erro, caso não tenha conhecimento mínimo da realidade diversificada de uma
língua. Assim, o item A nada mais faz do que apontar “erro” na fala dos personagens do texto.
O item B, por sua vez, também aponta para o mesmo sentido. Ao afirmar “a importância de
certos fenômenos gramaticais para o conhecimento da língua portuguesa”, o item remete a uma
suposta necessidade do conhecimento normativo de regência nominal das preposições “de” e
“a” e de flexão verbal para insinuar que as variantes, nessas classes de fenômenos linguísticos,
apresentadas no texto constituiriam “erro”. O item C é o mais explícito nessa comparação;
afirma que o autor destaca, com a variação em regência nominal e em flexão verbal, a “distinção
clara entre a norma culta e as outras variedades linguísticas”. Novamente um item que remete
(agora diretamente) à supremacia da variedade culta sobre a popular. Talvez seja por isso que
o item E, o gabarito oficial, se diferencie tanto dos demais itens deste grupo justamente por
silenciar a normatividade (os demais vocalizam-na) e dizer respeito apenas à relação entre
coloquialidade e poeticidade. Variação linguística como valor em si.3
O outro eixo em torno do qual são observadas questões sobre a variação linguística no Brasil é
o da representação estereotipada da variação linguística, sobretudo quanto a um recorte feito
que apresenta ao candidato apenas um domínio geográfico e cultural brasileiro como se este
fosse monolítico: o sertão nordestino brasileiro. A tabela 2 abaixo apresenta estas quatro
questões, também da prova azul, ao longo dos anos:
3
As questões 109, de 2015, e 37, da prova azul de 2018, dão continuidade a esse sentido de dar a conhecer a
importância do patrimônio linguístico do português popular do Brasil. No entanto, elas avançam nesse aspecto, é
uma questão cujo objetivo não é apenas dar a conhecer, mas também a reconhecer a diversidade linguística
brasileira, agora a partir da contribuição da diáspora africana aqui realizada.
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Tabela 2
Ano Questões Total
2010 - 0
2012 - 0
2013 - 0
2014 129 1
2015 116 1
2016 99 1
2017 - 0
2018 - 0
2019 - 0
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Como visto, as alternativas 119, de 2011; e 110, de 2012, tratam, respectivamente, da relevância
a variação linguística (a partir de uma situação de contato) na formação da realidade
sociolinguística brasileira e da poeticidade de uma variante linguística do português popular.
Ambas pertencem ao que denominamos, para fins de análise, de eixo do valor sociocultural da
variação, agrupadas na Tabela 1. Já a questão 129, de 2014, representa um conjunto de
questões (agrupadas na Tabela 2) que associa regionalismo apenas aos falares populares
sertanejos nordestinos, compondo o que, também para fins de análise, denominamos de eixo da
representação estereotipada da variação.
Em caráter preliminar, entendemos/parece-nos que esses dois eixos têm funcionado como linhas
temáticas a guiar a elaboração de alternativas para a prova de LCT. Se, por um lado, a Tabela
1 agrupa elevada quantidade de questões que apontam que, em dez anos, a prova de LCT do
Enem inclinou-se à construção de uma diversidade linguística que considera a variação
enquanto um valor sociocultural, seja em relação a seu valor/efeito poético seja considerando
sua relevância na formação da realidade sociolinguística brasileira; por outro, paradoxalmente,
ainda que em menor quantidade, a Tabela 2 mostra questões em que os mesmos avaliadores
estereotipam a diversidade linguística do português brasileiro, o que pode ser observado,
sobretudo, pela reafirmação de um imaginário social acerca apenas dos falares sertanejos
nordestinos, como se fossem as únicas formas de regionalismo.
Considerações finais
As análises preliminares apontam para o fato de que não haveria um tratamento consolidado na
prova de LCT, do ENEM, no sentido de dar a conhecer e a reconhecer a importância do
patrimônio linguístico do Brasil, ainda que o denominado por nós como eixo da representação
estereotipada da variação constitua um conjunto de representações estereotipadas não seja o
predominante nas 45 questões do caderno da prova de LCT. Em torno do primeiro eixo,
contabilizamos, entre os anos de 2009 e 2019, um total de 14 (quatorze) itens na prova de LCT
que abordam a variação linguística enquanto patrimônio cultural sob dois aspectos, A) seu
valor/efeito poético; B) sua relevância na formação da realidade sociolinguística brasileira. Na
tabela 1, verificamos que essa distribuição é mais recorrente que a abordagem estereotipada da
língua, observada na tabela 2, a qual apresenta 3 (três) questões; no entanto, ressaltamos que a
presença dessa contradição no tratamento da língua parece prejudicar a uma representação
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Este trabalho, então, pretende contribuir com o ensino mais democrático de língua portuguesa,
haja vista que aponta para o fato de que a prova de LCT do ENEM, este compreendido por nós
como uma política pública cujo um dos efeitos é a dar visibilidade a fenômenos
sociolinguísticos em sua prova de LCT, produz uma representação claudicante da diversidade
linguística brasileira, o que poderia impactar negativamente o ensino do português brasileiro no
Brasil, bem como eventualmente induzir à ratificação de um imaginário social acerca da língua
o qual a estereotipa. Assim, ao buscarmos analisar a representação da variação linguística no
ENEM, delineamos, de modo preliminar, possíveis caminhos a serem ampliados, os quais
abrem discussão para futuros estudos em torno da construção e/ou reconstrução da
representação social da variedade popular do português do Brasil.
Referências
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas. São Paulo: Edusp, 1996.
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FARACO, Carlos Alberto. Bases para uma Pedagogia da variação linguística. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=3kS-RHie0Zw&t=4s. Acesso em 9 de fev. de 2020.
PAIVA, Carla Macpherson Garcia & DUTRA, Vania L. R. A língua portuguesa no ENEM: o
que ensinar?, Ecos de Linguagem, n. 3, p. 40-74, 2013.
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