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Congresso Brasileiro de Sociologia (SBS)

De volta para o afrofuturo: um olhar sociológico sobre representações do


afrofuturismo no Brasil (2015-2020)

Resumo

Este trabalho tem como objeto de estudo o afrofuturismo no Brasil, enfatizando suas
relações com a Diáspora Africana, seu enquadramento a partir de uma Sociologia da
arte descentrada pelos Estudos Culturais e a articulação das artes afrodiaspóricas a partir
de diferentes formas de representação. As obras de arte selecionadas são o filme Branco
sai, preto fica (2015), de Adirley Queirós, o livro O caçador cibernético da rua 13
(2017), de Fábio Kabral e o álbum Represença (2019), do grupo Senzala Hi-Tech.
Nosso objetivo geral é caracterizar a relação entre o afrofuturismo no Brasil e a
Diáspora Africana. Para tanto, nossos objetivos específicos são voltados à relação entre
o contexto social do afrofuturismo, as obras de arte e as experiências sociais dos artistas.
São eles: a) Compreender a influência da hibridação cultural sobre o contexto social do
afrofuturismo no Brasil; b) Verificar, nas obras de arte, o significado de três elementos
estéticos comuns: corpo, território e Estado; c) Identificar as experiências sociais dos
artistas para aprofundar a caracterização do afrofuturismo no Brasil. Adicionalmente
procuramos discutir os aspectos epistemológicos do afrofuturismo como movimento
estético e político. Em termos metodológicos, a análise partirá de entrevistas de
profundidade, análise de conteúdo e análise fílmica. Em termos teóricos, abordamos o
afrofuturismo a partir da tradição Pós-Colonial e dos Estudos Culturais.

Resumo Expandido

O afrofuturismo pode ser compreendido como um movimento estético e político


surgido no interior da diáspora africana ao longo do século XX, que desafia os limites
da modernidade, tensionando a relação entre estética, memória e epistemologia em uma
perspectiva híbrida e antiessencialista. No Brasil, o afrofuturismo pode ser visto como
parte da diáspora africana na América Latina, é um movimento que retoma a história
política das culturas nacionais para desconstruir a narrativa cultural da modernidade e
ampliar os caminhos afrodiaspóricos que penetram sua lógica unilinear e unidirecional.
Nossos objetivos são: a) Compreender a influência da hibridação cultural no contexto
social do afrofuturismo; b) Verificar, nas obras, os significados de três elementos
estéticos: corpo, território e Estado; c) Identificar as experiências sociais dos artistas
para aprofundar a caracterização do afrofuturismo no Brasil. Considerando que as
formas estéticas do afrofuturismo são marcadas por forte historicidade, o movimento se
transforma significativamente em diferentes países a despeito da herança estadunidense.

Um século antes do termo “afrofuturismo” ser cunhado no texto “Black to the


future” (1994), pelo crítico cultural estadunidense Mark Dery, já haviam manifestações
artísticos que antecipavam tal discussão. O nicho da literatura foi vanguardista em
relação ao uso da ficção especulativa, incluindo trabalhos de W.E.B. Du Bois nos
Estados Unidos e Machado de Assis no Brasil. Escritores afrodiaspóricos foram os
precursores de um modelo especulativo de produção artística, aos poucos solidificado
como um dos elementos basilares da estética afrofuturista, voltada então, à elaboração
de projetos de transformação social ancorados no futuro enquanto dimensão política do
tempo. A partir de 1950, a música e o cinema incorporaram tal modelo, principalmente
através das obras do jazista Herman Poole, conhecido como Sun Ra. A partir de 1970, a
música afrofuturista torna-se um símbolo de práticas políticas associadas à liberdade.
Entre as décadas de 2000 e 2010, o afrofuturismo torna-se mais explícito no Brasil,
espalhando-se pela arte contemporânea, adquirindo reconhecimento como movimento
artístico e ganhando em eficácia técnica, através do avanço das tecnologias digitais e da
articulação criativa estabelecida entre mídias e artes. Desse modo, o afrofuturismo
torna-se um instrumento político fundamental no processo de abertura do “significante
negro” ao antiessencialismo.

Metodologicamente, a primeira etapa do trabalho consiste na elaboração de uma


discussão bibliográfica sobre o afrofuturismo no Brasil a partir dos Estudos Culturais e
do Pensamento Pós-Colonial. Já a segunda etapa da pesquisa se concentra na análise das
três obras de arte, através de análise de conteúdo e análise fílmica (BARDIN, 1977;
PENAFRIA, 2009). Por fim, a terceira etapa consiste na realização de entrevistas de
profundidade semiestruturadas (ALVES & SILVA, 1992). Até aqui a primeira etapa foi
concluída e a segunda se encontra em vias de conclusão. A seguir, traremos um resumo
breve da discussão das obras e uma breve discussão teórica, sinalizando os principais
resultados. O filme Branco sai, preto fica (2015), de Adirley Queirós, diretor oriundo da
cidade de Ceilândia, é um documentário fabular, baseado em registros das experiências
socioculturais de Ceilândia. O filme recorre a elementos afrofuturistas para ressignificar
a narrativa oficial sobre uma ação policial resultante em massacre, ocorrida no bairro
Quarentão, em Ceilândia, 5 de março de 1986. A expressão “Branco sai, preto fica”
remete a um dos gritos de ordem enunciados “naquela noite”. Já o livro O Caçador
cibernético da rua 13 (2017), de Fábio Kabral, escritor do Rio de Janeiro, pode ser
definido como “ciência fantástica”, em que a mistura entre fantasia e ficção científica
favorece uma imaginação “afro-inspirada”. A releitura afrofuturista da mitologia iorubá
produz um universo simbólico inspirado pela tradição do Candomblé Ketu. Por fim,
temos o álbum Represença (2019), do grupo paulista Senzala-Hi-Tech, composto por
Minari Groove Box, Junião, Diogo Silva e MC Sombra. O álbum possui 9 faixas com
sonoridade híbrida, resultante do encontro entre rap, axé, samba, reggae e afrobeat, bem
como, uma ampla gama de técnicas de gravação. O teor poético das canções volta-se à
“vida cotidiana”, com o questionamento da relação entre sujeitos negros e o Estado e
relatos sobre a construção dos espaços socioculturais.

A partir da análise das obras supracitadas podemos compreender o afrofuturismo


em perspectiva teórica. O afrofuturismo implica a crítica e a quebra da temporalidade
linear que caracteriza a modernidade, pois, sua própria narrativa se distancia do arranjo
cronológico moderno, exigindo o que o escritor Kodwo Eshun (2015) chama de “zigue-
zague temporal”, isto é, um olhar analítico marcado por idas e vindas no tempo, que se
complementam em uma narrativa histórica descontínua. As descontinuidades históricas
da temporalidade afrofuturista podem ser vistas como “intencionais”, isto é, os artistas
buscam estabelecer um processo de desfamiliarização e desnaturalização da
interpretação histórica convencional sobre a formação cultural da modernidade, que
desconsidera sistematicamente as experiências sociais das populações afrodiaspóricas.
Para compreender o afrofuturismo e situá-lo em relação ao projeto “moderno-colonial”,
Kodwo Eshun (2015) tensiona continuidades e rupturas entre contextos coloniais
passados e presentes, por exemplo, através do uso metafórico das narrativas de abdução
alienígena, articuladas por artistas afrofutristas para ressignificar suas experiências junto
a memórias, práticas e representações culturais afrodiaspóricas. Nesse caso, imagens da
migração forçada dos povos africanos em navios através do atlântico, são artísticamente
reinterpretadas como um processo de abdução, as caravelas tornam-se naves espaciais,
levndo à realidade estrangeira de uma “Alien Nação”.

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