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06/03/23, 20:53 As Duas Coreias (segunda parte)

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As Duas Coreias
(segunda parte)

Fidel Castro

24 de Julho de 2008

Fonte: Cuba Debate - Contra o Terrorismo Midiático.


Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.

Leia a primeira parte deste artigo

Em 19 de Outubro de 1950 mais de


400 mil combatentes voluntários chineses,
cumprindo as instruções de Mao Zedong,
cruzaram o Yalu e enfrentaram as tropas dos Estados Unidos que avançavam
para a fronteira chinesa.  As unidades norte-americanas, surpreendidas pela
enérgica acção do país, o qual tinham subestimado, viram-se obrigadas a recuar
até as proximidades da costa sul, sob o pressão das forças combinadas dos
chineses e os coreanos do Norte.  Stalin, que era extremamente cauteloso, deu
uma cooperação muito menor que aquela que esperava Mao, embora valiosa,
através do envio de aviões MiG-15 com pilotos soviéticos, numa frente limitada
de 98 quilómetros, que na etapa inicial protegeram as forças de terra no seu
intrépido avanço.  Pyongyang foi novamente recuperado  e Seúl ocupado mais
uma vez, desafiando o incessante ataque da força aérea dos Estados Unidos, a
mais poderosa que havia existido.

MacArthur estava ansioso por atacar a China usando as armas atómicas. 


Demandou o seu uso após a  vergonhosa derrota sofrida.  O presidente Truman
viu-se obrigado a substituí-lo do comando e nomear o General Matthews
Ridgway como chefe das forças de ar, mar e terra dos Estados Unidos no teatro
de operações.

Na aventura imperialista da Coréia participaram, junto dos Estados Unidos, a


Grã-Bretanha, a França, os Países Baixos, a Bélgica, Luxemburgo, a Grécia, o
Canadá, a Turquia, a Etiópia, a África do Sul, as Filipinas, a Austrália, a Nova
Zelândia, a Tailândia e a Colômbia.  Este país foi o único participante por América
Latina, sob o governo unitário do conservador Laureano Gómez, responsável das
matanças massivas de camponeses.  Com ela, como já se viu, participaram a
Etiópia de Haile Selassie, onde ainda existia a escravidão, a África do Sul
governada pelos racistas brancos.

Completávam-se apenas cinco anos que a matança mundial iniciada em


Setembro de 1939 tinha concluído, em Agosto de 1945.  Após sangrentos
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combates no território coreano, o Paralelo 38 voltou a ser o limite entre o Norte e


o Sul.  Calcula-se que morreram nessa guerra por volta de dois milhões de
coreanos do Norte, entre meio milhão ou um milhão de chineses e mais de um
milhão de soldados aliados. Por parte dos Estados Unidos perderam a vida ao
redor de 44 mil soldados;  muitos deles eram nascidos em Porto Rico ou outros
países latino-americanos, recrutados para participarem em uma guerra por causa
da sua condição de imigrantes pobres.

O Japão obteve grandes vantagens dessa contenda, em um ano, a


manufactura cresceu um 50%, e em dois recuperou a produção atingida antes da
guerra.  Não mudou, contudo, a percepção dos genocídios cometidos pelas
tropas imperiais na China e na Coréia.  Os governos do Japão renderam culto aos
actos genocidas dos seus soldados, que na China tinham violado a dezenas de
milhares de mulheres e assassinaram brutalmente centenas de milhares de
pessoas, como já foi explicado em uma reflexão.

Extremamente laboriosos e tenazes, os japoneses tornaram o seu país, sem


petróleo e sem outras matérias-primas importantes, em uma segunda potência
económica do mundo.

O PIB do Japão, medidos em termos capitalistas – ainda que os dados variam


conforme as fontes ocidentais, atinge hoje mais de 4,5 milhões de milhões
dólares, e as suas reservas em divisas atingiram mais de um milhão de milhões.
É ainda o dobro do PIB da China, 2,2 milhões de milhões, ainda que esta possui
um 50% mais de reservas em moeda convertível que esse país.  O PIB dos
Estados Unidos, 12,4 milhões de milhões, com 34,6 vezes mais território e 2,3
vezes mais população, é apenas três vezes maior do que o do Japão.  

O seu governo é hoje um dos principais aliados do imperialismo, quando este


está ameaçado pela recessão económica e as armas sofisticadas da
superpotência são usadas contra a segurança da espécie humana.

São lições inesquecíveis da história.

A guerra, porém, afectou consideravelmente a China.  Truman deu ordens à


VI Frota de impedir o desembarque das forças revolucionárias chinesas que
conseguiriam  a total libertação do país com a recuperação de 0,3 por cento do
seu território, que tinha sido ocupado pelas outras forças pró-ianque  de Chiang
Kai-shek  que para ali tinham fugido.

As relações chinesas-soviéticas se deterioraram depois, após a morte de


Stalin, em Março de 1953.  O movimento revolucionário se dividiu em quase
todas as partes. O apelo dramático de Ho Chi Minh deixou constância do prejuízo
ocasionado, e o imperialismo, com o seu enorme aparelho mediático, atiçou o
fogo do extremismo dos falsos teóricos revolucionários, um tema onde os órgãos
de inteligência dos Estados Unidos se tornaram em peritos.

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A Coréia do Norte lhe tinha correspondido, na arbitrária divisão, à parte mais


acidentada do país.  Cada grama de alimento tinha que conseguí-la a custa do
suor e do sacrifício.  De Pyongyang, a capital, não restou pedra sobre pedra.  Um
elevado número de feridos e mutilados de guerra deviam ser atendidos. 
Estavam bloqueados e sem recursos.  A URSS e os outros Estados do campo
socialista se reconstruíam.

Quando cheguei em 7 de Março de 1986 à República Popular Democrática da


Coréia, quase 33 anos depois da destruição que deixou a guerra, era difícil
acreditar naquilo que lá aconteceu. Aquele povo heróico tinha construído
inúmeras obras: grandes e pequenas represas e canais para acumular água,
produzir energia eléctrica, abastecer cidades e regar os campos, termoeléctricas,
importantes indústrias mecânicas e de outros domínios, muitas delas por baixo
da terra, encravadas nas profundezas das rochas com trabalho duro e metódico.
Por falta do cobre e do alumínio viram-se obrigados a usar inclusive ferro em
linhas de transmissão devoradoras da energia eléctrica, que em parte provinha
da hulha. A capital e outras cidades arrasadas foram construídas metro a metro.
Calculei milhões de moradias novas nas áreas urbanas e rurais e dezenas de
milhares de locais de serviços de todo tipo. Inúmeras horas de trabalho estavam
convertidas em pedra, cimento, aço, madeira, produtos sintéticos e
equipamentos. As sementeiras que pude observar, em qualquer lugar que fui,
pareciam jardins. Um povo bem vestido, organizado e entusiasta estava em
todas as partes, recebendo o visitante. Merecia a cooperação e a paz.

Não houve tema que não discutisse com o meu ilustre anfitrião Kim II Sung.
Não o esquecerei.

A Coréia ficou dividia em duas partes por uma linha imaginária. O Sul viveu
uma experiência diferente. Era a parte mais povoada e sofreu menos destruição
naquela guerra. A presença de uma enorme força militar estrangeira precisava o
fornecimento de produtos locais manufacturados e outros, nomeadamente o
artesanato, frutas e vegetais frescos, para além dos serviços. As despesas
militares dos aliados eram enormes. O mesmo aconteceu quando os Estados
Unidos decidiram manter indefinidamente uma grande força militar. As
transnacionais do Ocidente e do Japão investiram nos anos da Guerra Fria
consideráveis quantidades de dinheiro, extraindo riquezas sem limites derivados
do suor dos coreanos do sul, um povo igualmente laborioso e abnegado como os
seus irmãos do Norte. Os grandes mercados do mundo estiveram abertos aos
seus produtos. Não estavam bloqueados. Hoje o país atinge elevados níveis de
tecnologia e produtividade. Já sofreu as crises económicas do Ocidente, que
originaram a adquisição de muitas empresas coreanas do sul pelas
transnacionais. O carácter austero do seu povo lhe permitiu ao Estado a
acumulação de importantes reservas de divisas. Hoje suporta a depressão
económica dos Estados Unidos, especialmente os elevados preços de
combustíveis e alimentos, e as pressões inflacionárias derivadas de ambos os
dois.

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O PIB da Coréia do Sul, 787 mil 600 milhões de dólares, é igual ao do Brasil
(796 mil milhões) e do México (768 mil milhões), ambos com abundantes
recursos de hidrocarbonetos e populações incomparavelmente maiores.

O imperialismo impôs às referidas nações o seu sistema. Duas ficaram atrás;


a outra avançou muito mais.

Da Coréia do Sul apenas emigram a Ocidente; do México, o fazem


massivamente para o actual território dos Estados Unidos; do Brasil, da América
do Sul e Centro América, a todas as partes, atraídos pela necessidade de
emprego e a propaganda consumista. Hoje os retribuem com normas rigorosas e
depreciativas.

A posição de princípios sobre as armas nucleares subscrita por Cuba no


Movimento dos Países não Alinhados, ratificada na Conferência Cimeira de
Havana em Agosto de 2006, é conhecida.

Cumprimentei pela primeira vez ao actual líder da República Popular


Democrática da Coréia, Kim Jong II, quando cheguei ao aeroporto de Pyongyang
e ele estava discretamente situado a um lado do tapete vermelho perto do seu
pai. Cuba mantém com o seu governo excelentes relações.

Com o desaparecimento da URSS e o campo socialista, a República Popular


Democrática da Coréia perdeu importantes mercados e fontes de fornecimento
de petróleo, matérias-primas e equipamentos. Do mesmo jeito que para nós,
foram duras as consequências.

O progresso atingido com grandes sacrifícios viu-se ameaçado. Apesar disso,


mostraram a capacidade de produzir a arma nuclear.

Quando aconteceu, há por volta de um ano o ensaio pertinente,


transmitimos-lhe ao Governo da Coréia do Norte os nossos pontos de vista sobre
o prejuízo que aquilo poderia causar para os países pobres do Terceiro Mundo os
quais tinham uma luta desigual e difícil contra os planos do imperialismo, em
uma hora decisiva para o mundo.

Talvez não fosse preciso fazê-lo. Kim Jong II, chegado a esse ponto, tinha
decidido antecipadamente o que devia de fazer-se, tendo em conta os factores
geográficos e estratégicos da região.

Satisfaz-nos a declaração da Coréia do Norte sobre a disposição de


suspender o seu programa de armas nucleares. Isto não tem nada a ver com os
crimes e chantagens de Bush, que agora se gaba da declaração coreana como
sucesso da sua política de genocídio. O gesto da Coréia do Norte não era para o
governo dos Estados Unidos, perante o qual não cedeu nunca, senão para a
China, país vizinho e amigo, cuja segurança e desenvolvimento é vital para os
dois Estados.

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Os países do Terceiro Mundo estão interessados na amizade e cooperação


entre a China e ambas as partes da Coréia, cuja união não tem que ser
necessariamente uma à custa da outra, como aconteceu na Alemanha, hoje
aliada dos Estados Unidos na OTAN. Aos poucos, devagar mas sem trégua, como
corresponde a sua cultura e a sua história, continuaram se estreitando os laços
que unirão as duas Coréias. Com a Coréia do Sul desenvolvemos
progressivamente os nossos vínculos; com a Coréia do Norte esses laços tem
existido sempre e continuaremos fortalecendo-os.

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Fonte

Inclusão 08/09/2019

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