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Como Escrever uma Tese em Direito

Preprint · June 2019


DOI: 10.13140/RG.2.2.31005.77283

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Ivo Teixeira Gico Junior


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Programa de Pós-Graduação em Direito

COMO ESCREVER UMA TESE EM DIREITO

Prof. Dr. Ivo T. Gico Junior, Ph.D.

Working Paper

Faculdade de Direito
Centro Universitário de Brasília – UniCeuB
Brasília – 2019

I
Sumário

1 O que é um doutorado? .................................................................................................. 1

2 Construindo uma Tese de Doutorado ......................................................................... 10

3 Dicas para Escrever uma Tese no Prazo .................................................................... 25

II
1 O que é um doutorado?

Como professor universitário, quase todos os dias alguém me pergunta se deve ou


não fazer uma pós-graduação em direito e se esse empreendimento é muito difícil. Eu
sempre respondo perguntando, primeiro, o que a própria pessoa deseja alcançar e isso,
muitas vezes, gera perplexidade ou frustração no meu interlocutor. Todavia, como prag-
mático que sou, a resposta para a pergunta normativa “devo ou não devo fazer uma pós-
graduação” só pode ser respondida se antes o interlocutor estabelecer o seu valor, o seu
objetivo e, por isso, a pergunta. O doutorado não é pra todos. O doutorado não serve a
todos. Mesmo entre os que desejam, alguns não serão capazes de terminar o doutorado.
Nesse sentido, antes de discutirmos como preparar uma tese em Direito é importante uni-
formizarmos alguns conceitos para facilitar a comunicação.

A distribuição do nível educacional é uma pirâmide invertida e é natural que seja


assim. A maioria dos brasileiros1 não possui mais que o ensino fundamental completo.
Desses, menos de 20 milhões, ou seja, 15,3% da população, concluíram o ensino supe-
rior2. Do pequeno grupo que concluiu o ensino superior, parece razoável afirmar que, via
de regra, a maioria dos profissionais possui apenas a graduação (incluindo bacharelado e
licenciatura). Dessa minoria de graduados, alguns possuem uma pós-graduação lato sensu
e, portanto, são especialistas e uma minoria ainda menor possui mestrado, que é a pós-
graduação stricto sensu. Dessa elite educacional, uma parcela ainda menor se arrisca a
buscar um doutorado, alcançando o ápice da pirâmide educacional. Por quê?

O ensino fundamental é obrigatório por lei e, de uma perspectiva geral, serve para
treinar cada um de nossos cidadãos de maneira que consigam compreender e funcionar
em sociedade. Ele inclui os conceitos básicos para compreender a si próprios, o mundo e
atuar de maneira eficaz em sua comunidade. Esse ensino é padronizado, com pouco grau
de especialização e se propõe a construir um mínimo de identidade nacional, com o ensi-
namento da história de nosso povo, de nossa geografia e de nossa língua, além de

1
De acordo com o PNAD de 2017, 51% da população com mais de 25 anos possui, no máximo, o ensino
fundamental completo, sendo que esse grau de escolaridade é planejado para alcançar jovens de até 14 anos.
Notícia disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-
noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-
no-maximo-o-ensino-fundamental-completo
2
Idem.

1
disciplinas universais, como a matemática, as ciências e um pouco sobre o resto do
mundo. Quando o ensino fundamental é especializado e direcionado ao treinamento de
um ofício, chamamo-lo de ensino profissionalizante, pois também prepara o aluno para
ter uma profissão (e.g. técnico em contabilidade, mecânico, secretário). Uma boa parcela
das atividades humanas modernas (ofícios) pode ser desenvolvida satisfatoriamente ape-
nas com esse grau de escolaridade.

Após o ensino fundamental, em geral, as pessoas buscam uma graduação para


desenvolver uma atividade específica, que requer um conhecimento mais aprofundado
em uma determinada área, ou para terem uma remuneração melhor, dado que – via de
regra – as pessoas graduadas tendem a ter renda superior aos que possuem apenas o ensino
fundamental3. A graduação funciona com o mapeamento extensivo e aprofundamento se-
letivo de disciplinas, isto é, a maior parte dos cursos de graduação constitui-se de um
grande mapeamento das principais áreas do conhecimento daquela área específica, nor-
malmente disciplinas obrigatórias, com o aprofundamento seletivo em algumas poucas
áreas; normalmente, as disciplinas eletivas. O pressuposto é que toda e qualquer pessoa
que tenha se graduado naquela área seja capaz de desempenhar adequadamente as funções
daquela profissão. Assim, enquanto o ensino fundamental tem caráter universalizante e
estruturante, o ensino superior ordinário tem um caráter profissionalizante, isto é, o gra-
duado é preparado para atuar profissionalmente em alguma área4.

Mas se isso é verdade, então, para que serve a pós-graduação? Bem, a pós-gradu-
ação lato sensu serve para permitir ao profissional um aprofundamento em uma única
área do conhecimento, permitindo-lhe tornar-se um especialista nela5. Lembre-se, a gra-
duação segue o mapeamento extensivo e o aprofundamento seletivo, logo, é muito pro-
vável que o profissional não tenha tido tempo ou condições de se aprofundar suficiente-
mente na área em que pretende atuar. Assim, essa especialização pode ter duas funções:
uma profissional e outra acadêmica. Quando o objetivo é apenas um maior

3
Se por nada mais, apenas pelo simples fato de que são em menor número e, portanto, há uma menor
concorrência entre elas.
4
A mim parece muito questionável uma graduação que, ao final, o graduado não tenha uma profissão. Olhe,
eu sou formado em X, mas não tenho qualquer profissão. Sem entrar em casos específicos, que existem,
em geral, minha percepção é que tais cursos não deveriam ser graduações ou deveriam ser simplesmente
especializações para pessoas não-graduadas ou mesmo para as já graduadas.
5
Em medicina, por exemplo, especializações são feitas para aprender procedimentos e técnicas específicas,
enquanto residências são usadas para criar especialistas em determinadas áreas, algo semelhante a um mes-
trado profissional.

2
aprofundamento em uma determinada área para uso no mercado de trabalho, o caminho
escolhido normalmente são os cursos de pós-graduação lato sensu, ou, vulgarmente, es-
pecializações. Eu, por exemplo, para ganhar uma vantagem competitiva na advocacia,
uma de minhas profissões, fiz uma pós-graduação lato sensu em processo civil assim que
conclui a graduação em direito e, portanto, me tornei especialista em processo civil. Como
o objetivo da especialização é profissional, seu requisito normalmente é uma grande carga
horária de treinamento em uma determinada área (aprofundamento seletivo) e uma mo-
nografia ou projeto final. O foco é no compartilhamento de, e em treinamento em, conhe-
cimento pré-existente e não na produção de conhecimento novo.

Já o mestrado acadêmico6, que constitui uma pós-graduação stricto sensu, é um


curso que prepara professores universitários. Assim como a especialização, o mestrado
também é caracterizado pelo aprofundamento seletivo, com uma maior carga horária so-
bre um assunto mais específico, mas, além do aprofundamento (compartilhamento de co-
nhecimento), o resultado final deve ser uma dissertação, que é um trabalho substancial-
mente mais profundo que uma monografia. Enquanto uma monografia não é substancial-
mente diferente de um artigo científico, uma dissertação de mestrado deve esgotar um
determinado tema e, portanto, tende a ser maior e mais densa. Ao fim de um mestrado
acadêmico, o candidato se tornará mestre em um determinado assunto e, portanto, plena-
mente capaz de ensinar qualquer aspecto de seu tema.

Há dois aspectos relevantes de uma dissertação de mestrado que serão úteis para
entendermos o que é uma tese de doutorado.

Primeiro, a dissertação de mestrado não precisa ser inovadora, mas precisa ser
original. Isso quer dizer que a dissertação de mestrado não precisa trazer conhecimento
novo, ela não tem como requisito a produção de conhecimento, mas apenas a sistemati-
zação e o domínio pleno de um determinado conteúdo. No entanto, e aqui está o principal
erro dos mestrandos, a dissertação para ser útil e, portanto, válida, não pode ser uma mera
repetição acrítica de tudo que já se disse antes. Uma dissertação não é uma lista telefônica

6
Aqui eu vou me abster de discutir o mestrado profissional, pois a sua função é idêntica à da pós-graduação
lato sensu, apenas mais profundo e mais difícil e, supostamente, mais valioso no mercado de trabalho. Essa
é a razão pela qual no mestrado profissional o foco não é uma dissertação, mas um projeto ou produto. De
qualquer forma, vários programas podem ser ao mesmo tempo acadêmicos e profissionais, a depender do
foco final do candidato. Para facilitar, a partir de agora, eu farei referência apenas a mestrado.

3
com a citação de todos os livros e artigos que já falaram sobre o assunto. Ela deve trazer
alguma reflexão de seu autor e agregar valor à comunidade científica. Assim, uma disser-
tação é plenamente válida se trouxer uma sistematização de conhecimento sobre um as-
sunto que não foi feita até o momento ou quando sistematiza um conhecimento de ma-
neira jamais organizada antes e essa organização nos permite compreender coisas ou as-
pectos do problema que antes estavam obscuros. É essa sistematização do conhecimento,
que permite medir o domínio do candidato sobre o assunto e, portanto, se o candidato
adquiriu maestria sobre ele, isto é, o dominou.

Segundo, uma dissertação de mestrado é, em larga medida, uma grande investiga-


ção do estado da arte sobre seu assunto. Em todos os projetos de doutorado um dos requi-
sitos básicos é a apresentação do estado da arte sobre o problema, ou seja, qual a situação
atual do conhecimento humano sobre o seu assunto? Como você pode saber se a sua tese
é inovadora se não sabe o estado da arte de seu tema? Não há como medir nem a relevân-
cia, nem a originalidade, muito menos a inovação de sua tese sem antes termos um estado
da arte adequado. Nesse sentido, uma dissertação de mestrado é, em larga medida, o es-
tado da arte de seu assunto. Não precisa ser inovadora, mas deve ser original e conter todo
o conhecimento humano disponível no momento sobre o assunto que escolheu. Mais uma
vez, é por isso que, se aprovado, o candidato será considerado mestre em seu tema.

Não é incomum que professores do direito entendam que uma dissertação de mes-
trado é uma mera “narrativa” sobre um assunto. Eu particularmente discordo, pois uma
monografia também é uma narrativa e uma tese também é uma narrativa e, bem, qualquer
texto coerente é uma espécie de narrativa, inclusive livros de ficção científica, então, essa
abordagem não me parece satisfatória. De qualquer forma, a essa altura você já deve ter
percebido que os professores de direito (e para todos os efeitos, os professores dos demais
departamentos de humanas) não concordam muito em questões epistemológicas e meto-
dológicas. Ao invés de se desesperar, aproveite a opinião de cada um e aceite este fato
como a oportunidade de escolher o seu caminho.

4
E isso já nos permite explicar para que serve o doutorado, o grau máximo da pi-
râmide educacional7. Um doutor é o profissional que não apenas domina determinado
assunto em sua área de concentração, mas também que demonstrou capacidade de criar
conhecimento, inovando. É por isso que uma tese de doutorado não apenas deve ser ori-
ginal, mas também deve ser inovadora. O objetivo do doutorado é formar pesquisadores,
profissionais que façam pesquisa e produzam conhecimento novo de forma autônoma. O
objetivo do mestrado é formar professores especialistas, profissionais que dominem pes-
quisas preexistentes e disseminem o conhecimento. Alguém pode ser um professor e um
pesquisador ao mesmo tempo, e ser muito bom em ambas as funções, mas uma profissão
não requer a outra e, normalmente, o profissional tem vocação para apenas uma.

Obviamente, a depender do conhecimento e de sua utilidade no mercado de traba-


lho, tanto um mestre quanto um doutor podem ter alta empregabilidade em posições além
de professor. Pense, por exemplo, em um mestre em ciência da computação que fez mes-
trado em Big Data e Inteligência Artificial, dominando todas as principais técnicas dis-
poníveis no mercado. Esse profissional será procurado por muitas empresas e órgãos go-
vernamentais para resolver problemas que demandem essa expertise. Por outro lado, nos
mercados mais competitivos, os mesmos empregadores podem precisar de doutores, que
sejam capazes não apenas de aplicar o conhecimento existente aos seus desafios, mas
também inventar novas abordagens e soluções, o que só pode ser feito com pesquisa. Não
é à toa que muitas empresas inovadoras geram mais conhecimento e patentes que países
inteiros.

Além disso, atualmente, é muito comum se ouvir de professores e órgãos educa-


cionais que a graduação, o mestrado e o doutorado devem ser integrados e que o processo
de aprendizagem deve ser interligado para incluir ensino e pesquisa. Eu respeitosamente
discordo8. Se é verdade que as habilidades de pesquisar um conteúdo e de usar critica-
mente o conhecimento adquirido são habilidades que deveriam ser ensinadas e exigidas
desde o primeiro semestre da graduação (e porque não dizer desde o ensino fundamental),

7
Muitas pessoas não sabem, mas o pós-doutorado não é título acadêmico, é apenas uma pesquisa feita após
o doutorado. O pós-doutorado não tem nem as exigências, nem a extensão de um doutorado, inclusive pode
durar apenas três meses, enquanto um doutorado normalmente dura quatro anos.
8
Obviamente, estou aberto a receber pesquisas empíricas que demonstrem cabalmente que a integração
gera benefício pedagógicos substanciais que compensem os custos de oportunidade da obrigatoriedade de
todos os alunos realizarem pesquisa, mesmo os que não têm vocação ou interesse.

5
a elaboração de monografias e dissertações requer maturidade e interesse que não são
universais, nem uniformemente necessários. Saber pesquisar e pensar criticamente são
habilidades essenciais para qualquer profissional, mas o tipo de pesquisa acadêmica ne-
cessária para a elaboração de uma monografia ou uma dissertação não. Aqui a discussão
é como a da dispensação do flúor. O flúor em si é bom para a saúde bucal, mas porque
alguns brasileiros não possuem higiene bucal adequada, adiciona-se flúor na água potável
para todos consumirem, o que leva ao excesso de consumo de flúor, tornando algo que
poderia ser bom em ruim. Assim, saber pesquisar e pensar criticamente é bom para todos,
mas tentar transformar todas os graduandos em pesquisadores é contraprodutivo9.

Penso que a graduação deveria se concentrar em formar bons profissionais, com


o maior e mais profundo conteúdo possível, ensinando as habilidades necessárias para o
profissional funcionar adequadamente em sua profissão e, inclusive, aprender novos con-
teúdos e novas habilidades no futuro. A graduação não é o fim, mas apenas o começo da
formação. Aliás, o foco deveria ser em habilidades e não em conteúdo. Muitas profissões
estão evoluindo de forma tão acelerada que poucos anos após o fim da graduação o con-
teúdo aprendido já se encontra obsoleto. Em um mundo de avanço geométrico, habilida-
des valem mais que conteúdo. O ensino superior ainda está estruturado em cima de uma
lógica medial, enciclopédica. As aulas de hoje não são muito diferentes das aulas de cem
anos atrás, mas o mundo é radicalmente diferente. Nesse sentido, penso que a graduação
deveria focar no que é útil para os graduandos, em conhecimentos modernos, atuais.
Aqueles que desejarem uma maior concentração em uma determinada área ou desejarem
ser professores, devem se tornar mestres. Dominarão a área e se tornarão disseminadores.
Por fim, aqueles que já adquiriram o domínio sobre determinada área e agora desejam
inovar, podem, então, tornar-se doutores. Estes sim investirão anos para adquirir as habi-
lidades e ferramentas necessárias para inovar. Testarão e fracassarão inúmeras vezes na
busca por novas abordagens até conseguir uma vitória: a sua tese!

9
Nesse sentido, requisitos como monografia final de curso para a graduação me parecem completamente
desnecessários e até deletérios para a formação dos alunos. As Instituições de Ensino Superior devem ofe-
recer programas de iniciação científica e matérias optativas de monografia, para aqueles que assim deseja-
rem, mas supor que todos devam ter o mesmo perfil acadêmico ou passar por tais experiências é ignorar a
individualidade de cada aluno e a função da graduação. Muitos alunos que apenas desejam entrar no mer-
cado de trabalho são obrigados a passar por experiências que em nada lhes ajudam e, muitas vezes, os
traumatizam. Todavia, no Brasil, pouco valorizamos a autonomia e a vontade do indivíduo e tendemos a
char que o Estado, e seu braço regulatório, sabem o que é melhor para você e os demais.

6
De qualquer forma, após todas essas explicações, acho que é conveniente um re-
sumo visual, para deixar mais claro o meu ponto. Para isso, eu gosto de fazer referência
às ilustrações do Guia Ilustrado para um Ph.D.10. Imagine que o círculo à esquerda contém
todo o conhecimento humano. Após o ensino fundamental, normalmente dos 6 aos 14
anos, você já sabe um pouco sobre o mundo, como no círculo à direita.

Quando você termina o ensino médio, normalmente dos 15 aos 17 anos, já sabe
um pouco mais, como representado no círculo à esquerda inferior. E, ao final da gradua-
ção, adquire uma especialidade, esse cocuruto no círculo à direita inferior:

Especialidade

No mestrado você aprofunda essa especialidade, como indica o círculo à esquerda.

10
Disponível em http://matt.might.net/articles/phd-school-in-pictures/. A página do Prof. Matt Might é:
http://matt.might.net/

7
Se o candidato realizar adequadamente o seu mestrado, por meio da leitura de
artigos e livros, chegará à fronteira do conhecimento humano, como indicado acima à
direita e, a partir de agora, após ter chegado a esse limite, o doutorando passa a focar
todos os seus esforços. O doutorando deve pesquisar e pressionar esse limite por alguns
anos, até que, um dia, finalmente, esse limite se rompa e ceda um pouco:

E é justamente esse pequeno avanço que você criou que chamamos de tese. Obvi-
amente, o mundo parece bem diferente para você agora:

Tese

Mas nunca se esqueça do quadro maior e do que efetivamente é a tese, pois um


erro muito comum é o candidato querer escrever uma tese que irá revolucionar o mundo,
como a busca pela paz mundial, pelo desenvolvimento econômico, a felicidade ou coisa
semelhante:

8
Sua tese!

Uma tese de doutorado é uma contribuição ao conhecimento humano em uma de-


terminada área. Normalmente pressupõe que o candidato foi até a fronteira do conheci-
mento (estado da arte) e a deslocou. Dificilmente a tese será revolucionária, pois dificil-
mente qualquer conhecimento é revolucionário. Normalmente o crescimento é pequeno e
marginal. Lembre-se disso quando for propor o seu projeto.

Por outro lado, o que eu disse acima significa que apenas um doutorando pode
inovar? Não, claramente não. Como demonstrarei a seguir, um graduando pode inovar
tanto quanto um doutor, basta ter criatividade, capacidade e disposição. O ponto aqui é
apenas que, do ponto de vista acadêmico, não se exige do candidato que o faça, mas nada,
repito, nada impede que se inove em qualquer nível acadêmico. Em termos mais formais,
a inovação é um limite inferior apenas no doutoramento, jamais sendo um limite superior
em qualquer dos graus. Nesse sentido, os professores de graduação que dizem que seus
alunos não podem inovar em suas monografias, por não serem doutores, não apenas estão
redondamente equivocados, como também estão prestando um desfavor ao orientando e
à comunidade em geral, pois estão matando um talento e impedindo o avanço do conhe-
cimento humano. Uma coisa é o candidato não ter argumentos para sustentar sua propo-
sição, outra coisa é ele não poder propor algo inovador, ainda que fundamentado. Uma
coisa é o candidato ter preguiça de levantar o estado da arte e, por isso, escrever apenas
sua opinião. Outra coisa é o candidato ser obrigado por seu orientador ou pela banca a
seguir um marco teórico ao invés de propor algo novo.

Esse tipo de postura é muito comum no Direito, onde várias vezes o argumento é
posto ou validado não por sua coerência lógica, sua fundamentação ou aderência à

9
realidade, muito menos por sua capacidade explicativa ou preditiva, mas pura e simples-
mente por ser defendido por alguém que ocupa um alto posto, como um Ministro, ou
apenas no prestígio de um determinado professor ou doutrinador. É a falácia do argu-
mento de autoridade (argumentum ad verecundiam), que propõe a aceitação de algo como
verdade apenas porque alguma autoridade diz que é verdade, cumulada com a falácia do
argumento contra a pessoa (argumentum ad hominem), nesse caso o candidato, quando
se diz que quem não é doutor não pode inovar. Não é a inovação que é verdadeira ou não,
coerente ou não, é a pessoa que não pode fazê-lo. Nada nesse texto pode ser lido como
endossando essa postura maléfica para o avanço do candidato ou do conhecimento hu-
mano.

Dito isso, agora que você já tem uma ideia da diferença entre uma tese de douto-
rado e uma dissertação de mestrado e, espero, uma ideia do que se espera do ponto de
vista acadêmico de cada um (limite inferior), eu gostaria de compartilhar minha experi-
ência na construção de monografias, dissertações e teses e reforçar o fato de ser possível
inovar em cada uma dessas etapas.

2 Construindo uma Tese de Doutorado

A vasta maioria dos que vêm conversar sobre como construir uma tese em direito
sofre com o fato de não terem ideias novas. Uma ideia pode ser nova no conteúdo –des-
cobre-se algo que ninguém viu ou resolve-se um problema que ninguém resolveu– e uma
ideia pode ser nova por usar um método diverso para resolver um velho problema já re-
solvido. Nos dois casos temos uma inovação. Para a maioria das pessoas ter ideias novas
é difícil. Eu costumo dizer que uma ideia nova vem de um problema no seu trabalho ou
de sua paixão pelo seu tema e do desejo de saber mais, todavia, a maioria dos alunos não
é apaixonada pelo que faz. Eu sou afortunado o suficiente para poder dizer que sou apai-
xonado pelo que faço e talvez por isso tenha muitas ideias sobre os mais diversos temas
jurídicos. Mas como encontrei um problema para pesquisar?

Minha primeira experiência com pesquisa em direito, ainda na graduação na Uni-


versidade de Brasília – UnB, em 1996, foi sobre a patenteabilidade de algoritmos. Eu
tinha aprendido a programar sozinho e descobri que existia um instituto no direito cha-
mado patente. Eu não tinha tido qualquer aula de propriedade intelectual, nem a pesquisa
era obrigatória ou me dava qualquer crédito para me formar. Eu apenas queria saber e,

10
portanto, pesquisar, dado que não encontrei a resposta. Procurei um professor no Depar-
tamento de Direito que pudesse me orientar. Nenhum se dispôs. Procurei, então, profes-
sores no Departamento de Ciências da Computação. Mais uma vez, ninguém se dispôs a
me orientar. A pergunta era instigante e inovadora, mas acabei abandonando o projeto.

E aqui está a primeira lição. Não importa quão interessante ou inovadora é a sua
ideia. Se você não tiver os instrumentos para executá-la, teóricos ou práticos, ela não
serve para nada. Não passa de sonho. Mesmo para as cabeças mais criativas e ambiciosas
é necessário algum grau de pragmatismo. Se não há um único professor ou pesquisador
no seu departamento para te orientar no seu tema e você não tem o conhecimento ou a
capacidade de desenvolvê-lo sozinho, então, sua pesquisa não acontecerá. Logo, escolha
uma tese que seja factível para você e que seja compatível com a instituição na qual es-
tuda. Se for aprender algo novo, fora de sua área de atuação, reserve muita energia e
tempo extra para aprender, pois será necessário, como demonstrarei a seguir. Se você já
está nervoso só com a tese e não tem condições de se entregar de corpo e alma 11 à sua
ideia, então, mude de tema!

No ano seguinte, apareceu uma outra oportunidade para pesquisar, dessa vez para
participar do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC. À época,
a quantidade de medidas provisórias editadas pelo Presidente incomodava a mim e à mi-
nha parceira de pesquisa, hoje minha esposa, e decidimos investigar “O Estado de Neces-
sidade Legislativo e as Medidas Provisórias”12, um tema de Direito Constitucional ino-
vador à época. O que motivou essa pesquisa foi a nossa insatisfação com um comporta-
mento que entendíamos ser inadequado por parte do Poder Executivo e a busca por uma
resposta jurídica para essa possibilidade que parecia incompatível com a separação dos
poderes. Poucos sabem, mas havia um decreto regulando o Estado de Necessidade Legis-
lativo.

Nesse caso eu não repeti o erro anterior. Nosso orientador foi o professor de direito
constitucional, o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes,

11
Aqui há uma liberdade poética. Eu não estou sugerindo que você dedique sua contraparte ectoplásmica
ao seu empreendimento acadêmico, mas você pegou o espírito. Desculpe o trocadilho.
12
GICO JUNIOR, Ivo T. e LANIUS, Danielle Cristina, O Estado de Necessidade Legislativo e as Medidas
Provisórias, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC, 1998. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/332818247_O_Estado_de_Necessidade_Legislativo_e_as_Me-
didas_Provisorias

11
então Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, que era responsável, adivinhe pelo
que? Pela elaboração das referidas medidas provisórias. Nosso orientador discordava ve-
ementemente de nossa ideia, mas ninguém sabia mais do tema do que ele. Dessa vez, eu
tinha um orientador que efetivamente poderia me orientar e a pesquisa funcionou.

Por outro lado, se dessa vez escolhi corretamente o orientador, o método escolhido
por nós não foi o mais adequado. Nosso trabalho é eminentemente de direito comparado,
passando pela análise do instituto do Estado de Necessidade Legislativo na Alemanha, na
Itália, na França e, por fim, no Brasil. Parece muito sofisticado e interessante, certo? Bem,
interessante certamente era e aprendemos muito e nos divertimos muito realizando essa
pesquisa. No entanto, e aqui vai uma crítica aos estudos de direito comparado, na maioria
das vezes esse tipo de estudo é interessante, mas inútil. O fato de um instituto ser assim
ou assado em qualquer país que não o Brasil não é argumento suficiente para ele ser assim
ou assado no Brasil. Por isso, esse tipo de estudo costuma ser bastante limitado do ponto
de vista argumentativo. Veja que cada um dos capítulos de nossa pesquisa poderia ser um
artigo acadêmico à parte, pois são temas interessantes. Todavia, nenhum deles ilumina ou
explica o instituto no Brasil, que era o foco da pesquisa.

É muito comum que uma pessoa que não tenha efetiva formação ou experiencia
no sistema jurídico estrangeiro baseie sua opinião sobre o sistema em um ou outro dou-
trinador. Muitas vezes afirmam-se coisas baseadas em sua própria leitura do texto legal,
mas sem conhecimento de todo o sistema ou da cultura jurídica local. E isso significa que
há um grande risco de o pesquisador estar adotando uma posição parcial, que não reflete
a realidade, ou de simplesmente interpretar errado o texto legal. Somado ao cacoete jurí-
dico de defender a posição adotada e não de pesquisar de verdade, há uma grande tendên-
cia de o candidato escolher apenas o que lhe interessa para defender sua tese e, seletiva-
mente, não mencionar o que lhe é desfavorável (cherry picking).

Além disso, a maioria dos trabalhos que menciona algum direito comparado não
faz, na realidade, qualquer comparação. Após capítulos com conceitos e princípios ou
históricos inúteis, inserem um ou mais capítulos de seu objeto de pesquisa no direito es-
trangeiro, mas nem tal discussão é útil para entender o que se propõe, nem é utilizada para
contrapor o instituto no Brasil. Em síntese: grande parte dos chamados estudos de direito
comparado sequer comparam os institutos objeto de análise e, portanto, não são estudos
de direito comparado, mas mera citação de direito estrangeiro. Simplesmente se diz algo

12
do tipo: na Indonésia a prescrição funciona dessa forma... Em suma, pelo menos para
mim, é interessante saber como a prescrição funciona na Indonésia, mas provavelmente
essa informação será completamente inútil para se discutir como ela funciona no Brasil
ou para resolver um problema aqui. Interessante é bem diferente de útil! Sua tese deve
ter apenas as informações úteis para a construção do raciocínio e não informações inte-
ressantes, mas despiciendas.

Outro equívoco de quem escreve uma tese é usar a existência de um instituto em


um país como argumento de autoridade para dizer que o instituto deve ser igual no Brasil
ou deve ser interpretado da mesma forma. Recentemente tive uma aluna que escreveu
sobre os danos punitivos (punitive damages) e a sua compatibilidade com o ordenamento
jurídico nacional. Na qualificação, a dissertação era substancialmente demonstrando que
os Estados Unidos aplicam os punitive damages, com mais de 50 páginas, em uma pe-
quena seção mostrando que a Itália e a França consideram inconstitucional sua aplicação
sem uma lei prévia. Umas 4 páginas. O que isso quer dizer? Nada. Se os EUA e/ou a
Itália e/ou a França usam ou não usam o instituto dos danos punitivos é completamente
irrelevante para responder à pergunta se esse instituto é compatível com o ordenamento
jurídico brasileiro. Mas o direito estrangeiro (não era direito comparado na realidade)
estava sendo usado como argumento de autoridade.

Em um outro caso, um orientando queria mudar toda a política brasileira de trata-


mento de resíduos sólidos porque a nossa abordagem era diferente da regulação na União
Europeia e nos EUA. Quando eu perguntava qual o fundamento jurídico para a afirmação
de que o Governo brasileiro deveria mudar, ele respondia que a política brasileira era
ineficiente. Mas por que ela é ineficiente? Respondia ele: porque é diferente da regulação
na União Europeia e nos EUA. Aqui temos dois problemas. Primeiro, novamente, o uso
do direito estrangeiro (não comparado) como argumento de autoridade. Segundo, a dis-
cordância com uma política pública e achar que isso é uma questão jurídica. Não é. Uma
questão jurídica envolve a investigação do que diz o direito ou dos efeitos do direito ou
até mesmo de uma solução jurídica para um problema real, que o direito pode ou não
estar resolvendo. Mas discordar de uma posição política não é uma investigação jurídica.

De qualquer modo, por essas razões, desincentivo fortemente a realização de qual-


quer trabalho em direito comparado e simplesmente desaconselho o uso do direito

13
estrangeiro como argumento no Brasil13. Parto do pressuposto que é pura encheção de
linguiça ou argumento de autoridade. Agora se o candidato quiser fazê-lo, é seu o ônus
de usar o método com competência e de provar que tal estudo é realmente necessário ou
útil para a tese.

Em 1999, já no final da graduação, iniciei outra pesquisa, dessa vez sobre o con-
trato de arrendamento mercantil e a falência do arrendatário14. Nela, eu sustentava que a
jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça – STJ sobre os limites da propriedade do
arrendador no contrato de leasing, em caso de falência do arrendatário, estava equivocada
e que deveria ser alterada para dar mais prerrogativas à massa falida. Um tradicional tra-
balho de direito em que uma posição é defendida como “devendo ser”. A primeira crítica
que recebi da banca, que tinha como integrante um Ministro do próprio STJ, foi: “você
compreende que o que está defendo vai contra a jurisprudência, correto?” Ao que apenas
pude responder: “Compreendo, mas cabe à banca impugnar o trabalho e demonstrar que
ele logicamente não se sustenta. Se eu não puder defendê-lo, estarei errado. Mas se o
argumento for consistente...” Bem, depois de algumas risadas, a banca foi gentil o sufici-
ente para me aprovar, mas o ponto aqui é que é possível se criticar uma lei ou uma juris-
prudência e, mais do que isso, é salutar e desejável que se façam críticas. Como podemos
avançar se não for assim? No entanto, tais críticas (i) devem ser coerentes e (ii) devem se
basear em argumentos sólidos, senão, não passam de achismos e subjetivismos. O can-
didato deve, o mais possível, abandonar seus desejos e valores para se ater aos fatos
e à lógica15.

13
Note que esse tipo de falácia argumentativa é extremamente comum em nossas cortes superiores, que no
meio de uma decisão sobre o direito brasileiro, citam um caso ou um doutrinador estrangeiro comentando
sobre o direito estrangeiro. Muitas vezes sequer sem traduzir o conteúdo da citação. Claramente uma ma-
nobra retórica e sem qualquer valor argumentativo.
14
Parte dessa pesquisa foi publicada como GICO JUNIOR, Ivo T., Elementos do contrato de arrendamento
mercantil (leasing) e a propriedade do arrendatário, Revista de informação legislativa, v. 36, n. 143, p.
277-308, jul./set. 1999. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/332819262_Elemen-
tos_do_contrato_de_arrendamento_mercantil_leasing_e_a_propriedade_do_arrendatario
15
Aqui fica uma outra dica: seja gentil com o seu interlocutor, mesmo que ele esteja errado. Talvez você
esteja errado! E se não estiver, tente entender a razão de ele não aceitar sua posição. Isso pode ser útil para
melhorar o seu argumento, para você melhorar a sua compreensão e mesmo decidir que concordam em
discordar. Além disso, saiba que tive sorte. A cultura jurídica local faz com que os juristas confundam uma
crítica ao seu trabalho ou a sua posição como uma crítica pessoal e, por isso, normalmente críticas não
são bem recebidas! Desculpe a honestidade, mas use com moderação e por sua conta e risco!

14
Já no ano seguinte, em 2000, como requisito parcial de conclusão de minha pós-
graduação em processo civil, elaborei uma monografia cujo título era “O Documento Ele-
trônico como Meio de prova no Brasil”, uma discussão interessante que ainda estava em
aberto à época16. Aqui, mais uma vez, a ideia era inovadora e objetivava simplesmente
demonstrar que, uma vez compreendida a tecnologia subjacente, não havia qualquer pro-
blema jurídico novo a ser resolvido. Note que esse trabalho constitui um tipo interessante
de inovação: demonstrar que não há problema jurídico novo no fato novo ou, em outras
palavras, que as instituições jurídicas atuais são suficientes para lidar com a nova reali-
dade fática. Às vezes esclarecer a realidade e demonstrar sua compatibilidade com a or-
dem jurídica pré-existente pode ser suficiente para inovar. O problema é novo, mas a
solução é velha.

Assim, por exemplo, uma aluna veio me perguntar se poderia escrever sobre a Lei
nº 13.777, de 20/12/18, que estabelece o regime do condomínio em multipropriedade. Ela
achava a lei muito inovadora e queria estudá-la. A primeira pergunta que eu a fiz foi: “o
que há de novo nessa lei, que já não estivesse no regime geral de condomínio?” Ela não
soube me responder. Então, eu disse para que investigasse o que há de novo. Isso em si é
um tema interessante. Há alguma inovação nessa lei? Ou ela apenas repete o que já se
tinha antes. Às vezes uma pesquisa pode ser para demonstrar que precisamos de um ins-
tituto jurídico novo para resolver um certo problema, enquanto às vezes pode ser para
demonstrar que não precisávamos de um instituto jurídico novo. Tudo isso contribui para
o avanço do conhecimento jurídico.

Em 2001, durante o meu mestrado na Universidade de Colúmbia, Nova York,


comecei a orientar minha carreira para o direito concorrencial e, combinando meu inte-
resse por ciência da computação e software, decidi escrever a dissertação sobre o caso
Microsoft, que à época era o maior caso de direito concorrencial do mundo. Minha ideia:
propor uma solução antitruste estrutural considerando a dinâmica do mercado de sistemas
operacionais e de navegadores de internet que não exigisse à separação da Microsoft

16
Parte dessa pesquisa foi publicada como GICO JUNIOR, Ivo T., O Conceito de Documento Eletrônico,
Repertório IOB Jurisprudência: Tributária Constit. Adm. (2000)
Disponível em: http://works.bepress.com/ivo_teixeira_gico_junior/13/ e O Documento Eletrônico como
Meio de Prova no Brasil., em Novas Fronteiras do Direito na Informática e Telemática (2001)
Disponível em: http://works.bepress.com/ivo_teixeira_gico_junior/14/

15
Corporation em uma empresa de aplicativos e uma empresa de sistema operacional, que
era a solução proposta pelo Department of Justice17. Com a vitória do Partido Republi-
cano, as prioridades da política antitruste norte-americana foram alteradas e o caso foi
arquivado com um Consent Decree.

Essa dissertação é uma demonstração de como um estudo de caso pode ser o ob-
jeto válido para uma dissertação, desde que você seja capaz de demonstrar qual foi a
contribuição do caso para o direito. Um estudo de caso não pode ser apenas interessante.
O caso precisa contribuir substancialmente para a formação ou clarificação do direito, daí
sua relevância jurídica, ou ele precisa revelar uma limitação do direito e pontuar a neces-
sidade de alterações ou criações. Neste exemplo, a dissertação não apenas demonstrava a
viabilidade de aplicação do direito antitruste ao mundo digital (relevância do caso), mas
a solução proposta era inovadora ao utilizar restrições comportamentais no design e li-
cenciamento de software, o que até então não era comum se propor ou discutir. O estudo
desse caso, então, revelava e avançava o direito, como um bom estudo de caso deve fa-
zer18.

Seguindo a carreira profissional, minha tese de doutorado em Direito na Univer-


sidade de São Paulo foi sobre a viabilidade jurídica de se punir empresas por formação
de cartel em mercados caracterizados por colusão tácita. O resultado foi o livro Cartel –
Teoria Unificada da Colusão19, publicado em 2006. A pergunta da tese era clara: a exis-
tência de colusão tácita constitui cartel nos termos da legislação brasileira? Minha hipó-
tese inicial era de que sim, minha conclusão final foi de que não. E para chegar à essa
conclusão encontrei argumentos jurídicos, econômicos e lógicos que, em minha opinião,
infirmavam a hipótese. No caminho, propus uma abordagem que integrasse plenamente
o direito concorrencial (Direito) com o conhecimento disponível de organização indus-
trial (Economia) em uma teoria unificada para o tratamento do fenômeno cartel, na qual
colusão tácita não seria considerada uma infração à ordem econômica em si, mas como
uma prática facilitadora. Obviamente, a Teoria Unificada da Colusão refletia tudo o que

17
GICO JUNIOR, Ivo T., Understanding the Solution for Microsoft, em “Intervenção do Estado no Domí-
nio Econômico - Temas Atuais” (2005), disponível em http://works.bepress.com/ivo_teixeira_gico_ju-
nior/6/
18
Também é possível se usar um caso como exemplo em uma tese. Mas aqui não é o caso em si que é
relevante, sua função é meramente exemplificativa da teoria ou da solução proposta ou mesmo para revelar
a falha das regras jurídicas atuais em resolver um determinado problema ou ainda para motivar o estudo.
19
GICO JUNIOR, Ivo T., Cartel: teoria unificada da colusão. São Paulo: LEX, 2016.

16
eu havia aprendido até aquele momento, inclusive a sofisticação processual referente à
discussão de ônus probatório, desenvolvida durante a pós-graduação em processo.

Note que em minha tese de doutorado eu levantei toda e qualquer bibliografia


sobre o meu tema a que tinha acesso, seja em português, inglês, francês, espanhol ou
italiano, que eram as línguas viáveis para mim. Todos os textos foram consultados no
original, até mesmo o modelo de Cournot20, de 1838. Eu não poderia correr o risco de
realizar uma afirmação sem consultar o original, razão pela qual o apud estava abolido.
E aqui vale um comentário para o doutorando de hoje. Antigamente havia alguma des-
culpa para não se ter acesso a algum livro raro, que só existia em alguma biblioteca espe-
cífica. Inclusive, era comum que pesquisadores fossem passar um período em alguma
instituição apenas para ter acesso à sua biblioteca. Isso praticamente não existe hoje. Uma
vasta quantidade de material está disponível em meio eletrônico e o pouco que não está
pode ser adquirido por sebos em todo o mundo. O desafio hoje não é mais conseguir o
texto original, mas gerenciar e processar todos os textos escritos sobre o seu tema.

Outra lição importante foi o uso do direito comparado na tese. Aqui o direito con-
correncial americano e europeu foi utilizado para relativizar a doutrina dominante, muito
baseada nesses sistemas, e para demonstrar que a legislação brasileira era diferente da
legislação europeia e americana, o que poderia levar a conclusões diversas. Em outras
palavras, que não é o fato de a colusão tácita não ser um ilícito nos Estados Unidos e na
União Europeia que não seria no Brasil e a doutrina escrita para estes países não se aplica
automaticamente ao caso brasileiro. Esse uso do direito estrangeiro foi mais adequado e
mais sofisticado do que o feito por mim na graduação.

A essa altura, o uso do ferramental econômico para entender questões jurídicas e


auxiliar no desenvolvimento de soluções eficazes, em muitos casos contraintuitivas, tinha
se demonstrado de valor inestimável. Esse ferramental já me tinha sido útil tanto no

20
COURNOT, Antoine Augustin. Researches into the Mathematical Principles of the Theory of Wealth
(Reprints of Economic Classics). Trad.: Nathaniel T. Bacon (1897). With an Essay “Cournot and Mathe-
matical Economics” and a “Bibliography of Mathematical Economics” by FISHER, Irving. New York:
Kelley, 1971 (1927). Esse livro é a tradução do original em francês Recherches sur les principes mathé-
matique de la théorie de richesses. Paris: L. Hachette, 1838. Como esse livro não fez sucesso na época,
Cournot parafraseou seu conteúdo em linguagem popular em seu Principes de la Théorie des Richeses, de
1863.

17
mestrado quanto no doutorado em direito e, justamente por isso, decidi aprofundar o co-
nhecimento em economia e tentar um novo doutorado, dessa vez no Departamento de
Economia da UnB. O caminho natural seria escrever uma tese em concorrência ou regu-
lação, áreas em que atuava e já tinha boa experiência, mas como meu objetivo era sofis-
ticar o meu ferramental teórico e ampliar os horizontes, resolvi escrever sobre o Judiciário
brasileiro. Daí surgiu a tese A Tragédia do Judiciário: subinvestimento em capital jurí-
dico e a sobreutilização do Judiciário21.

A tese era a seguinte: pode o próprio Judiciário ser responsável em parte pelo seu
problema de congestionamento endêmico? A conclusão foi de que sim, subinvestindo em
segurança jurídica. Em termos econômicos, considerando-se que a função de produção
do capital jurídico possui dois insumos, o investimento público em segurança jurídica e
o investimento privado em litigância, e que tais insumos são bens complementares, a in-
suficiência do investimento em qualquer um dos insumos terá o mesmo efeito que a in-
suficiência de ambos. Assim, se o Judiciário brasileiro não investir adequadamente em
segurança jurídica, o resultado lógico do ciclo de litigância seria o aumento de litígios e
esse aumento levaria à sobreutilização do Judiciário, a Tragédia do Judiciário22.

E aqui devo retornar à discussão sobre escrever em uma área na qual não se tem
domínio. Porque eu trabalhava com direito concorrencial, acreditava que dominava rela-
tivamente bem a teoria econômica e, portanto, o novo doutorado seria relativamente sim-
ples. Ledo engano. O nível de sofisticação matemática da pós-graduação em economia
ultrapassa, em muito, o nível de conhecimento exigido pela graduação em economia.

21
GICO JUNIOR, Ivo T., A Tragédia do Judiciário: subinvestimento em capital jurídico e sobreutilização
do Judiciário, disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/13529;
GICO JUNIOR, Ivo T., O capital jurídico e o ciclo da litigância, disponível em https://www.resear-
chgate.net/publication/270356747_O_capital_juridico_e_o_ciclo_da_litigancia;
GICO JUNIOR, Ivo T., Anarquismo Judicial e Teoria dos Times, disponível em https://www.resear-
chgate.net/publication/285652695_Anarquismo_Judicial_e_Teoria_dos_Times;
GICO JUNIOR, Ivo T., Anarquismo Judicial e Segurança Jurídica, disponível em https://www.resear-
chgate.net/publication/279250858_Anarquismo_Judicial_e_Seguranca_Juridica; e
GICO JUNIOR, Ivo T., A Tragédia do Judiciário, disponível em https://www.researchgate.net/publica-
tion/295243885_A_tragedia_do_Judiciario.
22
Anos depois eu percebi que além da insegurança jurídica, a própria natureza econômica do direito poderia
levar ao congestionamento dos tribunais e isso gerou mais dois artigos:
GICO JUNIOR, Ivo T., The Tragedy of the Judiciary: an inquiry into the economic nature of law and
courts, disponível em https://www.researchgate.net/publication/327122351_The_Tragedy_of_the_Judici-
ary_an_inquiry_into_the_economic_nature_of_law_and_courts; e
GICO JUNIOR, Ivo T., A Natureza Econômica do Direito e dos Tribunais, disponível em: https://www.re-
searchgate.net/publication/332705807_A_Natureza_Economica_do_Direito_e_dos_Tribunais.

18
Resultado: para conseguir acompanhar as matérias, tive de fazer–simultaneamente ao
doutorado–uma pós-graduação em matemática no departamento de matemática pelo pe-
ríodo de um ano. Apenas depois dessa pós-graduação lato sensu eu consegui acompanhar
certas disciplinas, como análise matemática e econometria e seguir adiante. Tudo isso
enquanto já era professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, tocava o meu próprio escritório de advocacia e ainda dividia minha
atenção com os meus dois filhos recém-nascidos. Não foi um período fácil.

Do exemplo acima tiramos duas lições. Primeiro, programe a sua vida para reali-
zar a doutorado. Essa experiencia é para ser desafiadora, mas prazerosa. Se ir para as
disciplinas ou estudar for um sacrifício para você, provavelmente você não deveria estar
fazendo um doutorado ou não deveria estar fazendo nessa área. Além disso, se você achar
que não dá conta de fazer tudo que deveria fazer para desenvolver a sua tese, seja lá por
que razão for, então, talvez você deva mudar a tese. Converse com o seu orientador e faça
um rearranjo. A ambição acadêmica deve sempre ser ponderada pelo pragmatismo rea-
lista. Segundo, se você ficou assustado com os sacrifícios que tive de fazer para conseguir
o segundo doutorado, então, que isso sirva de aviso quando considerar a realização de um
trabalho interdisciplinar. Um verdadeiro trabalho interdisciplinar requer o domínio de
duas linguagens, de duas áreas do conhecimento, não apenas o uso de retórico de um ou
outro conceito. Isso exige trabalho em dobro e dobra o risco de o trabalho ficar superficial
ou errado em uma das duas áreas. Por isso, pense bem antes de adicionar esse nível de
complexidade em um projeto que já é difícil.

Outro alerta que faço comumente aos meus (des)orientandos quando desejam re-
alizar um trabalho de análise econômica do direito é que a análise deve ser do direito
enquanto objeto e que a economia é o método de análise. Se a pergunta não é jurídica, se
o que se investiga não é um problema jurídico, então, não se trata de uma tese em direito.
Pode ser uma tese em economia, sociologia, antropologia ou sobre política pública, mas
não será um trabalho jurídico. O trabalho não deixa de ser interessante ou importante
apenas por causa disso, mas não deve ser perseguido no departamento de direito por uma
simples questão de especialização e de titulação. Um trabalho em análise econômica do
direito usa o ferramental da economia para iluminar o direito, mas sempre mantem o foco

19
no direito23. Muitas vezes o candidato quer fazer um trabalho interdisciplinar não porque
uma nova abordagem ou ferramental agrega valor à sua pesquisa, mas sim porque não
deseja estudar o direito. Mais frequentemente do que não, eu preciso dizer não aos meus
orientandos aos temas propostos. Se a tese é em direito, deve ser sobre o direito. O exato
mesmo comentário vale para aqueles que desejam fazer filosofia, criminologia ou socio-
logia. O objeto continua tendo de ser o direito. Se não for, vá para outro departamento.

Depois de todas essas pesquisas e comentários, que conselho adicional posso dar
sobre como encontrar um problema? Vejamos. Primeiro, se você quer escrever uma tese
para defender algo ou uma posição, está no lugar errado. O objetivo do doutorado é gerar
conhecimento novo e habilitar o pesquisador a realizar pesquisa de forma autônoma, mas
a vasta maioria, para não dizer quase todos os alunos de direito, quando apresenta um
projeto, na realidade já possui uma opinião formada sobre o tema. E não tentam, nem se
dispõem, a mudar de ideia. Eles não querem pesquisar de verdade, querem apenas provar
um ponto sobre o qual já possuem posição. Agem como advogados de uma causa e não
pesquisadores de uma solução para um assunto. Tal postura é o primeiro equívoco a ser
evitado.

Segundo, se possível, escreva na área na qual você efetivamente trabalha ou tenha


experiência e, portanto, conhece bem. Uma das primeiras partes de um projeto de pes-
quisa é o estado da arte de seu tema e a sua relevância. Se você não conhece o assunto,
como saberá se o que tem a dizer já não foi dito? Como saberá se seu tópico tem qualquer
relevância ou não passa de curiosidade particular? Um dos erros mais comuns dos alunos
é propor temas em áreas sobre as quais nada sabem, mas possuem interesse ou curiosi-
dade. É possível fazer? Sim. Quem decide seguir esse caminho costuma ser bem-suce-
dido? Não, pois o esforço de aprender toda uma nova área do conhecimento é muito maior
do que de tentar inovar em uma área sobre a qual já se tem domínio. Em geral, trabalhos
de pessoas sem experiência prévia na área são superficiais ou, simplesmente, errados.
Inovar já é difícil o suficiente, sem que se traga para si o ônus de aprender toda uma área
do conhecimento. Por outro lado, se a sua mente é muito curiosa, explorar uma área

23
Cfr. GICO JUNIOR, Ivo Teixeira, Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito, Eco-
nomic Analysis of Law Review, Junho, 2010, disponível em https://www.researchgate.net/publica-
tion/39730129_Metodologia_e_Epistemologia_da_Analise_Economica_do_Direito

20
completamente desconhecida pode ser justamente a motivação para se aventurar no dou-
torado. Nesse caso, saiba dos riscos e do preço que deverá pagar.

Terceiro, o trabalho deve ter foco. Se não fui claro, vou repetir: foco. Muitos alu-
nos aparecem com projetos ambiciosos, cuja exequibilidade é altamente questionável.
Isso ocorre basicamente por duas razões. A uma, o candidato quer impressionar a banca
para ser aprovado no processo seletivo e, para isso, propõe o projeto mais mirabolante
possível. A duas, o candidato não domina a área de pesquisa e acha tudo relevante, por
isso propõe temas genéricos, mas que soam muito importantes. Invariavelmente mudarão
de tema ou simplesmente não concluirão. Como demonstrado acima, uma tese de douto-
rado é um pequeno avanço no conhecimento humano e não uma revolução científica.
Temas genéricos levam a teses genéricas que falam sobre muitas coisas, mas dificilmente
inovam sobre qualquer delas. São grandes compêndios com nada de novo e de pouco
valor. E aqui vale a pena fazer uma ressalva.

Há muitos professores de direito que acham que uma tese de doutorado é uma
dissertação de mestrado, só que maior. Acredito que eles estão errados. Como dito acima,
uma dissertação de mestrado não precisa trazer nada novo, uma tese de doutorado precisa
trazer alguma contribuição para o conhecimento. Da próxima vez que você encontrar um
professor ou um doutor, pergunte a ele sobre o que foi a sua tese e qual foi a inovação
que ela trouxe. Se o trabalho dele realmente foi uma tese, você provavelmente perceberá
o sorriso do seu interlocutor ao explicar a sua contribuição original. Se ele começar a falar
sobre o seu tema, ou enrolar muito ou não gostar da pergunta, bem, você já sabe a prová-
vel razão da reação.

Uma estratégia interessante para saber se sua pesquisa tem foco é o teste do ele-
vador. Suponha que você está no elevador e vai para o quarto andar. Pouco antes de a
porta se fechar, o maior especialista do mundo no seu tema entra no elevador, lhe dá bom
dia, pressiona o botão do terceiro andar e pergunta: minha cara, qual a sua tese? Como
você responderia? Se conseguir responder à pergunta em tempo é porque tem clareza de
qual é o seu problema de pesquisa. Se não conseguir, provavelmente, é porque o problema
não está claro para você ou você não sabe. Eu tenho por hábito perguntar a meus orien-
tandos qual o seu problema de pesquisa desde o primeiro até o último dia. Vocês ficariam
surpresos com a dificuldade das pessoas em responder objetivamente a esta pergunta,

21
mesmo em estágios avançados de desenvolvimento do trabalho. Muitos não passariam no
teste do elevador.

Quarto, o tema deve ser amplo o suficiente para merecer uma tese. Se o seu tema
for muito restrito, provavelmente você conseguiria responder à sua pergunta com um ar-
tigo. Não precisaria de uma tese inteira. Eu sei que esse conselho contradiz o terceiro
conselho, mas esse é um problema cultural sobre o qual precisamos conversar. A comu-
nidade acadêmica jurídica claramente sofre de obsessão com o tamanho de sua tese e não
necessariamente com a sua qualidade. Muito programas de pós-graduação chegam a fixar
um número mínimo de páginas para a tese (a frase tradicional é “uma tese que para em
pé”, literalmente). Se o objetivo de uma tese de doutorado é inovar, a única métrica rele-
vante deveria ser o grau de contribuição da tese para o conhecimento humano e, portanto,
de sua inovação. A extensão da tese não deveria ser sequer objeto de discussão.

Eu gosto muito do exemplo da tese de doutorado de John Forbes Nash, Non-Co-


operative Game24, que foi laureado com o prêmio Nobel de economia pela sua contribui-
ção à Teoria dos Jogos. Sua tese de doutorado tem apenas 28 páginas e duas citações,
sendo que uma delas é um artigo prévio do próprio Nash. Ele será para sempre lembrado
pela sua contribuição e hoje usamos constantemente o conceito de equilíbrio de Nash.
Alguém ousará questionar o caráter inovador de sua tese? Boa sorte! Mas você poderia
dizer, alto lá! A tese dele foi defendida no Departamento de Matemática e a matemática
é “diferente” do Direito. Bem, se isso é verdade, eu lanço um desafio. Quantas teses ou
dissertações, ou mesmo livros monográficos de direito, você conhece em que o autor en-
rola por – literalmente – centenas de páginas para finalmente apresentar sua contribuição
(quando tem) apenas nas últimas 10 ou 15 páginas? Faça um teste com as últimas 10 teses
de doutorado do seu departamento e veja se alguma delas preenche o perfil. Se isso for
verdade, a tese poderia ter sido escrita em 40 ou 50 páginas, não muito distante do traba-
lho de Nash.

E digo mais. Se você quiser fazer outro teste, pegue o meu livro Cartel – Teoria
Unificada da Colusão, que foi minha tese de doutorado na USP. Ele e a tese têm mais de
500 páginas. Olhando apenas o índice, você não seria capaz de reduzir a tese em si (a

24
Tese de doutorado defendida em 1950, em Princeton, disponível em: http://www.prince-
ton.edu/mudd/news/faq/topics/Non-Cooperative_Games_Nash.pdf

22
Teoria Unificada) a um trabalho de 60 ou 90 páginas? Hoje eu seria capaz de fazê-lo, mas
à época não queria isso. Durante todo o doutorado eu advoguei e tive de escrever a tese
em um curto período de três meses, durante o qual fiquei totalmente imerso. Em um pe-
ríodo tão curto de tempo é muito difícil escrever pouco. Aprenda: escrever pouco é pos-
sível, apenas dá muito mais trabalho! Além disso, eu cai na armadilha de querer que
meu trabalho fosse compreensível para quem não é da área25, um grave erro, pois isso
significa que foi necessário explicar conceitos e modelos que os especialistas, ou seja,
aqueles capazes de apreciar a inovação da tese, já sabem ou deveriam saber 26. Se eu ti-
vesse focado apenas na tese, na inovação, o trabalho teria se reduzido significativamente
de tamanho.

Note que para fins de publicação do trabalho como um livro, os capítulos adicio-
nais eram interessantes e até mesmo necessários para a compreensão do público em geral.
Mas para a tese a ser defendida perante uma banca de especialistas para fins de obtenção
do título de doutorado, claramente não. Uma coisa não impede a outra, apenas saiba que
uma tese é um trabalho para especialistas e não é necessariamente um livro para o público
em geral.

Compare essa experiencia agora com a minha tese no Departamento de Economia


da UNB. Ela tinha 120 páginas e o primeiro comentário da banca foi: não dava para fazer
em 90? Obviamente dava, mas – mais uma vez – eu escrevi uma tese de doutorado en-
quanto trabalhava e em um curto período de tempo (dessa vez em apenas um mês) e, por
isso, não tive tempo de refinar o trabalho o suficiente para torná-lo mais curto. E aqui
vale a pena fazer um comentário sobre uma diferença cultural entre a comunidade jurídica
e a comunidade econômica. No Direito, normalmente, exige-se que a tese seja monográ-
fica, isto é, ela seja integralmente sobre o mesmo problema. Já na economia é muito co-
mum que se apresentem três ensaios, desde que eles estejam relacionados. A abordagem
jurídica, combinada com a exigência de número mínimo de páginas, faz com que as teses
em direito sejam verdadeiras torturas para o leitor. Na grande maioria delas você pode

25
No início dos anos 2000, o direito concorrencial ainda não era muito conhecido, como é hoje.
26
Aqui uma anedota. Durante a minha banca, um dos examinadores externos reclamou do tamanho da tese
e afirmou que ela nada tinha de novo. Então, em defesa, eu comecei a repassar todos os capítulos e demons-
trar, em cada um deles, quais eram as contribuições teóricas e os erros que professores especialistas come-
tiam. Antes mesmo de chegar ao capítulo da tese em si o examinador interrompeu a demonstração e se deu
por satisfeito. Nem cheguei na minha tese. Mas a verdade é que apesar desses erros na doutrina, a tese em
si poderia ter sido apresentada de forma substancialmente mais suscinta.

23
pular capítulos e mais capítulos e ainda assim entender perfeitamente o argumento da tese
(quando ele existe), ou seja, não passa de uma grande encheção de linguiça. Já na econo-
mia, a possibilidade de se apresentar ensaios mitiga a preocupação com a extensão da
resposta ao problema. Com três ensaios relacionados, temos uma tese.

Para encerrar esse assunto, vou propor um último exercício. Dê uma olhada no
artigo: Hermenêutica das Escolhas e a Função Legislativa do Judiciário 27. Ele trata de
assuntos que, supostamente, são consagrados na literatura e são considerados temas ma-
duros, como integração, non liquet e hermenêutica. Pergunta: Esse artigo traz ou não traz
uma tese? Essa tese é ou não é inovadora? A tese discutida precisa de mais elaboração
(mais páginas) ou poderíamos reduzir o artigo ainda mais? Seria possível fazer uma tese
de doutorado do tema? Qual a diferença entre o artigo indica acima e este ensaio? Eles
cumprem a mesma finalidade? Devem seguir a mesma formalidade? Precisam?

Meu comentário final é sobre o número de citações em sua tese. Um outro aspecto
da fixação jurídica com o tamanho da tese, e neste particular acredito que seja uma he-
rança portuguesa, é que normalmente se exige que o candidato faça um número conside-
rável de citações e referências. Sem elas o trabalho será considerado pobre. É muito co-
mum um membro da banca olhar a bibliografia de uma tese antes de lê-la28. Mesmo du-
rante as bancas de defesa, alguns dos comentários mais comuns são: aqui você poderia
ter citado fulano, senti falta de mais referências aqui, a bibliografia se limita a textos em
inglês e português, não tem nada em alemão ou italiano? Note que todos esses comentá-
rios não indicam a razão pela qual o trabalho de fulano ou cicrano seria relevante para o
seu trabalho ou o porquê esse ou aquele país é especialmente relevante para a sua análise.
Normalmente, não são. São completamente irrelevantes. Mas os avaliadores do direito
possuem uma tendência a querer encher os textos de citações, em especial se for de algum
trabalho sobre o qual ele tem domínio e o candidato não.

Minha sugestão é que você mude a forma de citação tradicional no direito. Ao


invés de citar pessoas e seus argumentos de autoridade, discorra sobre as ideias e liste em

27
Revista de Direito Empresaria – RDEmp, Belo Horizonte, ano 15, nº 2, p. 55-84, maio-ago, 2018, dis-
ponível em: https://www.researchgate.net/publication/327646609_Hermeneutica_das_Escolhas_e_a_Fun-
cao_Legislativa_do_Judiciario_Choice_Hermeneutics_and_the_Judiciary_Law-Making_Function.
28
Um segredo: normalmente o examinador está checando se seus trabalhos foram citados e não necessari-
amente se a bibliografia está completa. Então, aja de acordo.

24
nota de rodapé os principais seguidores ou proponentes dessa ou daquela ideia. Uma ci-
tação individual deve ser usada quando a ideia ou teoria é daquele específico autor. Do
contrário, não. Se alguém sugerir que você cite alguém, agradeça e pergunte o porquê. Se
ela apenas disser que é interessante, já saiba que não é necessário. Interessante é diferente
de útil, lembra? Se alguém sugerir que você poderia ter estudado este ou aquele país,
pergunte o que este ou aquele país tem de especial para o seu tema. O que ele traz de
novo. Se realmente for interessante, considere na continuação da pesquisa no futuro. Se
não for, ignore. Normalmente essa sugestão é dada levando em consideração apenas as
preferencias subjetivas do interlocutor (e.g. onde fez o doutorado dele).

Alerta final: reflita sobre tudo o que disse acima, mas não confronte a banca com
essas informações. Nesse momento você está vulnerável à avaliação dos examinadores,
por mais desarrazoado que eles possam ser. Use essas informações em seu favor e proceda
com cautela. Não queremos que anos de estudo e esforço para escrever uma tese sejam
desperdiçados apenas porque o candidato resolveu enfrentar a banca e marcar posição.
Aqui a estratégia dominante é a do bambu. Seja firme o suficiente para poder permanecer
em pé, mas seja flexível o suficiente para curvar quando o vento forte vier e, assim, não
quebrar. Uma vez doutor, você poderá pesquisar como quiser.

3 Dicas para Escrever uma Tese no Prazo

Feitas essas observações, eu gostaria de apresentar a vocês alguns hábitos, dicas e


truques que aprendi ao longo dos anos para elaborar uma tese ou qualquer outro trabalho
acadêmico no prazo e que podem ser úteis.

Toda tese de doutorado é um projeto a ser executado. Isso parece óbvio, mas
os alunos de direito, que não tiveram formação em administração, gestão ou engenharia
de produção parecem esquecer disso. Nesse sentido, você deve organizar o seu crono-
grama de maneira retroativa, isto é, de trás para frente. Por tanto, se o seu prazo final de
defesa é 30 de novembro de 2019, então, o seu cronograma deve ser montado dessa data
para trás. Exemplo: se a sua data limite de defesa é 30/11/19, você deve colocar 30 dias
de segurança, para poder comportar eventuais imprevistos e, portanto, se programar para
defender no dia 30/10/19. Mas para defender no dia 30/10/19, você precisa depositar pelo
menos no dia 30/9/19, pois os membros da banca precisam de ao menos um mês para ler
o trabalho. Agora, se você vai depositar no dia 30/9/19, então, a sua última revisão deve

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ser realizada nos 15 dias anteriores, ou seja, de 15/9/19 a 30/9/19. Mas para você fazer a
sua última revisão, o revisor de texto e formatação deve ter feito o trabalho dele, o que
requer no mínimo 30 dias. Logo, você deve enviar ao revisor a versão final pelo menos
até 15/8/19. Por outro lado, para você enviar ao revisor de texto, o seu orientador deve ter
aprovado o texto final e você deve ter realizado as alterações finais por ele sugeridas, o
que deve ter consumido mais 30 dias. Logo, você deve ter gasto de 1/8/19 a 15/8/19 fa-
zendo as revisões finais e o seu orientador deve ter gasto, pelo menos, 15 dias revendo a
versão final do trabalho, de 15/7/19 a 1/8/19. A mesma lógica se aplica a cada etapa do
trabalho até o momento da sua entrada no programa. Se você estabelecer estes prazos e
se forçar a cumpri-los, provavelmente será bem-sucedido no seu projeto. Eu ainda sugiro
que você tenha um programa de gestão de projetos ou prazos, como o Todoist. nTask ou
o Zoho Projects. O que funcionar melhor para o seu perfil. Coloque todas as etapas e os
prazos estimados para cada uma delas no seu sistema.

Dito isso, mas o que deve vir primeiro? A primeira etapa na construção de uma
tese de doutorado é o levantamento bibliográfico. O levantamento é diferente da revisão
bibliográfica, pois enquanto este pressupõe a leitura, compreensão e fichamento dos tex-
tos, aquele pressupõe apenas a identificação dos textos e a sua obtenção. Muitas pessoas
não diferenciam uma etapa da outra. Eu costumo adotar a seguinte estratégia. Faça a lei-
tura de alguns textos mais clássicos ou famosos sobre o seu assunto apenas para se inteirar
e identificar os principais termos usados pela literatura. Uma vez feito isso, obtenha todo
o material possível, na seguinte ordem: (i) tudo que está disponível na Internet; (ii) tudo
que está disponível na biblioteca de sua universidade; e (iii) adquira o restante do mate-
rial. Você terá amealhado uma grande quantidade de material resultante dessa primeira
rodada.

O material levantado deve ser organizado e catalogado em um sistema de referên-


cias, como o Mendeley ou o EndNote. É importante que você vá inserindo em seu sistema
de gestão de referências todo o material que coletar. Se usar o Medley, por exemplo, ele
tenta recuperar os dados catalográficos de cada arquivo ou página que você baixar e tam-
bém serve para organizar a sua biblioteca. Assim, você terá que digitar a citação uma
única vez e terá todo o seu material organizado em um único local. Você pode ter uma
cópia física ou eletrônica desse material. Se for eletrônica, organize bem a pasta. Se for
física, organize bem a pasta.

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Uma vez inserido e organizado todo o material identificado na primeira rodada,
não leia o material levantado. Vá para a bibliografia de cada um dos livros, capítulos ou
artigos obtidos e identifique as referências bibliográficas relevantes. Obtenha todas essas
referências e repita o procedimento acima: obter, inserir no sistema e organizar. Proceda
dessa forma reiteradamente quantas rodadas forem necessárias até você começar a andar
em círculos ou não ter mais referências relevantes para obter. Nesse momento, com todo
o material disponível, organizado e catalogado, você pode começar a revisão bibliográ-
fica, ou seja, pode começar a efetivamente ler o material que levantou.

Na revisão bibliográfica, comece a leitura do material coletado dos textos mais


antigos para os mais novos. Isso vai lhe permitir algumas coisas importantes. Primeiro,
você vai conseguir identificar efetivamente quem disse primeiro o quê e a quem atribuir
determinadas ideias. Você se surpreenderá com o fato de que muitos textos que no início
pareciam importantes ou sofisticados, na realidade, não são ou não passam de cópias, às
vezes inferiores, de trabalhos originais anteriores. Segundo, você perceberá quando o fe-
nômeno mudou e, por isso, foram criados novos termos ou conceitos e quando apenas se
criam novos termos para os mesmo fenômenos. É muito comum que um doutrinador
mude o nome de alguma coisa apenas para tenta parecer que está dizendo algo novo,
quanto na realidade a mesma ideia está em outro trabalho. Terceiro, você perceberá
quando um doutrinador tomou emprestado a ideia de um outro pensador, sem lhe atribuir
adequadamente a autoria. O que equivale ao furto acadêmico ou plágio. E, por fim, na
melhor das hipóteses, você aprenderá a evolução das ideias e como elas foram sendo
alteradas no tempo. Muitas vezes o segredo de algo que não faz sentido hoje é a história.
O direito é caracterizado por dependência de trajetória. Assim, saber a evolução de um
instituto ou da doutrina é saber como evoluiu o pensamento jurídico.

Todos os textos devem ser objeto de fichamentos. O fichamento é o seu resumo


da estrutura e dos principais argumentos de cada texto revisto. É muito comum que se vá
realizando anotações em pedaços de papel ou no próprio texto e, no momento de escrever,
o pesquisador se perca diante de tanta informação ou não as encontre. Para evitar isso, o
fichamento permite o registro dos argumentos e, se bem feito, de eventuais trechos que
podem vir a ser citados no futuro. Se você estiver usando um gerenciador de referências,
como o Mendeley, você provavelmente o usará para ler os arquivos eletrônicos e poderá

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registrar todos os seus fichamentos e anotações no próprio sistema. Fichamento dá traba-
lho? Dá. Vale a pena? Vale. Os ganhos virão na hora de escrever a tese.

Durante a revisão bibliográfica pode ser que você descubra que a sua pesquisa
precisa tomar outro rumo ou que pontos complementares precisam ser investigados.
Nesse caso, comece todo o processo acima indicado novamente. Levantamento biblio-
gráfico. Catalogação. Revisão Bibliográfica. Fichamento. Quando não tiver mais pontos
a serem explorados, finalmente, você terá aprendido o estado da arte do seu tema.

E agora, somente agora, você tem condições de propor um sumário de sua tese
para o seu orientador. O pesquisador que termina a revisão bibliográfica certamente não
é mais o mesmo daquele que começou esse empreendimento. Ele reviu todos os textos.
Estudou todos os argumentos e agora tem uma visão geral e profunda do estado atual da
discussão de seu tema. Com esse conhecimento em mente o candidato está preparado para
estruturar o seu argumento ou construir sua teoria ou modelos e, portanto, pode represen-
tar o trabalho que virá a ser na forma de um sumário.

O sumário é uma das etapas mais importantes do trabalho, pois é ele que indica a
estrutura lógica da tese. Obviamente cada tópico trará páginas e mais páginas de discus-
são, mas toda a discussão será estruturada de acordo com o sumário. Ele é o esqueleto
sobre o qual toda a tese se constrói. Um sumário bem feito, às vezes, é suficiente para
separar um trabalho bom de um ruim. A estratégia adotada pelo pesquisador fica transpa-
rente com o sumário. Pense no sumário como a planta de uma construção. Sem o projeto
do sumário, o construtor não sabe onde erigir paredes, onde colocar janelas, nem o que
vem antes ou depois. Não se constrói uma casa sem projeto. Não se constrói uma tese
sem um sumário adequado.

Uma das coisas mais comuns no doutorado é a desorganização física e mental do


candidato que, premido pelo tempo ou pela ansiedade, passa a escrever enquanto realiza
o levantamento e a revisão bibliográfica e, pasme-se, muitas vezes sem sequer ter um
sumário definitivo. O resultado, invariavelmente, é ruim, pois o candidato escreve de-
mais, usa trabalhos e ideias que, depois perceberá não são importantes ou sequer verda-
deiros, mas já foram inseridas no texto. E não tem nada mais doloroso para um candidato
do que jogar fora páginas escritas e ele tende a manter esse conteúdo de baixa qualidade.
Quando isso acontece, é comum que a tese fique parecendo um mosaico de fichamentos

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que muito pouco se articulam ou avançam o argumento. A melhor forma de evitar isso é
começar a escreve apenas quando a fase da revisão bibliográfica estiver encerrada e o
sumário elaborado. Você estará mais maduro e seguro, já terá refletido sobre o que apren-
deu e dificilmente cometerá erros óbvios.

Uma vez elaborado o sumário, o candidato pode agora realizar a distribuição de


capítulo e o seu ajuste na agenda de produção. E aqui vai outra dica. Muitos programas
estabelecem um número mínimo de páginas para a tese. Digamos, por exemplo, 325 pá-
ginas. Quando esse é o caso, minha dica é a seguinte. Divida o número mínimo de páginas
por 25, que é um número razoável de páginas para um artigo. Sabemos que 325 por 25
dá 13, que é o número de capítulos que a sua tese deve ter. Se pensar bem, podemos
dividir um capítulo entre introdução e conclusão e teremos 12 capítulos a serem escritos.
Você pode organizar o seu argumento em 12 partes, sendo que cada uma delas deve ter
começo, meio e fim, como um artigo autônomo. A estrutura desses 12 capítulos pode
variar, como varia a disposição dos jogadores em um campo de futebol, mas o número
não muda. Assim você pode ter uma tese com três partes, sendo cada parte constituída
por quatro capítulos, ou pode ter uma tese com quatro partes, cada qual com três capítulos.
Ao fim e ao cabo, o arranjo depende da estrutura lógica de seu argumento, que já estará
na estrutura de seu sumário.

Agora se seu programa não exige um número mínimo de páginas, tudo o que eu
disse acima permanece válido, mas ao invés de se dividir o mínimo de páginas por 25,
apenas liste todos os argumentos necessários para demonstrar a sua tese e esse será o
número de capitulo necessários. Pode ser um, como no caso de John Nash, e podem ser
vinte. Mas aqui a extensão do trabalho será determinada pela extensão e complexidade
do argumento para fundamentar a tese. Nem mais, nem menos. Obviamente, em todos os
casos o número de páginas de cada capítulo variará, mas ficarão em torno desse valor que
lhe permitirá guiar o trabalho.

Uma vez estabelecido o sumário e o número de capítulos necessários para escrever


a tese, está na hora de colocar os capítulos no cronograma. Como você já leu toda a bi-
bliografia e já fichou todo o material, finalmente é só sentar e escrever. Não precisa fazer
pesquisa adicional. Supondo que você leve cerca de 30 dias para escrever um capítulo (as
pessoas variam na capacidade de escrever e escrever bem toma tempo), então, no nosso
exemplo, isso significa que você deve reservar ao menos 13 meses para escrever a tese.

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Um mês para cada capítulo e um mês para a introdução e a conclusão. Se você voltar ao
início dessa seção, poderá colocar cada capítulo no mês necessário para cumprir o crono-
grama.

E aqui vai mais uma dica. Nunca escreva tudo antes de mandar para a revisão de
seu orientador, nem envie mais de um capítulo por vez. Uma vez fechado e aprovado o
sumário, você pode adotar a seguinte linha de produção paralela que encurta a revisão.
No primeiro mês escreva o primeiro capítulo e envie ao seu orientador. Enquanto ele
revisa este capítulo, elabore o segundo. No terceiro mês, enquanto você elabora o terceiro
capítulo e implementa as alterações do primeiro capítulo, ele revisa o segundo. Assim,
você terá um mês para elaborar cada capítulo e o seu orientador terá um mês para rever
cada capítulo. Nesse sentido, você também pode ganhar tempo e, no terceiro mês, já en-
viar a versão do capítulo 1 para o revisor de textos e, assim, pode-se ganhar ainda mais
tempo. Ao final de apenas 15 meses, 13 capítulos terão sido escritos, revisados pelo ori-
entador e pelo revisor de textos.

Curiosamente, uma parte substancial dos candidatos não escreve os capítulos na


ordem lógica em que estão no sumário. Eles vão escrevendo os capítulos de acordo com
seus interesses ou de acordo com as leituras e o resultado final é um texto sem muita
coerência ou proporção. Muitas vezes com partes inteiras desnecessárias, mas que no
momento poderiam parecer importantes. Eu sempre recomendo a escrita na exata ordem
em que os capítulos aparecem no sumário, com exceção da introdução, que deve ser es-
crita por último, mas poucos candidatos seguem essa lógica.

Seguindo essa estratégia, se tudo isso foi feito no início do programa, é bem pos-
sível que você consiga terminar a sua tese em dois ou três anos. Não serão necessários
todos os quatro anos. Mas a maioria dos candidatos usa mais de três anos, deixando para
se organizar apenas após o segundo ano, quando o desespero começa a apertar. Evite.

Nesse sentido, organize-se metal e fisicamente. O trabalho de uma tese de dou-


torado requer paz e concentração, por isso, tenha um local pacífico onde você pode se
dedicar por horas ao seu projeto. Se sua casa não é um ambiente adequado, vá para a
biblioteca. Mesmo que seu marido diga que entende essa fase e que não vai te atrapalhar,
ele fará barulho e perguntas que destruirão a sua concentração. Tranque a porta ou sai de
casa. Paz é tudo nessa hora.

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Por fim, não caia na armadilha do “eu já tenho a tese é só escrever”. Para a
maioria das pessoas escrever bem é uma tarefa muito difícil e que toma tempo. Escrever
uma tese é, normalmente, uma experiência nova para a maioria dos candidatos e, portanto,
sujeita a intempéries e frustrações. Pode ser que você mude de ideia ou de tema no meio
da elaboração da tese. Acontece. Eu tive uma orientanda que ia escrever sobre análise
custo-benefício no direito brasileiro. Durante a elaboração da dissertação, ela sentiu ne-
cessidade de escrever sobre o Princípio da Eficiência na Administração Pública para fun-
damentar juridicamente a realização da análise custo-benefício. Ao fazê-lo, percebeu que
o tema carecia de tratamento próprio e que daria uma dissertação por si só. Foi o que
acabou acontecendo. Suas ideias podem mudar. Fatores externos podem impactar sua
tese. É preciso planejar para isso e ter flexibilidade e espaço para mudanças.

Se você fizer tudo isso com a dedicação de um monge, eu acredito que será bem-
sucedido no seu empreendimento acadêmico. Estudar e inovar pode ser uma experiência
recompensadora, excitante até. Pode ser apenas o começo de uma longa carreira de novas
pesquisas e descobertas. Com planejamento, esforço e comprometimento, o doutorado é
uma jornada incrível. Eu até já ouvi falar de gente que gostou tanto do doutorado que fez
mais de um. Mas você não precisa ir tão longe. Se as dicas aqui apresentadas tiverem
auxiliado você a terminar apenas um doutorado, esse ensaio já terá cumprido a sua função.
De qualquer forma, lembre-se: escrever uma tese é uma arte29, não uma ciência.

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MONEBHURRUN, Nitish. Escrever uma tese: ensaio sobre uma arte – manual para graduandos, mes-
trandos e doutorandos. Rio de Janeiro: Processo, 2018.

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