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vilas operárias, iaps, conjuntos habitacionais

fazendo a morada popular


:

texto: Haifa Y. Sabbag


século separa os primeiros empreendimentos de casas para operá- A indústria têxtil no interesse de atrair e reter mão-de-obra qualificada
guidas em São Paulo pelos industriais, e os conjuntos habitacionais oferecia dormitórios para os trabalhadorese, posteriormente, casas para os
em érie para trabalhadores de baixa renda por intervenção do operirios estrangeiros. Em São Paulo, um dos primeiros setores que ado-
. Nesse espaço de tempo, as mudanças em relação 2 moradia popu- tou esse procedimento foi o das ferrovias.
apenas quantitativas. Não só piorou a qualidade como dimi- Asocióloga Eva Alterman Blay, autora de estudo sobre as vilas operárias
drea mínima construída, exigida por lei. na cidade de São Paulo, intitulado ““Eu não tenho onde morar”', faz um
de, que no início do século tinha 200 mi! habitantes, hoje tem 14 minucioso levantamento das políticas empresariais e do Estado. Analisan-
lhões, mostrando uma vitalidade reprodutiva que o Estado não está doo problema das relações capital/trabalho, através da dialética marxista,
inhar. Ela se expande desordenadamentee, dentro dessa ela destaca que as vilas operárias interferiam nas relações de produção “na
ra Paul Singer, existe a cidade dos incluídos, dos semi- medida em que eram somadas pelos capitalistas, 2o salário””.
lose dos excluídos. Porque a0s menos favorecidos sempre esteve re- Na vcndaãa força de trabalho por parte do operário e da compra dessa
periferia até mesmo por lei municipal, como ocorreu em fins do força pelo empresário, a casa funcionou como intermediária e teve
vários
ssado. Só que esta periferia hoje, onde estão alguns conjuntosda significados. Um dos mais fortes era a pressão de quem detin
o dinheiro
ha
ficaa 40 km do centro de São Paulo. € a casa, sobre aquele que estava vendendo seu trabalho.
tragio fabril está na zona Sul, enquanto a grande maioria das Blay enfatiza que não havia vantagem, port para
anto
o operário ,
morar
A
para trabalhadores situa-se na zona Leste.
ente, a fábrica atraía o operário. — na í/íl;gg 'que a casa passava a ser apenas instrumento de dominagio.
“Quando o opefário perdia o emprego, perdia também a casa”” Elacon-
e, os grandes conjuntos habitacionais estão à espera das indústrias. co! luea proxentre
imid a moradiaade
¢ o trabalho, dispensando.trans-
e i para repouso.ouoferecendo possibilidade de
refeição em casa, scmpre foi superavaliada_pelo trabalhador. Mas, ““isso

Em diferentes situagdes as casas operirias sio utilizadas também pelos


proprietários como meio de pressio contra greves e reivindicagoes de salá-
indústria paulistana, que começa a adquirir maior impulso na úl- fios, como ocorreu com os trabalhadores da Estrada de Ferro Jundiaiou da
década do século XIX, atraía para a cidade uma população rural, Vidraria Santa Marina, na primeira década do século, ameagados de des-
nstitída, na sua maioria, de imigrantes italianos, descontentes com a Pejo, caso não voltassem 20 trabalho.
nourado café e escravos libertos, fugidos do trabalho no. campo. Conver- Na opinido do arquiteto Jalio Katinsky, as vilas operdrias falharam
ibém para a Capital um contingente aprecidvel de mecinicos, arte- principalmente devido ao seu caráter não pablico. Além de subtrairda ci-
operiios curopeus, mão-de-obra qualificada que vem em busca de dade um espago que lhe era incrente, criaram uma situação artificial, de
es condigdes de vida, apregoadas em seus paises de origem pelos conflito. Afinal, os operdrios eram moradores da cidade ou da vila?
es nacionais. : Apontando uma outra dimensio do problema, mostra que se por um
porulaçao contribui para que São Paulo passe de 31 mil habi-
lado as vilas significavam pressão contra as reivindicagdes do operário, por
outro, eram fontes de proglemas para o próprio industrial, obrigado a ad-
, entre 1892 ¢ 1910. A falta de moradias tornou-se rapi ministrar um patrimônio paralelo, origem de atritos permanentes.
oblema bastante sério, com uma especulação imobiliária que fu- A0 governo também interessava resolver a questão da moradia
tocontrole da municipalidade. Ao mesmo tempo que terrenos insalu- popu-
& eafastados do Centro são loteados para os pobres, despontam vilas
lar. A fim de acabar com os cortiços insalubres, geradores de epidemias
que grassavam violentamente, ameaçando toda a sociedade paulistana,
ias com moradias de aluguel, geralmente construídas próximas às estimula a construção de casas operárias. Oferece, inclusive, isenção de
istias pelos proprietários. Situavam-se as concentrações fabris nos impostos e de taxas, e aforamentos, estabelecendo alguns critérios quanto
féricos de então — Brás, Belém, Pari, Bom Retiro — gcxal-' s.
s margens das ferrovias que serviam à cidade.
'Paulo apresenta, portanto, na virada do século, um crescimento

S i construção e impondo determinados limites à especulação.
A Lei 498, de 1900,detérmina um minimo de três compartimentos, in-
sordenado: construções precáriasi na periferia e cortiços tãuc se multipli-<¢ cluindo a cozinha, cóh área mínima de 10 m? cada um. Mas, introduz al-
gumas medidas dpam baratear o custo, como redução do pé-direito, ¢ es-
mais próxima ao centro comercial. Os preços los terrenos su- | pessura de paredes. es. Nessas casas minimas havia superposição de funções
tadoramente assim como os alu s. &«
a o arquiteto ¢ historiador Carlosfimos ue o capital investido | ou de aividades domésticas à falta de áreas apropriadas, observa
devido
Carlos Lemos.
Dara aconstrução “Quanto ao aspecto formal, houve uma pr agio na administração
o. Foram ésses capitalistas interessados em bons alu- municipal de Washington Luís, em 1916, amwnmuémhp_fibfica
itípleta Lemos, os responsáveis pelas mudanças ocorridas na cida- a apresentação de projetos que deveriam satisfazer as *‘condigges de
formagiode novos bairros, promovendoo prolongamento das li-
até s novas casas para a classe média e operaria. Jigiene, comodidade, estétic a Hugo Segawa assinala que
¢ economia”.
foram apresentados 49 trabalhos e colocados à disposição dos interessados
damunicipalidade apontam que em 1907 a Prefeitura tinha re- 0s projetos selecionados juntamente com os orçamentos. A finalidade do
jas 1.237 licengas para novas construgdese, em 1913, 0 néimero sobe
de seis mil. concurso era obter um projeto-padrio que garantisse um mínimo de salu-
quealei estipulava, já em 1886, que as casas populares fos- bridade às moradias: a arquitetura não cra ainda profissão institucionali-
perimetro urbano. Essa segregação cspacial foi zada, confundindo-se com outras atividades embora a Escola Politécnica
la porMedetros de Albuquerque, em 1920, citado no trab: existisse desde 1894, formando engenheiros civis e engenheiros-
y arquiteto Hugo Segawa: **Ano 10 — Um concurso de habitação
arquitetos.
2", “Uma idéia muito extravagante que aparece sempre que se Victor Dubrugas, Hippolito Pujol Jr., Dácio Aguiar de Morais e Gui-
lherme Winter foram alguns dos arquitetos premiados que se destacaram
aisede habitação é a de fazer bairros operirios, bairros militares, mais tarde na vida profissional, recorda Segawa. Entretanto, nunca se teve
ecirios, bairros para funcionirios publicos. Há nisso um erro notícia se algum de seus projetos foi executado. ““Talvez — justifica — es-
1...” Entretanto, parece que a principal preocupação de ses profissionais tivessem boas intenções ao tentarem proporcionar cons-
osde Albuquerque seria a subversão. Ele termina seu discurso aler- truções dignas com a melhor técnica construtiva do momento, mas irreais
lente contra o preconceito ““que cria centros perigosos de agi-
lucionária”'. frente às limitadas condições impostas à população humilde.””
na luta, até anarquistas

Figum públicas, personalidades, e até jornais anarquistas,


agdes para reter o o rariado junto à fábrica têm notabilizam-se por seus esforços € tentativas de resolver de forma mais jus-
éculo passado, na Bahia e o de Ja ta o problema da habitação do crescente operariado. Eva Blay cita Afonso

Urbanismo — novembro/8s 39
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Vista geral da Vila Economizadora, no bairro da Luz, datada de 1908 (Foto Arquivo da FAU/USP)
Celso Garcia, vereador e advogado de virios sindicatos, como uma das pri- fícios: escola, creche, ambulatório médico, igreja, clube e até teatro. P
meiras personalidades a defender a participagao do poder público na solu- projetar todo o conjunto, contratou em 1917 o arquiteto francés, Ped
ção do problema, já em 1905. ricux, autor do projeto de sua casa no Rio de Janeiro.
Entre suas propostas destaca-se a de se utilizar, na construção das vilas Conhecido como patrão liberal, seu bom relacionamento com os¢f
operárias, os saldos existentes nas associações de beneficência e de auxílio pregados foi responsável pela não adesão dos mesmos às greves da é;
mútuo de trabalhadores, agrupados na ocasião de acordo com suas nacio- Vários autores, inclusive, apontam Street como um dos precursores da
nalidades ou profissão. A essas entidades seriam então concedidas as isen- gislação trabalhista em razão de suas idéias socialistas que o levaram àp
ções que o governo oferecia aos particulares. No entanto, apenas com a da da fortuna e de suas realizações. Com efeito, em 23, o industrial pell
criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, muitos anos depois, a ““Vila Maria Zélia”" com suas 177 casas para Nicolau Scarpa, devi
uma parte das arrecadações teria esse destino. ficuldades financeiras. Posteriormenteos imóveis passaram para o IAP
Os jornais anarquistas dos imigrantes italianos como ““La Battaglia”, mais tarde ao INPS.
““Luta Proletária”, “A Terra Livre”, *‘Gazeta do Brás”, assumem paj Embora pertencendo a uma sociedade mútua, a Vila Economiza
atuante para a conscientização do trabalhador na luta pela melhoria das merece ser mencionada. Ela ocupa espaço histórico importante na pa
habitações, redução de aluguéis e aumento de salários. Contestavam ain- gem central de São Paulo, tendo sido tombada recentemente pelo Cond
da o direito à propriedade privada da tetra e à construção de imóveis para phaat. Construída em 1908 no bairro da Luz, entre as ruas São Caetan
locação. Cantareira, compõe-se de 115 casas térreas e 20 lojas, concluidas em 191
Apesar dos movimentos todos que ocorreram no início do século, as ei- A Sociedade Economizadora Paulista, uma caixa de pensões vitalícias,
vindicações dos opeérários ¢ trabalhadores de outras áreas centravam-se a proprictária que alugava ou vendia as casas a operários qualificados
fundamentalmente nos salários baixos € na jornada de trabalho, até a dé- estradas de ferro. de Antó À
cada de 30. À casa própria era ainda um sonho distante. Erguida por imigrantes italianos sob a responsabilidade tambémo|
Com base tíésses jornais, Eva Blay reconhece que a vila operária eraa Bocchini com desenho do arquiteto Sacchetti, que projetou
solução defendida pelos próprios trabalhadores, em vista da ausência de
outras opções.
as vilas operárias de São Paulo
A grande expansão desse sistema ocorre nas duas primeiras décadas do
século, quando começa a mudar a paisagem urbana de São Paulo.
A |85 s il o : em rese A it propricdadeos empresirios er-
guem as vilas que iriam abrigar parte do operariado, ou seja, aqueles que
ocupavam ãos(oswhavcs parao Bm desempenho das mesmas, principal-
mente, os do setorde manutenção. Pesquisa feita por Marta Soban Tana-
ka para o projeto Cura, citada por Eva Blay, menciona que numa parte dos
bairros do Brás, Mooca e Luz foram encontradas 162 vilas operárias, com
2.951 casas.
São das Indústrias Matarazzo várias vilas nos bairros do Brás (Vila Bo-
yes), Belém (V. Cerealina), Tatuapé, além de outras em São Bernardo e
São Caetano. A Vila Penteado, no Bris, a Crespi, na Mooca, a Nadir Fi-
ueiredo, na Vila Maria, a Guilherme Giorgi, na Vila Carrão, a Maria Zé-
ia, no Belenzinho constituem outros exemplos significativos.
Nesse conjunto, a Vila Maria Zélia é uma exceção, representando uma
experiência positiva, embora de curta duração. Seu proprietirio, o médi-
coJorge Street, industrial de rara visão, equipou a vila com todos os bene-

4o Arquitetura e Urbanismo — noven


e
Mg L

anjunto do 1API, construido entre 37 ¢ 45 em Santo André, SP (Foto de arquivo)


que al,
Essa nova dimensão soci , parte
o Governo passa a assumirfazia
fteu de Artes e Ofícios, a vila tinha caracteristicas peculiares, especialmen- id i
te nosornatos das fachadas, detalhes que passaram a — ser reproduzidos em
|quase todas as construgdes populares da época.
i deve.se assinalaro papel que o imigrante italiano teve na mu-
Carlos Le-
dança dopartido arquitetônico dessas casas, conforme destaca
ar, a cozinha fica-
io podia mais s
irigia-se ao Estado
65Além do afastament o lateral para entrada de luz e
Vi toialment isolada ou sem comunicação interna com 0S outros COMO- ——A construção da imagem de um Estado benfeitor, responsável pelodo
dos. Em muitas delas podia ser encontrado, no fundo do quintal, o forno atendimento dessas demandas, era imprescindivel para a sustentação a so-
i pizzas, prenunciando mudança de hábitos na vida paulistana. projeto de desenvolyimento que se procurava implantar””, constataSocial e
cióloga Marta Ferreira Santos Farah, no trabalho “Previdência
om os IAPs a intervenção do Estado Habitação no Brasil””. Assim, para que não se contestasse o modelo de de-
ur- seavolvimento em implantagio, a questão da habitação vai ganhando
O deslocamento do poder político do setor agrícola para o industrial
de 30. Tima dimensao politica cada vez maior, Os Institutos, criados para a con-
0 gera transformaç ões bastante acentuadas a partir da década cessão de aposentadoria, pensocs e servios de saúde, voltam-sc também
'AsCaixas de Previdência, até então pertencentes às empresas particula- para a oferta de moradias.
o absorvidas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões, criados pe- Num primeifo momento, e o que é mais importante, os LAPs investi-
o governo federal, agrupando inúmeras categorias profissionais: bancá- ram os recursos acumulados na aquisição de grandes quantidades de terre-
fios, industriários, comerciários, marítimos etc. nos nas áreas urbanas. Apenas em 1937 iniciam os programas habitacio-
nais e até 64, quando o BNH absorveu as carteiras prediais dos Institutos,
foram construidas 8.950 unidades e financiadas 16.478, em São Paulo, de
acordo com levantamentos feitos pela socióloga.
Os conjuntos habitacionais eram alugados aos associados da Previdén-
cia de menor salário; os programas de financiamento e construgao de casas
destinavam-se aos funcionarios de maior rendimento.
O aluguel como forma de comercializagao oferecia dupla vantagem: re-
duzia a quantia despendida mensalmente pelo usuário e promoviaa cons-
tituição de um patrimônio para os Institutos.
Mas, a partir de 50, com a Lei do Inquilinato que congela os aluguéis e
devido à inflação crescente, os conjuntos tornam-se deficitdrios e oncrosos
para os Institutos, o mesmo ocorrendo com os financiamentos.
O declinio dos programas habitacionais, aponta Marta Farah, provoca
muito favoritismo na distribuição das moradias, até entdo feita com al-
gum critério. Consequéncia: a concessdo de um bem tão escasso torna-se
Instrumento de barganhas politicas.
O grande obstaculo que os Institutos tiveram que enfrentar e que im-
possibilitava novas aplicações era o retorno dos investimentos. Além de ta-
xas de juros reduzidas para viabilizar a compra pelos trabalhadores, as re-
servas da Previdéncia foram aplicadas em empreendimentos como Volta
Redonda e a Usina de Paulo Afonso, considerados politicamente estraté-

Irquitetura e Urbanismo - Novembro/85 45


ãiws' Essa política explica a reduzida quantidade de habitações produzi- problema: lote urbanizado, embrião e mutirio, deixando de ass
las pelos Institutos. p;lx:lsabllldadc direta na oferta de moradias acabadas, adverte Mar
« Para dar continuidade aos programas, volta-se a utilizar como recurso o rah.
barateamento das construções, até então considerada de boa qualidade e Aénfase nesses programas demonstra, na verdade, a incficici:
tamanhos razoáveis (a menor unidade tinha área de 43 m?2), recorrendo-se politica que não atinge a faixa de populagio com renda familiar
a “parâmetros inferiores aos estabelecidos pela legislação como adequa- que três salários minimos.
do: Utilizam-se_materiais regionais, excluem-se elevadores,
diminuem=se a espessura das paredes e tamanho da área construída que Ttaquera, a experiéncia de um grande conjunto habitacional
passou a um mínimo de 35 m.
Mas persiste um dado positivo: a localização. Quase todos os conjuntos A primeira grande experiéncia de intervengio do Estado no setor
habitacionais dos IAPs estão bem situados na eidade, contando com equi- tacional é posta em prática em Itaquera, a 21 km do centro de São
pamentos comunitários. Cada Instituto tinha sua equipe de engenheiros, A fim de atender parte dos 300 mil pleitcantesda casa propria de atél
tespansiveis pelos projetos, requisitando,
na década de 50, a c salários minimos, a Cohab, com recursos repassados do BNH, inve
de arquitetos. produgio em grande escala, com adensamento da populagio.
A extinção dos programas de habitação da Previdência, contudo, é oca- Em ltaquera situavam-se glebas pertencentes ao IAPAS, destil
sionada não só pelas suas limitações em relaçãoàs necessidades reais da po- pelo então Ministério do Interior à habitação popular. A escolhado
pulação. O setor da construção civil, que se desenvolveu graças à criação também ia a0 encontro das diretrizes do PMDI - Plano Metropolita
dos mesmos, começou a exigir modificações na política habitacional e pro- Descnvolvimento Integrado. Este determinava o crescimento dad
dução em massa. ‘'O equacionamento do problema, conclui Marta, não em direção ao Leste, embora a maior concentração de inddstrias da(
podia mais se restringir ao sistema previdencidrio. Surge assim o BNH na tal esteja na zona Sul, impedida de crescerem razão da Lei de Proteç
tentativa de se construir um novo modelo de intervenção. ”” Mananciais.
O Banco Nacional da Habitação é criado alguns meses após a interven- Traquera, hoje com mais de 180 mil habitantes, concentrados em
ção militar de 64, com a função social de atuar na produção estatal de mo- dades que variam de 35 a 51 m? de drea construfda, representa
radias e de infra-estrutura urbana. Mas, na sua implantação, prevalece o rencial. Para viabilizar a sua instalação, a Cohab contou com o p
caráter econômico. Com estrutura bancária, exige retorno de capital para blico municipal na instalação de rede vidria, infra-estrutura bisicae
a sua auto-sustentação, conseguida através de sistemas financeiros que nizagdo.
captam recursos de cadernetas de poupança e do FGTS, a um custo que A pergunta que se impde, contudo, € se os custos de implantagi
inclui correção monetária e juros. serviços urbanos seriam 20 menos proporcionais 20 que se ganhou
O predomínio do financeiro sobre o social, constitui.o grande entrave
ira o pleno desenvolvimento da proposição
inicial do BNH. Embora res-
ponsável pela construção de cerca de 4 milhões de unidades, menos de
30% desse toral destinam-se, realmente, à população de baixa renda.
O número cada vez maior de cortiços e favelas nos grandes centros brasi-
leiros, onde metade da população mora em condiçõesde extrema penú- interessava à Companhia erguer grandes conjuntos com a final
ria, mosta a ineficiência dessa instituição financeira, organizac atingir a meta de produção intensiva, em prazo_limitad
contexto marcado por violento arrocho salarial e desemprego. construiu-se, em apenas seis anos, um número de unidades maiord
Oficialmente, o Estado vem tentando novas propostas para contornar o toda a produgio da Cohab até então.

Itaquera, o maior conjunto habitacional, iniciado em 1978

|
aquera, conjunto e casas para 180 mil habitantes

walmente, a política de produção em grande escala está sendo revis- Apesar disso, pode-se adiantar alguns dados: a população que se trans-
4 mesmo porque não cxistem mais recursos para tal. À Cohab está cons- feriu para Itaquera é basicamente urbana apresentando, como aspiragio
findo conjuntos menores e, de preferência, integrados 2 cidade, nos méxima, a posse da proptiedade. Seu referencial de comparagio é a mora-
litos de Vila Prudente (Conjunto Cintra Gordinho); Itaim Paulist dia anterior, geralmente alugada na perifetia. Atendida nessa expectati-
olégio dos Adventistas ¢ Parque Fernanda, em Campo Limpo e VilaN va, seus esforcos agora se concentram na obtenção de equipamentos não
B S da Penha, na Rreguesia do O existentes ou insuficientes, como Posto Policial, campo esportivo ¢ a ma-
Traquera, foram postas em prática tecnologias não convencionais, nutenção dos cdiffcios.
igestão da Cohab que pretendia com esse procedimento uma redu- De um modo geral, os conjuntos da Cohab são melhor equipados que o
considerdvel no custo das obras. entorno, causando alguns conflios com a vizinhança. Esta, muitas vezes,
acaba se utilizando cos serviços existenites hestesconunress

conflitos no sistema
ãuadas. Mui-
le a moradia

conjunto ““Santa Etelvina””. As outras formas de prover a habitação que a Cohab está patrocinando
telvina”, hoje “Cidade Tiradentes””, constitui exemplo do — embrião, mutirão ¢ autoconstrução — são apontadas como recursos
o com que são tratadas as habitações populares. Iniciado em 81, para garantir a posse da terra pelo comprador.
(/ stcmas de drenagem e afastamento das águas pluviais, ruas e aveni- Emílio Haddad, atual Diretor de Divisão e Planejamento da Cohab,
sforam destruídas pela erosão, exigindo trabalho de recuperação e ins- concorda com as críticas feitas ao sistema de mutirão considerado mais um
problema ao trabalhador que uma solução. Todavia justifica o procedi-
o de infra-estrutura para que 4 mil apartamentos pudessem ser ocu- mento, afirmando que ““o problema não se refere apenas à construção da
os. A existência de normas técnicas rígidas, enfim, evitaria muitos dos
toblemas que estão ocorrendo, não só em Itaquera, mas em quase todos casa, mas à aquisição da terra, à tecnologia, ao barateamento dos mate-
onjuntos da Cohab. riais, que devem ser enfrentados ao mesmo tempo”.
Oprojeto e a implantagio de um complexo do porte de Itaquera, expe- Haddad reconhece o conflito que existe na estrutura da Cohab; agente
de um sistema financeiro e, ao mesmo tempo, uma Companhia de Habi-
té então inédita no Brasil, continua 2 espera de uma análise mais
fetida pelo poder público, mas não apenas do ponto de vista politico. O tação que se propõe responder um problema social. “O Estado assumiu a
ue significou, na verdade, essa imensa cidade, desvinculada do centro responsabilidade de prover transporte, saúde, educação. A habitação, no
ibano de São Paulo quando de sua implantagio, em 19762 entanto, não foi colocada como serviço obrigatório. ””
Apressão das reclamações dos moradores e das sucessivas criticas dasócio-im- Caio Fábio Cittadia da Motta, chefe de Agrupamento de Análise, Pro-
ensa motivou uma avaliação do empreendimento a nível Cohab. jeto e Racionalização da Construção do IPT, por sua vez, é categórico ao
indicar que enquanto não houver uma política habitacional definida para
conômico, iniciada em 83 com recursos do IPT e colaboração da
wés dessa pesquisa, ainda não concluída, muitos fatores poderão ind a população de baixa renda, o problema não vai se resolver nunca. *“Osis-
o0 que poãe ser melhorado nos proximos programas habitacionais, tema financeiro continua o mesmo, seja para quem ganha dois salários
lentro das circunstâncias atuais. mínimos, seja para quem ganha 30.”'
47
Arquitetura e Urbanismo — novembro/8s

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