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Curso: Ensino Médio

CETI
GOVERNO DO ESTADO DO PIAUÍ
SECRETARIA ESTADUAL DA EDUCAÇÃO E CULTURA
PEI - PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL Integral
19ª GRE – GERÊNCIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO Série 1ª 2ª Turma A B C
3ª D
Centro de Ensino Médio de Tempo Integral CETI – JOÃO HENRIQUE DE ALMEIDA SOUSA
Conj. Morada Nova I - Teresina - Piauí Teresina, PI, _____/ _____/ 2022

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Disciplina: Professora:
LITERATURA 2 º ANO IÚNA PAIVA

ROMANTISMO EM PORTUGAL– 2ª GERAÇÃO: CAMILO CASTELO BRANCO


nem sequer suspeitas às duas famílias. O destino que ambos se
Você lerá a seguir mais um fragmento do segundo capítulo prometiam era o mais honesto: ele ia formar-se para poder
de Amor de perdição. O trecho apresenta o casal Simão e sustentá-la, se não tivessem outros recursos; ela esperava que
Teresa e o início da sua paixão e de suas dificuldades. seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar, com o
Texto 1 coração, o seu grande patrimônio.
Capítulo II [...]
Perdido o ano letivo, foi para Viseu Simão. O corregedor Na véspera da sua ida para Coimbra, estava Simão Botelho
repeliu-o da sua presença com ameaças de o expulsar de casa. despedindo-se da suspirosa menina, quando subitamente ela foi
A mãe, mais levada do dever que do coração, intercedeu pelo arrancada da janela. O alucinado moço ouviu gemidos daquela
filho e conseguiu sentá-lo à mesa comum. voz que, um momento antes, soluçava comovida por lágrimas
No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos de saudade. Ferveu-lhe o sangue na cabeça; contorceu-se no
costumes de Simão. As companhias da ralé desprezou-as. Saía seu quarto como o tigre contra as grades inflexíveis da jaula.
de casa raras vezes, ou só, ou com a irmã mais nova, sua Teve tentações de se matar, na impotência de socorrê-la. As
predileta. O campo, as árvores e os sítios mais sombrios e restantes horas daquela noite passou-as em raivas e projetos de
ermos eram o seu recreio. Nas doces noites de estio demorava- vingança. Com o amanhecer esfriou-lhe o sangue e renasceu a
se por fora até ao repontar da alva. Aqueles que assim o viam esperança com os cálculos.
admiravam-lhe o ar cismador e o recolhimento que o CASTELO BRANCO, Camilo. Amor de perdição. 16. ed. São Paulo: Ática, 1991. p. 25-
sequestrava da vida vulgar. Em casa encerrava-se no seu 26.
quarto, e saía quando o chamavam para a mesa. ralé: a camada mais baixa da sociedade.
ermos: afastados, desertos, desabitados.
D. Rita pasmava da transfiguração, e o marido, bem estio: verão.
convencido dela, ao fim de cinco meses, consentiu que seu repontar da alva: começar o dia.
cismador: que é levado pelos pensamentos.
filho lhe dirigisse a palavra. incólume: livre de perigo, intato, ileso.
litígios: questões judiciais; pleitos, demandas, pendências.
Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, obtemperar: obedecer, assentir, aquiescer.
explicando o que parecia absurda reforma aos dezessete anos.
Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, QUESTÃO 01
rica herdeira, regularmente bonita e bem nascida. Da janela do O trecho apresenta a personagem Simão. Que elementos
seu quarto é que ele a vira pela primeira vez, para amá-la tornam evidente que ele é um típico herói romântico?
sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no __________________________________________________
coração do vizinho: amou-o também, e com mais seriedade que __________________________________________________
a usual nos seus anos. __________________________________________________
Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da __________________________________________________
mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e
inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. QUESTÃO 02
Enganam-se ambos. O amor dos quinze anos é uma Releia com atenção o segundo parágrafo. Quais
brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é a comportamentos apresentados por Simão são características do
tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre Romantismo?
com os olhos fitos na ave-mãe, que a está de fronte próxima __________________________________________________
chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a __________________________________________________
segunda o que é voar para longe. __________________________________________________
Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma exceção __________________________________________________
no seu amor.
O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, QUESTÃO 03
por motivo de litígios, em que Domingos Botelho lhe deu Nesse romance, o papel exercido pelas famílias é fundamental.
sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois criados a)Como se caracteriza a relação de Simão com seus familiares?
de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada __________________________________________________
pancadaria da fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, __________________________________________________
declinando de si o dever de obtemperar e sacrificar-se ao justo __________________________________________________
azedume de seu pai, era verdadeiro e forte. __________________________________________________
E este amor era singularmente discreto e cauteloso. Viram-
se e falaram-se três meses, sem darem rebate à vizinhança e b)O que justifica a rivalidade das famílias Botelho e
Albuquerque?
__________________________________________________ Romeu (à parte): Devo escutar mais, ou devo falar agora?
__________________________________________________ Julieta: É só teu nome que é meu inimigo. Mas tu és tu
__________________________________________________ mesmo, não um Montéquio? Não é mão, nem pé, nem braço,
__________________________________________________ nem rosto, nem qualquer outra parte de um homem. O que
significa um nome? Aquilo a que chamamos rosa, com
c)De que forma as famílias se posicionam em relação ao amor qualquer outro nome teria o mesmo e doce perfume. E Romeu
entre Simão e Teresa? também, mesmo que não se chamasse Romeu, ainda assim
__________________________________________________ teria a mesma amada perfeição que lhe é própria, sem esse
__________________________________________________ título. Romeu, livra-te de teu nome; em troca dele, que não é
__________________________________________________ parte de ti, toma-me por inteira.
__________________________________________________ Romeu: Tomo-te por tua palavra: chama-me de teu amor, e
serei assim rebatizado; nunca mais serei Romeu.
QUESTÃO 04 [...]
O narrador dessa novela classifica-se como onisciente intruso. Julieta: Meu amor como vieste parar aqui? Conta-me, e por
Significa que ele conhece todos os fatos e sentimentos das que razão? Os muros do pomar são altos e difíceis de escalar,
personagens e faz comentários sobre as ações delas, como e, considerando-se quem és, este lugar é sinônimo de morte, no
acontece no sexto parágrafo. caso de um parente meu encontrar-te aqui.
a)O que o narrador pensa do amor de uma adolescente? Romeu: Com as asas leves do amor superei os muros, pois
__________________________________________________ mesmo as barreiras pétreas não são empecilho à entrada do
__________________________________________________ amor. E aquilo que o amor pode fazer é exatamente aquilo que
__________________________________________________ o amor ousa tentar. Assim sendo, teus parentes não são
__________________________________________________ obstáculos para mim.
Julieta: Se eles te veem, vão matar-te.
b)Explique a comparação expressa no trecho a seguir: “tanto Romeu: Ai de mim! Teu olhar é mais perigoso que vinte das
sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é espadas de teus parentes. Basta que me olhes com doçura, e
voar para longe”. estou a salvo da inimizade deles.
__________________________________________________ Julieta: Por nada no mundo quero que eles te vejam aqui.
__________________________________________________ Romeu: Tenho o manto da noite para me ocultar dos olhos
__________________________________________________ deles. E, se não me amas, deixa que eles me encontrem aqui. É
__________________________________________________ melhor ter minha vida cerceada pelo ódio de teus parentes que
c)O comentário do narrador sobre o amor de uma adolescente ter a morte prorrogada, carente eu de teu amor.
se aplica ao caso de Teresa? Justifique sua resposta. SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. Tradução de Beatriz Viégas-Faria.Porto
Alegre: L&PM, 1999. p. 49-51.
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pétreas: de pedra.
__________________________________________________ cerceada: cortada, suprimida, desfeita, destruÍda.
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__________________________________________________ QUESTÃO 06
O amor de Simão e Teresa promove mudanças súbitas no
QUESTÃO 05 comportamento de ambos. Quais são essas mudanças? Em que
Leia a seguir mais um trecho do romance e escreva o que se concepção romântica de amor baseia-se essa transformação?
pode concluir sobre a história e o destino de Simão e Teresa. __________________________________________________
[...] Esse infeliz moço, contra quem o senhor solicita desvairadas __________________________________________________
violências, conserva a honra na altura da sua imensa desgraça. __________________________________________________
Abandonou-o o pai, deixando-o condenar à forca; e ele da sua __________________________________________________
extrema degradação nunca fez sair um grito suplicante de
misericórdia. QUESTÃO 07
__________________________________________________ Romeu e Julieta é uma obra que pertence ao Classicismo
__________________________________________________ inglês. No entanto, ao analisá-la, é possível identificar alguns
__________________________________________________ elementos que, mais adiante, caracterizariam a literatura dita
__________________________________________________ romântica. Releia as falas de Romeu e encontre elementos que
comprovem essa afirmativa.
O romance Amor de perdição, publicado em 1863, guarda __________________________________________________
semelhanças com a peça Romeu e Julieta, escrita em fins do __________________________________________________
século XVI pelo dramaturgo inglês William Shakespeare. __________________________________________________
Leia trecho desta última e perceba as semelhanças. __________________________________________________
Texto 2 QUESTÃO 08
Cena II do Ato II de Romeu e Julieta Tanto Simão e Teresa quanto Romeu e Julieta viam no
Julieta: Ai de mim! casamento a possibilidade de realização de seu amor. O que
Romeu: Ela disse alguma coisa. Ah, fale outra vez, anjo de isso revela sobre a época em que se passam as histórias –
luz! Pois tu és tão gloriosa nesta noite, pairando sobre minha séculos XIX e XVI, respectivamente?
cabeça, como um mensageiro alado do paraíso, para quem se __________________________________________________
elevam os olhares espantados dos simples mortais que caem de __________________________________________________
costas só para contemplá-lo quando ele monta em nuvens __________________________________________________
vagarosas e desliza sobre o coração do espaço. __________________________________________________
Julieta: Ah, Romeu, Romeu! Por que tinhas de ser Romeu?
Renega teu pai, rejeita teu nome; e, se assim não o quiseres, QUESTÃO 09
jura então que me tens amor e deixarei de ser uma Capuleto.
Depois da leitura de ambos os textos, identifique semelhanças morte do pai, as coisas pioram. Somente quando a madrasta cai
entre as duas obras que permitam afirmar que ocorre um doente, e se arrasta em agonia durante meses sob o olhar
diálogo intertextual entre elas. carinhoso e o zelo extremo da enteada a quem tanto maltratara,
__________________________________________________ é que a velha senhora percebe seu grave engano. Pede perdão a
__________________________________________________ Guida, no leito de morte, e que tome conta de Clara.
__________________________________________________ O Reitor assume a tutela das meninas, que ficam morando
__________________________________________________ na mesma casa da família. Os sofrimentos tornaram Margarida
uma moça tímida, calada, recatada, triste. Sua índole é
QUESTÃO 10 extremamente bondosa, ela pratica a caridade, é sensata, justa e
Há uma diferença marcante entre Amor de perdição e Romeu e humilde.
Julieta. No romance de Camilo Castelo Branco, as famílias Clarinha, apesar de ter a mesma bondade e de ser também
ficam sabendo do relacionamento dos jovens e interferem na caridosa, tem outro temperamento: é alegre, extrovertida, um
situação, proibindo-os de se verem, o que leva ao trágico pouco fútil e inconsequente. Guida tema o desamparo quando
desfecho com a morte dos dois. Já em Romeu e Julieta, os pais sua irmã casa, e embora seja poupada por Clara da maior parte
não chegam a saber do romance até seu fim trágico. dos serviços domésticos, não se habitua ao ócio e resolve,
Considerando essa informação, qual das duas obras você contra a vontade da irmã, dar aulas para meninas da aldeia.
considera mais trágica? Por quê? Clara acaba ficando noiva de Pedro, irmão de Daniel, e estão
__________________________________________________ para marcar o casamento quando a volta de Daniel é
__________________________________________________ anunciada. O tempo e a vida citadina se encarregam de apagar
__________________________________________________ Margarida da memória de Daniel. Ela, entretanto, jamais o
__________________________________________________ esqueceu.
O jovem doutor não se habitua à vida aldeã. Os hábitos
ROMANTISMO EM PORTUGAL– 3ª citadinos que havia adquirido contrastam com o
GERAÇÃO: JÚLIO DINIS provincianismo do lugar, e, além disso, é imaturo e estouvado,
e seu comportamento acaba por comprometer sua reputação.
AS PUPILAS DO SENHOR REITOR Quando conhece a futura cunhada, Daniel logo encanta-se dela
Em uma aldeia vive José das Dornas, “um lavrador e, esquecido do compromisso que a prende a seu irmão, passa a
abastado, sadio e de uma tão feliz disposição de gênio, que fazer-lhe a corte, perseguindo-a implacavelmente.
tudo o levava a rir; [...] Apesar dos seus sessenta anos, A verdade é que Clara tem uma forte atração por ele.
desafiava em robustez e atividade qualquer rapaz de vinte Aconselhada pelo Reitor, Margarida pede à irmã que mantenha
[...]”. É viúvo e tem dois filhos: Pedro, robusto como ele, Daniel afastado da casa de ambas, e ela obedece. Algum tempo
completamente integrado à vida campesina, e Daniel, mais depois, concorda em recebe-lo para que as coisas sejam
frágil de corpo e que não demonstra talento especial para coisa esclarecidas. É noite; Pedro, seu noivo, havia saído para rondar
alguma. O caçula preocupa o pai, que, aconselhado pelo um pinhal de sua propriedade que vinha sendo alvo de roubos.
Reitor, o padre da aldeia, encaminha Daniel para a vida Ele passa pela casa de Clarinha e ouve o som de vozes
eclesiástica. Ambos determinam, então, que o pároco dará abafadas. Leia a seguir o que aconteceu.
aulas ao menino para que ele possa ser admitido num
seminário. O som das vozes tornava-se mais audível, como se
Logo depois do início das aulas, José das Dornas queixa-se aproximassem da porta as pessoas que assim conversavam.
ao padre que o garoto está chegando muito tarde à casa, e roga- Pedro levou maquinalmente a mão ao gatilho da espingarda e
lhe que o dispense mais cedo, temendo por sua saúde frágil. Na ficou à espera com a vista fixa e a respiração reprimida. Era
verdade, o Reitor dispensava seu pupilo muito antes do sol se terrível o seu olhar naquele momento.
pôr, mas nada diz ao pai de Daniel, e resolve seguir o menino Ouviu-se o voltar da chave na fechadura, a porta abriu-se
depois da aula. lentamente, e um diálogo, travado a meia voz, chegou aos
Flagra-o no campo em companhia de uma garotinha pouco ouvidos de Pedro; mas a energia da vertigem, que lhe tomara
mais jovem que ele (eles têm entre 11 e 12 anos). Escondido os sentidos, não lhe deixava perceber, senão de maneira
atrás de um arbusto, o Reitor presencia uma cena confusa.
surpreendente: a menina é uma pastora chamada Margarida, e — Foi para lhe dizer isto, só para lhe dizer isto, que
Daniel a ensina a ler. Entre espantado, indignado e divertido, o consenti em ouvi-lo aqui — dizia a voz feminina — Bem vê que
padre acompanha o diálogo de ambos sem ser visto, e ouve seria uma loucura , se continuasse; mais do que uma loucura,
Daniel declarar que não quer ser padre, mas casar-se com ela. seria um pecado até. Agora espero que cumpra a sua
Farejado pelo cão que acompanha a pastora, o padre é promessa.
denunciado. Olha-os de maneira reprovadora e sai. Mostre que é homem de bem. Adeus.
Dias depois, o Reitor conta a José das Dornas a cena a que — Adeus — respondia-lhe outra voz — E perdoe-me se não
assistira, e comunica-lhe que o menino não tem vocação posso ainda dizer friamente esta palavra. Mas verá se saberei
eclesiástica. O padre lembra que em breve a aldeia precisará de emendar-me. Obrigado pela confiança que teve em mim.
um novo médio, já que o único, Dr. João Semana, aproxima-se Adeus.
dos 80 anos. Decidem enviar Daniel para o Porto a fim de que E, depois disto, um homem, todo envolvido numa capa
faça os cursos preparatórios para Medicina. comprida, saiu da porta do quintal, tendo antes apertado a
Margarida, a pequena pastora de quem Daniel se enamora, mão, que se lhe estendia de dentro.
é uma pobre menina que perdeu a mãe ainda muito pequena. Pedro mal tinha ouvido, e mal conseguia ver tudo aquilo;
Seu pai, um homem de pequenas posses, casara-se novamente, passava-lhe pelos olhos como que uma nuvem de fogo. Correu
dessa vez com uma mulher abastada, e com ela tivera a para este visitador noturno com a impetuosidade, de que o
segunda filha, Clara. animava a raiva e, apontando-lhe ao peito a espingarda,
Guida (apelido de Margarida) é maltratada e humilhada gritou com um rugido aterrador:
constantemente pela madrasta. A única coisa que a consola é o — Alto, miserável! Pára, ou está morto!
afeto intenso e sincero que lhe dedica a meia-irmã. Com a O homem ficou imóvel.
Dentro do quintal ouviu-se então um grito dilacerante, e a — Pedro, Pedro, não cause, não queira causar a minha
porta, violentamente impelida, veio fechar-se de encontro aos perdição.
batentes. Este grito fê-lo recuar. A voz desta mulher, que o
Pedro rompeu para o desconhecido, que recuou diante implorava assim. Pedro passou da agitação do delírio à
dele. imobilidade do letargo.
— Quem és? Quero conhecer-te antes de te matar, infame! — Que é isso? — bradou, enfim, como ao acordar de um
E como o embuçado cada vez procurasse ocultar-se mais, mau sonho. — Margarida aqui?
Pedro lançou-lhe a mão, e, com um movimento rápido, Era efetivamente Margarida a mulher, que de joelhos e
descobriu-lhe o rosto, arrojando no chão a capa com que se mãos erguidas lhe jazia aos pés.
envolvia. O luar bateu em cheio nas feições do outro. Desenhava-se no rosto da simpática irmã de Clara o mais
Reconheceu Daniel. violento desespero; e quem sabe o que lhe ia no coração.
É inexprimível em linguagem conhecida o que neste Era pois Margarida a que tivera a entrevista com Daniel?
momento se passou no coração do pobre rapaz. Abençoada suspeita iluminou pela primeira vez as trevas do
— Daniel! — bradou ele sufocado, pela intensidade da espírito atribulado do pobre Pedro! Abençoada lhe chamei,
comoção que recebera. pelo conforto que gerou; porque na horrível tortura de
Daniel conservava-se mudo e abatido. Dir-se-ia fulminado. coração daquele desgraçado, foi um bálsamo consolador.
Houve um longo espaço de silêncio. — Margarida — disse-lhe ele, trêmulo de incerteza e de
Pedro sentiu que se lhe formava no coração uma esperança — fale-me a verdade. Em nome de Deus, diga-me;
tempestade medonha; um raio de razão que lhe luzia ainda, quem estava aqui com Daniel? Diga-me, diga-me tudo pelo
inspirou-o para dizer em voz já cava e abafada: Salvador.
— Por alma de nossa mãe, Daniel, por alma de nossa mãe, Houve um momento de silêncio. Margarida parecia
sai daqui, se não queres que suceda alguma desgraça. hesitar; por fora da porta apareciam já alguns rostos
— Ouve Pedro, escuta-me - tentou dizer Daniel; mas as curiosos, que chegavam atraídos pelo ruído.
palavras a custo se lhe articulavam, e a voz prendia-se na — Quem estava aqui com Daniel? — perguntou Pedro.
garganta. Na alma de Margarida alguma coisa se passou de
— Daniel, foge, foge daqui, se me não queres perder! foge, terrivelmente doloroso que quase a fez desfalecer.
irmão! — bradava Pedro, e, como que já sem consciência, Fechando os olhos, como quem adota uma resolução
contraiam-se-lhe espasmodicamente os dedos sobre o gatilho desesperada, como quem se despenha num abismo, respondeu
da espingarda. com voz tremula, mas perfeitamente inteligível:
Daniel ia falar-lhe ainda, quando sentiu uma mão pousar- — Era eu!
lhe no ombro, e, em seguida, um homem que, durante o [...]
ocorrido se aproximara do lugar, veio interromper-se entre ele Pedro, alheio a tudo que o rodeava, ergueu as mãos para o
e o irmão. céu; e rebentando-lhe as lágrimas dos olhos, exclamou:
— Retire-se — exclamou este homem com voz severa, — Bendito seja Deus! Sirva de remissão dos meus pecados
voltando-se para o tormento destes poucos instantes.
Daniel - Eu tinha previsto esta desgraça. Quando o pároco chegou, encontrou-os nesta posição.
Era o reitor. Caminhou com o rosto severo para a mulher que via
Ia a dirigir-se depois a Pedro, mas já não o encontrou ali. ajoelhada, mas recuou também, espantado, ao reconhecer
O padre estremeceu. Margarida.
— Meu Deus, é preciso evitar algum crime. O rapaz vai — Margarida! Pois era?... [...]Que quer dizer isto, minha
louco. filha? Que fazes tu aqui?
Pedro batia violentamente com a coronha da espingarda Margarida juntou as mãos, e, olhando para o reitor com
na porta do quintal, que pouco lhe poderia resistir. uma expressão particular, respondeu:
Daniel vendo-o ia correr em defesa da mulher, cujo futuro — Peço misericórdia!
perdera talvez irreparavelmente. — Para que culpa, minha filha?! — perguntou o padre,
O padre susteve-o com energia, pouco de esperar naquela que não tirava os olhos dela.
idade avançada. — Para a minha...
— Retire-se — bradou com voz vibrante exaltada — Não
está ainda satisfeito com a sua obra? Quer acabar de perder Como vimos, graças a Margarida, a reputação de Clara não
aquela pobre rapariga? foi completamente arruinada. O gesto generoso da moça fez
— Mas ele vai matá-la! Daniel recuperar a memória daquelas tardes em que, menino
— Estou eu aqui para velar por ela. Cabe-me esse direito, ainda, ensinava a pequena pastora a ler. Quis pedi-la em
que me foi conferido por sua mãe no leito, onde agonizava. casamento, ela recusou, pensando que ele só o fazia por
Retire-se. gratidão, piedade ou por pressão do Reitor e do pai. Mas não, o
O reitor naquele momento transformara-se; sublimara-se a afeto do moço era sincero e ele insistia.
ponto de exercer um império completo na vontade de Daniel; Guida só cedeu quando Clara ameaçou-a dizendo que
no olhar do velho parecia haver não sei que influxo contaria a todos que ela, e não Guida, estivera com Daniel.
magnético, que obrigou Daniel a baixar a cabeça e a retirar- Margarida, então, é empurrada para a felicidade. Casam-se
se, constrangido por irresistível impulso. todos: Guida com Daniel e Clara com Pedro.
Pedro tinha arremetido contra a porta do quintal com
verdadeira desesperação. Um pensamento sinistro o
dominava; a raiva do ciúme e da vingança perturbava-lhe a
razão.
Afinal a porta cedeu. Pedro penetrou no quintal como
verdadeiro louco; empeceu-lhe, porém, os passos uma mulher
que lhe caiu aos pés, bradando:

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