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Waldo Mermelstein
Um ou dois estados?
Dada a supremacia de Israel, que nega qualquer tipo de solução estatal digna deste
nome aos palestinos, a discussão sobre a solução definitiva para o conflito soa como algo
longínquo enquanto não for desmontada a máquina de opressão e guerra dos sionistas.
Neste sentido, ganham importância todas as pequenas e grandes conquistas contra o
opressor sionista, cada colônia que seja desmontada, o levantamento ao bloqueio à Gaza, a
libertação dos prisioneiros. Mas este debate é essencial porque essas mesmas conquistas
serão temporárias enquanto existir o estado sionista agressor e colonizador na região.
A base do conflito está na colonização sionista, para a qual os palestinos, habitantes
da região há séculos, perderam suas terras e suas casas e têm pleno direito de reivindicar o
que sempre foi seu. Em contraste, a pretensa ligação milenar dos judeus do mundo com
Israel é um mito, porém a sua análise excede os limites deste artigo. Basta citar que, não
por acaso, os sionistas sempre foram minoritários entre as comunidades judaicas do mundo
até o Holocausto e que os judeus nos últimos dois mil anos foram uma ínfima minoria
religiosa na região.
No entanto, ainda que se chegasse à conclusão que os colonos judeus constituíram,
após mais de sessenta anos, uma nova nacionalidade judaica israelense, seria certamente
uma nacionalidade opressora e expropriadora de outra nacionalidade, que já vivia na região.
A volta dos refugiados e o desmonte do estado sionista seguramente significariam uma
redução significativa dos privilégios que lhes confere este status, mas isso é parte da
correção da injustiça histórica feita contra os palestinos.
Desde a Declaração Balfour em 1917 até a resolução 181 da ONU que resolveu
partilhar a Palestina, dando a maioria do seu território (51%) à minoria da população (um
terço), o erro recorrente foi o de dividir o território. Em 1947, o trauma do Holocausto, o
desejo de americanos e soviéticos de ingressarem no Oriente Médio frente à falência dos
britânicos, fez com que os sionistas realizassem seu antigo sonho e aproveitassem para
conquistar cerca de 78% do território e expulsar 80% da população árabe, o que hoje se
denomina limpeza étnica (Pappe, 2006, pp. 1-9).
Em uma área tão exígua, em que os recursos naturais, em especial a água são
indivisíveis, a divisão acarretou a formação de um Estado, o de Israel, rico, beligerante,
expansionista, racista e poderoso. O Estado Palestino nem foi formado porque o Egito e
Jordânia se apossaram do que restou dele.
Até a primeira intifada, Israel nem se dava ao trabalho de discutir o tema: era o
tempo em que o mito da “terra sem povo para um povo sem terra” predominava. Tudo
mudou com a intifada: a partir daí a proposta de dois estados foi retomada por americanos,
europeus, e israelenses como o mal menor, e aceita pela OLP (quanto ao Hamas, as
declarações dos seus dirigentes no último período vão também nessa direção). Mesmo nas
melhores condições, se Israel desocupasse as colônias, retirasse os 400 mil colonos (o que
mantendo a estrutura do estado sionista é impossível), permitisse que Jerusalém fosse
compartilhada, o Estado palestino seria um miserável vizinho de Israel, um reservatório de
mão de obra barata, incapaz de absorver os mais de quatro milhões de refugiados.
A única solução justa e viável seria que se estabelecesse um único estado, com
igualdade para todas as etnias e/ou nações, com o pleno exercício do direito de retorno dos
refugiados palestinos à terra que habitavam e a compensação pelos mais de sessenta anos
de espoliação. Isso implicaria que Israel, como um estado baseado na supremacia étnica,
teria que desaparecer, sem que isso signifique a expulsão dos judeus israelenses. Somente
um pensamento e uma estrutura racistas podem considerar uma “ameaça demográfica” a
volta dos refugiados à terra da qual foram de uma forma ou outra forçados a abandonar.
Aliás, o fato que os palestinos foram expulsos pelos sionistas já é praticamente
consensual entre os historiadores (Pappe, 2006, pp. 83-175; Masalha, 1992, pp. 175-199), e
a última trincheira em que os pró-sionistas se refugiaram é a de que a expulsão não foi
planejada e sim “fruto da guerra” (o que as evidências históricas não confirmam), mas para
os efeitos do exercício do direito de retorno nenhuma diferença faz.
A questão de fundo é: pode haver paz e justiça no Oriente Médio com um estado
como o israelense, que é uma versão piorada da África do Sul do apartheid? O Estado
define-se como “judaico e democrático”, uma contradição em si, e que significa que é um
estado étnico-teocrático, baseado no privilégio exclusivo de um grupo, no caso os judeus
israelenses (Shafir & Peled, 2005, pp. 110-136).
À divisão em classes sociais, sobrepõe-se uma discriminação étnico/religiosa ou
nacional. Uma das leis básicas do país (já que Israel não tem Constituição), que determina
sua cidadania, é a lei do retorno, promulgada em 1950. Por meio dela, todos os judeus do
mundo têm o direito de “retornar” à Palestina, o que é negado aos palestinos que perderam
suas terras em 1948 e residem a alguns quilômetros de distância, o que é uma verdadeira
excrescência, até em um mundo em que todos os regimes são capitalistas.
As instituições religiosas são as únicas responsáveis pelos casamentos, divórcios e
enterros, sendo impossíveis, por exemplo, os casamentos inter-religiosos. Por meio de uma
disposição “transitória” da lei do retorno, vigorando há quase uma década, são proibidas as
reunificações de famílias de palestinos de Israel e dos territórios ocupados.
As propriedades dos palestinos expulsos foram expropriadas pela edição da lei da
propriedade das pessoas ausentes. As instituições estatais funcionam para beneficiar
fundamentalmente os judeus e, quando isso não é possível, funcionam entidades quase-
estatais, como a Agência Judaica e a Histadrut, canalizando, por exemplo, a ajuda externa
somente para empreendimentos judaicos, o que acentua a brutal desigualdade com relação
aos palestinos.
O Fundo Nacional Judaico é proprietário de 92% das, sendo proibida sua venda a
não judeus, e as terras urbanas são controladas pelas instâncias judaicas do estado. A
crescente e cada vez mais urbana população árabe de Israel quase não pode construir novas
habitações e quando o fazem sem licença são implacavelmente destruídas, como ocorre
nestes dias em Jerusalém. Como os árabes não fazem o serviço militar, têm drasticamente
limitado seu acesso aos postos de trabalho mais valorizados, seguindo a tradição da
chamada “conquista do trabalho”, eufemismo para o boicote ao trabalho árabe.
A educação oficial glorifica os feitos sionistas, a versão mítica de 1948. A Nakba
não é reconhecida e agora o partido fascistóide de Avigdor Liberman, ministro de relações
exteriores do atual governo, pretende ilegalizar a sua recordação. Sempre que existe alguma
tensão com os vizinhos árabes ou com os palestinos dos territórios ocupados, a repressão é
implacável, e a ameaça aos palestinos e suas instituições é permanente, sendo tachados de
“quinta-colunas”.
Israel em muito se assemelha à África do Sul do apartheid, com uma diferença para
pior: o movimento sionista, a partir dos anos 1930, procurou expulsar os palestinos do
mercado de trabalho e de suas terras e não explorá-los diretamente, a fim de viabilizar a
imigração judaica, ao contrário das primeiras décadas de colonização quando o sistema era
o tradicional das colônias (Weinstock, 1979, pp. 131-155; Pappe, 2004, pp. 93-103). Neste
aspecto é similar à colonização nos Estados Unidos, ainda que, ao contrário dos índios, os
palestinos não desapareceram. Com a Cisjordânia e Gaza, a relação é tipicamente colonial:
todo o comércio passa por Israel, que coleta os principais impostos, o mercado é cativo para
os produtos israelenses, a água escassa na região é desproporcionalmente utilizada pelos
israelenses e a colonização funciona como uma válvula de escape social, pois os benefícios
que têm os colonos não poderiam ser usufruídos de outra forma pelos judeus israelenses
médios. Israel faz excelentes negócios com sua experiência em guerras e contra-
insurgência, sendo um dos grandes produtores e exportadores de armas, tecnologia e know-
how militares no mundo.
Para manter sua superioridade militar e o nível de vida artificial da população
judaica, Israel é o principal beneficiário da ajuda americana, que totaliza oficialmente cerca
de 6 bilhões de dólares anuais, há mais de cinqüenta anos. Em troca, desempenha o papel
de guardião dos interesses imperiais americanos no Oriente Médio; exemplos não faltam,
como a invasão ao Egito em 1956 quando este nacionalizou o canal de Suez e a cínica
campanha atual contra o Irã, acusando-o por desejar ter tecnologia nuclear, quando Israel
possui mais de 150 bombas atômicas.
No marco de um estado laico, de todos os habitantes e nacionalidades que o
compõem, podem e devem ser recebidos os refugiados palestinos que quisessem exercer
seu direito de retorno (Aruri, 2001, pp. 195-207), mas o esforço teria que ser apoiado
mundialmente, afinal foram as potências mundiais e as próprias Nações Unidas que fizeram
a partilha. Mas isso é incompatível com a estrutura racista do estado de Israel, sem falar nos
obstáculos colocados pela ordem internacional de estados atualmente vigente.
Utópico? Não mais do que resolver os problemas em dois estados ou achar que os
sionistas irão ceder seus privilégios voluntariamente, mas seguramente uma receita para
começar a sanar as tremendas injustiças históricas na região.
Referências bibliográficas:
ARURI, Nasser (Ed.). Palestinian Refugees: The Right of Return. Chippenham: Pluto
Press, 2001.
BEININ, Joel e STEIN L., Rebecca. The Struggle for Sovereignty: Palestine and Israel
1993-2005. Stanford: Stanford University Press, 2006.
MASALHA, Nur. Expulsion of the Palestinians. Washington: Institute of Palestine Studies,
1992.
PAPPE, Ilan. The Making of the Arab-Israeli Conflict 1947-1951. London: I.B. Tauris &
Co Ltd, 1994.
PAPPE, Ilan. A History of Modern Palestine. Cambridge: Cambridge University Press,
2004.
PAPPE, Ilan. The ethnic cleansing of Palestine. A History of Modern Palestine.
Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
SHAFIR, GERSHON e PELED, Yoav. Being Israeli: The Dynamics of Multiple
Citizenship. New York: Cambridge University Press, 2005.
WEINSTOCK, Nathan. Zionism: False Messiah. Londres: Ink Links, 1979.