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5. POLÍTICAS DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO INDIRETA NA RELAÇÃO DE


TRABALHO.

5.1. NOÇÕES GERAIS

O contexto atual é formado por uma multiplicidade de indivíduos, de culturas,


de estereótipos, etnias, crenças e de idiossincrasias pessoais, o que torna a vivência humana
essencialmente dinâmica e completa. Cada peculiaridade proporciona uma riqueza de
conhecimentos e contribui para a percepção diversificada do mundo, traduzindo-se numa
melhor compreensão do contexto circundante e possibilitando a reação em face deste.
Portanto, a diferença entre os seres é elemento crucial para a sustentabilidade
da existência dos próprios indivíduos. Sem ela, seria impossível a completa relação com o
mundo e a sobrevivência humana restaria limitada.
Assim, constata-se que as diferenças devem ser respeitadas, sendo vedada
qualquer forma de discriminação. As diferenciações apenas são legítimas quando
indispensáveis para a consagração da própria distinção e para a garantia dos direitos
fundamentais dos indivíduos, nos termos do princípio da igualdade em seu aspecto
substancial.
Flávia Piovesan, referindo-se ao direito à diferença e à não discriminação,
assevera:
No marco do multiculturalismo, há que assegurar o direito à unicidade e à
diversidade existencial, sem discriminação, hostilidade e intolerância, a compor uma
sociedade revitalizada e enriquecida pelo respeito à pluralidade e diversidade,
celebrando o direito à diferença, na busca da construção igualitária e emancipatória
de direitos.1

As práticas discriminatórias, muitas vezes, ocorrem pelas discrepâncias sociais,


dando a alguns indivíduos a falsa sensação de superioridade e disposição discricionária da
vida alheia, bem como pelo caráter competitivo que envolve as relações humanas, o que se
consubstancia na tentativa de alguns se sobreporem aos demais.
Em virtude da internalização e naturalização de preconceitos, os atos
discriminatórios também se perfazem, muitas vezes, sem que haja uma intenção expressa de
discriminar e prejudicar o indivíduo alheio. Contudo, não é por sua falta de intenção que

1
PIOVESAN, Flávia. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos: Perspectiva Global e Regional. In:
SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (coord.). Igualdade, Diferença e Direitos
Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008, p. 76.
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deverão ficar impunes, haja vista que são práticas que desencadeiam impactos nefastos na
sociedade, justamente por serem sutis e de difícil comprovação, caracterizando a
discriminação indireta.
Esses ideais arraigados conduzem a difusão do mito da democracia, pelo qual
se acredita que não há discriminação e que todos vivem em harmonia. Não obstante, esse não
é o sentimento do indivíduo discriminado e marginalizado em virtude de sua cor, raça,
origem, sexo, idade, ou necessidade especial, sendo impossibilitado de viver dignamente.
Por conseguinte, estas práticas discriminatórias devem ser veementemente
combatidas em prol do alcance da efetivação do princípio da igualdade e da dignidade da
pessoa humana e pela busca da harmonia social.
Ressalta-se que o combate a discriminação no mercado de trabalho possui um
papel fortemente social pela busca da harmonia entre os seres. Todavia, vale ressaltar a sua
função econômica, na medida em que a disponibilidade do labor a todos os indivíduos possui
como consequência o desenvolvimento econômico do país.
Hodiernamente, não há nenhum exemplo de nação que, segundo Joaquim
Barbosa Gomes “tenha se erguido de uma condição periférica à de potência econômica e
política, [...] mantendo no plano doméstico uma política de exclusão, aberta ou dissimulada,
legal ou meramente informal, em relação a uma parcela expressiva de seu povo.”2
Ademais, a evidência da discriminação indireta e o seu combate contribuem
para a percepção, por cada indivíduo, da parcela que possui para as mazelas sociais reinantes,
evidenciando os preconceitos e as práticas discriminatórias não perceptíveis.
Conforme já explicitado, a discriminação indireta é significativamente mais
danosa no ambiente de trabalho, em virtude da importância deste no contexto capitalista atual,
sendo mecanismo basilar da sobrevivência humana. Nesta conjuntura, a luta contra a
discriminação indireta deve ser muito mais efetiva no tocante a sua existência nas práticas
laborais.
Para o alcance do equilíbrio social, os contratantes devem buscar refletir a
estrutura social em seu ambiente de trabalho, sendo caracterizada a disparidade ilegítima
quando há esse destoamento acentuado e desarrazoado. A consequência desta conduta é um
impacto desproporcional na sociedade, desencadeando inúmeros danos, o que, por
conseguinte, deve ser rechaçado de maneira contundente.

2
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afimativa no Brasil? Revista da Associação dos Juízes Federais do
Brasil. a. 20, n. 68. Rio de Janeiro: Ímpetus, p. 202, out./dez., 2001.
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O combate à discriminação indireta ocorre através da concreção de políticas


públicas, estas entendidas como todos os atos emanados dos poderes públicos, seja ele
legislativo, executivo ou judiciário. Assim, a discriminação em tela apenas poderá ser
extirpada com a atuação conjunta dos três poderes, cada um em sua competência. O
legislativo se responsabiliza pela criação de leis específicas de combate; o executivo atua com
ações educativas e de persuasão, através de ações afirmativas; e ao judiciário, por sua vez,
compete o julgamento das lides referentes ao tema.
As condutas discriminatórias possuem origem nos próprios indivíduos, por
conseguinte, eles, por si sós, não conseguirão reverter esse quadro. É indispensável, portanto,
a atuação dos poderes públicos no combate à discriminação.

5.2. POLÍTICAS PÚBLICAS

A noção de políticas públicas surgiu com a mudança de paradigma concernente


à função do Estado, em todos os seus aspectos. A ascensão do liberalismo econômico limitou,
de forma significativa, a atuação estatal. Este possuía um papel meramente figurativo e
passivo, apenas de proteção da economia e repressão das condutas abusivas.
Contudo, com o acirramento das crises econômicas ocorridas, principalmente,
no século XX, desencadeando acentuada instabilidade de mercado, bem como com a ascensão
de uma classe trabalhadora mais atuante, evidenciando as discrepâncias e mazelas sociais,
tornou-se notória a necessidade de intervenção estatal em busca do equilíbrio sócio-
econômico.
Neste contexto, o Estado passou a incorporar um papel mais atuante,
adquirindo o status de Estado Social. Dentre suas ações em busca do bem estar coletivo,
passou a intervir na esfera econômica, realizar ações sociais, combater as desigualdades e
amparar os hipossuficientes, através dos seus 03 poderes, o legislativo, o executivo e o
judiciário, cada qual com suas competências.
A Carta Magna de 1988 estatui, em seu art. 3º, os objetivos fundamentais da
República Federativa brasileira, os quais se iniciam todos com verbos no imperativo, de
índole participativa do Estado (construir, garantir, erradicar e promover). Portanto, constata-se
o perfil interventor adquirido pelo Estado brasileiro, em prol da efetivação dos direitos
humanos fundamentais.
Acerca deste tema, Marco Aurélio Mello assevera:
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Do art. 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção


de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a
imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que
é discriminado [...]. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar e encontrar, na
Carta da República, base para fazê-lo – as mesmas oportunidades. [...] A postura
deve ser, acima de tudo, afirmativa.3

Concomitante com a alteração de paradigma estatal, emergiu a concepção da


importância do homem, desencadeando na necessidade de garantia de seus direitos
fundamentais. Para a efetivação destes direitos, necessita-se de ações consistentes do Estado,
o que se consubstancia através das políticas públicas.
Dentre os direitos humanos fundamentais, merece destaque o direito à
igualdade, devendo ser combatida qualquer forma de discriminação, mormente, a indireta
pelo seu caráter dissimulado e acentuadamente danoso.
O acúmulo arraigado de preconceitos e desigualdades, desenvolvido
historicamente através de injustiças, requer um tratamento diferenciado. Mas esta
diferenciação não deve se pautar na criação de novas injustiças e disparidades ilegítimas, ela
deve se fundamentar na supressão das já existentes, mediante uma significativa intervenção
do Estado.
Este tratamento diferenciado, que busca a igualdade substancial, poderá se
materializar através de políticas públicas. Não há que se falar em efetiva igualdade quando se
trata identicamente os desiguais.
Destarte, observa-se que as políticas públicas são instrumentos imprescindíveis
na luta em face da discriminação indireta na relação de trabalho, garantindo os direitos
mínimos dos trabalhadores.
Maria Eliane Menezes de Farias, ao conceituar este instituto, afirma:
As políticas púbicas podem ser entendidas como respostas do Estado a demandas
sociais de interesse da coletividade. Estas podem ser chamadas de o “Estado em
ação”, pois o Estado as implementa por meio de projetos de governo e de ações
voltadas a setores específicos da sociedade.4

Insta salientar que a efetividade das políticas públicas não está adstrita à
atuação estatal. É fundamental a participação da sociedade e do Ministério Público na
formulação e concreção das políticas de combate à discriminação indireta na relação laboral,
visto que cada setor possui um olhar diferenciado acerca da prática discriminatória. Ademais,
3
MELLO, Marco Aurélio. Ótica Constitucional: A igualdade e as ações afirmativas. In: MARTINS, Ives Gandra
da Silva (Coord.). As vertentes do Direto Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica,
2002, p. 39.
4
FARIAS, Maria Eliane Menezes de. Políticas públicas e controle social. Boletim científico da Escola Superior
do Ministério Público da União. a. II, n. 7. Brasília, p. 75, abr./jun., 2003.
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as diferentes atuações possibilitam uma maior abrangência do combate à discriminação, em


virtude de suas peculiaridades.
A sociedade civil possui papel significativo na eficácia das políticas públicas.
Ela não é mera espectadora, mas protagonista da aplicação de políticas de combate à
discriminação, haja vista que esta afeta toda a coletividade, direta ou indiretamente. Portanto,
a sociedade deve ter participação ativa na aplicação das políticas públicas de combate a
discriminação para tornar efetivo o princípio constitucional da igualdade.
Segundo Marianne Rios de Souza Martins e Aloísio Kroling:
A sociedade civil deve participar tanto da idealização das Políticas Públicas como do
seu monitoramento, principalmente por meio de:
a) conselhos gestores de Políticas Públicas (Federais, Estaduais e Municipais);
b) organizações não-governamentais;
c) associações de bairros;
d) pesquisas do meio acadêmico sobre as realidade sociais;
e) representações no Ministério Público;
f) divulgação nos meios de comunicações;
g) impetração de ações judiciais.5

Contudo, malgrado a participação dos diversos setores sociais, giza-se que a


iniciativa do Estado é determinante para a concreção das políticas públicas. Ele concentra o
poder de legislar e impor as leis, de executá-las em prol da coletividade e de julgar,
solucionando pontualmente as querelas apresentadas, com a exigência de cumprimento destas
decisões.
Imperioso ressaltar que a prática discriminatória não se restringe a problemas
econômicos. Mais que isso, ela se materializa de maneira mais sutil e danosa justamente no
âmbito social. É comum evidenciarmos um operário branco se sentir superior aos seus
colegas, ou um homossexual tratar de maneira inferiorizada um outro indivíduo com a mesma
opção sexual. Portanto, constata-se a necessidade de atuação consistente do Estado no
combate à discriminação, tratando-a como um problema social e, por conseguinte, com
necessidade de maior observância.
Portanto, independente das motivações que conduziram à prática
discriminatória, o fato é que os poderes públicos devem atuar veementemente no seu combate,
em prol da satisfação dos direitos humanos fundamentais. Assim, a atuação de todo o aparato
estatal é indispensável para a concreção de políticas de combate a discriminação indireta.
Não basta, por exemplo, que haja normas específicas de combate a
discriminação indireta no trabalho se há uma inércia do poder público, bem como as decisões
5
MARTINS, Marianne Rios de Souza; KROLING, Aloísio. O papel das políticas públicas na efetividade dos
direitos humanos fundamentais de 2ª dimensão. Revista de Direito das Faculdade de Vitória. n. 10, Vitória, p.
165-166, jan./dez., 2006.
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judiciais, per si, não alcançam genericamente toda a coletividade. Os poderes públicos
possuem a responsabilidade pela garantia dos direitos fundamentais, devendo as referidas
ações serem efetivadas de maneira contundente.
Consoante assevera Vera Lúcia Carlos:
A igualdade de todos prevista no caput do art. 5º da Constituição implica
obrigatoriamente de redução das desigualdades. Ou seja, não basta que o Estado se
abstenha de discriminar, de considerar desigualmente as pessoas. É preciso que ele
atue positivamente no sentido de reduzir as desigualdades sociais, intervindo como
agente ativo de promoção de políticas que permitam combatê-las.6

As políticas públicas estão, em princípio, voltadas para a redistribuição dos


benefícios sociais e a efetivação dos direitos humanos, visando a diminuição das
desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento sócio-econômico.
Na esteira deste entendimento, destaca-se que essas políticas ativas abrangem
um vasto leque de medidas, consubstanciadas, principalmente, em ações afirmativas.

5.2.1. As ações afirmativas.

No contexto do Estado Social, essencialmente interventor em busca da justiça


social e consagração dos direitos humanos fundamentais, transmutou-se a aplicação do
princípio da igualdade. Segundo Joaquim Barbosa Gomes, “a igualdade deixa de ser
simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo
constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade”.7
As ações afirmativas, também conhecidas como ações positivas, nasceram da
atuação ativa do Estado, muitas vezes radical, objetivando o alcance da harmonia social com a
efetivação dos direitos fundamentais dos indivíduos. Elas se consubstanciam em políticas
públicas específicas que beneficiam determinados setores marginalizados na sociedade.
Joaquim Barbosa Gomes conceitua este instituto como:
[...] um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo
ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e
de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação
praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva
igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.8

6
CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Método, 2004, p. 21.
7
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afimativa no Brasil? Revista da Associação dos Juízes Federais do
Brasil. a. 20, n. 68. Rio de Janeiro: Ímpetus, p. 202, out./dez., 2001.
8
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: O Direito como
instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 40.
80

As ações afirmativas, consequentemente, objetivam o alcance da igualdade


substancial, trazendo a proposta de tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas
desigualdades.
Não há justiça social no tratamento idêntico de indivíduos ou classes
essencialmente diferentes. Contudo, imperioso aclarar que não é o simples fato da
diferenciação dos seres que legitima a aplicação de ações afirmativas. Se esta fosse a
realidade, toda a vivência humana dependeria de ações afirmativas. Mas esta não é a função
destas políticas públicas.
As ações positivas possuem o escopo de concretizar a igualdade de
oportunidades entre os indivíduos, induzindo a supressão, no imaginário coletivo, da idéia de
superioridade em relação aos demais sujeitos. Portanto, essas políticas se baseiam na coibição
de práticas discriminatórias do presente (justiça distributiva) e, sobretudo, na eliminação dos
efeitos da discriminação perpetrada em outrora (justiça compensatória).
Vale gizar que as práticas discriminatórias possuem uma significativa
tendência de se perpetuar. Ou seja, o preconceito e a discriminação ocorridos no passado
tendem a se transmitir às gerações futuras, eternizando as mazelas e segregações sociais. Este
ônus apenas pode ser reparado com a aplicação de ações afirmativas compensatórias.
Mesmo que os atores sociais da atualidade não sejam responsáveis diretos
pelas discriminações de outrora, todos possuem responsabilidade social, devendo arcar com o
ônus de viver numa sociedade com disparidades ilegítimas.
Ademais, ressalta-se que as ações afirmativas não trazem danos aos indivíduos,
não havendo que ser questionada a sua legitimidade. Ao contrário, estas políticas trazem
benefícios à toda coletividade que irá conviver num ambiente plural e contribuirá de maneira
mais efetiva para o respeito aos direitos fundamentais e o desenvolvimento do país.
Na esteira deste entendimento, Flávia Piovesan acrescenta que as ações
afirmativas devem ser compreendidas “não somente pelo prisma retrospectivo – no sentido de
aliviar a carga de um passado discriminatório –, mas também prospectivo – no sentido de
fomentar a transformação social, criando uma nova realidade.”9
No Direito brasileiro, inúmeras são as normas que tratam de forma diferenciada
algumas minorias, com o objetivo de alcançar o equilíbrio social. Estas normas se
caracterizam como verdadeiras ações afirmativas. Em caráter exemplificativo, destaca-se as
previsões da Carta Magna Pátria, explicitadas no art. 7º, inciso XX que prevê a proteção do
9
PIOVESAN, Flávia. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos: Perspectiva Global e Regional. In:
SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (coord.). Igualdade, Diferença e Direitos
Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008, p. 58.
81

mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; no art. 37 determina, em seu


inciso VIII, o qual dispõe que a lei deverá reservar percentual dos cargos e empregos públicos
para as pessoas portadoras de deficiência.
A legislação infraconstitucional também apresenta hipóteses de aplicação de
ações afirmativas, as quais destaca-se: o art. 24, inciso XX, da Lei 8.666/93 que vaticina que
fica dispensada a licitação na contratação de associação de portadores de deficiência física,
para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra; a CLT, em seu art. 373-A,
parágrafo único, prevê a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das
políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as
distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de
trabalho da mulher, dentre outras.10
Assim, nos dizeres de Roger Raupp Rios, “ações afirmativas, deste modo, são
medidas possíveis e admissíveis constitucionalmente, visando a concretização do princípio da
igualdade”.11
Insta destacar que estas ações afirmativas já estão gerando resultados positivos.
Por exemplo, de acordo com dados da Pesquisa Mensal de Emprego, realizada pelo IBGE, em
relação a janeiro de 2003 observou-se queda na taxa de desocupação entre as mulheres, sendo
de 3,4 pontos percentuais.12
Acrescenta-se, inclusive, que as ações afirmativas possuem um caráter
pedagógico, incutindo nos atores sociais a necessidade do respeito ao pluralismo e aos direitos
humanos do indivíduo alheio, principalmente demonstrando a importância da diversidade.
Elas fazem parte de uma política de absorção de vivências diferenciadas pelos sujeitos, ao
ponto destes conviverem de forma natural com as divergências.
Da mesma forma que os indivíduos foram capazes de internalizar preconceitos,
algumas vezes de forma até não intencional, eles podem criar sub ou conscientemente novos
conceitos pela convivência com a multiplicidade de seres, rompendo, inclusive, com os
preconceitos anteriormente arraigados. É exatamente neste ponto que as ações afirmativas são
imprescindíveis.

10
Neste entendimento, destaca-se, ainda, a Constituição da Bahia, a qual dispõe, em seu art. 289, que sempre que
for veiculada publicidade estadual com mais de duas pessoas, será assegurada a inclusão de uma da raça negra;
Portaria 1.156/2001 que institui o Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Justiça.
11
RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 194-195.
12
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATTÍSTICA. Mulheres com nível superior recebem
60% do rendimento dos homens. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1099&id_pagina=1>.
Acesso em 13.11.2009.
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No tocante à discriminação indireta, elas possuem maior relevância. Observa-


se que este tipo de disparidade ilegítima emerge exatamente de práticas sutis e dissimuladas,
no mais das vezes, não intencional. Portanto, fruto de ideários pré-concebidos e oriundos,
inclusive, de vivências passadas que o próprio indivíduo não presenciou, mas as perpetua pela
necessidade de enquadramento social e de demonstração de sua suposta superioridade.
Neste contexto, as ações positivas detêm um papel fundamental no combate a
essas práticas discriminatórias. A atuação estatal poderá se perfazer de diversas formas. As
ações afirmativas ocorrem, por exemplo, na criação de cotas para determinado setor da
sociedade atuar no mercado de trabalho; no fornecimento de incentivos fiscais para os
empregadores que possuem uma significativa diversidade no seu ambiente de trabalho; ou
ainda, na contratação de apenas empregadores que possuam uma porcentagem mínima de
mulheres, deficientes físicos e negros em seu quadro de trabalhadores, dentre outras.
Note-se que a criação destas ações positivas possibilita a inserção de minorias
marginalizadas no mercado de trabalho, garantindo-lhes, em princípio, a sua sustentabilidade
e vivência digna. Desta forma, com estas práticas, a discriminação vai se esvaindo, em virtude
da criação de oportunidade para todos, e a sociedade vai alcançando o seu equilíbrio.
Conforme preleciona André Viana Custódio:
As políticas públicas de ação afirmativa são iniciativas de ordem governamental e
não-governamental com a finalidade de adotar medidas que visem à equidade de
tratamento ente pessoas que ocupam posições desiguais. [...] Prevêem, portanto, que
seja alcançado o equilíbrio das relações sociais entre os diversos grupos da
sociedade, colocando-as em mesmo patamar de igualdade e de oportunidades.13

As ações afirmativas são essencialmente eficazes no combate a discriminação


indireta. Com o passar do tempo e com a continuidade da atuação estatal no fornecimento de
educação qualificada a todos, de cursos profissionalizantes, de políticas de conscientização da
sociedade, a discriminação irá gradativamente se extirpando. Os indivíduos irão, de forma
paulatina, mas efetiva, adquirir a percepção de que é comum vê um negro ocupando um posto
de gerência numa empresa, não apenas como faxineiro, de que um portador de necessidades
especiais pode ocupar um cargo de professor, de que pessoas regionais possuem significativa
competência para gerenciar uma empresa multinacional e de que as mulheres podem atuar em
diversos setores antes apenas ocupados por homens.

13
CUSTÓDIO, André Viana; LIMA, Fernanda da Silva. As políticas públicas para a concretização dos direitos
de crianças e adolescentes negros no Brasil. In: WOLKMER, Antônio Carlos; VIEIRA, Reginaldo de Souza
(org.). Estado, política e direito: relações de poder e políticas públicas. 22. ed. Criciúma: UNESC, 2008, p. 248.
83

Conforme assevera Álvaro Ricardo Souza Cruz, “negar as ações afirmativas


significa negar a existência da própria discriminação.”14 Sendo constatada a discriminação,
corolário de seu combate é a aplicação das referidas ações.
Alguns são os argumentos contrários à eficiência das ações afirmativas. Dentre
eles, o de que elas não levam em consideração o critério meritório. Contudo, observa-se que
ambos os sistemas convivem em harmonia, o que se possibilita com as ações positivas é um
outro critério de avaliação, que não apenas o intelecto, para ser efetivado o direito à
igualdade.
Acrescenta-se, ainda, que deve ser superada a idéia de que as ações afirmativas
geram novas discriminações em face daqueles não prestigiados pela ação positiva. O ideário
destas práticas é justamente o inverso. Com elas, se busca o equilíbrio entre a
representatividade de determinados indivíduos ou classes, não a sustentação de práticas
discriminatórias.
A necessidade de criação de ações afirmativas apenas se perfaz quando há uma
disparidade significativa de oportunidades entre os atores sociais, havendo inferiorização e
marginalização de indivíduos, o que gera grandes impactos na sociedade. Portanto, não há que
se dizer que estas condutas ativas desencadeiam discriminação, elas a atenuam, trazendo o
equilíbrio social.
Imperioso ressaltar que não se pretende aqui endeusar as ações afirmativas
como se elas fossem a salvação dos problemas sociais reinantes. As disparidades existentes no
contexto atual e as práticas discriminatórias são ululantes. Por conseguinte, tem-se
consciência de que a criação de ações afirmativas, per si, não possuem o condão de solucionar
todos os problemas, contudo, acredita-se que esta prática possui o poder de atenuar as
desigualdades e discriminações de uma forma mais imediata e efetiva.
As minorias segregadas não podem mais viver com a passividade do Estado,
com aplicações de medidas indiretas e pouco agressivas. O problema existe e se agrava a cada
dia. Logo, concomitante com a efetivação de ações afirmativas, o governo deve preocupar-se
com a estruturação de um ensino de qualidade, com a difusão de escolas profissionalizantes
acessível a todos, dentre outras medidas.
Outro argumento em favor das ações afirmativas como forma de combate a
discriminação, se refere a criação de oportunidades para que as minorias desenvolvam e
demonstrem suas potencialidades. Note-se que a característica da cor, sexo ou idade pode

14
CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social
de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 134.
84

impossibilitar o acesso de determinados indivíduos ao mercado de trabalho pela realização de


práticas discriminatórias pelo contratante. Assim, a criação de ações afirmativas pelos poderes
públicos, exigindo a inserção dessas minorias no ambiente laboral, possibilita que os
indivíduos discriminados apresentem suas potencialidades e contribuam para o
desenvolvimento do país.
Mais que isso, os atores sociais objetos de ações positivas possuem, de regra,
maior garra e dedicação na realização de suas atividades, justamente para provarem as suas
potencialidades.
Enfim, ante todo o exposto, evidencia-se que as ações afirmativas, perpetradas
de quaisquer dos poderes públicos, são políticas efetivas de combate à discriminação indireta
na relação laboral, por buscar o equânime tratamento entre os indivíduos, diferenciando-os
quando indispensável para a concreção do princípio constitucional da igualdade.

5.2.2. Diferenças entre cotas e ações afirmativas.

Diversas são as formas pelas quais as ações afirmativas se concretizam.


Contudo, erroneamente, elas são denominadas como políticas de cotas.
As ações positivas se materializam em quaisquer posturas estatais e privadas
com o escopo de alcançar o equilíbrio social, através da inserção de minorias no contexto
sócio-econômico. As cotas, por sua vez, são uma das espécies destas ações.
O ideário de implementação de cotas surgiu em decorrência da percepção da
ineficácia de alguns procedimentos clássicos de combate à discriminação, criados por ações
afirmativas. Portanto, as cotas nasceram destas e com elas não se confundem.
A realidade e os estudos estatísticos comprovam a existência acentuada de
práticas discriminatórias no contexto atual brasileiro. Muitas destas oriundas de condutas
passadas e, justamente por isto, de difícil resolução. Destarte, observa-se que a
implementação de cotas objetivam atenuar, de forma imediata e eficiente, estas desigualdades
ao impor o equilíbrio social esvaído com a discriminação.
As discrepâncias sociais, principalmente no mercado de trabalho, são absurdas,
o que demandam uma atuação mais agressiva do Estado. Nesta conjuntura é que se insere a
política de cotas.
Aliás, muitas práticas discriminatórias no ambiente laboral são referentes,
exclusivamente, à questões de sexo, de idade, de cor, de esteriótipo e não em relação à
capacidade ou competência deste indivíduos. Assim, não há outra política pública eficaz para
85

a inserção destes setores no mercado de trabalho, senão através de criação de cotas


específicas. Nestas hipóteses, não seriam suficientes, por exemplo, a melhoria da qualidade de
ensino ou a profissionalização dos discriminados.
Ademais, acrescenta-se que é comum ouvir que cotas são segregacionistas e
causam ainda mais injustiças, portanto, o poder público deveria melhorar a educação de base
para que todos os indivíduos possam competir no mercado de trabalho de forma igualitária.
Sem discordar por completo deste argumento, questiona-se: e a geração atual de vítimas da
discriminação? Desta forma, entende-se que o investimento na educação fundamental é
imprescindível para minimizar a discriminação, contudo, ele sozinho não possui o poder de
extirpar as segregações já existentes. É necessário que haja uma atuação do Estado, através de
cotas, para que o princípio da igualdade se concretize de maneira efetiva.
Em inúmeras hipóteses, as cotas são indispensáveis para o combate da
discriminação na relação laboral. Neste entendimento é que o legislador brasileiro criou
algumas políticas de cotas para minimizar as discrepâncias sociais, as quais pode-se destacar:
o art. 354 da CLT, o qual institui cota de dois terços de empregados de nacionalidade
brasileira nas empresas individuais ou coletivas que explorem serviços públicos dados em
concessão, ou que exerçam atividades industriais ou comerciais; a Lei 8.112/90 prescreve, em
art. 5o, § 2º, cotas de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público civil da
união; a Lei 8.213/91 estabelece, em seu art. 93, que a empresa com cem ou mais empregados
está obrigada a preencher de dois por cento a cinco por cento dos seus cargos com
beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, dentre outras.
Desta forma, observa-se que o sistema de cotas já é uma realidade na
conjuntura social brasileira e, vale frisar, vem gerando resultados positivos.
Por conseguinte, malgrado as inúmeras críticas sofridas pelo sistema de cotas,
o fato é que em diversas hipóteses a discriminação está se atenuando, comprovando-se a sua
eficácia no combate à estas práticas discriminatórias.
As ações afirmativas podem se perfazer de diversas formas. As cotas são a
maneira mais agressiva e, portanto, devem ser utilizadas em última análise. Se houver outras
ações afirmativas mais eficazes, estas devem ser utilizadas.
Na atividade cotidiana do poder executivo, pedem ser evidenciadas algumas
hipótese de criação de ações afirmativas no combate à discriminação. Dentre elas, pode haver
a concessão de transporte de melhor qualidade, adequado, e de menor preço para localidades
preponderantemente habitadas por indivíduos discriminados, para facilitar o acesso ao
trabalho; criação de programas de profissionalização dos indivíduos menos favorecidos,
86

dentre outras; conscientização, educação e difusão da importância do respeito às diferenças,


através de meios de comunicação e seminários;
No âmbito da atuação contratual do Estado, podem, outrossim, ser instituídas
ações afirmativas como: proibição de contratação com empresas que realizam práticas
discriminatórias; premiação de entidades que mais se destacaram no combate à discriminação,
com incentivos fiscais; restrição de apoio à instituições privadas que praticam a
discriminação;
Ademais, o Estado pode criar sanções mais severas em relação às práticas
discriminatórias; e exigir que as seleções para a aquisição de trabalho se façam de maneira
objetiva;
Ante o exposto, constata-se que as cotas são mecanismos idôneos e eficazes no
combate à discriminação na relação laboral. Contudo, vale gizar que outras ações podem ser
positivamente desenvolvidas com este mesmo objetivo, devendo a política de cotas apenas ser
utilizada no momento em que a prática discriminatória é significativa e de difícil resolução.

5.2.3. A tutela jurisdicional

Conforme alhures aduzido, após a existência de acentuadas crises econômicas


e mudança de paradigma laboral, o Estado adquiriu o papel de agente interventor, em busca
da efetivação dos direitos humanos fundamentais, mormente o direito à igualdade de
oportunidades.
Neste diapasão, buscou-se o equilíbrio social através de políticas públicas
emanadas de todos os poderes estatais, os quais contraíram competências para intervir no
contexto social e buscar a harmonia com a concreção dos direitos fundamentais dos
indivíduos. Assim, o poder judiciário passou a julgar com uma maior sensibilidade,
utilizando-se de todo o ordenamento jurídico para efetivar os direitos pleiteados.
Esta fase de busca incessante pela justiça social conduz a atividade judicante a
criar políticas públicas em cada caso conduzido à sua apreciação, em prol do combate das
práticas atentatórias aos direitos fundamentais. Portanto, salienta-se o imprescindível papel do
poder judiciário na luta contra a discriminação indireta na relação laboral.
O poder judicante é regido pelo princípio da inércia do juiz, pelo qual o
prestação jurisdicional apenas se perfaz quando o judiciário é provocado pelas partes. Por este
entendimento, não compete a este poder a realização de políticas públicas de forma
discricionária. Contudo, vale salientar que tal característica não retira dele o poder de intervir
87

na sociedade e garantir os direitos dos indivíduos através de políticas públicas judiciais,


quando provocado, o que ocorre de maneira acentuada.
Em face da disseminação da utilização do judiciário pelos indivíduos, em
virtude de sua acentuada atuação, inúmeras são as demandas relativas à discriminação laboral,
principalmente coletivas, que chegam para apreciação jurisdicional. Assim, nesta mesma
intensidade encontram-se as decisões do judiciário e a implementação de políticas púbicas por
este órgão.
Insta frisar que a atuação do judiciário em relação à efetivação de políticas
públicas se perfaz através de duas vertentes: ele poderá criar suas próprias ações positivas e
exigir sua observância pelos litigantes, ou, ainda, possui a prerrogativa de garantir a
implementação e efetividade de políticas públicas criadas pelo legislativo e judiciário e que
não estão sendo cumpridas.
Destaca-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal, esposado no
julgamento do RE 410715 AgR/SP:
Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa
de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder
Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas
hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas
implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em
descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter
mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos
sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.15

As ações positivas judiciárias se materializam na análise das normas aplicadas


à lide apresentada e dos valores sociais existentes, em busca de uma decisão justa e coerente
com os preceitos jurídicos.
O judiciário é ator e co-autor das transformações sociais inerentes à atividade
estatal e, juntamente com os demais poderes, possui a obrigação de proteger toda a
coletividade. Por conseguinte, não deve se eximir de proteger o direito igualdade dos
indivíduos. Assim, o combate à discriminação na relação laboral, mormente a indireta, deve
ser prática cotidiana da atividade judicante, em face do seu caráter violador dos direitos dos
indivíduos e pelas graves consequência que desencadeia na sociedade.
Inúmeras são as hipótese de políticas públicas oriundas da atuação
jurisdicional, dentre as quais, pode-se destacar: obrigar a reparação dos danos sofridos pelo
discriminado, através de aplicação de indenização de danos materiais e morais, de
15
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 410715 AgR, Rel. Min. Celso de Mello. 2. Turma. Julgamento: 
22/11/2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?
numero=410715&classe=RE-AgR>. Acesso em 13.11.2009.
88

responsabilidade do discriminador; aplicar penas criminais ao agente da prática


discriminatória; garantir efetividade à políticas públicas criadas pelos demais poderes
públicos; declarar inconstitucionais as leis consideradas discriminatórias.
O judiciário poderá, inclusive, intervir na atividade laboral do contratante e
considerar nula a prática discriminatória, determinando a reintegração ou admissão do
empregado; determinar a suspensão de atividades empresariais, quando estas se pautam em
práticas discriminatórias; determinar a perda do cargo ou emprego público do servidor autor
da discriminação; exigir que a seleção para a contratação de trabalhadores seja feita com
critérios objetivos; dar estabilidade provisória a indivíduos dispensados por prática
discriminatória.
Portanto, constata-se que a atuação judiciária é crucial para a efetivação do
direito à igualdade dos trabalhadores. Em relação à discriminação indireta, observa-se que,
conforme já explicitado em tópico oportuno, a estatística e a teoria do impacto
desproporcional são mecanismos idôneos e necessários para a constatação, pelo judiciário, da
referida prática discriminatória.
Destarte, sendo comprovada a discriminação indireta na relação laboral, cabe à
justiça obreira se valer de políticas públicas, algumas das quais foram alhures mencionada,
para combater esta prática nefasta à sociedade, em prol do respeito às normas constitucionais
e da garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos, com o equilíbrio social.
Em decorrência do princípio da inércia do judiciário, este apenas pode atuar
quando provocado. No âmbito da justiça laboral e com intuito de efetivar o direito à igualdade
e do acesso ao trabalho digno, esta provocação pode-se dar através de ações individuais
postuladas por sujeitos que se considerem vítimas de práticas discriminatórias ou através da
atuação do Ministério Público do Trabalho, nas demandas de caráter coletivo.

5.2.3.1. A atuação do Ministério Público do Trabalho.

De acordo com o art. 127 da CF/88, o Ministério Público é “instituição


permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais
indisponíveis.” (grifo da autora)
Portanto, constata-se que é competência do Parquet a defesa dos direitos
sociais, estes entendidos por José Cláudio Monteiro de Brito Filho como “os direitos que
89

visam à igualdade e que, [...], afiguram-se como de interesse coletivo, pois se destinam a
atender as necessidades dos grupos e, ao fim, de toda a sociedade”.16
De acordo com o art. 6º da Carta Magna, o trabalho é um direito social
fundamental e como tal deve ser protegido.
Além disso, é competência do Ministério Público a garantia dos direitos
metaindividuais, os quais, segundo Raimundo Simão de Melo, “transcendem a esfera privada
do indivíduo, uma vez que são direitos de todos os cidadãos dispersamente considerados na
coletividade, nos quais a satisfação de um implica na satisfação de todos.”17
Torna-se, por conseguinte, evidente a competência de o Órgão Ministerial
laboral intervir na defesa do direito à não discriminação dos indivíduos, combatendo todas as
formas de práticas discriminatórias, visto que estas afetam toda a coletividade. Tanto a prática
direcionada a um trabalhador, quanto aquela que abarca toda a estrutura obreira afeta toda a
coletividade, em virtude do caráter social do trabalho.
Na defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis, o Parquet laboral
possui competência para atuar em dissídios judiciais ou extrajudiciais através de
procedimentos administrativos, conforme a necessidade de proteção dos direitos coletivos.
Carlos Henrique Bezerra Leite, ao admitir a existência da discriminação direta
e indireta, acrescenta:
Por isso, o Ministério Público do Trabalho, com amparo na Lei n. 9.029/95 (art. 1º),
tem atuado no combate a qualquer forma discriminatória praticada pelo empregador
seja na admissão do trabalhador para o emprego, seja o curso do contrato, pois não é
permitido discriminar o empregado [...].18

Nos termos do art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985, o Ministério Público do


Trabalho – MPT poderá firmar Termos de Ajustamento de Conduta – TAC com a parte
denunciada, antes da propositura de ações judiciais. Estes Termos objetivam a resolução da
querela de maneira extrajudicial, portanto, é mais célere e objetiva. Esta negociação direta
poderá determinar a reversão da conduta discriminatória, a efetivação de políticas públicas,
além de outras medidas que se fizerem necessárias.
Os Termos de Ajustamento de Conduta confeccionados perante o MPT são
títulos executivos, facilitando a sua exigência judicial, na hipótese de não ser cumprido

16
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direitos Sociais, Políticas Públicas e Atuação do Ministério
Público do Trabalho. Cadernos da Pós-Graduação em Direito da Ufpa. v. 8, n. 18/19. Belém, p. 31, jan./dez.,
2003.
17
MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 30.
18
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2008, p.
182.
90

voluntariamente pela parte obrigada, nos termos do art. 876 da CLT. Portanto, evidencia-se a
sua importância e eficácia no combate à discriminação indireta na relação laboral.
Ademais, acrescenta-se que a Lei Complementar nº 75/93, que institui a Lei
Orgânica do Ministério Público da União, prevê, em seu art. 6º, inciso VII, que compete à esta
instituição promover o inquérito civil em defesa dos direitos constitucionais. Esta prerrogativa
concedida ao MPT, possibilita a construção de um significativo acervo probatório que
evidencia a prática discriminatória. Desta forma, em um eventual ajuizamento de demanda, a
aquisição de provas pode suprir a deficiência da parte em comprovar a prática discriminatória,
da qual foi vítima. Tal possibilidade torna-se ainda mais relevante na comprovação da
discriminação indireta, a qual é de difícil comprovação pelos particulares.
Desta forma, destaca-se a importância salutar da atuação do MPT no combate à
discriminação indireta na relação laboral, principalmente na implementação e execução de
políticas públicas. Conforme certifica José Cláudio Monteiro de Brito Filho, “[...] não é a
Instituição uma mera ‘cobradora’ do cumprimento das políticas públicas [...]. O Ministério
Público é, também, o ‘formulador’ dessas políticas.”19
Nesta oportunidade, imperioso sublinhar a atuação efetiva e concreta do
Ministério Público do Trabalho no combate à discriminação indireta na relação laboral.
Em abril de 2005, foi lançado pela Procuradoria-Geral do Trabalho, através da
Coordenadoria Nacional da Coordigualdade, o Programa de Promoção de Igualdade de
Oportunidades para Todos. O objetivo do programa é evidenciar que é perfeitamente
adequada, no contexto brasileiro, a identificação da discriminação indireta na relação de
trabalho. Isso, porque defende que é exatamente esse tipo de discriminação que gera os piores
efeitos, pois pretere grupos sem deixar pistas do porquê. Portanto, traça diretrizes de combate
a esta prática discriminatória para que sejam observadas pelas procuradorias regionais.20
Portanto, observa-se que o Ministério Público do Trabalho reconhece a
existência da discriminação indireta, seu caráter danoso e propõe o seu combate efetivo.
Para identificar a discriminação indireta, o MPT, primeiro, demonstra que
existe discriminação no mercado de trabalho brasileiro, apresentando conclusões de relatórios
científicos e de dados estatísticos formulados por ele mesmo com base em dados do IBGE.

19
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direitos Sociais, Políticas Públicas e Atuação do Ministério
Público do Trabalho. Cadernos da Pós-Graduação em Direito da Ufpa. v. 8, n. 18/19. Belém, p. 31, jan./dez.,
2003, p. 40.
20
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Manual de Procedimentos: Programa de Promoção de Igualdade
de Oportunidades para Todos. Disponível em:
<https://intranet.pgt.mpt.gov.br/coordigualdade/arquivos/manual_procedimentos_ppiopt.pdf>. Acesso em
11.09.2009.
91

Em seguida, demonstra que se trata de quadro invariante no setor da economia no qual o


Programa se concentra, demonstrando, inclusive, o impacto que esta conduta desencadeia na
sociedade.
De acordo com o Manual de Procedimentos do referido Programa, o Parquet
obreiro investiga a existência da discriminação indireta efetuando, por exemplo, as seguintes
perguntas às contratantes:
i) Considerados os pré-requisitos exigidos pela empresa para admissão, qual seria o
percentual esperado de negros, mulheres e pessoas com mais do que 40 anos com
esses requisitos trabalhando nela?
ii) Considerados os atributos produtivos dos negros e das mulheres já empregados
nessas empresas, qual seria o percentual esperado desses dois grupos ocupando
cargos de chefia?
iii) Considerados os atributos produtivos dos negros e das mulheres já empregados
nessas empresas, deveria haver diferenciais salariais elevados em relação aos grupos
de homens e brancos?21

De acordo com as respostas e com a análise dos dados estatísticos referentes ao


contratante e do impacto desses dados na sociedade, pode-se concluir se há a prática de
discriminação indireta naquele ambiente do trabalho. Sendo a constatação positiva, o MPT
tomará as medidas administrativas e judiciais cabíveis.
Referindo-se à atuação do MPT contra a discriminação, Firmino Alves Lima
afirma que ela “já vem sendo realizada com bons resultados em determinadas situações,
principalmente naquelas em que o Poder Público vem se mostrando ineficiente para
fiscalização do cumprimento de determinadas imposições legislativas contra a
discriminação.”22
Em suma, ressalta-se que o direito à não discriminação é um direito que
abrange toda a coletividade, demandando, assim, a proteção do Ministério Público do
Trabalho. Esta instituição possui significativo papel no combate à discriminação indireta na
relação laboral, seja de forma administrativa, seja através das vias judiciais, sendo órgão
pioneiro no estudo do referido tipo de discriminação, portanto, com bastante propriedade para
combatê-lo.

5.2.3.2. A atuação do magistrado

21
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Manual de Procedimentos: Programa de Promoção de Igualdade
de Oportunidades para Todos. Disponível em:
<https://intranet.pgt.mpt.gov.br/coordigualdade/arquivos/manual_procedimentos_ppiopt.pdf>. Acesso em
11.09.2009.
22
LIMA, Firmino Alves. Mecanismos antidiscriminatórios nas relações de trabalho. São Paulo: Ltr, 2006, p.
277.
92

Na conjuntura atual, com o papel interventor do Estado e com a necessária


garantia dos direitos humanos fundamentais, o juiz não é mais visto como um mero aplicador
das normas jurídicas. Ele adquiriu um papel de agente político, como criador de políticas
públicas e interventor naquelas emanadas dos demais poderes, quando provocado.
A estrita subsunção da lei cedeu espaço para uma atividade interpretativa do
julgador, analisando todo o ordenamento jurídico, com vistas ao alcance da justiça social e da
efetivação dos direitos fundamentais. O Juiz, ao apreciar a norma, não pode descuidar dos
valores sociais vigentes, bem como das necessidades reais da sociedade, independente da
rigorosa disposição legal.
Conforme leciona Flávio Dino de Castro Costa, “a atividade judicial exige do
magistrado, em maior ou menor grau, um papel criador, atribuindo relevância ou não a um
determinado fato, solucionando casos de lacunas e antinomias (‘casos difíceis’), especificando
o sentido de conceitos jurídicos indeterminados.”23
O magistrado atua sempre que há uma pretensão resistida, fundada na violação
de um direito. Portanto, haverá sempre direitos a serem avaliados no litígio. Na hipótese de
haver conflito de direitos, o julgador deverá ponderar, no caso concreto, o valor específico a
ser dado a cada direito, bem como a extensão da lesão que se imporá ao interesse sacrificado e
o correspondente privilégio a ser oferecido ao outro valor.
Na análise da discriminação indireta oriunda do vínculo trabalhista, observa-se
que há o conflito entre o direito do contratante de escolher os seus trabalhadores e o direito
destes em serem tratados de maneira equânime e terem garantidos seus direitos fundamentais.
Na resolução deste conflito, o magistrado deverá sopesar os valores a serem
dados a cada direito e a conseqüência do sacrifício de um deles. A hipótese sub examine
refere-se ao direito à igualdade dos trabalhadores e de terem sua subsistência mínima
garantida com a atividade laboral. Portanto, constata-se que o sacrifício deste direito conduz à
marginalização social dos trabalhadores com a negativa de uma vida digna a estes, o que é
constitucionalmente defeso. Já a limitação do direito do contratante, quando razoável e
necessária, não lhe trará prejuízos. Pelo contrário, a composição do ambiente de trabalho de
maneira diversificada e plural fomenta o desenvolvimento do próprio contratante.
Assim, o julgador deverá, na análise do caso concreto, garantir o direito à
igualdade dos indivíduos e combater qualquer forma de discriminação.

23
COSTA, Flávio Dino de Castro. A função realizadora do poder judiciário e as políticas públicas no Brasil.
Revista Centro de Estudos Judiciários. n. 28. Brasília, p. 43, março, 2005.
93

Salienta-se que não se defende uma postura de intervenção leviana e


desarrazoada em todos os ambientes de trabalho. O juiz deverá avaliar a hipótese em que se
encontra flagrante a prática discriminatória e os danos que causam ao trabalhador e a toda
coletividade. A partir desta análise, poderá aplicar a política pública que considerar mais
adequada ou exigir que seja cumprida alguma já prevista.
No trabalho de avaliação da lide específica, o magistrado deverá cercar-se de
todos os indícios que configurem ou não a prática discriminatória, em prol da efetivação do
princípio da igualdade. Desta forma, não poderá rejeitar os meios probatórios que evidenciam
a discriminação. Dentre eles, destaca-se a prova estatística e a análise do impacto social da
conduta. Conforme oportunamente aventado, estes mecanismos probatórios são idôneos para
a comprovação da discriminação indireta, nos termos do art. 332 do CPC.
A novel postura que a realidade fática exige do magistrado requer deste uma
atenta visão da realidade e a sensível percepção do interesse social que o caso demanda. O
argumento de que a estatística não é meio idôneo para a comprovação da discriminação
indireta se revela como um apego inconcebível a mecanismos probatórios clássicos. Na
realidade, esta decisão se mostra perniciosa, já que acoberta a injustiça sob o argumento de
obediência a lei, a qual muitas vezes é mal interpretada ou mal aplicada.
Impõe-se, enfim, que o magistrado se mostre consciente de seu papel na
sociedade. É necessário que o juiz não se veja apenas como um burocrata, responsável pela
aplicação fria da lei ao caso concreto, mas perceba sua função de agente social, capaz de
alterar a realidade e atenuar as mazelas sociais reinantes, dentre elas, as diversas formas de
discriminação.
A igualdade e a não discriminação são direitos fundamentais garantidos aos
atores sociais. Neste entendimento, Daniel Sarmento afirma que “[...] a igualdade não é
homogeneização forçada, pois ela implica o reconhecimento de que todos têm a igual
liberdade de ser diferentes e de viver de acordo com essas diferenças.”24
Portanto, ratifica-se que a discriminação indireta é uma prática extremamente
danosa á sociedade, visto que segrega e marginaliza de uma forma sutil e dissimulada, com
aparente legalidade. Sua evidência na relação laboral é ainda mais gravosa em virtude do
caráter essencial do trabalho no contexto capitalista atual. Assim, esta conduta discriminatória
deve ser veementemente combatida através de todos os meios possíveis, seja pela atuação dos
particulares, seja através dos poderes públicos.
24
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA,
Douglas Martins de (coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p.
69.
94

Neste contexto, o juiz tem peculiar responsabilidade, haja vista que tem contato
com a discriminação quando ela efetivamente já ocorreu ou está na eminência de se
concretizar. Ademais, a discriminação indireta é mais evidenciada pela parte que dela é
vítima, por conseguinte, a forma mais eficaz que ela vislumbra para inibir tal prática é
acionando o judiciário. Portanto, seu papel deve ser acentuadamente intervencionista,
combatendo de maneira efetiva a prática discriminatória.

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