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PIOVESAN, Flávia. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos: Perspectiva Global e Regional. In:
SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (coord.). Igualdade, Diferença e Direitos
Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008, p. 76.
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deverão ficar impunes, haja vista que são práticas que desencadeiam impactos nefastos na
sociedade, justamente por serem sutis e de difícil comprovação, caracterizando a
discriminação indireta.
Esses ideais arraigados conduzem a difusão do mito da democracia, pelo qual
se acredita que não há discriminação e que todos vivem em harmonia. Não obstante, esse não
é o sentimento do indivíduo discriminado e marginalizado em virtude de sua cor, raça,
origem, sexo, idade, ou necessidade especial, sendo impossibilitado de viver dignamente.
Por conseguinte, estas práticas discriminatórias devem ser veementemente
combatidas em prol do alcance da efetivação do princípio da igualdade e da dignidade da
pessoa humana e pela busca da harmonia social.
Ressalta-se que o combate a discriminação no mercado de trabalho possui um
papel fortemente social pela busca da harmonia entre os seres. Todavia, vale ressaltar a sua
função econômica, na medida em que a disponibilidade do labor a todos os indivíduos possui
como consequência o desenvolvimento econômico do país.
Hodiernamente, não há nenhum exemplo de nação que, segundo Joaquim
Barbosa Gomes “tenha se erguido de uma condição periférica à de potência econômica e
política, [...] mantendo no plano doméstico uma política de exclusão, aberta ou dissimulada,
legal ou meramente informal, em relação a uma parcela expressiva de seu povo.”2
Ademais, a evidência da discriminação indireta e o seu combate contribuem
para a percepção, por cada indivíduo, da parcela que possui para as mazelas sociais reinantes,
evidenciando os preconceitos e as práticas discriminatórias não perceptíveis.
Conforme já explicitado, a discriminação indireta é significativamente mais
danosa no ambiente de trabalho, em virtude da importância deste no contexto capitalista atual,
sendo mecanismo basilar da sobrevivência humana. Nesta conjuntura, a luta contra a
discriminação indireta deve ser muito mais efetiva no tocante a sua existência nas práticas
laborais.
Para o alcance do equilíbrio social, os contratantes devem buscar refletir a
estrutura social em seu ambiente de trabalho, sendo caracterizada a disparidade ilegítima
quando há esse destoamento acentuado e desarrazoado. A consequência desta conduta é um
impacto desproporcional na sociedade, desencadeando inúmeros danos, o que, por
conseguinte, deve ser rechaçado de maneira contundente.
2
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afimativa no Brasil? Revista da Associação dos Juízes Federais do
Brasil. a. 20, n. 68. Rio de Janeiro: Ímpetus, p. 202, out./dez., 2001.
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Insta salientar que a efetividade das políticas públicas não está adstrita à
atuação estatal. É fundamental a participação da sociedade e do Ministério Público na
formulação e concreção das políticas de combate à discriminação indireta na relação laboral,
visto que cada setor possui um olhar diferenciado acerca da prática discriminatória. Ademais,
3
MELLO, Marco Aurélio. Ótica Constitucional: A igualdade e as ações afirmativas. In: MARTINS, Ives Gandra
da Silva (Coord.). As vertentes do Direto Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica,
2002, p. 39.
4
FARIAS, Maria Eliane Menezes de. Políticas públicas e controle social. Boletim científico da Escola Superior
do Ministério Público da União. a. II, n. 7. Brasília, p. 75, abr./jun., 2003.
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judiciais, per si, não alcançam genericamente toda a coletividade. Os poderes públicos
possuem a responsabilidade pela garantia dos direitos fundamentais, devendo as referidas
ações serem efetivadas de maneira contundente.
Consoante assevera Vera Lúcia Carlos:
A igualdade de todos prevista no caput do art. 5º da Constituição implica
obrigatoriamente de redução das desigualdades. Ou seja, não basta que o Estado se
abstenha de discriminar, de considerar desigualmente as pessoas. É preciso que ele
atue positivamente no sentido de reduzir as desigualdades sociais, intervindo como
agente ativo de promoção de políticas que permitam combatê-las.6
6
CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Método, 2004, p. 21.
7
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afimativa no Brasil? Revista da Associação dos Juízes Federais do
Brasil. a. 20, n. 68. Rio de Janeiro: Ímpetus, p. 202, out./dez., 2001.
8
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: O Direito como
instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 40.
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Neste entendimento, destaca-se, ainda, a Constituição da Bahia, a qual dispõe, em seu art. 289, que sempre que
for veiculada publicidade estadual com mais de duas pessoas, será assegurada a inclusão de uma da raça negra;
Portaria 1.156/2001 que institui o Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Justiça.
11
RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 194-195.
12
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATTÍSTICA. Mulheres com nível superior recebem
60% do rendimento dos homens. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1099&id_pagina=1>.
Acesso em 13.11.2009.
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13
CUSTÓDIO, André Viana; LIMA, Fernanda da Silva. As políticas públicas para a concretização dos direitos
de crianças e adolescentes negros no Brasil. In: WOLKMER, Antônio Carlos; VIEIRA, Reginaldo de Souza
(org.). Estado, política e direito: relações de poder e políticas públicas. 22. ed. Criciúma: UNESC, 2008, p. 248.
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14
CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social
de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 134.
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visam à igualdade e que, [...], afiguram-se como de interesse coletivo, pois se destinam a
atender as necessidades dos grupos e, ao fim, de toda a sociedade”.16
De acordo com o art. 6º da Carta Magna, o trabalho é um direito social
fundamental e como tal deve ser protegido.
Além disso, é competência do Ministério Público a garantia dos direitos
metaindividuais, os quais, segundo Raimundo Simão de Melo, “transcendem a esfera privada
do indivíduo, uma vez que são direitos de todos os cidadãos dispersamente considerados na
coletividade, nos quais a satisfação de um implica na satisfação de todos.”17
Torna-se, por conseguinte, evidente a competência de o Órgão Ministerial
laboral intervir na defesa do direito à não discriminação dos indivíduos, combatendo todas as
formas de práticas discriminatórias, visto que estas afetam toda a coletividade. Tanto a prática
direcionada a um trabalhador, quanto aquela que abarca toda a estrutura obreira afeta toda a
coletividade, em virtude do caráter social do trabalho.
Na defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis, o Parquet laboral
possui competência para atuar em dissídios judiciais ou extrajudiciais através de
procedimentos administrativos, conforme a necessidade de proteção dos direitos coletivos.
Carlos Henrique Bezerra Leite, ao admitir a existência da discriminação direta
e indireta, acrescenta:
Por isso, o Ministério Público do Trabalho, com amparo na Lei n. 9.029/95 (art. 1º),
tem atuado no combate a qualquer forma discriminatória praticada pelo empregador
seja na admissão do trabalhador para o emprego, seja o curso do contrato, pois não é
permitido discriminar o empregado [...].18
16
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direitos Sociais, Políticas Públicas e Atuação do Ministério
Público do Trabalho. Cadernos da Pós-Graduação em Direito da Ufpa. v. 8, n. 18/19. Belém, p. 31, jan./dez.,
2003.
17
MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 30.
18
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2008, p.
182.
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voluntariamente pela parte obrigada, nos termos do art. 876 da CLT. Portanto, evidencia-se a
sua importância e eficácia no combate à discriminação indireta na relação laboral.
Ademais, acrescenta-se que a Lei Complementar nº 75/93, que institui a Lei
Orgânica do Ministério Público da União, prevê, em seu art. 6º, inciso VII, que compete à esta
instituição promover o inquérito civil em defesa dos direitos constitucionais. Esta prerrogativa
concedida ao MPT, possibilita a construção de um significativo acervo probatório que
evidencia a prática discriminatória. Desta forma, em um eventual ajuizamento de demanda, a
aquisição de provas pode suprir a deficiência da parte em comprovar a prática discriminatória,
da qual foi vítima. Tal possibilidade torna-se ainda mais relevante na comprovação da
discriminação indireta, a qual é de difícil comprovação pelos particulares.
Desta forma, destaca-se a importância salutar da atuação do MPT no combate à
discriminação indireta na relação laboral, principalmente na implementação e execução de
políticas públicas. Conforme certifica José Cláudio Monteiro de Brito Filho, “[...] não é a
Instituição uma mera ‘cobradora’ do cumprimento das políticas públicas [...]. O Ministério
Público é, também, o ‘formulador’ dessas políticas.”19
Nesta oportunidade, imperioso sublinhar a atuação efetiva e concreta do
Ministério Público do Trabalho no combate à discriminação indireta na relação laboral.
Em abril de 2005, foi lançado pela Procuradoria-Geral do Trabalho, através da
Coordenadoria Nacional da Coordigualdade, o Programa de Promoção de Igualdade de
Oportunidades para Todos. O objetivo do programa é evidenciar que é perfeitamente
adequada, no contexto brasileiro, a identificação da discriminação indireta na relação de
trabalho. Isso, porque defende que é exatamente esse tipo de discriminação que gera os piores
efeitos, pois pretere grupos sem deixar pistas do porquê. Portanto, traça diretrizes de combate
a esta prática discriminatória para que sejam observadas pelas procuradorias regionais.20
Portanto, observa-se que o Ministério Público do Trabalho reconhece a
existência da discriminação indireta, seu caráter danoso e propõe o seu combate efetivo.
Para identificar a discriminação indireta, o MPT, primeiro, demonstra que
existe discriminação no mercado de trabalho brasileiro, apresentando conclusões de relatórios
científicos e de dados estatísticos formulados por ele mesmo com base em dados do IBGE.
19
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direitos Sociais, Políticas Públicas e Atuação do Ministério
Público do Trabalho. Cadernos da Pós-Graduação em Direito da Ufpa. v. 8, n. 18/19. Belém, p. 31, jan./dez.,
2003, p. 40.
20
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Manual de Procedimentos: Programa de Promoção de Igualdade
de Oportunidades para Todos. Disponível em:
<https://intranet.pgt.mpt.gov.br/coordigualdade/arquivos/manual_procedimentos_ppiopt.pdf>. Acesso em
11.09.2009.
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21
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Manual de Procedimentos: Programa de Promoção de Igualdade
de Oportunidades para Todos. Disponível em:
<https://intranet.pgt.mpt.gov.br/coordigualdade/arquivos/manual_procedimentos_ppiopt.pdf>. Acesso em
11.09.2009.
22
LIMA, Firmino Alves. Mecanismos antidiscriminatórios nas relações de trabalho. São Paulo: Ltr, 2006, p.
277.
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23
COSTA, Flávio Dino de Castro. A função realizadora do poder judiciário e as políticas públicas no Brasil.
Revista Centro de Estudos Judiciários. n. 28. Brasília, p. 43, março, 2005.
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Neste contexto, o juiz tem peculiar responsabilidade, haja vista que tem contato
com a discriminação quando ela efetivamente já ocorreu ou está na eminência de se
concretizar. Ademais, a discriminação indireta é mais evidenciada pela parte que dela é
vítima, por conseguinte, a forma mais eficaz que ela vislumbra para inibir tal prática é
acionando o judiciário. Portanto, seu papel deve ser acentuadamente intervencionista,
combatendo de maneira efetiva a prática discriminatória.