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TRABALHO DE PESQUISA DE PÓS-DOUTORADO

COORDENAÇÃO E SUPERVISÃO: PROFA. DRA. ANGELA KLEIMAN (UNICAMP)


GRUPO DE PESQUISA: LETRAMENTO DO PROFESSOR
PESQUISADORA-COLABORADORA (PÓS-DOUTORANDA): PROFA. DRA. ROSINEIDE
MAGALHÃES DE SOUSA (UNB)
GRUPO DE PESQUISA: SOCIOLINGUÍSTICA, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS E EDUCÃO

Socioletramento
Experiência da formação docente da Licenciatura em Educação do Campo
Rosineide Magalhães de Sousa (UnB) e Angela Kleiman (Unicamp)

1. Introdução

A entrada de campesinos, quilombolas, indígenas na universidade, por políticas


afirmativas governamentais, provoca mudanças na forma de lidar com o letramento na
universidade, isto é, com o letramento acadêmico. Esse contexto muito elitizado passa
a conviver com a diversidade cultural, identitária e linguística. Principalmente, no estilo
do Trabalho de Conclusão de Curso, no gênero monografia, o mais utilizado nessa
modalidade de trabalho.

As políticas de inclusão criam, de certa forma, acesso a uma população que não
se imaginava estudar em uma universidade pública em outros tempos. Os campesinos,
quilombolas, indígenas e demais grupos trazem consigo sua forma de pensar o mundo,
sua cultura, identidade, variedade linguística que, muitas vezes, entram em conflito com
a cultura acadêmica da universidade. O conflito faz com que possamos refletir como a
universidade pode se apropriar da diversidade e transformar essa riqueza em pesquisa,
mudança social e outros bens sociais. E, ainda, essa diversidade nos levar a refletir sobre
o letramento acadêmico que antes era tão direcionado e agora é balançado por uma
realidade social que é a cara do Brasil, um país culturalmente e sociolinguisticamente
diverso.

A pesquisa exposta, aqui, neste texto, dentro de um contexto amplo da inclusão


e formação docente, na universidade, em diferentes cursos de graduação, está
delimitada na investigação na Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de
Brasília. Este trabalho vem se somar a outras pesquisas sobre o letramento acadêmico,
formação docente e diversidade: Kleiman (1995, 2010, 2016), Sito (2016), Vóvio et al.
(2010), Moura (2015), Melo (2018), Araújo (2015), Lillis et al. (2016), Silva (2018), que,
ainda, conta com poucas pesquisas no Brasil, mas que tem o trabalho de investigação
da Linguística Aplicada e da Sociolinguística Educacional, impulsionando por pesquisas
multidisciplinares na relação Linguística, Letramentos como prática social, gêneros
discursivos, etnografia entre outras áreas do conhecimento. Portanto, buscamos o
abrigo dessa área para a discussão neste texto.

Esta pesquisa tem como corpus principal 30 monografias, hospedadas na


Biblioteca Central, da Universidade de Brasília (UnB), link “monografias digitais”, de
2013 a 2017, de egressos da Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), sendo 29 da
área de Linguagem: Linguística e 1 de Ciências da Natureza, que compõem as
habilitações desse curso. Tais trabalhos revelam diversidade linguística, cultural e
identitária e letramentos múltiplos. E podem contribuir para a reflexão sobre a formação
docente, principalmente a do educador do campo. Essa abordagem direciona para o que
propomos a chamar de “Socioletramento”, dentro da convicção de que o social é
linguístico e o linguístico é social (HYMES, 1974).

Para a proposta que se estabelece nesta pesquisa, o termo “Socioletramento”,


refere-se à forma com lidamos com práticas de letramentos sociais, letramentos
múltiplos (incluindo aqui letramentos acadêmicos, culturais, multissemióticos entre
outros) associados ao trabalho com a sociolinguística e conhecimentos da etnografia e
da autoetnografia, na formação docente, principalmente de pessoas de comunidades
campesina, quilombolas, indígenas e periférica). No livro de Bazerman (2007), esse
termo aparece no estudo realizado por ele na relação escrita, gênero e interação social,
daquele livro, transcrevemos um fragmento que melhor explica o termo usado pelo
autor:

Numa sociedade contemporânea diferenciada, cada pessoa participa por


meio de múltiplas identidades e interesses, porque os indivíduos se
desenvolvem em múltiplos campos de socioletramento. Até certo ponto,
essas identidades podem ser mantidas à parte, simplificando, desse modo, os
papéis individuais dentro de cada campo (p. 80).

Para compor os dados específicos deste artigo, selecionamos 8 monografias


daquele banco de dados, realizamos entrevistas por celular, whatsapp, áudio e escrita,
no final de 2018, com 8 egressos da LEdoC, autores e autoras do Trabalho de Conclusão
de Curso e, também, utilizamos diários de pesquisa de Sousa, professora que orientou
as monografias, algumas delas no papel de co-orientadora.

Conforme aquela premissa de Hymes, dentro da formação de educadores para


o campo, detectamos um problema que é a dificuldade de elaboração de monografias
por parte dos estudantes por causa da variedade linguística acadêmica que esse
trabalho requer, que poderá estar ou está além dessa modalidade de educação que
consiste na asserção: o letramento acadêmico pode ser mais profícuo e menos
complexo para estudantes, em formação docente, falantes de normas consideradas não
padrão, quando se associa a ele conhecimentos da sociolinguística, que revelam
variedade linguística, cultura e identidade, fazendo com que os estudantes entendam,
de fato, a mudança de código linguístico à elaboração de determinados gêneros
discursivos, no caso dessa pesquisa o trabalho de conclusão de curso, no gênero
monografia.

Escolhemos o gênero monografia para examinar na pesquisa, pois ele pode


revelar facetas do letramento acadêmico norteado por fatores sociais, linguísticos,
culturais e identitários de docentes-pesquisadores neófitos, em relação ao seu olhar
(auto)etnográfico da sua realidade social que implica na formação profissional.
Focalizamos de imediato, na seção analítica, deste artigo, a introdução, que
consideramos outro gênero que se localiza em diferentes gêneros discursivos, inclusive
na monografia. O enquadre da introdução apresenta o tema, o problema, a motivação,
o contexto, os objetivos, a indicação de base teórica, a metodológica e a contribuição
da pesquisa, o que contextualiza a leitura do trabalho.

Tratamos, aqui, portanto, de temas que abrangem a sociolinguística e o


letramento como prática social, com um olhar da observação etnográfica e
autoetnográfica (BLANCO, 2012; SITO, 2016). Para isso, recorremos a vozes
protagonizadas de egressas e egressos da LEdoC em monografias de final de curso.
Contexto de letramento acadêmico que revela além de um trabalho inicial científico,
para a obtenção de um título, realidades sociais que aguçam a reflexão para a
diversidade da educação no Brasil, principalmente em tom sociolinguístico dentro da
perspectiva de micro contexto que pode reverberá em macro contextos sociais. A
pesquisa, aqui, anunciada faz parte dos estudos dos grupos (Socio)linguística,
Letramentos Múltiplos e Educação, coordenado por Sousa (UnB) que se insere nos
trabalhos do grupo de pesquisa Letramento do Professor, coordenador por Kleiman
(Unicamp).

Para nortear esta pesquisa, valemo-nos dos seguintes objetivos.

1.1 Objetivo geral:

Investigar e analisar monografias de egressos da Licenciatura em Educação do


Campo, da área de Linguagem: Linguística, que revelam diversidade linguística,
cultural e identitária e letramentos múltiplos que podem contribuir para a
reflexão sobre a formação docente, principalmente a do educador do campo,
compondo o que podemos chamar de socioletramento.

1.2 Objetivos específicos:

1.2.1 Identificar os temas tratados nas monografias pelos egressos da LEdoC, da


área de Linguagem: Linguística, e a motivação desses egressos para pesquisar
tais temas.
1.2.2 Identificar nas monografias elementos relativos à diversidade linguística,
cultural e identitária .
1.2.3 Identificar letramentos múltiplos, situações de oralidade, leitura e de escrita,
que circulam nas escolas e nas comunidades camponesas e quilombolas do
Centro-Oeste, território dos egressos da LEdoC, colaboradores desta
pesquisa, conforme a leitura (auto)etnográfica realizadas por eles em seus
trabalhos monográficos.
1.2.4 Avaliar a monografia como enquadre de estratégias de letramento
acadêmico e de sociolinguística na formação docente, considerando a
prática, a interação que ela pode gerar nessa formação, o que estamos
chamando de socioletramento.
1.2.5 Identificar por meio de entrevista se os autores e as autoras de monografias
pesquisadas aplicam em seu fazer profissional o tema que desenvolveram
em sua pesquisa de conclusão da LEdoC.

Este texto está organizado em introdução, aporte metodológico e teórico,


contexto da análise que está arquitetado em duas partes: quadro indicando, de forma
sintética, temas e o que revelam as 30 monografias examinadas por nós. A segunda
parte do contexto analítico se apresenta em forma de enquadres compostos por diários
de campo, introdução de cada monografia e pelas entrevistas dos 8 colaboradores de
pesquisa. As entrevistas foram realizadas no mês de dezembro de 2018, por meio de
whatsapp (texto escrito e áudio) e interação por meio do celular, visto que 1
colaboradora não tem whatsapp em seu celular.
O formato da parte analítica propõe uma interação intertextual nas vozes dos
dados, da teoria e na voz da análise, que encontra respaldo na sociolinguística
interacional.

2. Aporte metodológico e teórico: fundamentos ao socioletramento


Para compor a argumentação do socioletramento, recorremos aos conhecimentos
metodológicos da etnografia (ERICKSON, 1990) e da autoetnografia (BLANCO, 2012),
pois a observação e descrição das experiências de comunidades campesinas e
quilombolas que estão nas monografias analisadas apresentam o olhar de um
etnográfico que faz a leitura de um povo e de sua cultura de forma detalhada. Por outro
lado, os pesquisadores neófitos são pessoas dessas comunidades que trazem na
memória conhecimentos específicos desse mesmo contexto, com o olhar da
subjetividade, que estamos identificando de autoetnografia.
Antes de entrar na resenha detalhada sobre a etnografia e a autoetnografia, não
podemos deixar de fazer referência à cultura, um termo complexo de ser definido pela
sua amplitude de significação e de discussão antropológica e sociológica. Para isso,
buscamos em Mintz (1982), uma abordagem mais coerente com a discussão teórico-
metodológica deste artigo. Com base nos estudos de Frans Boas e outros antropólogos,
com uma visão bastante crítica do que seja cultura, Mintz (2005, p. 234-235) pondera
que:

[...]cultura é um produto histórico, e historicamente mais bem entendido,


que “cultura” e “sociedade”, embora separáveis conceitualmente e úteis
quando utilizados assim, não são nem perfeitamente coerentes em si
mesmos, nem necessariamente congruentes entre si, e que autores em um
sistema singular podem empregar formas culturais variáveis, mas igualmente
aceitáveis no curso de sua manobra social [...]é que as pessoas conduzem a
maior das suas ações com base em suas experiências e aprendizados e
experiências podem ser amplamente compartilhadas, mesmo de uma
maneira não uniforme.

Saindo de experiências culturais de comunidades campesinas e indo para as


indígenas, para ratificar nossos argumentos, o mesmo ocorre com os trabalhos
acadêmicos dos indígenas, como temos observado nas interações de orientação de
mestrado e na leitura de projetos de qualificação e de defesa de dissertação dessas
pessoas.
De posse dos letramentos acadêmicos, incluindo aí a apreensão de forma
monitorada ou menos monitorada (BORTONI-RICARDO, 2004) da variedade desse
gênero, pessoas que eram antes “objeto de pesquisa” por meio da etnografia, passam
a protagonistas de pesquisa, utilizando a própria etnografia com olhar externo da
comunidade pesquisada e com um olhar autoetnográfico , na condição de quem olha de
dentro para fora.
2.1 Etnografia:

A palavra etnografia é oriunda do grego ethnos e gráphein. A primeira significa


etnia, povo; já a segunda, escrita, descrição, registro e estudo descritivo de uma
atividade humana. A etnografia é de natureza qualitativa, tem raízes na antropologia,
ciência que estuda, observa, descreve, interpreta e classifica culturas e povos distintos.
Essa metodologia foi primeiramente utilizada pelos antropólogos no final do século XIX.
O trabalho de Bronislaw Malinowski é um clássico da pesquisa etnográfica, do início do
século XX, que registra a cultura do povo de Trobriand da Papua – Nova Guiné. Com
esses conhecimentos Malinowski lançou a obra Argonautas do Pacífico, em 1922.

Desse período para os dias de hoje, são inúmeros os trabalhos científicos


realizados com essa metodologia, atualizada conforme a proposta de pesquisa da área
do conhecimento.
Segundo Kozinets (2014, p.58):

A pesquisa etnográfica permite que o pesquisador adquira uma compreensão


detalhada sutil de um fenômeno social, e depois capte e comunique suas
qualidades culturais. Ela fornece um senso da experiência vivida pelos
membros da cultura, assim como uma análise fundamentada na estrutura do
seu grupo, como ele funciona, e como ele se compara a outros grupos.

Por meio da etnografia, podemos ter uma visão ampliada do contexto


pesquisado, partindo de uma visão diversa a uma visão específica. Isto é, descrevemos,
de uma comunidade, os aspectos socioeconômicos: organização social das pessoas,
meio econômico de sobrevivência; interação entre os participantes; participação nos
domínios sociais: lar, escola, eventos sociais até a descrição da utilização de
comportamentos linguísticos, conflitos interculturais e a variedade linguística com suas
idiossincrasias.

A competência comunicativa, que está dentro da abordagem da Etnografia da


Comunicação cunhada por Hymes (1972), é definida como um conjunto de habilidades
e conhecimentos necessários para que as pessoas de um grupo possam se entender.
Isto é, consiste na nossa capacidade de interpretar como usar de maneira adequada o
significado social das variedades linguísticas em qualquer contexto de interação. Isso diz
respeito aos gêneros discursivos que utilizamos nas nossas interações cotidianas, em
diferentes situações de uso da linguagem, seja em uma conversa entre poucas ou muitas
pessoas, face a face; nas negociações comerciais; na ministração de aulas na escola, na
universidade; seja por meio de gêneros escritos burocráticos, midiáticos, jornalísticos;
seja na fala descontraída, em que utilizamos metáforas, ironias, personificações, enfim.

Temos infinitas situações em que a variedade linguística se apresenta por meio


diversos gêneros discursivos. Essa diversidade não pode se negligenciada quando
abordamos a formação docente. Nessa formação, o olhar etnográfico do professor é
essencial. Assim, expandimos os conhecimentos que nos favorecem essa metodologia
em sala de aula, especificamente o contexto acadêmico de formação docente.

Para isso, recordemos o trabalho de Shirley Brice Heath (1983) que traz uma
pesquisa etnográfica de nove anos, que foi realizada entre 1969 e 1978, nas
comunidades de Trackton e Roadville, região próxima de Piedmont na Carolina, Estado
Unidos. Nessas comunidades, Heath exerceu o papel de etnógrafa da comunicação e
também de professora formadora. O trabalho de Heath nos serve de inspiração para a
discussão desta pesquisa, principalmente nos motivando a ler como as pessoas lidam
com leitura e a escrita em perspectivas bem peculiares.

Como, estamos tratando de contexto de formação de professores, a etnografia


de sala de aula (BORTONI-RICARDO, 2008) não pode ficar de fora. Assim, por vias dessa
modalidade de etnografia, na interação no contexto pedagógico, observamos os/as
estudantes na interação conosco e com os pares no contexto pedagógico, pois, quando
o/a docente procura conhecer a história, a cultura, o processo de letramento, temos um
diagnóstico diário do que lemos na sala de aula (FREIRE, 1987). Isso nos conduz a refletir
sobre nossas práticas e sobre o que acontece no aqui e agora (ERICKSON, 1990),
momentos dêiticos, que se tornarão, a posteriori, narrativas mentais, que poderão nos
ajudar como lidar com as dificuldades dos estudantes, principalmente no que se refere
aos letramentos acadêmicos.

No trabalho com estudantes de diferentes grupos sociais, em grande parte, com


a conhecida “minoria”: negros, índios e pobres, isto é, a diversidade, precisamos ter um
olhar observador mais aguçado. A leitura etnográfica, faz-nos buscar a assumir a
pedagogia culturalmente sensível (ERICKSON, 1990). Nessa postura pedagógica,
podemos estabelecer estratégias de professor/a-pesquisador/a (BORTONI-RICARDO,
2008), por meio das observações cuidadosa de quem são os/as estudantes, que cultura,
valores, experiência de vida trazem para sala de aula e, principalmente, como interagem
com as diferentes linguagens: oralidade, escrita, socioleto (BAGNO, 2007), variedades
linguísticas que conhecem, os gêneros discursivos que compõe seu socioletramento.

Na relação entre etnografia e sociolinguística, recorremos a Blommaert (2018)


que nos traz uma discussão sobre a Etnografia da Comunicação (HYMES, 1972)
interpretando a palavra “S.P.E.A.K.I.N.G” em 8 pontos:

1. a linguagem precisa ser vista como um sistema sociolinguístico, que só


existe e opera em conjunto com regras e relações sociais.
2. Este sistema sociolinguístico precisa ser entendido não por referência à
Linguagem com um L maiúsculo ( um nome, como latim, francês, russo), mas
por referência a repertórios. Tais repertórios são um complexo organizado
de recursos específicos, como variedades, modos, gêneros, registros e
estilos.
3. Em todas as unidades sociais, esses recursos são distribuídos de maneira
desigual; não há repertórios idênticos entre os falantes, e a desigualdade é a
chave para entender a linguagem na sociedade. Ninguém é o falante nativo
perfeito, porque ninguém possui todos os recursos que qualquer idioma
disponibiliza. Ninguém explora toda a linguagem. E não, todas as línguas são
iguais. Eles deveriam ser, mas eles não são de fato.
4. Os repertórios só podem ser compreendidos pelo atendimento de suas
funções, à sua implantação real e contextual, não a qualquer avaliação
abstrata ou a priori do que eles significam ou do que eles valem. Uma
variedade padrão nem sempre é uma má variedade. A Função de formas
particulares de linguagem é contextual, empírica.
5. É por isso que um sistema sociolinguístico requer inspeção etnográfica, em
que instâncias particulares e únicas podem ser relacionadas a padrões
maiores e à estrutura social - a chave para descobrir o que não deve ser
pedido, mas para observar e descrever em relação a um teoria geral do
comportamento social. A etnografia é uma teoria descritiva nas palavras de
Hymes.
6. Tal etnografia requer uma consciência histórica e isso colide com a visão
sincrônica da linguística contemporânea desde Saussure. Se quisermos
entender as funções reais das formas de linguagem, precisamos saber de
onde elas vêm, como elas entraram no repertório das pessoas e como elas
se relacionam com padrões mais amplos de comportamento social e cultural.
7. Tudo isso está situado em um mundo real de problemas e questões reais, não
em um universo abstrato ou ideal. A etnografia tem lama em suas botas.
8. Nenhuma causa social é servida pelo trabalho precário. O comprometimento
crítico exige uma atenção sem fim à melhoria moral e metodológica. Se
acreditamos que as línguas e os seus interlocutores devem ser iguais, temos
de compreender as suas reais desigualdades de forma precisa e detalhada, e
não nos contentarmos em reiterar o slogan da igualdade. Temos que fazer o
trabalho duro de descrever, entender e explicar, e temos que fazer isso de
novo.
Nesses termos, a etnografia aqui contribui para o socioletramento, porque para
que possamos interagir por meio dos textos das diferentes modalidades, precisamos de
observação, compreensão e interpretação de leitura de situações e contextos de
produção de textos, ou de um determinado gênero discursivo, no caso desta pesquisa a
monografia, resultado de trabalho de conclusão de curso. Para completar o arcabouço
metodológico teórico a que defendemos aqui como socioletramento, visitamos também
a autoetnografia.

2.1.1 Autoetnografia

Nos trabalhos de conclusão de curso examinados, identificamos e ratificamos a


autoetnografia das autoras e dos autores desse gênero, visto que parte desses
pesquisadores neófitos pertencem ao contexto pesquisado, que investigaram. Assim, há
um estudo subjetivo, biográfico e, também, a observação do outro do mesmo contexto
do pesquisador, com o olhar etnográfico, de quem observa e analisa um microcontexto
social que é o “meu” e o “seu”. Nessa visão, citamos trabalhos de pesquisa recentes
realizados em diferentes contextos: formação de professores (SILVA E SILVA, 2016),
Difusão e focalização dialetal (LIMA NETO, 2018), Variação linguística (PEREIRA, 2018),
Performance artística (SANTOS, 2017), Letramento de resistência (SITO, 2016).

Para tratar da epistemologia do termo autoetnografia, recorremos ao estudo de


Blanco (2012) e Santos e Biancalana (2017). A autoetnografia pode ser considerada um
método novo dentro da pesquisa qualitativa ou um ramo da etnografia tradicional.
Começou a ser utilizada no final da década de 70, do século XX, por David Hayano para
se referir à pesquisa do contexto cultural a que pertencia. E pelo antropólogo Heider
para estudar as descrições de um grupo de pessoas do que fazia de sua própria cultura.

A autoetnografia amplia a forma de fazer pesquisa social, podendo ser realizada


em conjunto com a etnografia ou separada, conforme o contexto sociocultural. O
pesquisador do uso da autoetnografia elabora seu texto em primeira pessoa do discurso
à escolha do gênero e do estilo mais apropriado ao seu interesse de narrar, descrever,
expor, argumentar e, ainda, utilizando fotografias. Blanco (2012) cita para o trabalho
autoetnográfico os gêneros discursivos: diários, biografias, etnografia narrativa,
etnografia pessoal, ensaios, fragmentos de textos etc.

Na perspectiva de Ellis (2003), Blanco (2012) observa que a autoetnografia é um


gênero discursivo e uma investigação autobiográfica que revela conhecimentos
pessoais, identidades subjetivas que são altamente personalizadas. Os textos
autoetnográficos identificam, contam, narram experiências de vida de uma dada
realidade sociocultural. Isso difere da etnografia tradicional que utilizada de transcrições
da narrativa individual ou/e de grupos pesquisados. Isso não significa, que temos dois
polos extremamente distintos, mas que em conjunto as transcrições de uma etnografia
podem ter a combinação de um texto autoetnográfico do pesquisador, de acordo com
o gênero discursivo escolhido e com o estilo de escrita do pesquisador. Na visão de
Santos e Biancalana (2017, p.84):

Entende-se autoetnografia como formadora de uma investigação muito mais


em formato de memória ou memória crítica, visto que nesse momento as
informações não são submetidas a análises, interpretações e tampouco se
articulam a conhecimentos ou fontes. Ela pode ser considerada informadora
quando dados e textos autoetnográficos são usados como fonte de
informação tão relevante quanto os oriundos de fontes, como livros, revistas
etc.
Voltando à visão de Blanco, com a qual concordamos, a autoetnografia, de fato,
impulsiona a práxis de uma verdadeira interdisciplinaridade que respeita e valoriza
possibilidades epistemológicas na forma de fazer investigação qualitativa com efeito
histórico e subjetivo em diferentes níveis contextuais, de dimensão microssocial a
atingir a visão macrossocial.

2.1.2 Contexto de pesquisa

O contexto desta pesquisa é composto por 30 monografias, hospedadas na


Biblioteca Digital da Produção Discente (BDM), da Universidade de Brasília, de 2013 a
2017, da Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), da Área de Linguagem:
Linguística. Essas monografias foram orientadas por Sousa, uma das autoras deste
artigo, a qual está atuando na LEdoC há 9 anos, como docente e que fez desse curso
seu contexto de pesquisa. Com formação em sociolinguística, letramento(s), etnografia
e formação docente, com experiências na diversidade: pessoas pobres, indígenas,
campesinas, quilombolas e urbanas, sentiu-se motivada divulgar por meio de pesquisas
em enquadres de monografias, um contexto macro que é a formação docente na LEdoC.

Neste artigo, trabalhamos com a análise detalhada e explícita de 8 monografias,


fazendo remissão ao conjunto total dos dados sempre que há necessidade, que são as
30 monografias, todas elas merecedoras de análise detalhada. A análise de todos os
TCCs ficaria imenso e demandaria muito tempo para isso. Inclusive seria muito difícil
entrevistar 30 pessoas, a metade delas sem contato imediato para tal. Diante dessa
dificuldade, a escolha das 8 monografias se deu por eliminação. Assim, eliminamos 15
delas, por falta de contato por meio de e-mail, ligação de celular e whatsApp. Das 15
pessoas, 1 monografia já é dado de um artigo, de Sousa, publicado em livro, por isso não
gostaríamos de utilizá-la novamente neste trabalho. Assim, ficamos com 14
monografias. Para os 14 possíveis colaboradores de pesquisa, enviamos mensagem por
WhatsApp e uma entramos em contato por ligação de celular, porque ela não tem
whatsApp, estabelecendo contato à entrevista. Aguardamos resposta do contato dentro
de 15 dias. Nesse período, tivemos resposta de 8 pessoas, que se dispuseram a colaborar
com a pesquisa prontamente, concedendo-nos entrevista.
As entrevistas foram realizadas em dezembro de 2018, com o objetivo de
verificar como está sendo a vida profissional dos egressos e das egressas depois da
formação realizada na LEdoC e se estão utilizando o tema que desenvolveram na
monografia na sua prática profissional. Na interação desses dois dados de pesquisa:
monografia e entrevistas, estão os diários de pesquisa de Sousa, na sua atuação naquele
curso como Professora-pesquisadora. Segundo Bortoni-Ricardo (2008, p. 46):

O professor pesquisador não se vê apenas como um usuário de conhecimento


produzido por outros pesquisadores mas se propõe também a produzir
conhecimentos sobre seus problemas profissionais, de forma a melhorar sua
prática [...] um problema que se pode apresentar ao professor pesquisador é
como conciliar suas atividades de docência com as atividades de pesquisa.
Uma forma de contornar esse problema é adotar métodos de pesquisa que
possam ser desenvolvidos sem prejuízo do trabalho docente, como o uso do
diário de pesquisa.

No discurso das 30 monografias pesquisadas, observamos um tom do papel de


professor-pesquisador assumido por muitos aqueles docentes em formação. O que
chamou muito atenção de Sousa nas interações com os orientandos e com as orientadas
no processo da pesquisa de cada um/a, cujo resultado aparece naqueles 30 trabalhos
de conclusão de curso. Os estudantes da LEdoC passando pelo letramento acadêmico
(KLEIMAN, SITO, 2016; VÓVIO, 2010; ZAVALA, 2010) na Universidade, escolhiam para
pesquisar temas que surgiam de questões problemáticas com as quais se depararam na
escola, onde estudaram ou fizeram sua inserção orientada (estágio docente), ou na
comunidade onde vivem.

Esses temas antes não eram lidos por eles, porque certamente faltam-lhes
letramento acadêmico suficiente para enxergar uma realidade que estava naturalizada,
escamoteada ou simplesmente passava despercebida. Mas, na elaboração de suas
monografias, que não foi somente um processo de produção de um gênero acadêmico
específico, verificamos a preocupação deles em pesquisar um tema que poderia, de
certa forma, contribuir para resolver problemas, tais como: de variedade linguística, de
letramento, de metodologia de ensino, de contato linguístico, enfim, tratar de um tema
que trouxesse contribuição para a formação docente e para vida, à reflexão sobre
problemas de letramento ou de sociolinguística na escola e/ou na comunidade
campesina ou quilombola.
2.1.3 A monografia na percepção da pesquisa

Na verdade, as monografias são contextos de letramentos múltiplos (KLEIMAN;


ASSIS, 2016; ROJO, 2009; SOUSA, 2016; LILLIS, 2016) que revelam cultura, identidade,
pesquisa, etnografia, memória, história etc. e podem contribuir muito para a reflexão
sobre a formação docente, principalmente a do educador do campo, que é nosso
contexto de investigação. Pensando em outras dimensões, esse trabalho pode, também,
contribuir para a formação docente indígena. Pois, entendemos letramentos múltiplos
como diferentes conhecimentos que se constroem e se sustentam nas variadas
situações de leitura e de escrita, constituindo-se práticas sociais e de letramentos que
circulam nas diferentes esferas da sociedade, proporcionando leitura, compreensões e
interpretações dos saberes empíricos e científicos (SOUSA E ARAUJO, 2016).

É, portanto, da LEdoC que surgem motivações para arquitetar esta pesquisa.


Diante da diversidade de pessoas oriundas de diferentes regiões do Brasil, em grande
número da Região Centro-Oeste: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito
Federal, iniciaram-se os estudos sobre Letramento como prática social (STREET, 2014;
BARTON, 2007; KLEIMAN, 1995) e sobre Sociolinguística (LABOV, 2008 COUPLAND,
2016; BELL, 2014), esta última, dentro da Disciplina de Introdução à Linguística.

A Sociolinguística, depois da reformulação do Projeto Político Pedagógico do


Curso da Licenciatura em Educação do Campo (2007), a partir de 2013, foi inserida como
abordagem obrigatória no componente: Introdução à Linguística e em outras disciplinas
da habilitação de linguagem e também, dos componentes de Leitura e Produção de
Textos, para todas as habilitações: Linguagem, Ciências da Natureza e Matemática, pela
sua necessidade na LEdoC, devido às variedade linguística que circula no curso.

A área de Linguagem: Linguística tornou-se um campo para a realização de


pesquisa sociolinguística e etnográfica de uma forma muito natural. Nela, pôde-se
perceber a importância dessa ciência à formação docente de pessoas que precisam
entender o porquê de sua variedade linguística dentro de uma língua franca, isto é, a
língua predominante de uma nação, conforme reza a Constituição Federal do Brasil,
chamada de Português, e de como conviver com outras variedades linguísticas em sala
de aula e também com a língua escrita acadêmica e, ainda, com a variedade linguística
dos professores mestres e doutores, que dominam a variedade acadêmica do português
brasileiro. E como isso pode influenciar na vida das pessoas, em seus papeis sociais e na
transformação de suas identidades culturais e em seu letramento.

A compreensão da variedade linguística e, principalmente, da competência


comunicativa (HYMES, 1974), possibilita a estudantes da LEdoC circularem pela
variedade vernacular e/ou escolar, e/ou acadêmica e produzir textos nessa última. Essa
prática conduz ao letramento acadêmico, quando pensamos na inserção na pesquisa e
na produção de um texto científico como a monografia, resultado da construção de um
papel social, o de (professor)-pesquisador e, com um detalhe, da própria realidade
social. Isso porque esses estudantes puderam refinar ou/e ampliar seu letramento por
meio de eventos situados de leitura, de investigação, de interpretação, de produção de
textos, que materializam as práticas acadêmicas de leitura.

Essa reflexão abre um leque de possibilidades como pode se dá a construção de


uma pesquisa acadêmica, visto que todo esse contexto está ligado a territórios, a
realidades sociais, culturais e identidades que vão além de um curso, no caso deste
estudo, a LEdoC, e ao mesmo tempo estão dentro dela todas essas questões. O
Letramento como prática social aliado à Sociolinguística tem contribuído, conforme se
pode verificar em pesquisas registradas por meio de monografias, de egressos da LEdoC,
na formação de educadores em Linguagem, com conhecimentos que os orientarão para
saber lidar com temas ligados à linguagem em sua prática cotidiana e escolar.

2.2 Por dentro da Sociolinguística

Há cinco décadas, precisamente em 1964, em uma conferência na Universidade


da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, sob a organização de William
Bright, 25 pesquisadores discutiram temáticas acerca da Linguagem e Sociedade,
promovendo, assim, a inauguração da Sociolinguística, ciência do ramo da Linguística
(CAMACHO, 2012).

O advento da Sociolinguística estabelece o campo de pesquisa que investiga a


relação entre língua e sociedade, ou seja, o contexto externo da língua, configuração
negada pela Linguística Estruturalista, que concebe a língua como um sistema
linguístico, de caráter abstrato, que privilegia “as relações internas combinatórias e
contrastivas de um sistema linguístico” (LYONS,1987,p.167). A chegada da
Sociolinguística, principalmente representada pelo trabalho de William Labov, busca
oposição ao formalismo de Chomsky, da gramática gerativa, que se encontrava em seu
momento áureo.

A Sociolinguística nasce inerentemente interdisciplinar, pois recebe


contribuições da Linguística, da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia e da Etnologia.
Para algumas dessas contribuições, destacam-se os ilustres estudiosos, entre muitos
outros: o Linguista William Labov, pai da Sociolinguística variacionista, que desenvolveu
uma pesquisa sobre mudança dialetal realizada em Matha´s Vineyard; John Gumperz,
sociolinguista, que se serviu de estudos da Antropologia e da Sociologia para suas
pesquisas, e Dell Hymes, linguista, sociolinguista, antropólogo e folclorista, que
estabelece fundamentos disciplinares para o estudo comparativo e etnográfico do uso
da linguagem, formulando a etnografia da comunicação e a celebre teoria da
competência comunicativa. Outra contribuição de grande relevância para a
Sociolinguística é do eminente sociólogo e antropólogo Erving Goffman, nos estudos
voltados para as interações sociais, na faceta ecológica dos encontros entre as pessoas,
em que há a defesa da face e a representação das identidades sociais.

Segundo Barton (2007), o termo ecológico vem da Biologia e significa o estudo


das interrelações dos organismos com seu meio ambiente. Quando aplicado às ciências
humanas traz a denotação da relação das atividades sociais com seu meio ambiente. No
caso do letramento, ele está nas atividades humanas, influenciando essas atividades e
sendo influenciado por elas. Nas Ciências sociais, o termo vem de Gregory Bateson
(1972) o qual estabeleceu a interface entre a noção do termo, vindo da Biologia, com
Antropologia e com a Psicologia no que se refere à natureza do pensamento humano.
Voltando à Barton (2007), a utilização de “metáfora ecológica” tem como finalidade
integrar saberes sobre os letramentos que ocorrem no cotidiano nas relações sociais.

Para Duranti (1997), a Sociolinguística é a mais próxima da Linguística


Antropológica, entre as disciplinas das ciências sociais e humanas que estudam a
comunicação. Diante disso, conforme o contexto de pesquisa, como comunidades
complexas, indígenas, quilombolas e campesinas, há necessidade de abordar aspectos
que abranjam a cultura. Não somente nessas comunidades, mas em comunidades
urbanas periféricas e não-periféricas face a face e/ou virtuais.

A Sociolinguística constitui uma macroárea interdisciplinar (BORTONI-RICARDO,


2014) que recebe conhecimentos de outras grandes áreas de pesquisa. Dentro dessa
macroárea, foram e são produzidas inúmeras pesquisas, com objetivos e contextos
variados e especificidades distintas, mas com um foco: a relação entre língua e
sociedade, passando pela cultura, identidade e outros aspectos evidenciando a língua.
Já no início da inauguração da Sociolinguística, Bright definiu que o objeto de estudo
dessa ciência seria a diversidade linguística, envolvendo os fatores: identidade social das
pessoas, contexto social, comportamento e atitudes linguísticas (ALKIMIM, 2012). Em
primeira instância, esses são fatores gerais para se pensar a pesquisa sociolinguística.
Contudo, diante do grande crescimento da Sociolinguística (BELL, 2014; COUPLAND,
2016), são muitos os “objetos” de pesquisa identificados nessa área, a depender do
contexto de investigação e do foco da pesquisa. Assim, valemo-nos dela para justificar
o termo socioletramento, em nossa compreensão. Visto que o termo “socio” aqui
exposto vem da contribuição que a sociolinguística pode nos fornecer seguramente para
esta discussão, associada ao letramento como prática social.

A contribuição da relação entre sociolinguística e letramento vem da


sociolinguística educacional (BORTONI-RICARDO, 2008; 2015) que aborda também
questões relativas ao letramento, o que abre o leque de áreas afins daquela vertente. O
indício da interface entre Sociolinguística educacional e letramento está presente na
teoria dos contínuos, utilizada com o objetivo de se “entender a variação no português
brasileiro” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 51). Os contínuos são: de urbanização, de
oralidade-letramento e de monitoração estilística. Aqui faremos só remissão a esses
contínuos, sem entrar em detalhes.

Para fundamentar mais, ainda, o socioletramento, buscamos conhecimentos no


letramento como prática social. Para compor esse enquadre teórico que se edifica aqui
nesta exposição. Para não deixar dúvidas, o termo enquadre foi primeiramente cunhado
por Bateson e desenvolvido por Goffman (1974). Conforme o segundo autor, a
interação organiza-se em enquadres, formas como os discursos realizam-se e tornam-
se inteligíveis em diferentes encontros. O enquadre ocorre na interação, em situações
de fala e em gêneros discursivos orais e, também, escritos (SOUSA, 2006), indicando
como sinalizamos o que dizemos ou fazemos ou, ainda, como interpretamos o que é
dito e feito.

2.3 Letramento como prática social

Hoje, a escrita exerce um forte domínio nas Sociedades mais industrializadas e


mesmo nas mais afastadas como grupos indígenas e quilombolas, por exemplo. Visto
que as relações humanas são norteadas pela escrita por meio das línguas dominantes,
do processo de escolarização, de contratos comerciais, de descobertas científicas, da
internet, do whatsapp etc. Até comunidades oralizadas são atingidas pela modalidade
escrita. Isto é, comunidades, por exemplo, que viviam de forma mais isolada, utilizando
como forma de comunicação a fala, passaram a ter contato com a escrita, que foi sendo
inserida aos poucos ou de forma abrupta em suas vidas, seja pela escolarização, seja por
meio do discurso de pessoas que, de certa forma, levaram conhecimentos letrados,
mesmo que pela oralidade, as essas comunidades.

Segundo Kleiman (1995), registram-se estudos sobre o letramento que analisam


o desenvolvimento social com a expansão da escrita desde o século XVI. O impacto da
escrita, isto é, o letramento, tem-se expandido pelo mundo todo (Ver Lillis et al, 2016).
O livro organizado por Kleiman (1995) “Os significados do Letramento” registra que o
termo Letramento, à época, no sentido utilizado nas pesquisas, sem a conotação das
belas letras, ainda não estava dicionarizado, mas atualmente já está. O Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa (2009, p. 1172) traz o significado de letramento como
sendo “Representação da linguagem falada por meio de sinais, escrita, incorporação
funcional da capacidade a que conduz o aprender a ler e escrever, condição adquirida
por que o faz”.

Como não é seu objetivo explicar o letramento, o dicionário apresenta um sema


restrito do que seja letramento, diante da dimensão muito ampla que tomaram as
discussões nas últimas três décadas, entre o final do século XX, início do século XXI, na
esfera mundial (LILLIS et al, 2016. O conceito de letramento começou a ser utilizado
no contexto acadêmico na perspectiva de diferenciar os estudos sobre o impacto da
escrita dos estudos sobre alfabetização, com o objetivo de investigar competências
individuais no uso e na prática da escrita (KLEIMAN, 1995). Kleiman faz remissão ao
conceito de letramento segundo a perspectiva de Scribner e Cole (1981) que definem o
“o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto
sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos
específicos” (p. 19). Esse conceito, apesar de estar em praticamente em duas linhas,
suscita significados de uma dimensão prática enorme. A escrita, simbolicamente, regula
a vida das pessoas, pois materializa as Constituições Nacionais, os estatutos e
convenções sociais, as leis, as transações comerciais, a língua dominante, os discursos
ideológicos, político-partidários, enfim. Gera leituras, interpretações e ressignificações
(KLEIMAN ET AL., 2016)

O letramento extrapola o mundo da escrita (KLEIMAN, 1995), porque o que está


por traz, aos arredores dela, perpassa a ação da leitura e da produção de textos. Há
nesse contexto: intencionalidade objetiva e subjetiva, objetivo, contexto de produção e
recepção, realidade cognitiva e sociocultural e tantos outros fatores relacionados a
quem escreve.

Além do contexto canônico de letramento escolar, o letramento ocorre em


outros domínios sociais: na igreja, em casa, nas associações comunitárias, nos
sindicatos, na internet, no whatsapp, nas rodas de conversas, no trabalho, na televisão,
no cinema, nos rótulos de produtos de todas as espécies. Diante disso, pensamos nos
letramentos, isto é, nas práticas de letramento ou letramentos sociais (STREET, 2014)
que são muitos, quando pensamos que a sociedade apresenta diferentes domínios para
que isso ocorra.

Conforme esse estudioso do letramento, “práticas de letramento se colocam


num nível mais alto de abstração e se referem igualmente ao comportamento e às
conceitualizações sociais e culturais que conferem sentido aos usos da leitura e/ou da
escrita” (p. 18).

As práticas de letramento ocorrem em contextos formais que são norteados


pelos textos escritos, mas ocorrem, também, em momentos empíricos que incorporam
eventos de letramento de natureza popular, tendo como predominância a oralidade,
muito presente, principalmente nas comunidades campesinas e tradicionais, no caso do
Brasil: indígenas e quilombolas, onde os saberes culturais estão armazenados na
memória das pessoas com mais experiência. Nos trabalhos de conclusão de curso de
egressos da LEdoC, examinamos partes de monografias, que vieram do conhecimento
oralizado de idosos, que guardam em suas mentes a história de sua comunidade de
diversas naturezas: lutas pela terra, defesa do meio ambiente, formação da família,
medicina popular, defesa da escola do campo, religiosidade e tantas outras histórias que
marcam a cultura e a identidade de um povo.

Atualmente, com a criação de cursos voltados para o povo do campo: para os


indígenas, as licenciaturas interculturais, e, para os campesinos e quilombolas, as
Licenciaturas em Educação do Campo, tem havido o aparecimento de letramentos
múltiplos que incorporam os saberes tradicionais, oriundos da oralidade e de práticas
culturais e identitárias dessas comunidades e de letramentos urbanos e acadêmicos
(SOUSA, 2016) e, ainda, formas diferentes de registrar os conhecimentos dessas
comunidades que se dão por meio da diversidade de recursos semióticos e de modos
de dizer. Para Kleiman e Sito (2016, p. 169-170):

[...] presenciamos uma redefinição do conceito de letramento em função de


duas dimensões que apontam para ressignificações dignas de registro: em
primeiro lugar, a diversidade de sistemas semióticos e de modalidades de
comunicação e, em segundo lugar, a diversidade linguístico-cultural. O
conceito de multiletramentos abrange essas duas dimensões, apontando que
outros sistemas de significação, como o sonoro, o oral, o gestual, o imagético,
e o gráfico; o letramento não tem a ver apenas com a escrita.

Além da abordagem dos múltiletramentos, acrescentamos ao letramento a


forma como o letramento pode ser entendido. Brian Street (1984) apresenta dois
conceitos do campo semântico do letramento que são letramento autônomo e
ideológico. Conceitos muito fortes utilizados em inúmeros trabalhos acadêmicos.
Segundo Street (2014), o letramento autônomo está centrado no desenvolvimento
cognitivo da pessoa que se apropria da leitura e da escrita para o uso individual dessas
tecnologias, independente do contexto social. Esse “tipo de letramento estaria
ideologicamente associado ao progresso, à civilização e à mobilidade social” (KLEIMAN,
1995, p. 21). Um exemplo desse tipo de letramento são livros didáticos, produzidos para
o letramento escolar, que não consideram, muitas vezes, as diferenças regionais e
linguísticas do Brasil, como se todos os brasileiros na faixa etária de escolarização
tivessem a mesma identidade cultural e participassem das mesmas práticas sociais de
letramento.

Por outro lado, o letramento chamado ideológico por Street, considera as


práticas de leitura e de escrita ligadas indissoluvelmente à cultura do contexto onde elas
acontecem, contemplando as ideologias que estão por trás delas. O letramento
ideológico contempla a diversidade de produções escritas e leituras geradas por pessoas
de diferentes conhecimentos culturais, tendo em vista a finalidade e os seus usos pelas
pessoas.

Essa visão de letramento ideológico estabelece uma conexão com a perspectiva


do letramento ecológico de Davi Barton (2007, p. 34-35), considerando o que as pessoas
fazem com a leitura e a escrita em eventos do dia-a-dia. Dessa forma, Barton organiza
o letramento em oito abordagens (tradução livre):

1. O letramento é uma atividade social que pode ser descrita em forma de práticas
coletivas que podem nortear os eventos de letramento.
2. As pessoas têm diferentes letramentos dos quais fazem uso em diferentes
domínios sociais da vida. E quando se têm contato com diferentes culturas ou
histórias, mais letramentos são incorporados a esses domínios.
3. As práticas de letramentos são situadas nas relações sociais.
4. O letramento tem como base um sistema de símbolos. Isto é, um sistema
simbólico usado para a comunicação. Esse modo de representação estabelece a
interação entre os pares.
5. O letramento é um sistema simbólico usado para representar a própria visão de
mundo. Ele é parte de nosso pensamento.
6. Nós temos consciência, atitudes e valores com respeito ao letramento e essas
atitudes e valores direcionam nossas ações.
7. O letramento tem uma história. A história de vida das pessoas envolve muitos
letramentos, que são construídos do passado ao presente, visto que ao longo da
vida ocorrem, constantemente, novos aprendizados, novos letramentos.
8. Um evento de letramento tem uma história social. Novas práticas de
letramentos são criadas a partir de conhecimentos do passado.

Ainda na concepção de Barton, portanto, práticas de letramento são


incorporadas na nossa vida mental, pois segundo ele, nós precisamos de uma visão
psicológica do letramento marcada pela consciência, pela intenção e pelas ações. Essa
visão está bem registrada nas abordagens cinco e seis, supracitadas. Nesse
encadeamento de abordagens, o autor considera que alguns eventos de letramento são
marcados pela histórica e cultural das pessoas.

A esses pressupostos de Barton, seria interessante acrescentar a identidade,


visto que ela está indexada à história, à cultura das pessoas e às suas práticas de
letramento. Sobre essa temática, há os trabalhos desenvolvidos pelo grupo de Pesquisa
“Letramento do professor, com pesquisas na perspectiva discursiva e antropólogica”
(KLEIMAN E ASSIS, 2016).

É interessante observar que o próprio Barton faz referência a Hymes (1974) para
justificar que os eventos de letramento têm raízes na concepção de eventos de fala
cunhada na Sociolinguística.

As pesquisas no Brasil sobre letramento só têm aumentado, isso comprova que


há necessidade de se continuar investigando o impacto da leitura e da escrita na vida
das pessoas, em diferentes contextos sociais. Por isso, especificamente investigamos o
impacto do letramento acadêmico na integração com a sociolinguística nos trabalho de
pesquisa de final de curso de pessoas de raízes culturais e identitárias no campo. Assim
abordamos o letramento acadêmico.

2.4 Letramento(s) acadêmico (s) e Socioletramento

Entendemos que o letramento envolve a prática da leitura e da escrita de


diferentes textos, em diversas situações sociais. A universidade é um contexto social
onde ocorrem infinidades de leitura e de escrita de diferentes linguagens em diferentes
gêneros discursivos. Cada curso universitário, além da exigência da norma padrão da
escrita, tem variedade lexical e semântica da área de atuação, com por exemplo: a
Medicina, o Direito, a Biologia, a Matemática, a Arquitetura, as Engenharias, as
Licenciaturas etc.

O letramento acadêmico, em específico, já está na inserção do domínio da


variedade linguística e estilística de cada área profissional, que o estudante daquela área
precisa aprender ou apreender. Claro que dependendo da inserção linguística em uma
determinada variedade linguística, ele terá facilidade ou dificuldade dessa inserção
linguística. Dentro de um determinado curso, dependendo da interdisciplinaridade do
curso, o estudante também terá acesso a diferentes estilos de escrita e,
consequentemente, a diferentes acessos de variedade lexical e semântica. E, ainda, terá
acesso a diferentes variedades linguísticas de nível fonético/fonológico.

No diário etnográfico de sala de aula de Sousa, 2013, em uma aula da disciplina


de Leitura e Produção de Textos, de 1º semestre, os estudantes de uma Licenciatura
relataram à professora que não estavam conseguindo entender muito bem o que o
professor de Filosofia falava. Ela indagou “o professor fala Português como vocês?”.
“Professora, mas ele fala umas palavras que a gente nunca ouviu falar, como por
exemplo: “paradigma”, “antagônicos”, “aspectos dicotômicos”. E nós não entendemos
nada do texto de filosofia, porque uma pessoa fala uma coisa a outra fala outra coisa”
[...]. Como vamos fazer uma síntese sobre os textos? [...] nesse exemplo real de sala de
aula, os estudantes demonstram que ainda não estavam entendendo a variedade
linguística e estilística da fala do professor e dos textos por ele indicados para leitura. A
professora, então, pediu o texto de Filosofia a um dos estudantes, interrompendo o que
estava explicando de seu conteúdo da disciplina de LPT (Leitura e Produção de Textos)
e começou a explanar sobre o gênero, a linguagem e o estilo do texto, as
intertextualidades e a vozes que nele estavam presentes. Com essa explanação, houve
uma reflexão sobre o que o texto, sua linguagem e, principalmente, sobre o conflito que
estava havendo sobre a variedade linguística dos estudantes, do professor e dos textos
de Filosofia, visto que a sala era composta por estudantes das regiões Centro-Oeste,
Sudeste e Norte do Brasil.
Muitas vezes, temos situações muito parecidas como essa, que foi relatada
acima, em interação de sala de aula: a leitura, a compreensão, a interpretação, a
ressignificação da leitura e escrita não acontecem, porque há necessidade de não só ler
um texto, mas ter tempo para a socialização mental do que lemos de forma semiótica,
semântica, discursiva-cultural e sociolinguisticamente, no sentido da variedade
linguística e estilística.

Saindo da sala de aula, em qualquer situação de produção de texto, passamos


por essas etapas. O letramento acadêmico, para os estudantes que não estão
habituados com práticas de leituras tão complexas, no sentido de diferentes leituras que
necessitam fazer do texto com todas as suas características citadas e dos contextos de
interação social, no caso desta discussão, a universidade.

Depois de todas essas interações textuais e contextuais como ressignificar todos


esses elementos em um outro texto, na forma de letramento acadêmico? Considerando,
também a importância de tratar de assuntos que vão servir para a formação profissional
e atividades cotidianas. E, que, de fato, possam promover transformações na forma de
tratar as diferentes formas de se ler para a autoria, a criatividade, o comportamento
linguístico de segurança que desembocam nos diferentes estilos de letramento
acadêmico. Por isso, é necessário existir o diálogo no letramento acadêmico ente
estudantes e professor para o progresso daquele ou de ambos (LILLIS, 2016).

Diante do que expusemos, anteriormente, propomos a integração de


conhecimentos para gerar o socioletramento que não é uma teoria nova, de forma
alguma. Mas um meio metodológico e teórico com vista à leitura mais ampla,
simultaneamente, de contextos socioculturais, identitários e linguísticos que estão
localizados na dinâmica das interações. Principalmente, ambientes escolares,
acadêmicos e outros contextos, onde há a exigência do domínio de normas linguísticas
mais monitoradas para produções acadêmico-científicas em padrões linguísticos
bastante determinados.

Muitas vezes, os padrões acadêmicos estão determinados para a linguagem e o


formato de gêneros desses padrões, sem levar em consideração a história cultural,
identitária e sociolinguística de pessoas que passam a circular no ambiente acadêmico,
com pouco espaço e enquadres interativos para compreender a dinâmica do processo
da linguagem acadêmica. Sem essa compreensão produzem trabalhos acadêmicos ao
longo do curso de graduação e, às vezes, de pós-graduação sem entenderem como lidar
com realidades complexas que não foram apreendidas sociolinguisticamente.

Na visão do socioletramento, para que haja a competência comunicativa


(HYMES, 1972), a circulação nos diferentes gêneros acadêmicos, com segurança
linguística, há necessidade de considerar um trabalho de autoetnografia e de
sociolinguística com estudantes que são da chamada “inclusão”: indígenas, quilombolas,
campesinos; pessoas da periferia etc, principalmente com os estudantes das
Licenciaturas, que formam docentes. (KLEIMAN, 2001).

É fato que com a entrada de pessoas da diversidade nas universidades públicas,


temos percebido, também a entrada de culturas, de identidades e de perfis
sociolinguísticos que trazem consigo formas diferentes de entender o mundo. Essas
formas podem contribuir para formas diferentes de produção de trabalhos acadêmicos.

Em relação a isso, os grupos de pesquisa: “Letramento do professor, letramento


acadêmico”, com os trabalhos de pesquisa de Sito (2016); e, Sociolinguística,
letramentos múltiplos e educação, com os trabalhos de Moura (2015), Araujo (2015)
Almeida (2016), Carvalho (2016), Silva (2016); Ribeiro (2017), Melo (2018), Pereira
(2018), Silva (2018), Honorato (2018), no nível de mestrado e de doutorado, de forma
indireta e/ou indireta, vêm tratando dessa perspectiva do socioletramento. Sem contar
com os trabalhos de conclusão de curso da Licenciatura em Educação do Campo que
apresentar essa perspectiva na práxis como mostra a próxima seção.

3. Enquadres de análise e expansão teórica


Nesta parte do artigo, apresentamos uma tabela que sintetiza o número, o tema
e o que revelam as 30 monografias, dos egressos da LEdoC de 2013 a 2017, da área de
Linguagem: Linguística e Ciências da Natureza, orientadas por Sousa e por nós
examinadas. Desse total de trabalhos de conclusão de curso, selecionamos 8 deles para
uma análise mais detalhada e pontual. Para esse procedimento, dividimos esta seção
em enquadres que são compostos pelos dados de pesquisa: diários de campo de uma
das autoras deste artigo, introdução de cada monografia e entrevista realizada com cada
autor/a dos 8 trabalhos de conclusão de curso. A escolha da introdução das
monografias, para iniciar o trabalho analítico, dá-se porque esse gênero, geralmente, é
uma síntese do que trata a monografia. Pretendemos, com as entrevistas dos 8 egressos,
identificar se eles aplicam em seu fazer profissional o tema que desenvolveram em sua
pesquisa de conclusão da LEdoC.
A organização desta seção no desenho de enquadres justifica-se pela interação
que queremos promover entre as vozes das introduções, das entrevistas, das autoras
do artigo e dos teóricos para à análise que se forma, que se inspira na sociolinguística
interacional (GUMPERZ, 2003).
Conforme o que foi registrado nos objetivos específicos que norteiam esta
pesquisa, investigamos motivação, diversidade linguística, letramentos múltiplos,
situação de oralidade e leitura etnográfica dos trabalhos aqui em exame. Além disso,
avaliamos as monografias como contexto de estratégias de letramento acadêmico e
sociolinguístico na formação docente e prática de interação. Esses aspectos reunidos,
defendemos como socioletamento na práxis.
Essas temáticas consideradas micro se abrem para uma concepção macro do
objetivo geral que é “Investigar e analisar monografias de egressos da Licenciatura em
Educação do Campo, da área de Linguagem: Linguística, que revelam diversidade
linguística, cultural e identitária e letramentos múltiplos que podem contribuir para a
reflexão sobre a formação docente, principalmente a do educador do campo, compondo
o que podemos chamar de socioletramento.”
Servimo-nos de monografias, mas poderíamos utilizar artigos, dissertações,
teses resultados de pesquisas que envolvem diferentes leituras contextuais de todo o
processo do fazer do pesquisador, que lê seu contexto investigatório com um olhar
etnográfico e autoetnográfico, transformando o pensamento em linguagem acadêmica
ou se abrindo para outros gêneros que vêm por meio da identidade cultural da
diversidade para o universo acadêmico (LILLIS et al., 2016).
Os enquadres estão distribuídos em 3.2A e 3.2B referentes a diários de campo
de Sousa. Os enquadres de 3.2C a 3.2J são compostos pelas introduções das monografias
dos egressos da LEdoC e suas respectivas entrevistas. Identificamos a Professora-
pesquisadora pelo último nome e os autores e as autoras de monografia por uma letra
de um de seu nome completo.

3.1 Quadro sintético dos temas e pontos da análise de monografias: da visão macro
a micro

Número de Tema das Monografias O que revela a análise das monografias?


Monografias
Influência do discurso Naturalização e poder do discurso do agronegócio
1 da classe patronal nas no discurso da agricultura familiar, cultivo de
práticas da agricultura monocultura, degradação da terra, desgaste da
familiar. cultura e da identidade campesina. Olhar
autoetnográfico por meio da etnografia.
Contribuição da Educação do Campo por uma
formação docente para o letramento crítico.
7 Letramentos múltiplos Gêneros discursivos específicos das comunidades
(ou multiletamentos) quilombolas com variedade linguístíca
das comunidades intergeracional.
campesinas e Tradição da cultura oral. Identidade quilombola. A
quilombolas do Centro- relação da escola com a cultura local. Tais pontos
Oeste do Brasil (Goiás, revelam multiletramentos. Olhar autoetnográfico
Mato Grosso e Mato por meio da etnografia. Contribuição da Educação
Grosso do Sul) do Campo por uma formação docente para o
letramento crítico.
Pré-conceito linguístico. Oralidade e letramento.
Variedade Linguística Variedades linguística em contato. Variedades
8 campesina ou linguísticas estigmatizadas e livro didático.
quilombola Variedade linguística da escola e da comunidade.
Variedade linguística intergeracional.
Comportamento e atitudes linguísticas. Olhar
autoetnográfico por meio da etnografia.
Contribuição da Educação do Campo por uma
formação docente para o letramento crítico.
Letramento escolar e Letramento escolar e inclusão social. Dificuldades
11 saberes da oralidade de leitura e de escrita nas escolas do campo. Os
saberes da oralidade ao letramento escolar.
Letramento e interdisciplinaridade na formação
docente. Gêneros textuais culturais e
ensino. Olhar autoetnográfico por meio da
etnografia. Contribuição da Educação do Campo
por uma formação docente para o letramento
crítico.
1 Memória e formação de Luta e história na formação de assentamento da
Assentamento da Reforma Agrária na conquista da terra. Olhar
Reforma Agrária autoetnográfico por meio da etnografia.
2 Metodologia de ensino Estágio e preocupação com o ensino de Língua
de Língua Portuguesa Portuguesa na prática da formação docente.
Sustentabilidade e meio Estudo ecolinguístico em uma comunidade
1 ambiente quilombola. Olhar autoetnográfico por meio da
etnografia. Contribuição da Educação do Campo
por uma formação docente para o letramento
crítico.

O quadro acima identifica, de uma forma bem sintética, temas que foram
pesquisados no trabalho de conclusão de egressos da LEdoC, apresentados no gênero
monografia. De temas bem específicos, como por exemplo: “Sustentabilidade e meio
ambiente” a temas mais pesquisados, porém, cobrindo contextos diferentes, como por
exemplo: “Variedade linguística campesina ou quilombola” revelam cultura, identidade,
variedade linguística, o modo de viver de pessoas que, geralmente, não têm a
visibilidade que deveriam ter na sociedade. De leituras, que antes do letramento
acadêmico multidisciplinar da LEdoC eram naturalizações sem importância ou
problematização, durante e depois da LEdoC, passam a ser percebidas com olhar de “ O
que está acontecendo aqui e agora” (ERICKSON, 1990).

Assim, ocorre o letramento ideológico (STREET, 2014) que busca a proficiência


da leitura e da escrita de diferentes gêneros que circulam na sociedade, com
compreensão leitora que extrapola ao código linguístico, que acentua a decodificação,
a compreensão, a interpretação e a avaliação dos textos, em conjunto, gerando
conhecimentos sólidos, diversos e críticos. Mesmo tratando de temas que parecem ser
estranhos para monografia da área de Linguagem, em concepção canônica seria a área
de Letras, isso não impede que o autor ou a autora de tal trabalho não desenvolva a
escrita da norma de prestígio aceita no mundo acadêmico.

Um ponto interessante e que merece destaque nesta análise é o trabalho do


tema “Sustentabilidade e meio ambiente”, cujo autor é egresso da habilitação Ciência
da Natureza. Ele trata do assunto sem fugir de sua área de formação, mas imprime ao
seu trabalho um caráter interdisciplinar (assim como praticamente todos as
monografias investigadas) que envolve conhecimentos sobre meio ambiente,
ecolinguística, sustentabilidade, mas com leituras de mundo por meio da
etnobotânica. Assim, Cunha (2016, p. 6) arquitetou sua pesquisa de trabalho de
conclusão de curso nos seguintes termos:
Este trabalho tem o objetivo de investigar e analisar a preservação das
árvores que servem para construção das casas kalungas da comunidade Vão
de Almas, do município de Cavalcante-Go. É uma pesquisa fundamentada na
Ecolinguística e na Etnobotônica[...], discute a relação contínua da
comunidade e seus falantes, do conhecimento etnobotônico kalunga e da
integração da diversidade cultural como um todo.

Esse exemplo representa, de certa forma, a interdisciplinaridade que oferece a


Licenciatura em Educação do Campo no que diz respeito aos letramentos múltiplos, dos
estudantes, associados à cultura e identidade de um dado povo, observando, ainda, as
variações linguística. No caso do trabalho de Cunha os nomes empíricos dados às plantas
de fazer casas (Aroeira, Sucupira, Pereira do mato etc), na comunidade Kalunga Vão de
Almas – Cavalcante – GO, fazem parte do léxico daquela comunidade, destacando a
variação linguística de nível lexical do português Kalunga (RIBEIRO, 2017).

A monografia de Cunha representa um letramento acadêmico que congrega


conhecimentos empíricos e científicos que dialogam interdisciplinarmente em busca da
cultura e identidade da diversidade.

3.2 Revelando o Socioletramento

Para descrever a LEdoC, começamos pelos enquadres de Sousa, visto que pelos
diários, ela contextualiza o que é a LEdoC e a interação com os estudantes e suas
comunidades de origem, o que mostra que a interação com os estudantes não se
restringe ao conhecimento que brota na sala de aula, mas que vai além desse contexto,
na busca de um letramento acadêmico mais interativo com o propósito do
socioletramento.

Enquadre 3.2A

Diário de campo de Sousa (2018)

Sempre pratiquei etnografia de sala de aula, observando os estudantes em minhas aulas, ensino básico,
graduação e pós-graduação, procurando conhecer sobre a história, a cultura, o processo de letramento e
as interações sociais deles. Há 24 anos, trabalho com estudantes de diferentes grupos sociais, em grande
parte, com a conhecida “minoria”: negros, índios e pobres, isto é, a diversidade e inclusão. Na Licenciatura
em Educação do Campo (LEdoC), onde estou há quase 9 anos, tenho vivência mais intensa com os
estudantes por causa da configuração do curso que garante que possamos conhecer e conviver com eles
em sala de aula no Tempo Universidade (TU). Sou da área de Linguagem: Linguística e trabalho com outro
linguista com quem divido os componentes curriculares: Introdução à Linguística (Sociolinguística),
Fonética e fonologia, morfossintaxe, Sintaxe, Semântica, Gêneros Textuais, Ecolinguística, Linguística
Avançada, Estágio e Prática Pedagógica, voltadas para área de Linguagem, Leitura e Produção de Texto e
Projetos de Letramentos Múltiplos, para os quais contamos com a colaboração de professores voluntários
(mestrandos e doutorandos da área de Linguística e de Educação). Além disso, ainda temos a orientação
de Trabalho de Conclusão de Curso. A LEdoC nos proporciona a oportunidade de ficarmos mais tempo com
os estudantes em formação docente, durante os 4 anos do curso. Assim, temos oportunidade de fazer a
leitura etnográfica de nosso contexto de formação docente inicial. Isso, fez-me buscar assumir, muitas
vezes, a pedagogia culturalmente sensível (ERICKSON, 1990). Os alunos, que orientei para a elaboração
de monografias, a partir de 2010, que começam a defender seus trabalhos em 2013, fizeram parte do
contexto etnográfico de sala de aula, porque passamos quatro anos com cada turma, e, ainda, depois de
terminar o curso, ainda mantemos contato com parte deles, agora egressos, por causa da configuração
da Licenciatura em Educação do Campo que tem como pedagogia a Alternância. Nesse modelo
pedagógico, o estudante permanece sessenta dias por semestre na Universidade, cumprindo suas
atividades pedagógicas em tempo integral, o que é chamado de Tempo Universidade. Nesse tempo, por
exemplo, um professor pode interagir com os estudantes oito horas por dia, dependendo de sua
distribuição de aulas, durante duas semanas, considerando que, às vezes, esse mesmo professor participa
de reunião com estudantes no enquadre de organicidade, momentos de reunião sobre problemas que
ocorrem no curso e em outros enquadres. Além disso, o professor tem mais contato com os estudantes
que são seus orientandos, porque são três semestres do Componente Trabalho de Conclusão de Curso
durante a formação docente. E, ainda, há o Tempo Comunidade (TC) dos estudantes, quando eles voltam
para suas comunidades e permanecem lá de dois a cinco meses. Nesse ínterim, desenvolvem atividades
na escola e na comunidade. Essas atividades são fundamentadas nas teorias que os discentes estudaram
no Tempo Universidade. Nesse tempo, alguns professores do curso realizam atividades nas comunidades
e nas escolas campesinas. Eu mesma já participei de várias delas, durante o tempo que estou como
docente na LEdoC. Na oportunidade, entramos em contato com as famílias dos estudantes, conhecemos
as escolas onde atuam, e atualmente, com os egressos, que estão na docência. Fazemos uma imersão que
parte da sala de aula para as comunidades. Vejo que isso é muito importante, porque, de certa forma, há
uma interação próxima de professores da LEdoC o que permite a minha inserção nesse contexto, com as
comunidades desses estudantes. No tempo em que estou na LEdoC, considero ter leituras etnográficas da
sala de aula da LEdoC e de algumas comunidades, mesmo que seja uma visão ética, que, nos termos
etnográficos, é um conhecimento mais de fora do povo. Há pessoas em formação docente, que vêm com
uma leitura etnográfica de sua realidade social e da escola, aprimorada na produção das monografias de
final de curso. Isso interage com minha leitura etnográfica êmica de professora-pesquisadora (BORTONI-
RICARDO, 2008) e de orientadora de monografia, que conhece um pouco da realidade social dos
estudantes da LEdoC. (SOUSA, 2017).

No enquadre 3.2A, Sousa inicia a narrativa, situando seu papel social de


professora há 24 anos, destacando a experiência docente com estudantes do ensino
básico, da graduação e pós graduação, focando sua interação ao longo desses anos com
a chamada “minoria”: pobres, índios, quilombolas, campesinos, a diversidade. Essa
experiência é situada como etnográfica, para quem olha de fora para um determinado
povo, mas que constitui uma autoetnografia, pela relação profissional da professora.
Conforme Erickson (s/d, p.3) “A etnografia documenta o que as pessoas fazem na
realidade ao falarem, e isso descreve tanto o discurso quanto as situações do uso de
formas bem específicas”.
Em um determinado tempo a professora descreve a experiência na Licenciatura
em Educação do Campo, explicando o que é esse curso, visto que ele é diferente da
maioria das licenciaturas formadoras de professores no Brasil. A LEdoC tem como
metodologia a Pedagogia da Alternância. Essa metodologia do curso foi pensada pelos
povos do campo, com o objetivo de não tirar os estudantes de suas comunidades por
um período muito extenso, como por exemplo 4 anos, a duração de uma Licenciatura.

Com essa organização, o curso proporciona a práxis por ser dividido em Tempo
Universidade (TU) e Tempo Comunidade (TC). No TU, os estudantes ficam de 45 a 60
dias, em tempo integral, 8 horas por dia na universidade, participando das atividades
acadêmicas, orientadas pelo cronograma de aulas e de outras atividades pedagógicas.
No TC, os estudantes estão em suas comunidades, realizando atividades de inserção na
escola e na comunidade, por exemplo, estágio em diferentes fases nas escolas, desde a
observação com inventário da escola do campo até a regência. Conforme Molina e Haje
(2016, p. 815-816):

A intencionalidade fundante da alternância concebida para formação de


educadores nos cursos de Licenciaturas em Educação do Campo vincula-se ao
objetivo de contribuir para promover transformação na dinâmica escolar
atual, com a perspectiva de promover práticas formativas nas escolas do
campo que, de fato, as transforme em lugares que contribuam para a
resistência dos camponeses ao processo de expulsão e desterritorialização
promovido pelo agronegócio.

A LEdoC tem como objetivo formar professores que possam atuar em escola
rurais e urbanas que conheçam a realidade de que vivem no campo e em comunidades
quilombolas ou na cidade que recebem crianças e jovens oriundos dessa região.
O Curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília, que
fez 11 anos em 2018, é uma das 40 dessas licenciaturas que estão em universidades
federais e estaduais e institutos federais, nas 5 regiões do Brasil, ofertando o curso em
alternância, nas áreas de linguagem, ciências da natureza, matemática e ciências sociais.
Esse curso é uma política de formação docente afirmativa que visa:

formar e habilitar profissionais que ainda não possuam a titulação mínima


exigida pela legislação educacional em vigor, quer estejam em exercício das
funções docentes, ou atuando em outras atividades educativas não escolares
junto às populações do campo. (MOLINA e SÁ, 2011, p. 36).
O curso tem carga horária de 3.510 e 234 créditos, sua matriz curricular está
organizada em 3 núcleos: de Estudos Básicos (NEB); de Estudos Específicos (NEE) e de
Atividades Integradoras (NAI). O primeiro núcleo contempla 5 áreas, entre elas o
componente curricular “Leitura e Produção de Textos”, de 1 a 6, onde se trabalha o
letramento acadêmico dos estudantes da LEdoC, das diferentes áreas do Conhecimento:
Linguagens; Ciências da Natureza e Matemática; O segundo núcleo contempla 3 eixos,
os quais se desdobram em áreas: Linguagens; Ciências da Natureza e Matemática. Cada
área com seus respectivos componentes curriculares. Já o terceiro núcleo se subdivide
em 5 áreas, que indicam modalidades de atividades, as quais se desdobram em
diferentes componentes.(PPC/LEdoC, 2017). Como vemos, o desenho da LEdoC,
apresentado aqui de forma sucinta, é multidisciplinar, porque há no curso letramentos
muito específicos de cada área, mas há letramentos que contemplam os estudantes de
todas as áreas da Licenciatura, tais como: Leitura e Produção de Textos, Teoria
Pedagógica, Economia Política, Filosofia, Políticas Educacionais (SÁ e MOLINA, 2011).

Portanto, temos uma Licenciatura em Educação do Campo, com habilitação em


3 áreas citadas, sendo que os estudantes podem escolher 1 área entre elas, no início do
curso. Ao escolher sua habilitação, os estudantes que optam por Linguagem ou Ciências
da Natureza ou Matemática não se isolam em sua área do conhecimento, visto que ao
longo dos 4 anos da licenciatura, eles interagem por meio de componentes curriculares
e de atividades acadêmicas-pedagógicas tanto no Tempo Universidade como no Tempo
Comunidade.

Pela sua configuração curricular e prática, a LEdoC proporciona letramentos


múltiplos (ROJO, 2007, SOUSA, 2016) aos estudantes, no que se refere à variedade
linguística de textos orais e escritos, de diferentes gêneros discursivos, e de estilo da
linguagem. Porém dentro desse contexto macro que a licenciatura, localizamos a
pesquisa, aqui em análise, nos 3 eixos do curso porque a linguagem perpassa todas as
áreas do conhecimento assim como a leitura e a escrita.

Para o desenvolvimento da Práxis do letramento acadêmico é necessário criar


oportunidade aos estudantes terem acesso a variedades de pesquisas linguísticas, visto
que a linguagem é o meio da acessibilidade (GIMENEZ; THOMAS, 2016). Diante disso,
para que os estudantes da LEdoC tenham mais acessibilidade ao letramento acadêmico,
é importante, observar e refletir o que eles trazem de variedade linguística de seu
contexto social e escolar para confrontar com a variedade linguística que os esperam.
Dessa forma, pode haver a compreensão das variedades que circulam no meio
acadêmico com suas especificidades por meio dos gêneros discursivos e seus estilos de
linguagem. No trabalho de Melo (2017), ela constata como grupo de estudantes da
LEdoC, da turma 8, parte da oralidade à escrita, letramento acadêmico, percebendo essa
transição com a consciência da competência comunicativa, dá acessibilidade à
circulação em diferentes contextos sociais.

Hoje, caminhando para o fim do curso, Pequi constata as transformações


pessoais que ocorreram em sua competência comunicativa (HYMES, 1995).
Ele relata que consegue identificar as mudanças linguísticas que ocorrem em
seu léxico, na morfossintaxe, na prosódia, entende a necessidade da
adequação linguística em razão do contexto de uso da língua, e já consegue
monitorar a fala, ou seja, prestar mais atenção à própria fala [...] (MELO, 2017,
p. 53).

Enquadre 3.2B

Diário de campo de Sousa (2017)


Diante da diversidade de pessoas oriundas de diferentes regiões do Brasil, em grande número da Região
Centro-Oeste: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, iniciaram-se os estudos sobre
Letramento como prática social e sobre Sociolinguística, esta última, dentro da Disciplina de Introdução à
Linguística. A Sociolinguística, depois da reformulação do Projeto Político Pedagógico do Curso, a partir
de 2013, foi inserida como abordagem obrigatória, dada a sua importância na LEdoC, na área de
Linguagem: Linguística. Essa área tornou-se um campo para a realização de pesquisa sociolinguística e
etnográfica de uma forma muito natural. Nele, pôde-se perceber a importância dessa ciência à formação
docente de pessoas que precisam entender o porquê de sua variedade linguística dentro de uma língua
franca, isto é, a língua predominante de uma nação, conforme reza a Constituição Federal do Brasil,
chamada de Português, e de como conviver com outras variedades linguísticas em sala de aula e também
com a língua escrita acadêmica e, ainda, com a variedade linguística dos professores mestres e doutores,
que dominam a variedade acadêmica do Português Brasileiro em suas áreas de atuação. E como isso pode
influenciar na vida das pessoas, em seus papeis sociais e na transformação de suas identidades culturais
e em seu letramento. A compreensão da variedade linguística e, principalmente, da competência
comunicativa (HYMES, 1974), possibilita a estudantes da LEdoC circular pela variedade vernacular e/ou
escolar, e/ou acadêmica e produzir textos nessa última. Essa prática conduz ao letramento acadêmico,
quando pensamos na inserção na pesquisa e na produção de um texto científico como a monografia,
resultado da construção de um papel social, o de (professor)-pesquisador e, com um detalhe, da própria
realidade social. Isso porque esses estudantes puderam refinar seu letramento por meio de eventos
situados de leitura, de investigação, de interpretação, de produção de textos, que materializam as práticas
acadêmicas de leitura. Essa reflexão abre um leque de possibilidades para a pesquisa na escola, na
universidade e em outros contextos, visto que isso está ligado a territórios, a realidades sociais, a culturais
e a identidades que vão além da LEdoC e ao mesmo tempo estão dentro dela. O Letramento como prática
social aliado a Sociolinguística tem contribuído, conforme se pode verificar em pesquisas registradas por
meio de monografias, de egressos da LEdoC, na formação de educadores em Linguagem, com
conhecimentos que os orientarão para saber lidar com temas ligados à linguagem em sua prática
cotidiana e escolar.

No enquadre 3.2B, a professora Sousa narra como foi a motivação para a


inserção da Sociolinguística na Licenciatura em Educação do Campo. Essa inserção se
deu por causa da diversidade linguística eminente na fala de pessoas do campo e de
comunidades quilombolas de diferentes estados do Centro-Oeste que estavam na sala
do Componente Leitura e Produção de Textos, no 1º semestre de 2010, da 2ª turma da
LEdoC. Esse componente visa trabalhar o letramento acadêmico com os estudantes,
explorando os gêneros discursivos acadêmicos tais como: fichamento, resumo, síntese
resenha, ensaio, artigo, além do trabalho realizado com a leitura.

Contudo, a variedade linguística, da turma com 60 estudantes, estava na


variação linguística da fala de estudantes oriundos de diferentes regiões do Brasil, entre
elas: Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal), Sudeste
(Minas Gerais) e Norte (Pará).

Naquele início de trabalho na Faculdade UnB Planaltina (FUP), no primeiro semestre de 2010, na
Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), na turma 2, no Componente de Leitura e Produção de Texto
1, estava eu como professora, interagindo com pessoas oriundas de diferentes partes do Brasil. Na
apresentação do primeiro dia de aula, ficamos 4 horas só nas apresentações dos estudantes e das
estudantes. Os falares das pessoas eram diferentes. Usavam léxicos distintos, alguns, eu perguntava para
eles o que significava tal palavra. E a variação fonética: percebi pelos menos 4 variantes da pronúncia do
R. Percebi, ainda, que alguns estudantes falaram apenas o nome e sobre o local de onde vieram, não
quiseram falar mais nada sobre sua vida e por que escolheram a Licenciatura em Educação do Campo para
cursar. Depois dessa aula, fui para minha casa, pensando como trabalhar com aquela diversidade cultural
e linguística. Havia na turma pessoas de assentamentos, movimentos sociais, da agricultura familiar e
com histórias muito ricas. Pensei sou sociolinguista, agora tenho a grande oportunidade e o grande desafio
de colocar em prática a teoria que aprendi no mestrado e no doutorado. (Diário de Campo, SOUSA, 2010).

A Inclusão de pessoas com diversidade cultural e linguística na universidade


pública no caso, da LEdoC/FUP, faz com que repensemos como lidar com o Letramento
acadêmico, nos cursos onde essas pessoas estão inseridas. Visto que, o português
brasileiro (BAGNO, 2007) é heterogêneo e a diversidade cultural faz parte da formação
do povo brasileiro. E lidar com essa heterogeneidade é uma prática do trabalho do
professor de línguas, porque são muitas as mudanças que vêm ocorrendo no Brasil
desde a industrialização e com a utilização de recurso tecnológicos e, principalmente,
com a interação multicultural que acontece em nosso país. Conforme Proença Filho
(2017, p. 543-544):

O português do Brasil é, nos começos de 2015, a língua usada pela maioria da


população brasileira [...] consolidado como idioma oficial e hegemônico do
país. Com ele convivem: - diversas línguas e dialetos indígenas falados na
região amazônica [...]; - línguas trazidas por imigrantes, notadamente italiano,
japonês, espanhol, alemão, chinês, ucraniano, polonês e libanês, usadas na
comunicação familiar. Algumas delas são também utilizadas na imprensa e
em livros regularmente editados e consideradas, em termos menos coletivos
e mais individuais, como segunda, terceira ou quarta língua; - o português
lusitano de falantes de origem portuguesa; o falar crioulos de pequenas
comunidades de descendentes de antigos escravos africanos.

Mesmo sendo o português brasileiro a língua usada pela maioria da população


brasileira, ela apresenta variações de nível fonético/fonológico, semântico, lexical e
morfossintático, por causa da origem sociolinguística de cada pessoa ou de cada
comunidade de pessoas. Esses fatores influenciam na forma de escrever, no estilo da
escrita dos estudantes, não só os que vêm do campo brasileiro, das periferias, mas
também essas influências estão na fala de pessoas que são urbanas menos letradas e
mais letradas, na redes sociais, na mídia falada e escrita.

É evidente que a variação de qualquer nível chegue à escrita acadêmica. Algo


aceitável, obviamente. Por isso, é interessante discutir com os estudantes,
principalmente, os que cursam o componente “Leitura e Produção do Textos”, além da
configuração dos gêneros discursivos acadêmicos, a variação lexical e semântica que
vêm da fala mais ou menos monitorada (BORTONI-RICARDO, 2004) e as possibilidades
de variação morfossintática dos textos, e qual variedade é mais aceita nos gêneros
acadêmicos. Considerando que o letramento acadêmico passa também pela
autoetnografia, reflexão da identidade pessoal do estudante, suas experiências
intelectuais e pessoais. O que pode entrar em conflito, muitas vezes, com o orientador,
mas para solucionar tal conflito existe a negociação e o debate entre partes com a
finalidade de solucionar a problemática da voz do texto escrito ( KAUFHOLD, 2016).
Colocar referência
Enquadres Experiência da formação docente da Licenciatura em Educação do
Campo
Com base na enunciação anterior da análise que contextualiza a pesquisa na
Licenciatura em Educação do Campo, registamos o foco do trabalho delineado nos
objetivos geral e específicos, identificados na introdução deste artigo. Nesta parte o
objetivo geral “Investigar e analisar monografias de egresso da LEdoC, da área de
Linguagem: Linguística, que revelam diversidade linguística, cultural e identitária e
letramentos múltiplos que podem contribuir para a reflexão sobre a formação docente,
principalmente a do educador do campo, o que podemos chamar de socioletramento”
será o guarda-chuva para os objetivos específicos que assumem aspectos a serem
explorados na análise das 8 monografias em exame, ratificadas pelas entrevistas dos
autores e das autoras desses trabalhos. Em síntese, os aspectos são:

- identificar temas e motivação das monografias;

- identificar elementos relativos à diversidade linguística, cultural e identitária;

- identificar letramentos múltiplos, situações de oralidade, leitura e de escrita, que


circulam nas escolas e nas comunidades campesinas e quilombolas do Centro-Oeste,
conforme a leitura etnográfica realizada por eles em suas monografias;

- Avaliar a monografia como enquadre de estratégias de letramento acadêmico e de


sociolinguística na formação docente, considerando a prática, a interação que ela pode
gerar nessa formação, o que estamos chamando de socioletramento;

- Identificar na entrevista se os autores e as autoras de monografias pesquisadas aplicam


em seu fazer profissional o tema que desenvolveram em sua pesquisa de conclusão da
LEdoC.
O trabalho de conclusão de curso (TCC), apresentado em diferentes
configurações: artigo, relatório, material didático, monografia etc, pode revelar, além
do tema delimitado, pesquisado, exposto e analisado, conforme o objetivo e o contexto.
Os enquadres a seguir são de monografias como já anunciamos. A introdução de cada
monografia sintetiza o que é o trabalho de pesquisa dentro formatação geralmente
exigida por normas do curso, contudo com variação de formato e de estilo (BELL, 2014),
está última resguarda a subjetividade do autor ou da autora do discurso
(FAIRCLOUGH,2016).

Enquadre 3.2C

A variedade linguística no assentamento Nova Conquista, município de Cárceres – MT,


2013, (L. – MT)

Este trabalho pretende analisar a variedade linguística da comunidade Nova Conquista, localizada no
município de Cáceres, Mato Grosso. Além disso, será observada como está estruturada a formação
linguística da comunidade através do processo migratório que se deu há 16 anos nessa localidade. O
processo histórico dessa comunidade se deu pela conquista da terra, trazendo vários povos de diversas
regiões mato-grossenses com sotaque mineiro, paulista, baiano e encontrando também os povos
cuiabanos e pantaneiros, perfazendo uma mistura de linguajares e com o passar do tempo, uma variedade
foi se sobrepondo a outra, às vezes, de forma natural ou não. Apresentam-se nesta pesquisa os modos de
falar da população da comunidade Nova Conquista, no intuito de analisar os fenômenos micro da
fonologia, morfologia, do léxico e a relação semântica da fala dos povos nativos que são oriundos da
região cacerense e baixada cuiabana. Com seus dialetos próprios, os mesmos apresentam uma riqueza
imensa ao comunicarem uns com os outros da mesma família, com a sabedoria de seu povo trazido de pai
para filho, com seu jeito peculiar de tratar as coisas, cantando canções mato-grossenses. Principalmente,
desde contar os causos e ao cumprimentar as pessoas de forma humilde, não preocupados com regras
padrão estabelecidos na sociedade. Diante disso, esse trabalho aborda a sociolinguística, vislumbrando a
interação e também o comportamento da pessoa na perspectiva da integração do indivíduo em seu meio
social. Utiliza o uso da língua dentro de uma determinada cultura, no espaço social e identificando sua
identidade. Contudo, trabalha com os conhecimentos de outras áreas estabelecendo uma variedade
multidisciplinar. Uma das motivações que provocou o interesse por este assunto foi a partir, do
conhecimento do tema, o estudo da disciplina de sociolinguística, com a professora R., no curso de
Licenciatura em Educação do Campo, na Faculdade de Planaltina, em Brasília. Principalmente, quando se
estuda o linguista Marcos Bagno, em seu livro “Nada na Língua é por Acaso”, que aborda a
sociolinguística, cuja teoria fomenta a todo instante a necessidade de estarmos atentos a valorizar o
sujeito falante com suas diversidades linguísticas. Dessa forma, este trabalho de pesquisa, também, é
decorrente das observações durante o período de estágio que foram realizados em Tempo Comunidade
(TC). O presente trabalho será desenvolvido por meio da metodologia qualitativa que tem como objetivo
identificar os traços linguísticos (BORTONI-RICARDO, 2008. p.49) e “valem de procedimentos etnográficos
para geração de registros”. E também desvelar o que está sendo invisível diante da rotina em que os
falantes vivem estruturalmente na respectiva comunidade pesquisada. Para Bortoni-Ricardo (2008), as
pessoas acostumam com as rotinas, e no entanto, não percebem a riqueza que tem em seu vocabulário,
nas relações sociais que são vivenciadas no seu cotidiano. Neste sentido, há uma expectativa deste
trabalho de identificar por meio de entrevistas, observações, dos causos e canções, em que apresentam
diversos sotaques, variações, não só na fala, bem como nos costumes e na atividade cultural. Este trabalho
procura compreender melhor como os diversos falares que circulam no meio em que há falantes que
veiculam a linguagem falada, ou seja, a expressão sonora que caracteriza uma particularidade herdada
de sua origem. É por isso que a sociolinguística busca por meio da análise linguística identificar a fala em
uma comunidade de uso. Neste sentido realiza-se uma análise da variedade linguística que acontece no
âmbito social, no nível diatópico, em que busca se investigar a variação decorrente da origem geográfica,
principalmente os falares de origem nativa que são os cacerenses. No entanto, propõe-se identificar os
níveis fonético-fonológicas, morfológicos, semânticos e lexicais de variação linguística, utilizada pelos
falantes entrevistados, por meio dos causos e canções tradicionais da comunidade Nova Conquista
Cáceres- Mato Grosso. Este trabalho tem como objetivos específicos identificar como: 1º as variedades
linguísticas utilizadas pelos falantes interagem com outras variedades existentes; 2º- investigar, entre os
falantes, qual a compreensão que têm em relação à língua. E também os conceitos que foram formados
durante sua formação humana; 3º- ajudar na valorização das canções da comunidade que já não são mais
cantadas pela população jovem desta localidade. 4º- sugerir ainda estratégias pedagógicas para escola
municipal Paulo Freire. Em suma, a variedade linguística dessa comunidade compreende um leque, da
língua falada do português brasileiro, isto é, estabelece um aspecto positivo na fala. Por isso, o trabalho
discorre trazendo contribuições que são possíveis de compreender, aceitar e respeitar as variações da
língua falada, sem causar nenhum choque linguístico em que nos deparamos na sociedade como um
preconceito linguístico. Ainda, será abordada a luta pela Educação Básica do Campo no Brasil, através dos
movimentos sociais com a participação ativa de seus sujeitos (as) que desencadearam uma discussão a
nível nacional, e repercutindo no município de Cáceres, no qual é localizado o assentamento Nova
Conquista que é mais um fruto da luta de inúmeros e inúmeras guerreiras e guerreiros, que tombaram
pelo caminho na esperança de conquistarem um pedacinho de terra e uma garantia de vida digna para
suas famílias, o que constitui o contexto de pesquisa. Este trabalho é composto de introdução que
apresenta as motivações que me levam a realizar este trabalho. Já no primeiro capítulo, fala-se da
metodologia que irá dar sustentabilidade para a pesquisadora percorrer todo o trabalho, seja na base
escrita ou em trabalho de campo. No segundo capítulo, está a discussão do referencial teórico que aborda
as lutas sociais em busca de uma Educação Básica para o Campo. Apresenta também no terceiro capítulo
um breve caminho que percorre a linguística e seguindo a linha da sociolinguística com sua vertente com
níveis de variação linguística, refletindo sobre o ensino da norma padrão e a língua materna. Quanto ao
quarto capítulo, apresenta as análises de dados que foram coletados na pesquisa de campo na perspectiva
de visualizar certos questionamentos que são: Como e por que os causos foram aplicados na escola local?
Como são esses causos abordados? Como a escola recebeu os ensinamentos tradicionais típicos da
comunidade? Para finalizar conta-se com as considerações finais e os referenciais que deram
embasamento teórico para a construção desse Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Também serão
abordadas as análises de algumas falas espontâneas, e de falas mediadas por canções e por causos. Para
isso, será apresentado um quadro com transcrições fonético-fonológicas. E também será utilizado o
alfabeto IPA (Internacional Phonectic Association) nas transcrições de falas que são consideradas
especificidades da comunidade. Este trabalho de pesquisa aponta alguns teóricos como: Bagno (2007),
Carbone (2008), Bortoni-Ricardo (2008), Sousa e Velasco (2007), Caldart (2000, 2008), Freire (1996) entre
outros, que fundamentaram seus estudos de pesquisa com o objetivo de proporcionar melhor
entendimento do ensino da língua e sociedade dentro do universo educacional.

A introdução da monografia de L. já é, por si só, um texto bastante representativo


de como está arquitetada a sua monografia (2013). Ela explica o tema, a justificativa;
identifica o contexto de pesquisa de forma muito detalhada. A pesquisadora neófita se
vale de conhecimentos de leituras etnográficas, porque observa a comunidade Nova
Conquista para gerar dali os dados de sua pesquisa. L. se vale dos conhecimentos
adquiridos na LEdoC, de diferentes componentes curriculares: Memória e História,
Educação do Campo, Sociolinguística, entre outros (PPC/LEdoC, 2017), para no texto da
monografia registrar o que ela pode fazer integrando conhecimentos científicos e
conhecimentos que estavam na sua memória e na observação do seu contexto
campesino, de onde vem o estudo sobre a variedade linguística da comunidade Nova
Conquista.

O foco da pesquisa de L. é a formação linguística da comunidade Nova conquista,


região carcerence e baixada cuiabana. A motivação para L. desenvolver esse tema surgiu
nas aulas da disciplina de Introdução à Linguística, ministrada para os estudantes da
habilitação de Linguagem, da Licenciatura em Educação do Campo, onde há o estudo da
sociolinguística, focada nas variedades linguísticas, variação linguística (LABOV, 2008)
na competência comunicativa ( HYMES, 1974) e sociolinguística aplicado ao ensino de
língua materna (BORTONI-RICARDO, 2004).

A abordagem da sociolinguística na disciplina de Introdução à Linguística,


cursada pelos estudantes da habilitação em Linguagem, e tópicos de sociolinguística nas
disciplinas de Leitura e Produção de Textos (LPT), para todas as habilitações da LEdoC:
Linguagem, Ciências da Natureza e matemática, surgiu da leitura etnográfica que foi
feita do contexto da diversidade linguística da LEdoC, a partir da turma 2 do curso. Pois
essa abordagem não estava prevista na matriz inicial do curso (2007).

O entendimento de alguns temas da sociolinguística como: heterogeneidade


linguística, variedade e variação linguística, níveis de variação linguística, competência
comunidade, comportamentos e atitudes linguística, monitoração estilística etc, muitos
estudantes passaram a compreender melhor a língua e sua variedade linguística, o que
facilitou muito o trabalho com o letramento acadêmico. Segundo Zavala (2010, p. 72),
“Não obstante com a massificação do ensino superior no país – e com o ingresso de
pessoas de contextos indígenas e campesinos – não há nenhuma garantia de que os
estudantes venham preparados para lidar com o letramento acadêmico [...]”

Podem ser vários fatores: linguísticos ou extralinguísticos, que influenciam para


que estudantes de diferentes grupos sociais cheguem com proficiência linguística ou não
à universidade para dar contar de forma satisfatória ao letramento acadêmico. Mas nas
nossas observações de etnografia de sala de aula (BORTONI-RICARDO, 2008) e nas
interações de orientação de trabalhos acadêmicos, percebemos quando o estudante
tem consciência sociolinguística, ele consegue avançar melhor no letramento
acadêmico.

Essa consciência sociolinguística (MOURA, 2015, MELOS, 2017) instigou em


outros estudantes assim como L. desenvolverem seu trabalho de conclusão de curso
com alguma abordagem sociolinguística. Para L, com os conhecimentos da
sociolinguística, valoriza-se o sujeito falante com sua diversidade linguística. Também,
fez com que ela observasse vivências no estágio, no Tempo Comunidade, e no cotidiano,
que não eram observadas, como o preconceito linguístico (BAGNO, 2007).

Além de fatos linguísticos, L. registra em seu trabalho a cultura de sua


comunidade, que compõe a identidade de um povo que luta pela terra. Ela conta a
história do assentamento, descreve a escola, as pessoas pesquisadas, a história da luta
e da conquista pela Educação do Campo no Brasil. Ou seja, L. se coloca como uma
etnógrafa que observa, descreve, analisa a comunidade Nova Conquista, mas por outro
lado, apresenta uma autoetnografia (BLANCO, 2012), porque ela também faz parte do
contexto pesquisado.

A pesquisadora neófita mostra um trabalho com bastante competência de


pesquisa, com muitos dados para uma análise macro até chegar a micro, em que
examina a variação linguística em diferentes níveis: fonético/fonológico, semântico,
lexical das pessoas do Assentamento Nova Conquista e das canções e do causos
contados por algumas dessas pessoas. Ela também apresenta as contribuições
pedagógicas que o estudo da variedade linguística, com seu desdobramento cultural e
identitário pode oferecer à escola do assentamento.

O trabalho de L. traz um exemplo de letramentos múltiplos quando ela registra,


por meio da etnografia, a história de formação do Assentamento Nova Conquista, Mato
Grosso; a vivência desse povo, as interações entre as pessoas, a variedade linguística
delas, as manifestações religiosas, o lazer e muitos outros eventos, que circulam na
comunidade. Essas manifestações estão na memória, no fazer diária de cada pessoa e
no coletivo, que se apresentam na oralidade, na escrita e na linguagem não verbal e no
misto dessas linguagens. Que na concepção de Mintz, tais manifestações são cultura.

L. registra em um trecho das considerações finais da monografia uma asserção


que destaca a contribuição de seu trabalho para sua comunidade e para o letramento
acadêmico.

Registrar a história da formação do Assentamento Nova Conquista, trazendo


os seus sujeitos falantes está sendo de grande importância para mim e para
comunidade. Porque este registro é o registro da memória dos moradores
dessa localidade. Haja vista, que não há nenhum registro realizado de
concreto desse povo, muito menos em relação a respeito da formação da
comunidade considerando seus falantes com origem étnica, identidade e
variedade.

Esse foi o objetivo do trabalho de conclusão de curso de L. que de um levamento


de experiências e práticas sociais, na participação do letramento acadêmico,
transformou esses conhecimentos empíricos em letramento que se apresenta em um
recurso acadêmico, mas com o estilo da pesquisadora neófita. Desse trabalho de 2013,
vejamos o que L. nos diz hoje em relação ao que está fazendo e como tem empregado
seu tema de pesquisa na vida cotidiana e profissional.

Enquadre de entrevista de L. (Texto de whatsApp - dezembro de 2018)

Boa noite professora R. [...]. Considerando não estar em sala de aula. Desenvolvo minha pesquisa trazendo
a sociolinguística na vertente da variação linguística, na formação de professores no momento da
formação continuada, contribuindo com a construção do planejamento docente. Em desenvolvimento de
oficinas de língua portuguesa, Artes e Educação Física. Com análise, movimentos e canto. Um novo jeito
pedagógico de tornar as aulas mais atrativas e dinâmicas. Este ano de 2018, conseguimos ir além, com
análise, com interdisciplinaridade em que todas as áreas se comunicaram e se articularam com resultado
final. Concluindo com aula de campo, envolvendo a semana da árvore: com teoria e prática através dos
gêneros textuais. Confecção de faixas, cartazes, abrangendo relações sociais e políticas. Como marca o
plantio de árvores frutíferas e nativa. Estudando o científico e o empírico.

A entrevista de L. informa a professora R. o que L. está fazendo com o tema que


desenvolveu na sua monografia. L. não está em sala de aula, mas está fazendo um
trabalho muito relevante assim como na sala de aula, que é participar da formação
continuada, contribuindo na construção do planejamento docente, atingindo, como
coordenadora, outras áreas além da sua, que é a habilitação em linguagem, com qual
pode ministrar aulas de Língua Portuguesa, Literatura e artes. L. destaca a
interdisciplinaridade que integra todas áreas, articulando um resultado final que indica
a práxis por meio de gêneros textuais. Para Barzeman (2007, p. 77):

À medida que cada sistema discursivo identifica certas atividades discursivas


a serem realizadas de uma determinada maneira, utilizando materiais
diversos a serem dispostos e trabalhados de diversas formas possíveis, esse
sistema discursivo desenvolve um pensamento característico ou um estilo
representacional, o qual consiste de gêneros, registros e outras tipificações
sociolinguísticas tidas como partes adequadas daquele decoro.
L. faz referência a aula de campo, prática explorada pela formação docente da Educação
do Campo, que envolve várias áreas do conhecimento. Essas práticas são muito comuns no
curso, ou seja, o trabalho envolvendo várias áreas do conhecimento, diferentes leituras, que se
bem compreendidas, podem gerar letramentos múltiplos com leituras e produção de textos
que alcancem do empírico ao científico desenvolvendo a competência comunicativa na
circulação em diferentes linguagens e respeitando a variedade linguística do empírico no
processo de se chegar à variedade científica.

Enquadre 3.2D
Variedades linguísticas na Gleba Ribeirão Grande e identidade cultural camponesa,
2013. (P. – MT)

“Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não
faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes
pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio”. (Carlos Drummond de
Andrade).

Se tentássemos transcrever o fragmento acima, de acordo com o vocabulário falado nos dias de hoje,
evidentemente muitas palavras seriam substituídas, registrando-se uma linguagem mais coloquial.
Percebemos, assim, que a língua é dinâmica, ela sofre transformações com o passar do tempo em virtude
de diversos fatores, assim como a sociedade também é totalmente mutável. No entanto, cada grupo social
adquire uma maneira própria de se comunicar, e por que não dizer, se identificar. Assim, a Variação
Linguística se dá pelo fato de que a língua, num determinado grupo social, em um dado lugar e uma dada
época varia em relação a outro grupo social, outro lugar ou outra época. A intenção desta pesquisa se
materializou após aprofundamentos dos estudos sobre a Sociolinguística, na Universidade de Brasília,
dialogando com as Inserções Orientadas na Escola Municipal do Campo São José, através das experiências
de observação e estágio supervisionado e do conhecimento prévio das famílias da Gleba Ribeirão Grande.
Há tempo percebi que existem diversas formas de falar na comunidade. Me senti instigada a investigar e
analisar as variedades linguísticas existentes na Gleba Ribeirão Grande, onde moro e se essas variedades
são estigmatizadas ou valorizadas pelos próprios falantes, e ainda, como estas variações linguísticas se
relacionam com a identidade camponesa desses jovens falantes. Para o levantamento dos dados
necessários para este trabalho, realizamos entrevistas utilizando a metodologia de grupo focal com os
jovens e diálogos abertos com os pais. As quatro famílias que foram escolhidas devido à miscigenação
observada em cada uma delas. São todas moradoras da Gleba Ribeirão Grande e têm filhos matriculados
nessa escola. As conversas foram gravadas e posteriormente sistematizadas, para isso, utilizamos a
pesquisa qualitativa, pois este método se preocupa, em especial, com o mundo das relações sociais,
resumido nos processos das representações e da intencionalidade, que dificilmente pode ser traduzido em
números e indicadores quantitativos. Sabemos que a formação de um Assentamento da Reforma Agrária
se dá pela migração de famílias oriundas de diferentes regiões do Brasil e que, ao migrar de seu local de
origem esse camponês vai perdendo a sua herança cultural, que vai mesclando com outras, de acordo com
os locais por onde passam. Em meio a um duplo movimento: o de partida e o de chegada, as famílias são
tomadas pelo sonho e pela ilusão de melhorar a vida, pois lhe é imposta uma nova realidade, em um lugar
antes desconhecido. No capítulo primeiro, abordamos sobre os métodos da pesquisa utilizados neste
trabalho, além de localizar o lugar de onde falo, a Gleba Ribeirão Grande e a escola Municipal do Campo
São José, que são lugares frequentados pelos colaboradores da pesquisa[...] E por fim, apresentamos
nossas considerações, às quais aproveitamos para propor formas de ensino da língua portuguesa em que
as variedades sejam consideradas e valorizadas, utilizando os próprios falantes como exemplos na sala de
aula.

O enquadre de introdução da monografia de P. começa com o fragmento da


crônica “Antigamente” de Carlos Drummond de Andrade (1966), com o qual, Ela
compara a forma de falar da época da crônica (século XX) com este início do século XXI
para mostrar que a língua é dinâmica e flexível, sofre mudanças com o passar dos
tempos, com a transformação da cultura e da identidade das pessoas. Depois de se
aprofundar nos estudos da sociolinguística, levando esses conhecimentos para as
interações nas inserções orientadas e no estágio supervisionado na comunidade e na
escola da Gleba Ribeirão Grande, no Mato Grosso, ela se vale dessa motivação para
realizar sua pesquisa que tem como objetivo: “Investigar a variedade linguística da Gleba
Ribeirão Grande e sua relação com a identidade cultural camponesa de alguns jovens
desta comunidade.”

Esse objetivo vem da leitura etnográfica que P. fez de sua comunidade em


relação a variedades linguísticas estigmatizadas e valorizadas pelos próprios falantes
dessas variedades. Assim como L. ela também parte de sua realidade social para
desenvolver seu tema de pesquisa. A multiplicidade de letramentos que circulam na
LEdoC, por meio de componentes curriculares diversificados, proporciona ao
licenciando ter olhar mais aguçado de sua realidade social. Com ressalta P. nas inserções
orientadas e no estágio supervisionado, ela teve a oportunidade de contrastar seus
conhecimentos da sociolinguística com o que está vendo na sua realidade social.
Conforme Machado (2016, p. 33), “os estágios contemplam as várias dimensões da
prática pedagógica, possibilitando o exercício da docência. No caso dos estudantes da
LEdoC, essa prática desenvolve-se nas escolas de inserção, vindo a ser socializada nos
Seminário de estágio”[...].

Na sua monografia P. traz a história da colonização do Mato Grosso, da Gleba


Ribeirão Grande; descreve a escola dessa Gleba onde estudam filhos de assentados,
filhos de fazendeiros e filhos de funcionários das fazendas da região. Daí, então, vem o
envolvimento, na sua pesquisa, como colaboradores, de alguns jovens dessa
comunidade, para os quais ela levanta perfil sociolinguístico de cada um. O trabalho de
P. revela, além de temas como migração, história da Educação do Campo, preconceito
linguístico, variação linguística, uma abordagem do campo semântico do camponês.
Assim como o trabalho de L. e de outros pesquisadores e de outras pesquisadoras
neófitos, encontramos na monografia que trata de variedades linguísticas,
conhecimentos históricos, culturais e identitários que não lemos nos livros didáticos e
não didáticos.

Tais conhecimentos estão na relação dos letramentos múltiplos associados à


dinâmica da sociolinguística, em termos mais qualitativos, que também comprovamos
nos textos autoetnográficos que também estão na maioria das 30 monografias
analisadas. No contexto de letramento múltiplos que é a LEdoC, destacamos na voz de
P.:

Nas aulas de Sociolinguística, na LEdoC, percebemos que muitas coisas


trabalhadas em relação à língua eram familiares, pois quando criança, sofria
com piadinhas que os colegas, e até mesmo alguns professores, faziam a meu
respeito e de outros colegas, pelo fato de conversarmos com sotaque sulista,
o (r) puxado, falar cantado, por sermos descendente de alemães, e a família
ter migrado dos estados do sul do Brasil para o Mato Grosso do Sul, onde
nasci e tive toda a minha formação escolar básica. A partir daí, surgiu a
vontade de aprofundar os estudos em relação às maneiras de falar das
famílias da comunidade onde moro, pois tenho observado a existência da
diversidade cultural nesta região e me instiga saber como as variedades da
língua portuguesa são tratadas pelos próprios falantes (2013, p. 28).

A pesquisa de P. trata também de microanálise da língua dentro do quadro teórico da


variação linguística, mas mostra fatores extralinguísticos que influência contribuem para haja
conflitos, interações decorrentes de muitos aspectos sociolinguísticos que influenciam no
ensino de língua portuguesa na escola. Em relação a isso ela faz a seguinte exposição em suas
reflexões sobre a pesquisa:

A pesquisa e a elaboração deste trabalho proporcionaram um


aprofundamento no estudo da língua portuguesa, buscando compreender a
trajetória dos estudiosos da língua na busca de uma humanização da mesma,
tratando-a não mais de forma isolada, mas sim como algo social que não pode
ser estudada sem que a pessoa que faz uso da língua seja também analisada
em seu contexto de vida./ Assim, podemos observar os fatores geográficos e
sociais que registram a fala das pessoas de diferentes formas, nos auxiliando
na compreensão de como o ensino da língua portuguesa pode ser muito mais
amplo do que aquele que recebemos em sala de aula, que ainda hoje é
ministrado com a mesma metodologia como se a língua fosse algo estanque
e homogênea./ Neste sentido, percebemos que os próprios educandos
chegam à sala de aula portando um mundo de possibilidades a serem
pesquisadas e tidas como objeto de estudo, e a língua é um exemplo muito
rico para esse trabalho./ Deste modo, as aulas de língua portuguesa não
devem reduzir-se ao “mero ensinar gramática”, com análise de frases soltas,
sem que ao menos se remetam à vivência dos educandos. Tecer relações
entre a vida cotidiana dos educandos ao aprendizado em sala de aula não é
apenas uma nova concepção de ensino e sim, uma necessidade. (2013, p. 64)

Enquadre de Entrevista de P. ( Texto de whatsApp – dezembro de 2018)


Bom dia R.?

Desculpa a demora. Estamos com problemas no sinal da internet. Vou escrever porque não carrega áudio
tá. Após o término do curso, enfrentei muita dificuldade por causa dos gestores, tanto na esfera estadual
[...] por falta de portarias específicas para o campo, como também na gestão da escola que nos via como
uma espécie de ameaça porque eles não tinham o conhecimento e a visão que abrangia o campo. No
primeiro ano após a formação, consegui apenas 12 horas/aula. Após isso fiquei 3 anos sem lecionar. Voltei
ano passado com 30 horas após muita discussão. Mas ainda estou fora da minha área de formação. Tenho
aulas picadas, as sobras dos professores de área. Sobre o tema da minha monografia, uso muito e contínuo
observando e me encantando com as variedades linguísticas. Por esta ser uma região de grandes fazendas,
há uma rotatividade de famílias que vem a trabalho. E as crianças entram na escola, algumas ficam mais
tempo, outras ficam menos tempo, e a variedade linguística, a cultura que cada uma carrega é notória,
encantadora e agradável de ser ver. Trabalho muito com essas questões com meus alunos, mesmo não
sendo a minha área de atuação.

Segunda parte da entrevista (Texto de whatsApp – janeiro de 2019)

Oi R. Desculpa, muita coisa acontecendo aqui...eu trabalho as aulas que sobram dos professores de área.
No caso, cada ano são diferentes. Como aqui é interior, a comunidade onde fica a escola é pouco
desenvolvida, os profissionais não ficam por muito tempo. Daí existe a rotatividade de professores
também. 2018, eu trabalhei com as disciplinas de Inglês e Filosofia nas turmas de 1º, 2º e 3º anos do
Ensino Médio. Inglês e Artes na turma de 9º ano. Inglês, Artes e Geografia na turma do 8º ano e, Português
e Geografia na turma do 7º ano.

As famílias que “transitam” vêm dos mais diversos lugares do Brasil. Grande parte do Nordeste. Os que
fixaram residência por aqui, na maioria, vêm do Sul.

A idade dos alunos varia de 12 anos, no 7º ano até 18 ou 19 anos no Ensino Médio.

A entrevista de P. revela o que é o Brasil sociolinguisticamente construído na constância


dos letramentos múltiplos, que muita gente não conhece, e por não conhecer, pensa que a
realidade de uma localidade é muito parecida com a outra. Por isso, para Souza e Sito (2010,
p. 45) “Pensar em formação multicultural é falar de educação para além da escola, sensível aos
contextos diversificados que a circundam e às práticas sociais e culturais que se produzem
dentro e fora desse espaço [...]”

Enquadre 3.2E

As fábulas kalunga na comunidade Vão de Alma: um estudo de caso na escola Dona


Joana Pereira das Virgens, 2014 (J. – GO).

Este trabalho investiga as fábulas na Comunidade Kalunga Vão de Almas, onde podemos perceber a
importância delas a partir da realidade local. O intuito foi, à luz da sociolinguistica, analisar algumas
fábulas antigas, bem como, algumas novas, de acordo com as variações linguísticas da Comunidade
Kalunga Vão de Almas. Devido à importância que as fábulas têm para a comunidade quilombola Kalunga,
fui motivada a realizar essa pesquisa, a qual irá contribuir para maiores informações sobre a comunidade
Vão de almas, além de ajudar a mim e aos meus alunos a obtermos novos conhecimentos. Meu interesse
pela temática está baseado no texto que estudei nas aulas de linguagem na Licenciatura em Educação do
Campo LEdoC/FUP/UNB de Planaltina, quando li no texto que Língua e Gramática não são a mesma coisa,
pois, segundo Luiz Antônio Marcuschi (2011). Existe uma grande variedade de gêneros de teorias de
gêneros no momento atual, mas pode – se dizer que as teorias de gênero que privilegiam a forma ou a
estrutura estão hoje em crise, tendo em vista que o gênero é essencialmente flexível, tal como seu
comportamento crucial, a linguagem. Pois, assim como a língua varia, também os gêneros variam,
adaptam-se, removam-se e multiplicam - se. Em suma, hoje a tendência é observar os gêneros pelo seu
lado dinâmico, processual, social interativo, cognitivo, evitando a classificação a postura e a estrutura
(MARCUSCHI, 2011, p. 19). Nesse sentido, o trabalho explora a dinamicidade, a situacionalidade, a
historicidade e a plasticidade dos gêneros, mostrando que eles não são classificáveis como formas puras,
nem podem ser catalogados de maneira rígida. Devem ser vistos na relação com as práticas sociais, os
aspectos cognitivos, os interesses, as relações de poder, as tecnologias, as atividades discursivas
considerando cada cultura. Os gêneros textuais fundem-se e misturam-se para manter sua identidade
funcional com inovação organizacional. Em suma, os gêneros não são superestruturas canônicas e
deterministas, mas também não amorfos e simplesmente determinados por pressões externas. São
formações interativas, multimodalizadas e flexivas de organização social e de produção de sentidos.
Assim, um aspecto importante na análise do gênero é o fato de ele não ser estático nem puro. Quando
ensinamos a operar com um gênero, ensinamos um modo de atuação sociodiscursiva numa cultura e não
um simples modo de produção textual. Em essência, os gêneros são formas de ação tática, como dizia
Bhatia (1993), ou seja, a ação com gêneros é sempre uma seleção tática de ferramentas adequadas a
algum objetivo (MARCUSCHI, 2011, p. 20). Os gêneros textuais que circulam na Comunidade Kalunga Vão
de Almas são aqueles que as pessoas mais usam para as necessidades comunicativas cotidianas. São
inúmeros: bilhetes, revistas, livros, bula de remédio, rádio, telefone, receita médica, receita de bolo, lista
de compras, receitas culinárias, cartas, etc. Ao tomar conhecimento da existência dessa realidade, resolvi
pesquisar na Escola Dona Joana Pereira das Virgens na Comunidade KALUNGA Vão de Almas os tipos de
gênero utilizados pela professora, e constatei que as fábulas se configuram como um gênero trabalhado
em sala de aula com os alunos. Portanto, percebi que as fábulas são um gênero textual que é trabalhado
nessa escola. Segundo Marcuschi (2011), [...] Na realidade, os estudos dos gêneros textuais é uma fértil
área interdisciplinar, com atenção especial para o funcionamento da língua e para as atividades culturais
sociais. Desde não concebemos os gêneros como modelos estanques nem como estruturas rígidas, mas
como, formas culturais e cognitivas de ação social. corporificadas de modo particular na linguagem,
veremos os gêneros entidades dinâmicas. Mas, é claro que os gêneros têm uma identidade e eles são
entidades poderosas que, na produção textual, nos condicionam a escolhas que não podem ser totalmente
livres nem aleatórias, sejam sobre a ponte de vista do léxico, do grau de formalidade ou da natureza dos
temas, como bem lembra Bronckart (2001). Os gêneros como linguagem limitam nossa ação na escrita.
Isto faz com que Amy Devitt (1997) identifique os gêneros como linguagem estânder, o que, por um lado,
impõe restrições e padronizações, mas, por outro, é um convite a escolhas, estilos, criatividade e variação
(MARCUSCHI, 2011, p. 18). De acordo com a citação acima, percebe-se que os gêneros são formas de
aprender, gerando novos conhecimentos, inclusive de variações linguísticas, que buscam a criatividade da
linguagem e das identidades do ser humano. Portanto, compreende a leitura e a escrita através de discurso
oral direto e indireto com as mais variadas linguagens do nosso dia-a-dia. Esta exposição traz a temática
tratada neste trabalho, que está dividido em três capítulos, além desta introdução e das considerações
finais. O primeiro capítulo trata da metodologia, o segundo, da fundamentação teórica e o terceiro
registra a análise de dados.

J. , na introdução de sua monografia, é muito objetiva em relação ao tema que


trata seu trabalho de pesquisa de final de curso: As fábulas da Comunidade Vão de
Almas, devido à importância que as fábulas têm para essa comunidade. Porém, ela traz
um resumo teórico sobre o gênero textual na perspectiva de Marcuschi (2008/2011) que
toma grande parte da introdução do trabalho. Isso é coerente, afinal de contas, ela
apresentará um gênero muito especial para sua comunidade.

Para além dos gêneros, investigando a monografia de J., encontramos


contribuições bastante ricas de sociolinguística e de letramento, abordagem teóricas
que também ela utiliza para fundamentar sua pesquisa de cunho etnográfico.

A monografia de J. apresenta conhecimentos da área de linguagem: linguística,


literatura e artes, de cuja área, tira motivação para pesquisar; e, ainda, adiciona
conhecimentos sobre cultura kalunga, Educação do Campo, memória e história.
Especificamente, descreve a comunidade Vão de Almas e a escola dessa comunidade,
contexto de sua pesquisa, onde os pesquisadores iniciantes estão inseridos. Silva e Silva
(2016, p. 230) observam que algumas pesquisas têm utilizado as duas estratégias –
etnografia e autoetnografia, principalmente em trabalhos em que a realidade estudada
é bastante complexa [...]”.

As 30 monografias dos egressos, por nós analisadas, registram a historicidade de


suas comunidades pesquisadas: sejam elas quilombolas, campesinas ou de outra
natureza geográfica e sociocultural.

A pesquisa de J. foi realizada com 12 adultos, com idade entre 22 a 83 anos. Dos
adultos, ela transcreve da língua falada 14 fábulas, conservando a variação linguística
dessas pessoas. Não é o foco do trabalho dela, mas percebemos nessas transcrições
variedades linguísticas intergeracionais, que revela o português quilombola (RIBEIRO,
2017). Assim, como ocorre em outras monografias pesquisadas, o letramento
acadêmico proporcionou para egressos da LEdoC a oportunidade de transformar os
conhecimentos de sua comunidade em conhecimentos agora letrados, divulgados por
meio do gênero discursivo monografia.

A pesquisa na escola da comunidade kalunga Vão de Almas foi realizada com


adolescentes de 10 a 15 anos, do 5º ano, do Ensino Fundamental. Na escola, J. trabalho
o processo de leitura e produção de textos conforme os conhecimentos teóricos que ela
aprendeu nas aulas de linguagem. Ela relata em sua monografia que os estudantes
gostaram muito da pesquisa realizada na sala de aula e quiseram continuar ler e produzir
as fábulas. Ela também destaca a valiosa interação que teve, mais de perto, com as
pessoas mais velhas da comunidade.

J. é professora há muito tempo, antes de cursar a Licenciatura em Educação do


Campo, ela foi professora leiga, que se servia apenas do letramento escolar do Ensino
Médio, para exercer o papel social de docente, na maioria das vezes, ministrando
conteúdos diversos oriundos apenas do livro didático. No seu letramento acadêmico,
ela destaca que:

Com base nos estudos de textos na produção da monografia aprendi vários


critérios que promoveu mais um avanço no desenvolvimento de
aprendizagem, como citar um autor dentro do texto da monografia como
fazer um recuo e outros. Portanto, é a forma de colocar em prática as
estratégias de estudos ao longo dos anos de estudos, relembrando os
trabalhos que foram apropriados. Fazendo este trabalho, aprendi com a
comunidade que, nela mesma posso desenvolver pesquisa qualitativa e
etnográfica de campo. Na escola aprendi como trabalhar as estratégias de
trabalho pedagógico apropriando das variedades linguísticas da própria
comunidade e entorno. E, ainda, ousar falar da possibilidade de construção
de material pedagógico explorando os instrumentos que mediam diálogo,
narrativas etc. Como por exemplo: peça de teatro, revistas confecção de gibis
e até mesmo expressões semântico e lexicais. Diante do curso da Educação
do Campo na LEdoC, aprendi a importância do trabalho coletivo e como
buscar o direito da identidade camponesa das pessoas do campo, para
valorizar a própria comunidade local, buscando a cultura tradicional, social e
cultural (2014, p. 58).

J. levanta um tema complexo que está no letramento acadêmico que é a


apropriação das normas de como trabalhar o texto acadêmico, como por exemplo: fazer
paráfrases, citações explícitas; usar o discurso acadêmico; registrar fontes de pesquisa,
as referências; lidar com análises de dados, lidar com a variedade linguística acadêmica
etc., normas que não são fáceis para quem teve algum acesso desse tipo, imagine para
quem irá aprender tudo isso na universidade. Para Moura (2015, p. 59):

Pensar letramento numa perspectiva situada e social ou histórica cultura, diz


respeito à necessidade de buscar formas com as quais esse grupo de alunos
em formação na LEdoC vêm lidando com situações escritas que lhes são
impostas no contexto acadêmico, destacando que a desconstrução de
sentidos e discursos caminha para a reflexão sobre o letramento crítico do
professor em formação que são incorporados ao currículo do curso [...].

Enquadre de entrevista de J. ( Transcrição de conversa por celular – dezembro de 2018)

Oi professora...estou retornando sua ligação...não mandei mensagem...porque não tenho Zap. Tudo bem
Josina...Josina estou fazendo uma pesquisa para o meu pós-doutorado e estou analisando as monografias
que orientei...porque penso que é muito importante valorizar e divulgar o trabalho de vocês...a cultura e
a identidade das comunidades campesinas e quilombolas..por isso..estou entrando em contato com
algumas pessoas para fazer uma entrevista...Tá certo professora...Como você está? Bem...estou bem..
Como está sendo sua vida profissional depois do término da LEdoC? Se você utiliza na sua vida cotidiana
e na vida profissional o tema que você desenvolveu na sua monografia e de que forma? Sim
professora...Estou trabalhando na Escola Dona Joana Pereira das Virgens...com classe multisseriada...do
primeiro ao quinto ano do ensino fundamental...no Vão de Almas..sou professora do
município...[...]Trabalho muito as fábulas que pesquisei na minha monografia...e com muita produção de
texto na alfabetização...e com a variação linguística o tempo todo...vejo muita diferença de quando era
professora leiga e agora com a formação da LEdoC..

Em poucas palavras J. informou para R. o que está fazendo com o tema que
pesquisou no seu trabalho de conclusão de curso, na configuração de monografia. A
professora J. continua trabalhando as fábulas kalungas, no ensino fundamental,
primeira fase, da escola onde está trabalhando. Ela afirma que trabalha com muita
produção de texto na alfabetização e com a variação sempre. Ressalta a diferença entre
o antes e o depois da LEdoC.

A LEdoC forma docentes para atuar no Ensino Fundamental, segunda fase, e


Ensino Médio. Contudo, temos notícias dos egressos, que estão em contato conosco
pelos grupos do whatsApp e por aqueles, que estão cursando a Especialização na
Faculdade UnB Planaltina, Campus onde a LEdoC está localizada, que há muitos egressos
dessa licenciatura atuando no Ensino Fundamental, primeira fase. Isso se dá pela falta
de professores para essa modalidade de ensino. De certa forma, é um ganho para as
crianças ter professores com conhecimentos bem específicos de Linguagem, que
entendam de letramento, sociolinguística e produção de textos e valorizem a cultura e
a identidade de sua comunidade, cumprindo o dever de ensinar o letramento
considerado de prestígio. Assim como percebemos na monografia de J. com as fábulas
que vêm da oralidade das pessoas mais velhas da comunidade e as que são construídas
no letramento escolar pelos pré-adolescentes e adolescentes.
Enquadre 3.2F

Variação linguística da comunidade Kalunga Vão de Almas: um estudo no contexto da


Fazenda Coco, 2015. (G., GO)

Esta pesquisa visa investigar e analisar as variações linguísticas de pessoas quilombolas da Fazenda Coco,
integradas à Comunidade Kalunga Vão de Almas, ou seja, pretende-se investigar as diferentes maneiras
que as pessoas pronunciam as palavras. Essa pesquisa é importante, porque muitos falam que nós, da
comunidade, não sabemos falar de acordo com a dita “norma padrão”. Este tema teve origem durante
minhas aulas de Sociolinguística. Antes de estudar variação linguística, pensávamos que, nós da
comunidade Fazenda Coco, falávamos errado. Ao estudar, aprendi que nós da comunidade não falamos
errado, apenas falamos diferente. Nós, moradores, da comunidade Kalunga Vão de Almas, sofremos muito
com esse tipo de preconceito linguístico. Por ser uma comunidade de difícil acesso, não temos escola com
Ensino Médio. Assim, os jovens são obrigados a deixar a comunidade para concluir os estudos. Ao
chegarem às escolas urbanas, eles são identificados como caipiras ou roceiros. Tudo isso porque falam
diferente dos outros alunos. Éramos obrigados a aceitar as críticas, pois pensávamos que eles estavam
certos. Após estudar Sociolinguística na universidade, com a professora R., tive a ideia de pesquisar sobre
variação linguística para mostrar às pessoas da comunidade do Vão de Almas que não falamos errado,
que esse nosso modo diferente de pronunciar as palavras é apenas variação linguística. E há na sociedade
pessoas que apoiam e defendem esse modo diferente de falar. E, ainda, esta pesquisa é produto do projeto
da Área de Linguagens, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID-Diversidade,
que fortalece a formação docente inicial, além de formar pesquisadores iniciantes, isto é, etnógrafos.
Também, insere-se nos trabalhos de pesquisa do Grupo Sociolinguística, Letramentos Múltiplos e
Educação. Esta monografia, além da introdução e das considerações finais, está dividida em quatro
capítulos, que serão desenvolvidos no decorrer do trabalho. Vale ressaltar que ora utilizamos o discurso
deste texto na primeira pessoa do plural, ora na primeira pessoa do singular.

G. apresenta, de forma sintética, a introdução de sua monografia, identificando


logo de início qual é o objetivo de sua pesquisa: “Investigar e analisar as variações
linguísticas de pessoas quilombolas da Fazenda Coco, integrada à comunidade kalunga
Vão de Almas – GO.” Esse objetivo, é ratificado por ele pelo conectivo “isto é” com a
afirmativa “ pretende-se investigar as diferentes maneiras que as pessoas pronunciam
as palavras”. G. usa uma linguagem simples e direta, sem rebuscamento de algumas
variedades acadêmicas para tratar do tema de sua investigação. É assim o estilo de seu
discurso muito direto, mas que traz informações e reflexões preciosíssimas de sua
história, cultura, identidade e variedade linguística. Para Bell (2014), há relação entre
estilo da linguagem, identidade e significados sociais.

A motivação para realizar a pesquisa vem de preconceitos sofridos por pessoas


quilombolas que padeciam e padecem, ainda, com estigmatização de sua variedade
linguística, como explica G. em sua monografia (2015, p. 22):

Muitas vezes, presenciei cenas humilhantes para nossa classe Quilombola ou


ruralizada, pessoas elitizadas de outros lugares falavam uma palavra fora da
norma padrão, e seus colegas te criticarem dizendo que ela estava parecendo
Kalunga, que na língua dos preconceituosos é chamada “Kalungueiro”. E
continuam assim: se viu falar diferente, é negro e é chamado de roceiros
pessoas das zonas rurais. No Brasil, as pessoas têm que se adaptar sempre às
mudanças e seguir uma norma padrão, efetivada por pessoas brancas e de
poder na sociedade. Nós, negros e pobres, com uma marca dada pelos
brancos há muitos anos atrás, não adquirirmos traços suficientes para nos
enquadrarmos nessa norma e sermos vistos no Brasil como uma nação, sem
divisão por cor, raça, classe e língua.

Com os conhecimentos adquiridos na LEdoC, em várias áreas do conhecimento, e com


os específicos da área de linguagem, como a sociolinguística, G. de posse desses letramentos
pode fundamentar sua pesquisa que traz a sociolinguística como principal teoria de sua
pesquisa:

Nós, quilombolas, fomos privilegiados com a Licenciatura em Educação do


campo. Na comunidade, o êxodo rural é muito forte e os jovens, muitas vezes,
nem terminam os estudos e já são obrigados a sair da comunidade em busca
de emprego; outros saem para estudar e não voltam mais para a comunidade
onde foram nascidos e criados. Com essa formação, esses jovens,
provavelmente, voltarão para exercer o seu papel de professores do campo e
preparar seus alunos para que, futuramente, eles sejam os novos alunos da
Educação do Campo no Campo. (2015, p. 26).

G. se serve da orientação etnográfica, para na comunidade Fazenda Coco e na


escola da comunidade, realizar sua pesquisa. Nesses contextos macro e micro
respectivamente, ele conversou com pessoas adultas e na sala de aula, onde era
professor, gerou dados, em conversas espontâneas com pré-adolescentes e adolescente
com idade entre 10 e 15 anos, do ensino fundamental, do 3º ao 5º ano.

G. nos informa em sua monografia que a Fazenda Coco é uma comunidade


isolada que fica a 80 quilômetros de Cavalcante – GO, onde as pessoas vivem da
plantação de roças e ninguém tem emprego fixo. Todos trabalham para seu próprio
sustento. Há algum benefício do governo federal por meio de aposentadorias de idosos
e do bolsa família. A maioria das pessoas da comunidade é analfabeta e sem domínio da
norma dita “padrão”. A variedade linguística da comunidade quase não sofre
interferência da norma da escola. Sobre esse aspecto, recorremos a Bortoni-Ricardo
(2011, p. 100), com base em Gumperz, 1976a, observa que:
Diversos sociolinguistas investigaram a conexão entre o isolamento de redes
e manutenção de línguas, tanto em pequenas aldeias que estejam sendo
expostas a correntes de inovação quanto em grupos territorialmente
definidos em ambientes metropolitanos, que exibem um alto nível de coesão
interna em virtude da polarização de valores sociais, étnicos ou religiosos. Em
ambos os casos, as redes de tessitura miúda associam-se à preservação de
linguagem minoritária e não padrão, enquanto as redes abertas são
marcadas por preferência pela linguagem culturalmente dominante ou
suprarregional.

Em relação ao conceito de redes, recorremos a esse termo utilizado pela


sociolinguística, mas de natureza socioantropológica para explicar que as redes inter-
relacionadas visa ratificar normas linguísticas que resultam da resistência de forças de
inovação. Assim, a distinção intergrupal é destacada e as pessoas de rede de tessitura
miúda são recebem influências externas, principalmente de variedades consideradas de
prestígio (BORTONI-RICARDO, 2011). Interpretamos que essa exposição teórica justifica
o porquê da variedade linguística da Fazenda Coco não é influenciada pela norma
linguística escolar, isto é, o letramento escolar.

Outras monografias, assim como a G., analisadas por nós, trazem temáticas que
convergem a discussão sobre variedades estigmatizadas, que de certa forma, é um
problema que influencia negativamente na vida das pessoas que comunidades mais
isoladas, com as quilombolas e indígenas, principalmente ao acesso ao letramento
escolar e acadêmico.

Enquadre de entrevista de G. (Texto de whatsApp - dezembro de 2018)

Boa tarde..Agradeço muito meus professores da Educação do Campo, em especial vc. Nunca imaginava
que existia um campo que estudava algo que para a sociedade é condenado como algo impróprio para
nos comunicarmos. Baseado nos fundamentos da sociolinguística, levo para minha vida profissional
conceitos de autores que defendem o modo diferente de falar. Como diz Bagno, nada na língua é por
acaso. Enquanto professor de língua portuguesa, procuro ensinar para meus alunos que nosso modo
diferente de falar não é errado, apenas faz parte de um conjunto de variações linguísticas existentes no
país. E que não podemos exclui-la por causa do preconceito sofrido, mas sim, ter o conhecimento de
quando e como usá-la. Na vida social, faço questão de abordar o mesmo tema que trato com frequência
na sala de aula.

A entrevista de G., muito objetiva, como é seu estilo discursivo, responde-nos


sem muitos ensaios o que ele faz como professor de língua portuguesa em sua sala de
aula de acordo com seus conhecimentos adquiridos no letramento acadêmico. Produzir
uma monografia tem um aspecto muito positivo: estar no mundo por meio da escrita,
que registram diferentes formas de leitura. Para Ingle e Yakovchuk (2016), escrever
pode ter um significado de conhecer, pois a escrita ajuda no reconhecimento do eu do
estudante, o que tem de ser feito. Os letramentos acadêmicos se muito bem
aproveitados têm o poder de transformativo de aprendizado.

Enquadre 3.2G

Gênero discursivo Folia de Reis, revelando cultura e identidades na comunidade de Vão


de Almas, 2015 (E, GO)

Na comunidade Kalunga Vão de Almas há várias riquezas que fortalecem a comunidade, tornando o
ambiente cultural cada vez melhor, tendo suas vantagens e desvantagens. Há muito tempo, na
comunidade não houve pessoas letradas com conhecimentos científicos e hoje há pessoas letradas. Há
cerca de quatro rios grandes que fornecem suas riquezas naturais para as pessoas que ali vivem e para os
animais que também necessitam de água. Vão de Almas é uma comunidade que há vários eventos
culturais, entre eles podemos destacar as festas tradicionais. Esses eventos estão ajudando cada vez mais
a divulgar a comunidade, suas belezas e, também, os modos que as pessoas vivem, pessoas que mesmo
sem estudar têm suas sabedorias que foram aprendidas durante sua longa jornada de vida. A comunidade
kalunga do Vão de Almas está localizada a 80 km da cidade de Cavalcante – GO e possui cerca de 350
famílias, todas vivem da agricultura familiar. É uma comunidade de difícil acesso, porque a estrada foi
construída atravessando uma grande serra que, muitas vezes, impede alguns veículos de subi-la, tornando
um trajeto difícil. Na época de chuva, por causa das erosões causadas pelas águas, fica ainda mais
complicado o aceso à comunidade. O acesso só é possível em carro com tração nas quatro rodas ou de
motocicleta. Há muitos rios que cortam a comunidade fornecendo suas riquezas, o cerrado é nativo e
possui vários tipos de vegetação. As casas são construídas com materiais da comunidade. Além de toda
essa descrição geográfica da localidade, a comunidade tem muita riqueza cultural, da qual, podemos
contemplar as Folias, que cada vez mais vêm trazendo alegrias para os moradores e todos que ali vivem.
É uma comunidade que não tem energia elétrica e nem água encanada, essas pessoas vivem da
agricultura para o próprio sustento. O presente trabalho tem o intuito de analisar os gêneros discursivos
Folias na Comunidade Kalunga Vão de Almas, em especial a Folia de Reis, no ano de 2015, analisar as
organizações das folias no território. O que me motivou a fazer esta pesquisa foram as aulas de linguagens,
formação por área de conhecimento, do Curso Licenciatura em Educação do 11 Campo (LEdoC), que
tivemos durante o Tempo Universidade (TU). A partir dessas aulas, optei por fazer meu trabalho sobre
gêneros discursivos. Vi muita importância em desenvolver um tema sobre a realidade de minha
comunidade, principalmente por ser um gênero discursivo que se manifesta na oralidade e que exige muito
talento. Normalmente, pessoas não alfabetizadas fazem essas reflexões relevantes. Este cenário,
portanto, motivou-me a realizar esta pesquisa, que está organizada da seguinte forma: Introdução, quatro
capítulos e considerações finais. O primeiro capítulo tratará da metodologia de pesquisa, pesquisa
qualitativa, contexto de pesquisa, objetivo geral, específicos, perguntas da pesquisa, pessoas pesquisadas
e perfil dos pesquisados. O segundo capítulo tratará da Educação do Campo e suas Conquistas, Educação
do Campo, formação de educadores do campo, Licenciatura em Educação do Campo, formação por área
de conhecimentos, breve relato sobre a experiência na Licenciatura em Educação do Campo. O terceiro
aborda os gêneros discursivos, cultura, memória, identidade coletiva e Folia de Reis. O quarto e último
tratará da análise de dados. Posteriormente, registramos as considerações finais e referências. Esta
pesquisa é produto do projeto da área de linguagens do Programa Institucional de Bolsa a Iniciação à
Docência (PIBID).
E. destaca na introdução de sua monografia, característica da geografia, da flora
e fala sobre os rios, as pessoas da comunidade kalunga Vão de Almas. A mesma
comunidade onde está localizada a Fazenda Coco, onde G. mora. Pela descrição de E. ,
Vão de Almas tem o meio ambiente preservado, onde os seus moradores vivem da
agricultura familiar. Em meio as essas informações, E. pontua que antes não existiam
pessoas letradas na comunidade, mas existem pessoas com muita sabedoria. Agora, há
pessoas letradas na comunidade. Podemos inferir que G. e E., assim como outros
estudantes da LEdoC, que são de Vão de Almas, são as pessoas letradas. Depois da
descrição de Vão de Almas na leitura de E. , identificamos qual é o objetivo de sua
pesquisa: analisar os gêneros discursivos Folias na Comunidade Kalunga Vão de Almas,
em especial a Folia de Reis, no ano de 2015, analisar as organizações das folias no
território.

O motivo da realização desse trabalho, E. explica que foram as aulas da área de


Linguagem, em que ele é habilitado. E, também, porque o pesquisador neófito viu muita
importância em desenvolver um tema sobre a realidade de sua comunidade,
principalmente daqueles gêneros discursivos que se manifestam na oralidade e que
exigem muito talento. Normalmente, pessoas não alfabetizadas fazem essas reflexões
relevantes. Esse cenário, instigou-o a realizar a pesquisa. E. no seu papel de etnógrafo
tem como colaboradores 08 pessoas da comunidade, de idade entre 08 e 75 anos, com
as quais realizou entrevistas, colhendo informações preciosas sobre as Folias. Para
fundamentar sua pesquisa, ele recorre a conhecimentos sobre gêneros discursivos,
cultura, folia de Reis, memoria e identidade coletiva. Já a metodologia ficou a critério
de sua exposição:

A metodologia desta pesquisa parte do momento em que resolvi provar que


a Folia de Reis é um gênero discursivo que se manifesta na oralidade. A
pesquisa tem o cunho etnográfico, na sua concepção qualitativa. Visto que a
etnografia nos possibilita registrar fatos que ocorrem em uma determinada
comunidade, no nosso caso, vamos observar, registrar e analisar a Folia de
Reis, um festejo também importante da tradição cultural Kalunga da
Comunidade Vão de Almas, lugar de nossa pesquisa. Os jovens serão o alvo
de nosso estudo. Os recursos a serem utilizados são entrevistas gravadas com
gravador de voz. (J. 2014, p. 12).
É interessante notar como a formação acadêmica para os jovens quilombolas, apesar de
muitos conflitos, traz um empoderamento, pois com todas as dificuldades de toda ordem, que
eles enfrentam quando chega à Universidade, socioeconômica, racial, sociolinguística, isso não
invalida o aproveitamento que eles tiram de grande parte dos letramentos, que a universidade
oferece. Muitos sabem a aproveitar os seus saberes adquiridos no campo a seu favor,
produzindo trabalhos originais e ricos de saberes de sua realidade social. Assim, E. acrescenta
que

Esta monografia é resultado dos meus estudos, como aluno da Licenciatura


em Educação do Campo. O curso permite que a pessoa se coloque como
pesquisador da realidade da sua comunidade, trazendo para o meio científico
as questões presentes nas suas comunidades. Avalio que este curso foi o que
aconteceu de mais importante nos últimos anos, pois é um curso que faz
pessoa ver diferente, analisar as coisas com outro olhar, ter uma visão mais
ampla da sociedade. Através desse curso me tornei um sujeito crítico e passei
olhar a sociedade com outra visão. É um curso que permite refletir a realidade
[...] (p. 19).

Essa visão faz com que pessoas quilombolas, em formação docente, se valendo
de estratégias que foram apreendidas na LEdoC, valorizem sua cultura e sua identidade,
sua variedade linguística que talvez com outro olhar isso não acontecesse, até por que
poderiam estar tomados pela naturalização de discursos e ações dominantes.

Os letramentos decorrentes de estratégias para lidar com grupos poderosos,


na sociedade letrada, têm uma firme base na cultura oral, nas tradições
musicais, no uso do espaço e do corpo, por meio dos quais são produzidos
textos multimodais em que a linguagem verbal escrita ocupa um papel
secundário. Por isso, as escolhas metodológicas que assumimos, além de
dialogar com os estudos descoloniais, utilizam um olhar antropológico para
desvelar os letramentos dos sujeitos e compreender como eles tornam sua
escrita[...] (KLEIMAN E SITO, 2016, p. 169).

Nas muitas entrevistas que E. realizou com os colabores de pesquisa,


verificamos a riqueza que as pessoas quilombolas mais velhas guardam em sua memória
sobre as Folias, principalmente a folia de Reis, com seus enquadres interativos, com os
cantos, as rezas, os movimentos corporais e toda ritualização própria do gênero
discursivo, defendido por E.
É relevante ressaltar que as entrevistas das pessoas mais velhas, de certa forma,
são autoetonografia que revelam a identidade e a memória coletiva das pessoas que
passaram pela mesma experiência, ou seja, a organização e participação na Folia de Reis.

Na minha comunidade, a cultura vem passando de geração em geração, em


que são expressos saberes, costumes, crenças e assim por diante. Um grande
exemplo que temos é a folia de Reis, que é uma manifestação cultural. Do
dia 1º até o dia 06, no mês de janeiro, as pessoas da comunidade e estranhos
reúnem-se em um determinado lugar de costume para tornar cultivar aquilo
que é de costume. Nessa atividade ocorrem manifestações, experiências e
trocas de saberes. (p.23-24)

Por outro lado, com o desenvolvimento da pesquisa E. chega à conclusão de que


os jovens da comunidade Vão de Almas não estão preservando a cultura da Folia de Reis,
ou seja, não estão apreendendo, valorizando um movimento representacional histórico
defendido pelas pessoas mais velhas da comunidade kalunga Vão de Almas.

Os mais velhos veem a Folia como parte importante para a comunidade e para
as pessoas que moram ali, já os mais jovens veem a folia como parte dos mais
velhos e não se sentem parte desse processo. Alguns jovens falam como se
não fosse da comunidade, tentando se distanciar da realidade. O trabalho
apresenta dados concretos que a folia é um gênero discursivo que se
manifesta na oralidade, tendo grande relevância na sociedade, construindo
memórias e identidade nos territórios (p. 44)

Na defesa de E. que a folia de Reis é um gênero discursivo, talvez seja necessário


mais interação entre jovens e idosos para que essa manifestação cultural avance para
as práticas orais e letradas dos jovens da comunidade Vão de Almas. Sobre isso, cabe a
afirmação de Bazerman (2007, p. 72):

As palavras, registros, frases, gêneros, formas e outros tipos sociolinguísticos


fornecem a base para a interação simbólica e se transformam em
fundamentos para orientação subjetiva enquanto são desenvolvidos no
decorrer da interação. Cada pessoa deve aprender a lidar com essas
tipificações, à medida que é socializada em diferentes grupos de pessoas; ou
seja, socialização não é doutrinação, e sim aquisição de orientações,
recursos, práticas que permitem a interação dentro do grupo.
Enquadre de Entrevista de E. (Transcrição do áudio de whatsApp – dezembro de 2018)

Boa tarde professora...É um prazer participar da sua entrevista..e indo direto ao assunto..a minha vida
profissional.. depois que saí da Educação do Campo...digamos que continuou porque tive a sorte..né.. de
apenas três meses que eu tinha concluído..colado grau..fui chamado para trabalhar na escola Kalunga da
minha comunidade..que fica bem pertinho de casa..né..E...o melhor que foi a escola que eu trabalhei..que
eu::..comecei a estudar e::a escola que eu estagiei nela..então..já..já..tinha um certo..uma certa relação
com os alunos dessa escola..né.. que são alunos da própria comunidade..né..trabalho do sexto/.../ao
terceiro ano do ensino médio..com as disciplinas..até agora no final do ano... de 2018..estava
com..É::artes..no sexto...Educação Física..no sexto...Geografia..no sétimo.../.../Artes no sétimo...História
no oitavo..Educação Física no oitavo...É::Português no nono...Artes...primeira série..Português e
Geografia...segunda série..Português e história...terceira série..Português e Inglês..Essas eram as
disciplinas que estava trabalhando em 2018...Provavelmente..para o ano de 2019..devou..assim..se
houver mudanças...são bem pequinininhas../.../.Sobre os tópicos da minha
monografia..letramento.../.../algumas coisas eu ( ) coloquei isso em prática..por causa que a demanda é
bem maior...por causa que exige um pouco mais de tempo..de planejamento..de como abordar esses
temas...de como tá levando esses temas pra escola..e às vezes..eu devo confessar que fico mais preso a
matriz..não totalmente a matriz..mas vou pra fatos da comunidade...mas tenho me restringido mais a
matriz..e quando toco no assunto..É de maneira mais superficial/.../de certa forma trabalho
sim..praticamente não só em português..como em outras disciplinas..todos os dias...fazendo...a leitura de
textos de diferentes::tipologias... digamos..e trabalho sim...a questão da escrita...praticamente quase
todos os dias.../.../produção textual..reescrita de texto...né/.../Também a questão da cultura...da
identidade...trabalho com eles..não algo muito profundo...um pouco superficial.../.../Ah sim...sobre a
questão da norma padrão...trabalho com eles também..até porque o livro da Especialização...Porque a
escola não ensina gramática assim...me ajudou bastante...porque...estou trabalhando o elo com os
estudantes /.../ porque no livro fala que o papel do professor..ou seja..do professor é fazer com que o
aluno se sinta à vontade a fazer o uso da modalidade ...de acordo..com... o momento inserido.../.../não
trabalho::ou seja...eu trabalho com eles a questão da norma padrão e depois...trabalhamos a questão da
oralidade...e explico para eles/.../em alguns momentos quando se tratar da escrita...principalmente
quando for escrever..que ele não vai escrever só pra eles...mas para outras pessoas...a fazer o uso da
norma padrão...né..que há um padrão a seguir por todos os falantes do português brasileiro...e quando
eles tiverem em uma conversa espontânea...com amigos familiares..né..que eles possam estar fazendo o
uso de uma linguagem mais coloquial.

A transcrição de entrevista de E. esclarece suficientemente o que ele está


fazendo em relação à sua vida profissional como professor na sua comunidade. O que
chama nossa atenção é quantidade de componentes curriculares, que ele ministrou no
Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Alguns já são de sua habilitação: Língua
Portuguesa e Artes. Geografia e História não foram um componente específico da
Licenciatura, mas de certo modo, houve esse letramento em componentes do curso.
Agora, outros, como Educação Física e Inglês dependem do estudo autodidata do
professor E. Para Almeida (2001, p. 119):
[...] as leituras do professor são relevantes para a constituição de sua
identidade profissional, elementos constitutivos da profissão docente, pois
estão vinculadas à representação das práticas pedagógicas por eles
construídas e podem produzir efeitos significativos em seu desempenho
profissional, que se reflete diretamente em sua práxis.

Enquadre 3.2 H

Pesquisa-ação e os gêneros textuais para desenvolvimento da leitura e escrita. 2016 (Rl.


- GO)

A temática da presente monografia aborda as contribuições dos gêneros textuais através da Pesquisa-
ação, para leitura e escrita dos alunos do Ensino Fundamental Séries Finais. A escolha do tema é pertinente
ao problema encontrado durante as observações realizadas nas disciplinas de estágio ofertadas no curso
de Licenciatura em Educação no Campo. A pesquisa-ação desenvolvida na escola é um tipo de pesquisa
utilizada e elaborada como meio de contribuir com algumas mudanças para melhoria dos problemas
verificados durante a pesquisa-ação. Na pesquisa-ação o pesquisador intervém de modo quase militante
no processo, em função de uma mudança cujos fins ele define como a estratégia. Mas a mudança visada
não é imposta de fora pelos pesquisadores. Resulta de uma atividade de pesquisa na qual os atores se
debruçam sobre eles mesmos. A ação parece prioritária nesse tipo de pesquisa, mas as consequências da
ação permitem aos pesquisadores explorá-las com fins de pesquisa mais acadêmica. Com este intuito o
trabalho foi desenvolvido através da pesquisa-ação. O Colégio Estadual E. J. C. é considerado uma Escola
do Campo, por atender em sua maioria alunos vindos de comunidades rurais, foi o local escolhido para o
desenvolvimento da pesquisa- ação. A instituição apresenta problemas como baixa escolaridade da
comunidade rural e evasão escolar. Foi diagnosticado que os alunos, das séries finais, do Ensino
Fundamental apresentavam grande dificuldade ortográfica e linguística. A partir daí levantou-se a
seguinte problemática, a saber: o estudo dos gêneros textuais pode ser uma estratégia de ensino capaz
de auxiliar os alunos a superar suas dificuldades na leitura e escrita? O foco do problema está na questão
da mudança. A pesquisa-ação propõe sempre uma mudança. A mudança segundo Barbier é concebida
como uma socioterapia, uma análise da organização, com finalidades dificilmente previsíveis e não se
traduzindo forçosamente num progresso ou numa melhora do bem estar [...]. Durante a análise constatou-
se que o currículo já preconiza que os gêneros textuais devem, durante o seu estudo, levar o aluno a ler,
comparar e associar os gêneros observando forma, conteúdo, estilo e função social. (SEDUC, 2013, p. 32).
Diante disso, o educador fica restrito ao currículo referência, desempenhando assim uma prática
pedagógica tradicionalista, em que os estudantes do campo, não são contemplados de acordo com suas
necessidades e especificidades, conforme esclarece Sousa (2006) "além dos gêneros mais padronizados da
escrita, convivemos com gêneros da conversação, que são muito mais dinâmicos e que representam
inúmeras situações de interação social" O professor de Língua Portuguesa tem um papel fundamental na
escola, o desenvolvimento do letramento possibilita o acesso a outros conhecimentos. A partir da
conscientização por uma educação diferenciada, oferecida pela Licenciatura em Educação do Campo,
percebe-se uma grande necessidade de mecanismos que beneficiem e facilitem o aprendizado da Língua
Portuguesa nas Escolas do Campo. Como os gêneros textuais apresentam uma grande variedade de textos
a serem trabalhados, podem ser utilizados como uma importante ferramenta de aprendizagem. Existe
uma grande variedade de Gêneros Textuais que podem ser utilizados como incentivo à leitura e à escrita,
como: anúncios, convites, avisos, bulas, cartas, cartazes, contos de fadas, crônicas, entrevistas, letras de
músicas, leis, mensagens, notícias, entre outros [...]. A Pesquisa-ação dentro da escola permitiu identificar
o desenvolvimento dos alunos na leitura e escrita, a partir da aplicação de estratégias envolvendo os
variados gêneros textuais existentes. Esta pesquisa foi realizada com alunos participantes do Projeto de
intervenção Letramentos Múltiplos, oportunizado pelo PIBID Diversidade - Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência - institucionalizado na Faculdade UnB Planaltina. O projeto de intervenção foi
realizado a partir do PIBID Diversidade, sobre a coordenação da professora R.. [...] O Projeto de
intervenção Letramentos Múltiplos aplicado, propôs estimular o hábito da leitura e a melhoria na escrita,
a partir da aplicação de estratégias envolvendo variados gêneros textuais. [...].Buscou-se ampliar o
desenvolvimento linguístico e ortográfico dos estudantes proporcionando pelo contato com os gêneros
textuais não apenas a compreensão das ideias contidas nos textos, mas também procurando despertar o
gosto pela leitura, o que traria sem dúvida melhorias na escrita. A escola incentiva a leitura, mas os
estudantes não têm acesso a revistas e jornais, que não são comercializados na cidade, além de não terem
uma biblioteca atualizada. Todos estes fatores influenciam na desenvoltura dos estudantes em relação ao
gosto pela leitura e escrita. Foram realizadas avaliações periódicas para confirmar se os objetivos do
projeto estavam sendo minimamente alcançados [...]. O trabalho em questão tem a seguinte organização:
introdução contextualizando a proposta da monografia; capítulo 1, chamado de horizonte teórico que traz
os principais autores utilizados como subsídio para proporcionar o diálogo realizado na análise e discussão
dos resultados. Em seguida, no capítulo 2, apresenta-se a metodologia empregada bem como todo o
delineamento do estudo e as ações realizadas para alcançar os objetivos propostos; e, o capítulo 3
apresenta os resultados alcançados e as discussões realizadas com base nos autores elencados no capítulo
1. Finalizando a pesquisa, temos as considerações finais que trazem as reflexões feitas pela autora durante
todo o desenvolvimento da monografia, bem como as referências.

Diferente de outras monografias já analisadas, Rl investe na pesquisa-ação


associada aos gêneros textuais como tema de seu trabalho de conclusão de curso da
LEdoC. A motivação para a realização dessa pesquisa surgiu das observações feitas no
componentes curriculares de estágio supervisionado da LEdoC e na atuação de Rl no
projeto de intervenção Múltiplos Letramentos, desenvolvido no Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência – Pibid Diversidade, como bolsista por 2 anos.

Nesse período, ela desenvolveu atividades de observação de sala de aula e


atividades com os estudantes de Ensino Fundamental, segunda fase, em uma escola do
Município de Cavalcante – GO, localidade que dá acesso a várias comunidades
quilombolas do norte de Goiás. Essa escola, segundo ela, é considerada rural, pois
recebe muitos estudantes de comunidades campesinas e quilombolas dessa região.

No tempo de inserção orientada naquela escola, Rl percebeu que os estudantes


vindos do campo apresentavam muita dificuldade com a ortografia, com a variedade
linguística e com o letramento escolar. Diante dessa observação, Rl, com a anuência de
professores da escola, ela propôs um projeto de intervenção para trabalhar com essas
dificuldades dos estudantes, com metodologia da pesquisa-ação cuja o objetivo foi:
“ampliar o desenvolvimento linguístico e ortográfico dos estudantes proporcionado
pelo trabalho dos gêneros textuais”.

RI aproveitou a oportunidade de sua atuação como estagiária e bolsista do Pibid


Diversidade para refinar sua formação profissional, utilizando-se disso, principalmente,
para seu trabalho de final de curso. Ela fez um trabalho bem direcionado à sua área de
habilitação Linguagens, mas que tem repercussão ampla, visto que trabalhar a leitura e
a escrita atinge todas as áreas do conhecimento e é fulcral para o desenvolvimento dos
estudantes.

Assim, quando o aluno se utiliza da leitura como prática sociocultural, de suas


diferentes linguagens, ele deixa de ser um mero reprodutor de conhecimento
e passa, sim, a ser sujeito da ação e a intervir no mundo; sendo, por isso, a
leitura um processo de emancipação do indivíduo (Rl, 2016, p. 48).

Como RI é moradora de Cavalcante e conhecedora das realidades sociais da


cidade e da escola da localidade, aproveitou a oportunidade de integrar o trabalho do
estágio supervisionado, atuação no Pibid Diversidade e sua leitura etnográfica, o que
deram a ela mais experiência docente, para daí desenvolver seu trabalho de conclusão
de curso nos moldes da pesquisa-ação:

Com base na Pesquisa-ação realizada nas séries finais do Ensino


Fundamental, do Colégio E. E. J. C., na cidade de Cavalcante – GO, por ser uma
escola que atende a maioria alunos vindos de Escolas do Campo, os resultados
da pesquisa foram bastante satisfatórios e contribuiu para grandes melhorias
na forma de educar nossos estudantes. Considerando que a maioria dos
alunos vêm de localidades distantes e com hábitos e aspectos sociais
diferentes, buscou-se observar além da análise linguística, se a origem dos
alunos influenciaria na produção textual, na leitura e desenvoltura nas
atividades propostas [...] (p. 49).

Aspecto que deve ser discutido da pesquisa de RI, o qual ela ressalta no seu texto
monográfico, é a dificuldade ortográfica e linguísticas (de variedade linguística) dos estudantes
oriundos do campo. Fato que foi pontuado em outras monografias que compõe os dados da
pesquisa deste artigo. Outros dados que comprovam isso, vêm dos bolsistas do Pibid
Diversidade da LEdoC, que atuaram nas escolas do Campo do período entre 2012 e 2018. E,
ainda, sobre essa mesma temática, temos as pesquisas do grupo Sociolinguística, Letramentos
Múltiplos e Educação (SOLEDUC).
Normalmente os erros presentes na escrita dos alunos são ligados a ortografia
e a acentuação gráfica, erros que são motivados pela oralidade de cada um.
As formas linguísticas da oralidade são confundidas com as variedades não
padrão da língua das quais os alunos utilizam e são vistas como erros de
português pelos professores [...] ( p.50).

Em relação a esse problema da variedade linguística dos estudantes do campo,


que muitas vezes causa conflito para eles no letramento escolar e na compreensão do
professor em relação ao que é variação linguística e erro, que defendemos mais uma
vez que o trabalho com os letramentos escolar e acadêmico, com os gêneros discursivos,
tenham, para estudantes que não dominam a norma de prestígio, o auxílio da
sociolinguística, mas não aspectos que só tratem de sotaques regionais, mas explorem
os níveis de variação linguística: fonético/fonológico, morfossintático, semântico,
lexical; os estilos da oralidade e da escrita por meio dos gêneros discursivos, a
competência comunicativa entre outros aspectos. Para Bortoni-Ricardo (2004, p. 37):

Até hoje, os professores não sabem muito bem como agir diante dos
chamados “erros de português”. Estamos colocando as expressão “erros de
português” entre aspas porque a consideramos inadequada e
preconceituosa. Erros de português são simplesmente diferenças entre
variedade da língua. Com frequência , essas diferenças se apresentam entre
a variedade usada no domínio do lar, onde predomina uma cultura de
oralidade, em relações permeadas pelo afeto e informalidade, [...] e cultura
de letramento, com a que é cultivada na escola.

Essa questão do erro e da variedade de oralidade de estudantes é um muito complexa,


precisa ter um olhar mais cuidadoso da escola e dos gestores da educação, pois não só
precisamos apontar o problema, mas saber como resolvê-lo já na formação inicial docente. Tal
problema se arrasta da escola básica à universidade. Teorias que orientam para a solução do
problema existem muitas, porém é necessário refletir sobre elas, selecionando-as e colocando-
as em prática.

Segundo a professora de Português do 6° ano, ensinar os gêneros textuais


com todo esse planejamento, realmente trabalhando por etapas o aluno
aprende muito mais a função de cada gênero, mais cabe ao professor que
também aprenda cada vez mais, pois mesmo conhecendo a teoria, às vezes
não colocamos em prática as novas possibilidades de ensino. (p. 52).
A socialização com os diferentes letramentos, utilizando para isso a diversidade de
gêneros das práticas sociais, é um conjunto de coisas que nos desafia sobremaneira,
considerando a diversidade cultural, identitária e sociolinguística brasileira. Por isso, pensamos
ser importante o professor em formação inicial ter experiência da práxis para fortalecer sua
formação profissional, como mostra a reflexão de RI.:

Por meio dos princípios da pesquisa- ação, realizei o estudo buscando formas
para que pudesse intervir na problemática da escola, através de observações
e do estágio em sala de aula, tive a possibilidade de estar inserida dentro da
escola e poder analisar todo o contexto escolar, pude verificar que a
problemática mais evidente está na leitura e escrita dos alunos das séries finas
do Ensino Fundamental, o que seria inaceitável nas séries finais, pois a leitura
e a escrita são portas de acesso para que esses alunos sejam incluídos dentro
da sociedade. (p. 56).

Enquadre de entrevista de Rl – (Transcrição de áudio do whatsApp - dezembro de 2018)


Bom dia professora R...então.. em relação ao meu trabalho..eu acho que tem muito a ver com os gêneros
textuais..e...com o que em trabalhei na monografia..que foram os gêneros textuais..né... para a melhoria
da leitura e da escrita...como eu trabalho em uma ONG...a gente trabalha com crianças carentes.. e essas
crianças têm padrinhos..que apoiam e enviam ajuda para essas crianças...e a gente tem um contato com
esses padrinhos através de cartas..então toda criança atendida pela ONG...é como se fosse uma
escolinha...são várias crianças atendidas...mais de vinte crianças por sala...e essas crianças têm que trocar
cartas com esses padrinhos...então a gente trabalha muito o gênero textual...o gênero do cotidiano que é
a carta...trabalhamos com e-mails...blogs...mas o principal que eu estou trabalhando no momento são as
cartinhas.. que nós escrevemos para mandar os relatos de como essas crianças estão...e os padrinhos dão
o retorno que como eles estão...como é a vida deles..e através dessas cartinhas das crianças pros
padrinhos e dos padrinhos para as crianças...nós trabalhamos o gênero textual carta que é meu
foco..então eu ensino as crianças como escrever uma cartinha pro seu padrinho...como falar da sua vida
cotidiana...um relato pessoal de sua vida...e essas crianças enviam para seu padrinho...então todo
mês...elas estão enviando uma cartinha...por dia...eu faço mais de trinta...quarenta cartinhas..como essas
crianças...crianças de 6 a 12 anos[...]. Trabalhamos muito com a leitura também...temos a inclusão social
da tecnologia...os alunos estão conhecendo como se trabalha com e-mail...Essa também é minha parte de
como ensinar a utilizar o e-mail...qual a diferença entre o e-mail e a carta..trabalhamos com o blog...Tem
muitos relatos pessoais dessas crianças...em que elas relatam como é a vida...o cotidiano...às vezes...tem
histórias muito difíceis...muito triste...E essas crianças relatam isso por meio de cartinhas que elas mesmas
escrevem...isso é muito importante para o desenvolvimento da escrita delas...da leitura...nós trabalhamos
muito como isso...ajudando os alunos a melhorar na escrita...desenvolve muito a pontuação...a
ortografia...nós trabalhamos muito com elas a gramática por meio dessas cartinhas...[...].Trabalhamos
também com histórias em quadrinho...que os alunos criam suas próprias histórias em
quadrinhos...Também mandamos esses livretos para os padrinhos no final de ano como
lembrancinha...uma memória dessas crianças..Elas escrevem contos...histórias infantis que elas mesmos
criam...elas escrevem lendas da cidade para mandar um pouquinho de como é a realidade delas dentro
da cidade de Cavalcante porque os padrinhos dessas crianças são pessoas que moram em outros
estados..às vezes...até em outros países ...Então elas escrevem falando um pouquinho a realidade deles
aqui até mesmo com um pouco de fantasia..[...]. Estou sempre trabalhando os gêneros textuais...de várias
formas[...]. Foi muito importante no meu desenvolvimento agora na ONG ter feito a monografia...ter
trabalhado com os gêneros textuais para eu incrementar ...saber mais quais os tipos de gênero que
combinam com o momento...com a atividade que eu estou fazendo [...]. Foi muito importante...muito
gratificante ter feito a monografia nesse tema...por isso está me ajudando muito no meu cotidiano..no
meu trabalho e na minha vida profissional...É isso.

RI, em sua experiência profissional, continua trabalhando com práticas de letramento


por meio dos gêneros discursivos: carta pessoal, histórias em quadrinho, memórias, e-mail, blog
em uma ONG que atendem crianças carentes de Cavalcante. Além de ser um agente de
letramento, ela faz o papel de escriba para as crianças. E participa de uma realidade social que
não deveria ser para as crianças, mas os letramentos estão em todas a situações sociais, muitos
deles direcionados ou não à realidade em que vivemos.

Enquadre 3.2I

Oralidade e letramento em uma perspectiva de inclusão social do povo kalunga, 2017. (


H. – GO)

A oralidade é um aspecto fundamental da tradição cultural do povo Kalunga. Durante muitos séculos os
registros da trajetória histórica do povo Kalunga foram feitos por meio da oralidade, da memória
individual e coletiva que narravam suas práticas culturais, origem e identidade enquanto descendentes de
pessoas escravizadas. Cotidianamente nos deparamos com diversas práticas sociais que envolvem o uso
da língua com objetivos e contextos distintos que por meio da oralidade, leitura e escrita atribuem sentido
e significado diante dos saberes maternos e das informações que circulam em nosso meio social. A leitura
e a escrita fazem parte das estratégias de autonomia e de igualdade social para o povo Kalunga, tendo o
ensino escolar um forte aliado nas lutas por melhores condições de vida, mas que ao mesmo tempo vem
desestruturando as práticas de oralidade ao desconsiderá-las como fruto da cultura e tradições de nosso
povo – constituam-se em parte do letramento adquiridos pelos sujeitos Kalunga em diferentes e diversos
contextos, em detrimento dos saberes locais que estão sendo perdidos. Atualmente, percebemos que a
conscientização e o interesse por parte dos jovens quanto à importância da preservação da cultura
quilombola tem sido um desafio a ser cumprido, tendo em vista o crescente desinteresse pelas tradições e
identidade cultural da comunidade Kalunga, desse modo se faz necessário conscientizar os jovens e
moradores das comunidades quilombolas Kalunga, para que eles tenham interesse, na preservação da sua
cultura, não somente na escola como também na comunidade e na sociedade em geral sendo uma
autoafirmação de sua cultura e de sua identidade. De acordo com as diretrizes para a Educação Escolar
Quilombola (EEQ) os sistemas de ensino em terras quilombolas deveriam adotar uma postura didática em
conformidade com a valorização da cultura local, tendo como objetivo maior o fortalecimento dessa
cultura presente na vida dos alunos. Com isso, os professores deveriam utilizar em suas práticas
pedagógicas atividades múltiplas que englobem temáticas voltadas ao contexto histórico sociocultural da
comunidade. Tais como seus saberes autóctones, festividades, crenças, costumes e valores identitários
que são transmitidos via processos de oralidade. A abordagem dos letramentos, em consonância com a
tradição oral estabelecidos no âmbito sociocomunicativo do povo Kalunga, possibilita percebermos que
nenhuma ação comunicativa se dá em um processo individual, sem que haja uma dinamicidade de saberes
e sujeitos envolvidos, seja ele letrado ou não, todos fazem parte de um só processo de interação social.
Sendo assim, o sentido de letramentos na comunidade Kalunga se faz muito mais amplo e profundo, vai
além do que a escrita convencional pode descrever. A relação entre letramento, oralidade e saberes
tradicionais Kalunga e saberes acadêmicos se justifica pelo fato de tanto um quanto o outro, constitui-se
em um processo de letramento dinâmico, através de dinâmicas de socialização, em que os mesmos
abrangem, sob as mais diversas formas, todos os sujeitos e visam transmitir- lhes conhecimento, através
da vivencia, relações e experiências individuais, coletivas e sociais, de modo a possibilitar-lhes a interação
entre si e ao meio em que vive, e entre si e a sociedade em geral. A oralidade em seu núcleo constitutivo
configura-se como uma produção coletiva que a torna raiz central e patrimônio de todos, bem como uma
relação entre ação e reflexão de modo que suas práticas sociais de letramentos, simultaneamente são
seus saberes representados e autointerpretado no seu fazer. Assim, a socialização do conhecimento
enquanto tal (dos seus códigos, normas, regras, representações e signos) opera sobre os sujeitos
individualmente e socialmente na construção da identidade acerca de si próprio e de outros sujeitos. A
problemática desta pesquisa surge da realidade situacional quilombola acerca da falta de uma perspectiva
de ensino capaz de incluir o povo quilombola enquanto grupo social com especificidades próprias na
cultura, nas relações sociais, econômicas e educacionais. Como já mencionado, a Pesquisa em foco trata
da Oralidade e Letramento em uma Perspectiva de Inclusão Social do Povo Kalunga. Ao tratar da
Oralidade, letramentos múltiplos, compreensão de letramento em comunidades tradicionais,
contextualizando educação quilombola, pretende-se questionar de forma crítica e construtiva a realidade
atual, mas propondo um diálogo e reflexão acerca do papel do educador nas escolas quilombolas. Diante
do exposto, o objetivo principal é investigar as práticas de ensino na comunidade quilombola, propondo
aos educadores reflexão acerca do papel da escola em relação à cultural local, favorecendo assim que a
oralidade e os letramentos comuns desse grupo social sejam inseridos nas práticas de ensino. É comum
nas escolas atuais os discursos de contextualização do ensino, porém esta realidade na prática ainda é
muito distante, pois a maioria dos responsáveis pelo ensino nas salas de aulas ainda seguem o currículo
referencial na risca sem se preocupar com as especificidades de cada educando em seu contexto de vida
social, cultural e econômico. Desse modo, a educação não atende os requisitos de uma prática dialógica
do conhecimento, ou seja, o que é ensinado nas escolas não tem significados algum ao público atendido.
A pesquisa cujo tema geral: Oralidade e Letramento em uma Perspectiva de Inclusão Social do Povo
Kalunga terá como foco a compreensão sistemática e contextualizada, seja pelos autores apresentados,
como pelas considerações e argumentações expostas em cada subtema, para que se tenha plena
consciência crítica do que é proposto pelo objetivo geral e pelos específicos. Objetivos: Geral: Investigar e
analisar: Oralidade e Letramento em uma perspectiva de inclusão social do Povo Kalunga, da comunidade
Tinguizal. Específicos: a) Investigar como funcionam historicamente os processos de oralidade na
comunidade Tinguizal; b) Mapear e relacionar discursos representativos de letramentos tradicionais
Kalunga; c) Identificar que influências o contexto sociocultural exerce na comunidade e na escola; d)
Investigar em que medida a formação de professores contribui para o reconhecimento dos múltiplos
letramentos da comunidade e o fortalecimento dos mesmos. Portanto, este trabalho apresenta os
resultados de uma pesquisa que vem sendo realizada com a comunidade Tinguizal situada em Território
Quilombola Kalunga no município de Monte Alegre de Goiás (GO), mais precisamente com a comunidade
escolar da Escola Municipal Tinguizal, onde são investigadas, discutidas, analisadas e caracterizadas a
relação entre a cultura local, oralidade e as possibilidades de multiletramento que os sujeitos dessa
comunidade podem protagonizar.

A entrada de pessoas campesinas, quilombolas, indígenas na universidade


pública promove uma transformação diária na forma de pensar a sociedade brasileira
no que se refere à diversidade. Falamos aqui das pessoas do campo, sem excluir as
pessoas que não se insere nesta reflexão, pois temos interação com esses grupos, por
causa da nossa atuação profissional. Tal transformação instiga-nos aprender interagir
com realidades diferentes para nós, que lidamos com o letramento da universidade,
outrora e, ainda, tão demarcado por práticas canônicas, que, muitas vezes, não
atendem a diversidade cultural, identitária e sociolinguística que faz parte daqueles
povos. Com a experiências e com o passar do tempo, temos que aprender a lidar com
as diferenças e somos desafiados a colocar em prática teorias que são aplicadas em
trabalhos sobres essas comunidades.

H, assim como outros quilombolas, indígenas, ciganos etc, desafiam-nos na nossa


forma de ser professor, pesquisador, criador de teorias. Em sua monografia de
conclusão de curso, ela escreve mais de 100 páginas. A versão final do trabalho ficou
com 100 depois da revisão final. Ela tinha tanto o que dizer depois que passou a ser
pesquisadora da comunidade kalunga Tinguizal, localizada no município de Monte
Alegre de Goiás. O nome da comunidade tem inspiração na árvore nativa Tingui, cujos
frutos são matéria prima para produção de sabão.

A pesquisadora neófita, no letramento acadêmico, aborda várias temáticas de


sua comunidade na monografia, com o objetivo geral de investigar e analisar a oralidade
e o Letramento em uma perspectiva de inclusão social do Povo Kalunga, da comunidade
Tinguizal. E , também: investigar como funcionam historicamente os processos de
oralidade na comunidade Tinguizal; mapear e relacionar discursos representativos de
letramentos tradicionais Kalunga; identificar que influências o contexto sociocultural
exercem na comunidade e na escola; investigar em que medida a formação de
professores contribui para o reconhecimento dos múltiplos letramentos da comunidade
e o fortalecimento deles.

Diante desse traçado, H., de porte do relatório etnográfico e autoetnográfico que


ela desmembra ao longo do texto de sua monografia, expõe e discute temas com
bastante reflexão sobre oralidade e letramento múltiplos em quilombos; como as
pessoas compreendem o letramento em comunidades tradicionais; o que é a educação
quilombola e a educação do campo; uma proposta de letramentos múltiplos à educação
quilombola; os saberes e os fazeres do povo kalunga, que ela classifica de letramento
diferenciado. E, ainda, apresenta eventos culturais e religiosos, crenças, rezas,
benzimentos e outras tradições da comunidade Tinguizal. Sobre a escola, faz um
descrição muito aguçada da instituição com o projeto político pedagógico. Ainda,
entrevistou pessoas da comunidade de diferentes idades para completar seu estudo
etnográfico com mais refinamento para fundamentar seu trabalho de pesquisa presente
no seu discurso:

debater oralidade e letramento, é compreender que nossas ferramentas


sociolinguísticas transcendem sua historicidade, pois os letramentos sociais
são criações antigas, repassadas de geração a geração, que resulta em
importantes instrumentos linguísticos de inclusão social ou intercultural, ou
seja, instrumentos de conhecimento que circula nos meios sociais. (2017, p.
19)

A oralidade para as comunidades tradicionais é muito relevante, pois é por meio


dela que é repassada a história do território, dos feitos, dos saberes, das crenças, dos
valores, das tradições, dos ritos. Ou seja, é por meio dela que se faz a memória de uma
comunidade que passa de geração em geração.

Com as licenciaturas em Educação do Campo e as Licenciaturas Interculturais, a


escrita e outras formas de linguagem como as artes visuais e tecnologias externas,
porque as comunidades têm suas artes e tecnologias, estão entrando nas comunidades
levando influências que somam e subtraem, isto é, ajuda melhorar a compreensão das
tradições ou causa conflito e confusão a elas. Isso pode acorrer de forma imposta ou
pode entrar de forma apreendida e crítica, pois é um direito de todos, saber ler e escreve
e lidar com a diversidade de leituras, de escritas e de outras linguagens.

Sobre isso, pessoas do campo e de comunidades tradicionais, que agora estão


na universidade são os pesquisadores e as pesquisadoras mais indicadas para tais
reflexões. Daí a nossa preocupação em interagir com eles e com elas por meio dos
textos, das entrevistas, dos projetos de pesquisa e de extensão.

A pesquisa de H. pensa a oralidade em várias dimensões: recurso linguístico de


transmissão de conhecimentos, da comunicação do cotidiano, das configurações
culturais: música, reza, cantos etc. A oralidade e com sua variedade linguística, que é a
identidade de um povo e oralidade, que pode gerar conflito em relação à variedade
escola, tida como de prestígio, se isso não for bem trabalhado sociolinguisticamente
(MOURA, 2015). Todas elas são contexto de estudo na universidade.

Sobre o letramento como prática social (STREET, 2014), letramentos multimodais


e letramentos múltiplos (KLEIMAN E ASSIS, 2016, SOUSA, 2016, ROJO, 2009),
Letramentos múltissemióticos (ROJO, 2009) e outras denominações, todas eles são
tratadas na monografia de H., seja de modo direto ou indireto.

Temos experienciado como orientadoras e examinadoras de trabalho de


conclusão de curso de graduação, de especialização, mestrado e de doutorado, na área
de Linguística, da área de linguagem e sociedade e de linguística aplicada que os
estudantes nativos dessas modalidades de educação, de posse do conhecimento sobre
letramento em diferentes concepções, sociolinguística, etnografia, têm utilizado esses
conhecimentos, de forma muito competente, para estudar suas comunidades ou sua
própria relação com esses conhecimentos. Inclusive das 30 monografias pesquisadas,
quase todas têm a preocupação com sua realidade social, que não é só sua, mas do
outro.

Enquadre de entrevista de H. (Texto transcrito do whatsApp – dezembro de 2018)


Bom dia, professora, só hoje tô conseguindo retornar, pois estava na comunidade e lá é difícil para mandar
áudio. Bom professora.. Depois que nós saímos da LEdoC, como liderança e já com o conhecimento que a
LEdoC nos ofereceu...É.. A LEdoC nos fortaleceu muito intelectualmente, fez nós enxergarmos como buscar
nossos direitos...ter força...E a LEdoC para nós foi uma arma de luta pela educação na comunidade. Então
após sair da LEdoC, pós formatura...Formamos um grupo e fomos buscar junto a Secretaria de Educação..
a educação escolar quilombola, ela vai para além da sala de aula...ela está para além. A educação escolar
quilombola...ela valoriza toda... Como havia dito.. Fomos buscar a educação escolar quilombola..com
visão de educação do campo..lógico.. mas que a educação escolar quilombola tivesse essa valorização dos
saberes e fazeres da comunidade.. ou seja.. os letramentos próprios da comunidade.. e dentro desse
resgate... dessa busca...nós podemos hoje com o quadro formado de professores.. principalmente...
formados da LEdoC.. que orgulhosamente..eu posso falar disso... que hoje 70% dos nossos professores
são ex-ledoquianos...egressos da LEdoC...então.. hoje estamos com um quadro de professores.. que eu
digo... muito bem capacitado.. pra poder trabalhar em comunidade...né..para poder valorizar os saberes
e fazeres dessa comunidade...valorizar a comunidade...levar a escolar pra dentro da comunidade e
realmente levar a comunidade realmente para dentro da escola..Hoje é possível nós trabalharmos uma
educação que busca esse letramento.. esse letramento que eu sempre defendi na minha monografia...né..
não é somente eu que estou trabalhando esse letramento...mas praticamente todos os professores... a
secretaria de educação abraçou essa causa de tá trabalhando de forma que... nossos estudantes tenham
conhecimento intelectual não só o de fora...mas conheçam a si e a sua comunidade, seus saberes, seus
fazeres que possa lutar por ela... então a nossa ferramenta de luta veio da LEdoC.. e essa ferramenta de
luta.. nós estamos aplicando ela na nossa comunidade sim..E algo que nos deu oportunidade de voltarmos
para nossa terra.. voltar para nossa raíz...de estar na nossa terra... na nossa mãe terra e estar lá de uma
forma que possamos contribuir..e de uma forma diferenciada..Hoje a educação nas comunidades kalunga
está sendo diferenciada..está sendo de qualidade..né..Enquanto minha experiência hoje como
professora..profissional... da rede estadual..né... eu dou aula do sexto ao nono ano...eu vi o tanto que a
formação da LEdoc, o tanto que Licenciatura em educação do campo me fortaleceu...o tanto que a
especialização está nos ajudando na sala de aula...principalmente para valorizar esse letramento próprio
da comunidade..né..esse ensinar diferenciado na comunidade...esse saber passado na prática..não é um
saber que só passa na escrita da caneta...mas esse saber passado na prática...hoje nós já levamos os
cantos de folia para dentro da escola...levamos a folia...oferecemos o espaço escolar pra comunidade
festejar seus rituais...para sentirmos que estamos mais próximos da comunidade. E ao mesmo
tempo..professora.. a cada dia que passa..eu vejo se nós..como educadores...não fizermos alguma coisa
hoje...amanhã.. nós não teremos uma identidade...então esse letramento que nos aprendemos... esse
letramento diferenciado...multimodal..ele é importante para nossa comunidade...para a afirmação de
nossa identidade..ele é importante não só no dia da comunidade [...]mas em nossas práticas na sala de
aula...né...mostra que nem um saber é mais valioso do que o outros...mas que ambos anda lado a lado de
mãos dadas...eu percebo hoje que os jovens que saíram de nossa comunidade o quanto eles desvalorizam
esse conhecimento.. esses saberes dos mais velhos..esses saberes dos mais velhos...essas práticas que
foram passadas de geração em geração...os rituais..a desvalorização desses saberes...é a desvalorização
da nossa própria identidade...então...não trabalhar isso na sala de aula é dizer para nossos alunos .. que
eles não são o que eles acham que são...ou quem eles são...é tirar deles a chance de saber quem eles são.
Quanto a variedade linguística...foi algo que nos marcou bastante...nesse semestre que nós viemos
trabalhar muito com a variação linguística...porque eu percebi nas nossas crianças que elas não mais
queriam falar do modo como nós falávamos na comunidade....né...elas sentiam vergonham de falar
aqueles dizeres da comunidade...o jeito próprio da comunidade falar...as nossas gírias...o nosso puxado
da língua...né... e aí quando nós começamos trabalhar as variações linguísticas...e aí teve um dia que
convidei a A. [...] para ir para minha sala de aula comigo... que nós iriamos trabalhar naquelas atividades
que vocês passaram para nós de tempo comunidade...aí eu falei para ela que eu já estava trabalhando
variedade linguística....e que nosso alunos imediatamente iam identificar o que é variedade linguística nas
palavra que fossem surgindo no nosso mapa conceitual...e aí nós percebemos a riqueza que esses alunos
puderam ter nesse ano...que nós estávamos trabalhando com essa questão de variedade
linguística...porque eles começaram a entender que não era errado o modo de eles que falavam na
comunidade....ele passaram a compreender que podem o usar os dois modos de falar.. as duas variedades
de língua [...] quando estamos em família podemos usar a nossa linguagem normal. E quando nós
saímos...temos que ter um pouquinho da nossa linguagem padrão..para nos comunicar melhor[...]

Em relação à entrevista de H., verificamos informações relevantes em relação ao que


está acontecendo na educação de seu município, com a formação docente fundamentada nos
letramentos múltiplos da LEdoC. Vale comentar como um grupo de professores quilombolas,
egressos desse curso, tem buscado, no lugar certo, a secretaria de educação, que cobre a
comunidade Tinguizal, a negociação para uma educação que considere os letramentos da
comunidade, seus saberes e seus fazeres, assim como explica H. em sua entrevista.

Enquadre 3.2J

A Folia de São Sebastião no Povoado São José em Cavalcante – Goiás: uma experiência
em letramentos múltiplos, 2017. (M – GO)
Esta pesquisa tem como objetivo registrar os gêneros discursivos que circulam na folia de São Sebastião,
por meio da escrita e audiovisual. Tais registros apresentam e relatam a história e memória do Povoado
São José. Nós, da região do povoado São José, conceituamos folia como um grupo de pessoas que se
reúnem para visitar as casas das famílias em nome de um santo, fazendo os cantos religiosos e pedindo
uma esmola. Faz parte deste grupo o que chamamos de encarregado é o dono da folia e geralmente
também é o arfele, este é a pessoa que carrega a bandeira; têm o guia, pessoa que toca a viola; o caixeiro,
pessoa que toca a caixa; os outros foliões são os que batem o pandeiro; os bagageiros são as pessoas que
carregam os alimentos para fazer a comida para os foliões. O período em que a folia passa visitando as
casas é denominado de giro. Acrescenta-se a este Trabalho de Conclusão de Curso um documentário
audiovisual de dez minutos, produzido no giro da folia de São Sebastião em 2017. O interesse pela pesquisa
surgiu a partir da minha inserção na comunidade e da realização do estágio docente na Escola João de
Deus Coutinho - Extensão da Escola Estadual Kalunga I do Povoado São José. Durante esse período pude
perceber a falta de material didático na escola condizente com a realidade dos educandos. As minhas
efetivas participações nas manifestações culturais da região influenciaram nesta escolha, e também fui
participante na oficina de audiovisual “Como se faz um documentário?” que foi ministrada pela cineasta
Dácia Ibiapina da Silva e pelo professor W. D., realizado na Faculdade UnB/Planaltina-DF, em 2014.
Durante o curso, realizei algumas pesquisas de história, memória e identidade no povoado sob a
orientação da professora Regina C., responsável pela disciplina de Pesquisa, História e Memória do curso
da Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), que foram fundamentais para que eu despertasse o meu
interesse nesse campo de pesquisa. Tive dificuldade em realizar algumas atividades por não haver
registros escritos e em audiovisual que relatassem a história da comunidade e suas manifestações
culturais tradicionais que acontecem durante todo ano em datas diferentes, como por exemplo: as folias
de São Sebastião, São José e Santo Reis e também uma festa denominada de “Reinado”. O reinado
também acontece em algumas comunidades quilombolas da região de Cavalcante de Goiás, assim como
as Novenas de São Sebastião (novena significa para nós rezarmos durante nove dias seguidos) e a reza em
homenagem a Nossa Senhora Aparecida, que abordaremos adiante. As novenas e a reza acontecem no
festejo na região vizinha chamada Araras (o festejo é um local onde tem uma pequena igreja, um barracão
comunitário, uma cozinha e vários barracos), o maior fluxo de pessoas acontecem em janeiro durante as
novenas de São Sebastião. Ao desenvolver os trabalhos da disciplina de Pesquisa, História e Memória
mediante entrevistas com moradores da comunidade, percebi a riqueza cultural que temos e a
importância de registrá-la, por esses motivos despertou-me a necessidade de fazer um registro da história
e da memória da minha comunidade, para o fortalecimento cultural da origem do povo quilombola. Em
razão disso, fiz registro dos gêneros discursivos que circulam na folia de São Sebastião colocando em
prática a linguagem escrita, linguagem oral e a linguagem audiovisual. Em uma perspectiva
interdisciplinar procurarmos aproximar os conhecimentos abordados nas aulas de Linguística da
linguagem do audiovisual, em um trabalho que tenta articular as diferentes linguagens. Para isso,
sistematizei o conhecimento adquirido nas disciplinas de Linguística, Pesquisa, História e Memória e
Audiovisual, que foram de suma importância para a realização desse trabalho. A escolha de incorporar a
este trabalho monográfico um documentário com os registros dos cantos da folia, as imagens do povoado,
e as entrevistas realizadas com alguns moradores justifica-se pela necessidade de fortalecer a cultura e a
identidade da comunidade, e assim evitar que ela se perca. Almejamos que este material sirva de base e
incentivo para futuras pesquisas, sejam elas para fins acadêmicos ou não, bem como material para os
futuros foliões que queiram aprender os cantos da folia e também sirva de material didático para a escola
da comunidade, por se tratar do registro de uma manifestação cultural da região na linguagem, escrita,
oral e audiovisual, fazendo com que os alunos conheçam e valorizem suas origens. Outro motivo que levou
a fazer o documentário é que pela linguagem audiovisual torna-se possível a leitura deste trabalho pelas
pessoas que não foram alfabetizadas, inclusive alguns foliões que dominam parcialmente a linguagem
escrita, mas conseguem aprender os cantos através da linguagem oral. Além disso, o audiovisual tem o
poder de proximidade com a realidade e acreditamos que ao assistirem o documentário as pessoas
possam sentir a emoção e refletirem sobre a mensagem que os cantos transmitem, bem como conhecer
sobre a história da folia de São Sebastião do povoado São José. Pois o documentário sobre a folia eu o
almejava há muito tempo, só não sabia como fazê-lo. A pesquisa está fundamentada em Marcuschi
(2008), Rojo (2009), Santoro (1989), Penafria (1999), Terra (2009), Nichols (2012), Sousa (2009), Araújo
(2014), Gil (2008), Bagno (2007), Nicolau et al. (2010), e outros. Antes de abordar a metodologia,
registramos primeiramente os objetivos e as perguntas exploratórias, elementos fundamentais para
nortear a nossa pesquisa. Assumimos como objetivo geral do trabalho o registro na forma escrita e em
audiovisual dos gêneros discursivos que circulam na cultura da folia de São Sebastião, gerando como
resultado da pesquisa um texto acadêmico e um documentário com os registros em audiovisual de
moradores da comunidade narrando o quanto essa manifestação cultural é importante para eles. Entendo
estes produtos como material pedagógico na escola da comunidade por ser um registro da cultura,
história, memória e identidade da região e um incentivo em trabalhar os letramentos multissemióticos na
sala de aula. A partir deste objetivo geral, traçamos como objetivos específicos a investigação do histórico
da comunidade Povoado São José, com os moradores anciões, por meio de entrevista oral e audiovisual,
bem como compreender a importância da folia de São Sebastião para os moradores da comunidade. Para
tanto, propomos perguntas exploratórias, utilizando um roteiro semiestruturado para nortear as
entrevistas, com três perguntas para conduzir a pesquisa, as mesmas encontram-se a seguir. O que as
pessoas revelam por meio de entrevistas e gravações audiovisuais sobre a memória da comunidade
Povoado São José e regiões vizinhas? 2. Quais são os gêneros discursivos que circulam na folia de São
Sebastião? 3. Qual a importância a comunidade atribui à folia de São Sebastião, em relação à cultura, à
identidade e à memória histórica? É importante ressaltar que este trabalho de conclusão de curso tem
relação direta com minha trajetória pessoal e acadêmica. Quando iniciei o curso de Licenciatura em
Educação do Campo, o curso oferecia duas áreas de conhecimentos: Linguagens (Língua portuguesa, Artes
e Sociedade, Teatro e Sociedade, Literatura Audiovisual e Espanhol Instrumental), e a área de Ciências da
Natureza e Matemática (Química, Física, Biologia e Matemática). Escolhi a área de Linguagens por me
identificar com as disciplinas que seriam ministradas. Esse curso mudou muito a minha vida e o meu modo
de pensar e ver o mundo, sobretudo, na 2º etapa da turma em que meus colegas me escolheram como
coordenadora da turma. Eu era uma pessoa muito tímida e conduzir o processo de organicidade da turma
foi um desafio muito grande para mim e também muito importante para a minha formação. Além disso,
participei de todos os setores de trabalhos propostos pela organicidade do curso. Eu sempre encarei os
desafios que me foram postos com muita garra, os que surgiram durante o curso e na minha vida em
geral. A disciplina de Teatro e Sociedade da LEdoC contribuiu muito nesse sentido, pois trabalhamos o
Teatro do Oprimido que me fez perder o medo de me expressar nos diversos espaços de debates e nos
relacionamentos do dia a dia. Durante o curso, tive oportunidade de participar de vários projetos de
extensão coordenados pelos meus professores. Em 2013, comecei a participar e, ainda, participo do
Coletivo Terra em Cena, Programa de Extensão da FUP/UnB que promove uma ação articulada entre as
dimensões do ensino, extensão e pesquisa, no âmbito da linguagem teatral e audiovisual em comunidades
de acampamento, assentamento e no território quilombola dos Kalunga. Também fui bolsista da Capes
no período de abril a setembro de 2017 no Projeto Diálogos e Saberes Interculturais Brasil-Suriname,
modalidade graduação sanduíche entre Universidade de Brasília e a Universidade Anton de Kom –
Suriname. O objetivo do intercâmbio era propor ações de aproximação acadêmica entre as duas
instituições em ações de ensino, pesquisa e extensão nas seguintes áreas temáticas: estudo e valorização
das especificidades socioculturais e linguísticas de povos indígenas e quilombolas; e difusão do
conhecimento da História e Cultura Indígena e Afro – Brasileira, num contexto de cooperação internacional
solidária. Eu e mais dois colegas fomos os primeiros estudantes do Brasil a realizar um intercâmbio no
Suriname, sendo que fui uma das primeiras intercambistas da Licenciatura em Educação do Campo do
Brasil. Creio que foi um momento histórico para a UnB, LEdoC e para a Universidade Anton de Kom em
Suriname, e sem contar para mim e minha família. Fui bolsista do CNPq na modalidade ITI - Iniciação
Tecnológica e Industrial no período de agosto 2015 a fevereiro de 2017, atuando no Projeto Residência
Agrária Jovem – Chamada MCTI/MDA-INCRA/CNPq N° 19/2014 – Fortalecimento da Juventude Rural na
ação “Educação do Campo e Juventude Rural: Formação profissional e social a partir das matrizes
formativas, associativas, cooperativas, artístico-cultural e da comunicação no campo”. Nesse projeto,
participei como membro da coordenação pedagógica, na qual planejávamos coletivamente as atividades
desenvolvidas nos quatro núcleos territoriais que o projeto atendia: NT – Planaltina, NT- Nordeste Goiano,
NT – DF Sul e o NT – Kalunga, no qual atuei como uma das coordenadoras. Minha atuação envolvia a
condução de algumas oficinas, a escrita de capítulo de livros, a construção do projeto de intervenção
juntamente 17 com a coordenadora S. e os jovens em formação. Fui uma das que coordenou o processo
de formação em audiovisual para os jovens em formação dos núcleos territoriais. As oficinas foram
ministradas pelo professor F. C., e foram de suma importância para a produção e a edição dos dois
documentários propostos pelo projeto. Posso afirmar que a Licenciatura em Educação do Campo mudou
completamente a minha vida, me deu a oportunidade de ir além da formação em sala de aula, sendo que
pude contribuir com a minha comunidade e com a região em que moro, me inserindo como membros das
associações locais, contribuindo na organização e tomada de decisões. Estou muito feliz de ter feito a
LEdoC. Voltando à organização deste trabalho, além da introdução, apêndice I e II e as considerações
finais, a monografia está estruturada em três capítulos: o primeiro faz uma abordagem do processo
metodológico utilizado para a pesquisa, sendo ela de cunho qualitativo numa concepção etnográfica, e
ainda apresenta os instrumentos de geração de dados, colaboradores e o contexto da pesquisa. No
segundo capítulo, explanamos os conceitos fundamentais do referencial teórico desta pesquisa
monográfica, tais como letramentos múltiplos, letramentos multissemióticos, gêneros discursivos,
gêneros da oralidade, variação linguística e seus níveis de variação, audiovisual, produção de vídeos e
documentários. Finalizando o trabalho, no terceiro capítulo, analisamos as diferentes linguagens dos
letramentos múltiplos e saberes da oralidade a partir da folia de São Sebastião, evidenciando as diferentes
práticas das linguagens.

A pesquisa de M. tem por objetivo geral “registrar os gêneros discursivos que


circulam na folia de São Sebastião”. Esse objetivo muito direto, mas tem um
desdobramento dinâmico, ela apresenta uma pesquisa de várias frentes, que envolvem
áreas afins: pesquisa, história, memória, artes visuais, linguística e letramentos
múltiplos. O trabalho de M. representa muito o que é a Licenciatura em Educação do
Campo (LEdoC), que tem como proposta desenvolver um trabalho de formação docente
interdisciplinar, integrando várias áreas de conhecimento e diferentes linguagens.

A forma como M. dá corpo aos gêneros discursivos folias, tratados por ela na
monografia e no documentário é muito dinâmica, plástica e cheia de dialogicidade
(BAKHTIN, 2003). Essa dialogicidade nos direciona para os letramentos múltiplos (ROJO,
2009, SOUSA et al. , 2016), aqui, interpretado de uma maneira bastante abrangente, no
sentido, de unir as diferentes nomenclaturas dadas aos letramentos: acadêmico,
científico, multissemiótico, etc., os quais são realizados no trabalho de conclusão de
curso, dividido no gênero monografia e documentário, em que ela revela os gêneros
discursivos que circulam na folia de São Sebastião, que ocorre no mês de janeiro. Alguns
são: cantos, rezas, promessas, novenas, memória, bendito de mesa.

A monografia pertence ao letramento acadêmico, no sentido que esse gênero


discursivo é específico, ou seja, tipificado (BAZERMAN, 2007) para um dada esfera social,
com um objetivo direcionado, com normas bem estabelecidas, com produtores e
leitores bem específicos, e altamente institucionalizado, homogêneo e hegemônico.
Contudo, a configuração, o estilo, a variedade lexical, as normas de formação variam de
acordo com o curso de graduação ou de especialização, no caso do Brasil, onde a
monografia constitui um dos gêneros do Trabalho de Conclusão dessas modalidades de
curso. A monografia, como outros gêneros do TCC, como por exemplo o artigo, são
gêneros de caráter científico, projetos, relatórios, também podem ser multissemióticos
conforme as linguagens que são utilizadas na sua composição (símbolos da escrita,
gráficos, tabela, fotografias, cores etc).
A monografia de M. e todas as outras analisadas seguem um padrão de
formatação, mas esse padrão não é tão rigoroso, como ocorrem em muitos cursos da
universidade, onde há uma exigência muito rígida em relação a formatação de trabalhos
científicos.

As monografias da LEdoC, em estudo, seguem um padrão acadêmico, com


normas de formatação para tal, mas muitas delas trazem criatividade nos temas, na
metodologia, na integração de teorias, e de práticas e de teorias, principalmente no que
se refere à autoetnografia. M., com muita criatividade e de posse dos conhecimentos
adquiridos na universidade, fez seu TCC em duas modalidades: monografia e
documentário. Neles, ela atingiu o letramento acadêmico criativo, multissemiótico e
multicultural, assim como por exemplo, a monografia de H. de P. entre outras. Em
referência ao letramento multicultural, para Rojo (2009, p. 120)

Os letramentos multiculturais ou multiletramentos, ou seja, abordar os


produtos culturais letrados tanto da cultura escolar e da dominante, como
das diferentes culturas locais e populares com a quais alunos e professores
estão envolvidos, assim como abordar criticamente os produtos da cultura de
massa. Essa triangulação que a escola pode fazer, enquanto agência de
letramento patrimonial e cosmopolita, entre culturas locais global e
valorizada é particularmente importante – em especial no Brasil – quando
reconhecemos a relevância de se formar um aluno ético e democrático,
crítico e isento de preconceitos e disposto a ser “multicultural em cultura” e
a lidar com as diferenças socioculturais.

Sobre o documentário, em conversas informais, mas de cunho etnográfico, com


indígenas, eles sugerem trabalhos acadêmicos para a mesma função da monografia,
dissertação e tese, no formato audiovisual. Eles gostam muito de trabalhar com a
fotografia, com as imagens e com os desenhos e também com os sons para mostrar sua
cultura.

Voltando ao trabalho de M., neste enquadre de análise, verificamos nas


entrevistas dos colaboradores de pesquisa, que falaram sobre a folia de São Sebastião,
o registro da variedade linguística das pessoas mais velhas e das pessoas mais jovens
que aparecem no documentário concedendo entrevista. Como algo inerente à cultura
de qualquer povo, a variedade linguística das comunidades quilombolas são registradas
nos trabalhos de conclusão de curso, mesmo aqueles que não trazem tal tema como
foco.

Defendemos que o socioletramento, na nossa compreensão, envolve na


formação de professores nas áreas de linguagens e pedagógicas, e de outras
modalidade, certamente, a integração dos conhecimentos de letramentos múltiplos,
gêneros discursivos e sociolinguística, para facilitar o letramento acadêmico de pessoas
que vêm do campo, de comunidades indígenas e quilombolas e de periferia.

Enquadre de Entrevista de M. (Transcrição de áudio – dezembro de 2018)

Boa tarde professora R... vou tentar fazer um resumo do que estou fazendo e como está sendo a minha
vida pós a LEdoC...então..o que eu estou fazendo com a minha pesquisa..né..como você sabe foi produzido
um trabalho escrito e um documentário...esse documentário...ele tem sido utilizado em... esse
documentário...eu tenho apresentado em vários espaços de formação...inclusive nas aulas de práticas
pedagógicas com o professor R.F...que é um professor da LEdoC...assim...foi a minha primeira
apresentação depois do retorno que eu apresentei para a comunidade...um convite...apresentei para a
turma...fiz um debate..né...Ele foi apresentado nos espaços culturais...na primeira mostra de teatro...que
foi a Mostra Afrocena que aconteceu em julho de 2018...aqui em Cavalcante...Eu falei um pouquinho da
importância porque eu fiz a pesquisa e produzi um documentário../.../que o objetivo é fortalecer a cultura
e incentivar os mais jovens a participarem do evento...o documentário foi apresentado também no
seminário de Tempo Comunidade no mês de setembro que aconteceu em Cavalcante..Isso na noite
cultural...Ele foi apresentado na Semana Universitária na Amostra do Terra em Cena..Mostra de Vídeo..eu
não me lembro do dia...mas foi no espaço da amostra..né... eu apresentei ele na sexta semana Camponesa
do PADEF...[...] me convidaram para apresentar e estar fazendo um debate...com a turma do EJA
especialmente..foi um convite da professora A. I...[...] parceira da LEdoC e...Assim foi muito
importante...porque eles têm essa cultura da Folia...Eles ficaram comparando...foi muito importante o
debate...curiosidade deles de saber como é organizada...e tal...Foi um pouco disso do documentário..E o
que tem mais sido apresentando assim...Eu também falo da parte escrita da pesquisa...É claro que eu
comento...mas como a linguagem áudio-visual é bem mais prática...as pessoas preferem assistir o
documentário a ler a pesquisa...só mesmo quem é estudante...quem é professor...que tem mais
curiosidade de ler a pesquisa...E assim a minha pesquisa escrita...ela foi citada ...que eu sei...por duas
estudantes da LEdoC.[...]. Inclusive orientadas do professor F.C...uma é de minha comunidade e a outra é
de Flores...o trabalho tem contribuído muito na formação... e como fortalecimento da cultura local
[...].Depois que eu terminei o TCC. Já iniciei logo a Especialização...que eu fiz o processo seletivo e eu fui
aprovada antes de defender o TCC...graças a Deus eu tive a oportunidade de continuar...dar a
sequência...que é uma Especialização feita pelo grupo SOLEDUC que é um grupo de pesquisa na área de
sociolinguística e letramento...e eu pretendo... utilizar a minha pesquisa de TCC na produção de material
didático[...].Eu quero fazer um cartilha com os cantos da folia e quero incluir as rezas fazer um
documentário e a parte escrita das rezas dos festejos de São Sebastião...né...porque é um novena que
tem...tem as rezas...tem a folia todos os dias...do dia 11 ao dia 19 de janeiro..então eu quero registrar essa
cultura....muitas das pessoas mais velhas já se foram...e assim a gente não tem o registro
delas..rezando..deles repassando...eu já conversei com algumas pessoas para a gente fazer as oficinas de
reza...as rezadeiras...elas toparam...então..eu tenho como objetivo fazer esse registro das rezas e
principalmente dar continuidade dessa minha pesquisa de conclusão de curso... como material
didático...vejo assim como algo muito importante para a comunidade. Então é isso.
O destaque da entrevista de M. é como ela tem divulgado sua pesquisa em
diferentes locais e eventos, utilizando o documentário que faz parte do seu trabalho de
conclusão de curso, além da monografia. Isso demonstra a praticidade da linguagem
audiovisual, a qual atinge quem não é alfabetizado, como muitas pessoas das
comunidades quilombolas.

Outro destaque da entrevista de M. é a referência que ela faz à Especialização.


Esse curso intitulado “Especialização em Educação do Campo na área de Linguagem:
Língua Portuguesa Aplicada no Ensino Básico”, que está em sua primeira edição, 2018 a
2019, na Faculdade UnB Planaltina, foi criado por causa da reivindicação de egressos da
Licenciatura em Educação do Campo, turmas 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Ela faz parte do projeto de
pesquisa e formação docente Letramentos múltiplos, desenvolvido, desde 2011, pelo
grupo de pesquisa Sociolinguística, Letramentos Múltiplos e Educação (SOLEDUC). O
curso conta com a participação de 45 professores-egressos da LEdoC e de outras
instituições. Sendo que a maioria é de comunidades quilombolas do estado de Goiás. 14
deles são colaboradores da pesquisa de Sousa e de Kleiman. Os professores e as
professores desse curso são do grupo SOLEDUC, cuja mediação dos professores-
estudantes se dá face a face, no Tempo Universidade, e via internet e whatsApp para
orientações no Tempo Comunidade. A metodologia do curso segue a relação prática e
teoria e teoria e prática - práxis. O trabalho de conclusão da especialização será material
didático, fundamentado no socioletramento: sociolinguística, letramentos múltiplos,
gêneros discursivos, cultura, história das comunidade campesinas, em diferentes
linguagens e conhecimentos interdisciplinares da Educação do Campo.

4. Considerações acerca da pesquisa: para a continuação do trabalho

O objetivo traçado para a pesquisa em tela “ Investigar e analisar monografias


de egressos da Licenciatura em Educação do Campo, da área de Linguagem: Linguística,
que revelam diversidade linguística, cultural e identitária e letramentos múltiplos que
podem contribuir para a reflexão sobre a formação docente, principalmente a do
educador do campo, compondo o que podemos chamar de socioletramento” e seus
desdobramentos nos objetivos específicos nortearam-nos a um reflexão provocada pelo
dizer em forma de monografias e de documentário de pessoas que começam a ter
espaço na universidade. Os 30 trabalhos de conclusão de curso da Licenciatura em
Educação do Campo investigados por nós, com 8 análises em foco neste artigo, trazem
conhecimentos de contextos locais ou letramentos multiculturais, que antes estavam
no controle de letramentos dominantes, mas que com a execução de políticas públicas
como a formação docentes de Licenciaturas do campo e Licenciaturas interculturais, de
alguma forma, está trazendo o protagonismo de que ou quem antes era “objeto de
pesquisa” para o protagonismo da investigação do seu contexto sociocultural, como é
o caso dos campesinos, quilombolas e indígenas.

Mesmo segundo normas estabelecidas pela universidade, as monografias


investigadas apresentam muita criatividade na forma de dizer, mostrando temas que
nascem de problemas reais e muito próximos da realidade cultural de cada autor e cada
autora de trabalho de conclusão de curso, no gênero discursivo monografia. Esses temas
têm como destaque: a influência do discurso da classe patronal nas práticas da
agricultura familiar; letramentos múltiplos das comunidades campesinas e quilombolas
do Centro-Oeste: Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; variedade linguística
campesina e/ou quilombola; letramento escolar e saberes da oralidade; memória e
formação de assentamento da Reforma Agrária; metodologia de ensino de Língua
Portuguesa e sustentabilidade e meio ambiente.

Assuntos que configuram a interdisciplinaridade que representa muito o que é a


Licenciatura em Educação do Campo na compreensão que temos de letramentos
múltiplos, letramentos como prática social na formação docente.
Isso representa também as identidades culturais do curso que nos levar a refletir
sobre a variedades linguísticas em conflito com a variedade linguística acadêmica e a
multiplicidade de gêneros que circulam nesse letramento, com estilos e vozes
intertextuais, que devemos considerar para o desenvolvimento e o alcance dos
estudantes que compõem a diversidade na busca do competência comunicativa, que na
nossa perspectiva pode de ter a contribuição da sociolinguística, da autoetnografia e da
etnografia, como vimos nas introduções das monografias analisadas.
Isso pode ser ainda um grande vácuo no letramento acadêmico da diversidade
para a inclusão e circulação na competência comunicativa.
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