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PATERNIDADE DEFORMADA
E AS PATOLOGIAS DE UMA ADOLESCENTE –
UM ESTUDO DE CASO À LUZ DA PSICANÁLISE
VOLTA REDONDA
2022
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PATERNIDADE DEFORMADA
E AS PATOLOGIAS DE UMA ADOLESCENTE –
Um Estudo De Caso À Luz Da Psicanálise
Volta Redonda
2022
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 5
2 DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO 6
3 UMA GESTAÇÃO TURBULENTA 7
4 ALIENAÇÃO PARENTAL 10
4.1 A FALTA DA MÃE 10
4.2 A CULPA E O ABANDONO 14
5 O ABANDONO DO PAI PRESENTE 16
6 CONCLUSÃO 19
7 REFERÊNCIAS 20
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PATERNIDADE DEFORMADA
E AS PATOLOGIAS DE UMA ADOLESCENTE
Um Estudo de Caso à Luz da Psicanálise
Resumo
Este artigo trata de um caso real observado a partir de atendimento de terapia
psicanalítica e se propõe a relacionar as patologias da psiquê de uma adolescente
com as interferências negativas de seu pai, a partir do seu período gestacional. No
bojo do trabalho são abordadas as fases pontuais da vida da adolescente nas quais
as ações consideradas equivocadas do pai ocorreram, sendo as mesmas analisadas
à luz dos conceitos psicanalíticos de formação e desenvolvimento da psiquê humana,
apresentando o que seria ideal segundo o pensamento psicanalítico, os equívocos
cometidos pelo pai e a relação desses equívocos e das experiências traumáticas
vividas pela, então, criança como consequência dos mesmos, e sua relação com as
patologias resultantes das deformações do aparelho psíquico. A produção deste artigo
visa um propósito maior, qual seja, a mobilização rumo a uma conscientização cada
vez maior das pessoas quanto à atenção que se deve dar às necessidades psíquicas
da criança – um adulto em formação – como um germe de uma futura psicoeducação
acessível a toda população.
1 INTRODUÇÃO:
Uma vez que as pesquisas de Freud tenham sido motivadas pelos numerosos casos
de histeria cuja causa não era encontrada nas investigações da fisiologia dos
pacientes, a descoberta do aparelho psíquico revelou também que esta estrutura
psíquica não tem a sua formação a partir apenas das informações genéticas, como o
é a estrutura fisiológica, mas também, por todas as experiências vividas pelo indivíduo
a partir do seu nascimento – segundo Freud – ou da sua concepção – conforme
psicanalistas posteriores a Freud. Assim sendo, a histeria era, grosso modo, o produto
final resultante da matéria prima fornecida, principalmente pela família deste indivíduo
(histérico), mas também, por toda a sociedade que o cercou, para a formação e
funcionamento deste aparelho psíquico.
Uma vez compreendido que a estrutura psíquica não nasce pronta, do ponto de vista
de completude, mas que é construída a partir das informações recebidas do seu meio,
deduz-se, com facilidade, que os pais ou adultos responsáveis são determinantes na
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Juma procurou a terapia apresentando como queixa principal sua insegurança nos
relacionamentos afetivos, dizendo que, mesmo o atual namorado dando todas as
provas de fidelidade, ela vivia assombrada com a desconfiança de que estava sendo
traída e brigava com ele. Porém, à medida em que as sessões de terapia avançavam,
ficava claro que os problemas eram muito maiores.
tinha ido embora. Aos 14 anos decidiu ir morar com a mãe, por não aguentar
agressões e ofensas do pai. A mãe a acolheu, mas como a mãe tinha outro filho mais
novo e que demandava atenção, ela morria de ciúmes. Neste período, começou a
namorar, mas o namorado ficava com outras meninas e não fazia questão de
esconder. Além disso, a ofendia e agredia. Entre os 14 anos e os 15 anos, tentou se
suicidar duas vezes. Após esses dois episódios o pai, que tem um filho do atual
relacionamento, passou a dar atenção apenas a este filho e a tratá-la como uma
estranha. Com 15 anos teve um segundo namorado a quem ela mendigava carinho e
atenção. O namoro durou 4 meses e o rapaz desapareceu sem dar satisfação.
Quando ela descobriu, ele estava trabalhando e morando em outra cidade. Neste
período a mãe, com quem ela estava tendo um bom relacionamento, foi diagnosticada
com câncer e faleceu 1 ano depois, cerca de 1 mês antes do início da terapia.
Atualmente mora com a avó materna que, segundo ela, é alcoólatra. Juma está
namorando um homem de 30 anos de idade, mas a família não sabe. Se relacionaram
por cerca de 2 meses e havia três meses que ele estava preso por tráfico de drogas.
Embora Juma seja uma menina de beleza rara, sendo, inclusive, usada como modelo
fotográfico em um estúdio de sua cidade, se acha feia e, por isso, é insegura nos
relacionamentos. Quando iniciou a terapia, estava sendo transferida de escola pela
segunda vez por causa de problemas de relacionamento com colegas, os quais
evoluíam a ponto de a permanência ficar insuportável. Juma tem crises constantes
de ansiedade e, quando não está na escola, fica trancada dentro do quarto e dorme a
maior parte do tempo. Por algumas vezes, durante a terapia, chorava e dizia que
queria ter morrido no lugar da mãe.
Porém, a realidade acerca da vida intrauterina permaneceu oculta por muitos anos,
não permitindo o avanço das pesquisas da formação da psiquê do bebê. Isto começou
a mudar com o avanço da ciência e, a partir da década de 70, com o surgimento da
ultrassonografia e a possibilidade de enxergar o bebê e observar suas reações diante
dos estímulos tanto da mãe quanto do ambiente, possibilitando avançar além do
imaginário do senso comum.
A ciência hoje já comprova que o feto percebe e reage aos estímulos que o rodeiam,
podendo sentir conforto e alegria, bem como desconforto e tristeza, e apresentando
comportamento equivalente aos respectivos sentimentos, o que prova o
funcionamento mental, sendo mesmo possível, através dessa somatização, identificar
traços de personalidade deste bebê que ainda não nasceu e comprová-los após seu
nascimento (Elisa/Marina).
A conexão mãe-bebê que deve ser desenvolvida durante a gestação e que se estende
após o nascimento é responsável por produzir sensação de acolhimento e segurança
no bebê, promovendo as condições necessárias para seu desenvolvimento psíquico.
Mas se o ambiente inóspito impede a mãe de se voltar para dentro de si e para o seu
bebê e, por isso, se sente desamparada, isto poderá desenvolver no bebê patologias
de desamparo (Elane/Andréa).
Diante deste exposto, voltando os olhos para o caso de Juma, durante o período de
sua gestação, período no qual sua mãe deveria se sentir amada, cuidada, protegida
e suportada nas demandas externas – ambiente seguro - para criar e desenvolver a
conexão psíquica com ela, experimentou, ao invés disso, medo, dor, desamparo,
sendo agredida, ofendida e desamparada por aquele que deveria protegê-la. Toda
esta carga emocional transmitida a Juma durante sua gestação pode se constituir na
base de suas neuroses e, se assim for, comportamentos como se apegar ao
namorado, mesmo quando ele se apresenta infiel, desatencioso, ofensivo e agressivo,
pode estar relacionado com este desamparo primário, de modo que, ainda que não
houvesse nenhuma outra experiência traumática após seu nascimento, sua
experiência pré-natal já justificaria este comportamento.
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4 ALIENTAÇÃO PARENTAL
Porém, o ponto a ser abordado aqui é o prejuízo causado a Juma por conta de a mãe
ter sido abruptamente subtraída de sua vida, tendo ela consciência de que a mãe
estava vida, porém, longe.
Ao tratar desta relação mãe-bebê, Melanie Klein fala sobre o amor e o ódio sentidos
pelo bebê em relação à sua mãe e sobre a responsabilidade desta mãe, bem como
sua capacidade inata, caso sua psiquê esteja equilibrada, em compreender a
dinâmica emocional da criança e dar-lhe o a atenção e suporte necessários para o
seu desenvolvimento.
“A mãe é o primeiro objeto de amor e ódio do bebê. Ele a ama nos momentos
em que ela satisfaz suas necessidades e a odeia quando seus desejos não
são atendidos e ele sente algum desconforto. Neste momento, surgem
sentimentos agressivos e o bebê é tomado por impulsos de destruir seu
objeto de amor, pois acredita que ele tem relação com todos os seus
sentimentos bons ou ruins. Esses sentimentos de ódio e agressividade
causam no bebê sensações de sufocamento, falta de ar, dentre outros
estados dolorosos, sentidos por ele como capazes de destruir seu corpo,
fazendo com que a agressividade e o medo cresçam.” (KLEIN, 1937/1996
apud PINHEIRO, 2017 – pag,15)”
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“Assim, o pai irá se constituindo como uma duplicação da figura materna, isto
a partir da percepção da criança, tendo em vista a manifestação de aspectos
mais parentais, diríamos, aspectos mais duros e severos, implacáveis,
indestrutíveis, até tornar-se, no futuro do amadurecimento do lactente, uma
figura capaz de suportar, diferentemente da mãe, o ódio e a destrutividade
advinda do bebê” (SOARES, 2015 – pag.30)
Tudo isso tem como propósito preservar a íntima relação entre a mãe e a criança,
possibilitando que a criança desenvolva e expresse as suas emoções enquanto a mãe
as interpreta. A mãe, portanto, não é uma mera cuidadora que dá banho, alimenta e
põe a criança para dormir, de modo que qualquer outra pessoa possa substitui-la. O
vínculo psíquico entre a mãe e a criança possibilita um cuidado que vai além da mera
manutenção da existência. Marlina, desenvolvendo este conceito, fundamenta-se em
Melanie Klein: “[...] Klein aborda a questão do planejamento para a estabilidade emocional da
criança, enfatizando os cuidados necessários da mãe e da família no desenvolvimento da criança. A
mãe atua como receptáculo das angústias e do desamparo inicial da criança.” (TOSTA, 2013 – pag.9)
Portanto, é este ambiente familiar, que compreende fundamentalmente uma mãe que
se identifica com a criança e interpreta suas emoções, e um pai que protege a mãe
tanto das preocupações externas quanto das investidas da criança, o responsável por
desenvolver na criança este sentimento de desenvolvimento, de oportunidades, de
expectativas que faz com que a este seu humano em construção acredite que a vida
vale a pena.
Voltando nossas atenções para o caso de Juma, a escolha do pai em impedir a relação
da filha com sua mãe, roubou dela todo este cuidado materno essencial, inserindo-a
em um ambiente no qual apenas as necessidades físicas, como alimentação,
vestimenta, abrigo e transporte eram supridas, enquanto que as necessidades
psíquicas e emocionais, em um momento crucial da formação das mesmas, foram
completamente ignoradas.
“Uma palavra a mais acerca do “não” de uma mãe. Não é esse o primeiro
sinal de pai? Em parte, os pais são como mães e podem ficar tomando conta
do bebê e fazer todo o gênero de coisas como uma mulher. Mas, como pais,
parece-me que eles aparecem pela primeira vez no horizonte do bebê como
aquele aspecto inflexível da mãe que a habilita a dizer “não” e a sustentar a
negativa com firmeza. Gradualmente, e com sorte, este princípio do “não”
passa a estar consubstanciado no próprio homem, o Papai, que passa a ser
amado e poderá aplicar a ocasional palmada sem perder nada. Mas ele tem
de merecer o direito a dar palmadas se pretender dá-las e, para adquirir esse
direito, deverá fazer coisas como ter uma presença assídua no lar e não estar
do lado da criança contra a mãe. No começo, vocês podem não gostar da
ideia de consubstanciar o “não”; mas talvez aceitem o que pretendo dizer
quando lembro que as crianças pequenas gostam que se lhes diga “não”.
(WINNICOTT, 1993f, p. 44 apud ROSA, 2009).”.
Do contrário, caso típico tratado neste estudo de caso, onde agressões, ofensas e
alienação parental, destacando o fato de que a criança foi alienada da mãe, os
prejuízos são antevistos na literatura winnicottiana, que afirma acerca da criança
exposta a agressões e abusos entre os pais,
“que um estado físico de pais que brigam vive dentro dela e, daí em diante,
uma quantidade de energia é dirigida para o controle da relação má
internalizada. Em certos momentos, essa relação má internalizada assume o
controle e a criança passa a se comportar como se estivesse possuída pelos
pais que brigam (WINNICOTT, 1988, p. 361 - Universidade Federal de
Itajubá, 2018 – pag. 8).”
Além disso, há uma lista de outros problemas que acometem a criança que vive a
experiência da separação dos pais e da alienação parental, apresentada neste projeto
acadêmico da Universidade Federal de Itajubá - “As Implicações do divórcio no
desenvolvimento psíquico na primeira infância na perspectiva psicanalítica”, como
segue: sintomas de inibição; desconfiança e dificuldade de relacionamento; problemas
com sono e alimentação; sentimento de culpa; conflitos de lealdade; impotência na
vida afetiva; baixa autoestima; vergonha; raiva; agressividade; ansiedade de
separação e problemas somáticos.
Assim, a menina cujo falso self se apresenta como modelo fotográfico e que exibe
fotos sensuais nas redes sociais, tem seu verdadeiro self deformado, se achando feia,
porque se fosse bonita, não teria sido desamparada pelo pai e abandonada pela mãe.
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Também, por se achar feia e ter sido rejeitada pelo pai e pela mãe, se sujeita aos
maus tratos dos homens com quem se relaciona, a final de contas, pensa que não
deve merecer coisa melhor. E, mesmo sendo maltratada, se apega e se permite viver
uma relação abusiva por não querer viver mais um abandono. Winnicott afirma que:
Neste tópico quero tratar do prejuízo duplo vivido por Juma que, tendo sido furtada da
presença e do relacionamento com a mãe – mãe ausente – acabou sofrendo também
o abandono do pai, o qual, embora fisicamente presente, não só não supriu a falta da
mãe, o que lhe era impossível, mas também não cumpriu com seu papel de pai naquilo
que lhe seria possível e que, o fazendo, diminuiria o prejuízo já produzido por ele na
vida da filha.
Ao tratar desse tema, Freud o relaciona com o complexo de Édipo, mas o projeta para
um período anterior à fase fálica. Assim, valoriza a estreita relação que a criança tem
com a mãe, independentemente de ser menino ou menina, relacionando os impulsos
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Melanie Klein também trata desta agressividade infantil e quando aborda a fase
sádico-anal, fase que nos interessa em articular, por coincidir com a fase em que
Juma, a criança do nosso estudo de caso, se encontra sob os cuidados do pai e
alienada da mãe, fala sobre uma agressividade e o ódio sentidos pelos familiares e
que se manifesta nos objetos e no ambiente. Daniela assim descreve a visão de Klein:
Assim, entendemos que o grande papel do pai nesta fase é de colocar como uma
cerca, a qual estabelece os limites sem se apresentar como ameaça. esta atitude
fornece proteção para mãe, proteção para a criança e a construção de uma imagem
paterna protetora, o porto seguro para a criança, independentemente de ser o menino
que rivaliza com o pai ou a menina que se apega ao pai.
Ao voltarmos nossos olhos para a história de Juma, o que temos é uma criança que
não só tem a necessidade natural de externar sua pulsão sádica e ser compreendida,
como tem um grande sentimento de insegurança e de abandono, o que a faz ainda
mais carente de compreensão e acolhimento. no entanto, o que ela recebe é uma mão
corretora pesada tanto do pai quanto da avó, como se uma dor ou mágoa em relação
à mãe se dirigisse agora para a filha.
A criança que perdeu a oportunidade de ser acolhida pela mãe que está ausente, a
gora sofre a rejeição do pai que está fisicamente presente. Aquele que deveria
acolher, compreender, proteger, é aquele ofende, agride e desampara, permitindo que
outra, a avó, também ofenda, agrida e desampare.
Esta lacuna deixada pelo pai reforça o sentimento de abandono, a baixa autoestima,
o sentimento de não merecimento e o questionamento se, de fato, a vida vale a pena,
e a consequente ansiedade e depressão. Também se observa, tanto na busca por
namorados que a maltratam de desvalorizam, quanto no apego a alguém com quase
o dobro da sua idade, a busca pelo preenchimento do vazio deixado pelo pai.
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CONCLUSÃO:
O ser humano, a partir da sua fecundação até sua maturidade, passa por diversas
fases que se constituem em muito mais do que apenas crescimento e formação de
estruturas fisiológicas complexas. Sua estrutura psíquica é ainda mais complexa que
sua estrutura fisiológica e, o sucesso da fase seguinte e de tudo o que será vivenciado
por toda vida, depende da formação saudável da fase anterior.
REFERÊNCIAS:
https://repositorio.faema.edu.br/bitstream/123456789/701/1/SOARES%2C%2
0R.%20F.%20-
%20O%20PAPEL%20DO%20PAI%20NA%20PSICAN%C3%81LISE%20WIN
NICOTTIANA.pdf