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82 FISIOLOGIA ARTICULAR

FLEXÃO-EXTENSÃO

Anatomicamente O cotovelo só contém - a f1exão-extensão, que precisa da ação


uma articulação: de fato, só existe uma cavidade de duas articulacões:
articular.
• a articulação úmero-ulnar;
Contudo, a fisiologia permite distinguir • a articulação úmero-radial.
duas funções diferentes:
Neste capítulo, será analisada únIca e
- a pronação-supinação, que envolve a exclusivamente a função da FLEXÃO-
articulação rádio-ulnar superior; EXTENSÃO.
1. MEMBRO SUPERlOR 83
84 FISIOLOGIA ARTICULAR

o COTOVELO: ARTICULAÇÃO DE SEPARAÇÃO E APROXIMAÇÃO DA MÃO

o cotovelo é a articulação intermédia do o cotovelo constitui junto com o braço e o


membro superior: ao realizar a união mecânica antebraço um compasso (fig. 2-2, a) que possi-
entre o primeiro segmento - o braço - e o segun- bilita a aproximação, até quase tocar, do punho
do - o antebraço - do membro superior, possi- P ao ombro O (a distância que os separa é o que
bilita, orientado nos três planos do espaço mede o punho), de maneira que a mão chega
graças ao ombro, deslocar mais ou menos longe com facilidade ao ombro e à boca. Na mon-
do corpo a sua extremidade ativa: a mão. tagem telescópica (fig. 2-2, b) a mão não pode
O homem pode levar os alimentos à boca alcançar a boca porque o comprimento mínimo
graças à flexão do cotovelo. Quando pegamos é a soma da longitude L de um segmento e da
um alimento com extensão-pronação (fig. 2-1), coaptação necessária para manter a rigidez da
este é levado à boca mediante um movimento montagem. No caso do cotO\elo, a solução tipo
de flexão-supinação; assim sendo, podemos "compasso" é mais lógica e melhor em com-
afirmar que o bíceps é o músculo da alimen- paração com a do tipo "telescópico", supondo
tação. que esta última seja viável.
1. 11EMBRO SUPERIOR 85

Fig.2-1

a
Fig.2-2 . b
86 FISIOLOGIA ARTICULAR

AS SUPERFÍCIES ARTICULARES
(as explicações são as mesmas para todas as figuras)

No nível da porção inferior do úmero: por cima, com o bico do olécrano (11),
duas superfícies articulares (figo 2-3, segundo por baixo e pela frente com o bico do
Rouviere): processo coronóide (12); a cada lado da
- a tróclea umeral (2), em forma de polia crista,. que se corresponde com a gar-
ou diabolô (fig. 2-3, a), com urna gargan- ganta da tróclea, se localizam duas ver-
ta que se localiza no plano sagital, entre tentes côncavas (13), que se correspon-
duas "superfícies articulares" convexas; dem com as "superfícies articulares"
trocIeares. A forma geral desta superfí-
- côndilo umeral, superfície esférica (3), cie articular é_,comparáve1(fig. 2-4, b) à
situada por fora da tróclea. superfície de urna prancha de ferro on-
Podemos comparar o conjunto côndilo-tró- dulada, da que só.tomamos um elemen-
elea com a associação (figo2-4) de um diabolô e to (seta branca): uma nervura (10) e
de wna bola, atravessados por um mesmo eixo. dois canais (11).
Este eixo representa - numa primeira aproxima- - a abóbada radial (fig. 1-3), superfície su-
ção - o eixo de flexão-extensão do cotovelo. perior da cabeça radial, cuja concavidade
São necessárias duas observações: (14) possui a mesma curva que o côndilo
- o côndilo não é uma esfera completa, (3) sobre a qual se adapta. Está limitada
mas sim uma hellliesfera (a metade an- por uma margem (ver pág. 93) que se ar-
ticula com a zona côndilo-troclear.
terior da esfera) "localizada" pela frente
da porção inferior do úmero. Conse- Estas duas superfícies constituem um con-
qÜentemente, o côndilo, ao contrário da junto único graças ao ligamento anular (16).
tróclea, não existe na parte posterior; se
interrompe na extremidade inferior do As figuras 2-5 e 2-6 mostram o encaixe das
osso sem ascender para trás; superfícies articulares. Figura 2-5, vista ante-
rior (lado direito) com: a fosseta coronóidea (5)
- no espaço (4) situado entre o côndilo e a por cima da tróclea, e a fosseta supracondilar
tróc1ea (figo 2-4), existe urna zona de (6), a epitróclea (7) e o epicôndilo (8). Figura 2-
transição, a superfície ou canal côndilo- 6, vista posterior (lado esquerdo), que também
trodear (figo 2-3), com forma de cone mostra a fosseta olecraniana (17) receptora do
cuja base maior se apóia na superfície bico do olécrano (20).
articular externa da tróclea. Mais adian-
te esclareceremos a utilidade desta zona Na secção vértico-frontal da articulação
côndilo-troclearo (fig. 2-7, segundo Testut), podemos observar co-
rno a cápsula (17) constitui só urna cavidade arti-
No nível da porção superior dos dois os- cular para duas articulações funcionais: (fig. 2~8,
sos do antebraço, duas superfícies correspon- corte esquemático) a articulação de flexão-exten-
dentes:
são (traços verticais) com a interlinha trócleo-ul-
- a grande cavidade sigmóide da ulna nar (18) (fig. 2-7) e a interlinha côndilo-radial (19)
(fig. 1-3) que se articula com a tróc1ea, e a articulação rádio-ulnar superior (traços hori-
de modo que a sua conformação é in- zontais) no caso da pronação-supinação. Também
versa, isto é, que apresenta urna crista podemos distinguir o bico do olécrano (11) que,
romba longitudinal (10) que finaliza, na extensão, ocupa a fosseta olecraniana.
2
8

13
14

15
12

16

Fig.2-4

Fig.2-5
Fig.2-3

14
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Fig.2-8
18 17

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Fig.2-6
88 FISIOLOGIA ARTICULAR

A PALETA UMERAL

Denomina-se paleta umeral à porção infe- junto articular côndilo-troclear. Esta estmtura
rior do úmero (fig. 1-12, vista anterior e figo2- em forquilha é a que faz a redução tão delicada
13, vista posterior), plana de diante para trás e e, principalmente, a correta imobilização das
em cuja margem inferior se localizam as super- fraturas da porção inferior do úmero.
fícies articulares, tróclea e côndilo.
2) a paleta umeral, em conjunto, se encon-
É importante conhecer a estrutura e a forma tra deslocada para a frente (fig.2-15,
desta paleta umeral para compreender a fisiolo- a). O plano da paleta forma um ângulo
gia do cotovelo. de aproximadamente 45° com o eixo da
1) a paleta umeral possui a estrutura de diáfise. Esta ..configuração tem uma con-
uma forquilha que suporta entre os seus seqüência mecânica: toda a tróclea se si-
dois ramos o eixo das superfícies articu- tua pela frente do eixo diafisário.
lares (fig. 2-14), como se fosse uma for- Igualmente, a grande cavidade sigmóide
quilha de bicicleta. da u/na, orientada para frente e para cima se-
De fato, na sua parte central, a paleta ume- guindo um eixo inclinado 45° sobre a horizontal
ral apresenta duas cavidades: (a), também se situa totalmente pela frente do
- pela frente, a fosseta supratroclear, re- eixo diafisário da ulna. Isto está esquematizado
ceptora do bico do processo coronóide em (b).
durante a flexão (fig. 2-11); O deslocamento das superfícies articulares
- por trás, a fosseta olecraniana, recep~ para frente junto com sua orientação de 45° fa-
tora do olécrano durante a extensão vorece a flexão por dois motivos (e):
(fig. 2-9). I) o impacto do bico coronóide não ocorre
Estas duas fossetas são imprescindíveis pa- até que os dois ossos estejam paralelos
ra que o cotovelo tenha uma determinada ampli- (flexão teórica: 80°);
tude de flexão-extensão: atrasam o momento em
2) inclusive em flexão máxima, persiste
que os bicos da coronóide ou do olécrano im- uma separação (seta dupla) entre os dois
pactam contra a paleta. Sem elas, a grande cavi- ossos, o que permite paIpar as massas
dade sigmóidea da ulna, que realiza um arco de musculares.
180°, só percorreria um trajeto muito curto sobre
a tróclea, ao redor da posição média (fig. 2-10). Se estas duas condições mecânicas não
existissem (f), é fácil entender:
Em algumas ocasiões, ditas fossetas são tão
profundas que a fina lâmina óssea que as separa - que a flexão estaria limitada a 90° devi-
se perfura: neste moemento é quando entram em do ao impacto coronóide (g);
contato entre si.
- e, supondo que não existisse tal impac-
Seja como for, a sólida estrutura da paleta to (como seria o caso de uma perfura-
se localiza a cada lado das fossetas, conforman- ção importante da paleta), os dois os-
do dois pilares divergentes (fig. 1-13) que finali- sos entrariam em contato durante a fle-
zam por dentro da epitróclea, por fora do epi- xão sem deixar lugar para as massas
côndilo e que, no seu intervalo, contêm o con- musculares (h).
1. MEMBRO SUPERIOR 89

Fig.2-13

Fig.2-14

Fig.2-11

Fig.2-12
Fig.2-9
Fig.2-10

o
h
a b c d e 9

Fig.2-15
90 FISIOLOGIA ARTICULAR

OS LIGAMENTOS DO COTOVELO
(as explicações são as mesmas para todas as figuras)

Os ligamentos da articulação do cotovelo que possa produzir o movimento de lateralidade


têm a função de manter as superfícies articitla- para o lado oposto (seta preta) e para que as su-
res em contato. São autênticos tensores, dispos- perfícies articulares percam contato: é o meca-
tos a cada lado da articulação: o ligamento late- nismo habitual da luxação do cotovelo, que nu-
ral interno (fig. 2-16, segundo Rouviere) e o li- ma primeira fase, é uma entorse grave do coto-
gamento lateral externo (fig. 2-17, segundo Rou- velo (ruptura do ligamento lateral i~terno).
viere). Particularidades:
Em conjunto, têm a forma de um leque fi- - o ligamento~ lateral interno (LU) está
broso que se estende de cada uma das duas proe- constituído por três fascículos (fig. 2-16):
minências para-articulares - epicôndilo por fora,
• um fascículo anterior (1), cujas fibras
epitróc1ea por dentro -, onde o vértice do leque
mais anteriores reforçam (fig. 2-17) o
se fixa num ponto que se corresponde, aproxi-
ligamento anular (2);
madamente, com o eixo xx' de flexão-extensão
(fig. 2-18, segundo Rouviere), até o contorno da • um fascículo médio (3), o mais potente;
grande cavidade sigmóide da ulna onde se inse- • um fascículo posterior (4), ou liga-
re a periferia do leque. mento de Bardinet, reforçado pelas
Por isso, podemos imaginar o modelo fibras transversais do ligamento de
mecânico do cotovelo como vemos a seguir Cooper (5).
(fig. 2-19): Além disso, neste esquema podemos dis-
- na parte superior, a forquilha da paleta tinguir: a epitróc1ea (6), de onde sai o leque
do LU, o olécrano (7), a corda de Weit-
umeral, suporte da polia articular;
brecht (8), o tendão do bíceps (9) que se in-
- na parte inferior, um semi-anel (a gran- sere na tuberosidade bicipital do rádio.
de cavidade sigmóide) unido ao braço
- o ligamento lateral externo (LLE),
de alavanca antebraquial e que se encai-
constituído também por três fascículos
xa na polia;
(fig. 1-17):
- o sistema ligamentar está representado
• um fascículo anterior (10), que refor-
por dois tensores unidos ao "talo" que
ça o ligamento anular pela frente;
simula o antebraço, e que se articula
com os dois extremos do eixo da polia. • um fascículo médio (11), que reforça
o ligamento anular por trás;
É fácil entender que estes "tensores" late-
rais desempenhem um duplo papel (fig. 2-20, a): • um fascículo posterior (12). Epicôn-
dilo (13).
- manter o semi-anel encaixado na polia
(coaptação articular); - a cápsula se encontra reforçada, pela
frente, pelo ligamento anterior (14) e o
- impedir qualquer movimento de latera-
ligamento oblíquo anterior (15). Por
lidade.
trás, está reforçada por fibras transver-
Basta (fig. 2-20, b) a ruptura de um dos ten- sais úmero-umerais e por fibras úmero-
sores, por exemplo o interno (seta branca), para olecranianas.
1. MEMBRO SUPERIOR 91

Fig.2-16 Fig.2-17

X'

15
a

Fig.2-19
b

Fig.2-18
Fig.2-20
92 FISIOLOGIA ARTICULAR

A CABEÇA RADIAL

A forma da cabeça radial está totalmente rado uma porção da margem da abó-
condicionada pela sua função articular: bada;
- função de rotação axial (ver capítulo • por último, a função da cabeça radial
IIl: pronação~supinação): é cilíndrica; não consist_~unicamente em se desli-
zar sobre o côndilo e a zona côndilo-
- função de flexão-extensão em tomo ao
eixo xx' do côndilo: troclear girando em tomo ao eixo xx',
mas pode girar ao mesmo tempo em
• em primeiro lugar, a cabeça radial de- tomo de seu eixo vertical yy' , durante
ve-se adaptar (fig. 2-21) à forma esfé- a pronação-supinação (B); a secção
rica do côndilo umeral (A): por isso, a praticada no contorno da abóbada (C)
sua superfície superior (B) é côncava, se estende sobre uma porção de sua
é a abóbada radial. Para que isto circunferência, como se, no percurso
aconteça basta remover (C) um cas- desta rotação (B), uma navalha tivesse
quete esférico, cujo raio de curva seja recortado uma lâmina espiral no bor-
igual ao do côndilo; de modo que du- do (fig. 2-23).
rante a pronação-supinação a abóbada
radial possa pivotar sobre o côndilo Ligações articulares da abóbada radial
umeral seja qual for o grau de flexão- nas posições extremas (fig. 2-24):
extensão do cotovelo; - em extensão máxima (a), só a metade an-
terior da abóbada se articula com o côndi-
• porém o côndilo umeral se encontra
limitado (fig. 2-22), por dentro, por 10; de fato, a superfície cartilaginosa do
uma superfície troncocônica, a zona côndilo se interrompe no limite inferior
côndilo-troclear (A). Desta forma, du- da paleta umeral e não ascende para trás;
rantea flexão-extensão, para que pos- - emjlexão máxima (b), O contorno da ca-
samos realizar a adaptação da cabeça beça radial ultrapassa, por cima, a super-
radial, é necessário que uma "esqui- fície do côndilo e se introduz na fosseta
na" (C) do contorno interno dela de- supracondilar (ver figo 2-5), muito me-
sapareça, como se um plano (B) tan- nos profunda que a fosseta supratroclear
gente ao tronco do cone tivesse sepa- ou coronóide.
1. MEMBRO SUPERIOR 93

x
A

Fig.2-21 Fig.2-22 Fig.2-23

b
a

Fig.2-24
94 FISIOLOGIA ARTICULAR

A TRÓCLEA UMERAL
(variações)

A primeira vista, afirmamos anteriormente Em conjunto (c), a garganta descreve uma


(pág. 86) que a garganta da tróclea se localiza no autêntica espiral em tomo do eixo.
plano sagital. A realidade é bastante mais com- Durante a extensão (d), o antebraço fica
plexa. oblíquo para baixo e para fora: é a ulna em val-
De fato, a garganta da tróclea não é verti- go fisiológico, como no caso anterior.
cal, mas é oblíqua; além disso, esta obliqÜidade Durante a ftexão (e), a obliqüid~de da parte
varia segundo o sujeito. A figura 2-25 é um re- anterior da garganta determina a obliqüidade do
sumo destas situações diferentes e as suas con- antebraço: este último se projeta levemente por
seqüências do ponto de vista fisiológico: fora do braço.
1) Caso mais freqüente (fileira superior) 3) Caso muito rar~ (fileira inferior)
De frente (a), a garganta da tróclea é verti- De frente (a), a garganta da tróclea é oblí-
cal: por trás, a parte posterior da garganta (b: vis- qua para cima e para dentro.
ta posterior) é oblíqua para baixo e para fora.
A parte posterior da garganta (b) é oblíqua
Em conjunto (c), a garganta da tróclea se para baixo e para fora.
enrola em espiral em tomo do eixo. As conse-
qüências fisiológicas são as seguintes: Em conjunto (c), a garganta da tróclea des-
creve um círculo, cujo plano é oblíquo para baixo
- em extensão (d) (esquema inspirado em e para fora, ou uma espiral muito fechada e incli-
Roud), a parte posterior da garganta faz nada para dentro. Conseqüências fisiológicas:
conexão com a cavidade sigmóidea; de
modo que a sua obliqüidade provoca a - na extensão (d): valgo fisiológico;
do antebraço; portanto, o antebraço se - na ftexão (e): o antebraço se projeta por
posiciona levemente oblíquo para baixo dentro do braço.
e para fora e o seu eixo não prolonga o Outra conseqüência desta fOffi1a em espiral
do braço, porque forma com ele um ân- da garganta é que não existe um eixo da tróclea,
gulo obtuso aberto para fora, claramen- mas uma série de eixos instantâneos entre duas
te definido na mulher e denominado val-
posições extremas (fig. 2-27):
go fisiológico (fig. 2-26);
- um eixo naflexão (traço contínuo): é per-
- em ftexão, é a parte anterior da gargan- pendicular à direção do antebraço ftexio-
ta a que determina a direção do antebra- nado (aparece ilustrado o caso mais fre-
ço e, como esta parte da garganta é ver- qüente: ver I);
tical, durante a ftexão (e), o antebraço
acaba-se projetando exatamente pela - um eixo na extensão (traço descontínuo):
frente do braço. é perpendicular ao eixo do antebraço es-
tendido.
2) Caso menos freqüente (fileira inter-
média) A direção do eixo de ftexão-extensão varia
continuamente entre duas posições extremas,
De frente (a), a garganta da tróclea é oblí- durante os movimentos de ftexão-extensão do
qua para cima e para fora. cotovelo, diz-se que o eixo é evolutivo. A figura
A parte posterior da garganta (b) é oblíqua 2-28 ilustra estas duas posições extremas no es-
para baixo e para fora. queleto.
1. MEMBRO SUPERIOR 9S

lU Fig.2-26
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\ a
b
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III I
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Fig.2-25
96 FISIOLOGIA ARTICt:LAR

AS LIMITAÇÕES DA FLEXÃÜ-EXTENSÃü

A limitação da extensão (fig. 2-29) se compartimento anterior do braço e do


deve a três fatores: antebraço, endurecida pela contração.
1) o impacto do bico olecraniano no fundo Este mecânismo explica que a flexão
da fosseta olecraniana; ativa não pC!de ultrapassar os 145°,
fato que se acentua quanto mais mus-
2) a tensão da parte anterior da cápsula culoso é o indivíduo.
articular;
- os outros fatores, impacto ósseo (2)
3) a resistência que opõem os músculos
e tensão capsular (3), quase não inter-
flexores (bíceps, braquial anterior e vêm.
braquirradial).
Se a extensão continua. um dos menciona- Se a flexão é passiva (fig. 2-33) pela ação
dos ji-eios se rompe: de uma força (seta preta) que "fecha" a articu-
lação:
~ fratura do olécrano (1) (fig. 2-30), segui-
- as massas musculares sem contrair (1)
da de desgane capsular (2);
podem - se achatar ltma contra a outra
-o olécrano (1) resiste (fig. 2-31), mas a de modo que a flexão possa ultrapassar os
cápsula (2) e os ligamentos se rompem, 145°;
e se produz uma luxação posterior (3)
do cotovelo. Os músculos, em geral, - neste momento aparecem os outros
fatores limitantes:
p<.:rmanecemintatos. Contudo, a artéria
umeral pode romper-se ou, pelo menos, • impacto da cabeça radial contra a fosse-
sofrer uma contusão. ta supracondílea e do processo coro-
A limitação da flexão é diferente, depen- nóide contra a fosseta supratroclear (2);
dendo de ser uma flexão ativa ou passiva. • tensão da parte posterior da cápsula (3);
Se a flexão é atim (fig. 2-32): • tensão passiva do tríceps braquial (4).
- o primeiro fator de limitação é o con- Nestas condições, a flexão pode alcançar os
tato das massas musculares (1) do 160°.
1. MEMBRO SUPERIOR 97

Fig.2-29
Fig.2-31

Fig.2-32 Fig.2-33
98 FISIOLOGIA ARTICULAR

OS MÚSCULOS MOTORES DA FLEXÃO

Os músculos motores da ftexão do cotove- A eficácia dos músculos fiexores é máxima


lo são essencialmente três: com o cotovelo fiexionado a 90°.
- o braquial anterior (1) que se estende De fato, quando o cotovelo está estendido
do tubérculo do processo coronóide da (fig. 2-36), a direção da força muscular é quase
ulna até a superfície anterior do úmero paralela (seta branca) à direção do braço de ala-
(fig. 2-34): mono articular, é exclusiva-
vanca. O componente centrípeto ç dirigido ao
mente ftexor do cotovelo; é um dos raros
centro da articulação é preponderante, mas ine-
músculos do corpo que realizarp uma ficaz. O componente tangencial ou transversal T,
única função;
o único realmente éncaz, é relativamente insig-
- o braquiorradial (2) que se estende do nificante, quase nulo.
processo estilóide do rádio até a mar-
gem externa do úmero (fig. 2-34): a sua Contudo, na semifiexão (fig. 2-37), a força
função principal é a fiexão do cotovelo. muscular está perpendicular à direção do braço
Como músculo acessório e só na prona- de alavanca (seta branca: bíceps, seta preta: bra-
çâo máxima se converte em supinador, quirradial), o componente centrípeto se anula e
igualmente é pronador na supinação má- o componente tangencial se confunde com a
XIma; própria força muscular: assim, toda a força mus-
cular se utiliza na ftexão.
- o bíceps braquial (3) é o fiexor princi-
pal (fig. 2-35). A sua inserção inferior se Este ângulo de máxima eficácia se situa en-
localiza na tuberosidade bicipital do rá- tre os 80 e 90° no caso do bíceps.
dio. As suas inserções superiores não se
Com relação ao braquirradial, a 90° a força
situam no úmero (se trata de um múscu-
muscular não se confunde com o componente
lo biarticular), mas na escápula median-
te duas porções: tangencial; isso não se apresenta até os 100-
II 0°, isto é, numa fiexão mais acentuada que a
• (Iporção longa (3') no tubérculo su- do bíceps.
praglenóide após ter atravessado a ar-
ticulação (ver capítulo I: o ombro); A ação dos músculos fiexores se realiza se-
gundo o esquema das alavancas de terceiro gê-
• a porçâo curta (3") no bico do pro-
cesso coracóide. nero: de modo que favorece a amplitude e a ra-
pidez dos movimentos a expensas de sua potên-
Mediante as suas duas inserções superiores, CIa.
o músculo bíceps coapta o ombro e sua porção
Músculos ftexores fundamentalmente aces-
longa o abduz.
sórios:
A sua ação principal é a ftexão do cotovelo.
A sua ação secundária, porém importante, é - extensor radial (RI): debaixo do bra-
a supinação (ver capítulo III: a pronação-supina- quirradial (fig. 2-37);
ção), máxima quando o cotovelo está fiexionado - pronador redondo: sua retração, provo-
a 90°. cada pela síndrome de Volkmann, cons-
Com o cotovelo fiexionado, o bíceps tende titui uma corda que impede a extensão
a luxar o rádio (ver pág. 102). completa do cotovelo.
1. MEMBRO SUPERIOR 99

Fig.2-34

Fig.2-35

Fig.2-37

Fig.2-36
100 FISIOLOGIA ARTICULAR

OS MÚSCULOS MOTORES DA EXTENSÃO

A extensão do cotovelo se deve à ação de só -na flexão completa (fig. 2-42), o tendão tri-
um músculo: o tríceps braquial (fig. 2-38); de fa- cipital se reflete na superfície superior do
to, a ação do ancôneo (A), embora notável para olécrano, como se fosse uma polia, o que
Duchenne de Boulogne, não vale a pena tratar no contribui a compensar a sua perda de efi-
plano fisiológico devido à debilidade do seu mo- cácia. Por outro lado, com as fibras muscu-
mento de ação. lares em máxima tensão, a sua potência de
° tríceps braquial está constituído por três contração é máxima de mopo que se trans-
forma em outro fator de compensação.
corpos carnosos que finalizam num tendão co-
mum que se insere no olécrano. A eficácia da porção longa do tríceps e,
Os três corpos musculares do tríceps têm conseqüentementé, todo o músculo, também de-
uma inserção superior diferente:
pende da posição do ombro: este fato deriva de
sua natureza biarticulâr (fig. 2-43).
- a cabeça (ou porção) medial (1) se fixa
na superfície posterior do úmero, para
É fácil comprovar que a distância que sepa-
baixo do canal ou sulco do nervo radial; ra os dois pontos de inserção da porção longa do
tríceps é maior na posição de flexão de 90° que
- a cabeça (ou porção) lateral (2) se fixa na posição vertical do braço (o cotovelo perma-
sobre a margem externa da diáfise ume- nece no mesmo grau de flexão). De fato, os cen-
ral, principalmente por cima do canal do tros dos dois círculos "traçados" pelo úmero (1)
nervo radial; e pela porção longa do tríceps (2) estão separa-
Portanto, estas duas porções são monoarti- dos. Se a longitude do tríceps não varia, se situa-
culares. ria em O', mas como o olécrano se encontra em
- a porção longa (3), que não se insere so- 02' necessariamente, o músculo se alonga passi-
bre o úmero, mas sobre a escápula, no tu- vamente uma distância 0'02'
bérculo subglenóide: de modo que esta De modo que a força do tríceps é maior
porção é um músculo biarticular. quando o ombro está flexionado. A porção longa
A eficácia do tríceps é diferente dependen- do tríceps reforça uma parte da potência dos mús-
do do grau de flexão do cotovelo: culos flexores do ombro com o cotovelo estendi-
- em extensão completa (fig. 2-39), a força do (fascículos claviculares do peitoral maior e do
muscular se decompõe em: deltóide); este é um exemplo do papel que desem-
penham os músculos biarticulares. Também é
• um componente centrífugo C, que ten-
maior para o movimento que associa a extensão
de a luxar a ulna para trás;
do cotovelo e a extensão do ombro (a partir da po-
• um componente tangencial ou transver- sição de flexão de 90°), como é o caso do movi-
sal T, o único eficaz e predominante; mento do lenhador ao bater com o machado.
- em ligeira flexão (fig. 2-40), entre 20 e Pelo contrário, a força do tríceps é menor
30°, o componente radial (anteriormente quando o movimento que associa a extensão do
centrífugo) se anula, e o componente efi- cotovelo com a flexão do ombro, como por
caz se confunde com a força muscular: é exemplo dar um soco para a frente (a porção
a posição na qual o músculo desenvolve longa do tríceps fica "cercada" entre dois impe-
a sua máxima eficácia; rativos contraditórios: alongar (flexão), encurtar
- em conseqüência (fig. 2-41), quanto mais (extensão do cotovelo).
aumenta a flexão mais diminui o compo- É bom lembrar que a porção longa do tríceps
nente eficaz T em benefício do compo- constitui junto com o grande dorsal um par adu-
nente centrípeto C; tor do ombro (ver pág. 80).
1. MEMBRO SUPERIOR 101

Fig.2-38 b
Fig.2-39
T

\
\
\

Fig.2-41
0'\ Fig.2-40

Fig.2-42
102 FISIOLOGIA ARTICULAR

OS FATORES DE COAPTAÇÃO ARTICULAR

A coaptação longitudinal impede que a para baixo com relação ao ligamento anular: é o
articulação do cotovelo em extensão se deslo- mecanismo desencadeado no caso da "pronação
que: dolorosa das crianças". O único elemento anatô-
• tanto quando se exerce uma força para mico que impede o "descenso" do rádio com re-
baixo (fig. 2-44, vista externa e figo2A5, lação à ulna é a membrana interóssea.
vista interna), como quando transporta- 2) Resistência à pressão longitudinal
,
mos um balde de água; Só a resistência óssea intervém mecanica-
• quanto quando exercemos uma força pa- mente:
ra cima (figs. 2-47 e 2-48), como acon-
- no rádio: é a cabeça a que transmite as
tece na queda com as mãos para a frente
e os cotovelos em extensão. forças de pressão e a que se fratura
(fig. 2-47);
1) Resistência à tração longitudinal
- na ulna, é o processo coronóide o que
O fato de que a grande cavidade sigmóide transmite as pressões, daí vem a deno-
não ultrapasse os 180° de arco faz com que a tró- minação processo consolador que o de-
clea não fique fixa mecanicamente devido à au- ra Henle. Se fratura por efeito do impac-
sência de partes moles. A coaptação é assegura- to, permite a luxação posterior da ulna.
da por: Devido a isso, a luxação é irredutível
-ligamentos: LU (1) e LLE (2); (fig. 2-48).
- os músculos: não unicamente os do bra- Coaptação em flexão (fig. 2-46)
ço: tríceps (3), bíceps (4), braquial (5), Na posição de ftexão de 90°, a ulna é per-
mas também os do antebraço: braquirra- feitamente estável (a) porque a grande cavidade
dial (6), músculos epicondilares (7), sigmóide está limitada pelas duas potentes inser-
músculos epitrocleares (8). ções musculares do tríceps (3) e do braquial an-
Em máxima extensão, o bico do olécrano terior (5) que mantêm o contato entre as superfí-
se engancha por cima da tróclea na fosseta ole- cies articulares.
craniana, o qual proporciona à articulação úme- Contudo (b), o rádio tende a se luxar para
ro-ulnar certa resistência mecânica em sentido
cima sob a tração do bíceps (4). Somente o liga-
longitudinal. mento anular evita esta luxação. Quando o liga-
Contudo, é preciso ressaltar que a articula- mento se rompe, a luxação do rádio para cima e
ção côndi10-radial está mal disposta para resis- para a frente acontece com a menor tentativa de
tir às forças de tração: a cabeça radial se luxa flexão do cotovelo (contração do bíceps).
1. MEMBRO SUPERIOR 103

Fig.2-44 Fig.2-45

Fig.2-46
104 FISIOLOGIA ARTICULAR

A AMPLITUDE DOS MOVIMENTOS DO COTOVELO

A posição de referência (fig. 2-49) é defi- 40°, estando o cotovelo flexionado em 40° quan-
nida da seguinte maneira: o eixo do antebraço se do tentamos estender o mesmo completamente.
localiza no prolongamento do eixo do braço.
Neste esquema (fig. 2-50), o déficit de ex-
A extensão é o movimento que dirige o tensão é -y, a flexão + x (Df representa então o
antebraço para trás. A posição de referência déficit de flexão) e a amplitude útil de flexão-ex-
corresponde à extensão completa (fig. 2-49); tensão é x - y.
por definição, não existe amplitude no caso da
A flexão é o movimento que dirige o ante-
extensão do cotovelo, menos em alguns sujei-
tos que possuem uma grande lassidão ligamen- braço para diante, de tal maneira que a superfí-
tar, como as mulheres e as crianças, que podem cie anterior do antebraço entra em contato com
alcançar de 5 a 10° de hiperextensão do cotove- a superfície anterior .do braço.
lo (fig. 2-50, z). A amplitude dafiexão ativa é de 145° (fig.
Contudo, a extensão relativa sempre é viá- 2-51).
vel em qualquer posição de flexão do cotovelo. A amplitude da fiexão passiva é de 160° (a
Quando a extensão é incompleta se mede distância entre o coto do ombro e o punho corres-
negativamente; por exemplo, uma extensão de ponde à medida de lima mão fechada: o punho
- 40° corresponde a um déficit de extensão de não entra em contato com o ombro.

AS REFERÊNCIAS CLÍNICAS DA ARTICULAÇÃO DO COTOVELO

Os três pontos de referência, visíveis e pal- mão). No lado externo, por baixo do epicôndilo,
páveis, do cotovelo são: podemos palpar o giro da cabeça radial durante
- o olécrano (2), proeminência do coto- os movimentos de pronação-supinação.
velo, na linha média; Em posição de flexão (fig. 2-53), estes três
- a epitróclea (1), por dentro; pontos de referência formam um triângulo eqÜi-
látero (b), situado no plano vértico-frontal tan-
- o epicôndilo (3), por fora. gente à superfície posterior do braço (a).
Em posição de extensão (fig. 2-52), estes Nas luxações de cotovelo estas conexões se
três pontos de referência estão alinhados na ho- alteram:
rizontal. Entre o olécrano (2) e a epitróclea (1)
se localiza o canal epitrócleo-olecraniano, por - em extensão, o olécrano ascende por ci-
onde passa verticalmente (seta tracejada) o ner- ma da linha epicôndilo-epitroclear (lu-
vo ulnar ou cubital: um impacto violento neste xação posterior);
ponto provoca uma dor de tipo elétrico que se - em flexão, o olécrano recua para trás do
irradia por toda a zona ulnar (borda interna da plano frontal (luxação posterior).

\
1. MEMBRO SUPERIOR lOS

1
./

Fig.2-51 Fig.2-50 Fig.2-49


~/ 3

Fig.2-53
Fig.2-52
106 FISIOLOGIA ARTIClJLAR

POSIÇÃO FUNCIONAL E POSIÇÃO DE IMOBILIZAÇÃO

A posição funcional do cotovelo e a sua po- - fiexão de 90°;


sição de imobilização se definem como segue - pronação-supinação neutra (mão no pla-
(fig. 2-54): no vertical; ver capítulo IlI).

EFICÁCIA DOS GRUPOS FLEXOR E EXTENSOR

Em conjunto, os flexores são um pouco - a força de flexão (seta 2), como quan-
mais eficazes que os extensores: em posição de do elevamos um corpo em suspensão, é
relaxamento, braço pendente ao longo do corpo, de 83 kg.
o cotOl'elo ligeiramente fiexionado, proporcio- 2) Braço em flexão de 90° (AV):
nalmente mais flexionado quanto mais musculo-
so seja o indivíduo. - a força de extensão (seta 3), como quan-
do empurramos um objeto pesado para
A força dos flexores é diferente dependen- frente, é de 37 kg;
do da posição de pronação-supinação:
- a força de fiexão (seta 4), como quando
- a força de flexão em pronação é maior que remamos, é de 66 kg.
- a força de flexão em supinação. 3) Braço vertical ao longo do corpo (B):
De fato, o bíceps está mais alongado e, por- - a força de fiexão (seta 5), como para le-
tanto, é mais eficaz quando o antebraço está em vantar um objeto pesado, é de 52 kg;
pronação.
- a força de extensão (seta 6), como a que
A relação entre ambas as potências é de: realizamos ao levantarmos para cima
5 (F em pronação) em barras paralelas, é de 51 kg.
3 (F em supinação) De modo que existem posições preferen-
Por último, a força dos grupos musculares ciais nas que a eficácia dos grupos é máxima:
é diferente, dependendo da posição do ombro: - no caso da extensão, para baixo (seta 6);
isto se sintetiza no esquema da figura 2-55: - no caso da fiexão, para cima (seta 2).
1) Braço vertical por cima do ombro (O) Isto significa que a musculatura dos mem-
- a força de extensão (seta 1), como no ca- bros superiores está totalmente adaptada para
so do levantamento de pesos, é de 43 kg; trepar (fig. 2-56).

lU
1. .MEMBRO SUPERIOR 107

Fig.2-54

Fig.2-56

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