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conhecer. Com base nos mesmos autores, dizemos que na idéia dominante de sujeito como
“des-a-sujeitação” há uma descaracterização do sujeito social que, na interação sócio-
cultural, tem a capacidade de assumir-se como gestor, produtor, construtor e divulgador do
seu conhecimento, constituindo-se como transformador/criador de seu meio e - ao mesmo
tempo - de si próprio.
Quando um professor encara a ciência com a visão ‘do verdadeiro, do definitivo, do
certo’, ele vai exigir que seu aluno reproduza tal visão, apresentando (e assumindo que há)
uma única resposta verdadeira/correta para qualquer questão que lhe for posta. Por isso é
importante que sejam desenvolvidas formas de como superar essa concepção de ciência
pretensamente neutra, objetivista, empiricista, quantitativista, cumulativa, linear, elitista,
sobre-humana, a-histórica, ainda tão presente nos contextos escolares.
Corroboramos com Amaral e Silva (1999) ao apontar a visão indutivista de ciência
como um dos grandes obstáculos ao ensino e a aprendizagem, por ela supor que a
interpretação dos resultados experimentais seja algo trivial e simples, uma conseqüência
imediata da realização dos experimentos, que ela pode ser feita sem maiores problemas, e
como iniciativa individual de cada estudante, não sendo necessário investir muito tempo
em discuti-la na sala de aula. Por isso referimos, junto com os mesmos autores, que a
filosofia da ciência e a pesquisa em educação científica têm insistido em apontar a visão
indutivista da ciência como um dos principais obstáculos para um ensino de qualidade.
Dentro dessa perspectiva, conforme diz Hodson (1994: 306), o ensino experimental
precisa envolver menos prática e mais reflexão. O autor refere que o trabalho no
laboratório costuma ser restrito no que tange ao tempo de contato que permite manter com
a essência conceitual da aprendizagem. Cita casos que mostram como é difícil lidar com
relações entre ‘conceitos abstratos fundamentais’ e ‘efeitos observáveis’. Isso porque,
segundo ele, ainda que os estudantes percebem o laboratório como um lugar onde estão
ativos (no sentido de “estar fazendo algo”), muitos são incapazes de estabelecer a
conexão entre o que estão fazendo e o que estão aprendendo (tanto em termos de
conhecimentos conceituais como de conhecimentos relativos ao procedimento).
Hodson (1994) discute o fato de que um dos objetivos atribuídos por professores
para as atividades práticas no ensino de ciências é a motivação dos alunos. O autor chama
a atenção de que nem sempre isto se sucede, que há alunos que expressam antipatia ao
trabalho prático e que o entusiasmo que tal atividade pode causar diminui de maneira
significativa à medida que os alunos vão se tornando mais maduros.
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Segundo o autor, o que freqüentemente resulta como atrativo para os alunos quando
os professores se utilizam desse recurso pedagógico é a oportunidade para pôr em prática
métodos de aprendizagem mais ativos, para interatuar mais livremente com o professor e
com outros alunos e para organizar o trabalho que melhor se adapte ao gosto do aluno, e
não a ocasião de levar a cabo uma investigação de banco de laboratório por si (Hodson,
1994: 301). Acerca das limitações na efetividade das atividades práticas na aprendizagem
científica, o autor refere que o que acontece é que os professores de ciências mantêm a
crença em objetivos que supõem serem alcançados ainda que tais objetivos não lhes sejam
explícitos.
Ao discutir razões apontadas por professores para fazer com que os estudantes
participem em atividades práticas, o autor chama a atenção que nenhuma atividade
experimental assegura, por si só, a obtenção dos efeitos esperados na aprendizagem. Refere
que muitas das dificuldades relativas ao ensino experimental devem-se à maneira
irreflexiva com que os elaboradores de planos de estudo e os professores fazem uso do
trabalho prático. Aponta que, em poucas palavras, o ensino experimental é sobreutilizado e
infrautilizado. É usado em demasia no sentido de que os professores empregam as práticas
como algo normal e não como algo extraordinário, com a idéia de que servirá de ajuda
para alcançar todos os objetivos de aprendizagem. É infrautilizado no sentido de que
somente em poucas ocasiões se explora completamente seu autêntico potencial. Pelo
contrário, grande parte das práticas que oferecemos são mal concebidas, são confusas e
carecem de valor educativo real. (Hodson, 1994: 300/305).
Assim, se a experimentação é escassa no Ensino das Ciências, preocupa-nos,
sobremaneira, a sua inadequação e sua incapacidade para promover aprendizados que se
mostrem significativos, relevantes e duradouros. Além de escassa, a experimentação é
infrutífera. Como se diz, ‘fica-se na experimentação pela experimentação’. Por isso, ao
questionarmos a forma como a experimentação foi introduzida e vem sendo desenvolvida
nas aulas de ciências, insistimos em criticar a ampla carência de objetivos e de
intencionalidades visivelmente expressos no sentido das interações e das aprendizagens em
sala de aula.
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Citação de António Francisco Cachapuz durante palestra apresentada no Programa de Pós Graduação em
Educação da Universidade Metodista de Piracicaba em 30/05/99.
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resposta verdadeira e correta para qualquer tipo de questão ou problema que se apresente,
segundo a qual o científico é algo taxativo, inquestionável e exato, a ser transmitido de
forma pronta e cumulativa através da escola.
De acordo com tal pensamento, a ciência parte da observação empírica e
objetivamente construída. Tal modalidade de observação, considerada como componente
mais importante da investigação e da produção científica, assegura que o conhecimento
gerado pela investigação tenha caráter fidedigno, até porque o pesquisador está livre de
qualquer preconceito ou idéia anterior ao fazer suas descobertas. A partir de tais
observações objetivas, seguidas da posterior generalização, decorrem diretamente as
teorias e leis universais da Ciência (Chalmers, 1993).
Por outro lado, cresce uma corrente de pensamento que se opõe a essa visão de que
a ciência ‘brota’ da observação empírica, objetiva e indutiva. Novos moldes de
organização do ensino de ciências vêm sendo propostos no sentido de superar essa
problemática. Contudo, tal linha de mudança - difícil de ser concretizada - não pode ser
vista de forma simplista nem imediatista. Profunda, lenta, gradual e difícil, ela requer
formas outras de articulação das dinâmicas de organização das salas de aula, o que só será
possível através da superação da visão positivista de ciência, do papel da experimentação
no ensino e de formação humana.
Nesse sentido, Barberá (1996) aponta que, quando o trabalho científico
desenvolvido na escola se orienta pela prática indutiva, isto é, - vale-se de uma série de
passos consecutivos característicos (observação e experimentação, generalização indutiva,
formulação de hipóteses, tentativa de verificação, comprovação ou recusa e obtenção de
conhecimento objetivo) - isso expressa uma concepção de ciência empirista-indutivista não
só para os alunos mas também, dos professores.
Como sabemos, por exemplo, a imagem do cientista veiculada pelo ensino de
ciências é a de um homem maduro e imparcial, disposto sempre a acatar as idéias dos
demais e a divulgar as próprias idéias. Não emite juízos apressados, sendo que sua
objetividade está isenta de incertezas, pré-concepções e intencionalidades subjetivas. A
ciência está escondida por dentro dos fenômenos a espera de ser simplesmente descoberta.
Ser um cientista é algo inatingível para a maioria das pessoas, porque somente uns poucos
têm condições para sê-lo (Barberá, 1996).
Por isso, os objetivos propostos para a aprendizagem a partir da experimentação
tendem a fracassar quando o professor não considera que o conhecimento teórico
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disponível possa ser insuficiente, quando trabalhos práticos são introduzidos de forma
tecnicista no ensino de ciências, quando se veicula uma imagem distorcida, estereotipada e
idealizada de cientista, de método científico e de ciência, conforme referido anteriormente.
Chalmers (1993: 61) é um dos autores que assinala que tanto a observação como o
experimento orientam-se pela teoria. Nos dizeres do autor, não se trata de descobertas,
mas de produção de conhecimentos. Admite-se livremente que novas teorias são
concebidas de diversas maneiras e, freqüentemente, por diferentes caminhos. As teorias
podem ser, e geralmente são, concebidas antes de serem feitas as observações necessárias
para testá-las. É essencial compreender a ciência como um corpo de conhecimento
historicamente em expansão e que uma teoria só pode ser adequadamente avaliada se for
prestada a devida atenção ao seu contexto histórico. A avaliação da teoria está
intimamente ligada às circunstâncias nas quais ela surge. Não se pode manter uma
distinção acentuada entre a observação e a teoria porque a observação ou, antes, as
afirmações resultantes da observação são permeadas pela teoria.
Então, argumenta que o indutivista ingênuo está errado em duas considerações: (i) a
ciência não começa com proposições de observação, porque algum tipo de teoria as
precede; (ii) as proposições de observação não constituem uma base firme na qual o
conhecimento científico possa ser fundamentado porque são sujeitas a falhas. Ao dizer
isso, o autor não defende que as proposições de observação não deveriam ter papel algum
na ciência e, por serem falíveis, não recomenda que sejam descartadas. Considera incorreto
o papel atribuído, pelos indutivistas, às proposições de observação na ciência.
Como diz o autor, o indutivista ingênuo da ciência foi amplamente solapado pelo
argumento de que as teorias devem preceder as proposições de observação, sendo falso
afirmar que a ciência começa pela observação. Ilustra claramente, através de exemplos, que
as proposições de observação dependem da teoria e, portanto, são sujeitas a falhas.
Comenta outra maneira pela qual o indutivismo é solapado: as proposições de observação
são tão sujeitas a falhas quanto as teorias que elas pressupõem e, portanto, não
constituem uma base completamente segura para a construção de leis e teorias científicas.
(Chalmers 1993: 55). Nesse sentido dizemos, junto com o autor, que a base segura sobre a
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uma vez que nossos olhos vêem aquilo que somos capazes de ver. Vemos através dos
estímulos físicos da luz sobre nossa retina, mas somente através disso. A visão é uma
função que requer outras capacidades além das que nos são propiciadas através de nossos
olhos. Vemos através de todo o nosso sistema nervoso, da seleção de imagens, da
neurotransmissão, da interpretação dos sinais físicos pelo cérebro, no que implica a nossa
memória, o nosso conhecimento, a nossa inteligência, a nossa imaginação, e
condicionantes outros dessa função complexa que nos faz ‘ver o que estamos a ver’.
Como diz Chalmers (1993: 48-49), dois observadores normais vendo o mesmo
objeto do mesmo lugar sob as mesmas circunstâncias físicas não têm necessariamente
experiências visuais idênticas, mesmo considerando-se que as imagens em suas
respectivas retinas possam ser virtualmente idênticas. O que um observador vê, isto é, a
experiência visual que um observador tem ao ver um objeto, é afetado por suas vivências
anteriores, isto é, depende em parte de sua experiência passada, de seu conhecimento e de
suas expectativas.
Assim, não há a pretensa neutralidade ou isenção do sujeito na observação e, se é
essencial que o ensino das Ciências considere observações, estas nunca serão simplesmente
empíricas ou objetivas. Concordamos com os dizeres de Machado (1999: 165) ao
considerarmos, com ela, que através das observações desenvolvemos uma construção
discursiva dos fenômenos e não uma construção empírica dos mesmos. O observador
nunca estará livre de suas pré-concepções que sempre norteiam as suas percepções.
Com base numa exemplificação feita pela autora, dizemos que os alunos, frente a
um fenômeno químico, não vão observá-lo, e muito menos compreendê-lo, no sentido do
que seja uma transformação química, apenas porque tiveram um acesso ‘visual’ ao
fenômeno. Os alunos vêem o que são capazes de ver e fazem relações através de
condicionantes e interesses pessoais sempre subjacentes. Não basta simplesmente que
façam o experimento ou acompanhem uma demonstração feita pelo professor, uma vez que
a compreensão sobre o que é o fenômeno químico se dá na mediação pela/com a
linguagem e não através de uma pretensa observação empírica. Em discussões, nos
contextos escolares, é importante comentar situações e idéias relativas a esses modos como
‘reconhecemos’ algo e sinalizar para a relevância dos ‘pontos de referência’ nas nossas
vidas, sem os quais não reconheceríamos nada do que conhecemos.
Discutir sobre a participação da experimentação no ensino de ciências implica
discutir idéias como essas, a de que não vemos somente através do nosso ‘ver fisiológico’
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mas, também, através do ‘ver que reconhece o que vê’. A visão da observação
pretensamente biológica, objetiva e impessoal não dá conta do inteiro na relação com as
razões fundamentais das coisas, ou seja, com os conceitos e linguagens através dos quais
nos constituímos como seres sociais. Quando vemos algo, vemos com toda a história que
vivemos, vemos pelo que fomos, vemos pelo que somos, vemos pelo que pensamos, por
isso nossa história de vida está presente na nossa visão. Assim como só somos capazes de
nos orientar geograficamente através de referências - imagens através das quais nos
situamos para nos localizar no espaço -, do mesmo modo nós vemos e conhecemos,
também, através de referenciais, idéias e teorias que podemos 'lançar mão' para tal.
É com base em considerações como essas que queremos discutir o papel da
experimentação no ensino de ciências e o papel do professor neste ensino.
adaptação das atividades práticas a objetivos claramente expressos, que possam demarcar
aspectos formativos subjacentes aos processos do ensinar-aprender ciências. Relativamente
à aprendizagem da ciência, Hodson (1994: 306) sinaliza para um enfoque alternativo que
possa propiciar aos estudantes a exploração da capacidade que eles têm, em um momento
concreto, de compreender e avaliar a firmeza de seus modelos e teorias para alcançar os
objetivos da ciência, bem como em oferecer estímulos adequados para o desenvolvimento
e a mudança. O autor sugere que tal enfoque alternativo inclua a identificação e exploração
de idéias e pontos de vista dos estudantes; o estímulo a que os alunos desenvolvam e
modifiquem suas idéias e pontos de vista; o apoio aos esforços, tentativas, intentos dos
alunos de repensar/reelaborar suas idéias e pontos de vista.
Segundo nosso pensamento a função do ensino experimental - e a do professor
nesse ensino - relaciona-se com a adoção de uma postura diferente sobre como conceber,
ensinar e aprender ciências, postura baseada, segundo Hodson, no propósito de ajudar os
alunos a explorar, desenvolver e modificar suas idéias, ao invés de ou desprezá-las ou
sempre reiniciá-las, pois do mesmo modo que a investigação científica, que leva ao
desenvolvimento ou à substituição de teorias partindo da matriz teórica existente, também
as atividades concebidas para produzir o desenvolvimento conceitual dos aprendizes
deveriam inspirar-se em sua compreensão. ... Os alunos deveriam ser estimulados a
explorar suas opiniões pondo a prova sua capacidade para a explicação. Se se demostra
que suas idéias não são adequadas, se lhes pode animar a que as modifiquem ou que
produzam outras novas. (Hodson, 1994: 306)
Nesse sentido reiteramos que é essencial, aos processos interativos e dinâmicos que
caracterizam a aula experimental de ciências, a ajuda pedagógica do professor que, em
relação não simétrica, faz intervenções e proposições sem as quais os alunos não
elaborariam as novas explicações - relacionadas às ciências - aos fatos explorados na sala
de aula. Tal exploração não se baseia na observação empiricamente construída mas, sim,
na problematização, tematização e conceitualização com base em determinados aspectos
práticos/fenomelógicos evidenciados. Nesses contextos é possível explicitar e discutir os
pontos de vista de modo a extrapolar as idéias compreensivas iniciais dos estudantes,
através das contraposições e intervenções específicas e intencionais do professor.
Segundo nosso pensamento, de nada adiantaria realizar atividades práticas em aula
se esta aula não propiciar o momento da discussão teórico-prática que transcende o
conhecimento de nível fenomenológico e os saberes cotidianos dos alunos. Como sabemos,
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não são raras as aulas práticas que se restringem a procedimentos experimentais, ficando
como tarefa de casa a elaboração de um relatório que, em geral, prioriza procedimentos,
materiais usados e observações, em detrimento de explicações e significações no nível
teórico-conceitual. Tais explicações/teorizações - que se referem ao uso de determinadas
linguagens e modelos teóricos próprios às ciências - são impossíveis de serem
desenvolvidas pelos alunos de forma direta e requerem, insistimos em dizer isso, a ajuda
pedagógica especial do professor.
Nesse sentido, com base em Mortimer et alii (2000: 273) chamamos a atenção para
outro aspecto: ausência dos fenômenos nas salas de aula pode fazer com que os alunos
tomem por ‘reais’ fórmulas de substâncias químicas, equações químicas ou modelos
expressos nos livros didáticos e/ou nas salas de aula. Os referidos autores representam
através da forma triangulada que segue as inter-relações entre três aspectos ou níveis do
conhecimento nas ciências. Segundo essa visão, propomos que cada aula de ciências
abranja articulações dinâmicas, permanentes e inclusivas entre três dimensões ou níveis do
conhecimento nunca dissociados entre si: (i) o fenomenológico ou empírico, (ii) o teórico
ou ‘de modelos’ e (i) o representacional ou da linguagem.
Representacional/Linguagem Teórico/Modelo
Prático/Fenomenológico
expositiva ou, como se costuma dizer, ‘teórica’. O que seria uma forma ou a outra? Hoje
aula expositiva e amanhã aula experimental? Ou um extremo ou o outro? Ou a teoria, ou a
prática? Refletir sobre a natureza das aprendizagens propiciadas pelo ‘ensino experimental’
em Ciências, em suas inter-relações teoria-prática, implica discutir o papel específico desse
ensino de ser dinamizador e facilitador da articulação entre saberes da prática e saberes
teóricos, diversificados mas ambos integrantes dos processos do aprender Ciências.
Nesse sentido, um dos grandes equívocos sobre o qual é importante discutir é o de
limitar a visão da prática aos fatos criados na sala de aula (experimentos), sem considerar
as articulações sempre possíveis de serem estabelecidas com a prática dos fatos trazidos
para a sala de aula, relativos aos fenômenos vivenciados nos contextos fora da escola.
Tratar da inter-relação teoria-prática no ensino, segundo nosso entendimento,
implica considerar a possível articulação de duas ênfases curriculares usualmente pouco
articuladas entre si: (i) o ensino experimental através do laboratório e (ii) o ensino através
de vivências socio-culturais fora da escola, isto é, o cotidiano do aluno. Tal modalidade de
inter-relação acena para uma possível forma de aproximação entre construções teóricas da
Ciência (saberes científicos) e realidades contextualizadas, próximas aos alunos - sejam
fatos criados em sala de aula (laboratório), sejam fatos trazidos do cotidiano vivido fora da
escola.
Ao valorizar a visão da experimentação como uma estratégia dinâmica e interativa
que privilegia a negociação de significados de saberes e que favorece a construção de
conhecimentos a partir da exploração de contextos (reais ou criados), queremos estimular a
atividade cognitiva e o desenvolvimento de potencialidades do aluno para a vida na
sociedade/ambiente.
Consideramos importante que sejam discutidas possíveis repercussões, no ensino,
de proposições como a apontada por Sousa Santos (1988: 57) no sentido de uma inversão
da ruptura epistemológica feita pela produção ‘científica’. Na ciência moderna a ruptura
epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento do senso comum para o
conhecimento científico; na ciência pós-moderna o salto mais importante é o que é dado
do conhecimento científico para o conhecimento do senso comum. O conhecimento
científico pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso
comum.
Acreditamos que a experimentação pode ser uma estratégia de ensino que vincule
dinamicamente a Ciência com vivências do aluno, na perspectiva de que ela deixe de ser
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Segundo Astolfi e Develay (1990: 36), ensinar um conceito de biologia, física ou química
não pode mais se limitar a um fornecimento de informações e de estruturas
correspondendo ao estado da ciência do momento, mesmo se estas são eminentemente
necessárias, pois esses dados só serão eficazmente integrados pelo docente se chegarem a
transformar de modo durável suas preconcepções. Ou seja, uma verdadeira aprendizagem
científica se define no mínimo, tanto pelas transformações conceituais que produz no
indivíduo quanto pelo produto de saber que lhe é dispensado.
É indiscutível que a competência de todo o professor supõe o domínio do conteúdo
científico específico, mas é igualmente reconhecido que isso por si só não garante a
promoção de uma aprendizagem significativa, sendo necessário que o professor saiba
transformar tal conteúdo em um conhecimento pedagogicamente assimilável pelos alunos.
De acordo com Astolfi e Develay (1990: 51), o valor intrínseco de um conteúdo nunca é
suficiente para fundar sua inserção didática. Afirmam que esta depende também de um
projeto educativo que conduza a uma seleção dentre as várias possibilidades, tornando-se
inevitável o cuidado na transposição didática, principalmente, nas disciplinas científicas.
Como comenta Prigogine (1991: 215), as ciências ditas ‘exatas’ têm hoje por função
sair dos laboratórios onde, pouco a pouco, aprenderam a necessidade de resistir ao
fascínio de uma busca da verdade geral da natureza. Elas, sabem, de ora em diante, que
as situações idealizadas não lhes darão a chave universal, pelo que devem, em fim, tornar
a ser ‘ciências da natureza’, confrontadas com a riqueza múltipla que, durante muito
tempo, se acharam no direito de esquecer. Por isso, colocar-se-á para elas o problema do
diálogo necessário com saberes preexistentes a respeito de situações familiares a cada
um, problema esse a propósito do qual alguns quiseram estabelecer a singularidade das
ciências humanas, quer para as elevar, quer para as rebaixar. Tal como as ciências da
sociedade, as ciências da natureza não poderão mais, agora, esquecer o enraizamento
social e histórico que a familiaridade necessária à modelagem teórica de uma situação
concreta supõem. Importa, portanto, mais do que nunca, não fazer desse enraizamento um
obstáculo, não concluir da relatividade dos nossos conhecimentos por um relativismo
desencantado qualquer. Assim, a ciência se afirma hoje como ciência humana, ciência
feita por homens e para homens.
Queremos realçar, através dessa perspectiva, a valorização de uma interação através
da qual o estudante transforma, produz, constrói e cria o real, nunca dado, nunca a ser
simplesmente reproduzido. Queremos realçar, também, a visão da Ciência como um
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pensamento, como uma criação humana, superando a visão de que a ciência está presente
no real, a espera de ser descoberta. A observação é sempre carregada de teoria e, dia a dia,
o laboratório e o cotidiano podem ser tomados como referência essencial às interlocuções,
como pontos de partida - nunca como formas válidas por si só - para a promoção das
potencialidades humanas.
Dizemos, junto com Machado (1999: 182), que a vida é dialógica por natureza, que
viver a sala de aula significa participar vivamente em um diálogo: interrogar, escutar,
responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa todo e com toda a sua vida:
com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, com as suas ações.
É participar desse diálogo, podendo conhecer um certo modo de pensar e de falar do
mundo, compreendendo que existem muitos modos de conhecer e de dizer. É se pôr todo
na palavra e com essa palavra, entrar no tecido dialógico da existência humana, no
simpósio universal”.
Dizemos, também, junto com Amaral e Silva (2000), que é necessário e viável que
as aulas de laboratório contemplem discussões essencialmente teóricas, que os estudantes
podem/devem discutir as interpretações teóricas dos resultados obtidos e que eles
podem/devem formular modelos representativos dos fenômenos observados. Valorizamos
discussões teórico-práticas, em que a teoria seja o confronto e a inter-relação entre idéias
diversas dos estudantes e do professor, dessas idéias com a teoria cientificamente aceita e
das teorias com os resultados experimentais. Valorizamos a reflexão crítica sobre
resultados experimentais a partir das expectativas teóricas. Contrapomos isso ao ensino
vigente, calcado no modelo da transmissão-recepção, em que o laboratório funciona de
forma mágica, de onde surgem as descobertas e as respostas verdadeiras/válidas para
qualquer questão, ou a mera comprovação de “ verdades” teóricas.
Nossa reflexão quer valorizar, assim, a visão do saber escolar como um saber
mediador que se dá na inter-relação dinâmica/dialética entre saberes existentes e novas
formas de saber, entre saberes próximos e distantes, entre saberes de nível mais concreto e
mais abstrato, entre formas mais simples e mais complexas de saber. Isso se relaciona, sem
dúvida, com a intervenção essencial do professor e de outros interlocutores, como colegas,
autores de publicações (livros, internet), sem o que não se mudaria as ‘formas de ver e de
agir no real’.
Nesse sentido, valorizamos o papel da escola como produção cultural na trama de
interações/mediações que permeiam os processos de negociação de significados de saberes
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REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS