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Profissionais abandonam suas


carreiras para se tornarem
terapeutas
13–17 minutos

Quando a terapeuta de Gareth Barnes perguntou se ele estava


satisfeito no trabalho, ela não pretendia sugerir que ele
seguisse seu exemplo. Mas a pergunta foi o catalisador para
que ele embarcasse em uma nova carreira, em psicoterapia.

“Meu trabalho não combinava com meus valores e com o que


eu realmente queria fazer”, diz Gareth, de 50 anos, que, na
época, trabalhava em um escritório de advocacia. Quase cinco
anos depois, ele tem um diploma de psicoterapeuta, um
emprego em uma provedora de terapia no local de trabalho e
seus próprios clientes particulares. “Foi a melhor coisa que já fiz
na vida.”

Barnes é apenas um exemplo do crescente número de


trabalhadores, que vão desde agricultores a altos executivos de
bancos de investimentos, que abandonam profissões exercidas
há muito tempo a fim de fazer um curso e se reciclar
profissionalmente como terapeutas.

Com o aumento da adesão a terapias verbais, mais pessoas


passaram a considerá-las não apenas para superar problemas
pessoais e sim como uma maneira de sair da labuta corporativa
em favor de uma carreira mais significativa. “A psicoterapia

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ficou cada vez mais popular”, diz Irena Bezic, presidente da


Associação Europeia de Psicoterapia. “Acho que essa é a
profissão deste século.”

Dados de filiação a entidades profissionais mostram que os


números de novos membros do setor aumentaram nos últimos
cinco anos. Entre abril de 2020 e abril deste ano, o número de
filiados à Associação Britânica de Orientação e Psicoterapia
(BACP, nas iniciais em inglês), uma das maiores do Reino
Unido, aumentou em 27%, para 66 mil membros, e a filiação
estudantil teve um acréscimo de mais de 33%, para 13 mil
membros.

Crescimento no número de profissionais que desejam se tornar


terapeutas vem acompanhado do aumento de pessoas que
buscam a psicoterapia para superar problemas pessoais —
Foto: Pexels

A escalada segue-se ao sólido aumento da demanda por


serviços de saúde mental. Dados mostram que, entre 2017 e o
ano passado, o número de pessoas em contato com os
serviços de saúde mental do National Health Service (NHS),o

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serviço nacional de saúde britânico, subiu 25%, para 4,5


milhões. Provedores privados notificaram ter crescido o número
de pessoas que buscam fazer terapia autofinanciada, enquanto
a entidade assistencial Rethink Mental Illness diz que as
visitas ao seu site de aconselhamento técnico aumentaram
175% ao ano desde março de 2020.

“Mais pessoas do que nunca se filiaram, elas mesmas, à


terapia, o que significa que um contingente maior vê benefício
em passar por um curso de reciclagem profissional para ajudar
outras”, diz Kris Ambler, da BACP.

Nathan Shearman, diretor da provedora de treinamento em


terapia Red Umbrella, observou essa movimentação com um
grupo até agora inesperado: o de agricultores. Quando ele fez
parceria com uma entidade assistencial a fim de oferecer
orientação gratuita a trabalhadores agrícolas no ano passado,
previa atrair algumas dezenas de clientes. Mas, até agora, mais
de 400 se inscreveram.

Alguns foram além e se inscreveram em cursos de treinamento


para se tornar prestadores de primeiros socorros em saúde
mental, oferecidos como parte do programa, e vários avaliam se
vão aderir ou não a cursos mais avançados. “Em uma área
como agricultura, onde o futuro é muito incerto, eles começam a
encarar a orientação como uma opção”, diz Shearman.

Embora muito distante da atividade agrícola, este é, também,


um caminho que encerra desafios. Em países como Áustria e
Alemanha, os psicoterapeutas têm de deter, legalmente,
determinadas qualificações que exigem vários anos de estudos.
No Reino Unido, apesar de apelos em favor de
regulamentação, que barre a prática da profissão por pessoas
não qualificadas, não há restrição legal sobre quem pode se

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autodenominar terapeuta. Em vez disso, os praticantes da


profissão devem se filiar a órgãos de credenciamento, como o
BACP, que exigem níveis semelhantes de preparação formal.

Normalmente, aspirantes a terapeutas fazem um curso básico,


depois se diplomam em competências de orientação,
normalmente em uma faculdade, antes de um curso mais longo
em uma universidade ou em uma formadora de especialistas
que associa a aprendizagem em sala de aula ao estágio em
local de trabalho. Alguns cursos podem ser financiados com
empréstimos do governo, mas muitos estudantes precisam
continuar trabalhando ou recorrer a poupanças para financiar
sua nova carreira.

E, embora as contratações estejam aquecidas, os novatos


recém-contratados não têm emprego garantido.

No site de recrutamento

De fato, as postagens de empregos ligados a terapia estão 80%


superiores ao que eram antes da pandemia no Reino Unido. O
interesse por essas funções – medidas em termos de “cliques
por postagem” – também subiu 9%, o que sugere que o
ingresso de estagiários ainda não superou o crescimento dos
postos de trabalho disponíveis.

Mas, em pesquisa da BACP do ano passado, apenas 40% dos


respondentes concordaram com a afirmação de que poderiam
ganhar seu sustento exercendo o trabalho de terapeuta. Quase
75% disseram que o trabalho de terapia captava uma receita de
menos de 30.000 libras esterlinas anuais, dos quais 37%
ganhavam 12.500 libras esterlinas anuais ou menos.

Nicola Ball, que veio a ser fundadora de um centro de


orientação profissional em Glasgow após fazer um novo curso

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para se reciclar profissionalmente, diz que o mercado ficou mais


apertado. “Houve mais vagas de trabalho do que...pessoas
[para trabalhar] por muito tempo. Agora, mais pessoas estão
qualificadas, e [os clientes] podem detalhar de fato o que
precisam.”

Samia*, que trabalha em produção de mídia, planeja uma


carreira em terapia para equilibrar melhor sua vida profissional
e pessoal e também para se contrapor à “falta total” de pessoas
de cor na profissão.

De gerente de RH a terapeuta profissional

Ao contrário de vários aspirantes a orientadores profissionais,


Maria* não estava na área de terapia antes de partir para um
curso de preparação. Como gerente de recursos humanos, ela
resolveu sair do mercado financeiro de Londres e criar uma
empresa de consultoria, após se decepcionar com o tratamento
antipático que recebeu dos funcionários no banco de
investimentos em que trabalhava.

O apoio institucional, além disso, era escasso, e o pessoal não


tinha o costume de expor seus problemas. “Percorremos uma
grande distância em relação àquela época, da perspectiva
geracional. As pessoas estão preparadas para falar e revelar
[seus problemas]”, diz ela.

Após testemunhar crises de saúde mental em sua própria


família, Maria resolveu dar o passo de fazer um curso de
reciclagem profissional para atuar como terapeuta. De certa
forma, foi uma decisão inesperada.

“Venho de uma origem de classe trabalhadora italiana – não


discutíamos, na verdade, sentimentos e emoções”, diz ela. “Se
você me perguntasse em 2010 se seu seguiria esse caminho,

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eu teria dito que não.”

Ela acaba de terminar seu curso básico. Agora fará um curso


de treinamento mais intensivo, que inclui estagiar em um local
de trabalho um dia por semana, juntamente com uma terapia
pessoal particular. “Aprendi tanto sobre mim... Eu recomendaria
com força esse processo como uma viagem.”

Aos 47 anos, ela sente que sua experiência, tanto de vida


quanto de gerir sua própria empresa – a aprimorará na nova
carreira. Será também uma experiência útil em termos práticos,
uma vez que ela tem recursos em poupança para financiar seus
estudos e continuará trabalhando como consultora
paralelamente ao curso de reciclagem profissional.

Como mãe de dois adolescentes, ela espera se especializar em


psicologia infantil e em psicologia para adolescentes e talvez
abrir um consultório particular ou trabalhar para uma entidade
assistencial, enquanto dá continuidade a seu trabalho como
consultora. “Estarei trabalhando por conta própria, escolhendo
minhas próprias horas de trabalho, seja em RH ou em
psicoterapia”, diz ela.

Apesar de seus 20 anos de terapia como paciente, ela só


recentemente encontrou um terapeuta que compartilhava de
sua herança do Sul da Ásia, o que destaca o quanto a falta de
consonância cultural tinha sido um obstáculo. “Eu queria
começar a neutralizar esse problema.”

Teve, no entanto, de esgotar sua poupança para financiar o


curso de reciclagem profissional, e acha que os altos custos
impedem pessoas como ela de ingressarem no setor.

Além disso, os postulantes à profissão, geralmente têm de se


submeter, também, à terapia - o que aumenta os custos em
várias centenas de libras esterlinas mensais. Para alguns

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membros consagrados da profissão, ser pagos por recém-


chegados deixa pouco à vontade. “Trata-se, na verdade,
apenas de um esquema piramidal”, comenta ironicamente
Kaspar*, que começará a estudar neste ano.

A prática da autorreflexão por toda a vida, no entanto, é uma


das principais atrações nesse setor. “Você pensa que vai ajudar
outras pessoas [mas] você está na verdade se ajudando e se
informando sobre você mesmo”, diz Ball.

Ocupar-se de sua própria constituição psicológica, por meio de


terapia pessoal e de aulas, tem sido tarefa “incrível”, embora
difícil, acrescenta Samia. “Você realmente se sente como se
todo o seu ser estivesse sendo retalhado e observado de
perto.”

Na Tavistock Relationships, uma provedora de orientação de


casais que também treina terapeutas, um curso de quatro anos
de mestrado fornecido em parceria com a universidade
Birkbeck, de Londres, custa 7.395 libras esterlinas anuais. Ao
computar habitualmente mais candidatos do que vagas, o curso
atraiu neste ano inscrições vindas de profissionais das áreas de
jornalismo e do setor de viagens aéreas, que têm demitido
funcionários com competências em pensamento analítico ou
comunicações.

Andrew Balfour, CEO da Tavistock Relationships, diz que o


curso envolve “trabalhar intimamente” com questões profundas
– exatamente como na profissão para a qual os alunos estão
estudando. “A terapia se preocupa com os emaranhados que
realmente temos na vida e nas relações [e] em entendê-los em
um nível inconsciente”, diz ele. “Começa como tendo a ver com
o sentido da vida.”

Neste ano, vários candidatos foram inspirados pela série de TV

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“Couples Therapy”, filmada no consultório estilo anos 50 de


Orna Guralnik, acrescenta.

O BACP não recomenda que recém-formados inaugurem seu


próprio consultório particular, embora alguns façam isso. Para
muitos novos terapeutas, uma primeira etapa mais realista
poderia ser trabalhar em um programa de assistência ao
funcionário (EAP, nas iniciais em inglês). As empresas que
atuam nesse subsetor de crescimento acelerado oferecem às
empresas serviços de saúde mental para seu pessoal,
normalmente, sob a forma de consultas por telefone ou cursos
direcionados de orientação de prazo fixo.

Alguns terapeutas encaram essas provedoras com restrições,


argumentando que oferecem uma forma relativamente
superficial de assistência e remuneração mais baixa. Mas
Ambler diz que elas constituem uma “boa trajetória”, muitas
vezes paralelamente ao trabalho particular ou à orientação
oferecida gratuitamente para entidades assistenciais.

Empregadores como os escritórios de advocacia Hogan


Lovells e Linklaters e o banco Goldman Sachs também
começaram a oferecer respaldo psicológico à equipe, com
terapeutas no local de trabalho.

A EAP Health Assured, em Manchester, onde Barnes trabalha


meio período, disse que a demanda disparou, em parte porque
os empregadores estão preocupados com o possível impulso
da má saúde mental sobre o absenteísmo de seu pessoal.
“Esse fator não está dando trégua, e não vamos mandar
ninguém embora”, diz a diretora clínica Kayleigh Frost.

Os clientes têm necessidades mais complexas do que nos anos


anteriores, acrescenta, e os EAPs se tornaram uma “tábua de
salvação” em parte devido às pressões incidentes sobre os

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serviços de saúde do governo britânico.

Cerca de 20 mil psicoterapeutas são empregados pelo NHS,


segundo a Psychological Professionals Network. Embora o
governo esteja expandindo as terapias baseadas em
conversas, as restrições na ponta do financiamento alongam as
listas de espera.

E, num momento em que um maior número de pessoas estuda


a possibilidade de trabalhar em terapia, a precariedade da
remuneração e das condições do setor público faz com que o
trabalho de enfermagem e de assistência social sofra de
escassez de pessoal.

Lorna*, de 34 anos, é uma enfermeira de saúde mental do


NHS, mas está em curso de reciclagem para se tornar uma
terapeuta sexual. Embora se proponha a continuar a trabalhar
como enfermeira por meio período, no longo prazo, a terapia,
segundo espera, vai lhe oferecer melhor remuneração e
condições.

O sistema está tão pressionado, e quando eu tiver 60 anos não


consigo me imaginar trabalhando da forma que trabalho agora”,
diz ela. “É um planejamento para o futuro, fazer algo que eu
realmente quero fazer.” (Traduzido por Rachel Warszawski)

*Alguns nomes foram alterados.

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