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Impacto
do diagnóstico precoce e
tardio da dislexia - compreendendo
esse transtorno
Patricia Cristina Pinto Carceres; Priscila Covre
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Impacto do diagnóstico de dislexia
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Carceres PCP & Covre P
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Impacto do diagnóstico de dislexia
Os dois grupos diferiram com relação à distri dos por eles. A maioria dos tópicos coincidiu com
buição do sexo e da faixa etária. A metodologia as perguntas feitas na entrevista, contudo, alguns
de recrutamento dos participantes, que dependeu foram extrapolações das perguntas realizadas. A
basicamente da indicação dos voluntários por Tabela 2 descreve brevemente cada tópico. Os
especialistas, não permitiu que essas varáveis comentários dos participantes a respeito deles
fossem controladas. Reconhecemos que esses fa estão apresentados de maneira resumida, segui
tores têm potencial influência sobre a forma como dos de uma comparação entre os dois grupos de
os participantes analisam o impacto da dislexia participantes.
e de seu diagnóstico em sua vida. Contudo, por
se tratar de um estudo exploratório e qualitativo, Tópico 1. Dificuldades na infância: aspectos
optou-se por prosseguir com a análise dos resul cognitivos
tados e considerar esses aspectos na discussão Todos os participantes com diagnóstico na
dos dados. infância mencionaram problemas para aprender
a ler, com aquisição lenta (I1), tendência a trocar
Respostas à Entrevista ou inverter letras ou sílabas (I1 e I3), a pular
As respostas fornecidas pelos participantes linhas durante a leitura (I1), a não compreender
foram agrupadas em função dos tópicos aborda o que era lido (I1 e I3) e a ser menos fluente e
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lento na leitura (I3). Um dos participantes rela Comparação entre os grupos: os participantes
tou que as dificuldades de leituras eram maiores dos dois grupos relataram influência da dislexia
quando precisava ler em voz alta em frente à sala sobre a autoestima. O grupo diagnosticado na
de aula (I2). Também foram relatados problemas vida adulta relatou um impacto maior em suas
na capacidade de concentração, principalmente vidas acadêmicas, sendo que todos repetiram de
perante tarefas difíceis (I3). Todos os participan ano e a maioria mais de uma vez.
tes diagnosticados na vida adulta mencionaram
dificuldades acadêmicas de uma maneira geral, Tópico 3. Apoio da família na infância
com problemas para compreender o que liam Todos os participantes diagnosticados na in
(A2, A3). fância relataram receber apoio da família, em
Comparação entre os grupos: os participantes especial das mães. Um participante relatou que
com diagnóstico na infância descreveram suas a mãe criava exercícios para estimular a leitura
dificuldades de uma maneira mais específica, em casa e que nunca o tratou como um “coitado”,
destacando características típicas da dislexia, reconhecendo e enfatizando suas qualidades
enquanto o segundo grupo falou de suas dificul positivas (I1). Outro mencionou que a mãe tra
dades de uma maneira mais generalizada. balhava fora, mas ajudava quando tinha tempo
(I3). Um outro participante comentou que rece
Tópico 2. Dificuldades na infância: aspectos bia muito apoio da mãe e do pai, mas relembra
socioemocionais uma situação em que levou uma bronca severa
No grupo com diagnóstico na infância, foi do pai por ter escrito errado uma palavra. O
relatado impacto acentuado na autoestima e pai, segundo o filho, se arrepende até hoje (I2).
no senso de autoeficácia, ambos rebaixados Somente uma das participantes diagnosticadas
(I1, I2). Um dos participantes comentou que na vida adulta relatou ter recebido auxílio da
se sentia exposto perante os colegas de classe, família, especialmente de uma tia (A1). Os outros
quando demorava para realizar as atividades participantes não mencionaram esse tópico em
em sala de aula (I3). No grupo com diagnóstico suas respostas.
na vida adulta, foi relatado um sentimento de Comparação entre os grupos: esse tópico foi
inferioridade em relação aos colegas (A2, A3) e mencionado pelos participantes diagnosticados
a percepção de que os adultos os julgavam como na infância, indicando que se sentiram apoiados
preguiçosos ou burros (A1, A2). Uma das partici e auxiliados por seus familiares. A maioria dos
pantes relatou ter compensado suas dificuldades participantes do outro grupo não mencionou
mantendo bons relacionamentos interpessoais esse aspecto durante a entrevista.
com os colegas (A2), porém outro participante
declarou que sofria bullying dos colegas por Tópico 4. Processo do diagnóstico
conta de suas dificuldades (A3). A busca pelo diagnóstico de todos os parti
Todos os participantes desse grupo repetiram cipantes do grupo diagnosticado na infância foi
de ano, dois deles mais de uma vez (A2, A3). Um feita pelos pais, motivados em compreender
deles interrompeu os estudos no Ensino Funda melhor as dificuldades dos filhos na escola. Um
mental II (A3) e outra optou por fazer supletivo deles foi a vários especialistas, dentre eles, neu
no Ensino Médio, devido ao atraso em relação rologista, fonoaudiólogo, psicólogo, até receber o
aos pares (A2). Esta última fez faculdade muitos diagnóstico (I1). Os outros dois foram diagnosti
anos depois de se formar (A2). Uma participante cados em uma instituição especializada (I2, I3).
relatou ter a sensação de que “não aproveitou Entre os participantes diagnosticados na vida
sua infância e adolescência” devido à necessi adulta, dois deles foram estimulados por um
dade de estudar mais do que as outras pessoas conhecido que forneceu informações sobre a dis
para obter bons resultados (A1). lexia e a explicação sobre o tema fez sentido para
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Impacto do diagnóstico de dislexia
eles (A1, A3). A outra participante foi estimulada Comparação entre os grupos: os dois grupos
por uma amiga, cuja filha recebera recentemente destacaram os benefícios do diagnóstico por pos
o diagnóstico de transtorno do déficit de atenção, sibilitar uma melhor compreensão das dificulda
a buscar uma avaliação (A2). Dois deles fizeram des de aprendizagem. No relato dos participantes
o processo diagnóstico em uma instituição es diagnosticados na vida adulta, ficou implícito o
pecializada (A1, A3) e a outra participante o fez impacto negativo por não terem recebido esse
com profissionais especialistas (A2). diagnóstico anteriormente. O relato de um dos
Comparação entre os grupos: Nos dois gru participantes diagnosticados na infância eviden
pos, a procura por diagnóstico foi motivada pelo ciou que a maneira como o diagnóstico é revelado
interesse em compreender as dificuldades de à criança ou como ela o compreende naquele
aprendizagem. No caso dos participantes diag momento também pode ter impacto negativo
nosticados na infância, a busca foi conduzida pe sobre a forma como ela lida com as dificuldades.
los pais, enquanto aqueles diagnosticados na vida
adulta fizeram a busca espontaneamente, após Tópico 6. Mudanças na vida após o
receberem informações a respeito da dislexia. diagnóstico
No grupo diagnosticado na infância, os três
Tópico 5. Impacto do diagnóstico participantes relataram que a relação da escola
Dentre os participantes diagnosticados na in com eles mudou após saberem o diagnóstico.
fância, todos relataram um impacto positivo do Dois deles mencionaram o uso de recursos dife
diagnóstico, por compreenderem o que estava por rentes durante as provas, tais como, aumento do
trás de suas dificuldades. O diagnóstico também tempo (I1), auxílio de um leitor para as perguntas
facilitou o acesso a informações para pesquisar (I1, I2) e realização da prova em sala diferente da
dos colegas (I2). Um deles utilizou os recursos
e aprender mais a respeito (I1), um deles ressal
cabíveis também no vestibular (I2), mas nenhum
tou “vi que não era burro, meu cérebro apenas
dos participantes solicitou recursos ou apoio na
processava informações de maneira diferente”
universidade, argumentando que queriam testar
(I2). Entretanto, esse mesmo participante relatou
suas habilidades (I2, I3) e criar suas próprias
que, inicialmente, receber o diagnóstico foi um
estratégias para lidar com as dificuldades, como
processo difícil, pois a dislexia foi descrita para
um preparo para o mercado de trabalho (I1).
ele como se fosse “uma doença terminal” e ele
Além disso, após o diagnóstico, dois participan
foi orientado a esconder o diagnóstico de seus
tes relataram mudança na rotina de estudos. Um
colegas na escola, o que fez com que se sentisse passou a fazer aulas de reforço escolar (I1) e outro
ainda mais confuso e solitário (I2). fez acompanhamento psicopedagógico, com o
Todos os participantes diagnosticados na vida qual desenvolveu estratégias de estudos (I2).
adulta relataram alívio ao saberem do diagnósti No grupo diagnosticado na vida adulta, uma
co. Um deles ressaltou a possibilidade de com das participantes estava na faculdade quando
preender melhor suas dificuldades para refletir recebeu o diagnóstico e passou a se beneficiar dos
sobre melhores estratégias para o dia-a-dia (A3), apoios e recursos oferecidos, como prova oral e
enfatizando que “é muito ruim ter um problema tempo adicional para a realização das provas (A1).
e ninguém saber o que é”. Uma das participan Duas participantes fizeram acompanhamento es
tes, entretanto, relatou também um sentimento pecializado (A1, A2), aprendendo estratégias de
de tristeza e revolta por não ter recebido esse organização para lidar com as dificuldades. Outro
diagnóstico antes, “após tantos anos vivendo participante não mencionou acompanhamento,
com essas dificuldades e sendo considerada uma mas relatou que passou a utilizar estratégias
criança que não gostava de estudar; fico com pena de associação das informações para fixar me
de mim mesma” (A2). lhor os conteúdos que necessitava aprender no
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dia-a-dia, além de dar preferência a audiolivros que, por conta das suas dificuldades, leu poucos
na hora da leitura (A3). livros ao longo da vida e hoje em dia sente-se em
Comparação entre os grupos: todos os parti “defasagem cultural” em relação aos pares (A2).
cipantes descreveram a implementação de novas Comparação entre os dois grupos: ambos
estratégias para manejar as dificuldades, sendo relataram presença de erros na escrita, os partici
que alguns fizeram acompanhamento com um pantes diagnosticados na infância destacaram o
profissional especialista. O grupo diagnosticado uso de estratégias para minimizá-los e dois deles
na infância utilizou recursos e apoios fornecidos enfatizaram uma boa relação com as dificuldades
pela escola nas avaliações e abriu mão desses e o diagnóstico. Os participantes diagnosticados
recursos durante a faculdade. O grupo diagnos na vida adulta mencionaram também as dificul
ticado na vida adulta não teve essa oportunida dades de leitura e a tendência a ler com menos
de durante a infância, mas a participante que frequência.
recebeu o diagnóstico enquanto ainda estava
na faculdade beneficiou-se dos recursos para fi DISCUSSÃO
nalizar seus estudos. O presente estudo investigou a maneira como
a dislexia afeta a vida das pessoas, com o intuito
Tópico 7. Impacto da dislexia atualmente de refletir sobre o impacto de receber um diagnós
(na vida adulta) tico na infância ou na vida adulta. Foram realiza
Todos os participantes diagnosticados na in das entrevistas estruturadas com dois grupos de
fância mencionaram a tendência a cometer erros indivíduos que diferiram em termos do momento
na escrita hoje em dia, os quais têm impacto em que foram diagnosticados com dislexia.
no trabalho (I1, I3) e para se relacionar com as Em muitos aspectos, o impacto da dislexia foi
pessoas pela internet, o que na maior parte do similar para os dois grupos. Todos os participan
tempo é feito por escrito (I2). Entretanto, eles tes relataram acentuada dificuldade para ler na
relataram utilizar estratégias para minimizar os infância e autoestima rebaixada por conta disso.
problemas, tais como, organização e planeja Descreveram sentir alívio ao receber o diagnós
mento (I1), uso de corretor automático de textos tico, argumentando que foi o que permitiu que
(I2) e reler e refazer as atividades em busca de compreendessem melhor as próprias dificuldades.
possíveis erros (I3). Além disso, um dos partici Após o diagnóstico, a maioria fez algum
pantes desse grupo fez uma reflexão a respeito tipo de acompanhamento ou intervenção com
do impacto positivo da dislexia em sua vida. Ele profissional especializado e todos reportaram a
acredita que, por seu esforço em superar e driblar implementação de novas estratégias para lidar
as dificuldades, tornou-se uma pessoa curiosa, com os problemas decorrentes da dislexia. Além
autodidata, criativa e comunicativa, o que lhe ren disso, eles relataram que algumas dificuldades se
deu bons frutos tanto na área acadêmica quanto mantiveram na vida adulta, como a presença de
no trabalho (I2). Outro participante ressaltou que erros na escrita ou dificuldades para manter em
lida com as dificuldades com leveza, faz piadas mente o que foi lido, mesmo após o tratamento.
e “não fica se martirizando” (I1). Esses resultados estão de acordo com o espe
Dentre os participantes diagnosticados na rado, já que a dislexia é um transtorno de apren
vida adulta, duas participantes mencionaram a dizagem relacionado à leitura, que por definição
presença de erros na escrita (A1, A2) e a tendên é persistente e acompanha o indivíduo ao longo
cia a fazer anotações incompletas no trabalho da vida1. Outros estudos demonstraram que é
(A2). Dois participantes mencionaram também comum que indivíduos com dislexia possuam
as dificuldades para ler (A2, A3), necessitando baixa autoestima4,5. Com relação ao diagnóstico,
retomar várias vezes um mesmo parágrafo para destacaram-se os aspectos positivos relacionados
compreendê-lo. Uma das participantes lamentou à possibilidade de ampliar o autoconhecimento,
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por tudo o que passou devido ao fato de não Além disso, também não foram controlados
saber o que se passava com ela. Os participan nesse estudo outros fatores que podem ter influen
tes diagnosticados na infância, por outro lado, ciado as respostas dos participantes, tais como, o
pareceram descrever com maior leveza sua re grau de gravidade da dislexia, o nível intelectual
lação com a dislexia. Um deles atribuiu muitas dos participantes, a maneira como foram feitos
características positivas de sua personalidade os diagnósticos e a presença de comorbidades.
ao fato de ter um transtorno de aprendizagem. Inclusive, a identificação de comorbidades com o
Esses dados estão de acordo com Riddick6, a transtorno do déficit de atenção e a discalculia
qual defende que, ainda que sejam necessários
em dois participantes levou à necessidade de
cuidados com o rótulo fornecido pelo diagnósti
exclusão dos mesmos.
co, crianças com sintomas de dislexia, que não
recebem um diagnóstico, costumam receber
rótulos “informais”, como preguiçosas, burras ou CONCLUSÃO
desinteressadas, os quais são devastadores para Em suma, o presente estudo demonstrou que
a formação do autoconceito e para o impacto da a dislexia leva a dificuldades acadêmicas, mas
dislexia em suas vidas. também impacta aspectos relacionados ao auto
Os dados apresentados nesse artigo são fru conceito. Tanto na infância quanto na vida adul
tos de um estudo descritivo e exploratório, que ta, receber o diagnóstico de dislexia mostrou-se
permitiu o levantamento de algumas hipóteses útil por possibilitar uma melhor compreensão
a respeito do impacto do diagnóstico de dislexia das dificuldades, a realização de intervenções
em função do momento em que ele ocorre na apropriadas e a implementação de estratégias
vida de um indivíduo. Esse estudo apresentou para minimizar os problemas no dia-a-dia.
algumas limitações, as quais serão descritas a Quando o diagnóstico foi realizado na infân
seguir, para que possam ser controladas ou con cia, houve a possibilidade de melhorar o relacio
sideradas em estudos futuros.
namento do indivíduo com sua escola e de fazer
Os dois grupos diferiram em termos de faixa
uso de recursos e apoios que permitiram uma
etária. A dificuldade em parear os grupos por
avaliação mais apropriada do desempenho acadê
idade se deveu à maneira como foi feito o recru
mico. Quando o diagnóstico foi tardio, realizado
tamento dos participantes, que foram indicados
por profissionais e instituições especializadas no somente na vida adulta, o impacto da dislexia foi
diagnóstico de dislexia. Além disso, a diferença de maior sobre os fatores socioemocionais, levando
idade reflete os momentos em que os diagnósticos a repetências e evasão escolar em um dos casos.
de dislexia passaram a ser mais comuns no Brasil, De maneira geral, os dados aqui levantados in
sendo que indivíduos cuja infância ocorreu até dicaram que o diagnóstico precoce da dislexia
o início dos anos 1980 tiveram menor tendência é relevante para minimizar seu impacto na vida
a receber seus diagnósticos, enquanto nos anos acadêmica, na autoestima e na relação do indi
1990 esse diagnóstico já era mais comum. víduo com suas próprias dificuldades.
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SUMMARY
Impact of early and late diagnosis of dyslexia -
understanding this learning disorder
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