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ENTREVISTA:

“DIFICULDADES ESPECÍFICAS DE APRENDIZAGEM”


Olá, bom dia! Seja bem-vinda à nossa revista online: “Saúde & Educação”.
É um gosto imenso tê-la connosco nesta entrevista! Gostaria de começar pedindo-lhe que se
apresentasse e que nos falasse um pouco acerca de si e do seu trabalho diário.

Olá, bom dia! Quero, desde já, agradecer o honroso convite para estar aqui.

Chamo-me, Donalda Maria da Silva Baeta, sou portuguesa, Professora Doutora Honoris Causa em
Ciências da Educação e Neuroeducação, Mestre em Psicologia da Educação, Licenciada em Psicologia
e 1ºCiclo Ensino Básico. Sou também detentora de várias Pós-Graduações, nomeadamente,
Necessidades Educativas Especiais; Domínio Cognitivo-Motor; Domínio Emocional/Personalidade;
Psicoterapia Cognitivo-Comportamental; Análise do Desenho Infantil; Supervisão Educativa.

Diariamente, a minha atividade é bipartida, por um lado, leciono o currículo a alunos com Medidas
Adicionais (NEE) e sou psicóloga. Desempenho também o cargo de Coordenadora do Departamento
de Educação Inclusiva; da Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI) e do Projeto
Europeu K2 Erasmus+ “Emocional School Droptout – Prevenção do Abandono Escolar”; sou ainda
Subcoordenadora da Equipa de Educação Inclusiva, grupo 910 e membro do Gabinete de Apoio ao
Aluno à Família do Agrupamento de Escolas João de Deus, em Faro.

Noutro contexto, sou formadora do Ministério da Educação: Programa Nacional de Ensino do


Português e do Centro de Formação “Ria Formosa”. Também sou Palestrante Internacional no
Programa Erasmus + K2 e em diversos congressos, sendo os mais recentes, o BrainConnection
(Portugal, 2017; Brasil: 2018 e 2019; online: 2020 e 2021). Colaboro, ainda, com a Universidade do
Algarve e sou autora e coautora de artigos científicos, tais como: “(Re)Contos de nós: Vidas com
estórias”; “Aprendizagem e Inclusão: Entretecento Múltiplos Saberes, Volume II e Volume III” e
“Vencendo Limites”, entre outros...

Atualmente, muito se fala acerca da problemática da Dislexia nas escolas. Por vezes, até se verifica
que existe alguma confusão com outro tipo de dificuldades… Como se pode, então, definir esta
patologia e quais os critérios de diagnóstico?

Em 2003, a associação Internacional de Dislexia adotou a seguinte definição: “Dislexia é uma


incapacidade específica de aprendizagem, de origem neurobiológica. É caracterizada por dificuldades
na correção e/ou fluência na leitura de palavras e por baixa competência leitora e ortográfica. Estas
dificuldades resultam de um défice fonológico, inesperado, em relação às outras capacidades
cognitivas e às condições educativas.
Secundariamente podem surgir dificuldades de compreensão leitora, experiência de leitura reduzida
que pode impedir o desenvolvimento de vocabulário e dos conhecimentos gerais”. Mais
recentemente, o DSM-V, (American Psychiatric Association, maio de 2013) vem apresentar três novos
especificadores como facilitadores dos critérios de diagnóstico: (1) Défice na Leitura; (2) Défice na
Expressão Escrita; (3) Défice na Matemática.

Qual é a causa da dislexia?


A causa da dislexia permaneceu, durante muitos anos, um mistério…. Recentemente, alguns estudos
têm sido confluentes, tanto no que concerne à sua origem genética e neurobiológica, como em relação
aos processos cognitivos que lhe estão subjacentes, pelo que têm surgido várias teorias relativas aos
processos cognitivos responsáveis por estas dificuldades…, contudo, também pode ser adquirida!

Qual é a prevalência da dislexia?


A Perturbação Específica da Aprendizagem, vulgo, dislexia, é provavelmente a perturbação mais
frequente entre a população escolar, sendo referida uma prevalência entre 5 a 17%, ainda que não
hajam muitos estudos efetuados neste âmbito. Não obstante tal, um estudo recente refere que o
número de rapazes com dislexia é, pelo menos, duas vezes superior ao das raparigas. Contudo, esta
varia dependendo do grau de dificuldade dos diferentes idiomas e é suscetível de gerar graves
desvantagens de ordem pessoal, académica e profissional aos sujeitos por ela afetados, ou seja, de
lhes limitar ou dificultar a atividade ou participação em condições de igualdade com as demais pessoas.

Existem outras perturbações que podem estar associadas à dislexia?


Embora a base cognitiva da dislexia seja, por norma, um défice fonológico, por vezes, é frequente o
aparecimento de outras perturbações: perturbação específica da linguagem, perturbação da
coordenação motora, perturbação do comportamento, perturbação do humor, perturbação de
oposição e desafio, desvalorização da autoestima, perturbação da atenção com hiperatividade, sendo
esta uma das que surge com maior comorbilidade.

Então, como se pode diagnosticar a dislexia? E a que idade?


Bem, existem provas específicas para avaliar as diferentes competências que integram o processo
leitor. Contudo, para uma correta e completa avaliação da dislexia e afins (disgrafia, disortografia,
discalculia, etc.), convém não só passar as provas/testes formais, mas também avaliar a leitura e a
escrita, em diferentes registros (ex.: leitura de palavras isoladas, frases, textos; escrita por cópia; texto
livre, ditado; lateralidade; perceção visuoespacial; discriminação auditiva; fonética, entre outros). Um
diagnóstico formal apenas poderá ser feito após dois anos de escola. Assim, e perante indicadores que
levem a crer que poderá vir a existir uma Dislexia, a criança deverá ser acompanhada (mesmo sem
diagnóstico) de forma a evitar que estas dificuldades se agravem. O que acontece é que, na escola,
provavelmente, não será possível esse acompanhamento, porque, para poder beneficiar de uma
intervenção especializada direta, o aluno terá de integrar o DL 54/2018, de 6 de julho - e para integrar
o DL sugere-se a apresentação de um diagnóstico formal e evidências que corroborem a existência
desta perturbação. Posto isto, não existindo uma data específica convém, obviamente, que a criança
já tenha tido contacto com o processo de aprendizagem de leitura e escrita.

Por vezes, surge a ideia de que os alunos com dislexia são preguiçosos…. Considera que há alguma
verdade nesta perceção?
A ideia de que os disléxicos são preguiçosos é errónea. Há, realmente, quem o seja, com o sem esta
problemática, mas não podemos generalizar. O que se passa com a realização de tarefas por parte dos
disléxicos é, antes de mais, uma questão de lentidão no processamento de informação para resolução
das mais variadas atividades intelectuais. Os disléxicos ao utilizarem outras áreas do cérebro para
resolução de tarefas demoram, naturalmente, mais tempo. Por isso, em tarefas escolares (realização
de exercícios, testes de avaliação escrita, etc.) os disléxicos necessitam de mais tempo.

Considera que a dislexia é uma problemática que nos acompanha pela vida fora?
Considera-se que o défice cognitivo que está na origem da dislexia persiste ao longo da vida, embora
suas consequências e expressão variem sensivelmente. Recentemente, foram realizados alguns
estudos, com o objetivo de avaliar as modificações operadas nos sistemas neurológicos cerebrais, após
uma intervenção especializada utilizando programas multissensoriais, estruturados e cumulativos,
cujas imagens mostraram que os circuitos neurológicos automáticos do hemisfério esquerdo tinham
sido ativados e o funcionamento cerebral tinha “normalizado”.

Pensa que se deve evitar a identificação das crianças como disléxicas?


Por vezes, nalguns meios escolares e médicos existe alguma relutância em avaliar e diagnosticar, em
“rotular” as dificuldades de aprendizagem. Contudo, ignorar ou mascarar a perturbação não ajuda, de
todo, a ultrapassá-la, antes pelo contrário… tal irá contribui para o seu agravamento.

Fala-se, por vezes, em diferentes tipos de dislexia… De que tipos estamos a falar?

Bem, de acordo com os critérios antigos, poderíamos falar de cinco tipos de dislexia, sendo eles:
Dislexia disfonética: Dificuldades de perceção auditiva na análise e síntese de fonemas, dificuldades
temporais, e nas perceções da sucessão e da duração; Dislexia Diseidética: dificuldade na perceção
visual, na perceção gestáltica Dislexia visual: deficiência na perceção visual e na coordenação; Dislexia
auditiva: deficiência na perceção auditiva, na memória auditiva; e, Dislexia mista: que seria a
combinação de mais de um tipo de dislexia. Atualmente, de acordo com o DSM-V, a nomenclatura
Dislexia passou a denominar-se Perturbação de Aprendizagem Específica (PEA) com três
especificadores que: Desordem na leitura de palavras; Desordem na fluência de leitura; Desordem na
compreensão da leitura; Desordem na expressão escrita; Desordem no cálculo matemático; Desordem
na resolução de problema de matemática.

Um disléxico, também pode ser disgráfico e/ou disortográfico?


Claro que sim…. Um disléxico caracteriza-se genericamente pela (in)capacidade de descodificar
palavras e compreender o que lê (fraca compreensão leitora). Um disortográfico caracteriza-se pela
dificuldade em registar palavras escritas; a evocação e rechamada de palavras já conhecidas torna-se
difícil, e daí o não registar de forma correta as palavras, levando-o ao erro, ou porque faz inversões,
ou omissões, ou adições, ou confusões, ou assimilações, ou substituições, quer de letras quer de
sílabas; também surgem alterações no uso da acentuação. Mas, no caso da disortografia, além do erro
ortográfico, pode haver também alterações na estrutura morfossintática das frases, por exemplo por
erros de concordância em género e número e de tempo verbal, ou por falta de elementos na frase, ou
ainda por erros de pontuação, etc.

Será que nesta altura, já poderemos referir que uma criança é disléxica? Qual a importância da
intervenção precoce?
Não, porque a criança nessa fase de desenvolvimento, ainda não sabe ler, portanto, ainda não é
disléxica. Todavia, pais e educadores, deverão estar alertados para certos sinais, tais como: ser
desatenta ou ter dificuldade em concentrar-se; ter um atraso no desenvolvimento da linguagem e nas
atividades de expressão oral; ter dificuldade em fixar as cores, a sua direita e esquerda, ou rimas e
canções e em participar em jogos de memória, em efetuar traçados do tipo grafismos, em representar
a figura humana, etc.; manifestar desinteresse por tarefas do tipo “escolar” e de secretária (estar
sentado, realizar fichas, ouvir histórias). A identificação de um problema é a chave que permite a sua
resolução. A identificação, sinalização e avaliação das crianças que evidenciam sinais de futuras
dificuldades antes do início da escolaridade permite a implementação de programas de intervenção
precoce que irão prevenir ou minimizar o insucesso.

Diversos estudos comprovam que as crianças que apresentam dificuldades no início da aprendizagem
da leitura e escrita dificilmente recuperam se não tiverem uma intervenção precoce e especializada.
Os maus leitores no primeiro ano continuam invariavelmente sendo maus leitores, e as dificuldades
acumulam-se ao longo dos anos. Após os nove anos de idade, o tempo e o esforço despendidos na
reeducação aumentam exponencialmente.
Na sua opinião, quais são os princípios orientadores ou os métodos educativos mais eficazes na
promoção do sucesso educativo?
Existem vários estudos que mostraram que os métodos multissensoriais, estruturados e cumulativos,
são a base para uma intervenção mais eficiente. As crianças disléxicas, para além do défice fonológico,
apresentem dificuldades na memória auditiva e visual, bem como dificuldade de autonomização.
Assim, os métodos de ensino multissensoriais ajudam a crianças a aprender utilizando mais do que um
sentido, enfatizando os aspetos cinestésicos da aprendizagem e integrando o ouvir e o ver com o dizer
e o escrever. A associação Internacional de dislexia incentiva, bastante, a utilização deste tipo de
métodos, de entre os quais poderei salientar: Aprendizagem multissensorial; Ensino estruturado e
cumulativo; Ensino direto, explicito; Ensino diagnóstico; Ensino sintético e analítico; Automatização
das competências aprendidas, entre outros. A título de exemplo, um disléxico deve estudar
diariamente; quando faz os deveres escolares e quando revê a matéria dada para sistematizar melhor
os conhecimentos, deve estudar sem elementos distratores (Televisão/Rádio) para potenciar o nível
de atenção e concentração; deve poder recorrer a apontamentos, usar um caderno de estudo para
efetuar súmulas e elaborar mapas conceptuais, de forma a apoiar a memória, pelo recurso a imagens
visuais, visuoespaciais e auditivas. Um disléxico precisa de segurança no estudo e essa segurança é-lhe
dada pelo trabalho sistemático. E necessita de dominar os conteúdos, pois se estiver inseguro não tem
mecanismos eficientes para ativar conhecimento/informação uma vez que a memória a curto prazo
não responde da melhor forma. Se estudar com tempo, a memória imediata não é ativada, mas sim a
memória a médio prazo e essa responde melhor.

No âmbito do Decreto-Lei nº 54/2018 de 6 de julho, que tipo de benefícios podem ter os alunos
aquando da avaliação externa (provas finais/exames)?

De acordo com o novo Decreto-Lei nº 54/2018, todos os alunos com dislexia usufruem, desde que
necessitem, de Adaptações no Processo de Avaliação, independentemente, de fruírem de Medidas
Universais, Seletivas ou Adicionais. As diretrizes do Júri Nacional de Exames que, anualmente, chegam
às escolas, apontam para a necessidade de se implementar, primeiramente, as adaptações no processo
de avaliação a nível interno, de forma a que as mesmas sejam coincidentes com as solicitadas para a
avaliação externa. Assim, a medida mais autorizada é a aplicação da Ficha A na classificação das provas
finais de ciclo, dos exames finais nacionais e das provas de equivalência à frequência, que acompanha
as provas/exames do aluno disléxico, aquando da sua correção.

Agora que chegamos ao fim desta nossa conversa quero, mais uma vez, deixar o meu sincero
agradecimento e um grande bem-haja pelo trabalho que estão a desenvolver em prol da Inclusão!

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