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RELATO DE EXPERIÊNCIA: CRIANÇA COM TRANSTORNO DO

ESPECTRO AUTISTA
Claudia de Sousa Celestino1
Tayane Valentim de Andrade2
Eliene Nery Santana Enes3

RESUMO

Nesse artigo apresenta-se o relato de experiência de uma monitora em uma escola


privada acompanhando uma aluna com Transtorno do Espectro Autista-TEA.
Buscou-se compreender as concepções teóricas do TEA e refletir sobre a prática de
uma monitora.Nesse contexto apresenta-se o dia a dia no processo de inclusão as
barreiras e o progresso alcançado. O propósito é favorecer a reflexão sobre a
responsabilidade e contribuição do monitor no processo de aprendizagem do aluno,
posto que favorece a análise e interpretação sobre o método de organização
curricular no processo de inclusão escolar de crianças autistas. O autismo é definido
como uma perda da noção sobre a realidade, ocasionando inicialmente um distúrbio
autístico do contato afetivo, sendo de grau leve ou elevado. No entanto, é
fundamental um amplo conhecimento, baseado em estudos e pesquisas para que se
torne possível reconhecer uma criança como autista. Abordando o relato de
experiência, observa-se a dificuldade de conseguir apoio da instituição e de
professores em relação às peculiaridades do aprendizado dessas crianças, no
entanto, apresenta-se a evolução embora que em pequenos passos de uma criança
através da dedicação, conhecimento e qualificação do monitor responsável pelo
acompanhamento. Afirmando a importância de pesquisas e a utilização de métodos
de ensino que ofereçam confiança a criança, facilitando seu desenvolvimento.

Palavras-chave: Relato de experiência. Autismo. Inclusão.

1
Graduanda em Pedagogia - Licenciatura da Universidade Vale do Rio Doce/UNIVALE.
Email: claudia_sousa@outlook.com
2
Graduanda em Pedagogia - Licenciatura da Universidade Vale do Rio Doce/UNIVALE.
Email: tayanegv@hotmail.com
3
Profa. Mestre do Curso de Pedagogia - Licenciatura da Universidade Vale do Rio Doce.
E-mail: eliene.nery@yahoo.com.br

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1 INTRODUÇÃO

O artigo apresenta-se como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), requisito


parcial para obtenção do título de Pedagogo – Licenciatura, pela Universidade Vale
do Rio Doce – UNIVALE.
Inicialmente houve dúvidas sobre a abordagem do tema para este TCC, pois
cada uma das autoras tiveram diferentes experiências na inclusão de alunos com
deficiências. As experiências adquiridas vieram de Estágio Supervisionado Escolar,
de práticas do PIBID/UNIVALE4, e do trabalho realizado como monitora em escola
da rede privada. Havia apenas uma certeza nesse recorte – a perspectiva da
educação inclusiva. Assim, duas experiências se apresentaram para uma escolha: a
criança com autismo e a criança com síndrome de Down. Em consenso, optou-se
emfazer o relato de experiência sobre a criança com transtorno autista.
Além da experiência na práticaprofissional, os conhecimentos apropriados na
disciplina de Educação Especialfavoreceram a escolha dessa opção. Nesse
propósito possuiu-se como objetivo, relatar a experiência vivida como monitora de
uma criança de cinco anos com diagnóstico de Transtorno Espectro Autista (TEA).O
relato aborda dia a dia no processo de inclusão,as barreiras atitudinais, curriculares
e o progresso alcançado. Apresentando a intençãode refletir sobre o papel do
monitor no processo de aprendizagem do aluno.
Entende-se que ao compartilhar a experiência vivida favorece-se reflexões
sobre o processo de inclusãode crianças com deficiência especificamente com TEA.

2 CONHECENDO O AUTISMO

A expressão “autismo” foi utilizada pela primeira vez por Bleuler em 1911,
para nomear a perda do contato com a realidade.Na década de 1940, ocorreram as
primeiras publicações sobre o autismo e Leo Kanner em 1943 define o autismo
inicialmente como um distúrbio autístico do contato afetivo. Perceber o que é o

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PIBID/UNIVALE –Programa Institucional de bolsas de Iniciação a Docência é um programa da
CAPES, com objetivo de melhorar a qualidade da formação docente e promove a valorização das
licenciaturas na instituição do Ensino Superior. O PIBID/UNIVALE é desenvolvido pelo curso de
Pedagogia o Projeto Institucional “Educação e Docências em Tempo Integral: Territórios Educativos.

2
autismo requer uma demanda permanente de conhecimento passando por uma
constante revisão sobre os estudos e pesquisas (BELISÁRIO FILHO, 2010).
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
DSM-5 (2014), o autismo é caracterizado como um transtorno global do
desenvolvimento, no qual existem alguns comprometimentos, que varia de um grau
leve a elevado.
A descrição de Leo Kannerapud Belisário Filho (2010) sobre o autismo
apresenta que:

a) Relações sociais e afetivas: Há uma extrema solidão autista, algo que, na


medida do possível, desconsidera, ignora ou impede a entrada de tudo o
que chega à criança de fora. O contato físico direto e os movimentos ou
ruídos que ameaçam romper a solidão são tratados como se não
estivessem ali, ou, não bastasse isso, são sentidos dolorosamente como
uma interferência penosa;
b) A comunicação e a linguagem: ausência de linguagem em algumas
crianças, seu uso estranho nas que a possuem, a presença de ecolalia;
c) A relação com as mudanças no ambiente e a rotina: a conduta da criança
é governada por um desejo ansiosamente obsessivo por manter a
igualdade, que ninguém, a não ser a própria criança, pode romper em raras
ocasiões;
d) Memória: habilidade em memorizar grande quantidade de material sem
sentido ou efeito prático;
e) Hipersensibilidade a estímulos: várias crianças reagiam a certos ruídos e
a alguns objetos. Também manifestavam problemas com a alimentação
(BELISÁRIO FILHO, 2010, p.9).

O TEA possui algumas características específicas comoa dificuldade ou


incapacidade de relacionamento com outras pessoas, distúrbios de linguagem,
dificuldade de expressão, em alguns casos a não aceitação de mudanças em sua
rotina, dificuldade no processamento de emoções, no reconhecimento de pessoas,
de controlar o olhar e de usar gestos. Essas alterações levam à importantes
dificuldades adaptativas e aparecem antes dos três anos de idade, podendo ser
percebidas, em alguns casos, já nos primeiros meses de vida (BELISÁRIO FILHO,
2010).
As causas não estão claramente identificadas, porém sabe-se que o autismo
é mais comum em crianças do sexo masculino, independente da etnia, origem
geográfica ou situação socioeconômica. Sua incidência é de uma a cinco crianças
para cada dez mil nascidas(BELISÁRIO FILHO, 2010).

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Assunção e Pimentel (2000), apontam que o conceito de autismo é complexo
e exige olhares diferenciadoscom abordagens multidisciplinares visando não
somente a questão educacional e da socialização, mas também a questão médica
comtentativas de estabelecer possíveis prognósticos e abordagens terapêuticas
para melhor atendimento à criança.
O autismo pode se manifestar de forma específica entre diferentes crianças e
em uma mesma criança, apresentando uma fase ou outra do desenvolvimento. Por
esse motivo, utiliza-se o termo Transtorno do Espectro do Autismo, sendo assim
muitos autores mencionam “autismos”, no plural, para descrever asvárias formas de
sintomas da doença. Apesar dessa diversidade, os transtornos do espectro do
autismo, na maior parte dos casos, caracterizam-se por mudanças qualitativas nas
interações sociais, na comunicação e no comportamento(LEBOYER, 2007).
A cartilha de direitos das pessoas com autismo (2011),lembra que cada
pessoa com autismo tem características próprias, mas alguns sinais costumam ser
mais comuns com intensidade e gravidade diferentes em cada caso.Diante disso,
cita-se alguns destes sinais:
 Age como se não escutasse (ex. não responde ao chamado do próprio
nome);
 O contato visual com outras pessoas é ausente ou pouco frequente;
 A fala é usada com dificuldade ou pode não ser usada;
 Possui dificuldade em compreender o que lhe é dito e também de se fazer
compreender;
 Palavras ou frases podem ser repetidas no lugar da linguagem comum
(ecolalia);
 Movimentos repetitivos (estereotipias) podem aparecer;
 As pessoas podem ser utilizadas como meio para alcançar o que quer;
 Colo, afagos ou outros tipos de contatos físicos podem ser evitados;
 Não demonstra envolvimento afetivo com outras pessoas;
 Resistência às mudanças em sua rotina;
 O que acontece à sua volta pode não despertar seu interesse;
 Preferência em ficar sozinho;
 Apego demasiado a determinados objetos;

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 Crises de agressividade ou auto agressividade podem acontecer.
Ao perceber esses sinais de risco para o desenvolvimento infantil a criança
deve ser encaminhada para avaliação por uma equipe de profissionais.
Torna-se muito difícil para os pais que têm filhos com autismo enfrentar essa
situação, principalmente quando recebem o diagnóstico. Nos momentos de
dificuldades, orientações de um profissional qualificado podem ajudar muito, no
entendimento acerca da doença e como lidar com a criança. Os pais também podem
contar com a ajuda de pessoas próximas ou que tenham experiência com situações
semelhantes. O importante é que essas pessoas saibam compreender e aceitar o
sofrimento destes pais, ajude-os a entender e a cuidar da criança, acolhendo-os da
melhor forma, sem críticas ou julgamentos (BRASIL, 2004).
A psicoterapia, bem como outras formas de acompanhamento terapêutico
podem ser indicadas para auxiliar os pais na compreensão do que está acontecendo
e do que estão sentindo, inclusive acolhendo sentimentos comuns, como negação,
raiva, rejeição, culpa, frustração, ressentimento etc. Quando os pais estão bem, eles
podem ajudar ainda mais seus filhos (BRASIL, 2004).
Ascrianças com necessidades educacionais especiais por apresentar
autismo, precisam que lhes seja ensinado quase tudo o que uma criança normal
aprende espontaneamente por meio da observação e por meio da experiência. A
inserção dessas crianças nas creches devem ser cuidadosamente planejada, é
importante tentar utilizar todos os recursos disponíveis, de modo que possa
maximizar o apoio ao desenvolvimento das crianças (BRASIL, 2004).
O grande desafio na construção do conhecimento é a integração das
habilidades adquiridas, o processo que conduz a essa inclusão passa pela
estimulação simultânea de todas as áreas, mesmo que cada área se encontre em
um ponto inicial distinto de desenvolvimento. É importante lembrar que alguns
fatores dificultam a evolução da criança, podendo ela surpreender o professor com
comportamentos repetitivos, birras, gritos, recusa em participar de atividades ou
choro aparentemente sem motivo. Saber colocar limites é indispensável e a forma
de colocá-los deve ser muito bem avaliada(BRASIL, 2004).
Outro fator que precisa ser modificado é a relevância dada pelas escolas em
relação ao aprendizado das crianças com TEA, a coordenação deve entender que

5
essa criança precisa da colaboração da instituição para que ocorra o seu
desenvolvimento (MANTOAN, 2006).

Não há receita para mudar a escola!


Reinventar nossas práticas e mentalidades é parte da tarefa do nosso
tempo.
Tempo de inclusão! (MANTOAN, 2006, p.12)

A transformação da escola não é, portanto, uma mera exigência da inclusão


escolar de pessoas com deficiência e/ou dificuldades de aprendizado.
Assim sendo, ela deve ser encarada como um compromisso inadiável das
escolas, que terá a inclusão como consequência (BRASIL, 2004, p.30).

Belisário Filho (2010) sugere de forma norteadora o método de inserção da


organização curricular no processo de inclusão escolar:

O aprendizado deve ser realizado a partir de situações reais; valorizar o


processo e a singularidade de cada aluno, estabelecer a organização de
rotinas; proporcionar atividades em dupla e em grupos, possibilitando
referências por meio de seus pares; proporcionar ações com
desenvolvimento de outros alunos; dirigir-se verbalmente ao aluno autista
durante as atividades em sala de aula; propor práticas novas e
diferenciadas; pensar formas de avaliação pautada na heterogeneidade que
contribua para inclusão (BELISÁRIO FILHO, 2010, p. 48-49).

Diante disso, apresenta-se o relato deexperiência vivida na função de


monitora de uma criança de cinco anos com diagnóstico de Transtorno Espectro
Autista (TEA), em uma escola da rede privada. O relato aborda dia a dia, as
barreiras atitudinais, curriculares e o progresso alcançado pela aluna, aqui
denominada de Isadora5. Após o relato, apresenta-se a reflexão sobre o papel do
monitor no processode inclusão e aprendizagem do aluno.

2.1 RELATO DE EXPERIÊNCIA: MONITORA DE UMA CRIANÇA COM


TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

O trabalho com a criança, uma menina de cinco anos, teve início em março
de 2015, na entrevista de seleção, disseram que a função seria acompanhar uma
criança com necessidadeseducacionais especiais, mas não foi especificado qual

5
Ressalta-se que o nome apresentado é fictício para devida preservação da criança envolvida nesse
relato.

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seria a necessidade. Em meio a conversa, abordou-se sobre a formação acadêmica,
projetos, planos e foi mencionado que a proposta de TCC apresentada seria sobre o
autismo, e esse foi um dos motivos que levaram à contratação, que só depois de
confirmada, foi informada qual seria o tipo de deficiência da criança.
Apesar do interesse pelo autismo, houve dúvidas se haveria preparo para
assumir tamanha responsabilidade, pois o conhecimento a respeitodo transtorno,
era ainda irrelevante. A formação e entendimento em relação ao transtorno autista
se atinham à disciplina de educação especial cursada no curso de Pedagogia e
participação do Colóquio de Educação Especial, também evento do curso.
No primeiro diao pai levou a criança e quando foi apresentado a nova
monitora da filha, foi nítido o seu descontentamento, chegando a ter uma breve
discussão com a diretora, deixando uma sensação de incompreensão e
preocupação sobre o que teria ocorrido que levasse a tal situação. Depois foi
entendido que o problema não era a monitora em si, mas sim o fato de os pais não
terem sido informados sobre a troca e era a terceira alteração que realizaram com
criança em menos de um mês.
No primeiro contato com Isadora, para espanto, ela saudou com um abraço.
Esperava-se uma criança que não gostasse de contato físico, que não fizesse
contato visual e como foi relatado, agressiva. Como era o primeiro dia e essa era a
primeira experiência com algum tipo de deficiência, imagina-se que pelo menos
nesse primeiro momento haveria acompanhamento ou a apresentação de
orientações. No entanto, a única orientação que foi passada foi a de que a menina
não gostava de ficar em sala de aula e que caso quisesse sair e ir para o jardim,
poderia deixar.
Os alunos se reúnem no pátio na hora da chegada, todos os dias cantam,
fazem uma oração e só depois se dirigem para a sala. Isadora em momento algum
permaneceu junto com a turma, ficou mais afastada brincando no jardim, quando se
dirigiram para a sala, foi solicitado que ela fosse também, sem sucesso. A diretora,
percebendo que ela já estava há muito tempo ao lado de fora,resolveu pegá-la no
colo e levá-la à força, ela se debateu e gritou bastante, então percebeu-se porque a
informação de que ela era agressiva, ao final ela cedeu, forçada.

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Ao entrar na sala, ela tapou os ouvidos, sentou-se em seu lugar e retirou os
sapatos, ela foi calçada novamente, tirou e ficou andando pela sala. A professora
não se importou, seguiu dando suas atividades, como se a criança não estivesse ali,
apenas disse que deve-se acostumar, pois era normal. Isadora não quis permanecer
na sala, saiu e se dirigiu à sala de televisão, onde estavam os bebês. Percebeu-se
que a televisão prendia bastante sua atenção, pois sentou-se no colo da monitora e
ficou por um bom tempo.
No decorrer dos dias, relata-se que houve a adaptação e entendimento sobre
o ritmo de Isadora, no início ela nunca se propôs a ir para a sala junto com os
colegas e aos poucos observou-se o motivo. Esse primeiro momento em sala era
livre, onde as crianças brincavam, conversavam e faziam muito, mas muito barulho,
por isso ela não gostava de entrar, pois quando chegava na porta, colocava as mãos
nos ouvidos e isso foi trabalhado, houve conversas com a professora solicitando que
falasse com as crianças sobre o barulho, conseguindo que Isadora ficasse cada vez
menos no jardim, até o dia em que já se dirigia para a sala sozinha.
A mãe, sempre demonstrou muita preocupação com o desenvolvimento da
criança, acompanhava tudo de perto, mantinha um diálogo constante com a
monitora e propôs que uma vez na semana a monitora acompanhasse Isadora na
terapia ocupacional (TO), a proposta foi aceita de imediato.
Em conjunto, monitora, mãe e a TO buscavam pesquisas para o
desenvolvimentode atividades para que fossem trabalhadas com Isadora, pois em
sala de aula, a professora e a escola no geral, não se preocupavam,da maneira que
era necessária, se ela estava de desenvolvendo ou não. Isadora não falava, não
focava sua atenção como as outras crianças, não acompanhava a turma e ninguém
na escola se interessava por isso, quando era passada uma atividade em sala,
mesmo não acompanhando e não dando conta de fazer o mesmo que era passado
para os outros, também era para ela, não existia inclusão, na verdade ela apenas
fazia parte da turma, sem a distinção e atenção essenciais para seu
desenvolvimento.
Em uma manhã no parquinho, um senhor se aproximou e perguntou como
estava Isadora, como andava seu desenvolvimento e se estava seguindo o plano de
desenvolvimento individual(PDI), a resposta foi que não havia PDI. Depois

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identificou-se que o senhor era o diretor geral de toda a rede daquela escola.Então,
rapidamente a escola tomou providências para construção do PDI.
Não houve participação alguma da monitora na construção, quando
perguntado à mãe sobre o mesmo, ela afirmou que foi feito de maneira incorreta e
nem sequer chegou a ser finalizado, que foi dado o passo para a construção
somente porque um superior constatou sua falta, mas o que havia sido feito não
servia para nada. Até entãonão haviam problemas, a dificuldade encontrada é que
ninguém e afirma-se que ninguém na escola além damonitora possuía interesse no
desenvolvimento de Isadora, chegando a gerar alguns conflitos entre os pais e os
responsáveis pela instituição, pois os pais exigiam que a monitora não fizesse
absolutamente nada que não fosse relacionado à criança, dedicando-se
completamente à Isadora.
Os pais chegaram a dizer que iriam mudá-la de escola certa vez e a diretora
disse que fizeram muito por ela, mas que se realmente viessem a tirá-la da escola,
seria melhor. Observa-se com indignação o tamanho do descaso de uma
profissional para um caso tão sério, ao invés de fazerem a diferença na vida de uma
criança, preferiam simplesmente se verem livres do que viam como um problema.
Chegou-se em um impasse, como afirma Morin (2001, p.11), “pois para se
reformar a instituição precisa-se de reformar as mentes, mas não se pode reformar
as mentes sem uma prévia reforma das instituições”. Os acompanhamentos com a
TO ajudavam bastante, pois Isadora não falava, usava fralda e não se alimentava
muito bem, a única coisa que comia na escola eram biscoitos de maisena. Por não
falar, a maneira que conseguia se comunicar era chorando ou gritando,
principalmente para conseguir as coisas, isso foi trabalhado para que parasse de
gritar quando desejava algo, ensinandoa pedir apontando o que queria. Apontar ela
não fazia, mas com o tempo foi parando de gritar.
Ela tinha muita sensibilidade nas mãos, todos os seus sentidos eram mais
aguçados que o das outras crianças, principalmente a audição e o tato, ela não
gostava de pegar em massa de modelar, causava um incômodo que às vezes até
chorava se deixasse perto, isso também foi trabalhando através de brincadeiras com
a massinha, com o tempo ela já aceitava pegar mesmo que não ficasse por muito
tempo e depois começou a brincar apertando.

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Sua coordenação motora era pouco desenvolvida, tinha dificuldade para
pegar as coisas e andava sempre na ponta dos pés. Cada passinho que dava como
uma conquista, por menor que fosse, era uma vitória, registrada em todos os
momentos para mostrar aos pais. A alegria deles ao verem o progresso, mesmo que
mínimo, é grandiosa e não há dinheiro que pague, como no dia em que foi
conseguido pela primeira vez que ela tomasse suco.
Todos os dias a mãe enviava, mas ela nunca aceitava, o suco era colocado
em um copo rosa que levava e era conversando, dizendo que sentia-se o desejo de
beber também, e assim era feito, até o momento em que ela aceitou, assim foi, da
mesma maneira com o iogurte, ela parecia ter pavor da garrafa do iogurte, quando
aproximava-se já começava a gritar, como se estivesse apanhando, tempos depois
foi colocado o iogurte também no copo rosa, ela viu todo o processo e aceitou.
Quando a mãe foi buscá-la e foi mostrado o vídeo feito no momento, a mãe
respondeu com um abraço e lágrimas nos olhos.Começou-se a buscar formas de
tentar desfraldar a Isadora, afinal ela já tinha quase cinco anos, a TO chegou a dar
alguns artigos sobre como ensiná-la a utilizar o banheiro, mas nada resultava, teve-
se então a ideia de deixá-la com a fralda quando a levasse ao banheiro, mas fazer
um buraco no fundo da mesma e isso foi tentado por dois dias sem resultado, no
terceiro dia, pela primeira vez ela fez xixi e assim foi feito nos demais dias por um
longo período, com a ajuda dos pais reforçando em casa o procedimento, hoje, ela
não necessita da fralda.
Isadora deu outro passo gigantesco, aprendeu a escrever o seu primeiro
nome, fato que sua professora também não se preocupava muito, apenas dizia: ela
não sabe. Não, ela não sabia, mas aprendeu e tem-se orgulho por ter participação
disso. Quando a professora estava dando alguma atividade, como por exemplo,
passar de mesa em mesa com a caixa de areia para que cada um fizesse uma
respectiva letra, ela sequer dava a oportunidade para que Isadora tentasse, nem
mesmo que tocasse a areia, simplesmente entendia que ela não sabia fazer o que
estava sendo pedido, portanto pulava para outra criança. Foi questionado, claro, e
ela respondia que quando acabasse, a monitora poderia tentar, pois iria atrasar sua
aula.

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Foi presenciadoinúmeras formas de descriminação, que hoje, sabe-seque
este tipo de profissional não é um exemplo a ser seguido.Isadora tinha muitos
hábitos peculiares: não gostava de ficar calçada, não paravasentada em seu lugar,
não ficava em sala de aula, não ficava nas rodinhas junto aos colegas, mas ninguém
se esforçava diariamente para que ela criasse e seguisse a rotina da classe. Foi feito
um quadro de rotina, com imagens das atividades da classe: hora de rodinha, de
lanchar, ir ao banheiro, parquinho, etc. Cada atividade que era feita no decorrer do
dia, quando chegava a hora de tal atividade, Isadora era levada até o quadro e era
mostrada a figura, dizendo o que havia sido feito, realizando com um sinal de que
aquela parte estava cumprida. E assim criou-se o hábito dela ficar na sala, de ficar
em seu lugar, participar das rodinhas etc.
Passaram-seseis meses de experiência, criou-se um vínculo de carinho e
hágratificaçãopela participação no seu progresso, para quem vê de fora, eram
coisas mínimas e até mesmo insignificantes, mas para aqueles que participaram,
Isadora e principalmente a família, foi de grande valor. Devido a sua idade a criança,
teria que repetir o primeiro período, mas com o nítido desinteresse da escola em seu
caso, os pais optaram por deixá-la fora da escola no prazo de um ano, dando início
a um tratamento biomédico.
Atualmente o seu tratamento é homeopático, Isadora está em outra escola,
com pessoas dispostas a lutarem por seu desenvolvimento, segundo os pais, hoje
eles percebem o que é uma escola interessada no processo de aprendizagem da
aluna.

2.2 BREVES REFLEXÕES SOBRE A FIGURA DO MONITOR NO PROCESSO


ESCOLAR DO ALUNO COM AUTISMO

A Lei nº 12.764, publicada no dia 27 de dezembro de 2012, também


conhecida como Lei Berenice Piana simboliza um grande progresso no caminho da
luta pelos direitos das pessoas com TEA. A aprovação dareferida Lei, institui a
Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro
do Autismoe reflete o comprometimento do país com aplenitude das atenções a
estas pessoas. A Lei aprovada, protege e elimina toda e qualquer forma de

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discriminação, comprovando os direitos de cidadania, representa também um
progresso significativo em termos sociais ao apresentaros direitos das pessoas com
TEA e com deficiência (BRASIL, 2012).
O art. 3o, assim descrito na lei,aponta os direitos das pessoas com TEA:

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da


personalidade, a segurança e o lazer;
II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;
III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às
suas necessidades de saúde, incluindo:
a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
b) o atendimento multiprofissional;
c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;
d) os medicamentos;
e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento (BRASIL,
2012).

Ainda de acordo com as determinações do artigo 3º fica resguardado o direito


a acompanhante especializado na classe comum, nos casos de comprovada
necessidade do aluno com autismo.Esse acompanhante a que se refere é o monitor
de apoio.O monitor de apoio à pessoa com deficiência é o profissional que
acompanha e auxilia individualmente a inclusão da criança com deficiência na
escola. O trabalho do monitor na escola faz parte do Atendimento Educacional
Especializado - AEE, que está garantido por lei, segundo os Artigos 227, § 1º, inciso
II, e 208, inciso III, da Constituição Federal que diz:

O Estado promoverá a criação de programas de prevenção e atendimento


especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou
mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador
de deficiência [...] (BRASIL, 1988).

Apresentado tambémna Política Nacional de Educação Especial na


Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008 que afirma:

Cabe aos sistemas de ensino, a organização da educação especial na


perspectiva da educação inclusiva, disponibilizar as funções de monitor aos
alunos com necessidade de apoio nas atividades de higiene, alimentação,
locomoção, entre outras que exijam auxílio constante no cotidiano escolar
(BRASIL, 2008).

O monitor é um motivador importante na escola comum, porém fica evidente a


necessidade emestar devidamente qualificado para atuar econhecer sobre a

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deficiência do aluno que vai apoiar. O monitor deve adaptar os conteúdos que o
professor aplica para toda a sala de aula ao aluno com deficiência. Para isso, é
necessário ter conhecimento e criatividade para tornar o conteúdo compreensível ao
aluno a quem dá assistência, o que demanda uma formação apropriada. Alguns
monitores não cursam licenciatura, com isso o trabalho é mais dificultoso, exigindo
mais conhecimento sobre os métodos de ensino à essas crianças (ARANHA, 2003).
Para exercer funções na Educação Inclusiva, o monitor necessita de uma
formação inicial e continuada, possuir conhecimentos do exercício da docência,
conhecimentos gerais e específicos da Educação Especial. O monitor tem convívio
direto com o aluno, possui responsabilidades como desenvolver e orientar o
educando nas atividades realizadas em sala de aula, além de proporcionar apoio em
atividades de higiene, alimentação e locomoção, entre outras que necessitem auxílio
constante nas atividades escolares (BRASIL, 2008).
O monitor é de grande importância no que diz respeito à área emocional do
aluno, por esse motivo cabe ao monitor transmitir confiança ao aluno e à família, a
segurança no trabalho realizado será alcançado gradualmente através da evolução
comportamental da criança com TEA (Aranha, 1994).

3 CONCLUSÕES

Durante os seis mesesacompanhando a Isadora em suas atividades


escolarespercebeu-se o quão importante foi a presença da monitora para o seu
desenvolvimento, posto que a criança era ignorada pela professora e também pela
gestão da escola a respeito das peculiaridades para o seu aprendizado. Sendo
assim, o trabalhado realizado foi obtendo a igualdade de oportunidade no acesso de
conhecimento para que a criança não ficasse atrasada ou esquecida durante as
atividades que eram realizadas em classe.
Em muitos momentos percebeu-se o desenvolvimento do aprendizado de
Isadora apenas sobre a responsabilidade da monitora, pois não recebia auxílio da
professora, por acreditar que a criança era incapaz e por isso não tentava realizar
nenhuma atividade. Junto à mãe,foram realizadas pesquisas com o intuito de

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promover o desenvolvimento de Isadora, favorecendo o interesse e aceitação das
práticas pedagógicas.
No período em que a criança foi acompanhada, houvea adaptação à sua
personalidade, aos seus costumes, manias e a rotina que ela mesma criou,
buscando sempre respeitar ao máximo os seus limites, não forçando-a a realizar
nada contra a sua vontade.
Com oconhecimento e convívio, desenvolveu-se a paciência, sendo
necessária para o fortalecimento do vínculo, uma relação de confiança foi sendo
criada e rapidamente Isadora demonstrava confiança e afeto pela monitora, o que
facilitou e muito o trabalho, pois com o convívio amigável as atividades eram
realizadas mais facilmente.
Isadora foi uma aluna desafiadora, favoreceu o crescimento profissional e a
percepção do quanto é possível oferecer a estes alunos tão especiais, que muitas
vezes acabam sendo discriminados. Com esta criança, observa-se a sensaçãode
uma educação inclusiva, descobrindo um potencial que muitos desconhecem.
O desenvolvimento desse trabalho proporcionou a percepção de como é
importante um olhar diferente para a evolução dessas crianças, de como é
necessário que haja interesse em ajudar, as possibilidades sobre o progresso
escolar e também avanço pessoal, onde não sofram por serem diferentes e não
sejam discriminadas por não terem os mesmo hábitos ou facilidades em aprender
algo.
Ao analisar as atitudes dos profissionais da instituição, que em momento
algum demonstraram interesse pelo desenvolvimento da aluna em questão, afirma-
se que esses posicionamentos vão contra tudo que aprende-se na universidade,
pois constituem-se exemplos de profissionaisque não podem ser seguidos.Durante
três anos e meio de formação obtém-se inúmeras experiências para se espelhar e
ajudar a trilhar um caminho profissional ético, buscando o melhor para todos aqueles
que venham a desfrutar do trabalho oferecido.
Contudo, conclui-se sobre o relato de experiência que um profissional
qualificado, deve sempre pesquisar, compreender e buscar métodos de ensino que
consigam oferecer segurança à criança, para que essa comece a demonstrar suas

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habilidades, que embora seja um processo lento, é gratificante o retorno como
profissional quando nota-se a evolução da criança.

REFERÊNCIAS

ASSUMPCAO, Júnior Francisco B.; PIMENTEL, Ana Cristina M. Autismo


infantil. Rev. Bras. Psiquiatria. São Paulo, v. 22, supl. 2, p. 37-39, Dezembro de
2000. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
44462000000600010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 08 abr. 2017.
ARANHA, Maria Salete Fábio. A integração social do deficiente: análise conceitual
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