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No nature, no culture: the Hagen case

Marilyn Strathern

Introdução
p. 174: povo Hagen de Papua Nova Guiné contrastes:
- wild and domestic things – por uma perspectiva de segurança
- male and female – a sexualidade da mulher é selvagem e o homem pode domá-la

p.176: não há o conceito de “natureza” e “cultura” nesse povo porque é uma ideia
ocidental.
No entanto, essa dualidade manifestada na análise do povo de nova guiné pode se dar
por dois motivos: 1. Interesses ecológicos, que quer entender analiticamente a relação
entre sociedade e ecologia que ecoa em outros povos ao separarem “selvagem” e
“doméstico”. 2. O discurso feminista preocupado com a relação entre biologia e o que é
feito pelo homem, uma preocupação que ecoa em uma direção, cujas noções entre
“feminino” e “masculino” são, sim, articuladas com noções entre “natureza” e
“cultura”. Ambos os pontos estão correlacionados.
A dicotomia não-ocidental de 'selvagem-doméstico' desencadeia uma interpretação
em termos de 'natureza-cultura' na presença de temas explícitos de controle ambiental
ou de simbolismo 'masculino-feminino'. Inclusive, é ainda mais plausível que a
distinção ocidental de 'masculino-feminino' nos sistemas cognitivos cumpre um papel
cruciais como operador simbólico em certas transformações entre os termos 'natureza-
cultura'.

A ideia de natureza-cultura
p. 177: “tal solipsismo foi amplamente discutido por wagner: embora admitamos, diz
ele, que outras culturas contenham conjuntos de artefatos e imagens que diferem em
estilo da nossa, tendemos a sobrepô-los à mesma realidade - a natureza como a
percebemos (1975: 142). O ponto a ser extraído é simples: não existe natureza ou
cultura. Cada um é um conceito altamente relativizado cuja significação última deve ser
derivada de seu lugar dentro de uma metafísica específica. De fato, nenhum significado
único pode ser atribuído à natureza ou à cultura no pensamento ocidental; não há
dicotomia consistente, apenas uma matriz de contrastes (Hastrup 1978: 63). a questão
então se torna quão grande parte do conjunto total de significados devemos ser
capazes de identificar em outras culturas para falar com confiança de que elas têm tais
noções.”

p. 179: existe uma certa rigidez entre os parâmetros para que eles sejam aplicados da
mesma maneira que se entende como “natureza-cultura” para povos distintos. Ao
selecionar de nosso próprio repertório de noções sobrepostas certos conceitos
considerados em uma relação dicotômica ou de oposição, estamos, na melhor das
hipóteses, fazendo suposições prévias sobre a lógica do sistema de outros povos e, na
pior das hipóteses, usando nossos próprios símbolos como se fossem signos. Essa
tendencia,

p. 179, 180: pode-se perceber uma homologia entre o tema da natureza e da cultura
no pensamento indígena e a análise do observador sobre o lugar dessa sociedade
dentro de seu ambiente. a realidade com a qual dotamos nossa própria interação com
a natureza é, portanto, imputada aos sistemas daqueles que estudamos – mesmo na
medida em que uma distinção indígena entre aldeia e mato pode ser reproduzida
como reprodução de nossa compreensão evolutiva da sociedade humana, em termos
de tecnologia modificadora recurso. "Natureza" como "ambiente" é a preocupação
particular dessas ideias. Um segundo modelo é às vezes empregado por aqueles
interessados nas relações entre os sexos como uma história de luta pelo poder: eles
veem, na associação de artefatos culturais e criatividade masculina, um processo que,
ao relegar a mulher a um status natural, privou sua identidade social. A "natureza
humana" com seus problemas de consciência, identidade e dualismo mente-corpo
estão em questão central aqui.

O indivíduo (biológico) como o oposto de “sociedade”, pode, portanto, ocupar uma


posição análoga como a natureza é oposta à cultura. Quando a ciência social
estabelece um problema de conversão do indivíduo (natural) para o papel social de
uma pessoa, isso entretém uma noção de natureza humana como uma matéria
biológica crua, pronta para ser moldada pela sociedade. A equação feminista da cultura
como algo que é feito pelo homem pode inverter os valores muitas vezes implícitos
nessa posição – em um argumento feminista do tipo “expressivo” é considerado
masculino o que foi criado, o que é artificial e colonizado, enquanto o feminino é aquilo
que ainda não foi contaminado pela fonte “humana” (Glennon, 1979).

Portanto, cada modelo desencadeia uma dinâmica de oposição. Um, vê a sociedade


primitiva lutando com as mesmas preocupações de controle sobre o meio ambiente
que preocupam o oeste industrial; outros demonstra a incidente maneira com a qual o
controle dos homens sobre as mulheres está embasado na noção de que a cultura
controla a natureza, razão e emoção etc. já a autora entende tudo como parte de um
processo, tal como a natureza pode ser tornar cultura (como já se preocupa com o
meio ambiente); como uma criança pode ser socializada. Todo o tempo a cultura se vê
como uma entidade superior à natureza, enquanto, na verdade, é a natureza que inclui
a cultura, tal como o que é geral inclui o que é exclusivo, e assim por diante.

p. 181: essa noção ocidental de “natureza-cultura” gira em torno de uma operação de


controle ou colonização sobre o outro. Como é insinuado que o que é selvagem é
dominado e domesticado, tal como o que é domesticado contém elementos primitivos
inatos e naturais.

Gender as operator
p. 182: assim, usamos 'masculino' e 'feminino' em um sentido dicotômico. eles
representam uma entidade (a espécie humana) dividida em duas metades, de modo
que cada uma é o que a outra não é. a divisão tem um impacto mais claro em termos
de reprodução biológica, de modo que há um esforço constante para reduzir as
diferenças comportamentais à biologia. no entanto, na medida em que não
concebemos simplesmente a natureza e a cultura como opostos um do outro, mas
também os colocamos em vários relacionamentos (continuum, processo, hierarquia),
eles são redirecionados de volta para a dicotomia masculino-feminino para produzir
toda uma série de declarações não-dicotômicas sobre homens e mulheres. portanto,
de uma equação entre o feminino e a natureza pode fluir a noção de que (1) as
mulheres são "mais naturais" do que os homens (em um determinado ponto de um
continuum); (2) seus poderes naturais podem ser controlados por estratégias culturais
(como o mundo natural pode ser domesticado, uma questão de processo); (3) são
avaliados como inferiores (hierarquia de valores); e (4) têm um potencial generalizado
em relação às realizações particulares dos homens.

p. 183: gênero é uma metáfora para a cultura ocidental, que nos habilita a trafegar
entre o contraste de “cultivado-selvagem” para “sociedade-individual” e imaginar que
ainda estamos falando sobre natureza-cultura. Ambos podem ser adequados aos
termos “masculino-feminino”, mas sempre considerando o ponto de hierárquica
colocado nessas oposições assimétricas.

Para que essas relações dicotômicas se sustentem, às vezes é necessária uma inversão,
em que o homem é a fera e a mulher é o objeto artificial e puro, às vezes colocada
como o sexo “frágil”. Essa dicotomia não apresenta qualquer consistência.

Critiques of gender analysis, and a further critique


p. 186: Marilyn Strathern realça o apontamento de Sherry Ortner, que não quer fazer
uma conceituação da sociedade, mas do que a cultura representa para si, que
simboliza uma relação de gênero (colonizadora). Porque todas as formas de se fazer
entender a dicotomia “natureza/cultura” se dá pela relação da existência do ser
humano e como as forças naturais dependem de como a cultura as atravessa e as
regula para organizar o mundo e a vida. Toda cultura se reconhece através da sua
diferença com a operação da natureza. Ou seja, de alguma maneira, a cultura não
apenas se define pela sua diferença com a natureza, como se coloca a um nível
superior como uma própria projeção de transcendência à natureza.

Por conta disso, simbolicamente, a mulher ocupa uma posição em que ela não
consegue transcender tanto a natureza quanto o homem; dessa maneira, ela também
pode ser vista como um ser mais íntimo à natureza, algo mais primitivo, menos
sofisticado, simbolicamente desvalorizado com relação aos homens. Assim, existe uma
associação inconsciente do lugar na hierarquia “natureza/cultura” da mulher na
sociedade, tal como uma ambiguidade simbólica que exige uma certa autoconsciência
da mulher.

O que acontece é que, na verdade, a relação dicotômica “natureza/cultura” é, em si, o


próprio produto da cultura – tornando-se parte de uma perspectiva contaminada – que
se diz uma parte transcendental da natureza que executa pensamento e produz
tecnologia a partir de sua existência natural – O que se questiona aqui, portanto, não é
que a natureza tem, sim, sua própria forma de pensamento e tecnologia? Tal como
consciência e comunicação?

p. 187: considerando a própria dicotomia “natureza/cultura” como um objeto de


estudo, é facilmente notar que a natureza é uma força pela qual a cultura pressiona e
exerce poder sobre, apresentando uma forma de hierarquia. Essa universalidade
presente em todas as culturas humanas indica a habilidade especificamente humana
de exercer poder sobre e controlar, ao invés de passivamente conviver e se adaptar.
Esse pensamento unanime entre os seres humanos, de que a cultura exerce um poder
sobre a natureza, indica a existência da própria natureza. Tudo que se interpõe nessa
relação é criado pela própria cultura e corresponde ao que nós reconhecemos como
“natureza/cultura”, assim como, a posição que é colocada sobre a mulher como
desvalor e mais íntima ao que é “natural” faz parte de uma construção sistêmica
cognitiva. Logo, os símbolos usados são os mesmos em todo lugar, mesmo em
diferentes culturas, porque são atribuídos diferentemente, mas sempre são colocados
por uma cultura.

Culture as classification
p.188: Edwin Ardener (1972) sugere que são os homens que têm estado motivados
para traçar limites entre uma lógica dicotômica “natureza/cultura”
“masculino/feminino”.

p.189: Ardener escreve "se a percepção masculina produz uma estrutura dominante, a
feminina é uma estrutura silenciosa. É uma eventualidade tangencial empírica que as
realizações imanentes, inatas, naturais de estruturas silenciadas sejam tão
frequentemente equalizadas com sua anulidade, por conta de sua 'natureza'. Em
outras palavras, o modelo dominante construiu em si uma definição de seus próprios
limites como modelo, acomodando a articulação subjugada de outros modelos como
um de seus próprios termos (manifestações da natureza).
Ou seja, a partir do que ele aprendeu com a natureza, ele reproduziu formas de
estabelecer limites e criar o seu próprio modelo – a fim de se diferenciar da natureza.

Se nós delimitamos essa diferença como “cultura”, ou seja, algo inventado por “nós”,
uma simbolização convencionada, que distingue o mundo e a sua ordem, ao sermos
observados por outros, o mesmo sistema e ordem podem ser lidos como “inatos” e
“naturais”. Toda a questão de simbolização é considerada algo “normal” e apropriada
para ser classificada como uma ação do homem. Então, o que define algo como uma
criação do homem e não uma “imanência”?

p. 190: Na comunidade Daribi, observada por Roy Wagner, não há uma distinção
“natureza/cultura”, mas há uma distinção “inato/artificial”. Eles entendem que essa
diferenciação vem de processos de singularidade e coletividades ocidentais. Para esse
povo, as convenções sociais são componentes da humanidade e do universo, dados em
que cada um se diferencia, particulariza e improvisa, enquanto “nós”, os ocidentais, por
motivação inata, buscamos controlar uma coletividade e tentamos nos individualizar.
Para os Daribi, não há cultura, nem natureza.

Para o povo Hagen, a dicotomia “selvagem/doméstico” é algo inato porque é tratado


como algo dado pelo mundo. Isso é afirmado ou descoberto, mas não “feito”, diferente
da nossa forma de estar sempre “fazendo” cultura e refazendo a relação
“natureza/cultura”. Enquanto isso, sem qualquer estruturação ou consistência nos
argumentos “nós” nos debatemos para diferenciar “natureza” de “cultura”, com muitas
incertezas, transformando isso em um artefato (conceito de Levi Strauss).
Transformamos uma simbologia já convencionada em uma questão da criatividade
humana.

p. 191: para nós, a “natureza” é um lugar onde colocamos coisas que nos são dadas,
são inatas e imutáveis, como o “sexo”. Isso já caiu faz tempo. Ao mesmo tempo que
nosso esforço coletivo demarca um “self” cultural e humano, mas também produz
irredutibilidade e diferenças não-culturais, observar a sociedade em si como um
artefato “inato” produz a própria dicotomia em questão que constitui os indivíduos
dessa sociedade. Uma vez que isso é posto por uma definição humana, “natureza” e
“cultura” se tratam de conceitos que flutuam e trafegam entre seus próprios
significados, por um objetivo de um dominar o outro (segundo Stratern). Se nossa
construção de “cultura” é um “artifício”, nós legitimamos esse artifício embasando-o no
“natural”.

III The Hagen Case


Is rømi nature?
p. 195: quadrado semiótico greimasiano
p. 196: No nosso entender, natureza estabelece limite para o que os homens podem
fazer, mas permite sua manipulação. O “grau” de cultura podem ser medidos através
do “quanto de natural” foi alterado ou subjugado. A natureza não é apenas “algo
influenciado”, mas um sistema com suas próprias leis que limitam o que é possível. Nós
somos parte desse sistema, onde podemos usar suas leis em nossa função, o que pode
separá-las e nos fazer transcender – ser acima desse sistema.

Para nós, separar “mundo natural” de “natureza humana” é uma homologia para
“artefato” (o que é inato) e “regra” (construído artificialmente), que corresponde ao
que o ocidentalismo chama de “civilização”. Logo, quanto mais refinado o artefato, mas
avançada é a civilização. Quanto distante da natureza, menos naturais somos, mais
civilizados.

Por que é necessário ser diferente da natureza? Se nós viemos da natureza, como fugir
dela? Seria o caso de aceitá-la como parte de nós? Mas nós somos natureza... Nós
somos todos parte da mesma matéria. O que há de “ruim” em ser “natural”? Seria uma
questão de autonomia?

Is mbo “culture”?
p. 202: em nossa equação, “cultura” não é algo “cultivado”, “criado”, “construído”, mas
também “domesticado” e “controlado”. Essa ambiguidade é o que problematiza a
relação “domestic/wild” se quisermos tratar como a dicotomia “natureza/cultura”.
Para o ocidente, domesticado e cultivado estão para: “o medo de não ter recursos
naturais, a renderização de recursos naturais para um uso cultural. Tanto é verdade,
que as criaturas trazidas para o círculo de convivência com os humanos, se tornaram
“domésticos”, porque os usamos em nossa vida íntima e privada. Logo, Trabalhos
domésticos são trabalhos (naturais) que foram (domesticados) trazidos à vida privada.
Mas trabalhos domésticos não são cultura. Fazem parte de uma esfera doméstica que
está oposta ao domínio público, cujas questões são do domínio cultural e social.
Segundo Langness e Barth, o selvagem está para o doméstico da forma que a natureza
está para a cultura. Mas Ortner apresenta que o doméstico está para a natureza
porque, em primeiro lugar, o público e o intersocial estão para a cultura, que
transforma a natureza em doméstico (o oposto de público). Dessa forma, a cultura não
apenas transforma a natureza, mas as forças naturais, incluindo pessoas e corpos.
Logo, se as oposições das ações presentes nas esferas domésticas e públicas refletem
uma consciência social (e inata), a vida doméstica é lida como algo intrassocial, focada
no indivíduo e suas particularidades, fragmentando-o.

Por conseguinte, as mulheres são associadas à esfera doméstica porque são


simbolizadas como representações de preocupações do nível mais profundo (inferior)
de consciência, a natureza que a cultura busca modificar (ter total controle, ser deus,
ter a resposta de onde viemos?)

Social/ público/ interpessoal = cultura x natureza = intrassocial/ privado/ doméstico

A questão da transcendência social sobre as necessidades e os desejos do indivíduo


são aspectos da dicotomia cultura e natureza.

Para o povo Hagen, nem mbo (doméstico), nem rømi (selvagem), nem o contraste
entre eles são ativados em pela dicotomia entre social e doméstico. Uma associação
bastante diferente de domesticidade com confinamento, as coisas mundanas,
enfadonhas e comuns podem, no entanto, ser apontadas por um contraste com rømi
no sentido do “exótico” (diferente do que se tem em casa?).

p. 203: Em algumas de nossas próprias versões de "natureza/cultura", metonímias para


evolução, comprimimos todas essas ideias em aspectos de uma única sequência
transformacional. Uma metáfora que funciona, como a autora sugeriu, reside na
dicotomia "masculino/feminino". A cultura Hagen também usa "masculino/feminino"
como símbolos para toda uma gama de ideias – Ao contrário de Gillison, cuja discussão
é extraída de um domínio específico (como os Gimi concebem seu 'ciclo de vida'), sua
interpretação das imagens de gênero na cultura Hagen parte de, tanto como os sexos
são pensados quanto como as qualidades sexuais são então aplicadas a outras
formulações. Ao mesmo tempo, sua intenção é mostrar que nem "macho" nem
"fêmea" no uso dos Hagen podem ser reduzidos de maneira essencialista para
corresponder a algum princípio ideacional abrangente único na visão de mundo de
Hagen. Enquanto Gillison aponta para fortes ambiguidades no cerne das noções dos
Gimi sobre identificações genitais, ou sobre os papéis dos sexos na reprodução, ela
descreve o lugar dos idiomas sexuais em outros domínios da vida social.

The implications of gender symbols


Cultura é um processo, ferramenta e resultado de transformações, logo, tanto os
artefatos quanto o social estão em constante evolução. Ao invés de colocarem a
“cultura” como oposto de “natureza”, os Hagen colocam-na como oposto de algo “não-
cultura”, ao invés de encarar tal categoria como uma que engloba a outra. Essa forma
de pensamento (metáfora) não parte de um princípio colonial, ou seja, de um dominar
o outro. “fêmea”, tal como “doméstico” são símbolos ligados ao “interpessoal”, que
também produzem singularidades e interesses pessoais, ao contrário do que os
“machos” são associados aos “interesses públicos”. Apesar de usarem símbolos de
“masculino” e “feminino” eles não associam à dicotomia de “natureza/cultura”.

Dentro dessa comunidade, existem aspectos de controle, influência e sustento. Por


exemplo, no caso dos porcos, eles são animais domésticos que são objetos de controle.
P. 204: Sua parte “selvagem” não é caçada, mas há o controle de coisas domésticas por
uma questão de organização social, e não porque há uma força oposta na natureza. Já
quando se fala em “espíritos selvagens” é uma questão de respeito de existência e
coabitação. Não há uma questão colonial em que o subjuga e busca domá-lo, mas
apenas uma forma de coexistir em um ambiente sabendo que existem partes
“selvagens” ali. No caso dos alimentos, cria-se uma relação de dependência por conta
do sustento. Animais que fogem não criam essa relação. Já pessoas, que agem de uma
forma inconvencional ao que se sugere a respeito da convivência coletiva, divisão de
alimentos etc, são considerados irresponsáveis. Seus atos são equiparados aos dos
porcos e se tornam “selvagens”. Considerados com seus comportamentos
transformados, são chamados para de volta de seus sentidos, são advertidos que estão
agindo como “espíritos selvagens”, irresponsáveis com o resto que está acordado
coletivamente. Não são considerados, por exemplo, uma expressão da natureza inata
humana.

p. 205: As mulheres (ao evidenciar o comportamento 'feminino') são consideradas


menos passíveis de controle social do que os homens. Elas simbolizam o indivíduo
autônomo com interesses autorreferentes e são mais propensos ao comportamento
selvagem. Isso não as aproxima da natureza, porque não se tenta controlar "o
selvagem". Além disso, o fato de mulheres rebeldes poderem ser comparadas a porcos
selvagens da floresta não faz da floresta um domínio feminino. Em qualquer caso, o
mesmo epíteto pode ser usado para homens. Um grupo de membros do clã
“resistentes” que se mudaram de sua área natal e foram 'perdidos' para o clã, foram
comparados a 'porcos selvagens'. Há uma dupla metáfora aqui – que mulheres ou
homens são selvagens e que são como porcos. Um aspecto possível do símbolo do
'porco selvagem' Hagen, no entanto, é a identificação enigmática da mulher e do porco
que, em seu estado doméstico, são mais ou menos dóceis.

p. 211: questão de escolha (cabe ao indivíduo definir ou não objetivos sociais) e de não
escolha (os homens têm uma capacidade inata de perceber tais objetivos contra os
quais as mulheres sofrem uma desvantagem). Este é um idioma através do qual os
homens tentam influenciar uns aos outros e interessar as mulheres em seus assuntos.
Controle (dirigir os outros na maneira como eles agem), transformação (induzir certos
estados de espírito), manipulação (estruturar valores de forma a impulsionar a
participação em eventos sociais) são todas noções aplicáveis ao comportamento.
Baseiam-se no envolvimento e no compromisso entre os indivíduos. As manipulações
dos atributos comportamentais de gênero são, portanto, parte da criação, de como as
pessoas agem em seus relacionamentos. Isso se diferencia: os indivíduos podem cruzar
a fronteira (os homens de baixo status são 'como as mulheres, as mulheres de prestígio
são 'como os homens'). Uma mudança de status (um homem grande falhando, uma
mulher provando que é parecida com um homem) é sempre possível.
o poder místico da selva que os machos trazem consigo, em contraste, está afastado do
controle nas relações interpessoais. esse poder é contraposto às características
femininas, assim como o 'selvagem' é contraposto ao 'doméstico', uma antítese que
marca uma fronteira que ninguém pode cruzar. ou, se cruzado, é apenas na aparência -
em última análise, a 'natureza' de alguém como habitante da natureza ou como
verdadeiramente humano não pode ser mudada; este é o tema tratado com frequência
nos mitos. portanto, no que diz respeito à celebração dos cultos dos espíritos, os
homens ganham poder, mas não identidade. é um atributo masculino atuar nos cultos,
assim como caçar, mas essas atividades não tornam a pessoa mais masculina, apenas
demonstram a força que a masculinidade implica. pois a demarcação sexual aqui
repousa na fisiologia; os sexos como genitais e funcionalmente distintos são dados ao
mundo.

p. 214: 1) em questão de humanidade, nas noções de sustento e alimentação, mbo e


romi (cultivado e selvagem) carregam noções do que é “humano” e “não-humano”, do
que é “coletivo” e do que é “solitário”. 2) na questão social contra a autonomia pessoal,
a independência e o comportamento social destrutivo são chamados de “romi”. As
fêmeas são mais encontradas em um comportamento individual “romi” que os
machos. O oposto disso é “noman” que significa “mente” e está atribuições do
humano “mbo”. 3) as forças sobrenaturais são postas ao lado de “romi”, preconizadas
pelos machos. O oposto disso são atividades domésticas e mundanas, realizadas por
mulheres, mas nem sempre por “mbo”. 4) nas questões de valores, prestígio e status,
quem obtém prestígio é quem pensa no social, logo, quem está no público, que está
diretamente ligado ao macho, enquanto à fêmea está o oposto, considerado doméstico
e privado, mas também “bobagem”, “lixo” ou “sujo”. Para “nós”, junto à sociedade vem
o prestígio, público, criatividade e civilização. Não são coisas separadas.

p. 216: mbo-romi (humanidade-alimento) é uma relação não-hierárquica. Também não


se encontra gênero discriminado nessa relação. Gênero se encontra nas relações que
criam noções de oposição e tensão (o idioma de gênero). O gênero é usado para
diferenciar os estilos das atividades humanas. Outra coisa que se nota é que “romi”
está sempre em evidência, é sempre algo marcado, que pode ser um traço utilizado
por machos ou fêmeas. Essa forma de conversão é curiosa, porque demonstra
possibilidade não-binária. Isso é significativo: em um modelo dialético, as noções de
gênero efetuam uma transformação parcial ou aplicação de ideias de outra forma
enquadradas como dadas; mas a aplicação é apenas parcial - ou seja, masculino e
feminino não podem significar a diferença entre "mbo" e "romi". onde masculino e
feminino representam uma diferença total é em relação às idéias sobre prestígio e lixo,
que são o domínio supremo da criatividade hagen.

IV CONCLUSÕES
p. 216: A autora prova, com esse texto que, apesar de sempre dicotomizarmos relações
como “ordem social” e “sistema cultural”, “regras” e “artefatos” ou “ambiente” e
“natureza humana”, essa divisão que separa esses conceitos em colunas diferentes cai
por terra, uma vez que ela observa uma outra cultura que acaba relacionando esses
itens entre eles – o que prova, de uma vez por todas a problemática do que a ciência
social fala sobre existir uma “cultura feita pela criação humana” e uma “natureza dada
a priori”. A noção de “masculino/feminino” colocada como “sujeito/objeto” não é nada
se não uma noção de propriedade proveniente do olhar de mundo de quem observa,
já que a cultura Hagen não vê essa relação da mesma maneira. A autora propõe
eliminar a cultura e entender a natureza como “nossa”, mas também coloca “we do not
have to be bound by Society because society is simply na invention, and so on”.
p. 217: Sherry Ortner coloca que as mulheres simbolizam a fragmentação, a
particularidade, a preocupação com a singularidade, enquanto os homens se
preocupam com a integração social. Mas é na nossa própria cultura que coloca os
homens como criadores e as mulheres como algo parecido com objetos,
representando uma força natural através da qual a cultura transcende, ou como o
próprio resultado de uma criação artificial do homem. Isso é dado pela nossa cultura,
mas o que os Hagen fazem é diferente.

p. 218: Primeiro, que para eles, o domínio sobre o doméstico não vem de uma visão
que coloniza o selvagem, eles convivem.

p. 219: Segundo que, os idiomas de gênero são lidos em um contexto de interesses


“sociais/pessoais”, usando gênero para diferenciar, dialeticamente, que a distinção
“masculino/feminino” cria uma noção de “humanidade” como um pano de fundo para
a “similaridade”. As representações de “dominação” e “influência” entre os gêneros
têm a ver com a forma de interação humana e não é sobre um projeto humano posto
contra algo “menos humano”.

LER: ORTNER, Sherry. Is female to male as nature is to culture? In Woman, culture and
society, eds. M. Z. Rosaldo and L. Lamphere. Stanford: Stanford University Press.

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