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DÁDIVA E EMOÇÃO

- O estudo das formas da dádiva tem servido de base para formulação de diversas
teorias que visam a compreensão da natureza da vida social
- Uma de suas forças heurísticas, ao lado do exame das emoções e sentimentos, é o de
relevar a natureza das relações entre o indivíduo e o grupo, o individual e o social,
quanto aos comportamentos humanos
Mauss: as regras da dadiva formam a sociabilidade humana

Projeto de pesquisa de Coelho: A troca de presentes: cultura, agem e emoção


- As regras do presentear
- Como os indivíduos recorrem às dádivas materiais para elaborar suas identidades e
para expressar/suscitar sentimentos?
- Existe uma tensão entre o presente como expressão de afeto e as “datas para
presentear” como forma de coerção social
- Dados dos participantes da pesquisa: 12 mulheres de classe média da Zona Sul do RJ
entre 45 e 60 anos

Estrutura do artigo de Coelho


- Dividido em 3 partes
- Parte 1 e Parte 2: apresentação dos pressupostos teóricos sobre dádiva e
emoção; aqui são delineadas 3 ideias que estruturam a pesquisa
* A capacidade da dádiva material servir como meio de expressão de afetos
* A concepção do conjunto de regras que governam a circulação das dádivas
como uma linguagem
* O lugar das emoções como objeto de estudo de Marcel Mauss,
enfatizando a tensão entre o obrigatório e o espontâneo na experiência
- Parte 3: análise dos dados coletados nas entrevistas; revelam a tensão “afeto
x coerção” presentes nos discursos

A troca de presentes: emoção e linguagem/ David Cheal


- Presentes trocados em Winnipeg (Canadá) são uma forma de expressão dos laços
sociais entre doados e receptor
- Os presentes também são uma forma de “manipulação de impressões”, como um
recurso utilizado pelos indivíduos para criar determinada “representação de si”
- Presentes são “meios de comunicação”: A possibilidade de dar visibilidade a estados
afetivos
- Os objetos ofertados nas datas comemorativas sazonais são bens supérfluos
- Provavelmente, a importância social dos presentes é acima de tudo simbólica e sua
função é expressar emoções de determinados tipos
- Os objetos trocados entre os familiares:
- A troca de presentes entre familiares seria uma forma de “renovação dos
sentimentos amorosos”
- Os presentes são evidências concretas e visíveis de estados emocionais
invisíveis
A troca de presentes: emoção e linguagem/ Miller
- A capacidade dos objetos trocados de expressar os sentimentos do doador e de
suscitar sentimentos no receptor (e da capacidade da reação do receptor de suscitar
sentimentos no doador)
- Essa capacidade está ligada ao conjunto de regras muito complexas que se
não forem seguidas pelo doador ou pelo receptor acabam provocando HUMILHAÇÃO e
EMBARAÇO nas pessoas, nas interações sociais
- Os sentimentos gerados pelas dádivas não se dão de acordo com a livre iniciativa dos
indivíduos, mas obedecem a uma gramática socialmente regulada
- Nas interações sociais existem regras de sentimentos que definem as emoções
legítimas consideradas coerentes com tipos específicos de situações sociais
- O potencial de insulto do presente:
- Miller concebe que as regras que orientam as atitudes individuais na
oferta/recebimento das dádivas materiais formam uma linguagem
- É necessário possuir uma “competência social” para desprover a dádiva da sua
capacidade de insultar
- Não é possível dar qualquer coisa a qualquer pessoa
- Não é possível dar objetos de qualquer valor a qualquer um
- Não é possível dar objetos dizendo (ou não dizendo) qualquer coisa
- Não é possível dar objetos a qualquer tempo ou em qualquer lugar
- Presentes excessivamente caros ou baratos humilham ou insultam
- Presentes iguais para pessoas com relações distintas também podem provocar
sentimentos desagradáveis
- Diversas mensagens são comunicadas através da oferta/recebimento de objetos

As emoções como objeto antropológico: a tensão obrigatório-espontâneo


- Durkheim: fato social como aquilo que existe fora das consciências individuais. Marca
a diferença entre a sociologia e a psicologia
- Simmel propõe a realidade social como sendo constituída pelo par forma-motivação
(para os comportamentos humanos). Estabelece que o objeto da sociologia é a forma
- Porém, Simmel, em diversos estudos tomou as emoções como objeto da sociologia
- Mauss: A expressão obrigatória dos sentimentos
- A natureza coercitiva do ritual não significa que o indivíduo demonstra o que “não
sente”
- A expressão dos sentimentos é uma linguagem que funciona como um movimento de
mão-dupla, em que o indivíduo, ao expressar o que sente para os outros seguindo um
código compartilhado, expressaria seus sentimentos também para si mesmo
- O sentimento ao invés de provir espontaneamente do íntimo de cada indivíduo, é
gerado de fora para dentro, o que em nada enfraquece a verdade do sentimento
experimentado pelo sujeito
- No Ensaio sobre a Dádiva, Mauss se questiona sobre por quê da retribuição de uma
coisa dada
- A dupla verdade da dádiva
1. Seu caráter voluntário (expresso na teoria)
2. A obrigação de retribuição (presente na prática real da dádiva)
- A questão fundamental no Ensaio sobre a Dádiva, de Mauss, é: Que coisa há na coisa
dada que faz com que o donatário a retribua?
- Resposta: Trata-se do espírito do doador, de algo do doador que “vai” no
objeto ofertado e que deseja voltar (aquela mistura de almas e coisas)

Uma experiência coercitiva: as datas de presentear


- Presentes doados têm a capacidade de transmitir afetos
- Desconforto com o sentimento de obrigatoriedade na oferta de uma dádiva
- Dar presentes porque se é obrigado aparece como uma quase contradição em
relação ao objetivo de presentear, que é a demonstração de afeição
- O caráter obrigatório do presente aparece sob a forma das datas: Natal, aniversários,
dia das mães, dos pais...
- Há oposição entre a natureza afetiva da dádiva e o caráter coercitivo das datas
- Uma oposição da dádiva como expressão do afeto à vivência da data como coerção
- As datas socialmente definidas como ocasiões para troca de presentes provocam
desconfortos e geram sentimentos de ansiedade
- Hoje nossa consciência [é] profundamente ciente da arbitrariedade das convenções
- O esforço contínuo do indivíduo é por transcender esta condição de coagido. E essa
seria a condição para a expressão da dádiva como afeto
- A espontaneidade é condição para que o presente cumpra a sua função de ser um
“ato de amor”
- Visão do presente como uma forma de demonstração de sentimentos afetuosos
- A recusa das datas aparece como uma maneira de preservar a possibilidade destas
ofertas materiais de servir como estratégia de expressão de emoção

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OBS.: TEXTO: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-


93132006000200013

- “a autora enuncia seu interesse em discutir a dádiva como estratégia de construção


de identidades e de expressão de emoções. Propõe examinar a troca de presentes
como um ‘ato de comunicação’, abandonando as linhas tradicionais que privilegiavam
sua análise a partir do prisma que estabelece uma natureza sistêmica da permuta de
dádivas.”
- Marcel Mauss, em seu ensaio seminal "Ensaio sobre a dádiva" (1974), propõe o
sistema de trocas de presentes como um "fato social total" e sugere uma mistura de
almas e coisas, assim como uma dupla verdade da dádiva: por um lado, transações
voluntárias e, por outro, movimentos obrigatórios de caráter coercitivo. Para Mauss,
as coisas dadas seriam "animadas": presentear alguma coisa a alguém seria presentear
algo de si. A troca seria composta de uma tripla obrigação: dar, receber, retribuir.
Nessa mistura entre pessoas e coisas, a contraprestação equivaleria a uma nova
prestação que exigiria uma nova retribuição. Mauss aborda a complementaridade
entre o psíquico e o social, aceitando a explicação nativa de vínculo espiritual entre as
coisas.
- Para Lévi-Strauss, as estruturas mentais inconscientes são vias de acesso mais
eficazes para atingir a realidade subjacente do que as elaborações conscientes da
mente nativa. Afinal, há na troca muito mais do que as coisas trocadas, carregando em
seu bojo processos de formação de grupos e um lucro traduzido em moedas não-
econômicas, tais como poder, prestígio e afeto.
- O objeto do segundo capítulo é o exame da constituição de imagens de si mesmo por
meio da troca de presentes. A dádiva é, a um só tempo, um veículo para a elaboração
da face e um modo particular de se apresentar ao outro.
- Presentear é construir um espelho que projeta um reflexo particular para si próprio e
para o outro. Reflete, igualmente, no gesto da escolha do objeto, uma visão que se
tem da pessoa a ser presenteada. Empreitada não desprovida de risco, pois fortes
distorções da imagem podem provocar aquilo que é o mais temido: a ofensa traduzida
por gafes que podem ser percebidas como reveladoras de naturezas profundas de
sentimento.
- O tema central da emoção como objeto antropológico e as tensões geradas entre o
obrigatório e o espontâneo constituem o fulcro do terceiro capítulo. Coelho examina
as datas obrigatórias de troca de presentes e como estas são percebidas, atualizadas e,
por vezes, evitadas. Aprofunda as conexões entre valor e afeto, desconstruindo a
apressada noção que estabelecia uma proporcionalidade automática entre um e outro.
Distingue o valor de uso, o valor de troca e, citando Godbout (1999), introduz a noção
de valor de vínculo: o fortalecimento dos laços que pode ser obtido por gestos
desprovidos de um grande valor material. Conclui que a expressão de afeto está longe
de ser um sentido necessário da dádiva.
- Assim como a linguagem, o ato de presentear permite a apropriação específica e
particular por todos e cada um de nós.
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