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Memória e novos patrimônios | Cécile Tardy, Vera Dodebei
Memória e
patrimônio: por
uma abordagem
dos regimes de
patrimonialização
Jean Davallon
Traduction de Germana Henriques Pereira de Sousa
Résumé
O exercício teórico exposto neste capítulo consiste em questionar a evolução
do modelo da patrimonialização, desenvolvido anteriormente pelo autor
(2006), a partir do caso do patrimônio material quando deslocado para o
patrimônio imaterial. O desafio da abordagem é colocar em discussão a
etapa da ruptura entre o mundo de origem dos objetos patrimoniais e o
mundo do tempo presente. Essa etapa havia sido colocada como necessária
na produção patrimonial, ainda que pareça não ser mais efetiva com relação
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ao patrimônio imaterial, uma vez que este garantiria uma continuidade entre
os dois mundos. Porém, no caso de uma tal continuidade, que diferença
haveria entre as definições cultural e jurídica do patrimônio? Este capítulo
nos permite analisar o processo de transmissão do patrimônio imaterial pela
observação cuidadosa da passagem de uma transmissão oral na sociedade
para uma transmissão sobre a sociedade. Os desafios teóricos em torno
desses modos de existência do patrimônio imaterial na sociedade serão
explanados por meio do exemplo simples e eficaz dos cantos tradicionais
com várias vozes, oriundos da Córsega e inscritos na lista da UNESCO de
salvaguarda de urgência do patrimônio cultural imaterial da humanidade.
Note de l’éditeur
Este capítulo foi traduzido do francês.
Texte intégral
1 A abordagem comunicacional da patrimonialização que expus
em Le Don du patrimoine (Davallon, 2006) foi elaborada
essencialmente a partir do patrimônio material. A questão que
se coloca daqui para frente é a seguinte: como esse modelo que
descreve a patrimonialização aplica-se ao caso do patrimônio
imaterial ou ao da coleta de objetos contemporâneos feita pelos
museus? Nesses dois últimos casos, há, de fato, uma
continuidade entre o universo de origem desses objetos e a
sociedade na qual constituem um patrimônio, e,
particularmente, com as enquetes de memória oral. A ruptura
entre os dois universos, colocada como sendo uma das
características da patrimonialização de objetos materiais,
portanto, não existiria. Essa ausência de ruptura viria, assim,
questionar diretamente a distinção entre memória – termo aqui
compreendido no sentido de “memória coletiva”, conforme
Halbwachs (1997) – e patrimônio, distinção feita no próprio
princípio da patrimonialização.
Uma das respostas sugeridas por diversas críticas feitas ao
modelo dos processos de patrimonialização, e, para alguns, à
concepção que sustenta a existência de uma obrigação de
guardar fundamentada no sentimento de dívida perante àqueles
que produziram esses objetos, seria aquela em que talvez
estejamos assistindo hoje a uma diluição do estatuto
patrimonial – tradicional, europeu e fundamentado no
patrimônio material – para dar lugar a uma concepção de
patrimônio definido como tal pelo grupo ou comunidade (ou
seja, o coletivo) que dele reivindica a propriedade contínua
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A abordagem comunicacional da
patrimonialização
As características comunicacionais da
patrimonialização
5 Comecemos por determinar o contexto no qual se apoia a
abordagem comunicacional da patrimonialização, o qual
evocarei em linhas gerais.
6 O primeiro esclarecimento diz respeito à distinção entre as
noções de patrimônio e memória. Se a oposição com relação a
esses dois termos é feita, em geral, por comodidade de
linguagem, na realidade, ela deve ser feita entre a memoração e
a patrimonialização. É nessa condição que podemos abordar a
questão da transmissão. Falar de memória e de patrimônio
equivale a opor saberes (sobre eventos, situações, estatutos,
pessoas, práticas, técnicas, etc.) e objetos. Ora, a memória
também deve ser entendida como um processo de produção e
de transmissão particular desses saberes pelos próprios
membros do grupo. Nesse sentido, é a patrimonialização que é
o equivalente simétrico da memória, da memoração,
poderíamos dizer, e não o patrimônio, propriamente dito; a
patrimonialização é um modo de produção e transmissão,
implicando, ao mesmo tempo, realidades materiais ou
imateriais (aquilo que chamamos precisamente de patrimônio)
e saberes relativos a esses objetos. Isso não resolve, certamente,
o problema da natureza do patrimônio imaterial, mas
determina pelo menos o contexto a partir do qual se pode
pensar as semelhanças e as diferenças.
7 Tendo feito a primeira especificação, podemos introduzir uma
segunda. Do ponto de vista comunicacional, o ponto comum
entre memoração (mise en mémoire) e patrimonialização (mise
en patrimoine) é que tanto uma como outra necessitam da
produção e da transmissão da significação no tempo. Se
seguirmos a hipótese inicial proposta por Maurice Godelier no
L’Énigme du don (segundo a qual não pode haver sociedade que
perdure sem realidades subtraídas às trocas que servem de
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A memoração social
34 Se admitimos a distinção proposta por Halbwachs entre
memória e história, a memória social – chamada também de
memória cultural – pertence, evidentemente, ao registro da
memória, no sentido em que ela tem a capacidade de dar
continuidade à transmissão no seio de um grupo. Em oposição,
sabemos que a reconstrução histórica ou patrimonial é feita a
partir do tempo presente e pressupõe a mediação dos
documentos (o arquivo), e não a dos testemunhos ou
documentos produzidos para fins de transmissão. A diferença
fica evidente com a história, que, segundo afirma Halbwachs, “é
necessariamente um atalho e é por isso que comprime e
concentra, em alguns momentos, evoluções que se estendem ao
longo de períodos inteiros: é nesse sentido que ela extrai as
mudanças da duração”18 (Halbwachs, [1950] 1997, p. 165).
Autores como Raphael Samuel (1994, p. ix-x) contestaram essa
oposição entre história e memória, que é, talvez, segundo ele,
um legado do romantismo. Ampliando a noção de história a
uma forma social de conhecimento, ele considera a memória
segundo o modo da etnografia contemporânea: não como um
banco de imagens do passado, mas como uma força ativa,
construtiva, dinâmica, que contribui para fazer esquecer tanto
como para fazer lembrar. Mas o que resta é precisamente o
caráter de fluxo da memória, a dimensão humana da palavra (a
encarnação do enunciador); em suma, a importância dos
aspectos sociais, afetivos, sensíveis, e não apenas cognitivos.
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Notes
1. Por exemplo, um retrato pintado representa o modelo segundo um modo
icônico (o laço entre o significante e o referente será baseado na
semelhança), um retrato fotográfico será baseado numa relação indicial
devido à reprodução do modelo permitida pela máquina fotográfica,
enquanto um diagrama será de natureza simbólica, uma vez que traduz o
fenômeno representado por um cálculo.
2. “L’archive et l’objet de musée, comme la relique sacrée, sont des pièces à
conviction.” (Dulong, 1998, p. 181) [“O arquivo e objeto de museu, como a
relíquia sagrada, são provas documentais.”] [Nossa tradução]
3. Retomo o termo de Krzysztof Pomian (1978, 1987, 1996), determinando
sua natureza semiótica.
4. Para considerar aqui apenas a dimensão patrimonial desses objetos e não
sua dimensão artística.
5. Por exemplo, Lowenthal (1998).
6. “vœu de se transplanter dans le passé” [Nossa tradução]
7. “Le désir d’histoire a le pouvoir de remonter le fil du temps en utilisant
tout ce qui fait lien.” (Dulong, 1998, p. 194) [O desejo de história tem o poder
de refazer a linha do tempo utilizando o que favorece a ligação.] [Nossa
tradução]
8. Lembro aqui a definição de patrimônio imaterial na Convenção:
“Entende-se por ‘patrimônio cultural imaterial’ as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos
artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades,
os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial,
que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e de
continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade
cultural e à criatividade humana” (Convenção sobre o patrimônio imaterial,
UNESCO, 2003).
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Auteur
Jean Davallon
Professeur émérite en Sciences de
l’Information et de la
Communication
Université d’Avignon et des Pays de
Vaucluse
Centre Norbert Élias (UMR 8562),
Équipe Culture et Communication
Jean.Davallon@univ-avignon.fr
http://www.univ-
avignon.fr/fr/recherche/annuaire-
chercheurs/membrestruc/personnel/davallon-
jean.html
Du même auteur
Patrimonialiser la mémoire de la
guerre au musée : entre Histoire
et témoignage in Mémoire et
nouveaux patrimoines,
OpenEdition Press, 2015
Mémoire et patrimoine : pour
une approche des régimes de
patrimonialisation in Mémoire et
nouveaux patrimoines,
OpenEdition Press, 2015
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Patrimonializar a memória da
guerra no museu: entre História
e testemunho in Memória e
novos patrimônios, OpenEdition
Press, 2015
Tous les textes
Germana
Henriques Pereira de Sousa
(Traducteur)
© OpenEdition Press, 2015
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