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Trabalho 3° bimestre /2°ano

FILOSOFIA 3º Ano Data: / / 2023

Aluno (a): Nº: Turma:

Professor(a): Sirleia Valor: ptos Nota:

DOGMATISMO, ESTRANHAMENTO E BUSCA DA VERDADE

Nos diferentes caminhos que Sócrates (469 a.C.-399 a.C.) e Descartes (1596-1650) trilham em
busca do conhecimento verdadeiro sobre a realidade, notamos um procedimento comum: ambos
desconfiam não só das opiniões e crenças de seu tempo, mas também das suas próprias ideias e
opiniões. Desconfiam, enfim, do dogmatismo. O que é dogmatismo?
Dogmatismo é uma atitude natural e espontânea que temos desde crianças. É nossa crença de
que o mundo existe e que é exatamente tal qual o percebemos. A realidade natural, social,
política e cultural forma uma espécie de moldura de um quadro: é no interior dela que nos
instalamos e existimos. Temos essa crença porque nos relacionamos com a realidade como se ela
fosse um conjunto de coisas, fatos e pessoas úteis ou inúteis para nossa sobrevivência.
Rompemos com o dogmatismo quando adotamos uma atitude de estranhamento diante das
coisas que nos pareciam familiares. Para ilustrar essa experiência, vejamos um trecho da crônica
“Nada mais que um inseto”, da escritora Clarice Lispector (1920-1977):
Custei um pouco a compreender o que estava vendo, de tão inesperado e sutil que era: estava
vendo um inseto pousado, verde-claro, de pernas altas. Era uma esperança, o que sempre me
disseram que é de bom augúrio. Depois a esperança começou a andar bem de leve sobre o
colchão. Era verde transparente, com per- nas que mantinham seu corpo, plano alto e por assim
dizer solto, um plano tão frágil quanto as próprias per- nas que eram feitas apenas da cor da
casca. Dentro do fiapo das pernas não havia nada dentro: o lado de dentro de uma superfície tão
rasa já é a própria superfície. Parecia um raso desenho que tivesse saído do papel, verde, e
andasse... E andava com uma determinação de quem copiasse um traço que era invisível para
mim... Mas onde estariam nele as glândulas de seu destino e as adrenalinas de seu seco verde
interior? Pois era um ser oco, um enxerto de gravetos, simples atração eletiva de linhas verdes.
LISPECTOR, Clarice. Nada mais que um inseto. In: . A descoberta do mundo. Rio de Janeiro:
Rocco, 2008.

À primeira vista, o que há de mais banal ou familiar do que um inseto? No entanto, Clarice
Lispector nos faz sentir admiração e estranhamento, como se jamais tivéssemos visto um. Na
descrição maravilhada, a esperança (inseto aparentado aos grilos e gafanhotos) tem a
peculiaridade de ser uma superfície da qual não conseguimos distinguir ou separar o exterior e o
interior.
No entanto, nesse ser sem profundidade, há um abismo misterioso: o inseto esperança é um oco
(como alguma coisa pode ser apenas um oco?), um vazio colo- rido (como um vazio pode ter
cor?) ou uma cor sem corpo (como uma cor pode existir sem um corpo colorido?).
A perspicácia (1936), pintura de René Magritte (1898-1967). A atitude de estranhamento nos
permite conquistar um novo saber sobre os objetos. Observe o objeto que serve de modelo ao
pintor e a figura na tela pintada por ele. O que Magritte quer dizer com isso?

EXERCÍCIO 1

Pergunta 1: Qual é a atitude comum compartilhada por Sócrates e Descartes em relação ao


dogmatismo?
Resposta 1: Tanto Sócrates quanto Descartes desconfiam das opiniões e crenças de seu tempo,
bem como de suas próprias ideias e opiniões, rompendo com o dogmatismo.
Pergunta 2: Segundo o texto, como o dogmatismo é definido e como ele se relaciona com a
nossa percepção da realidade?
Resposta 2: O dogmatismo é definido como a crença de que o mundo existe exatamente como o
sofrido, uma atitude natural que nos leva a nos relacionarmos com a realidade como se ela fosse
um conjunto de coisas úteis ou inúteis para nossa sobrevivência.
Pergunta 3: Como a escritora Clarice Lispector aborda o conceito de estranhamento na crônica
"Nada mais que um inseto" e qual é o impacto desse estranhamento?
Resposta 3: Clarice Lispector aborda o estranhamento ao descrever de maneira maravilhada e
peculiar um inseto aparentemente comum, a esperança. Ela destaca a superfície do inseto, que
desafia a distinção entre exterior e interior. Isso cria uma sensação de relação e estranhamento,
levando o leitor a questionar aspectos aparentemente familiares. O impacto é que esse
estranhamento permite uma nova forma de perceber os objetos e adquirir um novo conhecimento
sobre eles.

VERDADES REVELADAS E VERDADES ALCANÇADAS

A atitude dogmática é conservadora, isto é, se protege contra novidades, o inesperado, o


desconhecido e tudo o que possa desequilibrar as crenças e opiniões já constituídas. Esse
conservadorismo se transforma em preconceito, em ideias preconcebidas que impedem o contato
com tudo o que possa pôr em perigo o já sabido, o já dito e o já feito.
O conservadorismo pode aumentar quando o dogmatismo estiver convencido de que várias de
suas opiniões e crenças vieram de uma fonte sagrada, de uma
revelação divina (ver destaque na p. 112). Quem ousa enfrentar essas crenças e opiniões com
argumentos racionais é tido como criminoso, blasfemador e herético.
Esse conflito entre verdades reveladas e verdades alcançadas pela própria razão preocupa a
filosofia desde a consolidação do cristianismo. Podemos conhecer as verdades divinas? Se não
pudermos conhecê-las, seremos culpados? Mas como seríamos culpados por não conhecer aquilo
que nosso entendimento, por ser menor do que o de Deus, não teria forças para alcançar?

EXERCÍCIO 2
Pergunta 1: Qual é a relação entre a atitude dogmática e o conservadorismo, e como essa
relação pode levar ao preconceito?
Resposta 1: Uma atitude dogmática é caracterizada pela resistência a novidades e pelo
protecionismo das crenças já toleradas. Isso pode resultar em conservadorismo, que por sua vez
pode transformar-se em preconceito, ou seja, em ideias preconcebidas que impedem o contato
com o desconhecido e ameaçam as crenças existentes.
Pergunta 2: De acordo com o texto, qual é a preocupação filosófica decorrente do conflito entre
verdades reveladas e verdades alcançadas pela razão? Como esse conflito levanta
questionamentos sobre a culpabilidade das pessoas em relação ao conhecimento divino?
Resposta 2: O conflito entre verdades reveladas (baseadas em fontes sagradas ou divinas) e
verdades alcançadas pela razão é uma preocupação filosófica destacada no texto. Ele levanta
questões sobre a possibilidade de conhecer as verdades divinas e se as pessoas podem ser
consideradas culpadas por não conhecer algo que está além do alcance da capacidade da razão
humana em relação à planejada.

EXERCÍCIO 2
Pergunta 1: Qual é a relação entre a atitude dogmática e o conservadorismo, e como essa
relação pode levar ao preconceito?
Pergunta 2: De acordo com o texto, qual é a preocupação filosófica decorrente do conflito entre
verdades reveladas e verdades alcançadas pela razão? Como esse conflito levanta
questionamentos sobre a culpabilidade das pessoas em relação ao conhecimento divino?

1. AS CONCEPÇÕES DA VERDADE

Nossa ideia da verdade foi construída ao longo dos séculos com base em três concepções
diferentes.
Em grego, verdade se diz alétheia, palavra composta do prefixo a (‘negação’) e de léthe
(‘esquecimento’). Alétheia significa ‘o não esquecido’. Platão (427 a.C.-347 a.C.) fala da verdade
como “o que é lembrado ou não esquecido”. Por extensão do sentido, alétheia também significa ‘o
não escondido’, aquilo que se manifesta ou se mostra aos olhos do corpo e do espírito. O
verdadeiro se opõe ao falso, pseudos, que é o encoberto, o dissimulado, o que não é como
parece. O ver- dadeiro é o plenamente visível para a razão ou o evidente (pois a palavra evidência
significa ‘visão completa e total de alguma coisa’).
Assim, a verdade é uma automanifestação da realidade. O verdadeiro está nas próprias coisas
quando o que elas manifestam é sua realidade própria, sua essência, conheci- da pelos olhos do
espírito ou pelo pensamento. Por isso, na concepção grega, o verdadeiro é o ser (o que algo
realmente é) e o falso é o parecer (o que algo aparenta ser e não é).
Em latim, verdade se diz Veritas e se refere à precisão e ao rigor de um relato. Verdadeiro se
refere, portanto, à linguagem como narrativa de fatos reais. A verdade de- pende, de um lado, da
memória e da capacidade mental de quem fala e, de outro, de que o enunciado corresponda aos
fatos. A verdade não se refere às próprias coisas (como na alétheia), mas à veracidade de um
relato e ao enunciado de um fato, referindo-se à linguagem. Seu oposto, portanto, não é a
aparência, e sim a mentira ou a falsificação. As coisas e os fatos são reais ou imaginários; já os
relatos e enunciados sobre eles são verdadeiros ou falsos (mentirosos).
Em hebraico, verdade se diz emunah, que significa ‘assim seja’ ou ‘confiança’. Agora são as
pessoas e Deus quem são verdadeiros e, para isso, devem ser fiéis à pa- lavra dada. A verdade se
refere às relações entre as pessoas e entre elas e Deus quando firmam um pacto ou fazem uma
promessa que deve ser cumprido. Por isso, a verdade refere-se ao futuro – à promessa que se
cumprirá. Sua forma mais elevada é a revelação divina que promete felicidade ao seu povo –, e
sua expressão mais perfeita é a profecia – na qual Deus diz aos humanos qual será a sua vontade
ou a sua decisão sobre alguma coisa que acontecerá. Essas ideias estão presentes na palavra
amém, com a qual um fiel aceita a vontade divina, dizendo “assim seja”.
A nossa concepção de verdade é uma síntese dessas três concepções, e por isso se refere à
percepção das coisas reais (como na alétheia), à linguagem que relata fatos passados (como na
veritas) e à expectativa de coisas futuras (como na emunah). Ou seja, nossa concepção de
verdade abrange o que é (a realidade), o que foi (os acontecimentos passados) e o que será
(previsões corretas sobre ações futuras). De maneira geral, esses três aspectos também estão
presentes naquilo que a filosofia define como uma ideia verdadeira.

EXERCICIO 1:
Pergunta 1: Quais são as três concepções diferentes da verdade personalizadas no texto e como
são representadas nas línguas grega, latina e hebraica?
Pergunta 2: De acordo com a concepção grega da verdade, qual é a relação entre o verdadeiro e
o falso? Como é expressar a natureza do verdadeiro nessa concepção?
Pergunta 3: Como a concepção hebraica da verdade difere das concepções grega e latina? Qual
é a ênfase principal da verdade nessa concepção hebraica?

2. TEORIAS SOBRE A VERDADE


Algumas teorias filosóficas concebem o conheci- mento verdadeiro com base nas ideias de
verdade que acabamos de examinar. Vejamos.
Quando prevalece a alétheia, a teoria considera que o conhecimento verdadeiro é a apreensão
intelectual e racional da verdade que está nas próprias coisas. Sua marca é a evidência. Essa
concepção recebe o nome de teoria da correspondência, isto é, as ideias correspondem à
realidade tal como esta é em si mesma.
Quando predomina a veritas, a teoria considera que nossas ideias relatam em nossa mente os
fatos ou acontecimentos. Elas serão verdadeiras quando obedecerem a princípios e normas de
uma linguagem rigorosa. Agora não se diz que algo é verdadeiro por- que corresponde a uma
realidade externa, mas se diz que algo corresponde à realidade externa porque é verdadeiro. Sua
marca é a validade lógica. Essa concepção recebe o nome de teoria da coerência, isto é, as ideias
verdadeiras são aquelas reguladas por regras e princípios lógicos que lhes permitem formar um
todo coerente.
Quando predomina a emunah, a teoria considera que a verdade depende de um acordo ou de um
pacto entre os pesquisadores, que definem um conjunto de convenções universais sobre o
conhecimento verdadeiro. A marca da verdade é o consenso e a confiança. Essa concepção
recebe o nome de teoria do consenso, isto é, a verdade decorre de um acordo racional entre os
membros de uma comunidade de estudiosos para a aceitação de certas ideias.
Há, porém, outra teoria, a qual define o conhecimento verdadeiro por um critério que não é
teórico, e sim prático. Trata-se de uma teoria pragmática. Para ela, um conhecimento é verdadeiro
por seus resultados e suas aplicações práticas, e se verifica pela experimentação e pela
experiência. A marca do verdadeiro é a verificabilidade dos resultados e a eficácia de sua
aplicação. Essa concepção da verdade está muito próxima da teoria da correspondência entre
coisa e ideia, para a qual o resultado prático, na maioria das vezes, é conseguido porque o
conhecimento alcançou as próprias coisas e pode agir sobre elas.

EXERCICIO 2
Pergunta 1: Como a teoria da correspondência se relaciona com a concepção da alétheia e como
define o conhecimento verdadeiro?
Pergunta 2: Qual é a característica central da teoria da supervisão e como ela se relaciona com a
concepção da veritas? Como essa teoria define as ideias verdadeiras?
Pergunta 3: Qual é o fundamento da teoria do consenso e como ela se relaciona com a
concepção da emunah? O que define o conhecimento verdadeiro nessa teoria?

3. VERDADE E FALSIDADE
Segundo a concepção grega da verdade, aquilo que manifesta sua existência para nossa
percepção (ou seja, a realidade) é o verdadeiro ou a verdade. Por esse motivo, os filósofos gregos
perguntam: como o erro, o falso e a mentira são possíveis? Em outras palavras, como podemos
pensar naquilo que não é, no não ser?
A resposta dos filósofos chamados racionalistas (tanto gregos como modernos) é dupla:
1. O erro, o falso e a mentira se referem à aparência superficial e ilusória das coisas e surgem
quando não conseguimos alcançar a essência das realidades; são um defeito ou uma falha de
nossa percepção sensorial ou intelectual.
Quando os filósofos afirmam que a verdade é a conformidade ou a correspondência entre uma
ideia e a coisa ideada, não estão dizendo que uma ideia verdadeira é uma “cópia” da coisa
verdadeira. Como disse Espinosa (1632-1677), a ideia de cão não late e a de açúcar não é doce.
O que afirmam é que a ideia corresponde à coisa conhecida porque é o conhecimento daquilo que
a coisa é. Ou seja, a ideia é o conhecimento dos componentes necessários da coisa, ou das
relações internas necessárias que constituem a essência da coisa, bem como das relações e nexos
necessários que ela mantém com outras. Da mesma maneira, uma ideia não é a “cópia” de um
fato, e sim a explicação racional das causas, consequências e significação dele.
2. O erro, o falso e a mentira surgem quando dizemos de algum ser aquilo que ele não é,
quando lhe atribuímos qualidades ou propriedades que ele não possui ou quando lhe negamos
qualidades ou propriedades que ele possui. Nesse caso, o erro, o falso e a mentira se alojam na
linguagem e acontecem no momento em que fazemos afirmações ou negações que não
correspondem à essência de alguma coisa. Eles são um acontecimento do juízo ou do enunciado.
O que é um juízo? É um ato mental pelo qual atribuímos a alguma coisa certas propriedades e lhe
recusamos outras. O juízo estabelece uma relação entre dois termos (um sujeito e um predicado)
por meio de uma proposição, cuja forma mais simples é “S é P” ou “S não é P”. Um juízo é
verdadeiro quando aquilo que o predicado afirma ou nega do sujeito corresponde ao que a coisa
é; caso contrário, é falso.
Há, porém, uma diferença entre o erro e a mentira. O erro é um engano do juízo e ocorre quando
desconhecemos a essência de um ser. A mentira, porém, é um juízo deliberadamente errado:
ocorre quando emitimos propositalmente um juízo errado sobre uma coisa, embora conheçamos
sua essência.
O que é a verdade? É a conformidade entre nosso pensamento e nosso juízo e as coisas pensadas
ou formuladas. Qual é a condição para o conhecimento ver- dadeiro? A evidência, isto é, a visão
intelectual da essência de um ser. Para formular um juízo verdadeiro precisamos, portanto,
primeiro conhecer a essência, e a conhecemos ou por intuição, ou por dedução, ou por indução.
A verdade exige que nos libertemos das aparências das coisas para ver intelectualmente a
essência delas; exige, portanto, que nos libertemos das opiniões estabelecidas e das ilusões de
nossos órgãos dos sentidos. Em outras palavras, a verdade é sempre universal e necessária,
enquanto as opiniões variam de lugar para lugar, de época para época, de sociedade para
sociedade, de pessoa para pessoa.
Do mesmo modo, nossas sensações ou impressões sensoriais variam conforme o estado do nosso
corpo, as disposições de nosso espírito e as condições em que as coisas nos aparecem. Por isso,
devemos ou abandonar as ideias base sensorial que são necessários e universais e, por isso,
capazes de perceber em parte algo da essência das coisas (como diz, por exemplo, Aristóteles).
No primeiro caso, somente o intelecto (espírito) vê o ser verdadeiro. No segundo caso, o intelecto
purifica o testemunho sensorial das nas nossas sensações (como dizem Sócrates, Platão,
Descartes), ou encontrar aqueles aspectos da experiência
A mentira (1650), pintura de Salvator Rosa (1615-1673). Quando conhecemos realmente alguma
coisa, mas intencionalmente fazemos um juízo errado sobre ela, estamos mentindo ou dizendo o
falso.

EXERCICIO 3.
Pergunta 1: Como os filósofos racionalistas explicam a ocorrência do erro, do falso e da mentira
de acordo com a concepção grega da verdade?
Pergunta 2: Qual é a relação entre a teoria da correspondência e a explicação dada pelos
filósofos sobre o erro, o falso e a mentira?
Pergunta 3: Qual é a diferença fundamental entre o erro e a mentira de acordo com o texto?
Como a teoria da verdade se relaciona com a necessidade de conhecer a essência das coisas?

4. COMO A VERDADE É POSSÍVEL?


O que é aceitar parcialmente os dados da experiência sensorial? Por exemplo, quando estou
doente, cheiro a flor e não sinto seu perfume, muito embora ela o tenha em abundância; vejo
algo embaçado e sem forma, quando, na verdade, trata-se de um objeto com cor e forma bem
definidas. Apesar desses enganos dos sentidos, observo que toda percepção capta qualidades nas
coisas; portanto, as qualidades pertencem à essência das próprias coisas e fazem parte da
verdade delas.
Quando se examina a ideia latina da verdade como veracidade de um relato, pode-se observar
que o problema da verdade e da falsidade deslocou-se para o campo da linguagem. O verdadeiro
e o falso estão menos no ato de ver (com os olhos do corpo ou com os olhos do espírito) e mais
no ato de dizer. Por isso, a pergunta dos filósofos, agora, é exatamente contrária à anterior: em
vez de perguntar “como o erro e a falsidade são possíveis?”, pergunta-se “como a verdade é
possível?”.

Por que essa pergunta? Porque, se a


verdade está no discurso ou na
linguagem, não depende só do
pensamento e das próprias coisas, mas
também de nossa vontade para dizê-la,
silenciá-la ou deformá-la. O verdadeiro
continua sendo tomado como
conformidade entre a ideia e as coisas,
mas depende também de nosso querer.
Essas questões foram examinadas pelos
filósofos racionalistas com a introdução
da exigência de estabelecer auxílios à
nossa razão para que controle e domine
nossa vontade e a submeta ao
verdadeiro.

EXERCICIO 4
Pergunta 1: Como o texto ilustra a relação entre os enganos dos sentidos e a percepção das
qualidades das coisas? Qual é a implicação desses enganosos para a concepção da verdade?
Pergunta 2: Como a ideia latina da verdade como veracidade de um relato muda o foco do
problema da verdade e da falsidade? Como a pergunta filosófica sobre a possibilidade da verdade
é reformulada nesse contexto?

5. VERDADES DE RAZÃO E VERDADES DE FATO


Vimos que a verdade pode ser entendida como o conhecimento racional evidente de alguma
realidade (a alétheia como evidência intelectual). Vimos também que a verdade pode ser
entendida como o relato veraz ou verídico de fatos acontecidos (a veritas).
Em lugar de considerar que essas concepções são excludentes, o filósofo alemão Gottfried
Wilhelm Leibniz (1646-1716) estabeleceu a existência de dois tipos de verdades: verdades de
razão e verdades de fato.
As verdades de razão enunciam que uma coisa é o que ela é, necessária e universalmente, não
podendo de modo algum ser diferente do que é e de como é. O exemplo mais evidente são as
ideias matemáticas. É impossível que o triângulo não tenha três lados e que a soma de seus
ângulos internos não seja igual à soma de dois ângulos retos, ou que a circunferência não seja a
figura na qual todos os pontos são equidistantes do centro.
Já as verdades de fato dependem dos aconteci- mentos que serão relatados ou também da
experiência sensorial, isto é, ideias que são obtidas por meio da sensação, da percepção e da
memória. Elas se referem a fatos que poderiam não ter acontecido, mas aconteceram e devem ter
tido uma causa necessária para isso; e também a coisas que poderiam ser diferentes do que são,
mas que são como são porque há uma causa para isso. Quando um historiador narra a Segunda
Guerra Mundial, narra fatos que poderiam não ter acontecido, mas aconteceram, e busca as
causas necessárias desses acontecimentos para que seu relato seja verdadeiro.
Da mesma maneira, quando digo “Esta rosa é vermelha”, isso é uma verdade de fato, pois nada
im- pede que ela pudesse ser branca ou amarela. Se ela é vermelha, é porque alguma causa a fez
ser assim e outra causa poderia tê-la feito amarela. Não é acidental que ela tenha cor, e é a cor
que possui uma causa necessária. Ou seja, uma rosa pode ter esta ou aquela cor, mas não pode
deixar de ter cor, cabendo à razão buscar a causa da cor, estudando a natureza da luz.
As verdades de fato são verdades porque para elas funciona o princípio de razão suficiente,
segundo o qual tudo o que acontece na história e tudo o que percebemos na experiência sensorial
possui uma causa deter- minada que pode ser conhecida.
EXERCICIO 5.
Pergunta 1: Como o filósofo Leibniz diferencia as verdades de razão das verdades de fato? Qual
é a característica distintiva de cada tipo de verdade
Pergunta 2: Explique a diferença entre as verdades de fato e as verdades de razão usando
exemplos. Como o princípio de razão suficiente se aplica a cada tipo de verdade?

6. VERDADE OU HÁBITO?
No século XVIII, o filósofo escocês David Hume (1711-1776) criticou a pretensão de filósofos e
cientistas de conhecer a verdade da própria realidade. Para ele, o que chamamos de razão é
simplesmente o hábito que adquirimos de associar sensações, percepções e lembranças. As ideias
são essas associações, e não a explicação de como as coisas são em si mesmas. Por acreditar que
adquirimos todas as ideias pela experiência (em grego, empiria), Hume é considerado um filósofo
empirista.
O exemplo mais importante oferecido por Hume é o da origem do princípio da causalidade, tido
como fundamento das verdades científicas.
Nesta experiência de dilatação térmica, vejo que a esfera fria atravessa o aro, mas depois
constato que a mesma esfera, após ser aquecida, não mais o atravessa por causa da expansão de
seu volume. Para Hume, à medida que repetimos uma experiência e observamos o mesmo
resultado, criamos o hábito de associar os fatos em relações de causa e efeito.
A experiência me mostra, o tempo todo, que, se eu puser um objeto sólido (um pedaço de vela,
um pedaço de ferro) no calor do fogo, não só ele derreterá como também passará a ocupar um
espaço muito maior no interior do recipiente.
Séries de experiências desse tipo vão criando em mim o hábito de associar o calor a fatos iguais
ou semelhantes que já percebi inúmeras vezes. E isso me leva a dizer que o calor é a causa
desses fatos. Como os fatos são de aumento do volume ou da dimensão dos corpos submetidos
ao calor, concluo que “o calor é a causa da dilatação dos corpos” e também que “a dilatação dos
corpos é o efeito do calor”. É assim, diz Hume, que surge a ideia de causalidade e nascem as
ciências. Ora, ao mostrar como se forma o princípio da causalidade, Hume afirma que não apenas
as ideias se originam da experiência, mas também os próprios princípios da racionalidade são
empíricos. Mais do que isso: vimos que, na busca da verdade, a razão pretende conhecer a
realidade tal como ela é em si mesma, considerando que o que conhece é verdadeiro para todos
os tempos e lugares (universalidade) e indica como as coisas são e como não poderiam ser de
uma outra maneira (necessidade).
Ora, com Hume já não se pode admitir que o conhecimento racional seja dotado de universalidade
e necessidade, pois estas não são propriedades inerentes às próprias coisas e às ideias com que
as conhecemos. O universal é apenas uma palavra geral que usamos para nos referir à repetição
de semelhanças percebidas e associadas. O necessário é apenas uma palavra geral que usamos
para nos referir à repetição das percepções sucessivas no tempo. O universal, o necessário e a
causalidade são meros hábitos psíquicos. E o mesmo de- vemos dizer da verdade.

EXERCICIO 6
Pergunta 1: Como David Hume critica a noção de verdade baseada na razão e no conhecimento
racional? Como ele relaciona a ideia de hábito às associações de sensações e ocorrências?
Pergunta 2: Qual é o exemplo fornecido por Hume para ilustrar como o princípio da causalidade
é formado? Como ele argumenta que os princípios da racionalidade são empíricos?
Pergunta 3: Como Hume desafia a noção de universalidade e necessidade no conhecimento
racional? Qual é o papel do hábito psíquico na concepção de verdade de acordo com Hume?

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