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Uma empresa turca fornece parte da eletricidade ao Gana, enquanto outra terminou, em
agosto, um terminal novinho em folha no aeroporto do país, em Acra.
Até a grande ponte rodoviária do Gana que ostenta o nome do herói da libertação do país,
Kwame Nkrumah [Presidente entre 1960 e 1966], foi construída por brasileiros.
O Gana, que foi neste ano uma das economias mais dinâmicas a nível mundial [6,3 % de
crescimento previsto em 2018], é um bom exemplo das forças que estão a redefinir as
relações de África com o resto do mundo. Um novo grupo de potências estrangeiras – da
China ao Brasil, passando pela Rússia e a Turquia – está a afirmar-se neste vasto
continente que era, até há poucos anos, dominado por antigas potências coloniais (como a
França e o Reino Unido) e pelos Estados Unidos da América.
O que justifica esta nova “corrida a África”? Estes países não ocidentais farejam
oportunidades comerciais e tentam implantar-se numa região do mundo sem dúvida difícil
mas dinâmica. A China passou à frente, nos últimos anos, mas um painel de outros países
segue-lhe as pisadas.
Sejam os países do Golfo e do Médio Oriente, que se acotovelam para ficar com parte do
bolo no Corno de África, sejam empresas chinesas que pilham o cobalto indispensável ao
fabrico de veículos elétricos na República Democrática do Congo ou na Índia, que
ultrapassou os Estados Unidos da América e é, hoje em dia, o maior importador de
petróleo bruto da Nigéria, os novos atores ganham terreno em toda a África.
Os africanos, como é natural, recusam a ideia de uma “corrida” que faz lembrar demasiado
o século XIX, época em que as potências africanas se curvavam por uma fatia daquilo que
o rei dos belgas Leopoldo II chamava “magnífico bolo africano”. Em contrapartida, muitos
veem neste novo interesse pelo seu continente uma ocasião rara para dar início a uma
nova fase de desenvolvimento, rompendo relações que consideram “paternalistas”
(quando não de exploração pura e dura) com as potências tradicionais.
China abriu o caminho Carlos Lopes, economista da Guiné-Bissau, confessa que não
conhece qualquer dirigente africano que não se entusiasme com as oportunidades que se
abrem com esta nova era que poderíamos qualificar de “pós-pós-colonial”.
Este novo dar e baralhar de cartas – que obrigou a Europa e Washington a estudar melhor
a matéria – joga-se, sobretudo, nos negócios. Em 2009, a China ultrapassou os Estados
Unidos da América que eram, até então, o primeiro parceiro comercial de África. No ano
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passado, as trocas comerciais sino-africanas totalizaram cerca de 150 mil milhões de euros,
aquém do pico de 2014, mas, ainda assim, 20 vezes superiores ao volume comercial do
início do milénio. No mesmo período, as relações comerciais entre os Estados Unidos da
América e a África Subsariana valiam uns meros 30 mil milhões de euros.
Preocupação norte-americana
Em Washington, soa o alarme devido a esta influência crescente. No ano passado, a China
inaugurou a sua primeira base militar no estrangeiro em Jibuti, minúsculo país [no Corno
de África], juntando-se à presença norte-americana, para citar apenas um país [também a
França possui aí uma base]. Jibuti, que tem uma dívida colossal para com o Império do
Meio, é um exemplo acabado daquilo que alguns sino-céticos norte-americanos
chamam “diplomacia da dívida”, que permitiria a Pequim aproveitar os empréstimos que
concede para consolidar a sua presença política. A China foi acusada, ainda, de utilizar a
dívida para adquirir empresas na Zâmbia, nomeadamente a empresa nacional de
eletricidade.
Em agosto, Theresa May, primeira-ministra britânica, foi a três países africanos preparar
as relações comerciais pós- -Brexit. Depois de dar um ar da sua graça com uns passinhos
de dança, reafirmou o interesse do Reino Unido no continente.
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Porém, o que muitos recordam da viagem de Theresa May – por incrível que pareça, em
30 anos, esta foi a primeira visita de um chefe de Governo britânico ao Quénia, ex-colónia
– é o enorme desinvestimento de Londres na vertente diplomática. “A pobre Theresa May
tem de recuperar de um atraso considerável”, observa Mark Malloch Brown, antigo
diplomata britânico e ex-secretário-geral- -adjunto das Nações Unidas [2006]. Nas
palavras de Brown, no início dos anos 2000, “começámos a ouvir os britânicos e os norte-
americanos a lamentarem-se do que a China estava a fazer em África, mas, francamente,
foram eles que deram o exemplo!”
Alguns sinais indicam que a Europa está, finalmente, a acordar e que se prepara para
enfrentar este desafio diplomático e comercial. No ano passado, a Alemanha lançou aquilo
o que chamou “Plano Marshall para a África” e que consiste em confiar dinheiros públicos
a empresas alemãs para estas investirem nesse continente.
“Vamos reforçar a segurança nacional e pôr cobro aos tráficos”, anunciou a chanceler, na
inauguração de um programa que tarda em avançar.
“É uma forma de tranquilizar a opinião pública alemã, que está preocupada com o afluxo
de migrantes”, afirma Kwasi Prempeh [diretor do centro para o desenvolvimento
económico de Acra, no Gana].
Emmanuel Macron, por seu lado, tenta lançar uma nova visão para o continente.
Enquanto recordava que nasceu após a independência dos países africanos [a maioria, na
década de 1960], apelou a uma relação liberta de qualquer peso colonial.
Num discurso que proferiu em novembro de 2017, em Uagadugu, capital do Burkina Faso,
alertou para os perigos que, na sua opinião, “podem pôr em causa, de forma irreversível, a
estabilidade de África e, por arrasto, da Europa”.
Benefícios da concorrência
Para as novas partes, este recente interesse é, em grande parte, oportunista: “No final da
Guerra Fria, o Ocidente desinteressou-se progressivamente de África”, recorda Howard
French, africanista norte-americano que leciona na escola de jornalismo da Columbia,
Nova Iorque. “Foi necessário algum tempo até que o vazio que deixaram atraísse novos
interessados.
A China é, sem dúvida, o mais importante, mas a Malásia, a Índia, o Vietname, a Turquia,
o Brasil, a Rússia e os países do Golfo seguiram esta tendência. Creio que o momento é
importante.”
Apesar das dificuldades de África, bem conhecidas, as empresas, com custos de produção
inferiores aos das suas concorrentes europeias ou norte-americanas, conseguem muitas
vezes obter margens de lucro confortáveis. “Há anos que a Turquia decidiu estabelecer
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negócios em África”, explica Edward Effah, presidente do Fidelity Bank do Gana. “Abriu
embaixadas, desbloqueou créditos para a exportação e criou novas rotas aéreas”,
acrescenta, a propósito da Turkish Airlines que, atualmente, voa para cerca de quatro
dezenas de cidades africanas.
Mesmo que não se verifique uma melhoria significativa do nível de vida, essa explosão
garantirá um forte crescimento nas próximas décadas, tanto mais que alguns países
africanos já dão mostras de vigor económico. Segundo o Banco Mundial, das dez
economias mais dinâmicas a nível mundial, este ano, seis são africanas – veja-se a Etiópia,
um país com 105 milhões de habitantes, onde a China, a Turquia e os países do Golfo já
fizeram as suas apostas.
Vários países, entre os quais a Turquia – cujo Presidente, Recep Tayyip Erdogan, quer
libertar-se da dependência dos mercados europeus –, compreenderam que convém ir mais
fundo [em África]. Desde que, em 2003, assumiu o poder, Erdogan já visitou 23 países
africanos.
Benefícios e riscos
Em junho, os Emirados Árabes Unidos desbloquearam 2,5 mil milhões de euros em ajuda
e em investimento na Etiópia, o que permitiu evitar uma crise de liquidez.
A Rússia, cuja influência no continente foi enorme, durante a Guerra Fria, na segunda
metade do século XX, reafirma agora a sua presença, celebrando acordos de cooperação
militar com a República Democrática do Congo (RDC), a Etiópia, a República Centro-
Africana e Moçambique, e autorizando a venda de armas à Nigéria e a Angola. “Ainda
estamos num dos últimos lugares, mas por pouco tempo”, garante Evgeny Korendyasov,
antigo embaixador da Rússia em diversos países africanos.
Este novo interesse por África alarga as possibilidades dos governos desse continente.
Atenção, porém, aos perigos. Associações da sociedade civil já estão a pedir contas aos
dirigentes africanos, acusando muitos de celebrarem chorudos acordos, muito lucrativos
para eles mas prejudiciais para o país.
“Gosto de pensar que nós, africanos, sabemos o que queremos e como o queremos”, afirma
esta economista, natural dos Camarões, enquanto afasta a ideia de uma corrida a África.
“Quando se diz ‘corrida’, isso faz-nos pensar no Velho Oeste norte-americano. Não creio
que o meu continente esteja nessa fase. Já evoluímos para uma maior clareza, tanto na
finalidade como nos objetivos.”
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