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14/07/2018 “Mapeando as margens: interseccionalidade, políticas de identidade e violência contra mulheres…

Carol Correia
Ativista antiprostituição e Formada em Direito (pós em
Constitucional e Processo Penal). Acessem também:
antiprostituicao.wordpress.com
Jun 14, 2017 · 29 min read

“Mapeando as margens:
interseccionalidade, políticas de
identidade e violência contra mulheres
não-brancas” de Kimberle Crenshaw—
Parte 1/4

Imagem de Kimberle Crenshaw

Escrito por: Kimberlé Williams Crenshaw; professora de Direito na


Universidade da Califórnia, Los Angeles, B.A. Universidade de Cornell,
1981; J.D. Escola de Direito de Harvard, 1984; L.L.M. Universidade de
Wisconsin, 1985.

Retirado de:
https://negrasoulblog.les.wordpress.com/2016/04/mapping-the
margins-intersectionality-identity-politics-and-violence-against
women-of-color-kimberle-crenshaw1.pdf

Traduzido por Carol Correia, a m de aumentar a discussão referente


a violência contra mulheres, em especial a mulheres não-brancas.

Observação: esta tradução será dividida em 4 partes, devido ao espaço


no medium e a m de melhorar a divulgação e disponibilização do
texto.

...

Estou em dívida com um grande número de pessoas que têm


incentivado este projeto. Para o tipo de assistência em facilitar meu
campo de pesquisa para este artigo, gostaria de agradecer Maria
Blanco, Margaret Cambrick, Joan Creer, Estelle Cheung, Nilda Rimonte
e Fred Smith. Apreciei os comentários de Taunya Banks, Mark
2

Barenberg, Darcy Calkins, Adrienne Davis, Gina Dent, Brent Edwards,


Paul Gewirtz, Lani Guinier, Neil Gotanda, Joel Handler, Duncan
Kennedy, Henry Monaghan, Elizabeth Schneider e Kendall Thomas.
Um agradecimento muito especial para Gary Peller e Leti Volpp que
forneceram ajuda de pesquisa valiosa. Agradeço o apoio do Senado
Acadêmico da UCLA, do Centro de Estudos Afro-Americanos da UCLA,
da Fundação Reed e da Columbia Law School. Versões anteriores deste

https://medium.com/revista-subjetiva/mapeando-as-margens-interseccionalidade-pol%C3%ADticas-de-
identidade-e-viol%C3%AAncia-contra-mulheres-n%C3… 1/15
14/07/2018 “Mapeando as margens: interseccionalidade, políticas de identidade e violência contra mulheres…

artigo foram apresentadas ao Workshop de


Teoria Crítica da Raça e ao Workshop da
Teoria Legal de Yale.

Esse artigo é dedicado a memória de Denise


Carly-Bennia e Mary Joe Frug.

INTRODUÇÃO

Durante essas duas últimas décadas, mulheres tem se organizado contra as violências quase rotineiras que
moldam suas vidas[1]. Tirando a partir da força dessas experiências compartilhadas, mulheres tem reconhecido
as demandas políticas de milhões falam de forma mais potente que os apelos de algumas vozes isoladas. Essa
politização por sua vez transforma a forma como nós entendemos violência contra mulheres. Por exemplo,
agressão e estupro, antigamente visto como de âmbito privado (questão de família) e aberracional (agressão sexual
errante), agora são amplamente reconhecidos como parte de um sistema de dominação em ampla escala que afeta
mulheres enquanto classe[2]. Esse processo de reconhecimento como algo social e sistêmico foi a princípio
percebido como isolado e individual tem também a caracterização da identidade política de afro-americanos,
pessoas de outras etnias, e gays e lésbicas, entre outros. Para todos esses grupos, a política baseada na identidade
tem sido uma fonte de força, comunidade e desenvolvimento intelectual.

A inclusão da política de identidade, no entanto, tem estado em tensão com as concepções dominantes de
justiça social. Raça, gênero e outras categorias de identidade são tratados com maior frequência no discurso liberal
dominante como vestígios de preconceito ou dominação—isto é, como estruturas intrinsecamente negativas nas
quais o poder social trabalha para excluir ou marginalizar aqueles que são diferentes. De acordo com este
entendimento, nosso objetivo libertador deveria ser o de esvaziar essas categorias de qualquer significado social.
No entanto, implícita em certas vertentes dos movimentos de libertação feminista e racial, por exemplo, é a visão
de que o poder social na delimitação da diferença não precisa ser o poder da dominação; em vez disso, pode ser a
fonte de empoderamento social e de reconstrução.
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O problema com a política de identidade não é que ele não transcenda a diferença, como alguns críticos
acusam, mas sim o oposto—que frequentemente confunde ou ignora as diferenças intragrupais. No contexto da
violência contra as mulheres, esta elisão da diferença na política identitária é problemática, fundamentalmente
porque a violência que muitas mulheres experimentam é muitas vezes moldada por outras dimensões de suas
identidades, como raça e classe. Além disso, ignorar a diferença dentro dos grupos contribui para a tensão entre
estes, outro problema da política de identidade que envolve esforços para politizar a violência contra as mulheres.
Os esforços feministas para politizar experiências de mulheres e esforços antirracistas para politizar experiências
de pessoas não-brancas têm frequentemente procedido como se as questões e experiências que cada detalhe
ocorrem em terrenos mutuamente exclusivos. Embora o racismo e o sexismo se entrecruzem facilmente na vida
de pessoas reais, raramente o fazem nas práticas feministas e antirracistas. E assim, quando as práticas expõem a
identidade como mulher ou pessoa não-branca como uma ou outra proposição, elas relegam a identidade das
mulheres não-brancas a um lugar que não dizem.

Meu objetivo neste artigo é avançar o relato dessa localização, explorando as dimensões raça e gênero da
violência contra as mulheres não-brancas.[3] Os discursos feministas e antirracistas contemporâneos não
conseguiram considerar identidades interseccionais como as mulheres não-brancas.[4] Concentrando-me em duas
dimensões da violência masculina contra as mulheres— violência doméstica e estupros—considero como as
experiências das mulheres não-brancas são frequentemente o produto de padrões que se cruzam de racismo e
sexismo[5] e como essas experiências não tendem a ser representadas dentro dos discursos do feminismo ou do
antirracismo. Por causa de sua identidade interseccional como mulheres e não-brancas dentro de discursos que
são moldados para responder a um ou outro, mulheres não-brancas são marginalizadas dentro de ambos.

Em um artigo anterior, usei o conceito de interseccionalidade para denotar as várias maneiras pelas quais
raça e gênero interagem para moldar as múltiplas dimensões das experiências de empregação das mulheres
negras[6][7]. Meu objetivo era ilustrar que muitas das experiências que as mulheres negras enfrentam não são
classificadas dentro das fronteiras tradicionais da raça ou discriminação de gênero, uma vez que essas fronteiras
são atualmente compreendidas e que a intersecção do racismo e do sexismo afeta as vidas das mulheres negras de
maneiras que não podem ser capturadas completamente examinando as dimensões de raça ou gênero dessas
experiências separadamente. Aproveito essas observações aqui explorando as várias maneiras pelas quais raça e
gênero se cruzam para moldar os aspectos estruturais, políticos e representacionais da violência contra as mulheres
não-brancas.[8]

Devo dizer desde logo que a interseccionalidade não está sendo aqui apresentada como uma nova teoria
totalizante da identidade. Nem quero sugerir que a violência contra as mulheres não-brancas só possa ser explicada
através dos quadros específicos de raça e gênero aqui considerados.[9] Na verdade, os fatores que eu abordar
apenas em parte, como classe ou sexualidade, são muitas vezes bem críticos na formação das experiências das
mulheres não-brancas. Meu foco nas intersecções de raça e gênero apenas destaca a necessidade de explicar
múltiplos motivos de identidade ao considerar como o mundo social é construído.[10]

Eu dividi as questões apresentadas neste artigo em três categorias. Na Parte I, discuto a interseccionalidade
estrutural, a forma como a localização das mulheres não-brancas na intersecção entre raça e gênero torna nossa
experiência real de violência doméstica, estupro e reforma corretiva qualitativamente diferente da das mulheres
brancas. Eu mudo o foco na Parte II para a interseccionalidade política, onde eu analiso como a política feminista
e antirracista, paradoxalmente, muitas vezes ajudou a marginalizar a questão da violência contra as mulheres não-
brancas. Então, na Parte III, discuto a interseccionalidade representacional, com a qual me rero à construção
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cultural de mulheres não-brancas. Considero como as controvérsias sobre a representação das mulheres não-
brancas na cultura popular também podem elidir a localização particular das mulheres não-brancas e, assim,
tornar-se mais uma fonte de falta de poder interseccional. Finalmente, abordo as implicações da abordagem
interseccional no âmbito mais amplo da política de identidade contemporânea.

I. INTERSECCIONALIDADE ESTRUTURAL

A. Interseccionalidade estrutural e violência física na seara familiar


Observei a dinâmica da interseccionalidade estrutural durante um breve estudo de campo de abrigos de
mulheres que passaram por violência doméstica localizadas em comunidades minoritárias em Los Angeles.[11]
Na maioria dos casos, a agressão física que leva as mulheres a esses abrigos é apenas a manifestação mais imediata
da subordinação que elas experimentam. Muitas mulheres que procuram proteção estão desempregadas ou
subempregadas e um bom número delas sãos pobres. Os abrigos que servem a essas mulheres não podem dar-se
ao luxo de lidar apenas com a violência inigida pelo agressor; eles também devem confrontar as outras formas de
dominação multicamadas e rotineiras que muitas vezes convergem para a vida dessas mulheres, dificultando sua
capacidade de criar alternativas às relações abusivas que as levaram a abrigos em primeiro lugar. Muitas mulheres
não-brancas, por exemplo, são sobrecarregadas pela pobreza, responsabilidades de assistência à infância e a falta
de habilidades de trabalho.[12] Esses fardos, em grande parte são consequência do gênero e da opressão de classe,
são então agravados pelo emprego racialmente discriminatório e as práticas de moradia que as mulheres não-
brancas frequentemente enfrentam[13], bem como pelo desemprego desproporcionalmente alto entre as pessoas
não-brancas que torna as mulheres não-brancas vítimas de violência doméstica menos capazes de depender do
apoio de amigos e parentes para abrigo temporário.[14]
Onde os sistemas de raça, gênero e dominação de classe convergem, como ocorre nas experiências de
mulheres não-brancas, as estratégias de intervenção baseadas unicamente nas experiências das mulheres que não
compartilham a mesma classe ou raça de fundo serão de ajuda limitada para as mulheres que por causa de raça e
classe enfrentam obstáculos diferentes.[15] Tal foi o caso em 1990 quando o Congresso alterou as disposições de
fraude matrimonial da Lei de Imigração e Nacionalidade para proteger as mulheres imigrantes que foram vítimas
de violência doméstica ou expostas à extrema crueldade pelos cidadãos dos Estados Unidos ou residentes
permanentes, estas mulheres imigraram para os Estados Unidos para se casar. Sob as disposições de fraude de
casamento da Lei, uma pessoa que imigrou para os Estados Unidos para se casar com um cidadão dos Estados
Unidos ou residente permanente teve de permanecer “corretamente” casado por dois anos antes mesmo de se
inscrever para o status de residente permanente, [16] momento em que os requerimentos para o status permanente
do imigrante eram exigidos de ambos os cônjuges.[17] Previsivelmente, nestas circunstâncias, muitas mulheres
imigrantes estavam relutantes em deixar até os mais abusivos parceiros por medo de serem deportadas.[18]
Quando confrontados com a escolha entre a proteção de seus agressores e proteção contra a deportação, muitas
mulheres imigrantes escolheram o último.[19] Os relatos das trágicas consequências dessa dupla subordinação
pressionaram o Congresso a incluir na Lei de Imigração de 1990 uma disposição que altera as regras de fraude
matrimonial para permitir uma renúncia explícita às dificuldades causadas pela violência doméstica.[20] No
entanto, muitas mulheres imigrantes, em particular as mulheres imigrantes não brancas, permaneceram
vulneráveis a agressões porque não conseguem cumprir as condições estabelecidas para uma renúncia. As
evidências necessárias para apoiar uma renúncia “podem incluir, mas não se limitando, relatos e declarações da
polícia, pessoal médico, psicólogos, funcionários da escola e agências de serviços sociais”.[21] Para muitas
mulheres imigrantes, o acesso limitado a esses recursos pode dificultar a obtenção das provas necessárias para
uma dispensa. E as barreiras culturais muitas vezes desencorajam mais as mulheres imigrantes de relatar ou
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escapar de situações de violência. Tina Shum, conselheira de uma agência de serviços sociais, ressalta que “esta
lei parece tão fácil de aplicar, mas há complicações culturais na comunidade asiática que tornam essas exigências
difíceis… Só para encontrar a oportunidade e a coragem de nos chamar é uma realização para muitas.”[22] O
típico cônjuge de imigrantes, ela sugere, pode viver “em uma família alargada onde várias gerações vivem juntas,
pode não haver privacidade no telefone, sem oportunidade de sair de casa e sem compreensão de telefones
públicos”.[23] Como consequência, muitas mulheres imigrantes são totalmente dependentes de seus maridos
como sua ligação com o mundo fora de suas casas.[24]

As mulheres imigrantes também são vulneráveis à violência conjugal porque muitas delas dependem de
seus maridos para obter informações sobre seu status legal.[25] Muitas mulheres que agora são residentes
permanentes continuam a sofrer abuso sob ameaças de deportação por seus maridos. Mesmo que as ameaças sejam
infundadas, as mulheres que não têm acesso independente à informação continuarão a ser intimidadas por tais
ameaças.[26] E mesmo que a renúncia à violência doméstica se concentre em mulheres imigrantes cujos maridos
são cidadãos dos Estados Unidos ou residentes permanentes, há um número incontável de mulheres casadas com
trabalhadores indocumentados (ou que são elas próprias indocumentadas) que sofrem em silêncio por medo de
que a segurança de toda a sua família que busque ajuda ou chame atenção para si mesma.[27]

As barreiras linguísticas representam outro problema estrutural que muitas vezes limita as oportunidades
das mulheres que não falam inglês para tirar proveito dos serviços de apoio existentes.[28] Tais barreiras não só
limitam o acesso à informação sobre abrigos, como também limitam o acesso aos abrigos de segurança. Alguns
abrigos recusam mulheres que não falam inglês por falta de pessoal e recursos bilíngues.[29]

Esses exemplos ilustram como os padrões de subordinação se cruzam na experiência das mulheres de
violência doméstica. A subordinação interseccional não precisa ser produzida intencionalmente; na verdade, é
frequentemente a consequência da imposição de um fardo que interage com vulnerabilidades preexistentes para
criar mais uma dimensão de destituição de poder. No caso das disposições sobre a fraude matrimonial da Lei de
Imigração e Nacionalidade, a imposição de uma política especificamente concebida para sobrecarregar uma
classe—os cônjuges imigrantes que procuram o status de residente permanente—exacerbou o desempoderamento
daquelas já subordinadas por outras estruturas de dominação. Ao deixar de levar em conta a vulnerabilidade dos
cônjuges imigrantes à violência doméstica, o Congresso posicionou essas mulheres para absorver o impacto
simultâneo de sua política anti-imigração e o abuso de seus cônjuges.

A promulgação da renúncia à violência doméstica das disposições de fraude matrimonial ilustra de forma
semelhante como modestas tentativas de responder a certos problemas podem ser ineficazes quando a localização
interseccional de mulheres não-brancas não é considerada na formulação do remédio. Identidade cultural e classe
afetam a probabilidade de que um cônjuge maltratado poderia tirar proveito da renúncia. Embora a renúncia seja
formalmente disponível para todas as mulheres, os termos da renúncia tornam-no inacessível para alguns. As
mulheres imigrantes socialmente, culturalmente ou economicamente privilegiadas têm maior probabilidade de
serem capazes de ordenar os recursos necessários para satisfazer os requisitos de dispensa. Essas mulheres
imigrantes menos capazes de tirar vantagem da renúncia—mulheres social ou economicamente mais
marginalizadas—são as que têm maior probabilidade de serem mulheres não-brancas.

B. Interseccionalidade Estrutural e Estupro


As mulheres não-brancas estão diferentemente situadas nos mundos econômico, social e político. Quando
os esforços de reforma empreendidos em nome das mulheres negligenciam esse fato, as mulheres não-brancas
têm menos probabilidade de ter suas necessidades atendidas do que as mulheres que são racialmente privilegiadas.
Por exemplo, conselheiros que fornecem serviços de crise de estupro a mulheres não-brancas relatam que uma
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proporção significativa dos recursos alocados a eles deve ser gasta tratando de problemas que não sejam o próprio
estupro. Reunir essas necessidades muitas vezes coloca esses conselheiros em desacordo com suas agências de
financiamento, que alocam fundos de acordo com padrões de necessidade que são em grande parte brancos e de
classe média. [30] Esses padrões uniformes de necessidade ignoram o fato de que diferentes necessidades muitas
vezes demandam prioridades diferentes em termos de alocação de recursos e, consequentemente, essas normas
dificultam a capacidade dos conselheiros de atender às necessidades das mulheres não-brancas e pobres.[31] Um
exemplo disso é que as mulheres não-brancas ocupam posições tanto fisicamente como culturalmente
marginalizadas dentro da sociedade dominante e, portanto, a informação deve ser direcionada diretamente a elas
para alcançá-las.[32] Consequentemente, os centros de crise de estupro devem destinar mais recursos para a
disseminação básica de informações em comunidades não-brancas do que em áreas brancas.

O aumento dos custos é apenas uma consequência de servir pessoas que não podem ser alcançadas pelos
principais canais de informação. Conforme observado anteriormente, conselheiros em comunidades minoritárias
relatam gastar horas localizando recursos e contatos para atender as necessidades de moradia e outras necessidades
imediatas de mulheres que foram estupradas. No entanto, este trabalho é apenas considerado “informação e
encaminhamento” por agências de financiamento e, como tal, é tipicamente subfinanciado, apesar da magnitude
da necessidade desses serviços em comunidades minoritárias.[33] O problema é agravado pelas expectativas de
que os centros de crise de estupro usarão uma parcela significativa dos recursos alocados a eles em conselheiros
para acompanhar as vítimas a tribunal[34], mesmo que as mulheres não-brancas são menos susceptíveis de ter
seus casos perseguidos no sistema de justiça criminal.[35] Os recursos previstos para os serviços judiciais são mal
dirigidos nessas comunidades.

financiamento e, como tal, é tipicamente subfinanciado, apesar da magnitude da necessidade desses


serviços em comunidades minoritárias.[33] O problema é agravado pelas expectativas de que os centros de crise
de estupro usarão uma parcela signicativa dos recursos alocados a eles em conselheiros para acompanhar as
vítimas a tribunal[34], mesmo que as mulheres não-brancas são menos susceptíveis de ter seus casos perseguidos
no sistema de justiça criminal.[35] Os recursos previstos para os serviços judiciais são mal dirigidos nessas
comunidades.

financiamento e, como tal, é tipicamente subfinanciado, apesar da magnitude da necessidade desses


serviços em comunidades minoritárias.[33] O problema é agravado pelas expectativas de que os centros de crise
de estupro usarão uma parcela significativa dos recursos alocados a eles em conselheiros para acompanhar as
vítimas a tribunal[34], mesmo que as mulheres não-brancas são menos susceptíveis de ter seus casos perseguidos
no sistema de justiça criminal.[35] Os recursos previstos para os serviços judiciais são mal dirigidos nessas
comunidades.

financiamento e, como tal, é tipicamente subfinanciado, apesar da magnitude da necessidade desses


serviços em comunidades minoritárias.[33] O problema é agravado pelas expectativas de que os centros de crise
de estupro usarão uma parcela significativa dos recursos alocados a eles em conselheiros para acompanhar as
vítimas a tribunal[34], mesmo que as mulheres não-brancas são menos susceptíveis de ter seus casos perseguidos
no sistema de justiça criminal.[35] Os recursos previstos para os serviços judiciais são mal dirigidos nessas
comunidades.

O fato de que as mulheres pertencentes a minorias sofrem com os efeitos da subordinação múltipla, aliada
às expectativas institucionais baseadas em contextos não institucionais inadequados, molda e, nalmente, limita as
oportunidades de intervenção significativa em seu nome. Reconhecendo a incapacidade de considerar a dinâmica
interseccional pode ir muito longe para explicar os altos níveis de frustração e fracasso completo experimentado
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por conselheiros que tentam atender às necessidades das vítimas que são mulheres de grupos minoritários.

. . .. . .

Referências e notas de rodapé:


[1] Acadêmicas e ativistas feministas tem feito um papel central no encaminhamento do desao ideológico e
institucional a práticas que perdoam e perpetuam violência contra mulher. Veja de forma geral SUSAN
BROWNMILLER, AGAINST OUR WILL: MEN, WOMEN AND RAPE (1975); LORENNE M.G. CLARK &
RUSSEL DOBASH, VIOLENCE AGAISNT WIVES: A CASE AGAINST THE PATRIARCHY (1979);
NANCY GAGER & CATHLEEN SCHURR, SEXUAL ASSAULT: CONFRONTING RAPE IN AMERICA
(1979); DIANA E.H. RUSSEL, THE POLITICS OF RAPE: THE VICTIM’S PERSPECTIVE (1974);
ELIZABETH ANNE STANKO, INTIMATE INTRUSIONS: WOMEN’S EXPERIENCE OF MALE
VIOLENCE (1985); LENORE E. WALKER, TERRYFING LOVE: WHY BATTERED WOMEN KILL AND
HOW SOCIETY RESPONDS (1989); LENORE E. WALKER, THE BATTERED WOMAN SYNDROME
(1984). LENORE E. WALKER, THE BATTERED WOMAN (1979).

[2] Veja, por exemplo, SUSAN SCHETER, WOMEN AND MALE VIOLENCE: THE VISIONS AND
STRUGGLES OF THE BATTERED WOMEN’S MOVEMENT (1982) (argumentando que violência doméstica
signica a manutenção da posição de subordinada das mulheres); S. BROWNMILLER, supra nota 1 (argumentando
que estupro é uma prática patriarcal que subordina mulheres a homens); Elizabeth Schneider, The violence of
privacy, 23 CONN. L. VER. 973, 974 (1991) (discutindo como “conceituar autorização de privacidade encoraja
e reforça violência contra mulheres”); Susan Estrich, Rape, 95 YALE L.J. 1087 (1986) (analizando leis sobre
estupro assim como se ilustra o sexismo nas leis penais); veja também CATHARINE A. MACKINNON,
SEXUAL HARASSMENT OF WORKIN WOMEN: A CASE OF SEX DISCRIMINATION 143–213 (1979)
(argumentando que assédio sexual deveria ser redenido como discriminação sexual sob o título VII, do que visto
como sexualidade deslocada em locais de trabalho).

[3] Este artigo surge de e é inspirado por dois emergentes discursos acadêmicos. A primeira é a teoria crítica da
raça. Para um corte transversal do que é agora um corpo substancial de literatura, veja PATRICIA J. WILLIAMS,
THE ALCHEMY OF RACE AND RlGHTS (1991); Robin D. Barnes, Race Consciousness: The Thematic
Content of Racial Distinctiveness in Critical Race Scholarship, 103 HARV. L. REV. 1864 (1990); John O.
Calmore, Critical Race Theory, Archie Shepp, and Fire Music: Securing an Authentic Intellectual Life in a
Multicultural World, 65 S. CAL. L. REV. 2129 (1992); Anthony E. Cook, Beyond Critical Legal Studies: The
Reconstructive Theology of Dr. Martin Luther King, 103 HARV. L. REV. 985 (1990); Kimberle Williams
Crenshaw, Race, Reform and Retrenchment: Transformation and Legitimation in Antidiscrimination Law, 101
HARV. L. REv. 1331 (1988); Richard Delgado, When a Story is Just a Story: Does Voice Really Matter?, 76 VA.
L. REv. 95 (1990); Neil Gotanda, A Critique of “Our Constitution is Colorblind,” 44 STAN. L. REv. 1 (1991)
Mari J. Matsuda, Public Response to Racist Speech: Considering the Victim’s Story, 87 Mich. L. REV. 2320
(1989); Charles R. Lawrence III, the Id, the Ego, and Equal Protection: Reckoning with Unconscious Racism, 39
STAN. L. REv. 317 (1987); Gerald Torres, Critical Race Theory: The Decline of the Universalist Ideal and the
Hope of Plural Justice-Some Observations and Questions of an Emerging Phenomenon, 75 MINN. L. REV. 993
(1991). Para uma visão geral útil da teoria crítica da raça, ver Calmore, supra, em 2160–2168.

Um segundo corpo, menos formalmente ligado, de estudos jurídicos investiga as conexões entre raça e gênero.
Ver, por exemplo, Regina Austin, Sapphire Bound!, 1989 Wis. L. REv. 539; Crenshaw, supra; Angela P. Harris,
Race and Essentialism in Feminist Legal Theory, 42 STAN. L. REv. 581 (1990); Marlee Kline, Race, Racism and
Feminist Legal Theory, 12 HARV. Women’s L.J. 115 (1989); Dorothy E. Roberts, Punishing Drug Addicts Who
8

Have Babies: Women of Color, Equality and the Right of Privacy, 104 HARV. L. REV. 1419 (1991); Cathy
Scarborough, Conceptualizing Black Women’s Employment Experiences, 98 YALE L.J. 1457 (1989) (student
author); Peggie R. Smith, Separate Identities: Black Women, Work and Title Vil 14 HARV. WOMEN’s L.J. 21
(1991); Judy Scales-Trent, Black Women and the Constitution: Finding Our Place, Asserting Our Rights, 24
HARV. C.R-C.L. L. REV. 9 (1989); Judith A. Winston, Mirror, Mirror on the Wall: Title VII, Section 1981, and
the Intersection of Race and Gender in the Civil Rights Act of 1990, 79 CAL L. REv. 775 (1991). Este trabalho
foi informado de uma literatura mais ampla que examina as interações de raça e gênero em outros contextos. Veja,
por exemplo, PATRICIA HILL COLLINS, BLACK FEMINIST THOUGHT: KNOWLEDGE,
CONSCIOUSNESS, AND THE POLITICS OF EMPOWERMENT (I 990); ANGELA DAVIS, WOMEN, RACE
ANO CLASS (1981); BELL HOOKS, AIN’T IA WOMAN? BLACK W0MEN AND FEMINISM (1981);
ELIZABETH V. SPELMAN, lNESSENTIAL WOMAN: PROBLEMS OF EXCLUSION IN FEMINIST
THOUGHT (1988); Frances Beale, Double Jeopardy: To De Black and Female, in THE BLACK WOMAN 90
(Toni Cade ed. 1970); Kink-Kok Cheung, The Woman Warrior versus The Chinaman Pacic: Must a Chinese
American Critic Choose between Feminism and Heroism?, in CONFLICTS IN FEMINISM 234 (Marianne Hirsch
& Evelyn Fox Keller eds. 1990); Deborah H. King, Multiple Jeopardy, Multiple Consciousness: The Context of
a Black Feminist Ideology, 14 SIGNS 42 ( 1988); Diane K. Lewis, A Response to Inequality: Black Women,
Racism and Sexism, 3 SIGNS 339 (1977); Deborah E. McDowell, New Directions for Black Feminist Criticism,
in THE NEW FEMINIST CRITICISM: ESSAYS ON WOMEN, LITERATURE AND THEORY 186 (Elaine
Showalter ed. 1985); Valerie Smith, Black Feminist Theory and the Representation of the “Other’’. In
CHANGING ÜUR ÜWN WORDS: ESSAYS ON CRITICISM, THEORY AND WRITING BY BLACK
WOMEN 38 (Cheryl A. Wall ed. 1989).

[4] Embora o objetivo deste artigo seja descrever a localização interseccional das mulheres não-brancas e sua
marginalização nos discursos de resistência dominantes, não quero dizer que a falta de poder das mulheres não-
brancas é singular ou mesmo principalmente causada por teóricos e ativistas feministas e antirracistas. Na verdade,
espero dissipar quaisquer interpretações tão simplistas ao capturar, pelo menos em parte, as formas como as
estruturas de dominação predominantes moldam diversos discursos de resistência. Como observei em outro lugar,
“as pessoas só podem exigir mudanças de formas que reetem a lógica das instituições que estão desaando. As
exigências de mudanças que não reetem… ideologia dominante… provavelmente serão inecazes”. Crenshaw,
supra nota 3, em 1367. Embora existam importantes obstáculos políticos e conceituais para se mover contra
estruturas de dominação com uma sensibilidade intersetorial, o meu argumento é que o esforço para fazê-lo deve
ser um objetivo central teórico e político tanto do antirracismo como do feminismo.

[5] Embora este artigo trate de estupros violentos perpetrados por homens contra mulheres, as mulheres também
estão sujeitas a estupros violentos de mulheres. A violência entre as lésbicas é um problema oculto, mas
signicativo. Um especialista informou que em um estudo de 90 casais de lésbicas, cerca de 46% das lésbicas foram
abusadas sicamente por suas parceiras. Jane Garcia, The Cost of Escaping Domestic Violence: Fear of Treatment
in a Largely Homophobic Society May Keep Lesbian Abuse Victims from Calling for Help, L.A. Times, May 6,
1991, em 2; veja também NAMING THE VIOLENCE: SPEAKING OUT ABOUT LESBIAN BATTERING
(Kerry Label ed. 1986); Ruthann Robson, Lavender Bruises: Intralesbian Violence, Law and Lesbian Legal
Theory, 20 GOLDEN GATE U.L. REV. 567 (1990). Há paralelos nítidos entre violência contra mulheres na
comunidade lésbica e violência contra mulheres em comunidades não-brancas. A violência lésbica é muitas vezes
envolvida em segredo por razões semelhantes que reprimiram a exposição da violência heterossexual em
comunidades não-brancas, o medo de envergonhar outros membros da comunidade, que já são estereotipados
como desviantes e medo de serem condenadas ao ostracismo da comunidade. Apesar dessas semelhanças, existem
no entanto distinções entre o abuso de mulheres e o abuso feminino de mulheres que, no contexto do patriarcado,
9

do racismo e da homofobia, merecem uma análise mais focada do que é possível aqui.

[6] Eu uso “negro” e “afro-americano” de forma intercambiável ao longo deste artigo. Eu capitalizo “negro”
porque “Os negros, como os asiáticos, os latinos e outras ‘minorias’, constituem um grupo cultural especíco e,
como tal, requerem uma denotação como um substantivo próprio”. Crenshaw, supra nota 3, em 1332 n.2 (citando
Catharine MacKinnon, Feminism, Marxism, Method, and the State: An Agenda for Theory, 7 SIGNS 515, 516
(1982)). Do mesmo jeito, não capitalizo “branco”, que não é um substantivo próprio, uma vez que os brancos não
constituem um grupo cultural especíco. Pelo mesmo motivo, não capitalizo “mulheres não-brancas”.

[7] Kimberle Crenshaw, Demarginalizing the Intersection of Race and Sex, 1989 U. CHI. LEGAL F. 139.

[8] Eu adotei explicitamente uma posição feminista negra nesta pesquisa de violência contra mulheres não-
brancas. Eu faço isso ciente de várias tensões que tal posição implica. O mais signicativo decorre da crítica de
que, enquanto o feminismo branco pretende falar por mulheres não-brancas através da invocação do termo
“mulher”, a perspectiva feminista exclui mulheres não-brancas porque se baseia nas experiências e interesses de
um certo subconjunto de mulheres. Por outro lado, quando feministas brancas tentam incluir outras mulheres,
muitas vezes agregam nossas experiências a um quadro de outra forma inalterado. É importante citar a perspectiva
a partir da qual se constrói sua análise; e para mim, isso é enquanto feminista negra. Além disso, é importante
reconhecer que os materiais que eu incorporo na minha análise são muito atraídos pela pesquisa sobre mulheres
negras. Por outro lado, vejo o meu próprio trabalho como parte de um esforço coletivo mais amplo entre as
feministas não-brancas para expandir o feminismo de forma a incluir análises de raça e outros fatores como classe,
sexualidade e idade. Tentei, portanto, oferecer o meu sentido das tentativas das conexões entre minha análise das
experiências intersetoriais das mulheres negras e as experiências intersetoriais de outras mulheres não-brancas.
Eu insisto que esta análise não pretende incluir falsamente nem excluir desnecessariamente outras mulheres não-
brancas.

[9] Considero a interseccionalidade um conceito provisório que liga a política contemporânea à teoria pós-
moderna. Ao mapear as intersecções de raça e gênero, o conceito envolve pressupostos dominantes de que raça e
gênero são categorias essencialmente separadas. Ao traçar as categorias para as suas intersecções, espero sugerir
uma metodologia que acabe por interromper as tendências para ver a raça e o gênero como exclusivos ou
separáveis. Enquanto as intersecções primárias que eu exploro aqui são entre raça e gênero, o conceito pode e
deve ser expandido com base em questões como classe, orientação sexual, idade e cor.

[10] A professora Mari Matsuda chama este inquérito “fazendo a outra pergunta”. Mari J. Matsuda, Beside My
Sister, Facing the Enemy: Legal Theory Out of Coalition, 43 STAN. L. REY. 1183 (1991). Por exemplo, devemos
olhar para uma questão ou condição tradicionalmente considerada como uma questão de gênero e perguntar:
“Onde está o racismo nisso?”

[11] Durante a minha pesquisa em Los Angeles, na Califórnia, visitei o abrigo Jenesee para mulheres que passaram
por violência doméstica, o único abrigo nos estados ocidentais que servem principalmente as mulheres negras e
Every woman’s Shelter, que serve principalmente as mulheres asiáticas. Visitei também Estelle Chueng na Asian
Pacic Law Foundation e falei com um representante da casa La Casa, na comunidade predominantemente latina
do leste de L.A.

[12] Um pesquisador observou, em referência a uma pesquisa realizada com abrigos de mulheres que sofreram
violência doméstica, que “muitas mulheres caucasianas provavelmente foram excluídas da amostra, uma vez que
elas têm mais probabilidade de ter recursos disponíveis que lhes permitam evitar o albergue. Muitos abrigos
10

admitem apenas mulheres com poucos ou nenhuns recursos ou alternativas”. MILDRED DALEY PAGELOW,
WOMAN-BATTERING: VICTIMS AND THEIR EXPERIENCES 97 (1981). Por outro lado, muitas mulheres
da classe média e média são nanceiramente dependentes de seus maridos e, portanto, experimentam uma
diminuição no padrão de vida quando deixam seus maridos.

[13] Juntos, eles garantem até mesmo as necessidades mais básicas além do alcance de muitos. De fato, um
provedor de abrigo relatou que quase 85% de seus clientes retornaram às relações de agressão, em grande parte
por diculdades em encontrar emprego e habitação. Os afro-americanos são mais segregados do que qualquer outro
grupo racial e essa segregação existe entre as linhas de classe. Estudos recentes em Washington, DC e seus
subúrbios mostram que 64% dos negros tentando alugar apartamentos em bairros brancos encontraram
discriminação. Tracy Thompson, Study Finds ‘Persistent’ Racial Dias in Area’s Rental Housing, Wash. Post, Jan.
31, 1991, at DI. Se esses estudos tivessem levado em consideração o status de gênero e família na equação, as
estatísticas poderiam ter sido piores.

[14] Mais especicamente, os afro-americanos sofrem de altas taxas de desemprego, baixos índices e altas taxas de
pobreza. De acordo com o Dr. David Swinton, Dean of the School of Business na Jackson State University no
Mississippi, os afro-americanos “recebem três quintos quanto incorporam por pessoa como brancos e são três
vezes mais propensos a ter incumbências anuais abaixo do nível de pobreza federalmente denido de US$ 12.675
para uma família de quatro”. Urban League insiste em ação, N.Y. Times, 9 de janeiro de 1991, em Al4. De fato,
as estatísticas recentes indicam que a desigualdade econômica racial é “maior que quando começamos na década
de 1990 do que em qualquer outro momento nos últimos 20 anos”. David Swinton, The Economic Status of
African Americans: “Permanent” Poverty and inequality, in THE STATE OF BLACK AMERICA 1991, at 25
(1991). A situação econômica das mulheres minoritárias é, provavelmente, pior do que a dos seus pares
masculinos. As mulheres negras, que ganham uma média de US$ 7.875 por ano, ganham muito menos do que os
homens negros, que ganham uma renda média de US$ 12.609 por ano e as mulheres brancas, que ganham uma
renda média de US$ 9.812 por ano. Id. Em 32 (Tabela 3). Além disso, a porcentagem de famílias lideradas por
uma negra que vive na pobreza (46,5%) é quase o dobro do que as famílias lideradas por mulheres brancas
(25,4%). Id. Em 43 (Tabela 8). As famílias latinas também ganham consideravelmente menos do que os agregados
familiares brancos. Em 1988, a incorporação mediana de domicílios latinos era de US$ 20.359 e para famílias
brancas, US$ 28.340—uma diferença de quase US$ 8.000. HISPANIC AMERICANS: A STATISTICAL
SOURCEBOOK 149 (1991). Analisando por origem, em 1988, os domicílios porto-riquenhos foram os piores,
com 34,1% ganhando abaixo de US$ 10.000 por ano e um valor médio para todas as famílias porto-riquenhas de
US$ 15.447 por ano. Id. Em 155. As estatísticas de 1989 para homens e mulheres latinos mostram que as mulheres
obtiveram uma média de US$ 7.000 a menos do que os homens. Id. Em 169.

[15] Veja o texto que acompanha as notas 63–67 (discutindo a recusa do abrigo de abrigar uma mulher de língua
espanhola em crise, mesmo que seu lho possa interpretar por ela porque isso contribuiria para a sua falta de poder).
As diferenças raciais marcaram um contraste interessante entre as políticas de Jenesee e as de outros abrigos
situados fora da comunidade negra. Ao contrário de alguns outros abrigos em Los Angeles, Jenesee recebeu a
assistência de homens. De acordo com o diretor, a política do abrigo baseou-se na crença de que, dada a
necessidade dos afro-americanos de manter relações saudáveis para prosseguir uma luta comum contra o racismo,
os programas antiviolência na comunidade afro-americana não podem se dar ao luxo de ser antagônicos aos
homens. Para uma discussão das diferentes necessidades das mulheres negras que passaram pela violência
doméstica, veja Beth Richie, Battered Black Women: A Challenge for the Black Community, BLACK
SCHOLAR, Mar. /Abr. 1985, em 40.
11

[16] 8 U.S.C. § 1186a (1988). As Alterações da Fraude do Casamento preveem que um cônjuge estrangeiro “seja
considerado, no momento da obtenção do status de estrangeiro legalmente admitido para residência permanente,
ter obtido tal status sob condições condicionadas às disposições desta seção”. § I 186a (a) (I). Um cônjuge
estrangeiro com status de residente permanente sob esta condição condicional pode ter seu status rescindido se o
procurador-geral vericar que o casamento era “impróprio”, § 1186a (b) (I), ou se ela não apresentar uma petição
ou falhar em comparecer na entrevista pessoal. § 186a © (2) (A).

[17] As alterações da fraude matrimonial preveem que, para que o status de residente condicional seja removido,
“o cônjuge estrangeiro e o cônjuge requerente (se não falecido) conjuntamente devem apresentar ao Procurador-
Geral… uma petição que solicite a remoção dessa base condicional e que arma, sob pena de perjúrio, os fatos e
informações”. § 1 186a (b) (l) (A) (ênfase adicionada). As Alterações preveem uma renúncia, a critério do
Procurador-Geral, se o cônjuge estrangeiro puder demonstrar que a deportação resultaria em diculdades extremas
ou que o casamento qualicado foi encerrado por uma boa causa. § 186a © (4). No entanto, os termos desta renúncia
às diculdades não protegeram adequadamente os cônjuges que passaram por violência doméstica. Por exemplo, o
requisito de que o casamento seja rescindido por uma boa causa pode ser difícil de satisfazer nos estados com
divórcios sem culpa. Eileen P. Lynsky, Alterações da fraude matrimonial de imigração de 1986: Até o Congresso,
Parte A, 41 U. MIAMI L. REV. 1087, 1095 n.47 (1987) (autor do aluno) (citando Jerome B. Ingber & R. Leo
Prischet, The Marriage Fraud Amendments, em THE NEW SJMPSON-R0DINO IMMJGRATION LAW OF
1986, at 564–65 (Stanley Mailman ed. 1986)).

[18] Ativistas de imigração sublinharam que “a Lei de Reforma de Imigração de 1986 e a Emenda de Invasão de
Fraude de Casamento combinaram para dar ao cônjuge que solicita residência permanente uma poderosa
ferramenta para controlar seu parceiro”. Jorge Banales, Abuse among Immigrants; As Their Numbers Grow So
Does the Need for Services, Wash. Post, Oct. 16, 1990, em E5. Dean Ito Taylor, diretor executivo da Nihonmachi
Legal Outreach em São Francisco, explicou que as emendas de fraude do casamento “vincularam essas mulheres
imigrantes a seus abusadores”. Deanna Hodgin, ‘Mail-Order’ Brides Marry Pain to Gel Green Cards, Wash.
Times, Apr. 16, 1991, em EI. Em uma instância agrante descrita por Beckie Masaki, diretora executiva do Asian
Women’s Shelter em São Francisco, quanto mais perto a noiva chinesa chegou a obter sua residência permanente
nos Estados Unidos, mais duramente seu marido asiático-americano a agredia. Seu marido, chutando-a no pescoço
e no rosto, advertiu-lhe que precisava dele e se ela não zesse o que lhe falava, ele chamaria funcionários de
imigração. Id.

[19] Como Alice Fernández, chefe da Agência de Serviços às Vítimas do Tribunal Penal do Bronx, explicou: “As
mulheres estão sendo mantidas reféns pelos seus proprietários, seus namorados, seus chefes, seus maridos…. A
mensagem é: se você dizer a alguém o que eu estou fazendo com você, eles vão enviar seu traseiro para casa. E
para essas mulheres, não há nada mais terrível do que isso… Às vezes, sua resposta é: eu preferiria estar morta
neste país do que voltar para casa.’’ Vivienne Walt, Immigrant Abuse: Nowhere to Hide; Women Fear
Deportation. Experts Say, Newsday, Dec. 2, 1990, em 8.

[20] Ato de Imigração de 1990, Pub. L. №101–649, 104 Stat. 4978. O Ato, apresentado pelo Representante Louise
Slaughter (DN.Y.), prevê que um cônjuge que sofreu violência doméstica que tenha status de residente permanente
condicional pode receber uma renúncia por falha ao cumprimento dos requisitos, se ela puder demonstrar que “o
casamento foi celebrado em boa fé e que, após o casamento, o cônjuge estrangeiro sofreu violência doméstica ou
foi submetido a extrema crueldade mental pelo cidadão dos EUA ou pelo cônjuge residente permanente”. H.R.
REP. №723(1), 101st Cong., 2d Sess. 78 (1990), reimpresso em 1990 U.S.C.C.A.N. 6710, 6758; veja também 8
C.F.R. § 216.5(3) (1992) (regulamentos para pedido de renúncia com base em alegação de terem passado por
12

violência doméstica ou sujeitos a extrema crueldade mental).

[21] H.R. REP. №723(1), supra note 20, em 79, reprintado em 1990 U.S.C.C.A.N. 6710, 6759.

[22] Hodgin, supra note 18.

[23] Id.

[24] Uma pesquisa conduzida de mulheres que passaram por violência doméstica “levantou a hipótese de que, se
uma pessoa é membro de um grupo minoritário discriminado, quanto menor for o nível socioeconômico acima do
nível de pobreza e quanto mais fracas as habilidades de língua inglesa, maior será a desvantagem”. M.
PAGELOW, supra nota 12, em 96. As 70 mulheres minoritárias no estudo “apresentaram uma dupla desvantagem
nesta sociedade que serve para amarrá-las mais fortemente aos cônjuges”. Id.

[25] Um cidadão ou cônjuge residente permanente pode exercer poder sobre um cônjuge estrangeiro, ameaçando
não apresentar uma petição de residência permanente. Se ele não apresentar uma petição de residência permanente,
o cônjuge estrangeiro continua a ser indocumentado e é considerado ilegal no país. Essas restrições geralmente
restringem a saída de uma esposa alienígena. Dean Ito Taylor conta a história de “um cliente que foi
hospitalizado—ela o tomou preso por vencê-la—mas ela continua voltando para ele porque ele promete que ele
irá arquivar por ela… Ele segura esse cartão verde sobre sua cabeça.” Hodgin, supra nota 18. São abundantes
outras histórias de abuso doméstico. Maria, uma mulher dominicana de 50 anos, explica que “‘Uma vez eu tive
oito pontos na minha cabeça e um corte no outro lado da minha cabeça e ele quebrou minhas costelas… Ele bateria
minha cabeça contra a parede enquanto fazíamos sexo. Ele continuou ameaçando me matar se eu dissesse ao
médico o que aconteceu.’” Maria teve uma “razão poderosa para car com Juan durante anos de abuso: um ingresso
para residência permanente nos Estados Unidos”. Walt, supra nota 19.

[26] Um repórter explicou que “as mulheres do terceiro mundo têm que enfrentar outros medos, no entanto. Em
muitos casos, têm medo da autoridade, das instituições governamentais e da ameaça de seus abusadores de as
estregarem aos funcionários da imigração para serem deportadas”. Banales, supra nota 18.

[27] Incidentes de abuso sexual de mulheres indocumentadas abundam. Marta Rivera, diretora do Centro Hostos
College para Direitos das Mulheres e Imigrantes, conta como uma mulher dominicana de 19 anos “chegou
abalada… depois que seu chefe a estuprou no banheiro feminino no trabalho”. A mulher disse a Rivera que “70 a
80% das trabalhadoras [em uma fábrica de roupas de Brooklyn] eram indocumentadas e todas aceitaram o sexo
como parte do trabalho… Ela disse que uma menina de 13 anos foi estuprada lá um pouco antes dela e a família
a enviou de volta à República Dominicana”. Walt, supra nota 19. Em outro exemplo, uma “mulher latino-
americana, cujo último ataque do marido a deixou com dois dedos quebrados, um rosto inchado e contusões no
pescoço e no peito, recusou-se a denunciar a agressão à polícia”. Ela voltou para sua casa depois de uma pequena
estadia em um abrigo. Ela não deixou a situação abusiva porque era “uma trabalhadora indocumentada e
analfabeta cujos lhos, passaportes e dinheiro são fortemente controlados por seu marido”. Embora tenha sido
informada sobre seus direitos, ela não foi capaz de prejudicar os obstáculos estruturais em seu caminho. Banales,
supra nota 18.

[28] Por exemplo, em uma região com um grande número de imigrantes do terceiro mundo, “o primeiro obstáculo
que esses [abrigos de mulheres que passaram por violência doméstica] devem superar é a barreira da língua”.
Banales, supra nota 18.

[29] Pode haver poucas dúvidas de que as mulheres incapazes de se comunicarem em inglês são severamente
13

incapacitadas na busca da independência. Algumas mulheres assim excluídas foram ainda mais desfavorecidas
porque não eram cidadãs dos EUA e algumas estavam neste país ilegalmente. Para algumas dessas, a única equipe
de abrigo de ajuda que poderia prestar era ajudar a reuni-las com suas famílias de origem. M. PAGELOW, supra
nota 12, em 96–97. As mulheres que não falam inglês são muitas vezes excluídas mesmo de estudos de mulheres
que passaram por violência doméstica por causa de sua linguagem e outras diculdades. Um pesquisador qualicou
as estatísticas de uma pesquisa, ressaltando que “um número desconhecido de mulheres do grupo minoritário foi
excluído desta amostra da pesquisa devido a diculdades de linguagem”. Id. Em 96. Para combater esta falta de
serviços adequados para mulheres não-brancas em muitos abrigos, programas especiais foram criados
especicamente para mulheres de comunidades particulares. Alguns exemplos de tais programas incluem o Projeto
de Intervenção de Vítimas em leste do Harlem para mulheres latinas, Abrigo Jenesee para mulheres afro-
americanas em Los Angeles, Apna Gar em Chicago para mulheres do Sul da Ásia e, para mulheres asiáticas em
geral, o Abrigo das Mulheres Asiáticas em San Francisco, o Centro de Mulheres Asiáticas de Nova York e o
Centro para a Família Asiática do Pacíco em Los Angeles. Os programas com linhas diretas incluem Sakhi para
mulheres da Ásia do Sul em Nova York e Manavi em Jersey City, também para mulheres do sul da Ásia, bem
como programas para mulheres coreanas em Filadéla e Chicago.

[30] Por exemplo, o Abrigo Rosa Parks e a Linha Direta de Combate à Violação de Compton, dois abrigos que
servem a comunidade afro americana, estão em constante conito com fontes de nanciamento em relação à
proporção de dólares e horas para mulheres atendidas. Entrevista com Joan Greer, Diretora Executiva do Abrigo
Rosa Parks, em Los Angeles, Califórnia (abril de 1990).

[31] Um trabalhador explicou: por exemplo, uma mulher pode entrar ou ligar por vários motivos. Ela não tem
lugar para ir, ela não tem emprego, ela não tem apoio, ela não tem dinheiro, ela não tem comida, ela foi espancada
e depois de terminar de atender a todas essas necessidades, ou tentar atender a todas essas necessidades, então ela
pode dizer, por sinal, durante tudo isso, eu fui estuprada. Isso faz com que nossa comunidade seja diferente de
outras comunidades. Uma pessoa quer suas necessidades básicas primeiro. É muito mais fácil discutir as coisas
quando estiver cheio. Nancy Anne Matthews, Stopping Rape or Managing its Consequences? State Intervention
and Feminist Resistance in the Los Angeles Anti-Rape Movement, 1972– 1987, em 287 (1989) (Dissertação de
doutorado, Universidade da Califórnia, Los Angeles) (descrevendo a história do movimento de crise de estupro e
destacando as diferentes histórias e dilemas das linhas diretas de crise de estupro dirigidas por feministas brancas
e situadas nas comunidades minoritárias).

[32] Normalmente, é necessário gastar mais tempo com um sobrevivente que tenha menos recursos pessoais. Esses
sobreviventes tendem a ser mulheres de minorias étnicas. Muitas vezes, um sobrevivente de minorias étnicas não-
assimiladas requer tradução e interpretação, transporte, abrigo para noite e para crianças e aconselhamento para
outras pessoas, além dos serviços habituais de aconselhamento e advocacia. Assim, se um centro de crise de
estupro atender a uma população predominantemente de minoria étnica, o número “médio” de horas de serviço
prestado a cada sobrevivente é muito maior do que para um centro que atende uma população predominantemente
branca. Id. Em 275 (citando papel de posição da Southern California Rape Hotline Alliance).

[33] Id. em 287–88.

[34] A Diretora da Rosa Parks relatou que ela muitas vezes encontra problemas com suas fontes de nanciamento
em relação ao número médio de conselheiros do Centro que acompanham as vítimas ao tribunal. Entrevista com
Joan Greer, supra nota 30.

[35] Mesmo que as estatísticas atuais indiquem que as mulheres negras são mais propensas a serem vítimas do
14

que as mulheres brancas, as mulheres negras são menos propensas a relatar seus estupros, menos propensas a ter
seus casos em julgamento, menos probabilidades de que seus julgamentos resultem em convicções e, de forma
mais perturbante, menos propensas a procurar aconselhamento e outros serviços de apoio. PATRICIA HILL
COLLINS, BLACK FEMINIST THOUGHT: KNOWLEDGE, CONSCIOUSNESS ANO THE POLITICS OF
EMPOWERMENT 178–79 (1990); em acordo com HUBERT S. FEILD & LEIGH B. BIENEN, JURORS ANO
RAPE: A STUDY IN PSYCHOLOGY AND LAW 141 (1980) (Os dados obtidos de 1.056 cidadãos que servem
como jurados em casos de estupro simulados geralmente mostraram que “o agressor da mulher negra recebeu uma
sentença mais indulgente do que o agressor da mulher branca”). De acordo com Fern Ferguson, um trabalhador
do abuso sexual de Illinois, falando em uma conferência do Instituto Women of Color em Knoxville, Tennessee,
10% das violações envolvendo vítimas brancas acabam em condenação, em comparação com 4,2% por violações
envolvendo vítimas não-brancas (e 2,3% para o grupo menos inclusivo de vítimas de violação negra). UPI, 30 de
julho de 1985. Ferguson argumenta que os mitos sobre as mulheres não-brancas serem promíscuas e desejam ser
estupradas encorajam o sistema de justiça criminal e prossionais médicos também a tratar as mulheres não-brancas
de forma diferente do que tratam as mulheres brancas após a ocorrência de estupro. Id.

“MAPEANDO AS MARGENS: INTERSECCIONALIDADE, POLÍTICAS DE IDENTIDADE E


VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NÃO-BRANCAS” DE KIMBERLE CRENSHAW — PARTE 2/4

II. INTERSECCIONALIDADE POLÍTICA

O conceito de interseccionalidade política destaca o fato de que as mulheres não-brancas estão situadas
dentro de pelo menos dois grupos subordinados que frequentemente perseguem agendas políticas conflitantes.
A necessidade de dividir as energias políticas entre dois grupos, às vezes opostos, é uma dimensão de falta de
poder interseccional que os homens não-brancos e as mulheres brancas raramente enfrentam. De fato, suas
experiências específicas de raça e gênero, embora interseccionais, muitas vezes definem e limitam os interesses
de todo o grupo. Por exemplo, o racismo, tal como experimentado por pessoas não-brancas que pertencem a
um gênero particular — o homem — tende a determinar os parâmetros das estratégias antirracistas, assim como
o sexismo experimentado pelas mulheres de uma raça particular — branca — tende a fundamentar o movimento
das mulheres. O problema não é simplesmente que ambos os discursos falham às mulheres não-brancas ao não
reconhecer a questão “adicional” da raça ou do patriarcado, mas que os discursos são muitas vezes inadequados
até mesmo às tarefas discretas de articular as dimensões completas do racismo e do sexismo. Como as mulheres
não-brancas vivenciam o racismo de maneiras nem sempre as mesmas que as experimentadas por homens não-
brancos e sexismo de maneiras nem sempre paralelas às experiências das mulheres brancas, o antirracismo e o
feminismo são limitados, mesmo em seus próprios termos.

Entre as consequências políticas mais preocupantes do fracasso dos discursos antirracistas e feministas,
abordar as intersecções de raça e gênero é o fato de que, na medida em que podem transmitir o interesse de
“pessoas não-brancas” e “mulheres”, respectivamente, uma análise muitas vezes implícita nega a validade da
outra. O fracasso do feminismo em interrogar a raça significa que as estratégias de resistência do feminismo
muitas vezes replicam e reforçam a subordinação de pessoas não-brancas e o fracasso do antirracismo em
interrogar o patriarcado significa que o antirracismo frequentemente reproduz a subordinação das mulheres.
Essas elisões mútuas apresentam um dilema político particularmente difícil para mulheres não-brancas. A
adoção de ambas as análises constitui uma negação de uma dimensão fundamental da nossa subordinação e
15

impede o desenvolvimento de um discurso político que mais capacita as mulheres não-brancas.

A.A politização da violência doméstica


Que os interesses políticos das mulheres não-brancas são confundidos e às vezes comprometidos por
estratégias políticas que ignoram ou suprimem questões interseccionais são ilustrados pelas minhas
experiências na coleta de informações para este artigo. Eu tentei rever as estatísticas do Departamento de
Polícia de Los Angeles, refletindo a taxa de intervenções de violência doméstica por parte do distrito, porque
tais estatísticas podem fornecer uma imagem áspera de prisões por grupo racial, dado o grau de segregação
racial em Los Angeles.[1] L.A.P.D., no entanto, não divulgaria as estatísticas. Um representante explicou que
uma das razões pelas quais as estatísticas não foram divulgadas era que os ativistas sobre a violência doméstica,
tanto dentro como fora do Departamento, temiam que as estatísticas que refletissem a extensão da violência
doméstica em comunidades minoritárias poderiam ser interpretadas e divulgadas seletivamente de modo a
prejudicar os esforços a longo prazo para forçar o Departamento para abordar a violência doméstica como um
problema sério. Foi-me dito que os ativistas estavam preocupados com o fato de que as estatísticas poderiam
permitir que os opositores descartem a violência doméstica como um problema minoritário e, portanto, não
mereçam ações agressivas.

O informante também afirmou que representantes de diversas comunidades minoritárias se opuseram à


liberação dessas estatísticas. Eles estavam preocupados, aparentemente, de que os dados representariam
injustamente as comunidades negras e ‘marrons’[2], como estereótipos potencialmente reforçadores e
violentos, que poderiam ser usados em tentativas de justificar táticas policiais opressivas e outras práticas
discriminatórias. Essas dúvidas são baseadas na premissa familiar e não infundada de que certos grupos
minoritários — especialmente os negros — já foram estereotipados como incontrolavelmente violentos.
Alguns se preocupam que as tentativas de tornar a violência doméstica um objeto de ação política só pode
servir para confirmar tais estereótipos e prejudicar os esforços para combater as crenças negativas sobre a
comunidade negra.

Esta conta ilustra bem como as mulheres não-brancas podem ser apagadas pelos silêncios estratégicos do
antirracismo e do feminismo. As prioridades políticas de ambos foram definidas de formas que suprimiram a
informação que poderia ter facilitado as tentativas de enfrentar o problema da violência doméstica em
comunidades não brancas.

1.Violência doméstica e política antirracista.


Dentro das comunidades não-brancas, os esforços para deter a politização da violência doméstica são muitas
vezes fundamentados em tentativas de manter a integridade da comunidade. A articulação desta perspectiva
tem formas diferentes. Alguns críticos alegam que o feminismo não tem lugar dentro das comunidades não-
brancas, que as questões são internamente divisórias e que representam a migração das preocupações das
mulheres brancas para um contexto em que elas não são apenas irrelevantes, mas também prejudiciais. No seu
extremo, esta retórica nega que a violência de gênero é um problema na comunidade e caracteriza qualquer
esforço para politizar a subordinação de gênero como um problema de comunidade. Esta é a posição tomada
por Shahrazad Ali em seu controverso livro, The Blackman’s Guide to Understanding the Black woman (O
guia do homem negro para compreender a mulher negra).[3] Neste trato estritamente antifeminista, Ali
estabelece uma correlação positiva entre violência doméstica e libertação de afro-americanos. Ali culpa as
condições de deterioração dentro da comunidade negra sobre a insubordinação das mulheres negras e sobre o
16

fracasso dos homens negros em controlá-las.[4] Ali chega a ponto de aconselhar os homens negros a castigarem
fisicamente as mulheres negras quando são “desrespeitosas”.[5] Enquanto ela adverte que os homens negros
devem usar a moderação na disciplina de “suas” mulheres, ela argumenta que os homens negros devem às
vezes recorrer à força física para restabelecer a autoridade sobre as mulheres negras que o racismo
interrompeu.[6]

A premissa de Ali é que o patriarcado é benéfico para a comunidade negra[7] e que deve ser fortalecido através
de meios coercivos, se necessário[8]. No entanto, a violência que acompanha essa vontade de controle é
devastadora, não só para as mulheres negras que São vítimas, mas também para toda a comunidade negra.[9]
O recurso à violência para resolver conflitos estabelece um padrão perigoso para crianças criadas em tais
ambientes e contribui para muitos outros problemas urgentes[10]. Estima-se que quase 40% de todas as
mulheres e crianças desabrigadas tenham fugido da violência no lar[11] e cerca de 63% entre as idades de onze
e vinte pessoas presas por homicídio mataram os agressores de suas mães[12]. E, no entanto, enquanto a
violência de gangues, homicídios e outras formas de crimes de negros contra outros negros foram cada vez
mais discutidos dentro da política afro-americana, ideias patriarcais sobre gênero e poder impedem o
reconhecimento da violência doméstica como outra incidência convincente de crimes de negros contra outros
negros.

Esforços como os de Ali para justificar a violência contra as mulheres em nome da libertação negra são
realmente extremos[13]. O problema mais comum é que os interesses políticos ou culturais da comunidade são
interpretados de forma a impedir o reconhecimento público completo do problema da violência doméstica.
Embora seja enganoso sugerir que os americanos brancos tenham chegado a um acordo com o grau de violência
em suas próprias casas, é mesmo o caso da raça acrescentar mais uma dimensão ao porquê o problema da
violência doméstica é reprimido em comunidades não-brancas. As pessoas não-brancas muitas vezes devem
pesar seus interesses para evitar problemas que possam reforçar percepções públicas distorcidas contra a
necessidade de reconhecer e resolver os problemas intracomunitários. No entanto, o custo da supressão
raramente é reconhecido em parte porque o fracasso em discutir a questão molda as percepções de quão grave
é o problema em primeiro lugar.

A controvérsia sobre o livro de Alice Walker The Color Purple (A Cor Púrpura) pode ser entendida
como um debate intracomunitário sobre os custos políticos de expor a violência de gênero dentro da
comunidade negra[14]. Alguns críticos castigaram Walker por retratar homens negros como brutos
violentos[15]. Um crítico duramente julgou o retrato de Walker de Celie, a protagonista emocional e
fisicamente abusada que finalmente triunfa no final. Walker, argumentou o crítico, criou em Celie uma mulher
negra, a quem não podia imaginar existir em qualquer comunidade negra que ela conhecesse ou pudesse
conceber[16].

A afirmação de que Celie era de alguma forma um caráter não-autêntico pode ser lida como uma
consequência de silenciar a discussão da violência intracomunitária. Celie pode ser diferente de qualquer
mulher negra que conhecemos porque o verdadeiro terror experimentado diariamente por mulheres
minoritárias é rotineiramente escondido em uma tentativa equivocada (embora talvez compreensível) para
evitar estereótipos raciais. É claro que as representações da violência negra — estatística ou ficcional — são
muitas vezes escritas em um roteiro maior que retrata consistentemente negros e outras comunidades
minoritárias como patologicamente violentas. O problema, no entanto, não é tanto o retrato da própria violência
como a ausência de outras narrativas e imagens que retratam uma gama mais completa de experiência negra.
17

A supressão de algumas dessas questões em nome do antirracismo impõe custos reais. Onde a informação
sobre a violência em comunidades minoritárias não está disponível, a violência doméstica é improvável de ser
abordada como uma questão séria.

Os imperativos políticos de uma estratégia antirracista estreitamente focada apoiam outras práticas que
isolam as mulheres não-brancas. Por exemplo, ativistas que tentaram fornecer serviços de apoio a mulheres
asiáticas e afro-americanas relatam uma intensa resistência dessas comunidades.[17] Em outros momentos,
fatores culturais e sociais contribuem para a supressão. Nilda Rimonte, diretora de Every woman’s Shelter em
Los Angeles, ressalta que na comunidade asiática, salvar a honra da família da vergonha é uma prioridade.[18]
Infelizmente, esta prioridade tende a ser interpretada como obrigando as mulheres a não gritar ao invés de
obrigar os homens a não baterem.

A raça e a cultura também contribuem para a supressão da violência doméstica. As mulheres não-brancas
muitas vezes relutam em chamar a polícia, uma hesitação provavelmente devido a uma falta de vontade geral
entre as pessoas não-brancas para submeter sua vida privada ao escrutínio e controle de uma força policial que
é frequentemente hostil. Há também uma ética comunitária mais generalizada contra a intervenção pública,
produto do desejo de criar um mundo privado livre dos diversos estupros à vida pública de pessoas
subordinadas racialmente. A casa não é simplesmente um castelo do homem no sentido patriarcal, mas também
pode funcionar como um refúgio seguro das indignidades da vida em uma sociedade racista. No entanto, mas
para este “refúgio seguro” em muitos casos, as mulheres não-brancas vitimadas pela violência poderiam, de
outra forma, procurar ajuda.

Há também uma tendência geral no discurso antirracista de considerar o problema da violência contra as
mulheres não-brancas como apenas mais uma manifestação do racismo. Nesse sentido, a relevância da
dominação de gênero dentro da comunidade é reconfigurada como consequência da discriminação contra os
homens. Claro, se é provavelmente verdade que o racismo contribui para o ciclo de violência, dado o estresse
que os homens não-brancos experienciam na sociedade dominante. É, portanto, mais do que razoável explorar
as ligações entre o racismo e a violência doméstica. Mas a cadeia de violência é mais complexa e se estende
além desse único elo. O racismo está ligado ao patriarcado na medida em que o racismo nega aos homens não-
brancos o poder e o privilégio de que gozam os homens dominantes. Quando a violência é entendida como uma
atuação de ser negado o poder masculino em outras esferas, parece contraproducente abraçar construções que
vinculam implicitamente a solução à violência doméstica à aquisição de maior poder masculino. O imperativo
político mais promissor é desafiar a legitimidade de tais expectativas de poder, expondo seu efeito disfuncional
e debilitante sobre as famílias e comunidades não-brancas. Além disso, embora a compreensão das ligações
entre o racismo e a violência doméstica seja um componente importante de qualquer estratégia de intervenção
eficaz, também é nítido que as mulheres não-brancas não precisam esperar o triunfo final sobre o racismo antes
de poderem viver vidas livres de violência.

2. Raça e lobby de violência doméstica.


Não só as prioridades baseadas na raça funcionam para confundir o problema da violência sofrida
pelas mulheres não-brancas; as preocupações feministas também suprimem as experiências das minorias.
As estratégias para aumentar a consciência da violência doméstica dentro da comunidade branca tendem a
começar por citar a suposição comumente compartilhada de que o estupro é um problema minoritário. A
estratégia, em seguida, se concentra em demolir este espantalho, salientando que o abuso realizado por
cônjuge também ocorre na comunidade branca. Inúmeras histórias em primeira pessoa começam com uma
18

declaração como “Eu não era suposta em ser uma esposa que sofreu violência doméstica.” Essa agressão
ocorre em famílias de todas as raças e todas as classes parece ser um tema sempre presente de campanhas
contra o abuso.[19] Anedotas em primeira pessoa e estudos, por exemplo, afirmam consistentemente que a
violência atravessa linhas raciais, étnicas, econômicas, educacionais e religiosas.[20] Tais renúncias
parecem relevantes apenas na presença de uma crença inicial e amplamente difundida de que a violência
doméstica ocorre principalmente em famílias minoritárias ou pobres. Na verdade, algumas autoridades
renunciam explicitamente aos “mitos estereotipados” sobre mulheres que sofreram violência doméstica.[21]
Alguns comentaristas até transformaram a mensagem de que a violência doméstica não é exclusivamente
um problema das comunidades pobres ou minoritárias em uma alegação de que ela afeta igualmente todas
as raças e classes.[22] No entanto, esses comentários parecem menos preocupados com a exploração do
abuso doméstico dentro de comunidades “estereotipadas” do que com a remoção do estereótipo como um
obstáculo para expor a violência doméstica dentro das comunidades brancas de classe média e alta.[23]

Os esforços para politizar a questão da violência contra as mulheres desafiam as crenças de que a
violência ocorre apenas em casas de “outros”. Embora seja improvável que os defensores e outros que adotam
esta estratégia retórica pretendam excluir ou ignorar as necessidades de mulheres pobres e não-brancas, a
premissa subjacente a esse apelo aparentemente universalista é manter a sensibilidade dos grupos sociais
dominantes focada nas experiências desses grupos. Na verdade, como sutilmente sugerido pelos comentários
iniciais do senador David Boren (D-Okla.) Em apoio à Lei de Violência contra as Mulheres de 1991, o
deslocamento do “outro” como a vítima presumida de violência doméstica funciona principalmente como um
apelo político para reunir elites brancas. Boren disse,

Os crimes violentos contra as mulheres não se limitam às ruas das cidades do interior, mas também ocorrem
em casas nas áreas urbanas e rurais em todo o país.

A violência contra as mulheres afeta não só aquelas que são realmente espancadas e brutalizadas, mas
afetam indiretamente todas as mulheres. Hoje, nossas esposas, mães, filhas, irmãs e colegas são mantidas
cativas pelo medo gerado por esses crimes violentos — mantidas prisioneiras não pelo que fazem ou quem
são, mas apenas devido ao gênero[24].

Ao invés de se concentrar em e iluminar como a violência é desconsiderada quando a casa é “diferente”,


a estratégia implícita nas observações do senador Boren funciona em vez disso para politizar o problema
apenas na comunidade dominante. Esta estratégia permite que as mulheres brancas que são vítimas se
aproximem, mas pouco para interromper os padrões de negligência que permitiram que o problema
continuasse, desde que se considerasse um problema minoritário. A experiência da violência das mulheres
minoritárias é ignorada, exceto na medida em que ganha apoio branco para programas de violência doméstica
na comunidade branca.

O senador Boren e seus colegas, sem dúvida, acreditam que forneceram legislação e recursos que
abordarão os problemas de todas as mulheres vítimas de violência doméstica. No entanto, apesar de sua retórica
universalizadora de “todas” as mulheres, foram capazes de simpatizar com as mulheres vítimas de violência
doméstica apenas procurando superar a situação de “outras” mulheres e reconhecendo os próprios rostos
familiares. A força do apelo para “proteger nossas mulheres” deve ser sua raça e classe especificamente. Afinal,
sempre foi esposa, mãe, irmã ou filha de alguém que foi abusada, mesmo quando a violência era
estereotípicamente negra ou marrom e pobre. O ponto aqui não é que o Ato de Violência contra as Mulheres
19

seja particularista em seus próprios termos, mas isso, a menos que os senadores e outros formuladores de
políticas perguntem por que a violência permaneceu insignificante, desde que seja entendido como um
problema minoritário, é improvável que mulheres não-brancas participem igualmente na distribuição de
recursos e preocupação. É ainda mais improvável, no entanto, que aqueles em poder serão forçados a enfrentar
esta questão. Enquanto as tentativas de politizar a violência doméstica se concentrarem em convencer os
brancos de que este não é um problema “minoritário”, mas seu problema, qualquer atenção autêntica e sensível
às experiências de mulheres negras e outras mulheres minoritárias provavelmente continuará a ser considerada
como se estivesse prejudicando o movimento.

Enquanto a declaração do senador Boren reflete uma apresentação auto conscientemente política da
violência doméstica, um episódio do programa de notícias do CBS, 48 hours[25] mostra como os padrões
semelhantes de mulheres não-brancas são evidentes nas contas jornalísticas da violência doméstica também.
O programa apresentou sete mulheres vítimas de abuso. Seis foram entrevistadas com algum tempo junto com
seus familiares, amigos, apoiantes e até detratores. O espectador conheceu algo sobre cada uma dessas
mulheres. Essas vítimas foram humanizadas. No entanto, a sétima mulher, a única não-branca, nunca chegou
a ficar em foco. Ela era literalmente irreconhecível em todo o segmento, introduzida pela primeira vez por
fotografias mostrando seu rosto bem agredido e depois mostrado com o rosto alterado eletronicamente na fita
de vídeo de uma audiência na qual ela foi forçada a testemunhar. Outras imagens associadas a esta mulher
incluíam tiros de uma sala manchada de sangue e almofadas encharcadas de sangue. Seu namorado foi
retratado algemado enquanto a câmera se aproximava para um close-up de seus tênis ensanguentados. De
todas as apresentações no episódio, a dela foi a mais gráfica e impessoal. O ponto geral do segmento
“apresentando” essa mulher foi que a agressão pode não se transformar em homicídio se mulheres que passam
por violência doméstica apenas cooperassem com procuradores. Ao concentrar-se em sua própria agenda e
não explorar por que essa mulher se recusou a cooperar, o programa diminuiu essa mulher, comunicando-se,
porém sutilmente, que ela era responsável por sua própria vitimização.

Ao contrário das outras mulheres, todas de novo brancas, essa mulher negra não tinha nome, nem
família, nem contexto. O espectador a vê apenas como vitimada e não cooperativa. Ela chora quando mostra
imagens. Ela não se obriga a ver a sala manchada de sangue e o rosto desfigurado. O programa não ajuda o
espectador a entender sua situação. Os possíveis motivos por que ela não queria testemunhar — medo, amor
ou, possivelmente, ambos — nunca são sugeridos[26]. Mais, infelizmente, ela, ao contrário das outras seis,
não recebe nenhum epílogo. Enquanto os destinos das outras mulheres são revelados no final do episódio, não
descobrimos nada sobre a mulher negra. Ela, como os “outros” que ela representa, é simplesmente deixada
para si mesma e logo esquecida.

Ofereço essa descrição para sugerir que as “outras” mulheres são silenciadas, sendo relegadas à margem
de experiência como por exclusão total. A inclusão tokenística, objetivadora e voyerística é, pelo menos, tão
implacável quanto a exclusão completa. O esforço para politizar a violência contra as mulheres fará pouco para
lidar com as mulheres negras e outras mulheres minoritárias se suas imagens forem mantidas simplesmente
para ampliar o problema ao invés de humanizar suas experiências. Da mesma forma, a agenda antirracista não
avançará de forma significativa por meio da supressão forçada da realidade do golpe nas comunidades
minoritárias. À medida que o episódio de 48 hours deixa nítido que as imagens e os estereótipos que tememos
estão prontamente disponíveis e são frequentemente implantados de maneiras que não geram compreensão
sensível da natureza da violência doméstica nas comunidades minoritárias.
20

3. Serviços de apoio à violência doméstica e racial.


As mulheres que trabalham no campo da violência doméstica às vezes reproduziram a subordinação
e a marginalização das mulheres não-brancas, adotando políticas, prioridades ou estratégias de capacitação
que ignoram ou omitem completamente as necessidades interseccionais particulares das mulheres não-
brancas. Enquanto o gênero, a raça e a classe se cruzam para criar o contexto particular em que as mulheres
não brancas experimentam violência, certas escolhas feitas por “aliados” podem reproduzir a subordinação
interseccional dentro das estratégias de resistência muito projetadas para responder ao problema.

Este problema é obviamente ilustrado pela inacessibilidade dos serviços de apoio à violência
doméstica a muitas mulheres que não falam inglês. Em uma carta escrita ao vice-comissário do
Departamento de Serviços Sociais do Estado de Nova York, Diana Campos, Diretora de Serviços Humanos
para Programas de Ocupações e Desenvolvimento Econômico Real, Inc. (PODER), detalhou o caso de uma
latina em crise que repetidamente foi negada alojamento em um abrigo porque não conseguiu provar que
ela era proficiente em inglês. A mulher tinha fugido para casa com o filho adolescente, acreditando nas
ameaças de seu marido para matá-los. Ela chamou a linha direta de violência doméstica administrada pelo
PODER buscando abrigo para ela e seu filho. Como a maioria dos abrigos não acomodava a mulher com
seu filho, eles foram forçados a viver nas ruas por dois dias. O conselheiro da linha direta foi finalmente
capaz de encontrar uma agência que levaria tanto a mãe como ao filho, mas quando o conselheiro disse ao
coordenador de admissão no abrigo que a mulher tinha inglês limitado, a coordenadora disse que não podiam
levar ninguém que não fosse proficiente em inglês. Quando a mulher em crise ligou de volta e foi informada
da “regra” do abrigo, ela respondeu que podia entender o inglês se falassem lentamente. Como Campos
explica, Mildred, o conselheiro da linha direta, disse a Wendy, a coordenadora de admissão

que a mulher disse que poderia se comunicar um pouco em inglês. Wendy disse a Mildred que eles não
poderiam prestar serviços à essa mulher porque eles têm regras da casa que a mulher deve concordar em
seguir. Mildred perguntou: “E se a mulher concordar em seguir
suas regras? Você ainda não a levará?” Wendy respondeu que todas as mulheres no abrigo são obrigadas
a participar de um grupo de apoio e não poderiam tê-la no grupo se não pudesse se comunicar. Mildred
mencionou a gravidade do caso desta mulher. Ela disse a Wendy que a mulher vagava pelas ruas durante a
noite, enquanto o marido estava em casa e ela havia sido assaltada duas vezes. Ela também reiterou o fato
de que esta mulher estava em perigo de ser morta por seu marido ou por um assaltante. Mildred expressou
que a segurança da mulher era uma prioridade neste ponto, e que, uma vez em um lugar seguro, receberia
aconselhamento em um grupo de apoio em que poderia ser tratada[27].

O coordenador de admissão reafirmou a política de acolhimento de aceitar apenas mulheres de língua


inglesa e afirmou ainda que a mulher teria que chamar o abrigo para seleção. Se a mulher pudesse se comunicar
com eles em inglês, ela poderia ser aceita. Quando a mulher chamou a linha direta do PODER no final daquele
dia, ela estava com tanto medo que o conselheiro da linha direta que estava trabalhando com ela, que ele teve
dificuldade em entendê-la em espanhol[28]. Campos intervêm diretamente neste ponto, chamando o diretor
executivo do abrigo. Um conselheiro chamado de volta do abrigo. Como Campos relata,

Marie [a conselheira] me disse que eles não queriam levar a mulher no abrigo porque sentiam que a mulher
se sentiria isolada. Expliquei que o filho concordou em traduzir para sua mãe durante o processo de admissão.
Além disso, nós as ajudamos a localizar uma defensora de língua espanhola para ajudar a orientá-la. Marie
afirmou que utilizar o filho não era um meio de comunicação aceitável para eles, já que ele vitimizava a
21

vítima. Além disso, ela afirmou que eles tiveram experiências semelhantes com mulheres que não eram de
língua inglesa e que as mulheres finalmente tiveram que sair porque não conseguiram se comunicar com
ninguém. Eu expressei minha preocupação extrema por sua segurança e reiteramos que nós as ajudamos a
fornecer os serviços necessários até que possamos colocá la em algum lugar onde eles tivessem pessoal
bilíngue[29].

Depois de várias outras chamadas, o abrigo finalmente concordou em admitir a mulher. A mulher ligou
mais uma vez durante a negociação; no entanto, depois que um plano estava no lugar, a mulher nunca voltou.
Disse Campos, “Depois de tantas chamadas, agora nos perguntamos se ela está viva e bem e se ela sempre terá
fé suficiente em nossa capacidade de ajudá-la a nos chamar novamente na próxima vez que ela estiver em
crise”[30].

Apesar da necessidade desesperada desta mulher, ela não conseguiu receber a proteção oferecida às
mulheres de língua inglesa, devido ao rígido compromisso do abrigo em relação a políticas de exclusão. Talvez
ainda mais preocupante do que a falta de recursos bilíngues do abrigo era a recusa de permitir que um amigo
ou parente traduzisse para a mulher. Esta história ilustra o absurdo de uma abordagem feminista que faz da
capacidade de participar de um grupo de apoio sem um tradutor uma consideração mais significativa na
distribuição de recursos do que o risco de danos físicos na rua. O ponto não é que a imagem de capacitação do
abrigo seja vazia, mas sim que foi imposta sem levar em conta as consequências desvalorizadoras para as
mulheres que não combinavam com o tipo de cliente que os administradores do abrigo imaginavam. E assim
eles não conseguiram cumprir a prioridade básica do movimento de abrigo — de tirar a mulher da situação de
risco.

Aqui, a mulher em crise foi levada a suportar o ônus da recusa do abrigo de antecipar e atender as
necessidades de mulheres que não falam inglês. Disse Campos: “É injusto impor mais estresse às vítimas,
colocando-as na posição de ter que demonstrar sua proficiência em inglês para receber serviços que estão
prontamente disponíveis para outras mulheres vítimas de violência doméstica”[31]. O problema não é
facilmente descartado como uma ignorância bem intencionada. A questão específica do monolinguismo e a
visão monista da experiência das mulheres que prepararam o terreno para essa tragédia não foram novas
questões em Nova York. Na verdade, várias mulheres não-brancas relataram que lutaram repetidamente com
a Coalizão do Estado de Nova York contra a violência doméstica sobre a exclusão da linguagem e outras
práticas que marginalizavam os interesses das mulheres não-brancas[32]. No entanto, apesar do lobby
repetido, a Coalizão não atuou para incorporar as necessidades específicas das mulheres não-brancas em sua
visão organizacional central.

Alguns críticos vincularam o fracasso da Coalizão em abordar essas questões para a estreita visão de
coalizão que animou sua interação com mulheres não-brancas em primeiro lugar. A própria localização da sede
da Coalizão em Woodstock, Nova York — uma área onde poucas pessoas não-brancas vivem — parecia
garantir que as mulheres não-brancas desempenhassem um papel limitado na formulação de políticas. Além
disso, os esforços para incluir as mulheres não-brancas vieram, ao que parece, como algo de uma reflexão
tardia. Muitas foram convidadas a participar apenas depois que a Coalizão recebeu uma concessão pelo Estado
para recrutar mulheres não-brancas. No entanto, como uma “recruta” disse, “eles não estavam realmente
preparados para lidar conosco ou com nossos problemas. Eles pensaram que poderiam simplesmente nos
incorporar à sua organização sem repensar nenhuma das suas crenças ou prioridades e que seríamos
felizes”[33]. Mesmo os gestos mais formais de inclusão não deveriam ser considerados como garantidos. Em
22

uma ocasião em que várias mulheres não-brancas participaram de uma reunião para discutir uma força-tarefa
especial sobre mulheres não-brancas, o grupo debateu o dia inteiro, incluindo a questão na agenda[34].

A relação entre as mulheres brancas e as mulheres não-brancas no quadro foi difícil do início ao fim.
Outros conflitos desenvolvidos em diferentes definições do feminismo. Por exemplo, o Conselho decidiu
contratar um pessoal da equipe latina para gerenciar programas de divulgação para a comunidade latina, mas
os membros brancos do comitê de contratação rejeitaram os candidatos favorecidos pelos membros do comitê
latino que não possuíam credenciais feministas reconhecidas. Como Campos apontou, ao medir as latinas contra
suas próprias biografias, os membros brancos da Junta não conseguiram reconhecer as diferentes circunstâncias
sob as quais a consciência feminista se desenvolve e se manifesta dentro das comunidades minoritárias. Muitas
das mulheres entrevistadas para o cargo foram ativistas e líderes estabelecidas dentro de sua própria
comunidade, fato em si sugerindo que essas mulheres provavelmente estavam familiarizadas com a dinâmica
específica de gênero em suas comunidades e, portanto, estavam melhor qualificadas para lidar com o alcance
do que outras candidatas com credenciais feministas mais convencionais[35].

A Coalizão terminou alguns meses depois, quando as mulheres não-brancas saíram[36]. Muitas dessas
mulheres voltaram para as organizações comunitárias, preferindo lutar sobre as questões das mulheres dentro
de suas comunidades em vez de lutar por questões de raça e classe com mulheres brancas de classe média. No
entanto, como ilustrado pelo caso da latina que não encontrou abrigo, o domínio de uma perspectiva particular
e um conjunto de prioridades dentro da comunidade de refúgio continua a marginalizar as necessidades das
mulheres não-brancas.

A luta sobre a qual as diferenças importam e quais não são nem um debate abstrato nem insignificante
entre as mulheres. Na verdade, esses conflitos são mais do que diferenças como tal; levantam questões críticas
de poder. O problema não é simplesmente que as mulheres que dominam o movimento de antiviolência são
diferentes das mulheres não brancas, mas que frequentemente têm poder para determinar, seja através de
recursos materiais ou retóricos, se as diferenças interseccionais de mulheres não-brancas serão incorporadas na
formulação básica de políticas. Assim, a luta pela incorporação dessas diferenças não é um conflito
insignificante ou superficial sobre quem se sente à frente da mesa. No contexto da violência, às vezes é uma
questão mortal e séria de quem vai sobreviver — e quem não vai[37].

B. Interseccionalidades políticas no estupro


Nas seções anteriores, usei interseccionalidade para descrever ou enquadrar várias relações entre raça e
gênero. Utilizei a interseccionalidade como forma de articular a interação do racismo e do patriarcado em geral.
Eu também usei interseccionalidade para descrever a localização das mulheres não-brancas, tanto dentro dos
sistemas de subordinação sobrepostos quanto nas margens do feminismo e do antirracismo. Quando os fatores
de raça e gênero são examinados no contexto de estupro, a intersecção pode ser usada para mapear as formas
em que o racismo e o patriarcado moldaram conceituações de estupro, descrevem a vulnerabilidade única das
mulheres não-brancas a esses sistemas convergentes de dominação e rastreia a marginalização das mulheres
não-brancas dentro de discursos antirracistas e anti-estupro[38].

1. Racismo e sexismo nas conceituações dominantes de estupro

Gerações de críticos e ativistas criticaram conceituações dominantes de estupro como racistas e


sexistas. Esses esforços têm sido importantes para revelar a forma como as representações de estupro
refletem e reproduzem hierarquias de raça e gênero na sociedade americana[39]. As mulheres negras, tanto
23

mulheres como pessoas não brancas, estão situadas em ambos os grupos, cada uma das quais se beneficiou
de desafios para o sexismo e o racismo, respectivamente, e, no entanto, a dinâmica particular de gênero e
raça relacionada à violação de mulheres negras recebeu atenção escassa. Embora os ataques antirracistas e
antissexistas em estupro tenham sido politicamente úteis para as mulheres negras, em algum nível, as
críticas monofocais antirracistas e feministas também produziram um discurso político que diminui as
mulheres negras.

Historicamente, a conceituação dominante de estupro quintessencialmente como agressor negro e vítima


branca deixou os homens negros sujeitos a violência legal e extralegal. O uso de estupro para legitimar os
esforços para controlar e disciplinar a comunidade negra está bem estabelecida e o elenco de todos os homens
negros como ameaças potenciais à santidade da feminilidade branca foi uma construção familiar que
antirracistas enfrentaram e tentaram dissipar há mais de um século.

As feministas têm atacado outras concepções dominantes, essencialmente patriarcais, de estupro,


particularmente como representadas através da lei. A ênfase precoce da lei de estupro sobre o aspecto
semelhante à da propriedade da castidade das mulheres resultou em menor solicitude para as vítimas de estupro
cuja castidade havia sido de alguma forma desvalorizada. Alguns dos pressupostos mais insidiosos foram
escritos na lei, incluindo a noção de common law inicial de que uma mulher que alegou estupro deve ser capaz
de mostrar que ela resistiu ao máximo para provar que ela foi estuprada em vez de ter seduzido seu agressor.
As próprias mulheres foram julgadas, enquanto o juiz e o júri examinavam suas vidas para determinar se eram
vítimas inocentes ou mulheres que obtiveram essencialmente o que pediam. As regras legais funcionaram assim
para legitimar uma boa dicotomia mulher boa/mulher ruim em que as mulheres que levam vidas sexualmente
autônomas geralmente eram menos propensas a serem vindicadas se fossem estupradas.

Hoje, muito depois que as leis discriminatórias mais flagrantes foram erradicadas, as construções de
estupro no discurso popular e no direito penal continuam a manifestar vestígios desses temas racistas e
sexistas. Como Valerie Smith observa, “uma variedade de narrativas culturais que historicamente ligaram a
violência sexual com a opressão racial continua a determinar a natureza da resposta pública [aos estupros inter
raciais]”[40]. Smith analisa o caso bem divulgado de uma corredora que foi estuprada no Central Park de
Nova York[41] para expor como o discurso público sobre o assalto “tornou a história da vitimização sexual
inseparável da retórica do racismo”[42]. Smith afirma que, na desumanização dos estupradores como
“selvagens”, “lobos” e “bestas”, a imprensa “moldou o discurso em torno do evento de forma que inflamou
os medos penetrantes sobre homens negros”[43]. Dado os muitos paralelos entre os representantes dos meios
de comunicação do estupro de Central Park e a cobertura sensacionalista de alegações semelhantes que no
passado, frequentemente, culminaram em linchamentos, dificilmente poderia ser surpreendido quando Donald
Trump tirou um anúncio de página completa em quatro jornais de Nova York que exigiam que Nova York
“trouxesse de volta a pena de morte, traga nossa polícia”[44].

Outros espetáculos da mídia sugerem que os estereótipos tradicionais baseados em gênero que são
opressivos para as mulheres continuam a figurar na construção popular de estupro. Na Flórida, por exemplo,
uma controvérsia foi provocada pela absolvição do júri de um homem acusado de um estupro brutal porque,
de acordo com os jurados, a vestimenta da mulher sugeria que ela estava pedindo sexo[45]. Mesmo a cobertura
da imprensa sobre o julgamento de estupro de William Kennedy Smith envolveu um considerável grau de
especulação sobre a história sexual de seu acusador[46].
24

O racismo e o sexismo escritos na construção social do estupro são meramente manifestações


contemporâneas de narrativas de estupro que decorrem de um período histórico em que as hierarquias da raça
e do sexo foram mais policialmente explicitas. Ainda mais é a desvalorização das mulheres negras e a
marginalização de suas vítimas sexuais. Isso foi dramaticamente demonstrado na atenção especial dada ao
estupro da corredora do Central Park durante uma semana em que outros oito casos de estupro ou tentativa de
estupro foram relatados em Nova York[47]. Muitos desses estupros foram tão horríveis quanto o estupro no
Central Park, mas todos foram praticamente ignorados pela mídia. Alguns eram estupros feitos por gangues[48]
e no caso que os promotores descreveram como “um dos mais brutais nos últimos anos”, uma mulher foi
estuprada, sodomizada e jogada a cinquenta metros do topo de um prédio de quatro andares no Brooklyn.
Testemunhas afirmaram que a vítima “gritou enquanto mergulhava no poço do ar…. Ela sofreu fraturas de
tornozelos e pernas, sua pélvis foi quebrada e ela sofreu extensas lesões internas”[49]. Esta sobrevivente de
estupro, como a maioria das outras vítimas esquecidas naquela semana, era uma mulher não-branca.

Em suma, durante o período em que a corredora do Central Park dominou as manchetes, ocorreram muitos
estupros igualmente horripilantes. Nenhum, no entanto, provocou expressões públicas de horror e indignação
que assistiram ao estupro de Central Park[50]. Para explicar essas diferentes respostas, o Professor Smith sugere
uma hierarquia sexual em operação que mantém determinados corpos femininos em maior consideração do que
outros[51]. As estatísticas do processo de casos de estupro sugerem que esta hierarquia é pelo menos um fator
significativo, embora frequentemente negligenciado na avaliação de atitudes em relação ao estupro[52]. Um
estudo das disposições sobre estupro em Dallas, por exemplo, mostrou que a prisão média para um homem
condenado por estuprar uma negra era de dois anos[53], em comparação com cinco anos para o estupro de uma
latina e dez anos para o estupro de uma mulher branca[54]. Uma questão relacionada é o fato de que as vítimas
afro-americanas de estupro são menos propensas a serem acreditadas[55]. O estudo de Dallas e outros como
ele também apontam para um problema mais sutil: nem a agenda política anti estupro nem a antirracista se
concentraram na vítima negra de estupro. Esta desatenção decorre da forma como o problema do estupro é
conceitualizado dentro de discursos de reforma antirracista e anti-estupro. Embora a retórica de ambas as
agendas inclua formalmente as mulheres negras, o racismo geralmente não é problematizado no feminismo e o
sexismo, não é problematizado nos discursos antirracistas. Consequentemente, a situação das mulheres negras
é relegada a uma importância secundária: os principais beneficiários das políticas apoiadas por feministas e
outros preocupados com estupro tendem a ser mulheres brancas; as principais beneficiárias da preocupação da
comunidade negra com o racismo e o estupro, são homens negros. Em última análise, as estratégias reformistas
e retóricas que surgiram dos movimentos de reforma anti-estupro e antirracista foram ineficazes na politização
do tratamento das mulheres negras.

2. Raça e o lobby anti-estupro


As críticas feministas de estupro se concentraram na forma como a lei de estupro refletiu regras e
expectativas dominantes que regulam muito a sexualidade das mulheres. No contexto do julgamento de estupro,
a definição formal de estupro, bem como as regras de provas aplicáveis em um julgamento de estupro
discriminam as mulheres, medindo a vítima de estupro contra uma norma restrita de conduta sexual aceitável
para as mulheres. O desvio dessa norma tende a levar as mulheres como vítimas ilegítimas de estupro, levando
à rejeição de suas reivindicações.

Historicamente, as regras legais ditavam, por exemplo, que as vítimas de estupro deveriam ter resistido
a seus agressores para que suas reivindicações fossem aceitas. Qualquer redução da luta foi interpretada como
o consentimento da mulher para a relação sexual sob a lógica de que uma verdadeira vítima de estupro protege
25

sua honra virtualmente até a morte. Embora a maior resistência já não seja formalmente exigida, a lei de estupro
continua a pesar a credibilidade das mulheres contra os padrões normativos restritos do comportamento
feminino. A história sexual de uma mulher, por exemplo, é frequentemente explorada por advogados de defesa
como uma forma de sugerir que uma mulher que consentiu sexo em outras ocasiões provavelmente teria
consentido no caso em questão. A conduta sexual passada, bem como as circunstâncias
específicas que levaram ao estupro, costumam ser usadas para distinguir o caráter moral da vítima de estupro
legítima de mulheres que são consideradas degradadas moralmente ou, de outra forma, responsáveis por sua
própria vitimização.

Este tipo de crítica feminista da lei de estupro tem informado muitas das medidas de reforma
fundamentais promulgadas na legislação anti-estupro, incluindo penas aumentadas para estupradores
condenados[56] e mudanças nas regras de evidência para impedir ataques ao caráter moral da mulher[57].
Essas reformas limitam as táticas que os advogados podem usar para manchar a imagem da vítima de estupro,
mas eles operam dentro de construções sociais preexistentes que distinguem vítimas de não vítimas com base
em seu caráter sexual. E, portanto, essas reformas, embora benéficas, não desafiam as narrativas culturais de
fundo que prejudicam a credibilidade das mulheres negras.

Porque as mulheres negras enfrentam subordinação baseada em raça e gênero, as reformas da lei de
estupro e os procedimentos judiciais que se baseiam em concepções estreitas de subordinação de gênero podem
não abordar a desvalorização das mulheres negras. Grande parte do problema resulta da forma como certas
expectativas de gênero para as mulheres se cruzam com certas noções sexualizadas de raça, noções que estão
profundamente enraizadas na cultura americana. As imagens sexualizadas de afro americanos vão todo o
caminho de volta ao primeiro compromisso dos europeus com os africanos. Os negros têm sido retratados como
mais sexuais, mais terrenos, mais orientados para a gratificação. Essas imagens sexualizadas de raça se cruzam
com as normas da sexualidade das mulheres, normas que são usadas para distinguir as boas mulheres das do
mal, as madonnas das putas. Assim, as mulheres negras são essencialmente pré-embaladas como mulheres
ruins dentro de narrativas culturais sobre mulheres boas que podem ser estupradas e mulheres ruins que não
podem. O descrédito das reivindicações das mulheres negras é a consequência de uma intersecção complexa
de um sistema sexual de gênero, que constrói regras apropriadas para mulheres boas e más e um código de raça
que fornece imagens que definem a natureza supostamente essencial das mulheres negras. Se essas imagens
sexuais formam parte mesmo das imagens culturais das mulheres negras, a própria representação de um corpo
feminino negro sugere, pelo menos, certas narrativas que podem fazer do estupro das mulheres negras menos
credível ou menos importante. Essas narrativas podem explicar por que os estupros de mulheres negras são
menos propensos a resultar em condenações e longas penas de prisão do que os estupros de mulheres
brancas[58].

As medidas de reforma da lei do estupro que, de alguma forma, não se envolvem e desafiam as narrativas
que são lidas nos corpos das mulheres negras, provavelmente não afetarão a maneira como as crenças culturais
oprimem as mulheres negras em julgamentos de estupro. Embora o grau em que a reforma legal possa desafiar
diretamente as crenças culturais que moldam os ensaios de estupro é limitado[59], o grande esforço para
mobilizar recursos políticos para enfrentar a opressão sexual das mulheres negras pode ser um primeiro passo
importante para atrair maior atenção para o problema. Um obstáculo a tal esforço foi o fracasso da maioria dos
ativistas anti estupros em analisar especificamente as consequências do racismo no contexto do estupro. Na
ausência de uma tentativa direta de abordar as dimensões raciais do estupro, as mulheres negras são
simplesmente presumidas para serem representadas e beneficiadas pelas críticas feministas prevalecentes.
26

3.Antirracismo e estupro
As críticas antirracistas da lei de estupro se concentram em como a lei opera principalmente para
condenar estupros de mulheres brancas por homens negros[60]. Embora a maior preocupação com a proteção
das mulheres brancas contra os homens negros tenha sido criticada principalmente como uma forma de
discriminação contra os homens negros[61], isso também reflete desvalorização das mulheres negras[62]. Este
desrespeito pelas mulheres negras resulta de um foco exclusivo nas consequências do problema para os homens
negros[63]. É claro que as acusações de estupro historicamente forneceram uma justificativa para o terrorismo
branco contra a comunidade negra, gerando um poder de legitimação de tal força que criou um véu
praticamente impenetrável para atrair tanto a humanidade quanto o fato[64]. Ironicamente, enquanto o medo
do estuprador negro era explorado para legitimar a prática do linchamento, o estupro não era nem mesmo
alegado na maioria dos casos[65]. O medo bem desenvolvido da sexualidade negra serviu principalmente para
aumentar a tolerância branca ao terrorismo racial como uma medida profilática para manter os negros sob
controle[66]. Dentro da comunidade afro-americana, casos envolvendo acusações baseadas na raça contra os
homens negros ficaram como características da injustiça racial. A acusação dos meninos de Scottsboro[67] e
a tragédia de Emmett Till[68], por exemplo, desencadeou a resistência afro-americana aos rígidos códigos
sociais da supremacia branca[69]. Na medida em que o estupro das mulheres negras é pensado para dramatizar
o racismo, geralmente é lançado como um assalto à masculinidade negra, demonstrando sua incapacidade de
proteger as mulheres negras. O assalto direto à feminilidade negra é menos frequentemente visto como um
assalto à comunidade negra[70].

As políticas sexuais que esta leitura limitada de racismo e estupro engendram continua a se desempenhar
hoje, conforme ilustrado pelo julgamento de estupro de Mike Tyson. O uso da retórica antirracista para
mobilizar o apoio para Tyson representou uma prática contínua de ver com considerável suspeita de violar
acusações contra homens negros e interpretar o racismo sexual através de um quadro centrado no homem. A
experiência histórica dos homens negros ocupou tão completamente as concepções dominantes de racismo e
estupro que há pouco espaço para espremer as experiências das mulheres negras. Consequentemente, a
solidariedade racial foi continuamente criada como um ponto de reunião em nome de Tyson, mas nunca em
nome de Desiree Washington, a acusadora negra de Tyson. Líderes que vão de Benjamin Hooks a Louis
Farrakhan expressaram seu apoio a Tyson[71], mas nenhum líder negro expressou qualquer preocupação com
Washington. O fato dos homens negros terem sido falsamente acusados de estuprar mulheres brancas está
subjacente à defesa antirracista de homens negros acusados de estupro, mesmo quando a acusadora é uma
mulher negra.

Como resultado desta ênfase contínua na sexualidade masculina negra como a questão central das críticas
antirracistas ao estupro, as mulheres negras que criam reivindicações de estupro contra homens negros não são
apenas desconsideradas, mas também às vezes se vilipendiam na comunidade afro-americana. Pode-se
imaginar apenas a alienação experimentada por uma sobrevivente de estupro negra, como Desiree Washington,
quando o violador acusado é abraçado e defendido como vítima de racismo enquanto ela é, na melhor das
hipóteses, desconsiderada e, na pior das hipóteses, condenada ao ostracismo e ridicularizada. Em contraste,
Tyson foi o beneficiário da longa prática de usar a retórica antirracista para desviar a lesão sofrida por mulheres
negras vítimas de homens negros. Alguns defenderam o apoio dado a Tyson com o argumento de que todos os
afro-americanos podem facilmente imaginar seus filhos, pais, irmãos ou tios sendo injustamente acusados de
estupro. No entanto, filhas, mães, irmãs e tias também merecem pelo menos uma preocupação semelhante, uma
vez que as estatísticas mostram que as mulheres negras são mais propensas a serem estupradas do que os
homens negros de serem falsamente acusados. Dada a magnitude da vulnerabilidade das mulheres negras à
27

violência sexual, não é razoável esperar muita preocupação com as mulheres negras que são estupradas, como
é expressado para os homens acusados de estuprar.

Os líderes negros não estão sozinhos na falta de simpatizar com as vítimas negras de estupro ou se
reunirem em torno delas. Na verdade, algumas mulheres negras estavam entre os mais firmes apoiantes de
Tyson e os críticos mais severos de Washington[72]. A mídia notou amplamente a falta de simpatia que as
mulheres negras tinham para Washington; Barbara Walters usou a observação como uma forma de desafiar a
credibilidade de Washington, chegando a pressionar Washington a uma reação[73]. A revelação mais
preocupante foi que muitas das mulheres que não apoiaram Washington também duvidaram da história de
Tyson. Essas mulheres não simpatizavam com Washington porque acreditavam que Washington não tinha o
que estar fazendo no quarto de hotel de Tyson às 2:00 da manhã. Uma jovem negra apresentou uma resposta
típica: “Ela pediu por isso, ela entendeu a situação, não é justo chorar afirmando ser estupro agora”[74].

De fato, algumas das mulheres que expressaram seu desdém em Washington reconheceram que
enfrentaram a ameaça de agressão sexual quase que diariamente[75]. No entanto, pode ser precisamente essa
ameaça — juntamente com a ausência relativa de estratégias retóricas que desafiam a subordinação sexual das
mulheres negras — que animaram suas duras críticas. Nesse sentido, as mulheres negras que condenaram
Washington eram bem como todas as outras mulheres que procuram distanciar-se das vítimas de estupro como
forma de negar sua própria vulnerabilidade. Os promotores que lidam com casos de agressão sexual
reconhecem que muitas vezes excluem as mulheres como potenciais jurados porque as mulheres tendem a
empatizar o mínimo com a vítima[76]. Identificar-se de perto com a vitimização pode revelar sua própria
vulnerabilidade[77]. Por conseguinte, as mulheres muitas vezes procuram provas de que a vítima trouxe o
estupro para si mesma, geralmente, quebrando regras sociais que, em geral, são válidas apenas para as
mulheres. E quando as regras classificam as mulheres como idiotas, liberadas ou fracas, por um lado, e
inteligentes, discriminantes e fortes, por outro lado, não é surpreendente que as mulheres que não conseguem
se afastar das regras para criticá-las tentam se validar dentro delas. A posição da maioria das mulheres negras
sobre esta questão é particularmente problemática, em primeiro lugar, pela medida em que elas são
consistentemente lembradas de que elas são o grupo mais vulnerável à vitimização sexual e, segundo, porque
a maioria das mulheres negras compartilha a resistência genérica da comunidade afro-americana à análise
explicitamente feminista quando parece correr contra as narrativas de longa data que constroem homens negros
como as principais vítimas do racismo sexual.

C. Estupro e Interseccionalidade nas Ciências Sociais


A marginalização das experiências das mulheres negras nas críticas antirracistas e feministas da lei do
estupro é facilitada por estudos de ciências sociais que não examinam as formas em que o racismo e o sexismo
convergem. Gary LaFree’s Rape and Criminal Justice: The Social Construction of Sexual Assault[78] é um
exemplo clássico. Através de um estudo de processos de estupro em Minneapolis, LaFree tenta determinar a
validade de duas reivindicações prevalecentes em relação a processos de estupro. A primeira afirmação é que
os acusados negros enfrentam uma discriminação racial significativa[79]. O segundo é que as leis de estupro
servem para regular a conduta sexual das mulheres, rejeitando às vítimas de estupro a capacidade de invocar
a lei de agressão sexual quando elas se envolvem em comportamentos não tradicionais[80]. O estudo
convincente de LaFree conclui que a lei constrói estupros de formas que continuam a manifestar a dominação
racial e de gênero[81]. Embora as mulheres negras sejam postas como vítimas tanto do racismo quanto do
sexismo que LaFree tão persuasivamente detalha, sua análise é menos iluminadora do que se poderia esperar
porque as mulheres negras caíram nas fendas de seu quadro teórico dicotômico.
28

1.Dominação racial e estupro


LaFree confirma os resultados de estudos anteriores que mostram que a raça é um determinante
significativo na disposição final dos casos de estupro. Ele descobre que os homens negros acusados de
estuprar mulheres brancas foram tratados de forma mais severa, enquanto os agressores negros acusados de
estuprar mulheres negras foram tratados de forma muito indulgente[82]. Esses efeitos eram verdadeiros
mesmo depois de controlar outros fatores, como ferimento da vítima e conhecimento entre vítima e agressor.

Em comparação com outros réus, os negros suspeitos de estuprar mulheres brancas receberam acusações
mais graves, eram mais propensos a ter seus casos arquivados como delitos graves, eram mais propensos a
receber sentenças de prisão se condenados, eram mais propensos a serem presos na penitenciária estadual
(em oposição a uma prisão ou facilidade de segurança mínima) e recebeu sentenças mais longas em
média[83].

As conclusões de LaFree de que os homens negros são punidos de forma diferenciada dependendo da
raça da vítima não contribuem muito para entender a situação das negras vítimas de estupro. Parte do problema
reside no uso que o autor faz da teoria da “estratificação sexual”, que postula tanto que as mulheres são
valoradas de forma diferente de acordo com sua raça e que existem certas “regras de acesso sexual” que
governam quem pode ter contato sexual com quem nesse mercado de sexo estratificado[84]. De acordo com a
teoria, os homens negros são discriminados na medida em que seu “acesso” forçado a mulheres brancas é mais
severamente penalizado do que seu “acesso” forçado a mulheres negras[85]. A análise de LaFree centra-se na
rígida regulação do acesso dos homens negros a mulheres brancas, mas não diz respeito à subordinação relativa
das mulheres negras às mulheres brancas. A ênfase no acesso diferencial às mulheres é consistente com
perspectivas analíticas que consideram o racismo principalmente em termos da desigualdade entre os homens.
A partir desse ponto de vista prevalecente, o problema da discriminação é que os homens brancos podem
estuprar mulheres negras com relativa impunidade, enquanto os homens negros não podem fazer o mesmo
com as mulheres brancas[86]. As mulheres negras são consideradas vítimas de discriminação apenas na medida
em que os homens brancos podem estuprá-las sem medo de uma punição significativa. Em vez de serem vistas
como vítimas de discriminação por direito próprio, elas se tornam apenas os meios pelos quais a discriminação
contra os homens negros pode ser reconhecida. O resultado inevitável dessa orientação é que os esforços para
combater a discriminação tendem a ignorar a posição particularmente vulnerável das mulheres negras, que
devem enfrentar o viés racial e desafiar seu status como instrumentos, em vez de beneficiárias, da luta pelos
direitos civis.

Onde a discriminação racial é enquadrada pela LaFree principalmente em termos de competição entre
homens negros e brancos sobre mulheres, o racismo experimentado por mulheres negras só será visto em termos
de acesso masculino branco a elas. Quando os estupros de mulheres negras por homens brancos forem
eliminados como um fator na análise, seja por razões estatísticas ou outras, a discriminação racial contra as
mulheres negras já não importa, uma vez que a análise de LaFree envolve a comparação do “acesso” de homens
brancos e negros a mulheres brancas[87]. No entanto, as mulheres negras não são discriminadas, simplesmente
porque os homens brancos podem estuprá las com pouca sanção e ser punidos menos do que homens negros
que estupram mulheres brancas ou porque homens brancos que as estupram não são punidos do mesmo modo
que homens brancos que estupram mulheres brancas. As mulheres negras também são discriminadas porque o
estupro intraracial de mulheres brancas é tratada mais seriamente do que o estupro intraracial de mulheres
negras. Mas a proteção diferencial que as mulheres negras e brancas recebem contra estupro intraracial não é
vista como racista porque o estupro intraracial não envolve uma disputa entre homens negros e brancos. Em
29

outras palavras, a forma como o sistema de justiça criminal trata estupros de mulheres negras por homens
negros e estupros de mulheres brancas por homens brancos não é vista como questões de racismo porque
homens negros e brancos não estão envolvidos com as mulheres do outro.

Em suma, as mulheres negras que são estupradas são discriminadas racialmente porque seus
estupradores, sejam negros ou brancos, são menos propensos a serem acusados de estupro e, quando acusados
e condenados, são menos propensos a receber uma pena de prisão significativa do que os estupradores de
mulheres brancas. E enquanto a teoria da estratificação sexual postula que as mulheres são estratificadas
sexualmente por raça, a maioria das aplicações da teoria se concentra na desigualdade de agentes masculinos
de estupro e não na desigualdade de vítimas de estupro, prejudicando assim o tratamento racista das mulheres
negras ao retratar o racismo de forma consistente em termos do poder relativo de homens negros e brancos.
Para entender e tratar a vitimização das mulheres negras como consequência do racismo e do sexismo, é
necessário afastar a análise do acesso diferencial dos homens e mais para a proteção diferencial das mulheres.
Ao longo de sua análise, LaFree não consegue fazê lo. Sua tese de estratificação sexual — em particular, o
foco no poder comparativo dos agentes masculinos de estupro — ilustra a inclinação da marginalização das
mulheres negras em políticas antirracistas é replicada na pesquisa em ciências sociais. De fato, a tese deixa
incompatível a subordinação racista de objetos menos valiosos (mulheres negras) a objetos mais valiosos
(mulheres brancas) e perpetua o tratamento sexista das mulheres como extensões de propriedade de “seus”
homens.

2. Estupro e subordinação de gênero


Embora LaFree tente abordar as preocupações de mulheres relacionadas ao gênero em sua discussão de
estupro e controle social das mulheres, sua teoria da estratificação sexual não se concentra suficientemente
nos efeitos da estratificação em mulheres[88]. LaFree usa explicitamente uma estrutura que trata a raça e o
gênero como categorias separadas, não dando nenhuma indicação de que as mulheres negras podem cair entre
ou dentro de ambas. O problema com a análise de LaFree não está em suas observações individuais, que
podem ser perspicazes e precisas, mas na falta de conectá-las e desenvolver uma perspectiva mais ampla e
profunda. Sua estrutura de duas faixas faz uma interpretação estreita dos dados porque deixa intacta a
possibilidade de que essas duas faixas se cruzem. E são aqueles que residem na intersecção de discriminação
de gênero e raça — mulheres negras — que sofrem com essa supervisão fundamental.

LaFree tenta testar a hipótese feminista de que “a aplicação da lei a mulheres ‘não conformistas’ em
casos de estupro pode servir para controlar o comportamento de todas as mulheres”[89]. Este inquérito é
importante, seja explicado, porque “se as mulheres que violam os papéis sexuais tradicionais e são estupradas
não conseguem obter justiça através do sistema legal, a lei pode ser interpretada como um arranjo institucional
para reforçar a conformidade do papel das mulheres”[90]. Ele acha que “as absolvições eram mais comuns e
as sentenças finais eram mais curtas quando o comportamento das vítimas não tradicionais era alegado”[91].
Assim, LaFree conclui que o caráter moral da vítima era mais importante que o ferimento de vítima e ficou em
segundo lugar apenas para o personagem do réu. No geral, 82,3% dos casos tradicionais de vítimas resultaram
em condenações e sentenças médias de 43,38 meses[92]. Apenas 50% dos casos de vítimas não-tradicionais
levaram a condenações, com prazo médio de 27,83 meses[93]. Os efeitos do comportamento tradicional e não
tradicional das mulheres negras são difíceis de determinar a partir das informações fornecidas e devem ser
inferidos dos comentários de passagem da LaFree. Por exemplo, LaFree observa que as vítimas negras foram
divididas uniformemente entre os papéis de gênero tradicionais e não-tradicionais. Esta observação, juntamente
com a menor taxa de condenação para os homens acusados de estupros dos negros, sugere que o
30

comportamento do papel de gênero não era tão significativo na determinação da disposição do caso quanto aos
casos envolvendo vítimas brancas. Na verdade, LaFree observa explicitamente que “a raça da vítima foi …
um importante profeta das avaliações de casos de jurados”[94].

Os jurados eram menos propensos a acreditar na culpa de um réu quando a vítima era negra. Nossas
entrevistas com jurados sugeriram que parte da explicação para este efeito foi que os jurados… foram
influenciados por estereótipos de mulheres negras como mais propensas a consentir sexo ou como mais
sexualmente experientes e, portanto, menos prejudicadas por estupro. Em um caso envolvendo o estupro de
uma jovem negra, um jurado argumentou por absolvição com o argumento de que uma garota de sua idade
de “esse tipo de bairro” provavelmente não era virgem de qualquer maneira[95].

A LaFree também observa que “outros jurados simplesmente estavam menos dispostos a acreditar no
testemunho de denunciantes negros”[96]. Um jurado branco é citado dizendo: “Os negros têm uma maneira
de não dizer a verdade. Eles têm uma habilidade para colorir a história. Então você sabe que você não pode
acreditar em tudo o que eles dizem”[97].

Apesar da evidência explícita de que a raça da vítima é significativa na determinação da disposição dos
casos de estupro, LaFree conclui que a lei de estupro funciona para penalizar o comportamento não tradicional
de mulheres[98]. LaFree não observa que a identificação racial pode, por si só, servir de proxy para o
comportamento não tradicional. A lei do estupro, isto é, serve não só para penalizar exemplos reais de
comportamento não tradicional, mas também para diminuir e desvalorizar as mulheres que pertencem a grupos
em que o comportamento não tradicional é percebido como comum. Para a vítima negra de estupro, a
disposição de seu caso geralmente pode reduzir seu comportamento do que a sua identidade. LaFree perdeu o
argumento de que, embora as mulheres brancas e negras tenham compartilhado interesses em resistir
totalmente à dicotomia madonna/prostituta, elas, no entanto, experimentam seu poder opressivo de maneira
diferente. As mulheres negras continuam a ser julgadas por quem são, não pelo que fazem.

3.Compondo a marginalização do estupro


A LaFree oferece evidências claras de que a hierarquia racial/sexual subordina mulheres negras a
mulheres brancas, bem como a homens, tanto negros como brancos. No entanto, os diferentes efeitos da lei de
estupro sobre mulheres negras são pouco mencionados nas conclusões da LaFree. Em uma seção final, LaFree
trata a desvalorização das mulheres negras como uma suposição, sem ramificações aparentes para a lei de
estupro. Ele conclui: “O tratamento mais severo de delinquentes negros que estupram mulheres brancas (ou,
nesse caso, o tratamento mais ameno de ofensores negros que estupram mulheres negras) provavelmente é
melhor explicado em termos de discriminação racial dentro de um contexto mais amplo de segregação social
e física contínua entre negros e brancos”[99]. Implícito em todo o estudo de LaFree é o pressuposto de que
negros que são submetidos ao controle social são homens negros. Além disso, o controle social a que ele se
refere limita-se a garantir os limites entre homens negros e mulheres brancas. Sua conclusão de que os
diferenciais de raça são melhor compreendidos no contexto da segregação social, bem como a sua ênfase nas
implicações inter-raciais da aplicação de fronteiras ignoram a dinâmica intraracial de raça e subordinação de
gênero. Quando os homens negros são indulgentemente castigados por estuprar mulheres negras, o problema
não é “melhor explicado” em termos de segregação social, mas em termos de desvalorização racial e de gênero
das mulheres negras. Ao não examinar as raízes sexistas de castigos tão indulgentes, LaFree e outros escritores
sensíveis ao racismo repetem ironicamente os erros daqueles que ignoram a raça como fator nesses casos.
Ambos os grupos não consideram diretamente a situação das mulheres negras.
31

Estudos como o de LaFree fazem pouco para iluminar como a interação de comportamento racial, de
classe e não tradicional afeta a disposição de casos de estupro envolvendo mulheres negras. Esse descuido é
especialmente preocupante, dado que muitos casos envolvendo mulheres negras são descartados[100]. Mais
de 20% das queixas de estupro foram recentemente rejeitadas como “infundadas” pelo Departamento de
Polícia de Oakland, que nem sequer entrevistaram muitas, senão a maioria, das mulheres envolvidas[101].
Não coincidentemente, a grande maioria das queixosas eram negras e pobres; muitos delas eram
toxicodependentes ou prostitutas[102]. Explicando o seu fracasso em perseguir essas queixas, a polícia
observou que “esses casos foram irremediavelmente manchados por mulheres que são transitórias, não
cooperativas, falsas ou não credíveis como testemunhas no tribunal”[103].

O esforço para politizar a violência contra as mulheres fará pouco para abordar as experiências das
mulheres negras e outras não-brancas, até que as ramificações da estratificação racial entre as mulheres sejam
reconhecidas. Ao mesmo tempo, a agenda antirracista não será promovida pela supressão da realidade da
violência intraracial contra as mulheres não-brancas. O efeito de ambas as marginalizações é que as mulheres
não-brancas não possuem meios prontos para vincular suas experiências com as de outras mulheres. Essa
sensação de isolamento compõe os esforços para politizar a violência sexual nas comunidades não-brancas e
permite o silêncio mortal em torno dessas questões.

D. Implicações
Com relação ao estupro de mulheres negras, raça e gênero convergem de maneiras que são apenas
vagamente entendidas. Infelizmente, os quadros analíticos que tradicionalmente informaram as agendas anti-
estupro e antirracista tendem a se concentrar apenas em questões únicas. Eles são, portanto, incapazes de
desenvolver soluções para a marginalização composta das vítimas das mulheres negras, que, mais uma vez,
caem no vazio entre as preocupações com as questões das mulheres e as preocupações com o racismo. Esse
dilema é complicado pelo papel que as imagens culturais desempenham no tratamento das vítimas das mulheres
negras. Ou seja, os aspectos mais críticos desses problemas podem girar menos em torno das agendas políticas
de grupos separados de raça e gênero e mais sobre a desvalorização social e cultural das mulheres não-brancas.
As histórias que nossa cultura conta sobre a experiência das mulheres não-brancas apresentam outro desafio
— e uma oportunidade adicional — de aplicar e avaliar a utilidade da crítica intersetorial.

Referências e notas de rodapé:

[1] A maioria das estatísticas da criminalidade são classificadas por sexo ou raça, mas nenhuma é
classificada por sexo e raça. Porque sabemos que a maioria das vítimas de estupro são mulheres, a repartição
racial revela, na melhor das hipóteses, as taxas de estupro de mulheres negras. No entanto, mesmo tendo
essa vantagem, as taxas para outras mulheres não-brancas são difíceis de coletar. Embora existam algumas
estatísticas para as latinas, as estatísticas das mulheres asiáticas e nativas americanas são praticamente
inexistentes. Cj G. Chezia Carraway, Violence Against Women of Color, 43 STAN. L. REV. 1301 (1993).

[2] NOTA DA TRADUÇÃO: No original, é utilizado a expressão “brown community” e por falta de melhor
palavra similar, traduzo como ‘marrom’. Faço isso pensando nas possibilidades de tradução: 1. Não branca;
2. Mulata; e 3. Marrom. Não é adequado o uso da palavra “não-branca” nesse contexto, pois “brown”
indicaria pessoas de tons de peles mais escuras e não apenas qualquer pessoa que não seja branca, ou seja,
é um grupo um pouco mais específico. Não é adequado o termo “mulata” devido a origem de sua palavra,
32

que significa “mula”, em que a mula é o produto do cruzamento do cavalo com a burra, fazendo uma
referência histórica ao filho de branco com negra, ou seja, contém um teor pejorativo. Logo, o termo
“marrom” que indicaria um grupo específico de pessoas de tons de pele mais escuros e sem qualquer tom
pejorativo é considerado ideal.

[3] SHAHRAZAD ALI, THE BLACKMAN’S GUIDE TO UNDERSTANDING THE BLACKWOMAN


(1989). O livro de Ali vendeu bastante bem para um título publicado de forma independente, uma realização
sem dúvida devido em parte às suas aparições nos programas de entrevistas de televisão Phil Donahue, Oprah
Winfrey e Sally Jesse Raphael. Para reações públicas e de imprensa, veja Dorothy Gilliam, Sick, Distorted
Thinking, Wash. Post, Oct. 11, 1990, at D3; Lena Williams, Black Woman’s Book Starts a Predictable Storm,
N.Y. Times, Oct. 2, 1990, at Cl1; veja também PEARL CLEAGUE, MAD AT MILES: A BLACK WOMAN’S
GUIDE TO TRUTH (1990). O título, claramente chamado de Ali, Mad at Miles responde não apenas às
questões levantadas pelo livro de Ali, mas também à admissão de Miles Davis em sua autobiografia, Miles:
The Autobiography (1989), que ele abusou fisicamente, entre outras mulheres, de sua ex esposa, atriz Cicely
Tyson.

[4] Shahrazad Ali sugere que “[a mulher negra] certamente não acredita que seu desrespeito pelo homem
negro seja destrutivo, nem que sua oposição a ele tenha deteriorado a nação negra”. S. ALI, supra nota 37,
na viii. Culpando os problemas da comunidade sobre o fracasso da mulher negra em aceitar sua “definição
real”, Ali explica que “nenhuma nação pode crescer quando a ordem natural do comportamento do mal e da
mulher foi alterada contra seus desejos por força. Nenhuma espécie pode sobreviver se a fêmea do gênero
perturbe o equilíbrio de sua natureza agindo diferente de si mesma”. Id. Em 76.

[5] Ali aconselha homens negros a acertar a mulher negra na boca, “porque é daquele buraco, na parte inferior
do rosto, que toda a sua rebelião culmina em palavras. Sua língua desenfreada é uma razão principal pela qual
ela não pode se dar bem com o homem negro. Ela geralmente precisa de um lembrete. “Id., Em 169. Ali
adverte que “se [a mulher negra] ignora a autoridade e a superioridade do homem negro, há uma penalidade.
Quando ela cruza essa linha e se torna insultante e viciosa, é hora do homem negro dar uma bofetada na boca.”
Id.
[6] Ali explica que “com pesar, algumas mulheres negras querem ser controladas fisicamente pelo homem
negro”. Id. Em 174. “A mulher negra, no fundo do coração”, revela Ali, “quer render-se, mas quer ser
coagida”. Id. Em 72. “[A mulher negra] quer [o homem negro] se levante e defenda-se, mesmo que isso
signifique que ele tenha que derrubá-la no caminho para fazê-lo. Isso é necessário sempre que a mulher negra
sai da proteção do comportamento feminino e entra no perigoso domínio do desafio masculino”. Id. Em 174.

[7] Ali ressalta que “o homem negro sendo o número 1 e a mulher negra sendo o número 2 é outra lei absoluta
da natureza. O homem negro foi criado primeiro, ele tem antiguidade. E a mulher negra foi criada segundo.
Ele é o primeiro. Ela é segunda. O homem negro é o começo e todos os outros vêm dele. Todos na terra sabem
disso exceto a mulher negra”. Id. Em 67.

[8] A este respeito, os argumentos de Ali têm muito em comum com os dos neoconservadores que atribuem
muitos dos males sociais que atormentam a América negra à ruptura dos valores familiares patriarcais. Veja,
por exemplo, William Raspberry, We Are to Rescue American Families, We Have to Save the Boys, Chicago
Trib., July 19, 1989, at Cl5; George F. Will, Voting Rights Won’t Fix It, Wash. Post, Jan. 23, 1986, at A23;
George F. Will, “White Racism” Doesn’t Make Blacks Mere Victims of Fate, Milwaukee J., Feb. 21, 1986, at
33

9. O argumento de Ali compartilha semelhanças notáveis com o controverso “Relatório Moynihan” sobre a
família negra, assim chamado porque o autor principal dele era o senador Daniel P. Moynihan (D-N.Y.). No
capítulo infame intitulado “O emaranhado da patologia”, Moynihan argumentou que

a comunidade negra foi forçada a uma estrutura matriarcal que, por estar tão fora do alcance do resto da
sociedade americana, atrasa seriamente o progresso do grupo como inteiro, e impõe uma carga esmagadora
para o homem negro e, consequentemente, em muitas mulheres negras também.

OFFICE OF POLICY PLANNING AND RESEARCH, U.S. DEPARTMENT OF LABOR, THE NEGRO
FAMILY: THE CASE FOR NATIONAL ACTION 29 (1965), reprinted in LEE RAINWATER & WILLIAM
L. Y ANCEY, THE MOYNIHAN REPORT AND THE POLITICS OF CONTROVERSY 75 (1967). Uma
tempestade de controvérsia se desenvolveu sobre o livro, embora alguns comentaristas tenham desafiado o
patriarcado incorporado na análise. Bill Moyers, então jovem ministro e redator de discursos para o presidente
Johnson, acreditou firmemente que a crítica dirigida a Moynihan era injusta. Cerca de 20 anos depois, Moyers
ressuscitou a tese de Moynihan em um programa de televisão especial, The Vanishing Family: Crisis in Black
America (CBS television broadcast, Jan. 25, 1986). O show foi exibido em janeiro de 1986 e apresentou vários
homens e mulheres afro-americanos que se tornaram pais, mas estavam dispostos a se casar. Arthur Unger,
Hard-hitting Special About Black Families, Christian Sei. Mon., Jan. 23, 1986, at 23. Muitos viram o show de
Moyers como uma reivindicação de Moynihan. O presidente Reagan aproveitou a oportunidade para
apresentar uma iniciativa para renovar o sistema de assistência social uma semana após o programa ser exibido.
Michael Barone, Poor Children and Politics, Wash. Post, Feb. 10, 1986, at AI. Disse um funcionário, “Bill
Moyers fez seguro para as pessoas falarem sobre esta questão, a desintegração da estrutura da família negra”.
Robert Pear, President Reported Ready to Propose Overhaul of Social Welfare System, N.Y. Times, Feb. 1,
1986, at A12. Os críticos da tese de Moynihan/Moyers argumentaram que os bodes expiatórios da família
negra geralmente e das mulheres negras em particular. Para uma série de respostas, veja Scapegoating the
Black Family, NATION, July 24, 1989 (Edição especial, editada por Jewell Handy Gresham e Margaret B.
Wilkerson, com contribuições de Margaret Bumham, Constance Clayton, Dorothy Height, Faye Wattleton e
Marian Wright Edelman). Para uma análise do endosso da mídia sobre a tese de Moynihan/Moyers, veja CARL
GINSBURG, RACE AND MEDIA: THE ENDURING LIFE OF THE MOYNIHAN REPORT (1989).

[9] A violência doméstica relaciona-se diretamente com questões que mesmo aqueles que se inscrevem na
posição de Ali também devem se preocupar. A condição socioeconômica dos homens negros tem sido uma
preocupação central. As estatísticas recentes estimam que 25% dos homens negros dos vinte anos estão
envolvidos nos sistemas de justiça criminal. Veja David O. Savage, Young Black Males in Jail or in Court
Contrail Study Says, L.A. Times, Feb. 27, 1990, at AI; Newsday, Feb. 27, 1990, at 15; Study Shows Racial
Imbalance in Penal System, N.Y. Times, Feb. 27, 1990, at AIS. Pensaríamos que os vínculos entre a violência
no lar e a violência nas ruas só poderiam convencer aqueles como Ali a concluir que a comunidade afro-
americana não pode se permitir violência doméstica e valores patriarcais que o sustentam.

[10] Um problema premente é a forma como a violência doméstica se reproduz nas gerações subsequentes.
Estima-se que os meninos que testemunham violência contra as mulheres são dez vezes mais propensos a bater
em mulheres parceiras quando adultos. Women and Violence: Hearings Before the Senate Comm. 011 the
Judiciary 011 Legislation to Reduce the Growing Problem of Violent Crime Against Women, 101st Cong., 2d
Sess., pt. 2, at 89 (1991) [hereinafter Hearings 011 Violent Crime Against Women] (testemunho de Charlotte
Fedders). Outros problemas associados aos meninos que testemunham violência contra mulheres incluem
34

taxas mais altas de suicídio, assalto violento, agressão sexual e consumo de álcool e drogas. Ld., Pt. 2, em 13
(declaração de Sarah M. Buel, Assistant District Attorney, Massachusetts, and Supervisor,
Harvard Law School Battered Women’s Advocacy Project).

[11] Id. em 142 (Declaração de Susan Kelly-Dreiss) (Discutindo vários estudos na Pensilvânia ligando
o sem-abrigo à violência doméstica).

[12] Id. em 143 (Declaração de Susan Kelly-Dreiss).

[13] Outro exemplo histórico inclui Eldridge Cleaver, que argumentou que ele estuprou mulheres brancas
como um assalto à comunidade branca. Cleaver “praticou” com as mulheres negras primeiro. ELDRIDGE
CLEAVER, Soul. ON ICE 14–15 (1968). Apesar da aparência de misoginia em ambos os trabalhos, cada um
professa adorar as mulheres negras como “rainhas” da comunidade negra. Esta “subordinada da rainha” é
paralela à imagem da “mulher em um pedestal” contra a qual as feministas brancas haviam vedado. Porque as
mulheres negras foram negadas o status do pedestal dentro da sociedade dominante, a imagem da rainha
africana tem algum apelo a muitas mulheres afro-americanas. Embora não seja uma posição feminista, existem
maneiras significativas em que a promulgação da imagem contesta diretamente os efeitos interseccionais do
racismo e do sexismo que negaram a mulher afro-americana uma posição elevada na “gaiola dourada”.

[14] ALICE W ALKER, THE COLOR PURPLE (1982), A crítica mais severa de Walker se desenvolveu
depois que o livro foi feito um filme. Donald Bogle, um historiador do filme, argumentou que parte da crítica
do filme decorria do retrato unidimensional de Mister, o homem abusivo. Veja Jacqueline Trescott, Passions
Over Purple; Anger and Unease Over Film: Depiction of Black Men, Wash. Post, Feb. 5, 1986, at CI. Bogle
argumenta que, na novela, Walker ligou a conduta abusiva de Mister a sua opressão no mundo branco — já que
Mister “não pode ser ele mesmo, ele tem que se afirmar com a mulher negra”. O filme não conseguiu estabelecer
nenhuma conexão entre o tratamento abusivo de Mister sobre as mulheres negras e o racismo e, desse modo,
apresentou Mister apenas como um “homem insensível e caloso”. Id.

[15] Veja, por exemplo, Gerald Early, Her Picture in the Papers: Remembering Some Black Women,
ANTAEUS, Spring 1988, at 9; Daryl Pinckney, Black Victims, Black Villains, N.Y. REVIEW OF
BOOKS, Jan. 29, 1987, at 17; Trescott, supra note 48.

[16] Trudier Harris, 011 the Color Purple, Stereotypes, and Silence, 18 BLACK AM. LJT. F. 155, 155 (1984).
[17] A fonte da resistência revela uma diferença interessante entre as comunidades asiático-americana e afro-
americana. Na comunidade afro-americana, a resistência é geralmente fundamentada em esforços para evitar
a confirmação de estereótipos negativos de afro-americanos como violentos; A preocupação dos membros em
algumas comunidades asiático-americanas é evitar manchar o mito modelo minoritário. Entrevista com Nilda
Rimonte, Diretora do Everywoman Shelter, em Los Angeles, Califórnia (19 de abril de 1991).

[18] Nilda Rimante, A Question of Culture: Cultural Approval of Violence Against Women in the Pacific-
Asian Community and the Cultural Defense, 43 STAN. L. REV. 1311 (1991); veja também Nilda Rimante,
Domestic Violence Against Pacific Asians, in MAKING WAVES: AN ANTHOLOGY OF WRITINGS BY
AND ABOUT ASIAN AMERICAN WOMEN 327, 328 (Asian Women United of California ed. 1989)
(“Tradicionalmente, os asiáticos do Pacífico escondem e negam problemas que ameaçam o orgulho do grupo
e podem causar vergonha. Por causa da forte ênfase nas obrigações para com a família, uma mulher asiática do
35

Pacífico ficará silenciosa em vez de admitir um problema que possa desgraçar sua família”). Além disso, a
possibilidade de terminar o casamento pode impedir uma mulher imigrante de procurar ajuda. Tina Shum, uma
conselheira familiar, explica que um “divórcio é uma vergonha para toda a família… A mulher asiática que se
divorcia sente uma tremenda culpa”. “Claro, pode-se, numa tentativa de ser sensível à diferença cultural,
estereotipar uma cultura ou adiar ela de forma que abandone as mulheres ao abuso. Quando — ou, mais
importante, como levar em consideração a cultura ao abordar as necessidades das mulheres não-brancas é uma
questão complicada. O testemunho sobre as particularidades da “cultura” asiática tem sido cada vez mais
utilizado em julgamentos para determinar a culpa de mulheres imigrantes asiáticas e homens acusados de
crimes de violência interpessoal. Uma posição sobre o uso da “defesa cultural” nestas instâncias depende de
como a “cultura” está sendo definida, bem como sobre se e em que medida a “defesa cultural” tem sido usada
de forma diferente para homens asiáticos e mulheres asiáticas. Veja Leti Volpp, (Mis)Identifying Culture:
Asian Women and the “Cultural Defense,” (Manuscrito inédito) (no arquivo com o Stanford Law Review).

[19] Veja, por exemplo, Hearings on Violent Crime Against Women, supra note 44, pt. 1, at 101 (Testemunho
de Roni Young, diretor da Unidade de Violência Doméstica, escritório do Procurador do Estado da Baltimore
City, Baltimore, Maryland) (“As vítimas não se encaixam em nenhum molde”); Id. Pt. 2, em 89 (testemunho
de Charlotte Fedders) (“A violência doméstica ocorre em todos os grupos econômicos, culturais, raciais e
religiosos. Não há uma mulher típica para ser abusada.”); Id. Pt. 2 em 139 (declaração de Susan Kelly-Dreiss,
Diretora executiva, Coligação da Pensilvânia Contra a Violência Doméstica) (“As vítimas vêm de um amplo
espectro de experiências e origens de vida. As mulheres podem ser espancadas em qualquer bairro e em
qualquer cidade”).

[20] Veja, por exemplo LENORE F. WALKER, TERRIFYING LOVE: WHY BATTERED WOMEN KILL
AND HOW SOCIETY RESPONDS 101–02 (1989) (“As mulheres vítimas de violência doméstica vêm de
todos os tipos de origens econômicas, culturais, religiosas e raciais… São mulheres como você. Como eu.
Como aquelas que você conhece e ama.”); MURRAY A. STRAUS, RICHARD J. GELLES, SUZANNE K.
STEINMETZ, BEHIND CLOSED DOORS: VIOLENCE IN THE AMERICAN FAMILY 31 (1980)
(“Agressões às esposas é encontrada em todas as classes, em cada nível de renda”); Natalie Loder Clark, Crime
Begins At Home: Let’s Stop Punishing Victims and Perpetuating Violence, 28 WM. & MARY L. REV. 263,
282 n.74 (1987) (“O problema da violência doméstica corta todas as linhas sociais e afeta as famílias,
independentemente da classe econômica, raça, origem nacional ou formação educacional”. Os comentadores
indicaram que a violência doméstica prevalece entre as famílias da classe média alta.”) (Citações omitidas);
Kathleen Waits, The Criminal Justice System’s Response to Battering: Understanding the Problem, Forging
the Solutions, 60 W ASH. L. REv. 267, 276 (1985) (“É importante enfatizar que o abuso de esposa é prevalente
em toda a nossa sociedade. Os dados recém-coletados apenas confirmam o que as pessoas que trabalham com
as vítimas conhecem há muito tempo: as agressões ocorrem em todos os grupos sociais e econômicos”.
(Citações omitidas); Liza G. Lerman, Mediation of Wife Abuse Cases: The adverse Impact of Informal Dispute
Resolution on Women, 7 HARV. Women’s L.J. 57, 63 (1984) (“Violência doméstica ocorre em todos os grupos
raciais, econômicos e religiosos, em ambientes rurais, urbanos e suburbanos”) (citação omitida); Steven M.
Cook, Domestic Abuse Legislation in Illinois and Other States: A Survey and Suggestions for Reform, 1983
U. lLL L. REV. 261, 262 (1983) (Embora a violência doméstica seja difícil de medir, vários estudos sugerem
que o abuso de cônjuge é um problema extenso, que atinge as famílias, independentemente da classe econômica,
raça, origem nacional ou escolaridade”). (Citações omitidas).

[21] Por exemplo, Susan Kelly-Dreiss afirma:


36

O público tem muitos mitos sobre mulheres vítimas de violências doméstica — são pobres, são mulheres
não-brancas, não são educadas, estão no bem-estar, merecem ser espancadas e até gostam disso. No entanto,
contrariamente às percepções erradas comuns, a violência doméstica não se limita a nenhum grupo
socioeconômico, étnico, religioso ou racial.

Audiências sobre crimes violentos contra as mulheres, supra nota 44, pt. 2, em 139 (testemunho de Susan
Kelly-Dreiss, diretora executiva, Pa. Coalition Against Domestic
Violence). Kathleen Waits oferece uma possível explicação para essa percepção errônea:

É verdade que as mulheres vítimas de violência doméstica que também são pobres são mais propensas a chamar
a atenção de funcionários governamentais do que suas contrapartes de classe média e alta. No entanto, esse
fenômeno é causado mais pela falta de recursos alternativos e pela intrusão do estado do bem-estar social do
que por qualquer incidência de violência significativamente maior entre famílias de classe baixa.

Waits, supra nota 54, em 276–77 (citações omitidas).

[22] No entanto, nenhuma estatística confiável suporta tal reclamação. Na verdade, algumas estatísticas
sugerem que há uma maior frequência de violência entre as classes trabalhadoras e as pobres. Veja M.
STRAUS, R. GELLES, & S. STEJNMETZ, supra note 54, at 31. No entanto, essas estatísticas também não
são confiáveis porque, para seguir a observação de Waits, a violência em casas de classe média e média
permanece escondida da visão de estatísticos e funcionários governamentais. Ver nota 55 supra. Gostaria de
sugerir que as afirmações de que o problema é o mesmo em toda a raça e a classe são motivadas menos pelo
conhecimento real sobre a prevalência da violência doméstica em diferentes comunidades do que pelo
reconhecimento dos defensores de que a imagem da violência doméstica é uma questão que envolve
principalmente os pobres e as minorias complica os esforços para se mobilizar contra..

[23] Em 14 de janeiro de 1991, o senador Joseph Biden (D-Dei.) apresentou ao Senado a Lei 15, Lei de
Violência contra as Mulheres de 1991, legislação abrangente que trata dos crimes violentos que enfrentam as
mulheres. S. 15, 102d Cong., 1st Sess. (1991). A lei consiste em várias medidas destinadas a criar ruas seguras,
casas seguras e campos seguros para mulheres. Mais especificamente, o Título III da lei cria um remédio para
direitos civis por crimes de violência motivados pelo gênero da vítima. Id. § 301. Entre os resultados que
apoiam a lei estão “(1) os crimes motivados pelo gênero da vítima constituem crimes de parcialidade em
violação do direito da vítima de ser livre de discriminação com base em gênero” e “(2) lei atual (não
proporciona um remédio aos direitos civis) por crimes de gênero cometidos na rua ou no lar.” S. REP. №197,
102d Cong., 1º Sess. 27 (1991).

[24] 137 Cong. Rec.S611(Edição diária, 14 de janeiro de 1991) (declaração do senador Boren). O senador
William Cohen (D-Me.) seguiu com uma declaração semelhante, observando que estupros e agressões
domésticos não se limitam às ruas de nossas cidades mais internas ou aos poucos casos altamente divulgados
que lemos sobre nos jornais ou vemos a noite nas notícias. As mulheres em todo o país, nas áreas urbanas e
nas comunidades rurais da Nação, estão sendo espancadas e brutalizadas nas ruas e em suas casas. São nossas
mães, esposas, filhas, irmãs, amigas, vizinhas e colegas de trabalho que estão sendo vitimadas; e em muitos
casos, estão sendo vítimas de familiares, amigos e conhecidos.

Id. (Declaração de Sen. Cohen).


37

[25] 48 Hours: Til’ Death Do Us Part (CDS television broadcast, Feb. 6, 1991).

[26] Veja Christine A. Littleton, Women’s Experience and the Problem of Transition: Perspectives on
Male Battering of Women, 1989 U. CHI. LEGAL F. 23.

[27] Carta de Diana M. Campos, Diretora de Serviços Humanos, PODER, a Joseph Semidei, Vice-Comissária
do Departamento de Serviços Sociais do Estado de Nova York (26 de março de 1992) [a seguir Carta
PODER].

[28] A mulher estava voltando para sua casa durante o dia em que seu marido estava no trabalho. Ela
permaneceu em um estado de ansiedade elevado porque ele estava voltando em breve e ela seria forçada a
voltar para as ruas por mais uma noite.

[29] PODER Letter, supra note 61 (enfâse adicionada).

[30] Id.

[31] Id.

[32] Roundtable Discussion on Racism and the Domestic Violence Movement (April 2, 1992) (transcrito do
arquivo com o Stanford Law Review). Os participantes na discussão — Diana Campos, Diretora, Projeto de
Divulgação Bilíngue da Coalizão do Estado de Nova York Contra a Violência Doméstica; Elsa A. Rios, Project
Director, Victim Intervention Project (Um projeto baseado na comunidade em East Harlem, Nova York,
servindo mulheres vítimas de violência doméstica); e Haydee Rosario, Uma trabalhadora social com o
Conselho East Harlem para Serviços Humanos e um Projeto de Intervenção de Vítimas voltou voluntariamente
a conflitos relacionados à raça e cultura durante sua associação com a Coalizão do Estado de Nova York Contra
a Violência Doméstica, um grupo de supervisão do Estado que distribuiu recursos para abrigos de mulheres
vítimas de violência doméstica através do estado e geralmente estabeleceram prioridades políticas para os
refúgios que faziam parte da Coalizão.

[33] Id.

[34] Id.
[35] Id.

[36] Ironicamente, a controvérsia específica que levou à caminhada significou a habitação da linha de apoio
à violência doméstica em língua espanhola. A linha direta foi inicialmente alojada na sede da Coalizão, mas
definiu depois que uma sucessão de coordenadores deixou a organização. As latinas no painel da Coalizão
argumentaram que a linha direta deveria ser alojada em uma das agências de serviços comunitários,
enquanto o conselho insistiu em manter o controle disso. A linha direta está agora alojada no PODER. Id.

[37] Disse Campos: “Seria uma pena que, no estado de Nova York, a vida ou a morte de uma mulher vítima
de violência doméstica dependessem de suas habilidades de língua inglesa”. PODER Lener, supra nota 61.

[38] A discussão na seção a seguir se concentra bastante na dinâmica de uma hierarquia sexual negra/branca.
Eu especifico os afro-americanos em parte porque, dada a centralidade da sexualidade como um site de
38

dominação racial de afro-americanos, quaisquer generalizações que possam ser extraídas dessa história
parecem menos aplicáveis a outros grupos raciais. Com certeza, a dinâmica específica da opressão racial vivida
por outros grupos raciais provavelmente também terá um componente sexual. Na verdade, o repertório de
imagens racistas comumente associado a diferentes grupos raciais também contém um estereótipo sexual.
Essas imagens provavelmente influenciam a maneira como os estupros que envolvem outros grupos
minoritários são percebidas internamente e na sociedade em geral, mas é provável que funcionem de maneiras
diferentes.

[39] Por exemplo, o uso de estupro para legitimar esforços para controlar e disciplinar a comunidade negra
está bem estabelecido na literatura histórica sobre estupro e raça. Veja JOYCE E. WILLIAMS & KAREN A.
HOLMES, THE SECOND ASSAULT: RAPE AND PUBLIC ATTITUDES 26 (1981) (“Estupro, ou a ameaça
de estupro, é uma ferramenta importante de controle social em um sistema complexo de estratificação racial-
sexual”).

[40] Valerie Smith, Split Affinities: The Case of interracial Rape, in CONFLICTS IN FEMINISM 271,
274 (Marianne Hirsch & Evelyn Fox Keller eds. 1990).

[41] Em 18 de abril de 1989, uma jovem branca, correndo pelo Central Park de Nova York, foi estuprada,
severamente espancada e deixada inconsciente em um ataque de até 12 jovens negros. Craig Wolff, Youth’s
Rape and Beat Central Park Jogger, N.Y. Times, 21 de abril de 1989, no Bl.
[42] Smith, supra nota 74, em 276–78.

[43] Smith cita o uso de imagens de animais para caracterizar os estupradores negros acusados, incluindo
descrições como: “um bando de lobos de mais de uma dúzia de jovens adolescentes” e “houve uma lua cheia
na noite de quarta-feira. Um cenário adequado para o bando de lobos. Um pacote vicioso correu desenfreado
através do Central Park…. Esta foi uma brutalidade bestial’. “Um editorial no New York Times foi
intitulado “A corredora e o bando de lobos”. Id. Em 277 (citações omitidas).

A evidência do vínculo em curso entre estupro e racismo na cultura americana não é de modo algum exclusiva
da cobertura da mídia do caso da corredora do Central Park. Em dezembro de 1990, o jornal estudantil da
Universidade George Washington, The Hatchet, imprimiu uma história na qual uma estudante branca alegou
que dois homens negros no campus ou perto do campus a haviam estuprado usando uma faca. A história causou
considerável tensão racial. Pouco depois do relatório, o advogado da mulher informou a polícia do campus que
sua cliente havia fabricado o ataque. Depois que o engano foi descoberto, a mulher disse que esperava que a
história “ressaltasse os problemas de segurança para as mulheres”. Felicity Banger, False Rape Report
Upsetting Campus, N.Y. Times, Dec. 12, 1990, at A2; veja também Les Payne, A Rape Hoax Stirs up Hate,
Newsday, Dec. 16, 1990, em 6.

[44] William C. Troft, Deadly Donald, UPI, Apr. 30 1989. Donald Trump explicou que gastou US$ 85.000
para retirar esses anúncios porque “eu quero odiar esses assaltantes e assassinos. Eles devem ser forçados a
sofrer e quando eles matam, eles devem ser executados por seus crimes”. Trump Calls for Death to Muggers,
L.A. Times, May l, 1989, em A2. Mas cf Leaders Fear ‘Lynch’ Hysteria in Response to Trump Ads, UPI, May
6, 1989 (Comunidade Os líderes temiam que os anúncios de Trump faria “as chamas da polarização racial e do
ódio”); Cynthia Fuchs Epstein, Cost of Full-Page Ad Could Help Fight Causes of Urban Violence, N.Y. Times,
May 15, 1989, at AIS(“A proposta do Sr. Trump poderia levar a maior violência”).
39

[45] Ian Ball, Rape Victim to Blame, Says Jury, Daily Telegraph, Oct. 6, 1989, at 3. Dois meses após a
absolvição, o mesmo homem se declarou culpado de estuprar uma mulher da Geórgia a quem ele disse: “É
culpa sua. Você está usando uma saia”. Roger Simon, Rape: Clothing is Not the Criminal, L.A. Times, Feb.
18, 1990, at E2.

[46] Veja Barbara Kantrowitz, Naming Names, NEWSWEEK, Apr. 29, 1991, at 26 (Discutindo o tom de
várias investigações de jornal sobre o personagem da mulher que alegou que ela foi estuprada por William
Kennedy Smith). Havia outros pressupostos duvidosos que animavam a cobertura. Um artigo descreveu
Smith como um “candidato
improvável para o papel do estuprador”. Boy’s Night Out in Palm Beach, TIME, Apr. 22, 1991, at 82. But see
Hillary Rustin, Letters: The Kennedy Problem, TIME, May 20, 1991, em 7 (Criticando os autores pela
perpetuação de imagens estereotipadas de quem é ou não um estuprador “provável”). Smith finalmente foi
absolvido.

[47] O New York Times apontou que “quase todos os estupros relatadas durante aquela semana de abril eram
de mulheres negras ou hispânicas. A maioria passou despercebida pelo público”. Don Terry, ln Week of an
Infamous Rape, 28 Other Victims Suffer, N.Y. Times, May 29, 1989, at B25. Quase todos os estupros
ocorreram entre atacantes e vítimas da mesma raça: “Entre as vítimas havia 17 negros, 7 mulheres hispânicas,
3 brancas e 2 asiáticas”. Id.

[48] Em Glen Ridge, um subúrbio afluente de Nova Jersey, cinco adolescentes brancos de classe média
alegadamente estupraram uma mulher branca com uma alça de vassoura e um bastão de beisebol em
miniatura. Veja Robert Hanley, Sexual Assault Splits a New Jersey Town, N.Y. Times, May 26, 1989, at Bl;
Derrick Z. Jackson, The Seeds of Violence, Boston Globe, June 2, 1989, at 23; Bill Turque, Gang Rape in
the Suburbs, NEWSWEEK, June 5, 1989, em 26.

[49] Robert D. McFadden, 2 Men Get 6 to 18 Years for Rape in Brooklyn, N.Y. Times, Oct. 2, 1990, at B2.
A mulher “ficou, meio nua, gemendo e chorando por ajuda até que uma vizinha ouviu” no poço do ar.
Community Rallies to Support Victim of Brutal Brooklyn Rape, N.Y. Daily News, June 26, 1989, at 6. A
vítima “sofreu ferimentos tão extensos que ela teve que aprender a caminhar de novo… Ela enfrentará anos
de aconselhamento psicológico…” McFadden, supra.

[50] Esta resposta diferencial foi resumida pela reação pública ao assassinato de uma jovem negra em Boston
em 31 de outubro de 1990. Kimberly Rae Harbour, estuprada e esfaqueada mais de 100 vezes por oito membros
de uma gangue local, era uma mãe solteira, prostituta ocasional e uma usuária de drogas. A vítima do Central
Park era uma profissional branca e de classe alta. A mulher negra foi estuprada e assassinada intraracialmente.
A mulher branca foi estuprada e deixada morta intraracialmente. O estupro do Central Park tornou-se uma
causa de reunião nacional contra a violência aleatória (ver Black male); o estupro de Kimberly Rae Harbour
foi escrito em um roteiro local destacado pelo cerco do Departamento de Polícia de Boston contra os homens
negros em busca do assassino “ficcional” de Carol Stuart. Veja John Ellement, 8 Teen agers Charged in Rape,
Killing of Dorchester Woman, Boston Globe, Nov. 20, 1990, at I; James S. Kunen, Homicide No. JJ9,
PEOPLE, Jan. 14, 1991, em 42. Para uma comparação dos assassinatos de Stuart e Harbour, veja Christopher
B. Daly, Scant Attention Paid Victim as Homicides Reach Record in Boston, Wash. Post, Dec. 5, 1990, em
A3.
40

[51] Smith ressalta que “a invisibilidade relativa das mulheres negras vítimas de estupro também reflete o valor
diferencial dos corpos das mulheres nas sociedades capitalistas. Na medida em que o estupro é construído como
crime contra a propriedade de homens brancos privilegiados, crimes contra mulheres menos valiosas —
mulheres não-brancas, mulheres da classe trabalhadora e lésbicas, por exemplo — significam menos ou diferem
do que as mulheres brancas das classes média e alta”. Smith, supra nota 74, em 275–76.

[52] “Os casos envolvendo infratores negros e vítimas negras foram menos tratados com seriedade”. GARY
D. LAFREE, RAPE AND CRIMINAL JUSTICE: THE SOCIAL CONSTRUCTION OF SEXUAL ASSAULT
(1989). LaFree também observou, no entanto, que “a composição da raça da díade vítima-ofensor” não era o
único preditor de disposições de casos. Id. Em 219–20.

[53] Race Tilts the Scales of Justice. Study: Dallas Punishes Attacks on Whites More Harshly, Dallas Times
Herald, Aug. 19, 1990, em AI. Um estudo de casos de 1988 no sistema de justiça criminal do condado de
Dallas concluiu que os estupradores cujas vítimas eram brancas foram punidos com mais severidade do que
aqueles cujas vítimas
eram negras ou hispânicas. O Dallas Times Herald, que havia encomendado o estudo, informou que “a pena
quase dobrou quando o atacante e a vítima eram de raças diferentes. Exceto por esse crime inter-racial, as
disparidades de sentença foram muito menos pronunciadas…” Id.

[54] Id. Dois especialistas em direito penal, o professor de direito de Iowa, David Baldus, e o professor da
Universidade Carnegie-Mellon, Alfred Blumstein, “disseram que as desigualdades raciais podem ser ainda
piores do que os números sugerem”. Id.

[55] Veja G. LAFREE, supra nota 86, at 219–20 (Citando jurados que duvidaram da credibilidade dos
sobreviventes negras de estupro); Veja também H. FEILD & L. BIENEN, supra note 35, at 117–18.

[56] Por exemplo, o Título I da Lei de Violência contra a Mulher cria penas federais por crimes sexuais. Veja
137 CONG. REC. S597, S599–600 (publicado diariamente em 14 de janeiro de 1991). Especificamente, a seção
111 da Lei autoriza a Comissão de Sentença a promulgar diretrizes para providenciar que qualquer pessoa que
cometa um estupro após uma condenação anterior pode ser punida por um período de prisão ou multa até duas
vezes do que de outra forma é fornecido nas diretrizes. S. J 5, supra nota 57, em 8. Além disso, a seção 112 da
Lei autoriza a Comissão de Sentença a alterar suas diretrizes de sentença para prover que um réu seja condenado
por estupro ou estupro agravado, “será atribuído um delito de base… que é pelo menos 4 níveis maiores do que
o nível de infração de base aplicável para tais ofensas”. Id. em 5.

[57] O Título I da Lei também cria novas regras de prova para a introdução da história sexual em casos
criminais e civis. Id. As seções 151 e 152 alteram o Fed. R. Evid. 412 proibindo a “reputação ou evidência de
opinião sobre o comportamento sexual passado de uma suposta vítima” de ser admitida e limitar outras
evidências de comportamento sexual passado. Id. em 39–44. Da mesma forma, a seção 153 altera a lei da
proteção do estupro. Id. em 44–45. Os Estados também promulgaram ou tentaram promulgar as próprias
reformas de leis de estupefação. Veja Harriet R. Galvin, Shielding Rape Victims in the State and Federal
Courts: A Proposal for the Second Decade, 70 MINN. L. REv. 763 (1986); Barbara Fromm, Sexual Battery:
Mixed-Signal Legislation Reveals Need for Further Reform, 18 FLA. ST. U. L. REV. 579 (1991).

[58] Veja nota 35 supra.


41

[59] Pode-se imaginar certas intervenções baseadas em ensaios que possam ajudar os promotores a lutar com
essas crenças. Por exemplo, pode-se considerar expandir o escopo de void dire para examinar as atitudes dos
jurados em relação às negras vítimas de estupro. Além disso, à medida que mais se aprende sobre a resposta
das mulheres negras ao estupro, esta informação pode ser considerada relevante na avaliação do testemunho
das mulheres negras e, portanto, justifica a introdução através de testemunhos de especialistas. A este respeito,
vale a pena notar que a síndrome da mulher vítima de violência doméstica e a síndrome do trauma de estupro
são ambas formas de testemunho especializado que frequentemente funcionam no contexto de um julgamento
para contrariar os estereótipos e outras narrativas dominantes que poderiam, de outra forma, produzir um
resultado negativo para a mulher “em julgamento”. Essas intervenções, provavelmente inimagináveis há pouco
tempo, surgiram de esforços para estudar e de alguma forma quantificar a experiência das mulheres.
Intervenções semelhantes que abordam as dimensões particulares das experiências de mulheres não-brancas
podem ser possíveis. Este conhecimento pode crescer fora dos esforços para mapear como as mulheres não-
brancas se beneficiaram de intervenções padrão. Para um exemplo de uma crítica interseccional da síndrome
da mulher vítima de violência doméstica, veja Sharon A. Allard, Rethinking Battered Woman Syndrome: A
Black Feminist Perspective, 1 U.C.L.A. WOMEN’s L.J. 191 (1991) (autor do aluno).

[60] Veja Smith, supra nota 74 (Discutindo o sensacionalismo da mídia do caso da corredora do Central
Park como consistente com padrões históricos de foco quase exclusivo em díades homem negro/mulher
branca); veja também Terry, supra nota 81 (discutindo os outros 28 estupros ocorridos durante a mesma
semana, mas que não receberam a mesma cobertura de mídia). Embora o estupro seja em grande parte
um crime inter-racial, essa explicação para a cobertura díspar às vítimas não-brancas é duvidosa; no
entanto, dados os achados de pelo menos um estudo que 48% dos entrevistados acreditavam que a
maioria dos estupros envolvia um agressor negro e uma vítima branca. Veja H. FEILD & L. BIENEN,
supra nota 35, em 80. Ironicamente, Feild e Bienen incluem em seu livro-estudo de estupro de duas
fotografias distribuídas aos sujeitos em seu estudo descrevendo a suposta vítima como branca e o
suposto agressor como negro. Dado o reconhecimento dos autores de que o estupro foi
esmagadoramente inter-racial, a aparência dessas fotos foi particularmente impressionante,
especialmente porque elas eram as únicas fotos incluídas em todo o livro.

[61] Veja por exemplo, G. LAFREE, supra nota 86, em 237–39.

[62] Para um argumento semelhante de que a discriminação da raça de vítima na administração da pena de
morte realmente representa o status desvalorizado das vítimas negras, em vez de discriminação contra os
agressores negros, veja Randall L. Kennedy, McCleskey v. Kemp: Race, Capital Punishment, and the
Supreme Court, 101 HARV. L. REV. 1388 (1988).

[63] A estatística de que 89% de todos os homens executados por estupro neste país eram negros. Furman v.
Georgia, 408 U.S. 238, 364 (1972) (Marshall, J., concorrente). Infelizmente, a análise dominante da
discriminação racial em processos de estupro geralmente não discute se alguma das vítimas de estupro nesses
casos era negra. Veja Jennifer Wriggins, Rape, Racism, and the Law, 6 HARV. WOMEN’s L.J. 103, 113
(1983) (Autor do aluno).

[64] A raça era frequentemente suficiente para preencher fatos que desconheciam. Até 1953, o Supremo
Tribunal do Alabama decidiu que um júri poderia ter em conta a raça para determinar se um homem negro
era culpado de “uma tentativa de cometer uma agressão com tentativa de estuprar”. Veja McQuirter v. State,
42

63 So. 2d. 388, 390 (Ala. 1953). De acordo com o testemunho da “vítima”, o homem olhou para ela e
murmurou algo ininteligível ao passarem. Id. em 389.

[65] Ida Wells, uma feminista negra precoce, investigou todos os linchamentos que ela conseguiu por cerca de
uma década. Depois de pesquisar 728 linchamentos, ela concluiu que “apenas um terço dos negros assassinados
chegou a ser acusado de estupro, muito menos culpado por isso”. PAULA GIDDINGS, WHEN AND WHERE
I ENTER: THE
IMPACT OF BLACK WOMEN ON RACE AND SEX IN AMERICA 28 (1984) (citando Wells).

[66] Veja Jacquelyn Dowd Hall, “The Mind That Burns in Each Body”: Women, Rape, and Racial
Violence, in POWERS OF DESIRE: THE POLITICS 0F SEXUALITY 328, 334 (Ann Snitow, Christine
Stansell, & Sharon Thompson eds. 1983).

[67] Nove jovens negros foram acusados de estupro de duas mulheres brancas em um vagão ferroviário perto
de Scottsboro, Alabama. Seus julgamentos ocorreram em uma atmosfera aquecida. Cada julgamento foi
concluído em um único dia e todos os réus foram condenados e sentenciados à morte. Veja DAN T. CARTER,
SCOTTSBORO: A TRAGEDY OF THE AMERICAN SOUTH (1976). O Supremo Tribunal de Justiça
inverteu as condenações dos condenados e as sentenças de morte, alegando que foram inconstitucionalmente
a eles negado o direito a um advogado. Powell v. Alabama, 287 U.S. 45, 65 (1932). No entanto, os arguidos
foram julgados novamente por um júri totalmente branco depois que o Supremo Tribunal reverteu suas
convicções.

[68] Emmett Tíll era um menino negro de 14 anos de Chicago visitando seus parentes perto de Money,
Mississippi. Em um desafio por meninos locais, ele entrou em uma loja e falou com uma mulher branca. Vários
dias depois, o corpo de Emmett Till foi encontrado no rio Tallahatchie. “O arame farpado que segurava o
ventilador de algodão em volta do pescoço tinha se enrolado em uma raiz do rio emaranhado”. Depois que o
cadáver foi descoberto, o marido da mulher branca e seu cunhado foram acusados do assassinato de Emmett
Till. JUAN WILLIAMS, EYES ON THE PRIZE 39.43 (1987). Para um relato histórico da tragédia de Emmett
Till, veja STEPHEN J. WHITFIELD, A DEATH IN THE DELTA (1988).

[69] Crenshaw, supra nota 7, em 159 (Discutindo como a geração de ativistas negros que criaram o
Movimento de Liberação Negra eram contemporâneos de Emmett Till).

[70] Até recentemente, por exemplo, quando os historiadores falaram de estupro na experiência da
escravidão, muitas vezes lamentavam o dano que este ato fazia ao sentimento de estima e respeito do homem
negro. Ele era impotente para proteger sua mulher de estupradores brancos. Poucos pesquisadores avaliaram
o efeito de estupros, ameaças de estupro e violência doméstica no desenvolvimento psíquico das vítimas
femininas.

Darlene Clark Hine, Rape and the Inner Lives of Black Women in the Middle West: Preliminary Thoughts on
the Culture of Dissemblance, in UNEQUAL SISTERS: A MULTI-
CULTURAL READER IN U.S. WOMEN’S HISTORY (Ellen Carol Dubois & Vicki L. Ruiz eds. 1990).

[71] Michael Madden, No Offensive from Defense, Boston Globe, Feb. 1, 1992, at 33 (Hooks);
Farrakha11 Backs Calls for Freeing Tyson, UPI, July 10, 1992.
43

[72] Veja Megan Rosenfeld, After the Verdict, The Doubts: Black Women Show Lillle Sympalhy for Tyson’s
Accuser, Wash. Post, Feb. 13, 1992, at D 1; Allan Johnson, Tyson Rape Case Strikes a Nerve Among Blacks,
Chicago Trib., Mar. 29, 1992, at CI; Suzanne P. Kelly, Black Women Wrestle with se Issue: Many Say
Choosing Racial Over Gender Loyalty Is Too Great a Sacrijice, Star Trib., Feb. 18, 1992, em AI.

[73] 20/20 (ABC television broadcast, Feb. 21, 1992).

[74] Id.

[75] De acordo com um estudo realizado pelo Departamento de Justiça, as mulheres negras são
significativamente mais propensas a serem estupradas do que as mulheres brancas e as mulheres do grupo
16–24 anos de idade são 2 a 3 vezes mais propensas a
serem vítimas de estupro ou tentativa de estupro de mulheres em qualquer outro grupo etário. Veja Ronald J.
Ostrow, Typical Rape Victim Called Poor, Young, L.A. Times, Mar. 25, 1985, em 8.

[76] Veja Peg Tyre, Whal Experts Say About Rape Jurors, Newsday, May 19, 1991, em IO (relatando que “os
pesquisadores haviam determinado que os jurados em julgamentos criminais se comparam com o queixoso ou
o réu cujas bases étnicas, econômicas e religiosas se assemelham mais à sua própria. A exceção à regra… é a
forma como as mulheres juradas julgam as vítimas de estupro”). Linda Fairstein, uma promotora de Manhattan,
afirma: “Muitas vezes, as mulheres tendem a serem muito críticas contra a conduta de outras mulheres e muitas
vezes não são boas juradas em casos de estupro”. Margaret Carlson, The Trials of Convicting Rapists, TIME,
Oct. 14, 1991, at 11.

[77] Como a promotora de crimes sexuais Barbara Eganhause nota, mesmo mulheres jovens com estilos de
vida contemporâneos costumam rejeitar as acusações de estupro de mulheres devido ao medo. “Chamar outra
mulher de vítima de estupro é reconhecer a vulnerabilidade em si mesma. Elas saem a noite, elas namoram,
elas vão a bares e andam sozinhas. Negar isso é dizer em julgamento que mulheres não são vítimas”. Tyre,
supra nota 110.

[78] G. LAFREE, supra nota 86.


[79] Id. em 49–50.

[80] ld. em 50–51.

[81] ld. em 237–40.

[82] LaFree conclui que estudos recentes que não encontraram efeito discriminatório não foram conclusivos
porque analisaram os efeitos da raça do réu independentemente da raça da vítima. Os efeitos da raça
diferencial na sentença são muitas vezes ocultos, combinando as sentenças mais severas dadas aos homens
negros acusados de estuprar mulheres brancas com o tratamento mais indulgente dos homens negros acusados
de estuprar mulheres negras. Id. em 117, 140. Resultados semelhantes foram encontrados em outro estudo.
Veja Anthony Walsh, The Sexual Stratification Hypothesis and Sexual Assault in Light of the Changing
Conceptions of Race, 25 CRIMINOLOGY 153, 170 (1987) (“gravidade da sentença significa que os negros
que agrediram os brancos, que significaram mais do que os brancos que agrediram os brancos, foram
encobertos pela severidade da frase indulgente para negros que agrediram os negros”).
44

[83] G. LAFREE, supra nota 86, em 139–40.

[84] A estratificação sexual, de acordo com LaFree, refere-se à avaliação diferencial das mulheres de acordo
com sua raça e à criação de “regras de acesso sexual” que governam quem pode ter contato com quem. A
estratificação sexual também determina qual será a
penalidade por violar essas regras: o estupro de uma mulher branca por um homem negro é visto como
uma transgressão sobre os valiosos direitos de propriedade dos homens brancos e é punido com mais
severidade. Id. em 48–49.

As proposições fundamentais da tese de estratificação sexual foram resumidas da seguinte forma:

(1) As mulheres são vistas como a propriedade valorizada e escassa dos homens de sua própria raça.

(2) As mulheres brancas, em virtude da adesão à raça dominante, são mais valiosas que as mulheres negras.

(3) O estupro de uma branca por um negro ameaça os “direitos de propriedade” do homem branco e sua
posição social dominante. Essa dupla ameaça explica a força do tabu anexado ao ataque sexual inter-racial.
(4) Um estupro por um homem de qualquer raça sobre os membros da raça negra menos valorizada é percebido
como não ameaçador ao status quo e, portanto, menos grave.

(5) Os homens brancos predominam como agentes de controle social. Portanto, eles têm o poder de sancionar
diferencialmente de acordo com a ameaça percebida para sua posição social favorecida.

Walsh, supra nota 116, em 155.

[85] Eu uso o termo “acesso sexual” com cautela porque é um eufemismo inapropriado para estupro. Por outro
lado, o estupro é conceituado de forma diferente, dependendo se certas regras específicas de raça de acesso
sexual são violadas. Embora a violência não seja explicitamente escrita na teoria da estratificação sexual, ela
se baseia nas regras, na medida em que a relação sexual que viola as regras de acesso racial é presumivelmente
coercitiva e sim voluntária. Veja, por exemplo, Sims v. Balkam, 136 S.E. 2d 766, 769 (Ga. 1964) (Descrevendo
o estupro de uma mulher branca por um homem negro como “um crime mais terrível do que a morte”); Story
v. State, 59 So. 480 (Ala. 1912) (“O consenso da opinião pública, sem restrições para qualquer raça, é que uma
prostituta branca ainda está, embora perdida de virtude, acima do sacrifício ainda maior da submissão
voluntária de sua pessoa aos abraços da outra raça”); Wriggins, supra nota 97, em 125, 127.

[86] Esta abordagem tradicional coloca as mulheres negras em uma posição de negar sua própria vitimização,
exigindo que mulheres negras argumentem que é racista punir os homens negros mais severamente por
estuprar mulheres brancas do que por estuprar mulheres negras. No entanto, na sequência do julgamento de
Mike Tyson, parece que muitas mulheres negras estão dispostas a fazer exatamente isso. Veja as notas 106–
109 supra e o texto que acompanha.

[87] Na verdade, críticos e comentaristas costumam usar o termo “estupro inter-racial” quando eles na
verdade falam apenas de estupro de agressor negro/vítima branca.

[88] G. LAFREE, supra nota 86, em 148. A transição de LaFree entre raça e gênero sugere que a mudança
pode não afrouxar o quadro o suficiente para permitir a discussão dos efeitos combinados da subordinação
45

racial e de gênero em mulheres negras. LaFree separa repetidamente a raça do gênero, tratando-as como
problemas totalmente distinguíveis. Veja, por exemplo, id. em 147.

[89] Id.
[90] ld. em 151. LaFree interpreta o comportamento não tradicional para incluir o consumo de álcool, o
uso de drogas, o sexo extraconjugal, as crianças ilegítimas e “ter uma reputação como ‘festeira’, alguém
que sempre ‘busca pelo prazer’ ou alguém que permanece até tarde da noite”. Id. Em 201.

[91] Id. em 204.

[92] Id.

[93] Id.

[94] Id. em 219 (ênfase adicionada). Embora haja pouca evidência direta de que os promotores são
influenciados pela raça da vítima, não é irracional assumir que, uma vez que a raça é um importante preditor
de convicção, os procuradores determinados a manter uma alta taxa de convicção podem ser menos propensos
a perseguir um caso envolvendo uma vítima negra do que uma branca. Este cálculo provavelmente é reforçado
quando os júris falham em condenar em casos fortes envolvendo vítimas negras. Por exemplo, a absolvição de
três atletas brancos da Universidade de St. John para o estupro em grupo de uma colega jamaicana foi
interpretada por muitos como influenciados pela raça. Testemunhas disseram que a mulher estava incapacitada
durante grande parte da provação, tendo ingerido uma mistura de álcool dada a ela por um colega de classe
que posteriormente iniciou a violência. Os jurados insistiram que a raça não desempenhou nenhum papel em
sua decisão de absolver. “Não há raça, todos concordamos”, disse um jurado; “Estavam tentando torná-lo
racial, mas não era”, disse outro. Jurors: ‘It Wasn’t Racial,’ Newsday, July 25, 1991, em 4. No entanto, é
possível que a raça tenha influenciado em algum nível sua crença de que a mulher concordou com o que, por
todas as contas, representava uma conduta desumanizadora. Veja, por exemplo, Carole Agus, Whatever
Happened to ‘The Rules’, Newsday, July 28, 1991, em 11 (citando testemunho de que pelo menos dois dos
assaltantes atingem a vítima na cabeça com seus pênis). No entanto, o júri pensou, nas palavras de seu chefe,
que o comportamento dos arguidos era “desagradável”, mas não criminoso. Veja Sydney H. Schanberg, Those
‘Obnoxious’ St. John’s Athletes, Newsday, July 30, 1991, em 79. Pode se imaginar um resultado diferente se
as raças das partes não tivessem sido revertidas.

O representante Charles Rangel (D-N.Y.) chamou o veredicto de “uma repetição do que costumava acontecer
no sul”. James Michael Brodie, The St. John’s Rape Acquittal: Old Wounds That Just Won’t Go Away,
BLACK ISSUES IN HIGHER EDUC., Aug. 15, 1991, em 18. Denise Snyder, diretora executiva do Centro
de Crise de Estupro em D.C., comentou:
É um precedente histórico que homens brancos podem estuprar negras e fugir com isso. Ai do homem negro
que estupra mulheres brancas. Todos os preconceitos que existiram há cem anos estão inativos e não tão
adormecidos e eles remetem suas cabeças feias em situações como esta. Contraste isso com a corredora do
Central Park que foi uma mulher branca de classe.

Judy Mann, New Age, Old Myths, Wash. Post, July 26, 1991, em CJ (citando Snyder); veja Kristin Bumiller,
Rape as a Legal Symbol: An Essay on Sexual Violence and Racism, 42 U. MIAMI L. REv. 75, 88 (“O
significado cultural do estupro está enraizado em uma simbiose de racismo e sexismo que tolerou a atuação
de agressão masculina contra mulheres e, em particular, mulheres negras”).
46

[95] ld. em 219–20 (citações omitidas). Evidências anedóticas sugerem que essa atitude existe entre alguns
responsáveis pelo processamento de casos de estupro. Fran Weinman, estudante do meu seminário sobre raça,
gênero e lei, realizou um estudo de campo no Centro de Crises de Estupro Rosa Parks. Durante seu estudo, ela
aconselhou e acompanhou uma sobrevivente de estupro negra 12 anos que engravidou como resultado da
violação. A menina tinha medo de contar aos pais, que descobriram o estupro depois que ela ficou deprimida
e começou a ir mal na escola. A polícia inicialmente estava relutante em entrevistar a menina. Só depois que o
pai da menina ameaçou tomar as coisas em suas próprias mãos, o departamento de polícia enviou um
investigador para a casa da menina. O promotor da cidade indicou que o caso não era grave e relutou em
processar o réu por estupro estatutário mesmo que a menina fosse menor de idade. O promotor argumentou:
“Afinal, ela parece 16”. Depois de muitas frustrações, a família da menina finalmente decidiu não pressionar
o promotor mais e o caso foi descartado. Veja Fran Weinman, Racism and the Enforcement of Rape Law, 13–
30 (1990) (manuscrito inédito) (no arquivo com o Stanford Law Review).

[96] G. LAFREE, supra nota 86, em 220.

[97] Id.

[98] Id. em 226.

[99] Id. em 239 (ênfase adicionada). As taxas de convicção mais baixas para aqueles que estupram mulheres
negras podem ser análogas às baixas taxas de convicção para estupro de conhecimentos. A questão central em
muitos casos de estupro está provando que a vítima não consentiu. A presunção básica na ausência de evidência
explícita de falta de consentimento é que o consentimento existe. Certas provas são suficientes para refutar essa
presunção e a quantidade de evidência necessária para provar o não consentimento aumenta à medida que as
presunções que justificam uma inferência de consentimento aumentam. Algumas mulheres — com base em
seu caráter, identidade ou vestimenta — são vistas como mais propensas a consentir do que outras mulheres.
Talvez seja a combinação dos estereótipos sexuais sobre os negros, juntamente com o
maior grau de familiaridade que se presume existir entre os homens negros e as mulheres negras, que leva à
conceitualização de tais estupros que existe em algum lugar entre estupro de conhecidos e estupro por
estranhos.

[100] Veja, por exemplo, Candy J. Cooper, Nowhere to Turn for Rape Victims: High Proportion of Cases
Tossed Aside by Oakland Police, S.F. Examiner, Sept. 16, 1990, em AI (a seguir Cooper, Nowhere to Turn].
A evidência mais persuasiva de que as imagens e crenças que os policiais de Oakland mantêm contra vítimas
de estupro influenciam a disposição de seus casos está representada em duas histórias a seguir. Veja Candy J.
Cooper, A Rape Victim Vindicated, S.F. Examiner, Sept. 17, 1990, em AI; Candy J. Cooper, Victim of Rape,
Victim of the System, S.F. Examiner, Sept. 17, 1990, em AIO. Essas histórias contrastaram as experiências de
duas mulheres negras, ambas estupradas por um conhecido depois de fumar crack. No primeiro caso, embora
houvesse pouca evidência física e a mulher inicialmente relutasse em testemunhar, seu estuprador foi
processado e finalmente condenado. No segundo caso, a mulher foi severamente espancada pelo agressor.
Apesar de ampla evidência física e corroboração e uma vítima cooperativa, seu caso não foi perseguido. O
primeiro caso foi tratado pelo departamento de polícia de Berkeley, Califórnia, enquanto o último foi tratado
pelo departamento de polícia de Oakland. Talvez as diferentes abordagens que produzam esses resultados
díspares possam ser melhoradas pelas filosofias dos pesquisadores. Oficiais em Berkeley “tomam o caso de
cada mulher tão a sério que nenhum [em 1989] foi encontrado falso”. Veja Candy J. Cooper, Berkeley Unit
47

Takes Ali Cases as Legitimate, S.F. Examiner, Sept. 16, 1990, em A16. No mesmo ano, 24,4% dos casos de
estupro de Oakland foram classificados como “infundados”. Cooper, Nowhere to Turn, supra.

[101] Cooper, Nowhere to Turn, supra nota 134, em AIO.

[102] Id. (“Os trabalhadores da polícia, dos promotores, das vítimas e da violação de estupro concordam
que a maioria dos casos caídos foram relatados por mulheres não brancas que fumavam crack ou estavam
envolvidas em outros comportamentos criminosos de alto risco, como a prostituição”.)

[103] Id. Advogados apontam que, porque os investigadores trabalham a partir de um perfil do tipo de caso
susceptível de obter uma convicção, as pessoas deixadas fora desse perfil são pessoas não-brancas, prostitutas,
usuárias de drogas e pessoas estupradas por conhecidos. Esta exclusão resulta em “uma classe inteira de
mulheres… negadas sistematicamente a justiça. As mulheres pobres sofrem mais”. Id.

“MAPEANDO AS MARGENS: INTERSECCIONALIDADE, POLÍTICAS DE IDENTIDADE E


VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NÃO-BRANCAS” DE KIMBERLE CRENSHAW — PARTE 3/4

III. INTERSECÇÃOREPRESENTACIONAL

Com relação ao estupro de mulheres negras, raça e gênero convergem para que as preocupações das
mulheres minoritárias falem no vazio entre as preocupações com as questões das mulheres e as preocupações
com o racismo. Mas quando um discurso não reconhece o significado do outro, as relações de poder que cada
um tenta desafiar são fortalecidas. Por exemplo, quando as feministas não reconhecem o papel que a raça
desempenhou na resposta pública ao estupro da corredora do Central Park, o feminismo contribui para as forças
que produzem punição desproporcional para os homens negros que estupram mulheres brancas e quando os
antirracistas representam o caso unicamente em termos de dominação racial, eles menosprezam o fato de que
as mulheres particularmente, e todas as pessoas em geral, devem estar indignadas com a violência de gênero
que o caso representava.

Talvez a desvalorização das mulheres não-brancas implícita aqui esteja ligada à forma como as
mulheres não-brancas são representadas em imagens culturais. Os estudiosos em uma ampla gama de campos
estão cada vez mais a reconhecer a centralidade das questões de representação na reprodução da hierarquia
racial e de gênero nos Estados Unidos. No entanto, os debates atuais sobre a representação continuam a
influenciar a intersecção de raça e gênero na construção da cultura popular de imagens de mulheres não-
brancas. Por conseguinte, uma análise do que pode ser denominado “intersecção representacional” incluiria
tanto as formas como essas imagens são produzidas através de uma confluência de narrativas predominantes
de raça e gênero, bem como o reconhecimento de como as críticas contemporâneas de uma representação
racista e sexista marginalizam mulheres não-brancas.

Nesta seção, exploro o problema da intersecção representacional — em particular, como a produção de


imagens de mulheres não-brancas e as contestações sobre essas imagens tendem a ignorar os interesses
interseccionais das mulheres não-brancas — no contexto da controvérsia sobre 2 Live Crew, o grupo de rap
negro que foi objeto de uma acusação de obscenidade na Flórida em 1990. Eu me oponho ao processo de
48

obscenidade de 2 Live Crew e não sem uma sensação de divisão interna forte, de insatisfação com a ideia de
que a “questão real” é raça ou gênero, inutilmente justapostos. Uma análise interseccional oferece uma resposta
intelectual e política a esse dilema. Com o objetivo de reunir os diferentes aspectos de uma sensibilidade de
outra forma dividida, uma análise interseccional argumenta que as subordinações raciais e sexuais se reforçam
mutuamente, que as mulheres negras são comumente marginalizadas por uma política de raça única ou gênero
única e que uma resposta política a cada forma de subordinação deve, ao mesmo tempo, ser uma resposta
política a ambas.

A.Controvérsia do 2 Live Crew


Em junho de 1990, os membros dos 2 Live Crew foram presos e acusados sob um status de obscenidade
da Flórida por seu desempenho em um clube para adultos apenas em Hollywood, na Flórida. As prisões vieram
apenas dois dias depois que um juiz federal julgou sexualmente explícitas as letras do álbum de 2 Live Crew,
As Nasty As They Wanna Be[1], eram obscenas[2]. Embora os membros do 2 Live Crew tenham sido
eventualmente absolvidos de acusações decorrentes do desempenho ao vivo, a decisão do tribunal federal de
que Nasty é obscena ainda é válida. Este julgamento de obscenidade, juntamente com as prisões e o julgamento
subsequente, provocou uma intensa controvérsia pública sobre a música rap, uma polêmica que se fundiu com
um debate mais amplo sobre a representação do sexo e da violência na música popular, sobre a diversidade
cultural e sobre o significado da liberdade de expressão.

Duas posições dominaram o debate sobre 2 Live Crew. Escrevendo no Newsweek, o colunista político
George Will observou o caso da acusação[3]. Argumentaria que Nasty era uma imundice misógina e
caracterizava o desempenho de 2 Live Crew como uma “combinação de infantilismo e extrema ameaça
repugnante” que objetivava as mulheres negras e as representava como alvos adequados a violência sexual[4].
A defesa mais proeminente de 2 Live Crew foi avançada por Henry Louis Gates Jr., professor de Harvard e
especialista em literatura afro-americana. Em uma peça de opinião do New York Times e em testemunho no
julgamento criminal, Gates afirmou que membros do 2 Live Crew eram artistas importantes que operavam
dentro e criativamente desenvolvendo distintamente formas de expressão cultural afro-americana[5]. De
acordo com Gates, o exagero característico apresentado nas letras de 2 Live Crew serviu com um fim político:
explodir estereótipos racistas populares de forma comicamente extrema[6]. Onde Will viu um estupro
misógino às mulheres negras por degenerados sociais, Gates encontrou uma forma de “carnivalesco sexual”
com a promessa de libertar-nos das patologias do racismo[7].

Ao contrário de Gates, há muitos que simplesmente não “ririam” depois de ouvir 2 Live Crew[8].
Fazemos um desserviço da questão para descrever as imagens das mulheres em Nasty como simplesmente
“sexualmente explícitas”[9]. Ouvindo Nasty, ouvimos falar de “bucetas” sendo “fodidas” até que a coragem
esteja rachada, “bundas” sendo “arrebentadas”, “pintos” estragando gargantas e o sêmen salpicando nos
rostos. As mulheres negras são “cunts[10]”, “cadelas” e “vadias” de uso geral[11].

Este não é um mero braggadocio[12]. Aqueles que estão preocupados com as altas taxas de violência
de gênero em nossas comunidades devem estar preocupados com as possíveis conexões entre essas imagens
e a tolerância à violência contra a mulher. Crianças e adolescentes estão ouvindo essa música e não se pode
deixar de preocupar que a gama de comportamentos aceitáveis seja ampliada pela propagação constante de
imagens misóginas. É preciso também se preocupar com jovens mulheres negras que, como homens jovens,
estão aprendendo que seu valor está entre suas pernas. Mas o valor sexual das mulheres, ao contrário dos
homens, é uma mercadoria depletável; os rapazes se tornam homens gastando o deles, enquanto as meninas
49

se tornam vadias.

Nasty é misógino e uma análise interseccional do caso contra 2 Live Crew não deve afastar-se de um
reconhecimento completo dessa misoginia. Mas essa análise também deve considerar se um foco exclusivo
em questões de gênero enfrenta os aspectos do processo de 2 Live Crew que suscitam sérias questões de
racismo.

B.A acusação de obscenidade de 2 Live Crew


Um problema inicial com a acusação de obscenidade de 2 Live Crew foi a sua aparente seletividade[13].
Mesmo a comparação mais superficial entre 2 Live Crew e outras representações sexuais comercializadas em
massa sugere a probabilidade da raça desempenhar algum papel ao distinguir 2 Live Crew como o primeiro
grupo a ser processado por obscenidade em conexão com uma gravação musical e um punhado de artistas de
gravação para serem processados por uma performance ao vivo. As recentes controvérsias sobre o sexismo, o
racismo e a violência na cultura popular apontam para uma vasta gama de expressões que poderiam ter
permitido alvos para a censura, mas ficaram intocados. Madonna atuou na masturbação, retratou a sedução de
um padre e insinuou o sexo grupal no palco[14], mas nunca foi processada por obscenidade. Enquanto 2 Live
Crew estava se apresentando em Hollywood, Flórida, as gravações de Andrew Dice Clay estavam sendo
vendidas nas lojas e ele estava se apresentando em todo o país na HBO. Bem conhecido por seu “humor
racista”, Clay também é comparável ao 2 Live Crew sexualmente explícita e misoginia. Em seu show, por
exemplo, Clay oferece: “Eenie, meenie, miney, mo[15]/Chupe meu [palavrão] e engula lentamente” e “Tire o
sutiã, vadia”[16]. Além disso, as imagens sexuais gráficas — muitas delas violentas — estavam amplamente
disponíveis no condado de Broward, onde o desempenho e o julgamento ocorreram. De acordo com o
depoimento de um vice detetive do Condado de Broward, “espetáculos de dança nua e livrarias para adultos
estão espalhadas por todo o município onde 2 Live Crew se apresentaram”[17]. Dada a disponibilidade de
outras formas de “entretenimento” sexualmente explícito no Condado de Broward, Flórida, pode-se imaginar
como 2 Live Crew poderia ter sido visto como excepcionalmente obsceno pelas luzes dos “padrões
comunitários” do município[18]. Afinal, os patronos de certos clubes do Broward County “podem ver as
mulheres dançando com pelo menos seus seios expostos” e os fregueses da livraria podem “visualizar e
comprar filmes e revistas que retratam sexo vaginal, oral e anal, sexo homossexual e sexo grupal”[19]. Ao
chegar à sua descoberta de obscenidade, o tribunal colocou pouco peso na gama disponível de filmes, revistas
e shows ao vivo como evidência das sensibilidades da comunidade. Em vez disso, o tribunal aceitou,
aparentemente, o testemunho do xerife de que a decisão de escolher entre tudo a Nasty foi baseada no número
de queixas contra 2 Live Crew “comunicadas por chamadas telefônicas, mensagens anônimas ou cartas à
polícia”[20].

A evidência desse clamor popular nunca foi fundamentada. Mas, mesmo que fosse, o caso da seletividade
permaneceria[21]. A história da repressão social da sexualidade masculina negra é longa, muitas vezes violenta
e muito familiar[22]. As reações negativas à conduta sexual de homens negros tradicionalmente tiveram
conhecimentos racistas, especialmente quando essa conduta ameaça “atravessar” a comunidade dominante[23].
Assim, mesmo que a decisão de processar refletisse uma percepção generalizada da comunidade sobre o caráter
puramente prurido da música de 2 Live Crew, essa percepção em si poderia refletir um padrão estabelecido de
atitudes de vigilância voltadas para a expressão sexual dos homens negros[24]. Em suma, o apelo às normas da
comunidade não prejudica a preocupação com o racismo; em vez disso, isso ressalta essa preocupação.

Uma segunda dimensão preocupante do processo contra 2 Live Crew foi o aparente desrespeito do
50

tribunal pelos aspectos culturalmente enraizados da música de 2 Live Crew. Esse desrespeito foi essencial
para a descoberta de obscenidade, dado o terceiro ponto do teste de Miller, exigindo que o material julgado
obsceno deve, em sua totalidade, ter um valor literário, artístico ou político[25]. 2 Live Crew argumentou que
este critério do teste de Miller não foi cumprido no caso de Nasty, uma vez que a gravação exemplificou esses
modos culturais afro-americanos como trocar insultos referentes a parentes, chamar e responder e
significar[26]. O tribunal negou cada uma das reivindicações do grupo de especificidade cultural,
recaracterizando em termos mais genéricos o que 2 Live Crew afirmou ser distintamente afro-americano. De
acordo com o tribunal, trocar insultos referentes a parentes é “comumente visto em adolescentes,
especialmente meninos, de todas as idades”; “vangloriar” parece ser “parte da condição humana universal”; e
as origens culturais de “chamar e responder” — apresentadas em uma música sobre Nasty sobre fellatio em
que os grupos concorrentes cantavam “menos enchimento” e “gosto excelente” — seriam encontrados em um
comercial de cerveja Miller, não em cultura afro-americana tradicional[27]. A possibilidade de que o
comercial da cerveja Miller tenha se desenvolvido de uma tradição cultural afro-americana foi aparentemente
perdida na corte.

Ao desconsiderar os argumentos feitos em nome da 2 Live Crew, o tribunal negou que a forma e o estilo
da música desagradável e, por implicação, do rap, em geral, tivessem algum mérito artístico. Essa destruição
perturbadora dos atributos culturais do rap e o esforço para universalizar os modos de expressão afro-
americanos são uma forma de daltonismo que pressupõe nivelar todas as diferenças raciais e étnicas
significativas para julgar os conflitos entre grupos. A análise do tribunal aqui também manifesta uma estratégia
de apropriação cultural frequentemente encontrada. As contribuições afro americanas que foram aceitas pela
cultura dominante são eventualmente absorvidas como simplesmente “americanas” ou que se achavam
“universais”. Outros modos associados à cultura afro-americana que resistem à absorção permanecem
distintivos e são negligenciados ou descartados como “desviantes”.

O tribunal, aparentemente, rejeitou também a possibilidade de que mesmo o rap mais misógino possa ter
valor político como discurso de resistência. O elemento de resistência encontrado em algum rap é fazer as
pessoas incômodas, desafiando os hábitos recebidos de pensamento e ação. Tais desafios são potencialmente
políticos, assim como as tentativas mais subversivas de contestar as regras tradicionais, tornando-se o que é
mais temido[28]. Contra um retrocesso histórico em que o homem negro como fora da lei social é um tema
proeminente, “o rap do gangsta” pode ser tomado como uma rejeição de uma postura conciliadora visando
minar o medo através da tranquilidade, em favor de uma forma de oposição mais subversiva que tenta desafiar
as regras precisamente ao se tornar o fora da lei social que a sociedade teme e tenta proscrever. As
representações de rap que celebram uma sexualidade masculina negra agressiva podem ser facilmente
interpretadas como incompatíveis e oposicionistas. Não só a leitura do rap dessa maneira impede a descoberta
de que Nasty não tenha valor político, mas também derrota o pressuposto do tribunal de que a intenção do
grupo era apelar apenas para interesses prurientes. Com certeza, essas considerações levam maior força no caso
de outros artistas de rap, como NWA, Too Short, Ice Cube e The Geto Boys, todos cujas tarifas incluem as
representações de agressão violenta, estupro, estupro seguido de assassinato e mutilação[29]. Na verdade, se
esses outros grupos tivessem sido alvo, em vez de comparativamente menos ofensivos, 2 Live Crew, eles
poderiam vencer com sucesso a acusação. A violência gráfica em suas representações milita contra uma
descoberta de obscenidade, sugerindo a intenção de não apelar para interesses prurientes, mas em vez de mais
expressamente políticos. Enquanto a violência for vista como distinta da sexualidade, a exigência de interesse
pruriente pode fornecer um escudo para os artistas de rap mais violentos. No entanto, mesmo esta dicotomia
um tanto formalista pode proporcionar pouca consolação a esses artistas de rap, dados os vínculos históricos
51

que foram feitos entre a sexualidade masculina negra e a violência. Na verdade, tem sido o espectro da violência
que envolve imagens de sexualidade masculina negra que apresentou 2 Live Crew como um alvo aceitável de
uma acusação de obscenidade em um campo que incluía Andrew Dice Clay e inúmeros outros.

O ponto aqui não é que a distinção entre sexo e violência deve ser rigorosamente mantida na
determinação do que é obsceno ou, mais especificamente, que artistas do rap cuja tarifa padrão seja mais
violenta deve ser protegida. Pelo contrário, esses grupos mais violentos devem ser muito mais preocupantes
do que 2 Live Crew. Meu ponto de vista é sugerir que os processos de obscenidade dos artistas do rap não
fazem nada para proteger os interesses dos mais diretamente implicados no rap — mulheres negras. Por um
lado, as noções prevalecentes de obscenidade separam a sexualidade da violência, o que tem o efeito de
proteger os grupos mais agressivamente misóginos da perseguição; por outro lado, os vínculos históricos entre
imagens da sexualidade masculina negra e da violência permitem identificar os rappers “leves” para serem
processados entre todos os outros fornecedores de imagens sexuais explícitas.

C.Discutindo a Interseccionalidade
Embora os interesses das mulheres negras fossem obviamente irrelevantes no julgamento da obscenidade
do 2 Live Crew, suas imagens ocuparam um lugar proeminente no caso público que apoiava a acusação. O
ensaio de Newsweek de George Will fornece um exemplo impressionante de como os corpos das mulheres
negras foram apropriados e implantados no ataque mais amplo contra o 2 Live Crew. Comentando sobre
“America’s Slide into the Sewers”, Will lamenta isso

A América hoje é capaz de uma intolerância fantástica sobre o tabagismo ou resíduos tóxicos que ameaçam a
truta. Mas apenas uma sociedade profundamente confusa é mais preocupada em proteger os pulmões do que
as mentes, as trutas do que as mulheres negras. Nós legislamos contra o tabagismo em restaurantes; cantar
“eu com tanto tesão” é um direito constitucional. A fumaça secundária é cancerígena; a celebração de vaginas
rasgadas é “meras palavras”[30].

Para que alguém não seja enganado em pensar que Will se tornou um aliado de mulheres negras, a
verdadeira preocupação de Will é sugerida por suas repetidas referências ao estupro da corredora de Central
Park. Will escreveu: “Seu rosto estava tão desfigurado que um amigo levou 15 minutos para identificá-la. ‘Eu
reconheci seu anel’. Você reconhece a relevância de 2 Live Crew?”[31] Enquanto a conexão entre a ameaça
de 2 Live Crew e a imagem do estuprador do homem negro foi sugerida sutilmente no debate público; é
flagrante em toda a discussão de Will. Na verdade, ele pretende ser o tema central do ensaio. “Fato: alguns
membros de uma idade particular e um bando societário — o que fez 2 Live Crew rico — pisotearam e
estupraram a corredora até a beira da morte, apenas pela diversão disso.”[32] Will diretamente indica 2 Live
Crew no colapso do Central Park através de um diálogo fictício entre ele e os réus. Respondendo à alegada
confissão de um réu de que o estupro era divertido, Will pergunta: “Onde você pode ter a ideia de que a
violência sexual contra as mulheres é divertida? De uma loja de música, através de fones de ouvido Walkman,
de caixas de som que explodem as letras de rap de 2 Live Crew.”[33] Uma vez que os estupradores eram jovens
homens negros e Nasty apresenta homens negros comemorando de violência sexual, 2 Live Crew esteve no
Central Park naquela noite, proporcionando o acompanhamento subjacente a um estupro vicioso. Ironicamente,
Will rejeitou precisamente esse tipo de argumento no contexto do discurso racista, com o argumento de que os
esforços para vincular o discurso racista à violência racista pressupõem que aqueles que ouvem discurso racista
irão atuar de forma irrefutável sobre o que ouvem[34]. Aparentemente, certo “grupo social” que produz e
consome discurso racista é fundamentalmente diferente daquele que produz e consome música rap.
52

Will invoca as mulheres negras — duas vezes — como vítimas desta música. Mas se ele estivesse
realmente preocupado com a ameaça de 2 Live Crew para mulheres negras, por que a corredora de Central Park
figura tão proeminente em sua argumentação? Por que não a mulher negra no Brooklyn que foi estuprada em
uma banda e depois jogada por um arraial? Na verdade, Will falhou mesmo em mencionar as vítimas negras
de violência sexual, o que sugere que as mulheres negras simplesmente funcionam para Will como ‘atores
substitutos’ para mulheres brancas. O uso de Will do corpo feminino negro para pressionar o caso contra 2
Live Crew lembra a estratégia do promotor no romance Native Son, de Richard Wright. Bigger Thomas, o
protagonista masculino negro de Wright, está em julgamento por matar Mary Dalton, uma mulher branca.
Porque Bigger queimou seu corpo, não pode ser estabelecido se Bigger a estupro, então o promotor traz o corpo
de Bessie, uma mulher negra estuprada por Bigger e deixada para morrer, a fim de estabelecer que Bigger havia
estuprado Mary Dalton[35].

Essas considerações sobre seletividade, sobre a negação da especificidade cultural e sobre a


manipulação dos corpos das mulheres negras me convencem que a raça desempenhou um papel significativo,
se não determinante, na formação do caso contra o 2 Live Crew. Ao usar a retórica antissexista para sugerir
uma preocupação com as mulheres, o ataque contra 2 Live Crew adota as leituras tradicionais da sexualidade
masculina negra. O fato de que os objetos dessas imagens sexuais violentas são mulheres negras torna-se
irrelevante na representação da ameaça em termos da díade de estuprador negro/vítima branca. O homem negro
torna-se o agente da violência sexual e a comunidade branca se torna sua vítima potencial. O subtexto do
julgamento do 2 Live Crew torna-se assim uma releitura das políticas raciais sexualizadas do passado.

Enquanto as preocupações com o racismo alimentam minha oposição ao processo de obscenidade de 2


Live Crew, o apoio acrítico para e mesmo a celebração de 2 Live Crew por outros opositores da acusação
também é extremamente preocupante. Se a retórica do antissexismo constituiu uma ocasião para o racismo,
também a retórica do antirracismo proporcionou uma ocasião para defender a misoginia de 2 Live Crew. Essa
defesa assumiu duas formas, uma política e outra cultural, ambas arguidas proeminentemente por Henry Louis
Gates. A defesa política de Gates argumenta que 2 Live Crew avança na agenda antirracista exagerando os
estereótipos da sexualidade masculina negra “para mostrar o quanto são ridículos”[36]. A defesa afirma que,
ao destacar ao extremo o sexismo, a misoginia e a violência estereotipicamente associadas à sexualidade
masculina negra, 2 Live Crew representa um esforço pós-moderno para “libertar-nos” do racismo que
perpetua esses estereótipos[37].

Gates tem razão em afirmar que as reações de Will e outros confirmam que ainda existem estereótipos
raciais, mas mesmo que 2 Live Crew pretendessem explodir esses estereótipos, sua estratégia era equivocada.
Certamente, o grupo calculou completamente a reação de sua audiência branca, como a polêmica de Will ilustra
amplamente. Ao invés de explodir estereótipos, como Gates sugere, 2 Live Crew, parece mais razoável
argumentar, foi simplesmente (e sem sucesso) tentar ser engraçado. Afinal, o comércio de estereótipos sexuais
tem sido um meio para uma risada barata e a defesa cultural de Gates a 2 Live Crew reconhece tanto em
argumentar a identificação do grupo com uma tradição cultural claramente afro-americana das “trocas de
insultos” e outras formas de jacância verbal, piadas raquetas e insinuações de proezas sexuais, todas as quais
foram feitas para rir e ganhar o respeito do falante por sua palavra feiticeira e não para atrapalhar os mitos
convencionais da sexualidade negra[38]. A defesa cultural de Gates de 2 Live Crew, no entanto, lembra
esforços semelhantes em favor do humor racista, que às vezes foi defendido como antirracista — um esforço
para se divertir ou mostrar a ridicularização do racismo. Mais simplesmente, o humor racista muitas vezes foi
desculpado como “apenas brincadeira” — mesmo as agressões motivadas por raça foram defendidas como
53

simples brincadeiras. Assim, o racismo de um Andrew Dice Clay poderia ser defendido em ambos os modos
como uma tentativa de explodir estereótipos racistas ou como um humor simples que não deveria ser levado a
sério. Implícito nessas defesas é o pressuposto de que as representações racistas são prejudiciais apenas se
pretendem ferir ou se forem tomadas literalmente ou são desprovidas de algum outro objetivo não-racista. É
altamente improvável que essa justificativa seja aceita pelos negros como uma defesa persuasiva da Andrew
Dice Clay. Na verdade, a crítica histórica e contínua da comunidade negra sobre esse humor sugere a rejeição
generalizada desses argumentos.

A afirmação de que uma representação se entende simplesmente como uma piada pode ser verdadeira,
mas a brincadeira funciona como humor dentro de um contexto social específico em que frequentemente
reforça padrões de poder social. Embora o humor racial às vezes possa ser destinado a ridicularizar o racismo,
a estreita relação entre os estereótipos e as imagens prevalecentes das pessoas marginalizadas complica essa
estratégia. E certamente, o posicionamento do humorista em relação a um grupo direcionado colabora como o
grupo interpreta um estereótipo ou gesto potencialmente ridículo. Embora se possa argumentar que os
comediantes negros têm uma licença mais ampla para comercializar imagens estereotipicamente racistas, esse
argumento não tem força aqui. 2 Live Crew não pode reivindicar um privilégio no grupo para perpetuar o
humor misógino contra as mulheres negras: os membros da 2 Live Crew não são mulheres negras e, mais
importante, eles desfrutam de um relacionamento de poder sobre elas.

O humor em que as mulheres são objetificadas como pacotes de partes corporais para servir qualquer
ligação masculina/competição masculina necessitem homens que se agradem em subordinar as mulheres da
mesma forma que o humor racista subordina os afro-americanos. Reivindica que as incidências de tal humor
são apenas piadas e não se destinam a ferir ou a ser tomadas, literalmente, pouco para frustrar sua qualidade
degradante — nem, na verdade, o fato de que as piadas são contadas dentro de uma tradição cultural
intergrupo.

A noção de que o sexismo pode servir para fins antirracistas tem proponentes que vão desde Eldridge
Cleaver[39] a Shahrazad Ali[40], todos parecem esperar que as mulheres negras sirvam como veículos para a
realização de uma “libertação” que funcione para perpetuar sua própria subordinação[41]. As reivindicações
de especificidade cultural também não justificam a tolerância da misoginia[42]. Enquanto a defesa cultural de
2 Live Crew tem a virtude de reconhecer o mérito em uma forma de música comum à comunidade negra, algo
que George Will e o tribunal que condenou 2 Live Crew foram muito gentis em descartar, não elimina a
necessidade de questionar tanto o sexismo dentro da tradição que defende como os objetivos a que a tradição
foi pressionada. O fato de que trocar insultos relacionados aos parentes dos outros, digamos, está enraizado
na tradição cultural negra, ou que os temas representados por heróis populares míticos como “Stackolee” são
afro-americanos, não resolve a questão de saber se essas práticas oprimem as mulheres negras[43]. Se essas
práticas são uma parte distintiva da tradição cultural afro-americana decididamente não vem ao ponto. A
verdadeira questão é como os aspectos subordinados dessas práticas se desempenham na vida das pessoas na
comunidade, pessoas que compartilham os benefícios e os encargos de uma cultura comum. No que diz
respeito ao 2 Live Crew, embora possa ser verdade que a comunidade negra aceitou as formas culturais que
evoluíram para o rap, essa aceitação não deve impedir a discussão sobre se a misoginia dentro do rap é
aceitável.

Com respeito às defesas políticas e culturais de Gates de 2 Live Crew, então, pouco se mostra se o “jogo
de palavras” realizado pela tripulação é um desafio pós-moderno à mitologia sexual racista ou simplesmente
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uma prática de grupo interno que atravessou a América corrente. Ambas as defesas são problemáticas porque
exigem que as mulheres negras adotem a misoginia e o seu desrespeito e exploração ao serviço de algum
objetivo coletivo mais amplo, quer seja prosseguir uma agenda política antirracista ou manter a integridade
cultural da comunidade negra. Nenhum objetivo obriga as mulheres negras tolerar tal misoginia.

Da mesma forma, os esforços superficiais do movimento anti-2 Live Crew para vincular a acusação da
equipe com a vitimização das mulheres negras tiveram pouco a ver com a vida das mulheres negras. Aqueles
que desdobraram mulheres negras ao serviço da condenação de representações misóginas de 2 Live Crew não
o fizeram no interesse de capacitar mulheres negras; em vez disso, tinham outros interesses em mente, cuja
busca era subordinada racialmente. A implicação aqui não é que as feministas negras devem ser solidárias com
os apoiantes de 2 Live Crew. A defesa enérgica de 2 Live Crew não era mais sobre a defesa de toda a
comunidade negra do que a acusação era sobre a defesa das mulheres negras. Afinal, as mulheres negras cujo
estupro é o sujeito da representação dificilmente podem considerar o direito de ser representado como vadias e
prostitutas como essenciais para seu interesse. Em vez disso, a defesa principalmente funciona para proteger a
prerrogativa de 2 Live Crew para ser tão misógino quanto eles querem ser[44].

Dentro da comunidade política afro-americana, as mulheres negras terão que deixar claro que o
patriarcado é uma questão crítica que afeta negativamente a vida, não só das mulheres negras, mas também
dos homens negros. Fazer isso ajudaria a remodelar as práticas tradicionais para que a evidência do racismo
não constituísse uma justificativa suficiente para o acréscimo acrítico em torno da política misógina e dos
valores patriarcais. Embora a oposição coletiva à prática racista tenha sido e continue sendo crucialmente
importante na proteção dos interesses negros, uma sensibilidade feminista negra capacitada exigiria que os
termos de unidade não reflitam mais as prioridades com base na contínua marginalização das mulheres negras.

Referências e notas de rodapé:

[1] 2 LIVE CREW, AS NASTY AS THEY WANNA BE (Luke Records 1989).

[2] Em junho de 1990, um juiz federal decidiu que as letras de 2 Live Crew referentes a sodomia e relações
sexuais eram obscenas. Skywalker Records, Inc, v. Navarro, 739 F. Supp. 578, 596 (S.D. Fla. 1990). O tribunal
considerou que a gravação apelou para o interesse mais próspero, era manifestamente ofensivo, conforme
definido pela lei estadual e considerado como um todo, faltava um valor literário, artístico ou político sério. Id.
em 591–96. No entanto, o tribunal também considerou que o escritório do xerife submeteu a gravação à
restrição prévia inconstitucional e, consequentemente, concedeu atuações permanentes da 2 Live Crew. Id. em
596–604. Dois dias depois que o juiz declarou a obscena da gravação, membros do 2 Live Crew foram
encarregados de dar uma performance obscena em um clube em Hollywood, Flórida. Especialistas defendem
letras do Live Crew, UPI, 19 de outubro de 1990. Os deputados adjuntos também prenderam Charles Freeman,
um comerciante que estava vendendo cópias da gravação Nasty. Ver Gene Santoro, How 2B Nasty, NATION,
July 2, 1990, em 4. O 11º circuito inverteu a convicção, Luke Records, Inc. v. Navarro, 960 F 2d 134 (11th
Cir. 1992)

[3] Veja George F. Will, America’s Slide into the Sewer, NEWSWEEK, July 30, 1990, em 64.

[4] Id.

[5] Henry Louis Gates, 2 Live Crew, Decoded, N.Y. Times, June 19, 1990, em A23. O professor Gates,
55

que testemunhou em nome de 2 Live Crew no processo criminal decorrente de sua performance ao vivo,
apontou que os membros da 2 Live Crew se expressavam em mensagens codificadas e estavam envolvidos
em paródia. “Durante séculos, os afro-americanos foram obrigados a desenvolver formas de comunicação
codificadas para protegê-los do perigo. Alegorias e duplo-significado, palavras redefinidas para significar
seus opostos… habilitaram os negros a compartilhar mensagens”. Id. Da mesma forma, a paródia é um
componente da “tradição da rua” chamada signifying ou trocando insultos (playing the dozens), que
geralmente tem sido assinalada e onde o melhor signifier ou “rapper” é aquele que inventa as imagens
mais extravagantes, as maiores “mentiras”, como a cultura diz.” Id.

[6] Testemunhando durante a perseguição de 2 Live Crew por obscenidade, Gates argumentou que “uma das
coisas brilhantes sobre essas quatro músicas é que eles abraçam esse estereótipo [dos negros que têm órgãos
sexuais excessivamente grandes e sendo indivíduos hiperssexualizadas]. Eles o nomeiam e eles explodem.
Você não pode ter nenhuma reação, mas repreender o riso. O fato de que eles estão sendo cantados por quatro
jovens negros viris é inescapável para o público”. Laura Parker, Rap Lyrics Likened To Literature; Witness
in 2 Live Crew Trial Cites Art, Parody, Precedents, Wash. Post, Oct. 20, 1990, em OI.

[7] Compare Gates, supra nota 142 (rotulando o braggadocio de 2 Live Crew como “carnivalesco
sexual”) com Will, supra nota 140 (caracterizando 2 Live Crew como “animais baixos”).

[8] Veja nota 143 supra.

[9] Embora eu tenha elegido imprimir algumas das linguagens reais de Nasty, grande parte do debate sobre
este caso prosseguiu sem qualquer discussão específica sobre as letras. Há motivos para evitar repetir esse
material sexualmente explícito. Entre os mais convincentes, a preocupação de apresentar letras fora de seu
contexto musical mais completo dificulta uma compreensão complexa e apreciação da forma de arte do próprio
rap. Fazer isso também essencializa uma dimensão da obra de arte — suas letras — para defender o todo.
Finalmente, concentrar-se na produção de um único grupo pode contribuir para a impressão de que esse grupo
— aqui, 2 Live Crew — representa justamente todos os rappers.

Reconhecendo esses riscos, acredito que seja importante incorporar excertos das letras da equipe nesta análise.
Não só as letras são legalmente relevantes em qualquer discussão substantiva da acusação de obscenidade,
mas também sua inclusão aqui serve para revelar a profundidade da misoginia que muitas mulheres afro-
americanas devem lidar para defender 2 Live Crew. Isto é particularmente verdadeiro para as mulheres
afro-americanas que foram abusadas sexualmente pelos homens em suas vidas. Claro, também é o caso de
muitas mulheres afro-americanas que estão preocupadas com a degradação sexual de mulheres negras em
alguma música rap podem desfrutar da música rap em geral.

[10] NOTA DA TRADUÇÃO: Cunt é um termo de desrespeito a mulher. Considerado por muitos como a
palavra mais ofensiva na língua inglesa.

[11] Veja geralmente 2 LIYE CREW, supra nota 138; N.W.A., STRAIGHT GOTTA COMPTON
(Priority Records, Inc. 1988); N.W.A., N.W.A. & THE POSSE (Priority Records, Inc. 1989).

[12] NOTA DA TRADUÇÃO: Braggadocio é um tipo de rap em que o MC se gaba por demais e pode incluir
temas como físico, capacidade de lutar, riqueza, proeza sexual ou frieza. Veja mais em: Edwards, Paul (2009).
How to Rap: The Art & Science of the Hip Hop MC. Chicago Review Press, ISBN 1–55652–816–7.
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[13] Há um apoio considerável para a afirmação de que o julgamento de 2 Live Crew e outros grupos de rap é
uma manifestação de repressão seletiva da expressão negra que não é mais racista ou sexista do que a expressão
por grupos não-negros. O exemplo mais flagrante é a decisão da Geffen Records de não distribuir um álbum
pelo ato rap, Geto Boys. Geffen explicou que “até que ponto o álbum Geto Boys glamouriza e possivelmente
endossa violência, racismo e misoginia nos compele a encorajar o Def American (o rótulo do grupo) a
selecionar um distribuidor com maior afinidade por essa expressão musical”. Greg Ket, No Safe, Citing Explicit
Lyrics, Distributor Backs Away From Geto Boys Album, Chicago Trib., Sept. 13, 1990, § 5, em 9. Geffen,
aparentemente, tem uma maior afinidade por pessoas como Andrew Dice Clay e Guns ‘N Roses, atos não-
negros que foram atacados por comentários racistas e sexistas. Apesar das críticas de Guns ‘N Roses para letras
que incluem “negros” e “piadas” de Clay sobre os nativos americanos (ver nota 150 infra), a Geffen continuou
a distribuir suas gravações. Id.

[14] Veja Derrick Z. Jackson, Why Must Only Rappers Take the Rape, Boston Globe, June 17, 1990, em
A17.

[15] NOTA DA TRADUÇÃO: Eenie, meenie, miney, moe que pode ser escrito de várias maneiras — é uma
contagem de rima para crianças, usado para selecionar uma pessoa em jogos como tag.

[16] Id. em A20. Não só Clay exibe o sexismo comparável, senão maior que o de 2 Live Crew, ele também
intensifica o nível de ódio ao fazer racismo: “Indianos, pessoas espertas, hein? Eles ainda estão vivendo em
[expletivo] tendas. Eles mereceram isso. Eles são idiotas como [expletivo].’” Id. (citando Clay).

Um comentarista perguntou: “O que separa Andrew Dice Clay e 2 Live Crew? Resposta: Andrew Dice Clay,
drogado, está sendo perseguido pelos produtores de “Saturday Night Live”. 2 Live Crew, que costuma utilizar
palavrãos, está sendo perseguido pela polícia”. Id. em Al7. Quando Clay apareceu no Saturday Night Live,
uma controvérsia foi provocada porque a membro do elenco Nora Dunn e a convidada musical Sinead
O’Connor se recusaram a aparecer. Jean Seligman, Dicey Problem, NEWSWEEK, 21 de maio de 1990, em
95.

[17] Jane Sutton, Untitled, 2 Live Crew, UPI, Oct. 18, 1990.

[18] Processar 2 Live Crew, mas não Clay, pode ser justificado pelo argumento de que existe uma distinção
entre “obscenidade”, definida como expressões de interesses prurientes e “pornografia” ou “discurso racista”,
definidos como expressões de misoginia e ódio racial, respectivamente. Expressões prurientes de 2 Live Crew
poderiam ser processadas como obscenidade constitucionalmente desprotegida, enquanto as expressões
racistas e misóginas protegidas de Clay não podiam. Tal distinção foi submetida a análise crítica. Veja
Catharine A. MacKinnon, Not A Moral Issue, 2 YALE L. & POL’Y REV. 321 (1984). A distinção não
explica por que outras expressões que apelam mais diretamente para “interesses prurientes” não são
processadas. Além disso, o apelo pruriente de 2 Live Crew é produzido, pelo menos em parte, através da
degradação das mulheres. Consequentemente, não pode haver distinção convincente entre o recurso que Clay
faz e o de 2 Live Crew.

[19] Sutton, supra nota 151.

[20] Skywalker Records, Inc. v. Navarro, 739 F. Supp. 578, 589 (S.D. Fia 1990). O tribunal rejeitou o
argumento dos arguidos de que “a admissão de outras obras sexualmente explícitas” tem direito a um grande
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peso na determinação dos padrões comunitários e afirmou que “esse tipo de evidência nem sequer deve ser
considerado, mesmo que os trabalhos comparáveis tenham sido encontrados não obscenos”. Id. (citando
Hamling v. United States, 418 U.S. 82, 126–27 (1974)). Embora o tribunal tenha dado “algum peso” a escritos
sexualmente explícitos em livros e revistas, a fita de áudio de Eddie Murphy de Raw e a gravação de Andrew
Dice Clay, não explicou por que essas mensagens verbais “análogas ao formato na gravação Nasty” também
não eram obscenos. Id.
[21] Um relatório sugeriu que a denúncia veio de um advogado, Jack Thompson. Thompson continuou sua
campanha, expandindo sua rede para incluir artistas de rap, os Geto Boys e Too Short. Sara Rimer, Obscenity
or Art? Trial on Rap Lyrics Opens, N. Y. Times, Oct. 17, 1990, em Al. Apesar da aparência da aplicação
seletiva, é duvidoso que qualquer tribunal seja persuadido de que a motivação racial necessária foi comprovada.
Mesmo a evidência de disparidade racial nas mais pesadas penas criminais — a sentença de morte — é
insuficiente para justificar a ausência de evidências específicas de discriminação no caso do réu. Ver McClesky
v. Kemp, 481 U. S. 279 (1987).

[22] Veja notas 101–104 supra e texto que os acompanha.

[23] Alguns críticos especulam que a acusação de 2 Live Crew tem menos a ver com a obscenidade do que
com o policiamento tradicional de homens negros, especialmente no que diz respeito à sexualidade.
Questionando se 2 Live Crew é mais obsceno do que Andrew Dice Clay, Gates afirma: “Claramente, este
grupo de rap é visto como mais ameaçador do que outros que são tão sexualmente explícitos. Isso pode ser
completamente independente do espectro do jovem negro como uma figura de perturbação sexual e social,
os próprios estereótipos que 2 Live Crew parece determinado a minar?” Gates, supra nota 142. Clarence
Page faz um ponto semelhante, especulando que “2 Live Crew tornou-se o bode expiatório para a frustração
generalizada compartilhada por muitos negros e brancos em uma ampla gama de problemas sociais que
parecem ter ficado fora de controle”. Clarence Page, Culture, Taste and Standard-Setting, Chicago Trib.,
Oct. 7, 1990, § 4, em 3. Page implica, no entanto, que esta explicação seja algo mais ou diferente do racismo.
“Poderia ser (tambores, por favor) o racismo? Ou poderia ser medo?” Id. (ênfase adicionada). A definição
de racismo de Page, aparentemente, não inclui a possibilidade de que é racista atacar os próprios medos e
desconfortos da sociedade a um “outro” subordinado e altamente estigmatizado. Em outras palavras, o bode
expiatório, pelo menos neste país, tradicionalmente foi, e ainda é, considerado racista, seja qual for a fonte
do medo.

[24] Mesmo na era atual, esse vigilantismo às vezes é tragicamente expresso. Yusef Hawkins tornou-se vítima
dele em Nova York em 23 de agosto de 1989, quando foi morto por uma multidão de homens brancos que
acreditavam estar protegendo “suas” mulheres de serem tomadas por homens negros. UPI, 18 de maio de 1990.
Jesse Jackson chamou Hawkins por matar em um “linchamento racial e sexualmente motivado” e comparou-o
com o assassinato de 1951 com o jovem negro de Mississippi, Emmett Till, que foi morto por homens que
achavam que ele assobiava a uma mulher branca. Id. Mesmo aqueles que negaram os maus-tratos raciais do
assassinato de Hawkins produziram explicações alternativas que faziam parte da mesma narrativa histórica.
Artigos sobre o incidente de Hawkins incidiram sobre Gina Feliciano como a causa do incidente, atacando sua
credibilidade. Veja, por exemplo, Lorrin Anderson, Cracks in the Mosaic, NAT’L REV., 25 de junho de 1990,
em 36. “Gina instigou o problema… Gina consumiu drogas e, aparentemente, ainda consome. Ela abandonou
um programa de reabilitação antes de testemunhar no julgamento “e depois foi pega pela polícia e” acusada de
possuir cocaína — 15 frascos de crack caíram da bolsa, disse à polícia e ela tinha um pouco no sutiã”. Id. em
37. No julgamento, o advogado de defesa Stephen Murphy afirmou que Feliciano “mentiu… perjurou-se… Ela
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divide, polariza oito milhões de pessoas…. É desprezível o que fez, tornando este um incidente racial”. Id.
(citando Murphy). Mas as feministas atacaram o “bode expiatório” de Feliciano, afirmando: “Não só as
mulheres são vítimas de violência masculina, são culpadas por isso”. Alexis Jetter, Protesters Blast Scapegoat
Tactics, Newsday, Apr. 3, 1990, em 29 (citando Françoise Jacobsohn, presidente do capítulo de Nova York da
Organização Nacional das Mulheres). De acordo com Merle Hoffman, fundadora da New York Pro-Choice
Coalition, “a vida pessoal de Gina não tem nada a ver com o crime… mas tenha a certeza, eles entrarão em sua
história sexual… Tudo é parte da ideia do ‘Ela me fez fazer isso’”. Id. (citando Hoffman). E o colunista de
Nova York, Ilene Barth, observou que

Gênero… tem um papel na guerra racial de Nova York. Dedos foram apontados em Benson Hurst na semana
passada em uma adolescente… [que] nunca prejudicou ninguém…. A palavra de seu convite ofendia os
cravos locais, brotando macho-freaks determinados a possuir o relvado local e as mulheres jovens em seu
grupo étnico… As mulheres não fizeram as manchetes como parte das bandas de pilhagem com intenção de
agressão racial. Mas eles se numeram entre suas vítimas”.

Ilene Barth, Let the Women of Benson Hurst Lead Usina Prayer Vigil, Newsday, Sept. 3, 1989, at 10.

[25] A Suprema Corte articulou seu padrão de obscenidade em Miller v. California, 413 U.S. 15 (1973), reh’g
negado, 414 US 881 (1973). O Tribunal considerou que as orientações básicas para as pessoas responsáveis
pela investigação e decisão do caso judicial dos fatos eram (A) “se a ‘pessoa média, aplicando padrões
comunitários contemporâneos’, consideraria que o trabalho, como um todo, atrai o interesse pruriente”; (B)
“se o trabalho descreve, de forma manifestamente ofensiva, uma conduta sexual especificamente definida pela
lei estadual aplicável”; e © “se o trabalho, no seu conjunto, não possui um valor literário, artístico, político ou
científico sério”. Id. em 24 (citações omitidas).

[26] Veja Gates, supra nota 142.


[27] Skywalker Records, Inc., v. Navarro, 739 F. Supp. 578, 595 (S.D. Fia. 1990). A apropriação comercial
do rap é prontamente aparente na cultura pop. Os comerciais de refrigerantes e fast food agora apresentam rap
mesmo que o estilo às vezes seja apresentado sem a sua face racial/cultural. As batatas fritas dançantes do
McDonald’s e o Pillsbury Doughboy entraram no ato de rap. O crossover do rap não é o problema; em vez
disso, é a tendência, representada em Skywalker, rejeitar as origens culturais da linguagem e das práticas que
são perturbadoras. Isso faz parte de um padrão geral de apropriação cultural que antecede a controvérsia do
rap. Mostramente ilustrado em música e dança, pioneiros culturais como Little Richard e James Brown foram
espremidos do seu lugar na consciência popular para dar espaço para Elvis Presley, Mick Jagger e outros. O
aumento meteórico do rapper branco Vanilla Ice é um exemplo contemporâneo.

[28] Gates argumenta que 2 Live Crew está prejudicando o “espectro do jovem negro como uma figura de
ruptura sexual e social”. Gates, supra nota 142. Diante de “estereótipos racistas sobre a sexualidade negra”,
ele explica, “você pode fazer uma das duas coisas: você pode desautorizá-las ou explodi-las com exagero”.
Id. 2 Live Crew, sugeriu Gates, optou por explodir o mito parodiando os exageros da “do sexo negro entre
mulheres e homens”. Id.

[29] Outros atos de rap que foram destacados por suas letras violentas incluem Ice Cube, the Geto Boys e Too
Short. Veja, por exemplo, lCE CUBE, KILL AT WILL (Gangsta Boogie Music (ASCAP)/ UJAMA Music,
Inc. 1990); GETO BOYS, THE GETO BOYS (N The-Water Music, Inc. (ASCAP) 1989); TOO SHORT,
SHORT DOO’S IN THE HOUSE (RCA Records 1990). Nem todas as letras de rap são misóginas. Além disso,
59

mesmo os atos misóginos também expressam uma visão política do mundo. As diferenças entre os grupos de
rap e o valor artístico do meio às vezes são ignoradas pelos críticos convencionais. Veja, por exemplo, Jerry
Adler, The Rap Altitude, NEWSWEEK, Mar. 19, 1990, em 56, 57 (rotulando o rap como um subproduto
“bombástico, autoagrandatório” da crescente “cultura de Atitude”). O tratamento de rap dos adolescentes
provocou uma tempestade de respostas. Veja, por exemplo, Patrick Goldstein, Pop Eye: Rappers Don’t Have
Time For Newsweek’s Attitude, L.A. Times, Mar. 25, 1990, em 90 (Magazine). Disse Russell Simmons,
presidente da Def-Jam Records, o rótulo mais bem sucedido do rap: “Certamente, a indignação moral na peça
[de Adler] seria melhor aplicada às crises americanas contemporâneas em saúde, educação, sem-teto… Culpar
as vítimas — neste caso da classe trabalhadora negra da América e da subclasse — nunca é uma abordagem
muito útil para a resolução de problemas “. Id. (citando Simmons).

[30] Veja Will, supra nota 140.


[31] Id.

[32] Id.

[33] Id.

[34] Veja George F. Will, On Campuses, Liberal’s Would Gag Free Speech, Newsday, Nov. 6, 1989, em 62.

[35] RICHARD WRJGHT, NATIVE SON 305–08 (Perennial Library ed. 1989) (1940). Wright escreveu:

Apesar de ter matado uma garota negra e uma garota branca, ele sabia que seria pela morte da garota branca
que ele seria punido. A menina negra era meramente “evidência”. E sob tudo, ele sabia que os brancos
realmente não se importavam com o assassinato de Bessie. As pessoas brancas nunca procuraram por negros
que mataram outros negros,

Id. em 306–07.

[36] Gates, supra nota 142. A defesa de Gates de 2 Live Crew retratou o grupo como envolvido na guerrilha
pós-moderna contra estereótipos racistas de sexualidade negra. Diz Gates, “A música de 2 Live Crew exagera
os estereótipos de homens e mulheres negras para mostrar o quão ridículo são esses retratos. Uma das coisas
brilhantes sobre essas músicas é que eles abraçam os estereótipos…. É ridículo. É por isso que nós rimos sobre.
Essa é uma das coisas que notei na reação da audiência. Não há nenhum fundamento na violência. Há risadas,
há alegria.” Id. Gates repete o tema de celebridades em outros lugares, ligando 2 Live Crew a Eddie Murphy e
outros artistas do sexo masculino negros, porque

eles estão dizendo todas as coisas que não poderíamos dizer, mesmo na década de 1960, sobre nossos próprios
excessos, coisas que só podíamos sussurrar em salas escuras. Eles estão dizendo que vamos explodir todas
essas vacas sagradas. É fascinante e é perturbador para todos — não apenas pessoas brancas, mas pessoas
negras. Mas é um momento libertador.

John Pareles, An Album is Judged Obscene; Rap: Slick, Violent, Nasty and, Maybe Hopeful, N. Y. Times,
June 17, 1990, em 1 (citando Gates). Para uma análise interseccional convincente do apelo popular de Eddie
Murphy, veja Herman Beavers, The Cool Pose: Intersectionality, Masculinity and Quiescence in the
Comedy and Films
60

of Richard Pryor and Eddie Murphy(manuscrito inédito) (no arquivo com o Stanford Law Review).

[37] Gates e outros que defendem 2 Live Crew como heróis cômicos pós-modernos tendem a descartar
ou minimizar a misoginia representada em seu rap. Disse Gates: “Seu sexismo é tão flagrante, no entanto,
que quase se cancela em uma guerra hiperbólica entre os sexos”. Gates, supra nota 142.

[38] Veja nota 142 supra.

[39] Veja nota 47 supra.

[40] Veja notas 37–42 supra e o texto acompanhando.

[41] Gates ocasionalmente afirma que ambas as imagens de homens e mulheres negras são explodidas por 2
Live Crew. Mesmo que a visão de Gates seja válida para imagens de homens negros, a estratégia não funciona
e não deveria funcionar — para mulheres negras. As mulheres negras não são os atores da estratégia 2 Live
Crew; elas são incentivadas. Para desafiar as imagens das mulheres negras, as próprias mulheres negras
deveriam abraçá-las e não simplesmente permitir que os homens negros “atuem” neles. Os únicos grupos de
raps do sexo feminino negro que poderiam pensar tal estratégia são Bytches With Problems and Hoes With
Altitudes. No entanto, tendo ouvido a música desses grupos de rap negro feminino, não tenho a certeza de que
explodir imagens racistas seja sua intenção ou efeito. Isto não quer dizer, é claro, que todo rap feminino negro
esteja sem suas estratégias de resistência. Veja a nota 179 infra.

[42] É interessante que, se os que julgassem o caso do 2 Live Crew em frente ou contra, todos pareciam rejeitar
a noção de que a raça tem algo a ver com sua análise. Veja Skywalker Records, Inc. v. Navarro, 739 F. Supp.
578, 594–96 (S.D. Fia 1990) (rejeitando a disputa de defesa de que 2 Live Crew Nasty tem valor artístico como
expressão cultural negra); veja também Sara Rimer, Rap Band Members Found Not Guilty in Obscenity Trial,
N.Y. Times, Oct. 21, 1990, em A30 (“Os jurados disseram que não concordaram com a afirmação da defesa
de que a música do 2 Live Crew deveria ser entendida no contexto da cultura negra. Eles disseram que a raça
não tinha nada a ver com isso”). Clarence Page também rejeita o argumento de que o NASTY de 2 Live Crew
deve ser avaliado como expressão cultural negra: “Não penso que 2 Live Crew pode ser dito em representar a
cultura negra mais do que, digamos, Andrew Dice Clay pode ser dito representar a cultura branca. Em vez
disso, penso que ambos representam uma falta de cultura”. Veja a página, supra nota 157.
[43] Os homens homossexuais também são alvo de humor homofóbico que pode ser defendido como
culturalmente específico. Considere o humor homofóbico de comediantes como Eddie Murphy, Arsenio Hall
e Damon Wayans e David Alan Grier, os dois atores que atualmente retratam homens gays negros no programa
de televisão em Living Color. Os críticos ligaram essas representações homofóbicas de homens homossexuais
negros a padrões de subordinação dentro da comunidade negra. O cineasta gay negro Marlon Riggs
argumentou que tais caricaturas desacreditam a alegação dos homens gays negros sobre a masculinidade negra,
apresentando-os como “jogo para jogar, para ser usado, brincando, derrubado, espancado, golpeado, não
apenas por bandidos homofóbicos analfabetos da noite, mas pela melhor cultura americana negra”. Marlon
Riggs, Black Macho Revisited: Rejections of a SNAP! Queen, in BROTHER TO BROTHER: NEW
WRITINGS BY BLACK GAY MEN 253, 254 (Essex Hemphill ed. 1991); veja também Blair Fell,
Gayface/Blackface: Parallels of Oppression, NYQ, Apr. 5, 1992, em 32 (desenhando paralelos entre gayface
e blackface e argumentando que “a comédia contemporânea utilizando gayface… serve como uma ferramenta
para acalmar as consciências culpadas e perpetuar as injustiças da humilhação aos homossexuais da América.
61

Afinal, rir de algo quase humano é mais fácil do que lidar com balas disparadas, caveiras, corpos moribundos
e demandas de direitos civis”).

[44] Embora grande parte do sexismo que se expressa no rap permeia a indústria, as rappers que são mulheres
negras ganharam um ponto de apoio e empreenderam diversas estratégias de resistência. Para alguns, sua
própria presença no rap desafia os pressupostos prevalecentes de que o rap é uma tradição masculina negra.
Veja Tricia Rose, One Queen, One Tribe, One Destiny, VILLAGE VOICE ROCK & ROLL QUARTERL Y,
Spring 1990, em 10(Desenhando o perfil de Queen Latifah, amplamente considerada como uma das melhores
rappers femininas). Embora Latifah tenha evitado a abordagem inicial, seu rap e seus vídeos são muitas vezes
centrados nas mulheres, como exemplificado por seu single, “Ladies First.” QUEEN LATIFAH, ALL HAIL
THE QUEEN (Tommy Boy 1989). O vídeo “Ladies First” apresentou outros raps femininos, “mostrando uma
profundidade de solidariedade feminina nunca antes vista”. Rose, supra, em 16. Rappers como Yo-Yo,
“primeira ativista feminista autoproclamada do hip hop”, leva uma linha mais conflituosa; por exemplo, duelos
Yo-Yo diretamente com o rapper Ice Cube em “It’s a Man’s World”. Joan Morgan, Throw the ‘F’, Village
Voice, June 11, 1991, em 75.

Algumas rappers femininas, como Bytches with Problems, tentaram subverter as categorias de cadelas e
putas, assumindo as denominações e infundindo-as com poder. Como observa Joan Morgan, é prática comum
para os povos oprimidos neutralizar os termos de depreciação, adotando-os e redefinindo-os. A decisão de
Lyndah McCaskill e Tanisha Michelle Morgan de definir a cadela “como uma mulher forte, que não aceita
destrato de ninguém, seja homem ou mulher” e encoraja as mulheres a “usar o título como emblema de honra
— e continuar recebendo o seu” não diferem significativamente dos negros optando por usar a palavra nigger
ou gays abraçando queer.

Id. No entanto, no caso das Bytches, Joan Morgan finalmente encontrou a tentativa infrutífera, em parte porque
a subversão operava apenas como uma exceção para poucas (“Lynda e Tanisha Michelle são as únicas B-Y-T-
C-H aqui, todas as outras mulheres de que falam sobre, incluindo o acidente menstrual, a mulher cujo namorado
Lyndah fode e qualquer outra pessoa que não gosta do estilo delas, são B-I-T-C-H no sentido muito masculino
da palavra”) e porque, em última instância, sua visão de mundo serve para reinscrever o poder masculino. Disse
Morgan: “É uma capitulação feminina cansada de um pensamento sexista e patriarcal antigo: o poder está na
pistola ou no pênis”. Id.

“MAPEANDO AS MARGENS: INTERSECCIONALIDADE, POLÍTICAS DE IDENTIDADE E


VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NÃO-BRANCAS” DE KIMBERLE CRENSHAW — PARTE 4/4

CONCLUSÃO

Este artigo apresentou interseccionalidade como forma de enquadrar as várias interações de raça e gênero
no contexto da violência contra as mulheres não-brancas. No entanto, a interseccionalidade pode ser mais
amplamente útil como forma de mediação da tensão entre asserções de identidade múltipla e a necessidade
contínua de política grupal. É útil a este respeito distinguir a interseccionalidade da perspectiva intimamente
relacionada do antiessencialismo, de que as mulheres não-brancas têm comprometido o feminismo branco com
a ausência de mulheres não-brancas, por um lado, e para falar de mulheres não-brancas, por outro. Uma
interpretação desta crítica antiessencialista — que o feminismo essencializa a categoria mulher — deve muito
à ideia pós-moderna de que as categorias que consideramos naturais ou meramente representativas são
realmente socialmente construídas em uma economia linguística da diferença[1]. Embora o projeto descritivo
62

do pós-modernismo de questionar as formas em que o significado seja socialmente construído seja geralmente
ressoado, essa crítica às vezes confunde o significado da construção social e distorce sua relevância política.

Uma versão do antiessencialismo, que incorpora o que pode ser chamado de tese de construção social
vulgarizada, é que, uma vez que todas as categorias são socialmente construídas, não existe tal coisa, por
exemplo, negros ou mulheres, e, portanto, não faz sentido continuar a reproduzir essas categorias através da
organização em torno deles[2]. Mesmo a Suprema Corte entrou neste ato na Metro Broadcasting, Inc. v.
FCC[3], os conservadores do tribunal, em retórica que escoar vulgar constrangimento construtório,
proclamaram que qualquer retirada destinada a aumentar as vozes das minorias nas ondas de ar se baseou em
uma suposição racista de que a cor da pele está de alguma forma ligada ao provável conteúdo da própria
transmissão[4].

Mas dizer que uma categoria como raça ou gênero é construída socialmente não é dizer que essa categoria
não tem significado em nosso mundo. Pelo contrário, um grande e contínuo projeto para pessoas subordinadas
— e, de fato, um dos projetos para os quais as teorias pós-modernas têm sido muito útil — é pensar sobre o
modo como o poder se agrupou em torno de certas categorias e é exercido contra outros. Este projeto tenta
desvendar os processos de subordinação e as várias maneiras pelas quais esses processos são experimentados
por pessoas subordinadas e por pessoas privilegiadas por eles. É, então, um projeto que presume que as
categorias têm significado e consequências. E o problema mais urgente deste projeto, em muitos casos, se não
na maioria dos casos, não é a existência das categorias, mas sim os valores particulares que lhes são inerentes
e a forma como esses valores promovem e criam hierarquias sociais.

Isso não é negar que o processo de categorização é em si um exercício de poder, mas a história é muito
mais complicada e matizada do que isso. Primeiro, o processo de categorização — ou, em termos de identidade,
nomeação — não é unilateral. Pessoas subordinadas podem e participam, às vezes até subvertam o processo de
nomeação de maneira empoderadora. Basta pensar na subversão histórica da categoria “negro” ou na
transformação atual de “queer” para entender que a categorização não é uma via unidirecional. Claramente, há
um poder desigual, mas existe, no entanto, algum grau de agência que as pessoas podem e exercem na política
de nomeação. E é importante notar que a identidade continua a ser um local de resistência para membros de
diferentes grupos subordinados. Todos nós podemos reconhecer a distinção entre as reivindicações “Eu sou
negro” e a afirmação de “Eu sou uma pessoa que é negra”. “Eu sou negro” toma a identidade socialmente
imposta e fortalece-a como uma âncora de subjetividade. “Eu sou negro” não é simplesmente uma declaração
de resistência, mas também um discurso positivo de auto identificação, intimamente ligado a declarações de
celebração, como o nacionalista negro “Negro é lindo”. “Eu sou uma pessoa que é negra”, por outro lado,
alcança a auto identificação, esforçando-se por uma certa universalidade (na verdade, “eu sou primeiro uma
pessoa”) e por uma demissão concomitante da categoria imposta (“negra”) como contingente, circunstancial,
não determinante. Há uma verdade em ambas as caracterizações, é claro. Mas eles funcionam de forma bastante
diferentes, dependendo do contexto político. Neste ponto da história, pode-se argumentar que a estratégia de
resistência mais crítica para grupos desempoderados é ocupar e defender uma política de localização social em
vez de desocupar e destruí-la.

O construtor vulgar distorce assim as possibilidades de políticas de identidade significativas, combinando


pelo menos duas manifestações de poder separadas, mas intimamente ligadas. Um é o poder exercido
simplesmente através do processo de categorização; o outro, o poder de fazer com que a categorização tenha
consequências sociais e materiais. Enquanto o poder anterior facilita o último, as implicações políticas de
63

desafiar um sobre o outro são muito importantes. Podemos analisar os debates sobre a subordinação racial ao
longo da história e ver que, em cada caso, houve a possibilidade de desafiar a construção da identidade ou o
sistema de subordinação com base nessa identidade. Considere, por exemplo, o sistema de segregação em
Plessy vs. Ferguson[5]. Em questão, as dimensões multipessoais da dominação, incluindo a categorização, o
sinal da raça e a subordinação daqueles assim rotulados. Havia pelo menos dois alvos para Plessy desafiar: a
construção da identidade (“O que é um negro?”) e o sistema de subordinação baseado nessa identidade (“Os
negros e brancos podem se sentar juntos em um trem?”). Plessy realmente fez ambos os argumentos, um contra
a coerência da raça como uma categoria, o outro contra a subordinação daqueles considerados negros. Em seu
ataque contra o primeiro, Plessy argumentou que o pedido do status de segregação para ele, dado seu status de
raça mista, era inapropriado. O Tribunal recusou-se a ver isso como um ataque à coerência do sistema racial e,
em vez disso, respondeu de uma maneira que simplesmente reproduzia a dicotomia negra/branca que Plessy
estava desafiando. Como sabemos, o desafio de Plessy ao sistema de segregação também não foi bem sucedido.
Ao avaliar várias estratégias de resistência hoje, é útil perguntar qual dos desafios da Plessy teria sido melhor
para ele ganhar — o desafio contra a coerência do sistema de categorização racial ou o desafio à prática da
segregação?

A mesma pergunta pode ser colocada para Brown vs. Conselho da Educação[6]. Qual dos dois possíveis
argumentos era politicamente mais empoderador — que a segregação era inconstitucional porque o sistema
de categorização racial em que se baseava era incoerente ou a segregação era inconstitucional porque era
prejudicial para crianças negras e opressiva para suas comunidades? Embora possa ser uma questão difícil,
em sua maior parte, a dimensão da dominação racial que tem sido mais irritante para os afro-americanos não
foi a categorização social como tal, mas a miríade de maneiras pelas quais aqueles de nós tão definidos foram
sistematicamente subordinados. Com especial atenção aos problemas enfrentados pelas mulheres não-brancas,
quando as políticas de identidade nos falham, como costumam fazer, não é principalmente porque essas
políticas consideram como categorias certos naturais que são socialmente construídas, mas sim porque o
conteúdo descritivo dessas categorias e as narrativas sobre que são baseados privilegiaram algumas
experiências e excluíram outras.

Nesse sentido, considere a controvérsia Clarence Thomas/Anita Hill. Durante as audiências do Senado
para a confirmação de Clarence Thomas ao Supremo Tribunal, Anita Hill, ao trazer alegações de assédio sexual
contra Thomas, foi retoricamente desempregada em parte porque caiu entre as interpretações dominantes do
feminismo e do antirracismo. Entre os tropos narrativos concorrentes de estupro (avançados pelas feministas),
por um lado e o linchamento (avançado por Thomas e seus partidários antirracistas), por outro lado, as
dimensões de raça e gênero de sua posição não poderiam ser ditas. Esse dilema poderia ser descrito como a
consequência do antirracismo essencializando a negritude e o feminismo essencializando a feminilidade. Mas
reconhecer tanto não nos leva longe o suficiente, pois o problema não é simplesmente de natureza linguística
ou filosófica. É especificamente político: as narrativas de gênero são baseadas na experiência das mulheres
brancas e de classe média e as narrativas da raça são baseadas na experiência dos homens negros. A solução
não implica apenas argumentar a multiplicidade de identidades ou o essencialismo desafiador em geral. Em
vez disso, no caso de Hill, por exemplo, teria sido necessário afirmar os aspectos cruciais de sua localização
que foram apagados, mesmo por muitos de seus defensores — isto é, para indicar a diferença de diferença.

Se, como afirma essa análise, a história e o contexto determinam a utilidade da política de identidade,
como, então, entendemos as políticas de identidade hoje, especialmente à luz do nosso reconhecimento de
múltiplas dimensões da identidade? Mais especificamente, o que significa argumentar que as identidades de
64

gênero foram embaralhadas em discursos antirracistas, assim como as identidades raciais foram embaralhadas
nos discursos feministas? Isso significa que não podemos falar sobre identidade? Ou, em vez disso, que
qualquer discurso sobre identidade deve reconhecer como nossas identidades são construídas através da
interseção de múltiplas dimensões? Uma resposta inicial a estas questões exige que reconheçamos que os
grupos de identidade organizados nos quais nos encontramos são, de fato, coalizões, ou pelo menos coligações
potenciais que esperam ser formadas.

No contexto do antirracismo, reconhecer as maneiras pelas quais as experiências interseccionais das


mulheres não-brancas são marginalizadas nas concepções prevalecentes de políticas identitárias não requer
que desistamos das tentativas de organização como comunidades não-brancas. Em vez disso, a
interseccionalidade fornece uma base para reconceptualizar a raça como uma coalizão entre homens e
mulheres não-brancos. Por exemplo, na área de estupro, a interseccionalidade fornece uma maneira de
explicar por que as mulheres não-brancas têm que abandonar o argumento geral de que os interesses da
comunidade exigem a supressão de qualquer confronto em torno do estupro inter-racial. A
interseccionalidade pode fornecer os meios para lidar com outras marginalizações também. Por exemplo, a
raça também pode ser uma coalizão de pessoas heterossexuais e homossexuais e assim servir como base
para a crítica das igrejas e outras instituições culturais que reproduzem o heterosexismo.

Com a identidade assim reconceitualizada, pode ser mais fácil entender a necessidade e convocar a
coragem para desafiar grupos que são afinal, em um sentido, “lar” para nós, em nome das partes de nós que
não são feitas em casa. Isso leva uma grande quantidade de energia e desperta ansiedade intensa. A maioria
poderia esperar é que nos atreveremos a falar contra exclusões e marginalizações internas, para que possamos
chamar a atenção para como a identidade do “grupo” centrou-se nas identidadesinterseccionais de alguns.
Reconhecendo que as políticas de identidade ocorrem no local onde as categorias se cruzam, parece mais
frutífero do que desafiar a possibilidade de falar sobre categorias. Através de uma consciência de
interseccionalidade, podemos reconhecer e fundamentar as diferenças entre nós e negociar os meios pelos
quais essas diferenças se expressarão na construção de políticas grupais.

Referências e notas de rodapé:

[1] Sigo a prática de outros em ligar o anti-essencialismo ao pós-modernismo. Veja LINDA


NICHOLSON, FEMINISM/POSTMODERNISM (1990).

[2] Não quero dizer que todos os teóricos que criaram críticas antiessencialistas tenham avançado para o
construcionismo vulgar. Na verdade, os anti-essencialistas evitam fazer esses movimentos preocupantes e, sem
dúvida, serão receptivos a grande parte da crítica aqui exposta. Eu uso o termo construcionismo vulgar para
distinguir entre as críticas anti-essencialistas que deixam espaço para a política identitária e para aqueles que
não fazem isso.

[3] 110 S. Ct. 2997 (1990).

[4]

A escolha da FCC para empregar um critério racial incorpora as noções relacionadas de que um ponto de vista
particular e distinto é inerente a certos grupos raciais e que um determinado candidato, em virtude de raça ou
etnia, é mais valorizado do que outros candidatos porque o candidato é “provável de fornecer essa perspectiva
65

distinta”. As políticas equivalem diretamente à raça com crença e comportamento, pois estabelecem a raça
como uma condição necessária e suficiente para garantir a preferência… As políticas valorizam
inadmissivelmente os indivíduos, porque presumem que as pessoas pensam de forma associada à sua raça.
Id. Em 3037 (O’Connor, J., juntado por Rehnquist, C.J., e Scalia e Kennedy, J.J., dissidentes)
(citações internas omitidas).

[5] 163 U.S. 537 (1896)

[6] 397 U.S. 493 (1954)

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