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RESENHA
A obra Sobre a estética (2017), de Edgar Morin, está organizada em oito capítulos. Entre
eles há uma costura bem tramada pelo fio da estética ou emoção/sentimento estético, tema
abordado ao longo das 125 páginas do livro. Na introdução o autor faz saber a sua posição de
que a emoção estética não está relacionada apenas à fruição da arte. Ela é definida como um
componente integrante da sensibilidade humana, e pode voltar-se tanto para a arte, como
para a natureza, ou referir-se a aspectos da vida cotidiana, ou ainda da imaginação, através
da combinação de cores, sons, narrativas, etc. O autor destaca que temos a capacidade de
estetizar obras não destinadas especificamente a fins estéticos (e aqui observamos intrínseca
a ideia da capacidade imaginativa humana, apontada por ele).
Segundo Morin, essa capacidade estetizadora pode florescer sob determinadas condições
culturais, históricas ou sociais. O que nos levou a refletir que o contrário também pode ser
verdadeiro, e a imaginação pode ser atrofiada e sofreada sob certas condições culturais, his-
tóricas e sociais.
Já na introdução da obra, o autor expõe a sua clássica ideia da dualidade prosaica e poética
da vida humana. A parte prosaica diz respeito a coisas que são realizadas por obrigação ou
necessidade. Em oposição, está a parte poética, ligada ao que envolve prazer, desejo e estética.
Edgar é francês. Conhecido como filósofo, sociólogo e epistemólogo, é um intelectual de
ampla sensibilidade humana e formação cultural. Ele transborda a qualquer forma de clas-
sificação limitadora de sua contribuição para com a ciência e a cultura. Destacou estar mais
interessado a uma fidelidade a si mesmo, e às suas ideias, do que aos rótulos que podem o
prender em uma ou outra categoria (MORIN, 2013).
Autodenominado como “um natimorto” (MORIN, 2010, p. 13), está, entretanto, para
completar 102 anos em 2023. Publicou inúmeras obras, para além de sua obra mais conhe-
cida e volumosa, escrita em seis tomos: O Método (MORIN, 2011a, 2011b, 2012, 2015a, 2015b,
2016). Diferentes gêneros abarcam a sua escrita. Alguns são livros autobiográficos, que nos
permitem conhecer o lugar da experiência estética em seu cotidiano e na sua própria história.
O autor reconhece influência de músicos, escritores, místicos, e filósofos em sua formação
intelectual (MORIN, 2014a).
No capítulo um o autor vai definir o sentimento ou emoção estética (ele não faz diferencia-
ção entre uma e outra expressão, que são ao longo da obra tomadas como sinônimas). Aponta
que a origem dessa emoção é a ideia de beleza, sendo que esta surge de formas diferentes, sob
a influência da cultura e do gosto particular. Assinala que há uma estética da natureza, usada
inclusive para seduzir, como no processo de acasalamento de alguns animais, e na beleza de
algumas flores onde há uma exibição sexual que convida os insetos polinizadores. Propõe
que, também, nós humanos, recorremos a elementos estéticos para seduzirmos, e lançamos
mão do recurso da beleza para provocarmos emoção estética.
No capítulo dois o autor aprofunda suas reflexões sobre a natureza do sentimento estético.
Propõe que o sentimento estético nos coloca em um estado alterado, é um estado poético de
encantamento. Esse estado pode ser encontrado em diferentes dimensões da vida: “[...] na
comunhão, no amor, no jogo, na festa” (MORIN, 2017, p. 21).
No terceiro capítulo aborda as condições da criação artística que na atualidade envolvem
a mercantilização, convertendo a obra de arte em mercadoria. Aponta o artista como alguém
que geralmente coloca-se na contramão da civilização da ganância.
O capítulo quarto toca no coração da estética e da criatividade, e aponta que essa “[...] se
efetiva a partir da relação cérebro/mão” (MORIN, 2017, p. 39), onde geralmente o autor faz
parir a obra num misto de dor e alegria. Entende o artista, como um pós-xamã, e a criação
como um processo que muitas vezes envolve uma espécie de mimese, de possessão, de transe
atenuado ou semitranse, inspiração, independentemente do tipo de arte que está sendo criada
pelo artista. Aponta que para o artista, por vezes a obra vai ser direcionada para além do
prazer estético, a uma causa política. Isso rende ao artista, muitas vezes, a concepção deste
como uma espécie de herdeiro dos xamãs ou profetas, o que pode acabar dando-lhe um lugar
social privilegiado.
No capítulo cinco o autor aborda a magia das artes em relação à trama da vida. Aponta
o quanto a vida e a arte, por vezes e de diferentes formas, encontram-se enredadas numa
trama complexa. Essa complexidade é abordada trazendo dimensões outras que integram
a construção artística e a fruição estética, para além das dimensões da consciência. Aponta
características como o mistério, o inconsciente, os arquétipos, a vidência, as metáforas e o
pensamento analógico, o estado de possessão e a extrapolação do estado poético para a vida,
como dimensões complexas, envolvidas na trama entre a arte e a vida, a estética e a vida, a
poesia e a vida. Neste capítulo o autor aborda diferentes tipos de criação artística.
No capítulo seis, intitulado “Artes Novas e Estética Ampliada”, aborda diferentes formas
de arte, que inicialmente não eram consideradas arte, como por exemplo, a fotografia, os
quadrinhos, as séries televisivas ou cinematográficas. Estas obras, porém, com o tempo,
adquirem esse status.
O sétimo capítulo é central na obra, pois define muitos conceitos, e traz a ideia de uma
relação de osmose e fluidez entre as dimensões estética, poética, mística e lúdica. O autor
afirma que “os estados poéticos não são menos ‘normais’ do que os estados prosaicos”
(MORIN, 2017, p. 94), faz com isso uma espécie de normalização desses processos envolvidos
na criação artística e na fruição estética. Aborda o tema do compromisso da estética com o
real, e contribui com a ideia de que é possível nos inspirarmos a viver uma vida mais plena,
através da estética e da poesia. Escreve: “[...] Os maravilhamentos provocados por ela, com
os quais nos banqueteamos, nos fornecem a energia para afrontar a crueldade do mundo”
(MORIN, 2017, p. 100).
Finalizando, o capítulo oito aborda a relação entre a estética e a cultura, apontando a arte
e a estética como meios de conhecimento. Salienta a retroalimentação entre o real e o imagi-
nário. Destaca as obras de arte como meios de descobrir o mundo da humanidade, da subje-
tividade, bem como da cultura e das diferentes sociedades. Finaliza realçando a importância
de educarmos para a estética. Para o autor:
[...] o ensino das humanidades [entendidas como as artes] não é um luxo que de-
veria ser reduzido em prol dos ensinamentos utilitários. Mais que útil, o ensino das
humanidades é indispensável e salutar para a vida de todos. Fornecem um viático
para ajudar a viver, para viver melhor, para o bem viver, ou seja, para se viver lúcida
e poeticamente. (MORIN, 2017, p. 117).
Referências
MORIN, E. Meu caminho: entrevistas com Djénane Kareh Tager. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
MORIN, E. O Método 4: as ideias: habitat, vida, costumes. 6. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011a.
MORIN, E. O Método 6: ética. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011b.
MORIN, E. O Método 5: a humanidade da humanidade. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2012.
MORIN, E. Meus demônios. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
MORIN, E. Meus filósofos. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2014a.
MORIN, E. O cinema ou o homem imaginário: ensaio de Antropologia Sociológica. São Paulo: É Realizações Editora,
Livraria e Distribuidora, 2014b.
MORIN, E. O Método 2: a vida da vida. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015a.
MORIN, E. O Método 3: o conhecimento do conhecimento. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015b.
MORIN, E. O Método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2016.
MORIN, E. Sobre a Estética. Rio de Janeiro: Pró-Saber, 2017.
SÁ, R. A. Contribuições teórico-metodológicas do pensamento complexo para a construção de uma pedagogia complexa.
In: SÁ, R. A.; BEHRENS, M. A. Teoria da complexidade: contribuições epistemológicas e metodológicas para uma
Pedagogia Complexa. Curitiba: Appris, 2019. p. 17-63.
Conflito de interesses
Os autores declaram que não há conflito de interesses.
Responsabilidade editorial
Ramona Fernanda Ceriotti Toassi, Mariangela Kraemer Lenz Ziede
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Brasil