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PONTO 50
INTRODUÇÃO
Dor é definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como uma experiência senso-
rial e emocional desagradável, associada a dano tecidual real ou potencial. A dor aguda tem início súbito
e duração limitada, com causa e localização temporoespacial bem estabelecidas. Há uma correlação ní-
tida do nexo entre o estímulo/causa e o efeito/dor. Apresenta função de sinalização biológica, motivan-
do comportamento atávico de luta, fuga ou proteção da área afetada. Frequentemente está associada a
respostas autonômicas, fisiopatológicas e psicológicas, induzidas por estímulos nóxicos provenientes de
lesão e/ou de enfermidade somática e visceral1-3. Diferentemente da dor crônica, em geral não cursa com
disfunção ou lesão do sistema nervoso central ou periférico, mas eventualmente pode apresentar um com-
ponente neuropático. Já a dor crônica persiste além do tempo esperado de resolução da lesão inicial e,
normalmente, não se identifica uma causa definida para o quadro (Figura 50.1).
Figura 50.1 - Gráfico ilustrando a intensidade da dor em relação ao tempo em três condições dolorosas distin-
tas. Linha A: dor aguda. A intensidade da dor melhora com o tempo. Linha B: dor crônica oncológica. A dor se
manifesta continuamente e há tendência de piora progressiva. Linha C: dor crônica não oncológica. O pacien-
te apresenta dor contínua ou intermitente, alternada por períodos de piora e remissão.
Esquemas rígidos de classificação são úteis para fins de ensino e pesquisa, mas, na maior parte dos
casos, não correspondem exatamente à realidade clínica. Como em todo sistema biológico complexo,
dinâmico e multifatorial, frequentemente as categorizações abaixo ocorrem de maneira simultânea
ou intercalada.
Dor nociceptiva - de origem somática ou visceral, decorrente de lesão tecidual real ou potencial por
estimulação nóxica térmica, física, mecânica, química, infecciosa etc. A dor nociceptiva somática é ca-
racterizada pela sensação de pontada ou queimação, sendo, geralmente, bem localizada e acompanhada
por sinais inflamatórios. A dor visceral se manifesta como cólicas e desconforto difusos, sem localização
definida. Ambas estão frequentemente associadas a sinais de descarga adrenérgica, como náuseas, vômi-
tos, sudorese, vasoconstrição cutânea, hipertensão e taquicardia.
Dor neuropática - oriunda da lesão ou disfunção do sistema nervoso periférico ou central, sendo des-
crita como choque, queimação ou formigamento. Em geral, é acompanhada por sintomas como disestesia,
hiperalgesia e alodinia. Pode ocorrer em quadros agudos, como na dor neuropática aguda pós-operatória
ou pós-traumática.
A dor aguda pode ser classificada em relação ao nexo causal em pós-traumática, queimaduras, pós-
-operatória, musculoesquelética, osteoarticular, visceral, isquêmica, orofacial e incidental.
Nocicepção
O primeiro evento que origina o fenômeno sensitivo doloroso é a transformação dos estímulos físicos
ou químicos em potenciais de ação pela membrana axonal, ou mais especificamente pelo nociceptor ou
terminação nervosa livre, constituída de algumas centenas de micrômetros da terminação axonal dis-
tal. Esses estímulos são transferidos pelas fibras nervosas do sistema nervoso periférico para o sistema
nervoso central4.
Os estímulos químicos gerados por radicais ácidos, capsaicina, bradicinina entre outros, mecânicos
como pressão, ou térmicos tanto calor como frio intensos alteram as propriedades da membrana dos noci-
ceptores e deflagram os potenciais de ação. Os nociceptores sofrem fadiga e sensibilização, então a apli-
cação repetitiva de estímulos reduz a percepção de muitas sensações, porém, quando há lesão tecidual,
ocorre sensibilização dos nociceptivos instalando a hiperalgesia5.
Neurônios Aferentes
De acordo com a dimensão do corpo celular e seus axônios os neurônios aferentes são classificados
em três classes: fibras de pequeno diâmetro, amielinizadas com velocidade de condução inferior a 2 m/s
(fibras C), fibras de diâmetro médio, pouco mielinizadas com velocidade de condução entre 25 a 50 m/s
(fibras A-delta) e fibras de grande diâmetro, intensamente mielinizadas com alta velocidade de condução
(fibras A-beta e A-alfa). A maioria das fibras C e A-delta é nociceptiva, enquanto apenas cerca de 20% das
fibras A-alfa e A-beta são nociceptivas6.
Os nociceptores são terminações nervosas livres das fibras A-delta e C, terminações nervosas das fibras
A-delta e C sensibilizadas por processos inflamatórios e terminações de limiar reduzido das fibras A-beta
quando ocorre sensibilização neuronal.
Os nociceptores relacionados com as fibras C respondem às estimulações mecânicas térmica e quími-
ca. A maioria dos receptores não algogênicos das fibras C não detectam os mediadores intrínsecos da in-
flamação. As fibras termomecânicas C são comuns nos aferentes cutâneos, evocam sensação de queimor
embora haja mecanorreceptores que são ativados pelo frio intenso e não pelo calor. As fibras C medeiam
a dor secundária ou alentecida descrita como sensação vaga de queimor ou peso. Os nociceptores relacio-
nados com as fibras A-delta reagem tanto à estimulação mecânica quanto à térmica, e a atividade deles
aumenta gradualmente com a elevação da temperatura, porém a sensibilidade à estimulação mecânica
não está relacionada com o limiar térmico.
Os nociceptores A-delta podem ser divididos em dois tipos. O tipo I são os que reagem à estimulação
térmica intensa em torno de 52oC, mas não à capsaicina, e são sensibilizados pela lesão térmica do tegu-
mento. Os nociceptores A-delta tipo II reagem ao calor moderado de aproximadamente 43°C e à capsai-
cina, no entanto não são sensibilizados pelo calor intenso. As fibras A-delta medeiam a dor primária bem
delineada, induzida rapidamente e descrita com precisão6.
Os aferentes sensitivos primários também exercem outras funções como a liberação retrógrada de subs-
tâncias neurotransmissoras que modulam a sensibilidade, a inflamação e a reparação tecidual, além do
transporte ortodrômico de substâncias químicas a partir dos tecidos. As fibras A-beta que conduzem as sen-
sações mecânicas de baixo limiar também podem veicular informações nociceptivas em condições normais,
ou depois da ocorrência de lesão tecidual ou ainda após a sensibilização por substâncias inflamatórias7.
Portanto, a grande maioria das fibras C reage à estimulação termomecânica, ao calor e ao frio em alta
intensidade, e um número menor reage à estimulação mecânica de baixa intensidade na faixa não nociva,
enquanto as fibras A-delta e A-beta reagem a estímulos mecânicos relativamente inócuos e a estímulos na
faixa dolorosa e à estimulação térmica.
Transdução
Canais iônicos dependentes de ATP, canais ativados pelo calor nocivo, canais regulados por prótons
(ASIC) e que detectam pH inferior a 6,5 e o canal de Na+ resistente à tetrodotoxina estão relacionados com
a transdução e com a excitação localizados predominantemente nas fibras C e A-delta do tipo II sensíveis
Modulação Descendente
O cérebro tem uma notável capacidade de modular a dor de acordo com fatores fisiológicos, psicológicos e
sociais. O mecanismo da modulação é complexo e apenas parcialmente elucidado, embora seja aceito um cir-
cuito modulador descendente que se projeta para a medula espinhal e altera a experiência de dor pela modu-
lação inibindo ou facilitando o tráfego nociceptivo. Vias descendentes contribuem para a modulação da trans-
missão nociceptiva na medula espinhal através de ações pré-sinápticas em fibras aferentes primárias, ações
pós-sinápticas em neurônios de projeção ou por meio de efeitos sobre os interneurônios no corno dorsal16.
1124 | Bases do Ensino da Anestesiologia
As fontes incluem vias diretas e indiretas a partir do córtex e do hipotálamo, que são importantes para
a coordenação da informação autonômica e sensorial. O relativo equilíbrio entre a inibição descendente e
facilitação varia de acordo com o tipo e a intensidade do estímulo e também com o tempo após a lesão.
Vias serotoninérgicas e noradrenérgicas do funículo dorsolateral contribuem para efeitos inibitórios des-
cendentes, e as vias serotoninérgicas têm sido relacionadas a efeitos facilitadores7.
A modulação inibitória ocorre dentro do corno dorsal e pode ser mediada por estímulos não nocicep-
tivos periféricos, interneurônios inibitórios do ácido gama-aminobutírico (GABA) e da glicina, projeções
descendentes bulboespinhais e cerebrais superiores como distração e estímulos cognitivos.
Estes mecanismos inibitórios são ativados de forma endógena através de neurotransmissores, tais como
as endorfinas, encefalinas, noradrenalina, para reduzir as respostas excitatórias da atividade persistente
das fibras C. A serotonina tem sido implicada tanto como pró-nociceptiva e inibitória. Mecanismos seme-
lhantes são a base de muitos agentes analgésicos exógenos17.
Assim, a analgesia pode ser alcançada estimulando a inibição pelos opioides, clonidina e antidepressi-
vos, ou reduzindo a transmissão excitatória por anestésicos locais e cetamina16.
Uma característica de processamento sensorial é que nem todos os sinais recebidos a partir de recep-
tores são percebidos. A capacidade de processamento limitada do cérebro é otimizada, priorizando sinais
comportamentais mais relevantes e suprimindo os menos importantes.
Avanços na imaginologia cerebral funcional humana forneceram novas evidências como a percepção da
dor é moldada pelo córtex cerebral por outras modalidades sensoriais de atenção ou emocional.
O envolvimento de mecanismos de atenção e de expectativa ao produzir modulação cognitiva da dor é a base
da analgesia induzida por placebo e para o uso de intervenções psicológicas na modulação endógena da dor18.
50.2. AVALIAÇÃO
A dor compreende uma experiência individual multifatorial, sendo influenciada pelos antecedentes
culturais, cognitivos, sociais e psicológicos, bem como pelos eventos dolorosos prévios19. Como constitui
um fenômeno subjetivo, sua avaliação é permeada de dificuldades de ordem prática, pois ainda não se en-
controu um marcador específico que demonstre efetivamente sua ocorrência e/ou intensidade. Portanto,
sua mensuração requer a participação ativa do paciente por meio das escalas de dor. Deve ser avaliada
juntamente com os outros sinais vitais, em intervalos de 4-6 h, e sua intensidade anotada na ficha de evo-
lução. Sua avaliação regular auxilia no diagnóstico, na seleção do método de analgesia mais adequado e
no acompanhamento da eficácia terapêutica (Tabela 50.1).
Tabela 50.1 - Fundamentos da anamnese do paciente com dor20
1. Localização:
1.1. Região primária afetada
1.2. Irradiação
2. Circunstâncias associadas ao início da dor
3. Características: pontada, choque, queimação, cólica etc.
4. Fatores desencadeantes, agravantes e atenuantes
5. Intensidade:
5.1. Em repouso
5.2. Durante a movimentação
5.3. Em relação ao tempo:
5.3.1. Duração
5.3.2. Neste momento, durante o dia, na última semana
5.3.3. Contínua ou intermitente, paroxística ou não
6. Sintomas associados: náuseas, vômitos, prurido, parestesias etc.
7. Interferência da dor no sono, humor, atenção, atividades físicas e mentais, trabalho, relações familiares etc.
8. Tratamento: medicações prévias e atuais, doses, frequência, eficácia, efeitos adversos
9. Histórico médico:
9.1. Morbidades associadas
9.2. Antecedentes prévios de dor
9.3. Distúrbios psíquicos coexistentes: depressão, ansiedade etc.
Figura 50.3 - Escala visual numérica. 0 = ausência de dor; 1-3 = dor leve; 4-6 = dor moderada; 7-9 = dor intensa;
10 = dor insuportável
Figura 50.6 - Local de ação dos fármacos analgésicos e adjuvantes - Adaptado de Gottschalk A, Smith DS.
New concepts in acute pain therapy: preemptive analgesia. Am Fam Physician. 2001;63:1979-1984.
Figura 50.7 - O algoritmo que permite a abordagem linear, passo a passo, para a avaliação e o tratamento da
dor na prática clínica21
Como orientação terapêutica, a Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe a adoção do esquema
apresentado na Figura 50.8.
Dor leve - administração de AINEs, associados ou não a adjuvantes como paracetamol e dipirona.
Dor moderada - adição de um opioide pouco potente como tramadol, nalbufina ou codeína, ao regime
de AINEs e adjuvantes.
Dor intensa - acréscimo de um opioide potente, como morfina e derivados, ao regime de AINEs e ad-
juvantes. Pode-se também empregar em conjunto outros analgésicos, como gabapentinoides e cetamina.
Dor insuportável - introdução de métodos invasivos, como analgesia controlada pelo paciente, blo-
queios regionais e outros, ao modelo descrito no item anterior.
Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1129
Figura 50.8 - Escada analgésica da Organização Mundial de Saúde (OMS). (World Health Organization), 1990
50.3.2. Drogas
Eficácia analgésica de diferentes fármacos
O denominado número necessário para tratar (do inglês number-needed-to-treat — NNT) constitui um
instrumento referendado pela literatura para comparar a eficácia analgésica entre as diversas opções me-
dicamentosas. Trata-se do número de pacientes que necessitam ser tratados com o analgésico para que
um deles obtenha melhora da dor em 50% quando comparado ao placebo, em um período de 4-6 horas
de tratamento. Valores próximos a 2 indicam eficácia adequada, pois significa que a cada 2 pacientes que
recebem a medicação, um deles apresentará melhora da dor em 50% devido ao tratamento ativo. O outro
paciente até pode manifestar melhora parcial da dor, mas sem atingir o patamar de 50%29.
Este recurso valida a eficácia do modelo de analgesia multimodal. A codeína é um opioide fraco, apre-
sentando NNT de 16,7 na dose de 60 mg. Quando associada, nessa dose, a 1 g de paracetamol, o valor do
NNT baixa para 2,230 (Tabela 50.2).
Tabela 50.2 - Valores de NNT para diversos analgésicos
Analgésico NNT
Codeína 60 mg 16,7
Tramadol 50 mg 8,3
Paracetamol 500 mg 5,6
Tramadol 75 mg 5,3
Tramadol 100 mg 4,8
Codeína 60 mg + paracetamol 650 mg 4,2
Paracetamol 1 g 3,8
Cetorolaco 30 mg intramuscular 3,4
Parecoxibe 20 mg endovenoso 3,0
Morfina 10 mg intramuscular 2,9
Paracetamol 1 g + codeína 60 mg 2,2
Diclofenaco 100 mg 1,9
Figura 50.9 - Mecanismo de ação dos AINEs. Legendas: COX: ciclooxigenase; LOX: lipooxigenase; PG: pros-
taglandinas; PGI2: prostaciclina; TXA2: tromboxano; LT: leucotrienos.
Existem duas isoformas da COX, denominadas COX-1 e COX-2. A COX-1, de natureza constitutiva, parti-
cipa da homeostase fisiológica, tendo expressão na mucosa gástrica, nos túbulos renais, nas plaquetas, no
endotélio vascular e na musculatura lisa. Já a COX-2 é a isoforma induzida na presença de dor, febre, in-
fecção, trauma e inflamação, sendo produzida por fibroblastos, macrófagos e outras células que participam
do processo inflamatório. Contudo, também apresenta atividade constitutiva fisiológica no sistema nervoso
central, no endotélio vascular e no córtex renal. As propriedades terapêuticas dos AINEs redundam da ação
sobre a COX-2 e os efeitos adversos da inibição da COX-1. A grande maioria dos AINEs não é seletiva em re-
lação à COX-2, bloqueando, portanto, ambas as isoformas. Os efeitos colaterais dos AINEs decorrem da ati-
vidade sobre a COX-1. Os únicos AINEs com seletividade específica para a COX-2 são os derivados coxibes.
A gastrotoxicidade é a complicação mais frequente dos AINEs convencionais. Pelo menos 10%-20% dos
pacientes em uso crônico destes apresentam dispepsia, e 1%-4% desenvolvem úlcera. Fatores de risco in-
cluem idade superior a 65 anos; sexo feminino; antecedentes de úlcera péptica, gastrite hemorrágica,
dispepsia e infecção pelo Helicobacter pylori, etilismo, uso simultâneo de corticosteroides, AAS e anticoa-
gulantes e presença de insuficiência hepática, renal ou cardíaca35.
Os AINEs convencionais inibem a agregação plaquetária, resultando em aumento do tempo de sangra-
mento. Isto pode eventualmente contribuir para distúrbios da hemostasia. Uma metanálise descreveu que
o uso pós-operatório de AINEs eleva o risco de sangramento e de reoperação para revisão da hemostasia
Corticosteroides
Constituem os anti-inflamatórios por excelência, pois inibem a atividade de todos os produtos da COX
e LOX por interferência na transcrição genômica de diversas proteínas regulatórias38. Uma metanálise
demonstrou que, além do efeito antiemético, a administração da dexametasona por via venosa em dose
igual ou superior a 0,1 mg.kg-1 reduz a intensidade da dor e o consumo de opioides no pós-operatório39.
Pode ser empregada na forma de bolus por via venosa de 4-10 mg ou 0,15 mg.kg-1 em crianças. Em caso de
dor intensa ou refratária, pode ser mantida nas doses de 2-4 mg por via venosa a cada 6-8 h.
Outra alternativa consiste na administração de prednisona 1 vez ao dia por via oral, em um dos se-
guintes modelos:
• Dor intensa: 20 mg por via oral por dia, por 3 dias, seguidos do esquema de retirada com 15 mg
por 3 dias, depois, 10 mg por 3 dias e, finalmente, 5 mg por mais 3 dias.
• Dor moderada: 20 mg por via oral por dia, por 1 dia, seguidos de 15 mg por 1 dia, depois, 10 mg
por 1 dia e, finalmente, 5 mg por mais 1 dia.
As potências relativas da prednisona e da dexametasona em relação ao cortisol são de 30 e 4 ve-
zes, respectivamente.
Dipirona
A dipirona possui propriedades analgésicas, antitérmicas, antiespasmódicas e anti-inflamatórias; esta
última, no entanto, é pouco potente. O efeito analgésico é dose-dependente e estreitamente relacionado
Antidepressivos
São mais indicados na dor crônica, mas também podem ser prescritos na presença de dor neuropática
aguda. Aumentam a biodisponibilidade central de noradrenalina e serotonina por inibirem sua recaptação
neuronal. A analgesia decorre da ativação de vias inibitórias descendentes monoaminérgicas. A amitripti-
lina é a mais empregada, na dose de 25 mg ao dia. Os antidepressivos tricíclicos são mais eficazes do que
os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, como fluoxetina e derivados48. Embora não seja um
tricíclico, a venlafaxina, nas doses de 75-150 mg ao dia, também pode ser utilizada49. A eficácia clínica
dessas medicações nos quadros agudos é limitada pelo tempo exigido para obtenção de concentrações
terapêuticas adequadas, normalmente após 5-7 dias de uso continuado.
50.3.3. Técnicas
Métodos invasivos
As modalidades invasivas de controle da dor aguda incluem:
• Infiltração da lesão com anestésico local de longa duração.
• Uso de bomba elastomérica com solução de anestésico local por via intra-articular, em bloqueio
contínuo de nervo periférico ou na lesão cirúrgica.
• Administração de opioides por via subaracnóidea ou peridural.
• Bloqueio contínuo de nervo periférico.
• Instalação de ACP venosa com morfina ou com solução de anestésico local em bloqueio contínuo
central ou periférico.
Alguns métodos não farmacológicos, como acupuntura60, estimulação elétrica transcutânea (TENS)61,
fisioterapia, técnicas de relaxamento62 e intervenções cognitivo-comportamentais63 podem ser úteis em
alguns quadros de dor aguda, principalmente nas de origem musculoesquelética inflamatória60.
Uma revisão sistemática sobre os efeitos da acupuntura perioperatória em cirurgias abdominais, maxi-
lofaciais, odontológicas, ortopédicas e orificiais demonstrou os seguintes resultados, em relação ao grupo
controle: redução da intensidade da dor no período pós-operatório, do consumo cumulativo de opioides e da
incidência de náuseas, tontura, sedação, prurido e retenção urinária. O decréscimo observado no consumo
de morfina foi de 21%, 23% e 29% às 8, 24 e 72 horas após a cirurgia, respectivamente64 (Tabela 50.7).
Não obstante, a eficácia terapêutica desses métodos é muito variável, imprevisível e difícil de men-
surar, pois depende da capacidade de modulação intrínseca dos sistemas inibitórios adrenérgicos, opio-
dérgicos, peptidérgicos e endocanabinoides endógenos65. A expressão desses fatores é extremamente
variável inter e intraindividualmente, devido a polimorfismos genômicos e influências epigenéticas, e seus
produtos têm meia-vida curta66. Há também que se considerar o papel importante exercido pelo efeito
placebo nestas técnicas67.
1136 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Tabela 50.7 - Frequência de eventos adversos em pacientes submetidos a acupuntura perioperatória ver-
sus placebo.
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Dor Crônica
Míriam Seligman de Menezes
Doutora em medicina pela Unifesp;
Professora doutorada pela Universidade Federal de Santa Maria.
INTRODUÇÃO
A dor é vivenciada por quase todos os seres humanos, pois constitui um instrumento de proteção que
possibilita a detecção de estímulos nocivos. A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) a defi-
ne como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada com o dano potencial ou descrita
em tais termos. É compreendida como um fenômeno multifatorial em que a lesão tecidual e os aspectos
emocionais, socioculturais e ambientais são fatores que compõem o fenômeno.
51.1. FISIOPATOLOGIA
O processo se inicia com a ativação de receptores periféricos, através de um processo de transdução,
por estímulos térmicos, químicos ou mecânicos potencialmente lesivos. Esses receptores ou terminações
nervosas livres possuem alto limiar de excitabilidade e são chamados de nociceptores. Podem ser do tipo
mecanoceptor (responde a estímulo mecânico intenso), temoceptor (sensível a temperaturas altas) e po-
limodais (ativados por estímulos térmicos, mecânicos ou químicos). A informação da agressão tecidual é
transmitida ao sistema nervoso central, através de fibras nervosas do tipo Aδ e C, que se dirigem para a
medula espinhal, através da raiz dorsal em seu maior contingente. São descritas quatro fases no proces-
samento da sensação dolorosa além da transdução – a transmissão, a modulação e a cognição1.
Quando o estímulo é muito intenso e prolongado, no local da lesão tecidual, há a liberação de substân-
cias responsáveis pela resposta inflamatória, podendo durar horas ou dias, causando mudanças na sensibi-
lidade das fibras nervosas, que caracteriza o fenômeno de sensibilização periférica. Esta se manifesta por
aumento da atividade espontânea neuronal, diminuição do limiar necessário para a ativação dos nocicep-
tores e aumento da resposta a estímulos supraliminares. A sensibilização dos nociceptores aferentes pri-
mários provoca hiperalgesia, que é definida como uma resposta exagerada aos estímulos dolorosos. Há a
hiperalgesia primária, que ocorre dentro dos limites da área de lesão tecidual e a secundária, que ocorre
nas circunvizinhanças da lesão. Uma proporção de aferentes primários não mielinizados normalmente não
é sensível a estímulos térmicos e mecânicos intensos, entretanto, na presença de sensibilização, torna-se
responsiva. São os chamados nociceptores silentes, que passam a responder, de maneira intensa, mesmo
a estímulos não nociceptivos1,2.
A resposta inflamatória que ocorre após a lesão do tecido e que leva à sensibilização periférica é caracte-
rizada por liberação de substâncias tanto das células do tecido lesado como das células inflamatórias, como
mastócitos, macrófagos e linfócitos. Ocorrem mudanças na permeabilidade vascular e no fluxo sanguíneo lo-
cal, ativação e migração de células do sistema imunológico e mudanças na liberação de fatores tróficos e de
crescimento pelos tecidos próximos. Há liberação de cininas (principalmente a bradicinina) e de ácido ara-
quidônico, que sob a ação da cicloxigenase e da lipoxigenase originam as prostaciclinas, as prostaglandinas,
o tromboxano e os leucotrienos. A liberação de prostaglandinas, principalmente PGE2, provoca diminuição
do limiar de excitabilidade dos nociceptores, tornando-os sensíveis a estímulos menos intensos. Há ainda a
liberação de mediadores como potássio, serotonina, óxido nítrico, substância P, histamina e citocinas (IL-1,
IL-6, IL-8 e TNFα). Embora alguns mediadores possam agir diretamente nos canais iônicos das membranas,
alterando a permeabilidade e a excitabilidade celular, a grande maioria age indiretamente, pela ativação de
receptores de membrana que estão usualmente, mas não exclusivamente, acoplados a segundos mensagei-
ros, ativando cinases específicas com fosforilação de canais iônicos de membrana3,4.
A persistência das lesões periféricas pode causar modificações, direta ou indiretamente, no sistema
nervoso, nas vias de processamento da dor. Observa-se uma redução do limiar de sensibilidade que faz
1142 | Bases do Ensino da Anestesiologia
com que estímulos normalmente não dolorosos resultem em dor (alodínia), além do aparecimento de dor
espontânea, hiperalgesia primária e secundária, que podem persistir, mesmo após a resolução da lesão
tecidual. Isso sugere que a sensibilização periférica não é responsável por todas essas mudanças, devendo
haver um envolvimento significante do sistema nervoso central nesse processo, caracterizando o fenôme-
no de sensibilização central. Ocorrem mudanças estruturais e funcionais, denominadas plasticidade, com
adaptações positivas (apropriadas às mudanças do meio) ou negativas (anormalidade de função)5,6.
A sensibilização central é desencadeada por impulsos sensoriais transmitidos através de fibras amie-
línicas C, que terminam nas camadas mais superficiais do corno posterior da medula espinhal e que se
caracterizam por atividade espontânea aumentada, redução de limiar ou elevação na responsividade a
impulsos aferentes, descargas prolongadas após estímulos repetidos e expansão dos campos receptivos
periféricos de neurônios do corno dorsal, além da hipersensibilidade de mecanorreceptores de baixo li-
miar (que normalmente não produzem dor), fazendo com que a sensação dolorosa possa ser conduzida
através de fibras sensoriais A β. Há evidências de que lesões periféricas também possam induzir plastici-
dade em estruturas supraespinhais, afetando a resposta à dor6,7.
Para que ocorram alterações no corno dorsal da medula, é necessário que a ativação dos aferentes
primários de pequeno diâmetro resultem na liberação de neuropeptídios (substância-P, neurocinina-A,
somatostatina e peptídio geneticamente relacionado com a calcitonina) e de aminoácidos excitatórios
(glutamato e aspartato). Essas substâncias estão relacionadas com a geração de potenciais pós-sinápticos
excitatórios, que podem ser lentos (produzidos pelas fibras amielínicas C, podendo durar até 20 segundos)
e rápidos (produzidos pelas fibras A, de baixo limiar de excitabilidade, durando milissegundos)6.
Os potenciais pós-sinápticos excitatórios rápidos geram correntes iônicas de curta duração para dentro
da célula e são mediados pela ação do glutamato via receptores AMPA (ácido alfa-amino-3-hidróxi-5-me-
til-4-isoxasolpropiônico), ligados ao canal iônico de sódio, a receptores metabotrópicos e à proteína-G e
fosfolipase-C da membrana, que são conhecidos como receptores não-NMDA (N-metil-D-aspartato). Os
potenciais pós-sinápticos excitatórios lentos podem também ocorrer por meio dos receptores AMPA, mas
seu mecanismo de geração mais consistente é através da ação do glutamato e da glicina (coagonista obri-
gatório) sobre os receptores NMDA e da ação de taquicininas, como a substância-P e a neurocinina-A. Há
três tipos de receptor para as taquicininas: neurocinina-1 (NK1); neurocinina-2 (NK2) e neurocinina-3 (NK3),
sendo todos pós-sinápticos, acoplados à proteína G e localizados nas lâminas I, II e X do corno dorsal me-
dular. A substância-P age preferencialmente por meio da NK1 e a neurocinina-A, da NK27.
A duração prolongada dos potenciais lentos permite que, durante estímulos repetitivos dos aferentes,
esses potenciais possam ser somados temporalmente, produzindo aumento cumulativo na despolarização
pós-sináptica (poucos segundos de impulsos pelas fibras C resultam em vários minutos de despolarização).
Esse aumento progressivo na descarga do potencial de ação às estimulações repetidas é conhecido como
o fenômeno de windup6,8,9.
Para que esse fenômeno ocorra, é necessário que haja a ativação dos receptores NMDA. Esses recep-
tores ionotrópicos são multímeros tetra ou pentaméricos, que, além de altamente permeáveis ao cálcio,
também são permeáveis ao sódio e potássio. Identificam-se três famílias de receptor, formadas por subu-
nidades denominadas NR1, NR2, NR3. O NR2 pode ainda ser subdividido em NR2 A, B, C e D, e o NR3, em
A e B. A subunidade NR1 é essencial na formação do receptor, sendo largamente distribuída no sistema
nervoso central. A subunidade NR2 está implicada na patogênese de doenças como a esquizofrenia. A
associação mais funcional e importante desses receptores é a NR1-NR2B, que tem sido alvo de pesquisas
dos antagonistas terapêuticos10.
As condições necessárias para a ativação desses receptores são complexas e envolvem, além de sua
ligação com o glutamato, a remoção do íon magnésio (que normalmente bloqueia o canal) e a ação mo-
duladora de taquicininas. O deslocamento do magnésio acontece quando há despolarização prolongada e
repetitiva da membrana (efeito voltagem-dependente), permitindo a passagem de cálcio para o interior
da célula. Se os estímulos através das fibras C forem mantidos com frequência e intensidade adequadas,
o receptor NMDA ficará ativado e o resultado disso será a amplificação e o prolongamento das respostas
implicadas na hiperalgesia10.
As taquicininas têm um papel proeminente na potencialização das respostas mediadas pelos recep-
tores NMDA. A substância P e a neurocinina-A ativam seus receptores NK1 e NK 2, havendo como con-
Ponto 51 - Dor Crônica | 1143
sequência aumento de diacilglicerol (DAG) e formação de inositol 1,4,5-trifosfato (IP3). Na presença de
fosfatidilserina e de cálcio (em concentrações intracelulares próximas às condições de repouso), o DAG
causa ativação de proteíno-cinase C (PKC). Esta é translocada do citoplasma para a membrana, fosfori-
lando proteínas, inclusive os receptores NMDA. A fosforilação dos receptores NMDA muda a cinética de
ligação do íon magnésio, deslocando-o e facilitando, assim, a entrada de cálcio para dentro da célula.
O aumento do cálcio intracelular tem um efeito adicional na ativação de PKC. A formação de IP3 pode
causar liberação de cálcio das vesículas intracelulares e induzir mais ativação de PKC, formando um
ciclo de ativação do receptor NMDA (feedback positivo). Concluindo, grandes quantidades de cálcio no
citoplasma podem ser geradas não só através de um mecanismo voltagem-dependente, mas de outro,
relacionado com receptores de neurocininas5,7,10.
O aumento do cálcio tem outras consequências, como a ativação da enzima óxido nítrico-sintetase
(NOS) e a estimulação da transcrição de protoncogenes (genes reguladores do processo transcricional de
DNA). A NOS acarreta produção de óxido nítrico (NO), que, agindo como segundo mensageiro, via GMPc,
ativa as proteinocinases, que, como descrito anteriormente, são responsáveis pela fosforilação e ativação
de canais iônicos. Além disso, o NO difunde-se de maneira retrógrada para o terminal pré-sináptico, onde
estimula ainda mais a liberação de glutamato5,10.
Os protoncogenes c-fos e c-jun, também chamados genes precoces, são originariamente descritos como
uma classe de genes expressos nas células do sistema nervoso central de forma rápida e transitória após
várias formas de estimulação. Depois do estímulo doloroso, segue-se uma mudança na expressão de genes
no corno dorsal da medula espinhal que pode durar várias horas; entretanto, após estímulos não dolo-
rosos, observa-se apenas um efeito limitado na transcrição de genes, sugerindo que são as fibras Aδ e C
responsáveis pela mediação dos efeitos centrais da transcrição genética. O produto proteico da transcri-
ção (Fos) é encontrado em neurônios das lâminas I, II e V da medula espinhal (que são áreas sabidamente
receptoras de fibras nervosas que conduzem a dor) e tem ação sobre a expressão de outros genes (GOGAS
et al, 1991). A ativação de Fos pode interagir diretamente com sistemas opioides endógenos na medula.
Além disso, esses genes ativam a transcrição de ARN mensageiros controladores da síntese de proteínas
fundamentais ao funcionamento do neurônio, como receptores do glutamato (que aumentam sua densi-
dade na membrana e tornam o neurônio mais sensível ao glutamato), canais iônicos (que aumentam a sua
excitabilidade) e enzimas como fosforilases e proteinocinases. Como essas mudanças causam alteração
da expressão fenotípica, elas são duradouras e eventualmente permanentes, tornando esses neurônios
hipersensíveis por longos períodos11.
Toda essa explanação nos fornece elementos fundamentais à compreensão do fenômeno doloroso e do
processo de cronificação da dor.
51.3. AVALIAÇÃO
A dor crônica é avaliada por meio de escalas que aferem sua intensidade de forma unidimensional. En-
tre elas, podem ser citadas: a Escala Numérica (EN), que vai de zero a dez, sem dor até a dor mais forte
possível, e que pergunta uma nota ao paciente; a Escala Visual Analógica (EVA), com uma linha de 0 a 10
cm, em que o paciente assinala a intensidade da dor sem ver os números, que vai de ausência de dor até a
dor maior já imaginada em cada extremidade; a Escala Descritiva Verbal (EDV), na qual o paciente refere
sua dor como ausente, leve, moderada ou forte. São ferramentas rápidas, fáceis de serem aplicadas, que
fornecem respostas sobre a eficácia das intervenções; são medidas válidas e confiáveis da intensidade da
dor e têm sido amplamente usadas por especialistas e não especialistas19.
As escalas multidimensionais avaliam, além da intensidade, aspectos sensitivos, discriminativos, afetivos,
emocionais, cognitivos e comportamentais da dor e podem ser usadas de forma complementar na avaliação.
Entre as mais conhecidas, podem-se citar o Questionário de McGill de Dor (multissensitivo); o Questionário
de McGill reduzido (sensitivo e afetivo simplificado); o Inventário Breve da Dor (mede a interferência da
dor na qualidade de vida do indivíduo), além de outras escalas empregadas em situações específicas como
dor neuropática, em que se destaca a escala DN4 (Doleur Neuropatique 4) e LANSS (Leeds Assessment or
Neuropathic Symptoms and Sign), entre outras20. É importante ressaltar a existência de escalas de avaliação
dirigida para recém-nascidos, crianças maiores, pacientes com déficit cognitivo, intubados e sedados21.
A importância da utilização de uma escala adequada para avaliar a dor é que a tradução de uma informa-
ção subjetiva em um alvo objetivo gera melhor tratamento da dor do paciente, reduzindo seu sofrimento.
A Agência Americana de Pesquisa e Qualidade em Saúde Pública e a Sociedade Americana de Dor des-
crevem a avaliação da dor como o Quinto Sinal Vital, que deveria ser avaliada e registrada de forma regu-
lar e conjuntamente com os outros sinais vitais, tendo igual importância que a pressão arterial, o pulso,
a temperatura, a frequência respiratória. Segundo a Joint Commission Accreditation of Healtchare Orga-
nization (JCAHO), que é uma instituição responsável por estabelecer e padronizar normas de excelência
em saúde e acreditação de políticas de qualidade, a avaliação da dor em pacientes hospitalizados deve
ser contínua, individualizada e documentada, fazendo parte dessas normas a avaliação da dor “como o
quinto sinal vital”22. Considerar a dor como o quinto sinal vital é uma maneira de melhorar a qualidade do
atendimento ao paciente internado e tem se tornado realidade em algumas instituições no país.
1. Retardar sempre que possível o uso de opioides, através de estratégias com não opioides.
2. Informar sobre os riscos, incluindo o risco de vício, antes de iniciar tratamento com opioides.
3. Estipular contratos para o uso de opioides antes de iniciar o tratamento ou nos aumentos de dose. Devem
constar desses contratos frequência de obter medicação; não disponibilidade de fornecimento de receitas
mais precoces quando estas forem perdidas ou roubadas; armazenamento seguro da medicação e receitas;
não compartilhar medicação; ter uma única fonte de prescrição; monitorização através de exames de urina
e adesão às visitas de monitoração.
4. Agendamento de visitas com 2 a 3 meses de intervalo e testes periódicos de urina para confirmar a adesão
ao tratamento.
5. Monitorar a intensidade da dor e as limitações a ela relacionadas nas visitas agendadas, uma vez que pode
haver declínio da resposta ao analgésico, com o passar do tempo.
6. Evitar escalonamento sem antes avaliar a intensidade da dor e a interferência dela na vida do paciente.
7. Ver o tratamento com opioides como uma tentativa empírica. Considerar a descontinuidade se os opioides
não se mostrarem benéficos.
8. Considerar a rotação de opioides de acordo com a taxa de conversão, se houver suspeita de tolerância a
um opioide
9. Se o paciente for de alto risco para o uso de opioides (uso de álcool e/ou drogas), encaminhá-lo para espe-
cialista de dor.
A maioria dos opioides utilizados na DCNO são agonistas puros dos receptores µ ou que exibem afinida-
de direta com esses receptores, pela vantagem de não apresentarem efeitos teto para analgesia. Apesar
de ser um agonista forte do receptor µ, a meperidina não é recomendada no tratamento da dor crônica
por apresentar metabólito ativo tóxico, podendo levar a efeitos adversos excitatórios, convulsões e risco
aumentado de vício. Da mesma forma, agonistas parciais com ação agonista-antagonista são geralmente
contraindicados no tratamento da dor crônica42,43.
No Brasil, estão disponíveis, por via oral, a codeína, que é um opioide fraco, e a morfina, de liberação
imediata e liberação cronogramada; a oxicodona, de liberação lenta, e a metadona (estes são opioides
fortes). Para uso transdérmico, também classificados como fortes, existem o fentanil, com duração de
72h, e a buprenorfina, com duração de sete dias.
O tramadol possui um mecanismo de ação ainda não totalmente esclarecido, mas como se liga ao
receptor opioide µ como agonista, além de inibir fracamente a recaptação de serotonina e norepine-
frina, é muitas vezes considerado um opioide fraco, bastante utilizado em osteoartrite, fibromialgia e
neuropatia diabética41.
A metadona é um opioide que foi muito utilizado como de escolha na prevenção da síndrome de absti-
nência durante o tratamento de adultos viciados em opioides. Mais recentemente, ela vem sendo indicada
para DCNO de difícil resposta aos analgésicos comuns, porém, por suas características farmacocinéticas de
meia-vida longa e imprevisibilidade, deve ser utilizada com muita cautela, para evitar efeitos indesejáveis44.
O efeito adverso mais comum dos opioides, durante tratamento prolongado, é a constipação, que inci-
de em aproximadamente 40% dos pacientes.
A eficácia de opioides de curta ação versus opioides de longa ação no tratamento de DCNO foi ava-
liada numa revisão sistemática que envolveu 3.608 pacientes sem história de abuso de substâncias, espe-
cialmente em situações de dor neuropática, lombalgia e osteoartrite, por um período médio de quatro
semanas. Os autores não conseguiram demonstrar superioridade na eficácia ou na redução de efeitos
adversos de um grupo sobre o outro45.
É importante salientar que os opioides permanecem como os fármacos mais efetivos e mais comumente
utilizados no tratamento da dor moderada a intensa, no câncer, no tratamento multimodal46.
Técnicas Neuromoduladoras
Bomba intratecal para a liberação de fármacos: indicada para pacientes com DCNO, com diagnóstico
estabelecido, dor contínua, que não têm obtido alívio com tratamento farmacológico e não farmacológico
convencional e/ou são intolerantes aos opioides orais pelos efeitos adversos. É bastante útil para pacien-
tes oncológicos com dor. Estão liberados para esse uso, pelo FDA, morfina, baclofen e ziconotide, porém,
tem sido também utilizados hidromorfona, fentanil, sufentanil, bupivacaina e clonidina63.
Estimulação elétrica da medula espinhal: indicada em dores pós-cirurgias de coluna cervical ou
lombar que não mostraram resultados positivos, neurites e síndromes dolorosas regionais complexas. Os
pacientes devem ser criteriosamente selecionados e avaliados regularmente no primeiro ano, para otimi-
zação dos parâmetros de estimulação e das medicações63.
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Suporte Ventilatório
Elaine Aparecida Felix
Professora associada do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);
Doutora em medicina pelo Programa de Pós-graduação de Ciências Pneumológicas da UFRGS;
Atua na Coordenação da Gestão de Segurança do Paciente no Hospital de Clínicas de
Porto Alegre (HCPA) como gerente de Risco Assistencial do HCPA;
Instrutora corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento (CET/SBA) do Serviço de Anestesia e Medicina
Perioperatória (SAMPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
INTRODUÇÃO
A prática da anestesia está estreitamente relacionada com o estudo da fisiologia respiratória, bem
como da ventilação mecânica. O estudo da ventilação preocupa-se com as forças que devem ser geradas
e vencidas para que o ar presente na atmosfera consiga atingir o interior dos alvéolos pulmonares. Esse
processo compreende uma série de eventos inter-relacionados que se inicia com o desempenho mecâni-
co do aparelho respiratório (pulmões, caixa torácica e diafragma) e garante a eficiência da ventilação.
A ventilação alveolar, na presença de membranas alveolocapilares e hemodinâmicas intactas, permite a
realização das trocas gasosas pulmonares (captação de oxigênio e eliminação de dióxido de carbono). Na
presença de eventos iatrogênicos ou processos patológicos que prejudiquem o adequado funcionamento
de um ou mais componentes do aparelho respiratório, faz-se necessário sua substituição total ou parcial
da ventilação, isto é, faz-se necessário suporte ventilatório. Os ventiladores mecânicos são os aparelhos
que atualmente cumprem essa função.
Indicações
O objetivo primordial da ventilação mecânica é garantir a ventilação alveolar e a oxigenação sanguínea
adequadas, protegendo os pulmões contra lesão induzida pela ventilação mecânica.
Objetivos do Suporte Ventilatório
Apesar da diversidade de aparelhos empregados e uma variada gama de indicações clínicas, a ventila-
ção artificial é usada para promover duas funções básicas1:
1. Manter a ventilação alveolar apropriada para as demandas metabólicas do paciente, mantendo o
equilíbrio acidobásico, promovendo a eliminação adequada de CO2 e a oferta eficiente de O2, im-
pedindo, assim, a acidose respiratória e corrigindo a hipoxemia arterial.
2. Impedir a deterioração mecânica dos pulmões através da redução do trabalho respiratório, da ma-
nutenção dos volumes pulmonares e das características elásticas.
Secundariamente, a ventilação artificial deve fornecer gases umidificados, aquecidos e não poluídos
às vias aéreas.
Para que a ventilação mecânica possa cumprir seus objetivos, é necessária a atenção plena na integra-
ção com o sistema cardiocirculatório. De nada adianta uma troca alveolar eficiente se não houver capaci-
dade adequada de transporte de O2 pelo sangue e um sistema hemodinâmico intacto para que organismo
seja capaz de realizar o processo de respiração celular.
1158 | Bases do Ensino da Anestesiologia
O Uso do Suporte Ventilatório em Anestesia
Milhares de pacientes são submetidos à intervenção cirúrgica anualmente, necessitando de ventilação
mecânica2. Os efeitos adversos ocasionados pela administração de fármacos durante a indução anestésica
e sua manutenção, comumente, levam à perda da patência das vias aéreas e impactam significativamente
sobre a fisiologia pulmonar e a função respiratória.
Durante a anestesia, existem aumento do espaço morto fisiológico e do shunt pulmonar, depressão da
ventilação alveolar ou mesmo apneia por uso de relaxantes musculares. Isso torna necessário o controle
parcial ou total da ventilação. A administração do volume minuto respiratório por forças externas pode
ser realizada por qualquer dispositivo capaz de substituir, total ou parcialmente, àquela necessária para
gerar o volume alveolar adequado para manter a troca gasosa. Portanto, nem sempre são necessários
equipamentos sofisticados para realizá-la. Quando se comprime um ressuscitador do tipo bolsa-máscara
durante as manobras de ressuscitação ou uma bolsa reservatório durante a indução anestésica está se
realizando um suporte ventilatório.
A ventilação mecânica invasiva implica intubação orotraqueal (ou a utilização de dispositivos supragló-
ticos) e a utilização de ventiladores mecânicos que trabalham com pressão positiva nas vias aéreas.
Nos pacientes que se apresentam para procedimentos cirúrgicos eletivos, a escolha pela VM é baseada
em critérios diversos relacionados com o tipo de cirurgia, a duração do procedimento, a gravidade da doen-
ça de base, a necessidade de controle ventilatório e a utilização bloqueio neuromuscular, entre outros.
Os sinais e sintomas que levam à conclusão de se iniciar a VM são diversos. Os pacientes podem se apre-
sentar com um quadro de apneia ou com sinais de trabalho respiratório aumentado, com ou sem evidên-
cias laboratoriais de disfunção nas trocas gasosas3. Pacientes que se apresentam em apneia, obviamente,
devem ser colocados imediatamente em VM. Pacientes com danos neurológicos graves e pacientes em
parada cardiorrespiratória são exemplos clássicos desse tipo de situação.
Doenças como asma, DPOC, pneumonias, edema pulmonar cardiogênico e síndrome de desconforto
respiratório agudo (SDRA) são algumas das condições capazes de produzir um aumento súbito e significa-
tivo no trabalho respiratório, elevando o gasto energético necessário para o funcionamento dos músculos
responsáveis pela respiração (Tabela 52.1). O aumento do esforço respiratório nesses pacientes é acom-
panhado do desvio de uma porção significativa do débito cardíaco (DC) para a musculatura respiratória,
devido ao aumento das necessidades de oxigênio (O2). Em pessoas saudáveis, a fração de oxigênio utiliza-
da pela musculatura respiratória é de apenas 1-3% do consumo total de O2 pelo organismo3. Nos pacientes
com insuficiência respiratória aguda (IResA), essa fração pode chegar a 20%, comprometendo a oxigena-
ção de outras partes do organismo.
Tabela 52.1 - Causas comuns de insuficiência respiratória
Pneumonia
Politraumatismo
A insuficiência respiratória aguda (IResA) é comumente considerada uma indicação para se instituir a
VM. Porém, sua definição não é objetiva3,4. Na maioria das vezes, o diagnóstico de IResA torna-se óbvio em
virtude da intensidade dos sinais e sintomas. Em outras, porém, é necessário um alto índice de suspeição,
reavaliações frequentes da evolução clínica do paciente e a interpretação de exames laboratoriais e de
imagem. A Tabela 52.2 mostra alguns dos sinais e sintomas frequentemente observados em pacientes que
apresentam dificuldades respiratórias.
Figura 52.18 – Perfil pressórico de ventilação em VCV com pausa inspiratória final. Neste esquema, a pressão
na linha de base é maior que zero (PEEP). No início da insuflação a pressão na via aérea eleva-se rapidamente
devido a resistência imposta (A). Ao final do fluxo inspiratório, a pressão reduz na mesma proporção (A) até
atingir um ponto de inflexão. A redução de pressão após o ponto de inflexão, deve-se a redistribuição do gás
e a deformação tecidual.
O ajuste da FR repercute sobre o controle do fluxo inspiratório. Para um mesmo VC na mesma relação I:
E, quando se aumenta a FR, o ventilador automaticamente busca aumentar o fluxo inspiratório na tentati-
va de garantir o volume pré-fixado (volume controlado). A redução do Tinsp e a consequente elevação do
fluxo inspiratório provoca, por vezes, maiores pressões sobre as vias aéreas, principalmente em situações
de baixa complacência, gerando uma distribuição inadequada do fluxo para os alvéolos com constante de
Figura 52.211 – Perfis de ondas de pressão, volume e fluxo para ventilação em VCV. Esquerda: fluxo desace-
lerado. Direita: fluxo constante.
As vias aéreas que estão abertas e têm menores resistências receberão quantidades maiores de fluxo
aéreo e alcançarão o equilíbrio com a pressão pré-fixada mais rapidamente do que as vias aéreas com re-
sistências maiores1. Quando as vias aéreas abertas estiverem cheias e as pressões pulmonares alcançarem
o equilíbrio com a pressão pré-fixada, o fluxo desacelerará, enquanto as vias aéreas com resistência mais
elevada continuarão a receber fluxo. A desaceleração do fluxo de gás durante a PCV melhora a distribui-
ção desse fluxo para os pulmões.
O fluxo dentro dos pulmões continua, até que ocorra equilíbrio da PPI com todas as unidades pulmona-
res (a onda de fluxo desacelerado chega a zero) ou até que o tempo inspiratório ajustado termine a fase
inspiratória antes que a pressão tenha se equilibrado com todas as unidades alveolares (a onda de fluxo
desacelerado não alcança o valor zero). Quando o fluxo inspiratório chega a zero, significa que a pressão
dentro do pulmão é igual à pressão fixada no ventilador.
É essencial que o tempo inspiratório seja suficiente para que ocorra o equilíbrio da PPI com todas as
vias aéreas (saudáveis e comprometidas). O VC resultante será variável e sofrerá influência da pressão
selecionada, do Tinsp e das variações da complacência e resistência.
Quando a expiração começa, o gás sai rapidamente dos pulmões, devido ao elevado gradiente de pres-
são existente entre os pulmões e a pressão atmosférica. Como o gás continua a sair, o gradiente pressó-
rico torna-se menor e o fluxo desacelera. A exalação continuará até que a pressão nos pulmões alcance
a pressão atmosférica mais o nível de PEEP pré-ajustado ou o tempo inspiratório pré-ajustado mande que
a próxima inspiração se inicie antes que a expiração se complete. É essencial certificar-se de que o flu-
xo expiratório alcança o valor zero para que não haja aprisionamento de ar nas vias aéreas de pequeno
calibre, o que traria como consequência a geração de PEEP intrínseca (ou auto-PEEP), com repercussões
hemodinâmicas indesejáveis.
Outras diferenças podem ser observadas no ajuste dos ventiladores com relação aos parâmetros que
podem ser selecionados e aqueles que são variáveis para os modos PCV e VCV (Tabela 52.3).
Tabela 52.3 – Comparação dos ajustes para PCV (ventilação controlada a pressão) e VCV (ventilação contro-
lada a volume)
PCV VCV
VC Variável Constante
Resumindo: até o momento, não existem evidências suficientes capazes de definir qual o melhor modo
ventilatório. A escolha entre VCV e PCV é baseada, principalmente, na preferência ou familiaridade do
médico ou pode refletir um viés institucional5. As duas podem ser utilizadas de maneira segura e eficaz,
contanto que a monitoração seja feita cuidadosamente e os parâmetros, reajustados prontamente, como
a magnitude do volume corrente, da pressão de pico inspiratória (PPI) e da Pplatô (no VCV).
Ventilação com duplo controle
Algumas estações de anestesias mais atuais combinam os dois modos ventilatórios mais utilizados (PCV
e VCV) em um só, com o intuito de aproveitar suas vantagens potenciais. São os chamados modos de VM
dual controled5. Esses modos de ventilação são referidos com diferentes nomes de propriedade, depen-
dendo do fornecedor: modo de volume com fluxo automático (Drager(R)); ventilação controlada a pressão
com volume garantido (PCV-VG, General Electric(R)); e pressão regulada com controle de volume (PRVC,
Maquet(R)). Esses modos de ventilação são estruturalmente muito semelhantes, destinados a entregar o VC
desejado com a menor pressão inspiratória possível. Para atingir esse objetivo, o ventilador utiliza um pa-
drão de fluxo inspiratório desacelerado, semelhante ao da PCV, calculando a CRS em cada ciclo de respi-
ração e readaptando a pressão inspiratória para obter o VC definido pelo anestesista. Todos os algoritmos
entregam uma primeira ventilação controlada a volume com fluxo inspiratório constante, calculando uma
estimativa inicial da CRS e da pressão necessária para atingir a meta de volume. Novamente, evidências
são insuficientes para garantir qualquer tipo de vantagem desse modo sobre outros.
A manutenção da ventilação assistida utilizando o modo SIMV proporciona garantia de backup ventila-
tório ao paciente que já apresenta esforço inspiratório, mas que não seria capaz de manter um volume
corrente adequado por depressão respiratória, devido a bloqueio neuromuscular residual ou anestesia
residual. Proporciona conforto respiratório maior, uma vez que permite ciclos espontâneos, mas au-
menta o trabalho respiratório devido à resistência dá válvula de demanda, cuja sensibilidade é grande,
mas, ainda assim, não responde prontamente e impõe certa resistência. Esse modo pode ser utilizado
na transição para a ventilação espontânea, o que pode ser feito simplesmente reduzindo a frequência
respiratória do ventilador.
O modo SIMV pode ser controlado a volume ou a pressão (VCV ou PCV). A frequência respiratória é
ajustada de acordo com as necessidades do paciente (frequência respiratória espontânea + mandatória), a
fim de manter-se o volume minuto basal. A Pressão de Suporte (PS), ou Ventilação com Pressão de Suporte
(PSV), pode ser combinada com os ciclos espontâneos da SIMV. Dessa forma, a combinações possíveis são:
SIMV-VCV sem PSV; SIMV-VCV com PSV; SIMV-PCV sem PSV; SIMV-PCV com PSV.
O disparo dos ciclos controlados do ventilador pode ser dar por fluxo ou pressão, geralmente ajustan-
do-se o controle de sensibilidade (Figura 52.6).
Figura 52.6 – O disparo do ciclo controlado se da por fluxo ajustando o controle denominado trigger entre
0,3-15 L.min -1.
Figura 52.711 – Perfis das curvas de pressão, fluxo e volume durante PSV.
Importante
O uso de CPAP/BIPAP não mais se restringe à ventilação não invasiva, pois é comum os pa-
cientes com traqueostomia no pós-operatório de cirurgias otorrinológicas ou de cabeça-pescoço
receberem esses modos combinados para assegurar a ventilação adequada e evitar insuficiência
respiratória aguda.
1170 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Tabela 52.5 – Benefícios do CPAP
Figura 52.88 – Flutuação de pressão durante VNI com máscara e CPAP. (A) Diagrama de um sistema ideal (não-
-existente), onde a pressão permanece constante durante todo ciclo respiratório. (B) Na prática as pressões
flutuam durante o ciclo respiratório, caindo durante a inspiração e subindo durante a expiração. As áreas ver-
des representam o trabalho realizado pelo circuito de CPAP no paciente; as áreas vermelhas representam o
trabalho realizado pelo paciente no circuito de CPAP. Quanto maior forem as flutuações de pressão no circui-
to, maior será o trabalho adicional para ventilar imposto ao paciente.
A VNI pode ser realizada com equipamentos específicos, geradores de fluxo ou ventiladores de VNI
ou com os ventiladores de UTI e anestesia. Os ventiladores específicos para VNI têm como caracterís-
tica principal a presença de um circuito único, dotado de um orifício distal, por onde ocorrem tanto
a inspiração como a expiração e ainda permite que haja vazamento contínuo de ar pelo circuito para
eliminar o CO2 exalado4.
Geralmente, os ventiladores específicos para VNI oferecem pressões entre 5 e 25 cmH2O, possuem re-
cursos para combinar modos ventilatórios (por exemplo, PSV) e sistemas de segurança contra desconexões
e falta de energia elétrica.
Podem-se combinar modos ventilatórios diversos, dependendo do estado de consciência, tolerância e
necessidade do paciente. Os modos ventilatórios mais amplamente testados são: BiPAP + PSV + PSV; PSV
+ PEEP; CPAP + PSV; VCV; PCV e ventilação assistida proporcional (PAV). Os dois modos de ventilação mais
comumente utilizados em VNI são PS + PEEP e CPAP4.
A VNI é realizada por meio da utilização de interfaces faciais e nasais. A interface nasal é a mais con-
fortável, porém, ocorre mais resistência ao fluxo aéreo e permite vazamento pela boca. As máscaras
Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1171
faciais podem ter orifícios de exalação, reduzindo, assim, a chance de reinalação. As diversas interfaces
existentes objetivam melhorar o conforto e a tolerância dos pacientes (Figura 52.9).
Figura 52.98 – Interfaces disponíveis para VNI. (A) Máscara nasal; (B) máscara facial tradicional; (C) máscara
full face; (D) capacete (Hellmet).
A NIV está indicada em diversos cenários, atualmente, para tratamento de quadros de insuficiência
respiratória aguda e crônica (Tabela 52.6)18-21.
Tabela 52.6 – Indicações de VNI na prática anestésica
Edema agudo pulmonar cardiogênico, inclusive em pós-operatórios de cirurgia cardíaca e choque cardiogênico
Após cirurgia para revascularização do miocárdio, parece reduzir a quantidade de líquido extravascular nos
pulmões e melhorar a mecânica pulmonar e as trocas gasosas
No pós-operatório de cirurgias de ressecção pulmonar, parece reduzir a taxa de mortalidade, bem como me-
lhorar a oxigenação arterial e diminuir a necessidade de reintubação22-27
Alguns pacientes apresentam ansiedade, náuseas e secreção salivar abundante. Deve-se evitar a
sedação excessiva e procurar explicar o procedimento e adaptar o aparelho para melhor conforto
do paciente.
Quanto menos ansioso e cooperativo estiver o paciente, melhor será o resultado da ventilação, que
pode ser observado através da frequência respiratória; expansibilidade torácica; ausência de respiração
paradoxal; parâmetros hemodinâmicos adequados e gasometria arterial.
O tempo médio de VNI é variável, de acordo com a causa da insuficiência respiratória, aproximadamen-
te 6 horas para edema pulmonar e 18 a 48 horas para DPOC descompensado.
A VNI pode levar a efeitos deletérios sobre a hemodinâmica, que não devem ser negligenciados, princi-
palmente, devido à diminuição do retorno venoso. Outra complicação possível é a presença de constante
risco de regurgitação do conteúdo gástrico e aspiração pulmonar.
Recusa do paciente
Rebaixamento do nível de consciência
Paciente agitado ou não cooperativo
Obstrução de via aérea superior ou trauma de face
Pós-operatório recente de cirurgia de face, via aérea superior ou esôfago
Disritmia cardíaca com baixo débito cardíaco
Grande quantidade de secreção respiratória ou bucal
Risco de aspiração pulmonar
Instabilidade hemodinâmica com necessidade de vasopressor, choque (pressão arterial sistólica < 90 mmHg)
Tosse ineficaz ou incapacidade de deglutição
Distensão abdominal, náuseas ou vômitos
Sangramento digestivo alto
Infarto agudo do miocárdio
Pacientes jovens
Baixo score de APACHE
Paciente cooperativo e boa adaptação ao ventilador
Hipercapnia prévia (PaCO2 > 45 mmHg e < 90 mmHg)
Acidemia prévia (pH > 7,10 e < 7,35)
Melhora dos parâmetros respiratórios e cardiovasculares nas primeiras 2 horas de ventilação
Importante
Uma característica marcante da VNI é a necessidade de acompanhar o paciente de perto, pois,
muitas vezes, é necessária a troca de várias interfaces até obter-se uma adaptação adequada9,31-33.
Barotrauma e Volumotrauma
A LPIV pode ocorrer devido à ventilação com altos volumes pulmonares, levando a ruptura alveolar, fu-
gas de ar e barotrauma. O barotrauma é a lesão do delicado epitélio respiratório, permitindo que os gases
escapem através do parênquima pulmonar ou do espaço pleural. O termo barotrauma pode ser enganoso,
Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1175
porque a variável crítica que conduz às fugas de ar é a hiperdistensão pulmonar regional, não a alta pres-
são nas vias aéreas propriamente. A lesão mais sutil que se manifesta como edema pulmonar pode ocorrer
como resultado da superdistensão do pulmão, o volumotrauma.
O gás que atinge o parênquima pulmonar pode tomar vários destinos: a) seguir em direção central atra-
vés das bainhas broncovasculares (enfisema pulmonar intersticial) até se acumular no mediastino (pneu-
momediastino)54,60,61. A partir daí, pode penetrar o pericárdio (pneumopericárdio), o espaço retroperito-
neal (pneumoretroperitônio) ou o peritônio (pneumoperitônio). Caso o escape de gás ocorra a partir das
vias aéreas distais e penetre o espaço pleural, o resultado é, obviamente, um pneumotórax.
O barotrauma pode ser ocasionado por eventos traumáticos, iatrogenicamente ou espontaneamente
em indivíduos suscetíveis62. Na ausência de eventos traumáticos ou descartando-se a hipótese de evento
espontâneo, o barotrauma é invariavelmente o resultado de pressões elevadas durante a VM. Comorbi-
dades apresentadas pelo paciente (pneumonias necrosantes, vasculites pulmonares, enfisemas bolhosos)
podem levar a um quadro de maior fragilidade do epitélio alveolar, predispondo ao barotrauma, mesmo
com a utilização de pressões mais baixas (consideradas “mais seguras”) durante a VM.
A pressão inspiratória de pico (PIP) nas vias aéreas maiores que 40 cmH2O ou pressão de platô maior
que 30 cmH2O devem ser evitadas, pois são consideradas de risco para o desenvolvimento de barotrauma.
Atelectrauma
Atelectrauma é a lesão dos alvéolos resultante da tensão de cisalhamento recorrente causada pela
abertura e fechamento das áreas atelectásicas. O atelectrauma é amplificado nas margens entre as re-
giões aeradas e atelectásicas, pois, as forças de estiramento do parênquima pulmonar podem superar
quatro a cinco vezes as de outras regiões do pulmão59.
A atelectasia é um estado patológico que exerce efeitos diretos e indiretos sobre o desenvolvimento
ou agravamento de LPIV. Diretamente, os efeitos independentes de estiramento incluem uma propensão à
infecção em razão da redução da atividade fagocitária dos macrófagos alveolares prejudicada pela hipóxia
local e hiperxia. As atelectasias causam hipóxia local devido ao colapso alveolar e hipoxemia sistêmica,
por aumento do shunt pulmonar. A elevação da FIO2 provoca hiperóxia no pulmão aerado, produzindo
inflamação do tecido pulmonar e atelectasia por absorção, que leva ao excesso de espécies reativas de
oxigênio. Os efeitos indiretos são dependentes do estiramento e incluem a lesão induzida por estresse
mecânico. Curiosamente, a lesão alveolar é máxima nas regiões não atelectásicas do pulmão, consistente
com um deslocamento de volume corrente para os alvéolos aerados com subsequente sobreinflação.
A diminuição progressiva da oxigenação e da complacência pulmonar, consequentes da atelectasia, in-
fluencia as estratégias de ventilação mecânica usadas durante a anestesia geral. Algumas décadas atrás63,
volumes correntes até 15 mL.Kg-1 do previsto peso corporal foram preconizados para aumentar o volume pul-
monar ao final da expiração e prevenir atelectasia no período intraoperatório. Atualmente, durante a anes-
tesia, estratégias como o uso de PEEP e manobras de recrutamento de pulmão contribuem para reverter
ou prevenir a perda de volume pulmonar e o colabamento de pequenas vias aéreas. A utilização de baixas
frações inspiradas de O2 (80% ou menos) e o uso de CPAP após a extubação traqueal são medidas auxiliares.
Há preocupação de que volumes correntes reduzidos, defendido por estratégias de ventilação protetora,
pode predispor à atelectasia e subsequente LPIV64.
Biotrauma
As forças físicas descritas acima podem causar a liberação de vários mediadores intracelulares, quer
diretamente (por ruptura celular), quer indiretamente (por transdução dessas forças para a ativação das
vias de sinalização celulares em células epiteliais, endoteliais ou células inflamatórias).
O uso de ventilação mecânica não protetora, mesmo por curto prazo, no contexto de cirurgia de gran-
de porte, também promove alterações inflamatórias e pró-coagulante broncoalveolares em pacientes sem
lesão pulmonar preexistente do pulmão. Isso sugere que a ventilação mecânica, por si só, pode exercer
um estímulo pró-inflamatório e desencadear apoptose celular. A teoria atualmente aceita é a de múlti-
plos danos, a ventilação mecânica não protetora dos pulmões previamente saudáveis, podem resultar em
lesão pulmonar quando combinados com outra agressão. Diferentes insultos podem interagir e provocar
maior produção e liberação de mediadores inflamatórios, sugerindo que a ventilação mecânica pode ser
Figura 52.106 – Biotrauma por LPIV. IL = interleucinas; PEEP = pressão positiva expiratória final; Pplat = pres-
são de platô; TNF = fator de necrose tumoral; VT = volume corrente.
Fatores de risco
Cirúrgicos Anestésicos Relacionados com o paciente
Procedimento cirúrgico Administração excessiva de líquidos Idade > 65 anos
Vascular Transfusão sanguínea > 4 UI ASA 3 ou +
Torácico BNM residual DPOC
Abdominal superior Hipotermia intraoperatória Apneia obstrutiva do sono
Neurocirurgia Uso de SNG SpO2 pré-operatória < 98%
Cabeça e pescoço Parâmetros ventilatórios História de ICC
Procedimento de emergência Infecção pulmonar recente (< de 1 mês)
*Reintervenção Dependência funcional
Duração > 2h Tabagismo ativo
Laparotomia > laparoscopia Etilismo
Sepse pré-operatória
Perda de peso > 10% em 6 meses
Anemia pré-operatória (< 10 g.dL-1)
Obesidade
BNM = bloqueio neuromuscular; SNG = sonda nasogástrica; ICC = insuficiência cardíaca congestiva; ASA = American Society of
Anesthesiologists.
*Reintervenção devido a complicações cirúrgicas.
O conhecimento dos fatores de risco para o desenvolvimento das CPPs é útil no planejamento de es-
tratégias para prevenção e redução de custos. Diferentes escores foram citados com aplicabilidade limi-
tada. Recentemente, o estudo denominado ARISCAT (The Assess Respiratory RIsk in Surgical Patients in
CATalonia) foi validado utilizando-se uma população recrutada em diversos centros na Europa. Ele utiliza
sete fatores de risco (idade: entre 51-80 e > 80; SpO2: entre 91-95% e < 90%; infecção respiratória durante
o último mês; anemia pré-operatória [Hb < 10 g.dL-1]; local da incisão cirúrgica (periférica, abdome supe-
rior, intratorácica); duração da cirurgia, ≤ 2h, > 2-3, > 3 h e procedimento de emergência), o que permite
a discriminação de três níveis de risco: baixo, intermediário e alto70.
Figura 52.116 – Ventilação protetora profilática em pacientes com pulmões saudáveis (A) e com lesão pulmonar
estabelecida (B) ao início da VM.
Nas últimas duas décadas, os avanços no conhecimento sobre os riscos da ventilação mecânica em
paciente com pulmões saudáveis submetidos a cirurgias; a identificação do risco de lesão pulmonar;
as novas estratégias de ventilação e a evolução dos ventiladores que compõem os atuais aparelhos
de anestesia (workstations) mudaram definitivamente o cenário do perioperatório. No presente, os
anestesiologistas possuem ferramentas que têm conduzido a uma redução significativa na mortalida-
de associada, o que amplia a responsabilidade e a necessidade de aplicar essas estratégias durante
as técnicas de anestesia geral, promovendo uma mudança substancial na gestão ventilatória aplicada
no intraoperatório.
52.2. VENTILADORES
Ventiladores Mecânicos
Os ventiladores mecânicos atualmente utilizados em anestesia possuem inúmeras características que
os aproximam dos ventiladores utilizados em unidades de terapia intensiva (UTIs). Diversos modos de
ventilação mecânica invasiva (VCV, PCV, PSV, SIMV, entre outros), bem como a possibilidade de realizar
ventilação espontânea/manual e ventilação mecânica não invasiva (VNI), conferem maior segurança ao
paciente e maior sincronia entre ventilador/paciente5,81.
Tabela 52.1081 - Critérios a serem considerados na escolha de um ventilador mecânico para anestesia
Em condições estáticas:
• Acurácia do VC e da PIP
Em condições dinâmicas:
• Custos imediatos
Manual/ CPAP/PSV,
espontâneo
PC-IPAP/PSV,
Perseus Desligado
Drager Turbina PCV-CMV, PCV- 20-2000 3-100 0-180 7-80
A500 VC-SIMV/AF/
BIPAP, VC-CMV, 2-35
PSV,
VCV-VMC/AF,
VCSIMV/AF PC-APRV
(PEEP + 10)
Manual/ 20-1400
até 70 - VCV
Drager Primus Pistão espontâneo PSV, SIMV 3-80 20-1400 0-20
5-1400
(PEEP + 05)
VCV, PCV (opcional)
até 70 - PCV
PC-CMV, PCV-
GE Manual/ VG,
Aisys Fole Desligado
Health espontâneo 20-1500 4-100 0-120 12-100
CS2 ascendente VC/PC/VG-
Care 4-30
VCV-CMV SIMV, CPAP/
PSV
Manual/
Refletor de espontâneo PSV, PRVC,
Maquet FLOW-I 20-2000 4-100 0-200 0-120 0-50
volume VC-CMV, PC- SIMV
CMV
PCV - ventilação controlada a pressão; VCV - ventilação controlada a volume; PSV - ventilação com pressão de suporte; SIMV -
ventilação sincronizada intermitente mandatória; CMV - ventilação mandatória contínua; BIPAP - binível de pressão positiva na
via aérea; AF - autofluxo; VG - volume garantido; PRVC (Pressure-regulated)
Volume Control - Volume Controlado com Pressão Regulada; APRV (Airways Pressure Release Ventilation) - Ventilação com Li-
beração de Pressão nas Vias Aéreas.
A seguir, são descritos alguns exemplos conceituais e funcionais de ventiladores em anestesia
Ventiladores com Fole Ascendente81
A classificação fole ascendente é baseada no movimento do fole durante a fase expiratória – ele sobe duran-
te essa fase. O mecanismo motor dos reservatórios utilizado nesses ventiladores é quase sempre pneumático81.
O sistema de fole é protegido por uma caixa de acrílico vedada. Essa caixa se traduz em uma câmara de
pressão, e o interior do fole é conectado ao sistema de ventilação. O fole age como uma interface entre
o sistema de ventilação e o mecanismo propulsor do ventilador mecânico81. Da mesma forma, o balão age
como uma interface entre o sistema de ventilação e a mão do anestesista.
Na fase inspiratória, o gás é propelido pelo ventilador para o interior da caixa de acrílico, comprimindo
o fole para baixo. Dessa maneira, o gás flui para dentro do sistema de ventilação (e da via aérea do pa-
ciente). As válvulas dos sistemas de exaustão e antipoluição permanecem fechadas durante a inspiração.
A força motriz é utilizada para comprimir o fole e propelir os gases em seu interior até a via aérea do
paciente. São gases pressurizados (ar ou O2 provenientes da seção de suprimento de gases das estações de
anestesia) que fluem para o interior da caixa de acrílico, sob controle eletropneumático. Ventiladores de
fole são tradicionalmente designados como de circuito-duplo, pois o gás motor e o sistema de ventilação
existem em dois circuitos separados.
Durante a expiração, o fole expande-se para cima passivamente, por causa do retorno dos gases con-
tidos no sistema de ventilação e do influxo de gás fresco. O gás é propelido para a atmosfera através da
válvula de exaustão. Depois de o fole estar completamente expandido (final da fase expiratória), o excesso
de gás é desviado para o sistema de antipoluição, através de sua válvula de alívio81.
Equipamentos antigos munidos de fole descendente ainda podem ser encontrados83. Os foles descenden-
tes são conectados no topo de sua área de montagem e são comprimidos para cima durante a inspiração.
Durante a expiração, o fole é expandido para baixo. Normalmente, existe um peso na borda inferior do fole,
Figura 52.12 - Esquema representativo de ventilador mecânico de fole ascendente em fase inspiratória82.
Ventiladores de Pistão81.
Esse sistema utiliza um motor de passo controlado por computador para mover o pistão e gerar fluxo
aéreo81. Nesses ventiladores, não é necessário um circuito de gás motriz (ar ou O2) separado, portanto, são
classificados, em relação à montagem, como ventiladores de circuito único (Figura 52.13).
Figura 52.14 - Esquema representativo de ventilador mecânico com refletor de fluxo em fase inspiratória82.
Durante o modo de ventilação espontânea, o módulo refletor de gás é inativado e o paciente respira
através do refletor de volume, sendo a pressão no circuito controlada pela válvula APL (válvula de duplo
controle APL-PEEP).
Esse sistema pode compensar perdas por vazamentos no circuito respiratório, através do fluxo no
módulo refletor de gás, além de sinalizar, ao operador, sobre as perdas, porém, pode ocorrer diluição
dos anestésicos.
1184 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Ventiladores de Turbina
A turbina é considerada uma das últimas evoluções incorporadas aos ventiladores utilizados em anes-
tesia84. Os ventiladores utilizam um sistema de alça fechada para a entrega de halogenados, e a turbina
eletrocontrolada está localizada na saída inspiratória. A tecnologia de turbina (Turbo-Vent®) é capaz de
realizar todos os modos ventilatórios existentes, inclusive os modos necessários em UTI.
A turbina é dinamicamente controlada por um motor de corrente contínua (DC), permitindo a geração
de pressão e a entrega do fluxo correspondente ao paciente durante a fase inspiratória e a entrega de
fluxo necessário para misturar os gases dentro do sistema ventilatório, independentemente do esforço
inspiratório realizado pelo paciente. Esses ventiladores permitem a ventilação espontânea em todos os
modos e com fluxo inspiratório virtualmente ilimitado.
Os ventiladores a turbina otimizam o uso de anestesia com baixo fluxo de gases, inclusive fluxo basal84.
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Qualidade e Segurança
em Anestesia
Roberto Manara Victorio Ferreira
Mestre em ciências da saúde pela Unifesp;
Instrutor Corresponsável pelo CET da PUC/Sorocaba, SP.
Airton Bagatini
Instrutor Corresponsável pelo CET do SANE;
Membro do Conselho Superior da SBA;
Gestor do Centro Cirúrgico do Hospital Ernesto Dornelles de Porto Alegre, RS.
Qualidade e Segurança em Anestesia
53.1.Taxonomia
53.2. Indicadores de qualidade: construção, análise e interpretações
53.3. Práticas hospitalares baseadas em evidências
53.4. Sistemas de gerenciamento de qualidade
53.5. Acreditação hospitalar
INTRODUÇÃO
A busca pela melhoria contínua da qualidade e segurança do paciente nos serviços de saúde tem rece-
bido atenção especial em âmbito global, despertando o interesse no meio acadêmico e uma necessidade
de sobrevivência nas instituições hospitalares.
O entendimento do conceito de segurança do paciente é importante para o dimensionamento do pro-
blema e a compreensão dos diversos fatores envolvidos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define
segurança do paciente como sendo a redução do risco de danos desnecessários associada à assistência em
saúde até um mínimo aceitável.
O mínimo aceitável refere-se àquilo que é viável diante do conhecimento atual, dos recursos disponíveis
e do contexto em que a assistência foi realizada diante do risco de não tratar ou escolher outro tratamento.
53.1. TAXONOMIA
De origem grega, o termo taxonomia significa o arranjo sistemático de objetos ou entidades do mundo
real ordenados em grupo.
Por causa da utilização de várias terminologias e definições na área de qualidade e segurança do pa-
ciente, a Organização Mundial de Saúde desenvolveu a Classificação Internacional para a Segurança do
Paciente (ICPS)1, com o objetivo de melhorar a comparação, medição, análise e interpretação das infor-
mações relacionadas ao cuidado do paciente.
Com a elaboração de uma taxonomia nessa área, é possível utilizar termos, conceitos e classificações
de forma consistente, compreensível e adaptável, permitindo melhor entendimento dos trabalhos publi-
cáveis, a organização sistemática e análise de informação relevante sobre o tema em todas as fontes de
pesquisa e a comparação de indicadores e resultados entre as várias instituições de saúde.
Entre os critérios subjacentes à classificação (ICPS), destacam- se:
• identificação e definição de conceitos-chave da área de segurança do paciente;
• adequação linguística e cultural das definições;
• conformidade com outras classificações da OMS.
A ICPS apresenta 48 conceitos-chave e termos preferidos. Dado seu caráter dinâmico, essa lista tende a au-
mentar, acompanhando o crescimento da área de segurança do paciente. Ainda deve-se ressaltar que alguns
desses qualificadores devem ser considerados implícitos quando esses termos são usados no contexto da ICPS1.
Entre os conceitos-chave e termos mais importantes aplicáveis à anestesia, estão:
1. Paciente: pessoa que recebe cuidado de saúde.
2. Cuidado de saúde: serviços recebidos por indivíduo ou comunidades para promover, manter, moni-
torar ou restaurar a saúde.
3. Saúde: estado de bem-estar físico, mental e social completo, e não apenas ausência de doença ou
enfermidade (consistente com a definição da OMS).
4. Doença: disfunção fisiológica ou psicológica.
5. Segurança: redução, a um mínimo aceitável, de risco de dano desnecessário.
6. Segurança do paciente: redução, a um mínimo aceitável, de risco de dano desnecessário associado
ao cuidado de saúde.
Exemplo de questão: em pacientes adultos submetidos a bloqueio de plexo braquial, o uso de ultrasson determi-
na a melhor qualidade do bloqueio?
b) responsabilidade pela gestão: grupo que será responsável pelo gerenciamento da qualidade e
envolvimento do grupo de alta liderança da instituição nos processos de qualidade para a gestão
diária. Entre as responsabilidades estão:
• informar a organização sobre a importância dos requisitos dos clientes e das obrigações legais
e regulamentares;
• estabelecer uma política da qualidade, para assegurar que os objetivos da qualidade sejam
determinados e estejam em conformidade com a política;
• revisar o sistema de gerenciamento da qualidade;
• disponibilizar os recursos necessários.
c) medição, análise e melhoria: a organização deve planejar e implementar os processos de moni-
torização; medição; análise e melhoria necessários para demonstrar a conformidade. A monitori-
zação e a medição devem ser focadas na eficiência e utilizar, como base de análise, indicadores
validados e sua análise crítica periódica como instrumento de melhoria contínua30.
Alguns fatores de medição e análise são:
• satisfação do cliente;
• auditoria interna;
• monitorização do produto;
• monitorização dos processos.
Já a análise de dados gera um conjunto muito importante de dados e informações que deve ser utili-
zado para controle, gestão e revisão dos procedimentos e das práticas adotadas, ou seja, para suportar a
melhoria contínua32.
No que se refere à melhoria contínua, a organização deve melhorar paulatinamente a eficácia do sis-
tema de gerenciamento da qualidade, por meio da utilização da política da qualidade, dos objetivos da
Concluindo, após 20 anos de início do processo de acreditação hospitalar, ainda existem várias institui-
ções que não possuem o selo de acreditação
A obtenção de um certificado de avaliação externa não é garantia de sucesso e qualidade, entretanto,
pode fomentar melhorias, inovações, aprendizado e crescimento institucional quando bem utilizado, es-
tabelecendo uma cultura organizacional de qualidade e segurança.
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Gerenciamento do
Centro Cirúrgico
Erick Freitas Curi
Diretor do Departamento Administrativo da SBA;
Doutor em anestesiologia pela Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp;
Professor de anestesiologia da Universidade Federal do Espírito Santo.
INTRODUÇÃO
“O mundo mudou e vai mudar cada vez mais. Estamos vivendo uma era de mudanças, incertezas,
complexidade e perplexidade” (Idalberto Chiavenato)1. E essa mudança constante deve ser percebida e
trabalhada no âmbito da anestesiologia e dos milhares dos centros cirúrgicos existentes.
A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) é signatária do Tratado de Helsinque para a segurança
do paciente anestesiado. Sendo uma sociedade certificada pelo o Sistema ISO 9001:2008 de qualidade
de gestão, o tema Segurança e Qualidade compõe parte de seu planejamento estratégico. Devido a sua
importância, em 2016, tal tema foi eleito como de suma importância, o que, consequentemente, fez au-
mentar o comprometimento da SBA com a segurança dos milhares de atos anestésicos e com a garantia
da qualidade em seu mais amplo sentido.
A anestesiologia é uma especialidade médica de extrema complexidade. O médico anestesiologista
deve ser parte integrante de toda a discussão, planejamento e execução das novas maneiras de se geren-
ciarem serviços médicos e sua eficiência, bem como da utilização de salas cirúrgicas; do uso adequado dos
sistemas de informação; dos custos; dos conflitos e até mesmo do fluxo seguro da esterilização de mate-
rial. Porém, essas atividades não podem comprometer a atenção desse especialista no paciente, que deve
ser integral e prioritária. Assim, é fundamental uma evolução cultural para uma estrutura administrativa
que garanta ao profissional a tranquilidade do exercício pleno de sua profissão.
É recomendado que qualquer serviço de anestesia siga uma estrutura básica, assim teorizada pelos
próprios autores e com a seguinte composição:
1. Administrador – pessoa obrigatoriamente formada em administração. Dependendo do tamanho e da
complexidade do serviço, poderá ser um funcionário da estrutura hospitalar, da empresa de anes-
tesiologia ou contratado para serviços específicos ou consultorias.
2. Gestor – de preferência, um médico anestesiologista que seja reconhecido pelo seu carisma, capa-
cidade resolutiva, organização, conhecimento e, acima de tudo, envolvimento com o serviço. Além
disso, deve ser possuidor de autoconfiança e ter competência para gerenciar conflitos; ser proativo;
ter gosto pelo aprendizado; saber controlar processos e pessoas; ter habilidade de treinar pessoas
e reter talentos2. Um líder.
3. Visão Sistêmica – visão sistêmica é a visão do todo, que busca excelência naquilo que diz respeito à
organização3. Sem a visão sistêmica instituída, o planejamento estratégico da empresa terá enorme
possibilidade de partir de uma premissa equivocada, gerando, assim, péssimos resultados.
4. Planejamento estratégico – trata-se de uma metodologia gerencial que permite estabelecer a dire-
ção a ser seguida pela organização, visando a um maior grau de interação com o ambiente (Kotler).
É um processo contínuo e sistemático que possui o maior conhecimento possível acerca do futuro
(Peter Drucker).
5. Gestão de projetos – é a aplicação correta de ferramentas e técnicas, habilidades e conhecimentos
que garantam o sucesso do projeto.
6. Obediência tática – é um ponto fundamental. Toda a equipe deve estar envolvida e “obediente”.
Do contrário, o planejamento estratégico será apenas um quadro na parede.
7. Gestão orientada por resultados – qualquer organização existe não para si mesma, mas para alcançar
objetivos e produzir resultados. É nesse sentido que a organização deve ser dimensionada, estrutu-
rada e orientada. São os resultados que justificam a existência e a operação de uma organização1,4.
É fundamental que haja crença para que possa haver envolvimento. Os sete pontos citados ante-
riormente é no que acreditamos para a confecção de um caminho administrativo e gerencial seguro e
focado no sucesso.
1202 | Bases do Ensino da Anestesiologia
54.1. GERENCIAMENTO DA EFICIÊNCIA
Gerenciamento é o ato ou efeito de gerenciar, ou seja, a qualidade de dirigir uma empresa como ge-
rente. É o exercício das funções de gerente. A eficiência é a ação, força, virtude de produzir um efeito;
eficácia. Estatisticamente, é a medida da significação da estimativa de um parâmetro, obtida com base
em uma amostra e que é igual ao quociente de variância da estimativa pela variância de um estimador
de eficiência máxima5.
Harrington Emerson (1853-1931) foi um engenheiro que simplificou os métodos de trabalho. Popularizou
a administração científica e desenvolveu os primeiros trabalhos sobre seleção e treinamento de emprega-
dos. Os princípios de rendimento preconizados por Emerson são os seguintes6:
1. Traçar um plano bem definido, de acordo com os objetivos.
2. Estabelecer o predomínio do bom senso.
3. Oferecer orientação e supervisão competentes.
4. Manter a disciplina.
5. Impor honestidade nos acordos, ou seja, justiça social no trabalho.
6. Manter registros precisos, imediatos e adequados.
7. Oferecer remuneração proporcional ao trabalho.
8. Fixar normas padronizadas para as condições de trabalho.
9. Fixar normas padronizadas para o trabalho em si.
10. Fixar normas padronizadas para as operações.
11. Estabelecer instruções precisas.
12. Oferecer incentivos ao pessoal para aumentar o rendimento e a eficiência.
Ao analisar os princípios de Emerson, percebemos que ele se antecipou à administração por objetivos
propostos por Peter Drucker, por volta da década de 1960.
Entre as várias teorias da administração, a científica enfatiza os métodos e a racionalização do tra-
balho; a teoria clássica chama atenção para os princípios gerais da administração; a teoria neoclássica
considera os meios na busca da eficiência, mas reforça os fins e os resultados na obtenção de eficácia. Há
um forte deslocamento para os objetivos e resultados4.
A administração por objetivos (APO), cerne do gerenciamento da eficiência, deve levar em conside-
ração os Ciclos da APO. Essa ferramenta é importante, pois o resultado de um ciclo permite correções e
ajustamentos no ciclo seguinte, por meio da retroação proporcionada pela análise dos resultados7.
Aqui, tentaremos adaptar as teorias de dois grandes teóricos da administração neoclássica para a rea-
lidade de um serviço de anestesiologia.
Modelo de Humble – segundo o próprio Humble, a APO é um sistema dinâmico que procura integrar as
necessidades de uma empresa em definir seus alvos de lucro e crescimento com a necessidade de o ge-
rente contribuir com isso e se desenvolver. Os seguintes cuidados podem ser citados:
• Revisão crítica dos planos estratégicos e táticos do serviço de anestesia.
• Esclarecimento, para toda a equipe, dos resultados-chave e dos padrões de desempenho que pre-
cisam ser atingidos.
• Criação de um plano de melhoria da função que permita mensurar a contribuição de cada aneste-
siologista para o alcance dos objetivos do serviço.
• Promoção de condições que permitam atingir os resultados-chave.
• Uso sistemático da avaliação do desempenho para ajudar cada anestesiologista a superar seus pon-
tos fracos e aceitar a responsabilidade pelo seu desenvolvimento pessoal e profissional.
• Aumento da motivação de cada anestesista e do gestor do serviço por maior responsabilidade, pla-
nejamento da carreira e participação nos resultados de seus objetivos.
Modelo de Odiorne – modelo de sete etapas que adaptamos para os serviços de anestesiologia, na fi-
gura a seguir (Figura 54.1).
Ponto 54 - Gerenciamento do Centro Cirúrgico | 1203
Figura 54.1 – Modelo de APO de Odiorne adaptado, pelos autores, para serviços de anestesia (adaptado de
Idalberto Chiavenato)1
Revendo o que propusemos na introdução deste capítulo, não consideramos que seja papel do gestor
ser conhecedor profundo dessas teorias ou o arquiteto de todo esse processo. Por isso, consideramos in-
dispensável a figura do administrador, pois, sendo especialista, apresentará as ferramentas necessárias
para o desenvolvimento das ações e orientará, de forma eficaz, todo o processo.
Talvez, uma questão óbvia deverá ser deixada ainda mais clara. Para o gerenciamento adequado de um ser-
viço de anestesiologia e, consequentemente, a obtenção de bons resultados, é fundamental que exista siner-
gismo entre o planejamento estratégico hospitalar e seus objetivos e os do serviço de anestesiologia. O concei-
to de ilhas de excelência contribui mais para a competição predatória do que para a cooperação construtiva.
Lembrem-se, o sucesso é uma mescla de eficiência e justiça. Quanto maior a sensação de justiça no
seu serviço, maior será o comprometimento de todos e mais eficiente será a sua empresa.
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