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PONTO 50

Dor Aguda e Inflamação


Irimar de Paula Posso
Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor;
Instrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP;
Anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Roberto Monclus Romanek


Instrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP;
Anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Bruno Emanuel Oliva Gatto


Instrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP;
Anestesiologista no Hospital Israelita Albert Einstein.
Dor Aguda e Inflamação
50.1. Fisiopatologia
50.2. Avaliação
50.3. Métodos de tratamento
50.4. Serviço de tratamento da dor aguda

INTRODUÇÃO
Dor é definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como uma experiência senso-
rial e emocional desagradável, associada a dano tecidual real ou potencial. A dor aguda tem início súbito
e duração limitada, com causa e localização temporoespacial bem estabelecidas. Há uma correlação ní-
tida do nexo entre o estímulo/causa e o efeito/dor. Apresenta função de sinalização biológica, motivan-
do comportamento atávico de luta, fuga ou proteção da área afetada. Frequentemente está associada a
respostas autonômicas, fisiopatológicas e psicológicas, induzidas por estímulos nóxicos provenientes de
lesão e/ou de enfermidade somática e visceral1-3. Diferentemente da dor crônica, em geral não cursa com
disfunção ou lesão do sistema nervoso central ou periférico, mas eventualmente pode apresentar um com-
ponente neuropático. Já a dor crônica persiste além do tempo esperado de resolução da lesão inicial e,
normalmente, não se identifica uma causa definida para o quadro (Figura 50.1).

Figura 50.1 - Gráfico ilustrando a intensidade da dor em relação ao tempo em três condições dolorosas distin-
tas. Linha A: dor aguda. A intensidade da dor melhora com o tempo. Linha B: dor crônica oncológica. A dor se
manifesta continuamente e há tendência de piora progressiva. Linha C: dor crônica não oncológica. O pacien-
te apresenta dor contínua ou intermitente, alternada por períodos de piora e remissão.
Esquemas rígidos de classificação são úteis para fins de ensino e pesquisa, mas, na maior parte dos
casos, não correspondem exatamente à realidade clínica. Como em todo sistema biológico complexo,
dinâmico e multifatorial, frequentemente as categorizações abaixo ocorrem de maneira simultânea
ou intercalada.
Dor nociceptiva - de origem somática ou visceral, decorrente de lesão tecidual real ou potencial por
estimulação nóxica térmica, física, mecânica, química, infecciosa etc. A dor nociceptiva somática é ca-
racterizada pela sensação de pontada ou queimação, sendo, geralmente, bem localizada e acompanhada
por sinais inflamatórios. A dor visceral se manifesta como cólicas e desconforto difusos, sem localização
definida. Ambas estão frequentemente associadas a sinais de descarga adrenérgica, como náuseas, vômi-
tos, sudorese, vasoconstrição cutânea, hipertensão e taquicardia.
Dor neuropática - oriunda da lesão ou disfunção do sistema nervoso periférico ou central, sendo des-
crita como choque, queimação ou formigamento. Em geral, é acompanhada por sintomas como disestesia,
hiperalgesia e alodinia. Pode ocorrer em quadros agudos, como na dor neuropática aguda pós-operatória
ou pós-traumática.
A dor aguda pode ser classificada em relação ao nexo causal em pós-traumática, queimaduras, pós-
-operatória, musculoesquelética, osteoarticular, visceral, isquêmica, orofacial e incidental.

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50.1. FISIOPATOLOGIA

Nocicepção
O primeiro evento que origina o fenômeno sensitivo doloroso é a transformação dos estímulos físicos
ou químicos em potenciais de ação pela membrana axonal, ou mais especificamente pelo nociceptor ou
terminação nervosa livre, constituída de algumas centenas de micrômetros da terminação axonal dis-
tal. Esses estímulos são transferidos pelas fibras nervosas do sistema nervoso periférico para o sistema
nervoso central4.
Os estímulos químicos gerados por radicais ácidos, capsaicina, bradicinina entre outros, mecânicos
como pressão, ou térmicos tanto calor como frio intensos alteram as propriedades da membrana dos noci-
ceptores e deflagram os potenciais de ação. Os nociceptores sofrem fadiga e sensibilização, então a apli-
cação repetitiva de estímulos reduz a percepção de muitas sensações, porém, quando há lesão tecidual,
ocorre sensibilização dos nociceptivos instalando a hiperalgesia5.

Neurônios Aferentes
De acordo com a dimensão do corpo celular e seus axônios os neurônios aferentes são classificados
em três classes: fibras de pequeno diâmetro, amielinizadas com velocidade de condução inferior a 2 m/s
(fibras C), fibras de diâmetro médio, pouco mielinizadas com velocidade de condução entre 25 a 50 m/s
(fibras A-delta) e fibras de grande diâmetro, intensamente mielinizadas com alta velocidade de condução
(fibras A-beta e A-alfa). A maioria das fibras C e A-delta é nociceptiva, enquanto apenas cerca de 20% das
fibras A-alfa e A-beta são nociceptivas6.
Os nociceptores são terminações nervosas livres das fibras A-delta e C, terminações nervosas das fibras
A-delta e C sensibilizadas por processos inflamatórios e terminações de limiar reduzido das fibras A-beta
quando ocorre sensibilização neuronal.
Os nociceptores relacionados com as fibras C respondem às estimulações mecânicas térmica e quími-
ca. A maioria dos receptores não algogênicos das fibras C não detectam os mediadores intrínsecos da in-
flamação. As fibras termomecânicas C são comuns nos aferentes cutâneos, evocam sensação de queimor
embora haja mecanorreceptores que são ativados pelo frio intenso e não pelo calor. As fibras C medeiam
a dor secundária ou alentecida descrita como sensação vaga de queimor ou peso. Os nociceptores relacio-
nados com as fibras A-delta reagem tanto à estimulação mecânica quanto à térmica, e a atividade deles
aumenta gradualmente com a elevação da temperatura, porém a sensibilidade à estimulação mecânica
não está relacionada com o limiar térmico.
Os nociceptores A-delta podem ser divididos em dois tipos. O tipo I são os que reagem à estimulação
térmica intensa em torno de 52oC, mas não à capsaicina, e são sensibilizados pela lesão térmica do tegu-
mento. Os nociceptores A-delta tipo II reagem ao calor moderado de aproximadamente 43°C e à capsai-
cina, no entanto não são sensibilizados pelo calor intenso. As fibras A-delta medeiam a dor primária bem
delineada, induzida rapidamente e descrita com precisão6.
Os aferentes sensitivos primários também exercem outras funções como a liberação retrógrada de subs-
tâncias neurotransmissoras que modulam a sensibilidade, a inflamação e a reparação tecidual, além do
transporte ortodrômico de substâncias químicas a partir dos tecidos. As fibras A-beta que conduzem as sen-
sações mecânicas de baixo limiar também podem veicular informações nociceptivas em condições normais,
ou depois da ocorrência de lesão tecidual ou ainda após a sensibilização por substâncias inflamatórias7.
Portanto, a grande maioria das fibras C reage à estimulação termomecânica, ao calor e ao frio em alta
intensidade, e um número menor reage à estimulação mecânica de baixa intensidade na faixa não nociva,
enquanto as fibras A-delta e A-beta reagem a estímulos mecânicos relativamente inócuos e a estímulos na
faixa dolorosa e à estimulação térmica.

Transdução
Canais iônicos dependentes de ATP, canais ativados pelo calor nocivo, canais regulados por prótons
(ASIC) e que detectam pH inferior a 6,5 e o canal de Na+ resistente à tetrodotoxina estão relacionados com
a transdução e com a excitação localizados predominantemente nas fibras C e A-delta do tipo II sensíveis

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ao calor nocivo moderado e nos aferentes A-delta do tipo I sensíveis a estímulos térmicos de elevada in-
tensidade e insensíveis à capsaicina. A transdução térmica depende de proteínas de membrana ou molé-
culas efetoras intracelulares com elevado coeficiente de temperatura, membros da família dos receptores
de potenciais transitórios denominados vaniloides (VRl).
Os receptores mecanossensíveis são divididos em quatro grupos: as fibras A-alfa proprioceptivas que
detectam tensão muscular ou posição da articulação, as fibras A-beta responsáveis pelo tato que são
ativadas por estímulos pressóricos fracos, as fibras A-delta e C nociceptivas, que respondem a estímulos
mecânicos diretos intensos, deformação tecidual e alterações da osmolaridade8.
A transdução mecanoquímica é originada pela deformação mecânica que libera substâncias químicas
difusíveis que medeiam as reações de tração ou de lesão e ativam as terminações nervosas vizinhas, po-
rém, em torno de 50% das fibras nociceptivas A-delta e 30% das fibras nociceptivas C são mecanicamente
insensíveis, ou seja, são os chamados receptores silenciosos.
Quando ocorre lesão de tecido há aumento da sensibilidade dos nociceptores aos estímulos mecâni-
cos e térmicos causado por substâncias algiogênicas produzidos por mastócitos, neutrófilos, plaquetas e
fibroblastos presentes na área lesada. As substâncias algogênicas radicais ácidos, potássio, acetilcolina,
bradicinina, histamina, serotonina, leucotrienos, substância P, fator de ativação plaquetário, purinas, lipí-
deos, fator de necrose tumoral (TNFα), fator de crescimento nervoso (NGF), prostaglandinas (PGE2, PGH2,
PG12, PGE2) e a tromboxana-A (TBX-A), citocinas, interleucinas (IL-ip, IL-6, IL-8) e adenosina monofosfato-
cíclica (AMPc), que sensibilizam os nociceptores e causam hiperalgesia e alodinia termomecânica primária
e vasodilatação observada em lesões traumáticas, inflamatórias e/ou isquêmicas8.
A histamina liberada pelos mastócitos atua nos neurônios sensitivos e, dependendo de sua concentra-
ção, evoca a dor. A bradicinina ativa os neurônios sensitivos induzindo a polarização imediata, a dor agu-
da e a sensibilização prolongada aos estímulos térmicos, sensibilizando os receptores aos movimentos e à
deformação mecânica, especialmente nos nociceptores das fibras C.
O pH intersticial é reduzido quando há anóxia, hipóxia, infecção, isquemia e/ou inflamação e prolonga
a ativação dos neurônios sensitivos. A acidose extracelular excita os nociceptores e causa dor que persiste
durante o período em que o pH se mantém reduzido. Os receptores relacionados com os íons ácidos exci-
tam diretamente os nociceptores e ativam os canais de sódio e vaniloide aumentando a atividade neuronal
em resposta a outros estímulos nocivos como calor e capsaicina.
Quando ocorre a lesão celular é desencadeado o processo inflamatório seguido de reparação. As células
lesadas liberam enzimas, que degradam ácidos graxos de cadeia longa e atuam sobre os cininogênios originan-
do as cininas, que são pequenos polipeptídeos da α2-calicreína presente no plasma ou nos líquidos orgânicos.
A calicreína é uma enzima proteolítica que, quando ativada pela inflamação e por substâncias quími-
cas ou efeitos físicos, atua imediatamente sobre a α2-globulina, liberando a cinina denominada calidina,
que é, assim, convertida em bradicinina por enzimas teciduais. A bradicinina provoca intensa dilatação
arteriolar e aumento da permeabilidade capilar, contribuindo para a propagação da reação inflamatória.
A fosfolipase A libera o ácido araquidônico da membrana das células lesadas, que é metabolizado pela
cicloxigenase (COX) originando as prostaglandinas, os tromboxanos e as prostaciclinas, pela lipoxigenase
que produz os leucotrienos e lipoxinas, e pelo citocromo P-450 originando os denominados produtos da
via da epoxigenase. Essas substâncias, sobretudo as prostaglandinas E2 (PGE2), promovem diminuição do
limiar de excitabilidade dos nociceptores9.
As células inflamatórias, macrófagos e leucócitos liberam citocinas que estimulam a migração de novas
células para o local da lesão, ocorrendo a síntese e liberação de interleucina-1 e 6, fator de necrose tu-
moral, selectina, fatores quimiotáticos, óxido nítrico e substâncias oxidantes. Então são recrutados novos
receptores que passam a atuar no processo inflamatório. A substância P e a neurocinina A causam vaso-
dilatação com aumento da permeabilidade vascular, atuando na manutenção do processo inflamatório10.
A bradicinina, a PGE2, o fator de crescimento nervoso (NGF) e as interleucinas atuam de modo impor-
tante na nocicepção periférica. A prostaglandina e a bradicinina alteram receptores específicos (TRPV1)
acoplados a canais iônicos ligante-dependentes pela ativação do AMPc e das proteínas cinases A (PKA) e C
(PKC), reduzindo o tempo após a hiperpolarização da membrana neural, reduzindo o limiar para a defla-
gração do impulso pela fibra nervosa.
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As neurotrofinas, além de aumentarem a síntese, o transporte axonal anterógrado e a quantidade de SP
e CGRP nas fibras C, também reduzem a atividade do ácido gama-aminobutírico (GABA) nas terminações
nervosas periféricas e centrais, e provocam mudanças nos receptores vaniloides (VR1) de fibras A-delta
acoplados a canais iônicos ligante-dependentes e também ativam proteínas cinases ativadas que podem
fosforilar o AMPc iniciando a transcrição genética responsável por alterações fenotípicas, que contribuem
para amplificar a eficácia sináptica8.
A persistência do estímulo lesivo modifica o sistema nervoso periférico e sensibiliza fibras nervosas,
com consequente hiperalgesia e aumento dos níveis de AMPc e cálcio nos nociceptores. Esse fenômeno é
mediado pelos mediadores inflamatórios com aumento da atividade espontânea dos neurônios e da res-
posta a estímulos supraliminares, com consequente diminuição do limiar de ativação dos nociceptores.
Depois da liberação dos produtos químicos na área lesada, os receptores previamente silenciosos são ati-
vados por estímulos térmicos e mecânicos e desenvolvem descargas espontâneas, tornando-se capazes de
responder de maneira intensa a estímulos nociceptivos e não nociceptivos11.
Portanto, a lesão celular produz acúmulo de metabólitos do ácido araquidônico, levando a síntese de
prostaglandinas e leucotrienos, a degranulação de mastócitos e a ativação de fibras nervosas, macrófagos
e linfócitos. Ocorre a liberação dos mediadores potássio, serotonina, substância P, histamina, cininas, en-
tre outros, além de alteração na permeabilidade capilar, no fluxo sanguíneo e dor. Tem início o processo
de sensibilização periférica com exacerbação da resposta ao estímulo doloroso.
Os neuromediadores periféricos despolarizam a membrana neural por tempo prolongado aumentando
a condutividade dos canais de sódio que estão relacionados com a geração da hiperexcitabilidade neuro-
nal e cálcio, e reduzem o fluxo de potássio e cloro para o meio intracelular. Os canais de sódio podem ser
classificados em canais sensíveis à tetrodotoxina (TTXs), que estão presentes nas fibras A delta em todo
sistema nervoso e no gânglio da raiz dorsal, e os canais resistentes à tetrodotoxina (TTXr), que são encon-
trados nas fibras C do gânglio da raiz dorsal11.
A lesão periférica da fibra C provoca redução de substância P, neurotrofinas, receptores vaniloides e
canais de cálcio de alta voltagem no corno dorsal da medula espinhal, com regulação ascendente de ca-
nais TTXs tipo III; há também a translocação do corpo celular para o neuroma de canais de sódio (TTXr),
facilitando o aumento da excitabilidade nervosa. A lesão de fibras C pode aumentar a substância P e
neurotrofinas nas fibras A-beta, que são mecanorreceptores de baixo limiar, com brotamento no local das
conexões aferentes das fibras C na lâmina II da medula espinal, ampliando o campo receptivo do neurônio
ocorrendo a interpretação de estímulos mecânicos periféricos inócuos como agressivos, o que explica a
alodinia mecânica que acontece em algumas neuralgias periféricas.11.

Mecanismos Centrais da Dor


Ao chegar à medula espinhal pelas fibras nervosas do sistema nervoso periférico, os estímulos doloro-
sos são alterados pelos circuitos intramedulares que determinarão as mensagens dolorosas que atingirão
o córtex cerebral. Os estímulos nocivos provocam alterações no sistema nervoso central, modificando os
mecanismos desencadeados pelos estímulos aferentes, pois a estimulação persistente de nociceptores
provoca dor espontânea, redução do limiar de sensibilidade e hiperalgesia, que é classificada em hiperal-
gesia primária conceituada como o aumento da resposta ao estímulo doloroso no local da lesão, e hipe-
ralgesia secundária conceituada como a que se estende para áreas adjacentes7.
A sensibilização central é provocada pelas alterações dos impulsos periféricos, pois os impulsos repe-
tidos em fibras C amplificam sinais sensoriais em neurônios espinhais com redução do limiar ou aumento
da resposta aos impulsos aferentes, com descargas persistentes e ampliação dos campos receptivos de
neurônios do corno dorsal. Estímulos frequentes dos aferentes produzem somação dos potenciais de ação
e consequente despolarização pós-sináptica cumulativa11.
As lesões periféricas podem induzir plasticidade em estruturas supraespinais por meio de mecanismos
que atuam em receptores específicos para o glutamato, pois após a agressão tecidual há liberação de neu-
rotransmissores, como substância P, somatotastina, peptídeo geneticamente relacionado com a calcitonina,
neurocinina-A, glutamato e aspartato, substâncias que estão relacionadas com a ativação de potenciais pós-
-sinápticos excitatórios e receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e não NMDA. Após a ativação de receptores
NMDA pelo glutamato o íon magnésio é removido do interior do receptor com influxo de cálcio para a célula,
ocasionando a amplificação e o prolongamento da resposta ao impulso doloroso12.

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O aumento do cálcio ativa a enzima óxido nítrico-sintetase e estimula a transcrição de protoncogenes,
que são genes localizados no sistema nervoso central envolvidos na formação de dinorfinas e encefalinas.
As encefalinas têm ação antinociceptiva e agem na redução da neuroplasticidade e hiperalgesia, porém
as dinorfinas têm um efeito mais complexo, com ação algogênica e antinociceptiva11.
A sensibilização do corno dorsal da medula espinhal pode ocorrer de várias maneiras pelo windup, sen-
sibilização sináptica clássica, potencialização de longo termo, fase tardia da potenciação de longo termo
e facilitação de longo termo13.
A sensibilização sináptica clássica é ocasionada por sequência sincronizada de estímulos periféricos no-
ciceptivos repetidos por uma única estimulação nociceptiva assíncrona, que aumenta a resposta de fibras
A-delta e C e de fibras A-beta não estimuladas, como consequência da liberação de aminoácidos excita-
tórios, peptídeos e de neurotrofinas no corno dorsal da medula espinhal14.
Os aminoácidos excitatórios glutamato e o aspartato se ligam a receptores específicos do tipo ionotró-
pico ou receptores rápidos como o AMPA, o cainato e o NMDA, nos quais o local de ligação do neurotrans-
missor é parte integrante de um canal iônico, e também nos receptores metabotrópicos ou receptores
lentos como o receptor Mrglu que são ligados à proteína G.
O windup é o resultado da somação de potenciais sinápticos lentos após estimulação aferente repetida de
baixa frequência, inferior a 5 Hz por tempo prolongado, o que estimula a liberação de neurotransmissores ex-
citatórios, glutamato e aspartato no corno dorsal da medula espinhal, produzindo despolarização relacionada
com a remoção do bloqueio voltagem-dependente exercido pelo magnésio nos receptores NMDA, ocorrendo
aumento da condutividade ao cálcio e da resposta à dor, a cada estímulo repetido e da mesma intensidade11.
A potencialização de longo termo parece decorrer da sequência de estímulos nociceptivos breves e de
alta frequência, que provocaria a ativação de receptores AMPA e NK1 e de canais de cálcio, ocasionando
resposta pós-sináptica excitatória prolongada11.

Vias Nociceptivas Ascendentes


Na medula espinal, os aferentes primários (fibras A-delta e A-gama) conectam-se tanto a neurônios de
lâminas superficiais do corno posterior da medula espinal e, mais profundamente, a neurônios comuns a
vários tipos de sensibilidade e dão origem aos tratos ascendentes para o encéfalo.
A transferência das informações nociceptivas da medula espinal para estruturas encefálicas é realizada
por vários sistemas neuronais constituídos de fibras longas, que ascendem pelos tratos espinotalâmico,
espinorreticular, espinomesencefálico, espinocervical e sistema espinopontoamigdaliano. A via espinotalâ-
mico sobe para o tálamo a partir de terminais aferentes primários nas lâminas I e II, através de conexões
em lâmina V do corno dorsal e, em seguida, para o córtex somatossensorial. Essa via fornece informações
sobre os aspectos sensório-discriminativos da dor, ou seja, o local e tipo de estímulo doloroso7.
O trato espinorreticular e o espinomesencefálico são importantes para a integração de informação no-
ciceptiva como o despertar e as respostas homeostáticas e autonômicas, bem como projetam para áreas
centrais o componente emocional ou afetivo da dor15.
Outras conexões incluem as áreas corticais envolvidas nos componentes afetivo-motivacionais de dor
como o córtex cingulado anterior, insular e córtex pré-frontal, as projeções da substância cinzenta pe-
riaquedutal e do núcleo ventromedial rostral essenciais para as respostas de luta ou fuga e a analgesia
induzida pelo estresse, e as projeções para a formação reticular que são importantes para a regulação
das vias descendentes para a medula espinhal. As projeções descendentes do núcleo dorsal da medula
reticular são importantes na facilitação do controle inibitório nocivo difuso16.

Modulação Descendente
O cérebro tem uma notável capacidade de modular a dor de acordo com fatores fisiológicos, psicológicos e
sociais. O mecanismo da modulação é complexo e apenas parcialmente elucidado, embora seja aceito um cir-
cuito modulador descendente que se projeta para a medula espinhal e altera a experiência de dor pela modu-
lação inibindo ou facilitando o tráfego nociceptivo. Vias descendentes contribuem para a modulação da trans-
missão nociceptiva na medula espinhal através de ações pré-sinápticas em fibras aferentes primárias, ações
pós-sinápticas em neurônios de projeção ou por meio de efeitos sobre os interneurônios no corno dorsal16.
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As fontes incluem vias diretas e indiretas a partir do córtex e do hipotálamo, que são importantes para
a coordenação da informação autonômica e sensorial. O relativo equilíbrio entre a inibição descendente e
facilitação varia de acordo com o tipo e a intensidade do estímulo e também com o tempo após a lesão.
Vias serotoninérgicas e noradrenérgicas do funículo dorsolateral contribuem para efeitos inibitórios des-
cendentes, e as vias serotoninérgicas têm sido relacionadas a efeitos facilitadores7.
A modulação inibitória ocorre dentro do corno dorsal e pode ser mediada por estímulos não nocicep-
tivos periféricos, interneurônios inibitórios do ácido gama-aminobutírico (GABA) e da glicina, projeções
descendentes bulboespinhais e cerebrais superiores como distração e estímulos cognitivos.
Estes mecanismos inibitórios são ativados de forma endógena através de neurotransmissores, tais como
as endorfinas, encefalinas, noradrenalina, para reduzir as respostas excitatórias da atividade persistente
das fibras C. A serotonina tem sido implicada tanto como pró-nociceptiva e inibitória. Mecanismos seme-
lhantes são a base de muitos agentes analgésicos exógenos17.
Assim, a analgesia pode ser alcançada estimulando a inibição pelos opioides, clonidina e antidepressi-
vos, ou reduzindo a transmissão excitatória por anestésicos locais e cetamina16.
Uma característica de processamento sensorial é que nem todos os sinais recebidos a partir de recep-
tores são percebidos. A capacidade de processamento limitada do cérebro é otimizada, priorizando sinais
comportamentais mais relevantes e suprimindo os menos importantes.
Avanços na imaginologia cerebral funcional humana forneceram novas evidências como a percepção da
dor é moldada pelo córtex cerebral por outras modalidades sensoriais de atenção ou emocional.
O envolvimento de mecanismos de atenção e de expectativa ao produzir modulação cognitiva da dor é a base
da analgesia induzida por placebo e para o uso de intervenções psicológicas na modulação endógena da dor18.

50.2. AVALIAÇÃO
A dor compreende uma experiência individual multifatorial, sendo influenciada pelos antecedentes
culturais, cognitivos, sociais e psicológicos, bem como pelos eventos dolorosos prévios19. Como constitui
um fenômeno subjetivo, sua avaliação é permeada de dificuldades de ordem prática, pois ainda não se en-
controu um marcador específico que demonstre efetivamente sua ocorrência e/ou intensidade. Portanto,
sua mensuração requer a participação ativa do paciente por meio das escalas de dor. Deve ser avaliada
juntamente com os outros sinais vitais, em intervalos de 4-6 h, e sua intensidade anotada na ficha de evo-
lução. Sua avaliação regular auxilia no diagnóstico, na seleção do método de analgesia mais adequado e
no acompanhamento da eficácia terapêutica (Tabela 50.1).
Tabela 50.1 - Fundamentos da anamnese do paciente com dor20
1. Localização:
1.1. Região primária afetada
1.2. Irradiação
2. Circunstâncias associadas ao início da dor
3. Características: pontada, choque, queimação, cólica etc.
4. Fatores desencadeantes, agravantes e atenuantes
5. Intensidade:
5.1. Em repouso
5.2. Durante a movimentação
5.3. Em relação ao tempo:
5.3.1. Duração
5.3.2. Neste momento, durante o dia, na última semana
5.3.3. Contínua ou intermitente, paroxística ou não
6. Sintomas associados: náuseas, vômitos, prurido, parestesias etc.
7. Interferência da dor no sono, humor, atenção, atividades físicas e mentais, trabalho, relações familiares etc.
8. Tratamento: medicações prévias e atuais, doses, frequência, eficácia, efeitos adversos
9. Histórico médico:
9.1. Morbidades associadas
9.2. Antecedentes prévios de dor
9.3. Distúrbios psíquicos coexistentes: depressão, ansiedade etc.

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As escalas podem ser uni ou multidimensionais. As unidimensionais se atêm à análise da intensidade da
dor ou do grau de alívio após uma intervenção. São constituídas pelos modelos categóricos e numéricos,
nos quais a magnitude da dor é descrita sob a forma de palavras ou números, respectivamente. São mais
usadas na dor aguda. Já as multidimensionais incorporam elementos para avaliar, além da intensidade da
dor, suas características e impacto na vida do paciente, sendo mais aplicadas nos casos de dor crônica.

Escala Analógica Visual21


A escala analógica visual (EAV) compreende um instrumento simples para a mensuração da dor. É
constituída por uma linha horizontal de 100 mm, cuja extremidade esquerda corresponde à ausência
de dor e a direita representa a pior dor imaginável. O paciente seleciona o local mais representativo da
intensidade da dor. O escore é obtido pela distância entre extremidade esquerda e o local assinalado.
Valores de EAV acima de 70 são indicativos de dor intensa; entre 45-74, de dor moderada e entre 5-44,
de dor leve (Figura 50.2).
Além de medir a intensidade da dor, a escala pode ser usada para avaliar o alívio da dor, a satisfação
com o tratamento e também a intensidade de outros sintomas, como náusea.
Têm sido desenvolvidas várias réguas que facilitam a avaliação com resultados consistentes. É um mé-
todo fácil e rápido de avaliação da dor, porque não há necessidade de assinalar termos imprecisos para
descrever a dor e oferece um grande número de pontos para melhor representar a dor sentida no momen-
to da avaliação.
A desvantagem é que é preciso explicar com detalhe para o paciente como é aplicada a escala, sendo
necessário assegurar que o paciente tenha entendido a explicação, pois mesmo um conceito aparente-
mente simples pode ser de difícil compreensão, sendo necessária concentração e coordenação motora
para assinalar na escala o ponto que corresponderia à intensidade da sua dor naquele momento.
Como a EAV mede a intensidade da dor no momento em que é aplicada, são necessárias várias avalia-
ções, o que pode reduzir a acurácia, pois o paciente se cansa e se torna pouco cooperativo ou se lembra
do escore anterior, e acaba sendo influenciado por ele.

Figura 50.2 - Escala analógica visual

Escala Visual Numérica21


O paciente assinala um número para representar a intensidade da dor, sendo 0 ausência de dor e 10 a
pior dor possível. Como as demais escalas, também pode ser empregada quanto ao alívio da dor, sendo 0
nenhuma melhora e 10 alívio total. Apresenta uma boa correlação com a EAV, não requer treino elabora-
do e pode ser aplicada mesmo em crianças pequenas. Pode ser impressa com números de 0-10 ou 0-100,
dispostos em uma linha horizontal (Figura 50.3).

Figura 50.3 - Escala visual numérica. 0 = ausência de dor; 1-3 = dor leve; 4-6 = dor moderada; 7-9 = dor intensa;
10 = dor insuportável

Escala de Descritores Verbais21


A escala de descritores verbais comumente usa palavras para descrever a intensidade da dor. O pacien-
te relata ou assinala a palavra mais apropriada para descrever a sua dor. Geralmente são empregadas as

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palavras dor - ausente, leve, moderada, forte e insuportável, que são pontuadas como: ausente = 0; leve
= 1; moderada = 2, forte = 3, e insuportável = 4.
O alívio da dor também pode ser avaliado pela escala descritiva verbal que usa as palavras: nenhum,
discreto, moderado, bom e completo, pontuadas como: alívio ausente = 0; discreto = 1; moderado = 2;
bom = 3 e completo = 4.
A principal vantagem da escala descritiva verbal é a facilidade e rapidez para sua aplicação. A des-
vantagem é o número reduzido de descritores para a resposta, forçando o paciente a escolher um deles,
mesmo que não seja o mais adequado para expressar a sua dor, e porque ela é descontínua (Figura 50.4).

Figura 50.4 - Escala de descritores verbais

Escala Numérica Verbal21


É escala alternativa para as escalas verbal e analógica visual. O paciente sugere um número para re-
presentar a intensidade da dor, 0 significando ausência de dor, e 10, a dor mais intensa possível. Também
pode ser usada para avaliar o alívio da dor, 0 representando nenhuma melhora da dor enquanto 10 signi-
fica alívio completo.
Essa escala é fácil e rápida para ser aplicada, e apresenta uma boa correlação com a EAV. Não há ne-
cessidade de treino muito elaborado, proporciona boa avaliação pelo paciente durante o tratamento e
pode ser aplicada mesmo em crianças pequenas.
Outra vantagem dessa escala é que ela pode ser impressa com números de 0 a 10, colocados em uma
linha horizontal, e o paciente assinala ao lado daquele que melhor exprime a intensidade de sua dor. Tam-
bém se pode fazer a escala com números de 0 a 100.

Escala de Expressão Facial21


A escala de expressão facial utiliza como padrão a apresentação de desenhos de faces com diferentes
expressões de dor, também representando as dimensões da dor, e o paciente, de maneira direta, indica
a face que melhor exterioriza ou se parece com a intensidade da dor que ele vivencia naquele momento.
Essa escala é usada principalmente para crianças, mas também pode ser utilizada para avaliar a dor de
pacientes analfabetos ou com deficiência mental (Figura 50.5).

Figura 50.5 - Escala de Expressão Facial

50.3. MÉTODOS DE TRATAMENTO


Sempre que possível, o tratamento analgésico deve iniciar antes mesmo da dor e ser contínuo até a
regressão da fase de dor pós-operatória mais intensa, que acompanha o processo inflamatório agudo, que
geralmente é de 48 horas.
A analgesia é parte fundamental do tratamento global do paciente. Sua programação deve ser feita o mais
precocemente possível, de acordo com o caso, o que permite definir o tipo de terapia analgésica mais ade-

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1127


quada para aquele paciente. O planejamento precoce da terapêutica analgésica permite esclarecer e educar o
paciente quanto ao método selecionado, o que é um dos principais fatores de melhora do tratamento.
Há alguns anos surgiu o conceito de analgesia preemptiva cujo fundamento é a utilização de terapia
analgésica antes da lesão, com o objetivo de diminuir a intensidade da dor e evitar a sensibilização cen-
tral, que é um mecanismo de amplificação da dor aguda22.
O conceito tem sido usado erroneamente por muitos médicos que se limitam apenas à administração
da terapia analgésica antes da lesão. Na verdade, a analgesia preemptiva é a terapia que se inicia antes
da lesão e persiste até a resolução da fase inflamatória aguda, que também é um estímulo suficiente para
causar a sensibilização central23,24. A analgesia preemptiva pode ser realizada em qualquer parte da via
dolorosa, como na periferia, na via de condução, na medula e nos centros superiores. Muitos estudos so-
bre a eficácia da analgesia preemptiva têm sido feitos, com resultados conflitantes.
Os estudos experimentais são animadores, porém, lamentavelmente, ainda não confirmados nos en-
saios clínicos. Alguns provocam a redução no consumo de analgésicos no período pós-operatório, enquan-
to outros não. O conceito em termos fisiopatológicos é correto, mas a dificuldade de confirmação clínica
talvez resida na análise da eficiência. Quem sabe, em vez de avaliar o consumo de analgésicos no período
pós-operatório imediato, devesse ser averiguada a frequência e a intensidade do desenvolvimento de do-
res crônicas, que é a expressão final da sensibilização central e da neuroplasticidade decorrente25.
Outro fator que pode interferir na análise da eficiência da analgesia preemptiva é o fato de que nem
todo estímulo é capaz de causar sensibilização central; portanto, não se pode pensar em preempção para
esse tipo de estímulo. No entanto, operações com estímulos menos intensos são incluídos nas análises da
eficiência da analgesia preemptiva, falseando os resultados26.

50.3.1. Analgesia Multimodal


A terapêutica da dor se fundamenta no conceito de analgesia balanceada ou multimodal, no qual se
utilizam medicações de princípios farmacológicos diversos, com o intuito de obtenção de efeito aditivo e/
ou sinérgico entre elas. Isso proporciona redução das doses individuais dos analgésicos, e, portanto, me-
nor incidência de efeitos adversos. A associação medicamentosa é mais eficaz do que a monoterapia27,28.
Sempre que for possível e necessário, fármacos e técnicas que tenham efeito sinérgico farmacocinético
ou farmacodinâmico no alívio da dor pós-operatória devem ser associados, permitindo o uso mais racional,
com menores doses dos fármacos e menos efeitos adversos.
A analgesia multimodal pode ser realizada em qualquer parte da via dolorosa: na periferia, com o uso
de coxibes, de AINEs e de anestésicos locais que vão reduzir a intensidade da inflamação e da sensibi-
lização periférica; na via de condução, com o uso de anestésicos locais, que vão bloquear o influxo de
estímulos ao sistema nervoso central; na medula, com o uso de opioides espinhais, anestésicos locais,
clonidina e cetamina, que vão modular a entrada do estímulo, e finalmente nos centros superiores, com
o uso de coxibes, AINEs, opioides, cetamina e clonidina por vias sistêmicas (Figura 50.6).

Figura 50.6 - Local de ação dos fármacos analgésicos e adjuvantes - Adaptado de Gottschalk A, Smith DS.
New concepts in acute pain therapy: preemptive analgesia. Am Fam Physician. 2001;63:1979-1984.

1128 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Para facilitar a implementação da analgesia multimodal, a compreensão e a aplicação das técnicas de
avaliação e tratamento da dor foi elaborado um algoritmo simples e objetivo (Figura 50.7). O algoritmo
permite a abordagem linear, passo a passo, para a avaliação e o tratamento da dor na prática clínica, sem,
no entanto, considerar a natureza multidimensional da dor, porém destacando os recursos e as técnicas
disponíveis e fornecendo evidências que podem melhorar o controle da dor pós-operatória21.

Figura 50.7 - O algoritmo que permite a abordagem linear, passo a passo, para a avaliação e o tratamento da
dor na prática clínica21
Como orientação terapêutica, a Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe a adoção do esquema
apresentado na Figura 50.8.
Dor leve - administração de AINEs, associados ou não a adjuvantes como paracetamol e dipirona.
Dor moderada - adição de um opioide pouco potente como tramadol, nalbufina ou codeína, ao regime
de AINEs e adjuvantes.
Dor intensa - acréscimo de um opioide potente, como morfina e derivados, ao regime de AINEs e ad-
juvantes. Pode-se também empregar em conjunto outros analgésicos, como gabapentinoides e cetamina.
Dor insuportável - introdução de métodos invasivos, como analgesia controlada pelo paciente, blo-
queios regionais e outros, ao modelo descrito no item anterior.
Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1129
Figura 50.8 - Escada analgésica da Organização Mundial de Saúde (OMS). (World Health Organization), 1990

50.3.2. Drogas
Eficácia analgésica de diferentes fármacos
O denominado número necessário para tratar (do inglês number-needed-to-treat — NNT) constitui um
instrumento referendado pela literatura para comparar a eficácia analgésica entre as diversas opções me-
dicamentosas. Trata-se do número de pacientes que necessitam ser tratados com o analgésico para que
um deles obtenha melhora da dor em 50% quando comparado ao placebo, em um período de 4-6 horas
de tratamento. Valores próximos a 2 indicam eficácia adequada, pois significa que a cada 2 pacientes que
recebem a medicação, um deles apresentará melhora da dor em 50% devido ao tratamento ativo. O outro
paciente até pode manifestar melhora parcial da dor, mas sem atingir o patamar de 50%29.
Este recurso valida a eficácia do modelo de analgesia multimodal. A codeína é um opioide fraco, apre-
sentando NNT de 16,7 na dose de 60 mg. Quando associada, nessa dose, a 1 g de paracetamol, o valor do
NNT baixa para 2,230 (Tabela 50.2).
Tabela 50.2 - Valores de NNT para diversos analgésicos

Analgésico NNT
Codeína 60 mg 16,7
Tramadol 50 mg 8,3
Paracetamol 500 mg 5,6
Tramadol 75 mg 5,3
Tramadol 100 mg 4,8
Codeína 60 mg + paracetamol 650 mg 4,2
Paracetamol 1 g 3,8
Cetorolaco 30 mg intramuscular 3,4
Parecoxibe 20 mg endovenoso 3,0
Morfina 10 mg intramuscular 2,9
Paracetamol 1 g + codeína 60 mg 2,2
Diclofenaco 100 mg 1,9

1130 | Bases do Ensino da Anestesiologia


O number-needed-to-harm (NNH), ou número necessário para causar efeito adverso, se refere à quan-
tidade de pacientes que devem ser tratados em um ensaio clínico para que um deles abandone o trata-
mento devido a efeitos colaterais. Quanto maior o NNH, maior a segurança clínica da terapêutica29.
Anti-inflamatórios não esteroides
Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) constituem medicações de primeira linha no controle da
dor aguda, pois reduzem a biossíntese de prostaglandinas tanto na periferia como no sistema nervoso
central. Seu efeito anti-inflamatório ocorre perifericamente, ao passo que a analgesia se verifica no com-
partimento central. Proporcionam efeito poupador de opioides, diminuindo seu consumo e, portanto, a
incidência de efeitos adversos31. Não obstante, exibem fenômeno de efeito-teto para analgesia: doses
acima das preconizadas não se correlacionam com maior grau de analgesia, mas acarretam aumento da
incidência de efeitos colaterais, notadamente gastro e nefrotoxicidade. São mais eficazes do que os opioi-
des no controle da dor somática e dinâmica, e apresentam propriedade anti-hiperálgica32,33.
Após lesão celular por estímulos físicos, químicos, térmicos ou mecânicos, ocorre liberação de fosfo-
lípides de membrana, que são metabolizados por duas vias enzimáticas distintas, a da ciclo-oxigenase
(COX) e a da lipo-oxigenase (LOX). A via da COX origina prostaglandinas, prostaciclina (PGI2) e tromboxano
(TXA2). A via da LOX resulta nos leucotrienos. Os AINEs exercem seu efeito anti-inflamatório pela inibição
da COX. Diferentemente dos costicosteroides, não inibem os produtos da atividade da LOX34 (Figura 50.9).

Figura 50.9 - Mecanismo de ação dos AINEs. Legendas: COX: ciclooxigenase; LOX: lipooxigenase; PG: pros-
taglandinas; PGI2: prostaciclina; TXA2: tromboxano; LT: leucotrienos.

Existem duas isoformas da COX, denominadas COX-1 e COX-2. A COX-1, de natureza constitutiva, parti-
cipa da homeostase fisiológica, tendo expressão na mucosa gástrica, nos túbulos renais, nas plaquetas, no
endotélio vascular e na musculatura lisa. Já a COX-2 é a isoforma induzida na presença de dor, febre, in-
fecção, trauma e inflamação, sendo produzida por fibroblastos, macrófagos e outras células que participam
do processo inflamatório. Contudo, também apresenta atividade constitutiva fisiológica no sistema nervoso
central, no endotélio vascular e no córtex renal. As propriedades terapêuticas dos AINEs redundam da ação
sobre a COX-2 e os efeitos adversos da inibição da COX-1. A grande maioria dos AINEs não é seletiva em re-
lação à COX-2, bloqueando, portanto, ambas as isoformas. Os efeitos colaterais dos AINEs decorrem da ati-
vidade sobre a COX-1. Os únicos AINEs com seletividade específica para a COX-2 são os derivados coxibes.
A gastrotoxicidade é a complicação mais frequente dos AINEs convencionais. Pelo menos 10%-20% dos
pacientes em uso crônico destes apresentam dispepsia, e 1%-4% desenvolvem úlcera. Fatores de risco in-
cluem idade superior a 65 anos; sexo feminino; antecedentes de úlcera péptica, gastrite hemorrágica,
dispepsia e infecção pelo Helicobacter pylori, etilismo, uso simultâneo de corticosteroides, AAS e anticoa-
gulantes e presença de insuficiência hepática, renal ou cardíaca35.
Os AINEs convencionais inibem a agregação plaquetária, resultando em aumento do tempo de sangra-
mento. Isto pode eventualmente contribuir para distúrbios da hemostasia. Uma metanálise descreveu que
o uso pós-operatório de AINEs eleva o risco de sangramento e de reoperação para revisão da hemostasia

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1131


em pacientes submetidos à amigdalectomia36. Os inibidores seletivos da COX-2 não interferem na atividade
plaquetária; portanto, são particularmente indicados nas cirurgias que cursam com risco de sangramento
pós-operatório, como em intervenções craniofaciais, cervicais e plásticas.
Os AINEs reduzem a síntese de prostaglandinas, que desempenham papel importante no controle do
fluxo sanguíneo renal, do ritmo de filtração glomerular e da liberação de renina. Deve ser evitada sua
administração em caso de sangramento intenso durante o período intraoperatório; de terapêutica conco-
mitante com fármacos nefrotóxicos, como aminoglicosídeos e ciclosporina; em pacientes hipovolêmicos ou
idosos; na presença de insuficiência renal, cardíaca e hepática; e no caso de uso de inibidores da enzima
de conversão da angiotensina. Demonstrou-se aumento na incidência de eventos adversos cardiovascula-
res e tromboembólicos com o uso agudo e crônico de inibidores seletivos da COX-2 e de AINEs convencio-
nais. Portanto, esses medicamentos não devem ser administrados em pacientes com fatores de risco para
morbidade cardiovascular. Outros efeitos adversos relevantes dos AINEs convencionais incluem hepatoto-
xicidade; broncoespasmo e reações anafilactoides.
A eficácia analgésica dos inibidores seletivos da COX-2 é equivalente à dos AINEs clássicos. Por exemplo, a
analgesia resultante da dose de 40 mg de parecoxibe é similar à de 60 mg de cetorolaco e de 4 mg de morfina33.
O uso de AINEs e adjuvantes, como dipirona e paracetamol, potencializa a analgesia, diminuindo o consumo
de opioides e a necessidade de medicações de resgate. Uma metanálise demonstrou que a adição de AINEs ao
regime de ACP com morfina proporciona redução de seu consumo em 15%-55%, o que se traduz em diminuição
da incidência de náuseas e vômitos de 28,8% para 22% (NNT = 15) e de sedação de 15,4% para 12,7% (NNT = 37)37.
Outra metanálise investigou o efeito da associação de AINEs à ACP com morfina na redução de eventos
adversos ocasionados por opioides. Observou-se queda global do consumo de morfina em 30%-50%, resul-
tando em decréscimo da frequência de náuseas e vômitos em conjunto, náuseas apenas, vômitos apenas
e sedação em 30%, 12%, 32% e 29%, respectivamente. As incidências de prurido, retenção urinária e de-
pressão respiratória não foram afetadas pelo uso concomitante de AINEs31 (Tabela 50.3).
Tabela 50.3 - AINEs disponíveis para uso endovenoso

AINE Dose Intervalo


Cetorolaco 30 mg ou 0,5 mg.kg-1 em crianças A cada 8h
Cetoprofeno 100 mg ou1 mg.kg-1 em crianças A cada 12h ou a cada 6-8h em crianças
Tenoxicam 20 mg ou 0,4 mg.kg-1 em crianças A cada 12h
Parecoxibe 40 mg 1 vez ao dia

Corticosteroides
Constituem os anti-inflamatórios por excelência, pois inibem a atividade de todos os produtos da COX
e LOX por interferência na transcrição genômica de diversas proteínas regulatórias38. Uma metanálise
demonstrou que, além do efeito antiemético, a administração da dexametasona por via venosa em dose
igual ou superior a 0,1 mg.kg-1 reduz a intensidade da dor e o consumo de opioides no pós-operatório39.
Pode ser empregada na forma de bolus por via venosa de 4-10 mg ou 0,15 mg.kg-1 em crianças. Em caso de
dor intensa ou refratária, pode ser mantida nas doses de 2-4 mg por via venosa a cada 6-8 h.
Outra alternativa consiste na administração de prednisona 1 vez ao dia por via oral, em um dos se-
guintes modelos:
• Dor intensa: 20 mg por via oral por dia, por 3 dias, seguidos do esquema de retirada com 15 mg
por 3 dias, depois, 10 mg por 3 dias e, finalmente, 5 mg por mais 3 dias.
• Dor moderada: 20 mg por via oral por dia, por 1 dia, seguidos de 15 mg por 1 dia, depois, 10 mg
por 1 dia e, finalmente, 5 mg por mais 1 dia.
As potências relativas da prednisona e da dexametasona em relação ao cortisol são de 30 e 4 ve-
zes, respectivamente.
Dipirona
A dipirona possui propriedades analgésicas, antitérmicas, antiespasmódicas e anti-inflamatórias; esta
última, no entanto, é pouco potente. O efeito analgésico é dose-dependente e estreitamente relacionado

1132 | Bases do Ensino da Anestesiologia


com a concentração plasmática dos metabólitos 4-metilaminoantipirina e 4-aminoantipirina. Dose menor
que 1 g determina efeito antipirético apenas; para analgesia, são utilizados 1,5-2 g, ou 25-30 mg.kg-1 em
pacientes pediátricos, por via venosa ou oral, a cada 6 h, sendo a dose máxima diária de 8 g.dia-1. Sua
administração potencializa a analgesia derivada de AINHs e reduz o consumo de opioides40,41.
Paracetamol
O paracetamol apresenta propriedades analgésica e antitérmica, sendo praticamente destituído de
atividade anti-inflamatória. São utilizadas 500-750 mg, por via oral, a cada 6 h, com dose máxima diária
de 3-4 g.dia-1. No exterior, existe a forma endovenosa denominada proparacetamol. Apresenta efeito si-
nérgico quando associado a outros analgésicos, como codeína, tramadol e AINHs.
É metabolizado pelo sistema CYP 450 por glicuronidação e sulfatação em compostos atóxicos. Uma por-
centagem variável pode, entretanto, sofrer oxidação e gerar o metabólito tóxico N-acetil-p-benzoquinona
imina (NAPQI). Normalmente, este é conjugado com glutationa e excretado por via renal. Em condições
de depleção dos estoques de glutationa, o processo de conjugação pode ser insuficiente e gerar NAPQI em
excesso. Esta forma, por ser oxidada, é altamente reativa com moléculas orgânicas, ocasionando perda
da integridade da membrana mitocondrial e apoptose celular. Mesmo níveis dentro da faixa terapêutica
podem induzir aumento dos valores das transaminases hepáticas, principalmente em pacientes pediátri-
cos, idosos ou hepatopatas. Polimorfismos da fração CYP 2D6, resultando em metabolização ultrarrápida,
podem contribuir para este processo. O paracetamol constitui a principal causa de insuficiência hepática
aguda medicamentosa no mundo. Em função disto, a posologia recomendada foi revisada42 (Tabela 50.4).
Tabela 50.4 - Posologia do paracetamol em relação ao peso43
Peso Dose por administração Dose máxima diária
< 10 kg 7,5 mg.kg-1 30 mg.kg-1
10-33 kg 15 mg.kg-1 60 mg.kg-1 ou 2g
33-50 kg 15 mg.kg-1 60 mg.kg-1 ou 3g
> 50 kg 1g 4g
Opioides
A analgesia decorre da ação agonista de opioides endógenos e exógenos sobre receptores opioides. Até
o momento, foram caracterizados biologicamente quatro tipos44 (Tabela 50.5).
Tabela 50.5 - Propriedades farmacológicas e clínicas dos receptores opioides
Ligante Ligante Antagonismo
Receptor Efeitos
endógeno exógeno pela naloxona
Analgesia
Depressão
Respiratória
A maioria ↓ tônus SNS
dos opioides: ↓ motilidade TGI
MOP ou µ Endorfina morfina, Sim Retenção urinária
fentanil, Distúrbios cognitivos *
tramadol etc. Tolerância **
Hiperalgesia **
Imunodepressão ***
Farmacodependência ****
DOP ou δ Encefalina Não há Sim Analgesia
Analgesia
KOP ou κ Dinorfina Não há Sim
Diurese
Analgesia espinhal
Nociceptina- Não há. Talvez Hiperalgesia supraespinhal
NOP Não
orfanina FQ buprenorfina *** Imunomodulação
Não induz depressão respiratória e tolerância
SNS = sistema nervoso simpático. TGI = trato gastrointestinal.
*Euforia, disforia e disfunção cognitiva só ocorrem em altas doses, em exposição crônica ou em pacientes de risco, como idosos.
**Tolerância e hiperalgesia normalmente só se manifestam em caso de uso crônico, porém, podem ocorrer agudamente após
exposição a doses elevadas de fentanil ou a infusão contínua de opioides potentes.
***Denota que o assunto ainda é controverso na literatura.
****Na questão da farmacodependência, há mais fatores envolvidos do que o opioide em si.

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1133


São analgésicos potentes, indicados em caso de dor moderada a intensa, principalmente naquelas de
difícil controle com outros métodos. Seus efeitos adversos são relacionados com dose, idade, condições
clínicas do paciente e tempo de exposição, e incluem náuseas, vômitos, sedação, distúrbios cognitivos,
retenção urinária, obstipação intestinal e, raramente, depressão respiratória. O uso crônico pode deter-
minar fenômeno de tolerância, caracterizada pela necessidade de doses crescentes para manutenção
da analgesia. Nenhum tipo de opioide é superior aos demais quanto à eficácia terapêutica ou à incidên-
cia de efeitos adversos. Entretanto, alguns pacientes podem se adaptar melhor a um opioide específico.
A morfina é empregada na forma de bolus intermitentes de 2-3 mg por via venosa, repetidos a cada
5 min, até obtenção de analgesia satisfatória. O tempo para início do efeito é de 5-6 min. A maioria dos
pacientes relata melhora da dor após, em média, 4 bolus, ou seja, 20 min após a dose inicial. Uma vez
atingido o controle adequado, a duração média da analgesia é de 1,5-2 h. Em crianças, recomendam-se
0,1-0,2 mg.kg-1 por administração45. Existem também comprimidos de liberação imediata, de 10 e 30 mg,
com duração do efeito de 4 horas, e formulações de liberação prolongada, com 10, 30, 60, e 100 mg, cujo
efeito persiste por 12h. As doses habituais são de 10-20 mg por via oral da apresentação controlada a cada
12h, e 10-20 mg por via oral da de liberação imediata a cada 3-4 horas, em caso de dor incidental.
O tramadol é um opioide atípico, pois apresenta dois mecanismos de ação distintos: um opioide e
outro não opioide. O primeiro decorre de seu agonismo parcial pelo receptor MOP, respondendo por
30% da eficácia analgésica. Além disso, inibe a recaptação pré-sináptica de serotonina e noradrenali-
na, de maneira similar à verificada com os antidepressivos tricíclicos. O aumento da biodisponibilida-
de central de catecolaminas ativa as vias descendentes monoaminérgicas inibitórias e corresponde a
70% do efeito analgésico.
A ação opioide decorre da biotransformação hepática em um metabólito ativo. Cerca de 7%-10% dos cau-
casianos não metabolizam o tramadol, manifestando menor resposta analgésica, devido à redução do efeito
opioide. No entanto, graças ao mecanismo dual de ação, a analgesia residual não é afetada, ao contrário
do que se verifica com a codeína. Demonstra 1/10 da potência analgésica da morfina. O grau de analgesia
é equivalente ao dos AINHs e da cetamina. O tempo para início da analgesia pela via oral é de 30-60 min.
Por via venosa, o pico de concentração plasmática se verifica após 20 min. Sua meia-vida é de 5-6 horas46.
A codeína possui efeito analgésico discreto, de cerca de 10% da potência da morfina, em função da bai-
xa afinidade pelo receptor MOP. A analgesia advém da biotransformação hepática em morfina, da ordem
de 2%-10% da dose administrada. Cerca de 7%-10% dos caucasianos e 1%-2% dos orientais não metabolizam
a codeína; logo, esses indivíduos não têm efeito analgésico com esta medicação. Sua duração é de apenas
2-4 horas. Normalmente se utilizam doses de 30-60 mg a cada 6 horas por via oral ou venosa47.
A metadona tem a mesma potência analgésica da morfina. Apresenta meia-vida longa, de 15-50 ho-
ras, e, portanto, risco de acúmulo com o uso prolongado. A dose usual é de 5-10 mg a cada 12 horas,
por via oral ou venosa.
A oxicodona é um opioide semissintético que apresenta o dobro da potência analgésica da morfina.
Está disponível na forma de comprimidos de liberação cronogramada, com duração média de 8-12 horas
e apresentação de 10, 20 ou 40 mg. Ao contrário da maioria dos opioides, é caracterizada pela grande
biodisponibilidade por via oral. Exibe um padrão bifásico de absorção: uma fase inicial rápida, de 37 mi-
nutos, seguida por uma fase lenta e prolongada, de 6,2 horas. Os comprimidos não devem ser mastigados
ou cortados, mas sim ingeridos por inteiro, devido à possibilidade de absorção abrupta de seu conteúdo e
risco de depressão respiratória. Sua posologia é de 10-20 mg por via oral a cada 12 horas.

Antidepressivos
São mais indicados na dor crônica, mas também podem ser prescritos na presença de dor neuropática
aguda. Aumentam a biodisponibilidade central de noradrenalina e serotonina por inibirem sua recaptação
neuronal. A analgesia decorre da ativação de vias inibitórias descendentes monoaminérgicas. A amitripti-
lina é a mais empregada, na dose de 25 mg ao dia. Os antidepressivos tricíclicos são mais eficazes do que
os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, como fluoxetina e derivados48. Embora não seja um
tricíclico, a venlafaxina, nas doses de 75-150 mg ao dia, também pode ser utilizada49. A eficácia clínica
dessas medicações nos quadros agudos é limitada pelo tempo exigido para obtenção de concentrações
terapêuticas adequadas, normalmente após 5-7 dias de uso continuado.

1134 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Anticonvulsivantes
Os gabapentinoides são os anticonvulsivantes mais utilizados como adjuvantes ao regime multimodal,
pois apresentam melhor perfil de tolerância em relação à carbamazepina e ao valproato. A gabapentina
e a pregabalina consistem em um análogo estrutural do neurotransmissor inibitório ácido γ-aminobutírico
(GABA); no entanto, não possuem atividade GABAérgica intrínseca, não são convertidas metabolicamente
em GABA nem em seu antagonista, nem bloqueiam sua recaptação ou seu metabolismo. Atenuam a magni-
tude da sensibilização central relacionada com a hiperexcitabilidade nociceptiva proveniente da periferia.
Em função disso, aliviam a intensidade da hiperalgesia e da alodinia decorrentes do trauma tecidual. Isto
decorre da sua interação com a subunidade a2d1 dos canais de Ca2+ P/Q voltagem-sensitivos, localizados nos
neurônios pré-sinápticos do corno dorsal da medula e dos gânglios da raiz dorsal. Disso resulta inibição do
influxo neuronal de Ca2+ e diminuição da liberação de neurotransmissores excitatórios, como glutamato,
aspartato, substância P e peptídeo relacionado com o gene da calcitonina.
Potencializam a analgesia, atenuam o fenômeno de tolerância induzida por opioides e reduzem seu con-
sumo. Disto pode resultar menor incidência de efeitos adversos relacionados com os opioides. Proporcionam
analgesia equiparável à dos AINHs e superior à do tramadol e do paracetamol. No controle da dor dinâmica,
são mais eficazes que os opioides. Apresentam propriedade ansiolítica e moduladora do sono. São indicados
na presença de dor aguda intensa, em pacientes refratários à terapia convencional ou quando se suspeita da
ocorrência de dor neuropática aguda. Para a gabapentina, preconiza-se 300 mg por via oral a cada 8 horas;
em caso de ineficácia, a dose pode ser aumentada de maneira titulada até o máximo de 2.400 mg por dia.
Para a pregabalina, recomenda-se 50-100 mg por via oral a cada 8 horas; inicia-se o tratamento com a dose
menor, passando a 300 mg por dia após 1 semana, de acordo com a eficácia e a tolerabilidade50,51.
Cetamina
O receptor NMDA é o principal regulador da neuroplasticidade e da sinaptogênese no SNC. Exerce um
papel fundamental nos processos de aquisição e consolidação do aprendizado e da memória, principal-
mente no hipocampo. É um heterodímero constituído de uma subunidade NR1 obrigatória e uma subuni-
dade NR2, que pode assumir quatro formas variáveis: NR2A, NR2B, NR2C e NR2D52. A cetamina atua como
antagonista não seletivo sobre todas estas isoformas, limitando sua eficácia terapêutica devido à alta fre-
quência de efeitos psicomiméticos, mesmo em doses baixas53. Não obstante, atenua a amplitude da sensi-
bilização central, da hiperalgesia e da alodínea associadas ao trauma tecidual, bem como o fenômeno de
tolerância aguda e crônica induzido pelo uso de opioides potentes54,55.
O uso do isômero S(+) determina algumas vantagens em relação à forma racêmica, como o dobro da
potência analgésica, biotransformação hepática 20% mais rápida, menor tempo para emergência e recu-
peração funcional e menor incidência de distúrbios disfóricos56. Com base nos resultados de uma meta-
nálise sobre sua eficácia, Himmelseher et al. propõem a utilização de bolus de cetamina em baixas doses
na indução da anestesia, seguido de infusão contínua durante o intraoperatório e manutenção por 24-48
horas no pós-operatório, associado à ACP venosa com morfina. A administração intraoperatória pode ser
realizada na forma de infusão contínua ou de bolus intermitentes, interrompidos 30-60 minutos antes do
fim da cirurgia. Note-se que as doses variam conforme o porte cirúrgico, e as da cetamina S(+) são infe-
riores às da formulação racêmica55 (Tabela 50.6).
Tabela 5.6 - Esquema terapêutico sugerido para a administração perioperatória de cetamina S(+). Após a indu-
ção, a cetamina pode ser administrada na forma de bolus intermitentes ou por infusão contínua

Tipo de cirurgia Grande porte Porte moderado

Indução Bolus: 0,5 mg.kg-1 Bolus: 0,25 mg.kg-1

Modelo A: infusão contínua: Modelo A: infusão contínua:


0,5 mg.kg-1.h-1 0,25 mg.kg-1.h-1
Período intraoperatório Interromper 60 min antes do fim da Interromper 60 min antes do fim da
cirurgia cirurgia
Modelo B: bolus intermitentes de 0,25 Modelo B: bolus intermitentes de 0,125
mg.kg-1, repetidos a cada 30 min mg.kg-1, repetidos a cada 30 min

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1135


Neurolépticos
Apresentam propriedades analgésicas, sedativas, antieméticas e simpatolíticas. São indicados como
adjuvantes analgésicos em caso de dor de difícil controle e refratária à terapia convencional, especial-
mente se acompanhada de agitação psicomotora, delírio, lesão neurológica, cefaléia e náuseas. A mais
empregada é a levomepromazina, disponível na apresentação em gotas, com 1 mg por gota. A posologia
usual é de 2-4 mg por via oral a cada 6-8 horas57.
Alfa-2-adrenérgicos
O uso sistêmico da dexmedetomidina e da clonidina determina sedação, hipnose, ansiólise, analgesia
moderada, simpatólise, redução das necessidades de opioides e da CAM de halogenados. Revertem a hi-
peralgesia e a tolerância induzidas por opioides e diminuem seu consumo pós-operatório. No entanto, sua
utilidade clínica como analgésicos fora do ambiente cirúrgico ou intensivo é limitada pela necessidade de
monitorização dos efeitos adversos, notadamente sedação acentuada, hipotensão e bradicardia.
Uma metanálise sobre a administração perioperatória de clonidina e dexmedetomidina demonstrou
efeito poupador de morfina em 24 horas de -4,1 mg e -14,5 mg, respectivamente. No entanto, os resulta-
dos do efeito analgésico foram discretos. A intensidade da dor em 24 horas, avaliada pela EAV de 10 cm,
foi reduzida em -0,7 cm e -0,6 cm, respectivamente. Ambos contribuíram de forma equivalente para a
diminuição de náuseas e vômitos, com NNT de 9. A clonidina aumentou o risco de hipotensão intra e pós-
-operatória, com NNH de 9 e 20, respectivamente. A dexmedetomidina elevou o risco de bradicardia, com
NNH de 3. Não houve relato de aumento do tempo para despertar58.
Anestésicos locais
O uso da lidocaína sistêmica como adjuvante analgésico é limitado pelo risco de efeitos adversos e pela
duração curta do efeito. No entanto, a administração por via venosa de 1,5 mg.kg-1, seguida da infusão con-
tínua de 2 mg.kg-1.h-1 até o término do procedimento em cirurgias laparoscópicas ambulatoriais, determinou
redução do consumo de opioides nas primeiras 24 horas e permitiu alta hospitalar mais precoce59.

50.3.3. Técnicas
Métodos invasivos
As modalidades invasivas de controle da dor aguda incluem:
• Infiltração da lesão com anestésico local de longa duração.
• Uso de bomba elastomérica com solução de anestésico local por via intra-articular, em bloqueio
contínuo de nervo periférico ou na lesão cirúrgica.
• Administração de opioides por via subaracnóidea ou peridural.
• Bloqueio contínuo de nervo periférico.
• Instalação de ACP venosa com morfina ou com solução de anestésico local em bloqueio contínuo
central ou periférico.
Alguns métodos não farmacológicos, como acupuntura60, estimulação elétrica transcutânea (TENS)61,
fisioterapia, técnicas de relaxamento62 e intervenções cognitivo-comportamentais63 podem ser úteis em
alguns quadros de dor aguda, principalmente nas de origem musculoesquelética inflamatória60.
Uma revisão sistemática sobre os efeitos da acupuntura perioperatória em cirurgias abdominais, maxi-
lofaciais, odontológicas, ortopédicas e orificiais demonstrou os seguintes resultados, em relação ao grupo
controle: redução da intensidade da dor no período pós-operatório, do consumo cumulativo de opioides e da
incidência de náuseas, tontura, sedação, prurido e retenção urinária. O decréscimo observado no consumo
de morfina foi de 21%, 23% e 29% às 8, 24 e 72 horas após a cirurgia, respectivamente64 (Tabela 50.7).
Não obstante, a eficácia terapêutica desses métodos é muito variável, imprevisível e difícil de men-
surar, pois depende da capacidade de modulação intrínseca dos sistemas inibitórios adrenérgicos, opio-
dérgicos, peptidérgicos e endocanabinoides endógenos65. A expressão desses fatores é extremamente
variável inter e intraindividualmente, devido a polimorfismos genômicos e influências epigenéticas, e seus
produtos têm meia-vida curta66. Há também que se considerar o papel importante exercido pelo efeito
placebo nestas técnicas67.
1136 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Tabela 50.7 - Frequência de eventos adversos em pacientes submetidos a acupuntura perioperatória ver-
sus placebo.

Evento Acupuntura (%) Placebo (%) NNT


Náuseas 31 44 6
Vômitos* 11 15 13
Prurido 23 34 -
Tontura 32 43 6
Sedação 32 41 11
Retenção urinária 8 28 5
*Indica que os resultados não atingiram diferença estatística significativa.
NNT = número necessário para tratar64.

50.4. SERVIÇO DE TRATAMENTO DA DOR AGUDA


Não existe consenso quanto ao melhor modelo de serviço de tratamento da dor aguda. Alguns são de
baixo custo baseados em enfermeiros, outros são mais onerosos liderados por anestesiologistas, mas tam-
bém dependem de enfermeiros e alguns são multiprofissionais, incluindo, além de médicos anestesiologis-
tas e enfermeiros, farmacêuticos e fisioterapeutas68.
Os hospitais universitários e os grandes hospitais particulares geralmente têm serviços de tratamento
da dor aguda mais completos com protocolos de atendimento bem estabelecido, para analgesia peridural
e bloqueio de nervo periférico69.
Nos hospitais que têm residência em anestesia a estrutura organizacional é melhor e a presença do
anestesiologista com os enfermeiros é habitual, sendo comum o uso de técnicas para o controle de dores
mais complexas e a pesquisa clínica é sempre realizada. Cada vez mais os serviços de dor aguda têm sido
chamados para tratar pacientes com quadros de dor muito mais graves resultantes de grandes traumas ou
de uma infinidade de doenças médicas, em pacientes mais complexos como os dependentes de opioides
e pacientes mais idosos70.
Inúmeras publicações têm avaliado os benefícios que os serviços de dor aguda têm trazido para pacien-
tes e hospitais. Estão comprovadas a redução dos escores de dor, a maior consciência para as equipes da
importância da analgesia pós-operatória, a necessidade do uso de esquemas analgésicos mais eficazes e
melhores estratégias para a terapia antiemética71.
A combinação da assistência prestada pelos serviços de dor aguda junto a equipe de Cuidados Inten-
sivos com avaliação sistemática dos pacientes de alto risco com dor aguda mostrou melhoria significativa
na evolução dos pacientes com diminuição de efeitos adversos graves e redução do índice de mortalidade.
As equipes dos serviços de dor aguda geralmente têm mais facilidade para identificar o início da dor neuro-
pática associada a cirurgia, trauma ou outras doenças e instituir o tratamento adequado mais precocemente70.
Algumas instituições especializadas em Acreditação Hospitalar exigem que os hospitais que pretendem
obter o Certificado de Acreditação tenham serviço de tratamento da dor aguda bem estabelecido, além
de instituírem o conceito do controle da dor como o quinto sinal vital72.
O apoio institucional adequado, importante para a efetiva implementação de um serviço de dor aguda,
permitindo o desenvolvimento e a inclusão de protocolos analgésicos específicos para os vários procedi-
mentos, ajuda a otimização da analgesia para o paciente, e, ao mesmo tempo, reduz os efeitos adversos
e possibilita a produção de pesquisa científica de alto nível.
Do ponto de vista econômico, o serviço de tratamento da dor aguda permitindo maior alívio da dor com
menor incidência de efeitos adversos, menor morbimortalidade pós-operatória e a redução da incidência
de dor persistente pós-operatória torna a assistência ao paciente mais rentável para o hospital, pois a alta
hospitalar é mais precoce, e o acompanhamento ambulatorial, mais breve73.
A literatura tem cada vez mais evidenciado que a importância dos serviços de tratamento da dor agu-
da, que a presença de um serviço de dor aguda bem estruturado, com diretrizes e políticas bem estabele-
Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1137
cidas, pode melhorar o alívio da dor e reduzir a incidência de efeitos adversos, que a educação da equipe
e o uso de diretrizes melhora a avaliação e o alívio da dor e permite instituir práticas institucionais para
a prescrição de analgésicos, evidenciando que mesmo técnicas mais simples podem ser eficazes e econo-
micamente adequadas, que deve ser dada atenção à educação dos profissionais envolvidos no tratamento
dos pacientes que sofrem com a dor aguda com a documentação do tratamento, avaliação frequente e
sistemática dos pacientes e que a análise das causas de incidentes críticos melhora a segurança dos pa-
cientes. Portanto, a gestão bem-sucedida da dor aguda requer uma estreita ligação entre todo o pessoal
envolvido no cuidado do paciente7.

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1140 | Bases do Ensino da Anestesiologia


ME3
PONTO 51

Dor Crônica
Míriam Seligman de Menezes
Doutora em medicina pela Unifesp;
Professora doutorada pela Universidade Federal de Santa Maria.

João Batista Santos Garcia


Professor doutor da disciplina de anestesiologia, dor e cuidados paliativos da
Universidade Federal do Maranhão, UFMA;
Responsável pelo Serviço de Dor e Cuidados Paliativos do Hospital
Universitário da UFMA e do Hospital de Câncer do Maranhão.
Dor Crônica
51.1. Fisiopatologia
51.2. Classificação das síndromes dolorosas
51.3. Avaliação
51.4. Métodos de tratamento
51.5. A clínica de dor

INTRODUÇÃO
A dor é vivenciada por quase todos os seres humanos, pois constitui um instrumento de proteção que
possibilita a detecção de estímulos nocivos. A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) a defi-
ne como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada com o dano potencial ou descrita
em tais termos. É compreendida como um fenômeno multifatorial em que a lesão tecidual e os aspectos
emocionais, socioculturais e ambientais são fatores que compõem o fenômeno.

51.1. FISIOPATOLOGIA
O processo se inicia com a ativação de receptores periféricos, através de um processo de transdução,
por estímulos térmicos, químicos ou mecânicos potencialmente lesivos. Esses receptores ou terminações
nervosas livres possuem alto limiar de excitabilidade e são chamados de nociceptores. Podem ser do tipo
mecanoceptor (responde a estímulo mecânico intenso), temoceptor (sensível a temperaturas altas) e po-
limodais (ativados por estímulos térmicos, mecânicos ou químicos). A informação da agressão tecidual é
transmitida ao sistema nervoso central, através de fibras nervosas do tipo Aδ e C, que se dirigem para a
medula espinhal, através da raiz dorsal em seu maior contingente. São descritas quatro fases no proces-
samento da sensação dolorosa além da transdução – a transmissão, a modulação e a cognição1.
Quando o estímulo é muito intenso e prolongado, no local da lesão tecidual, há a liberação de substân-
cias responsáveis pela resposta inflamatória, podendo durar horas ou dias, causando mudanças na sensibi-
lidade das fibras nervosas, que caracteriza o fenômeno de sensibilização periférica. Esta se manifesta por
aumento da atividade espontânea neuronal, diminuição do limiar necessário para a ativação dos nocicep-
tores e aumento da resposta a estímulos supraliminares. A sensibilização dos nociceptores aferentes pri-
mários provoca hiperalgesia, que é definida como uma resposta exagerada aos estímulos dolorosos. Há a
hiperalgesia primária, que ocorre dentro dos limites da área de lesão tecidual e a secundária, que ocorre
nas circunvizinhanças da lesão. Uma proporção de aferentes primários não mielinizados normalmente não
é sensível a estímulos térmicos e mecânicos intensos, entretanto, na presença de sensibilização, torna-se
responsiva. São os chamados nociceptores silentes, que passam a responder, de maneira intensa, mesmo
a estímulos não nociceptivos1,2.
A resposta inflamatória que ocorre após a lesão do tecido e que leva à sensibilização periférica é caracte-
rizada por liberação de substâncias tanto das células do tecido lesado como das células inflamatórias, como
mastócitos, macrófagos e linfócitos. Ocorrem mudanças na permeabilidade vascular e no fluxo sanguíneo lo-
cal, ativação e migração de células do sistema imunológico e mudanças na liberação de fatores tróficos e de
crescimento pelos tecidos próximos. Há liberação de cininas (principalmente a bradicinina) e de ácido ara-
quidônico, que sob a ação da cicloxigenase e da lipoxigenase originam as prostaciclinas, as prostaglandinas,
o tromboxano e os leucotrienos. A liberação de prostaglandinas, principalmente PGE2, provoca diminuição
do limiar de excitabilidade dos nociceptores, tornando-os sensíveis a estímulos menos intensos. Há ainda a
liberação de mediadores como potássio, serotonina, óxido nítrico, substância P, histamina e citocinas (IL-1,
IL-6, IL-8 e TNFα). Embora alguns mediadores possam agir diretamente nos canais iônicos das membranas,
alterando a permeabilidade e a excitabilidade celular, a grande maioria age indiretamente, pela ativação de
receptores de membrana que estão usualmente, mas não exclusivamente, acoplados a segundos mensagei-
ros, ativando cinases específicas com fosforilação de canais iônicos de membrana3,4.
A persistência das lesões periféricas pode causar modificações, direta ou indiretamente, no sistema
nervoso, nas vias de processamento da dor. Observa-se uma redução do limiar de sensibilidade que faz
1142 | Bases do Ensino da Anestesiologia
com que estímulos normalmente não dolorosos resultem em dor (alodínia), além do aparecimento de dor
espontânea, hiperalgesia primária e secundária, que podem persistir, mesmo após a resolução da lesão
tecidual. Isso sugere que a sensibilização periférica não é responsável por todas essas mudanças, devendo
haver um envolvimento significante do sistema nervoso central nesse processo, caracterizando o fenôme-
no de sensibilização central. Ocorrem mudanças estruturais e funcionais, denominadas plasticidade, com
adaptações positivas (apropriadas às mudanças do meio) ou negativas (anormalidade de função)5,6.
A sensibilização central é desencadeada por impulsos sensoriais transmitidos através de fibras amie-
línicas C, que terminam nas camadas mais superficiais do corno posterior da medula espinhal e que se
caracterizam por atividade espontânea aumentada, redução de limiar ou elevação na responsividade a
impulsos aferentes, descargas prolongadas após estímulos repetidos e expansão dos campos receptivos
periféricos de neurônios do corno dorsal, além da hipersensibilidade de mecanorreceptores de baixo li-
miar (que normalmente não produzem dor), fazendo com que a sensação dolorosa possa ser conduzida
através de fibras sensoriais A β. Há evidências de que lesões periféricas também possam induzir plastici-
dade em estruturas supraespinhais, afetando a resposta à dor6,7.
Para que ocorram alterações no corno dorsal da medula, é necessário que a ativação dos aferentes
primários de pequeno diâmetro resultem na liberação de neuropeptídios (substância-P, neurocinina-A,
somatostatina e peptídio geneticamente relacionado com a calcitonina) e de aminoácidos excitatórios
(glutamato e aspartato). Essas substâncias estão relacionadas com a geração de potenciais pós-sinápticos
excitatórios, que podem ser lentos (produzidos pelas fibras amielínicas C, podendo durar até 20 segundos)
e rápidos (produzidos pelas fibras A, de baixo limiar de excitabilidade, durando milissegundos)6.
Os potenciais pós-sinápticos excitatórios rápidos geram correntes iônicas de curta duração para dentro
da célula e são mediados pela ação do glutamato via receptores AMPA (ácido alfa-amino-3-hidróxi-5-me-
til-4-isoxasolpropiônico), ligados ao canal iônico de sódio, a receptores metabotrópicos e à proteína-G e
fosfolipase-C da membrana, que são conhecidos como receptores não-NMDA (N-metil-D-aspartato). Os
potenciais pós-sinápticos excitatórios lentos podem também ocorrer por meio dos receptores AMPA, mas
seu mecanismo de geração mais consistente é através da ação do glutamato e da glicina (coagonista obri-
gatório) sobre os receptores NMDA e da ação de taquicininas, como a substância-P e a neurocinina-A. Há
três tipos de receptor para as taquicininas: neurocinina-1 (NK1); neurocinina-2 (NK2) e neurocinina-3 (NK3),
sendo todos pós-sinápticos, acoplados à proteína G e localizados nas lâminas I, II e X do corno dorsal me-
dular. A substância-P age preferencialmente por meio da NK1 e a neurocinina-A, da NK27.
A duração prolongada dos potenciais lentos permite que, durante estímulos repetitivos dos aferentes,
esses potenciais possam ser somados temporalmente, produzindo aumento cumulativo na despolarização
pós-sináptica (poucos segundos de impulsos pelas fibras C resultam em vários minutos de despolarização).
Esse aumento progressivo na descarga do potencial de ação às estimulações repetidas é conhecido como
o fenômeno de windup6,8,9.
Para que esse fenômeno ocorra, é necessário que haja a ativação dos receptores NMDA. Esses recep-
tores ionotrópicos são multímeros tetra ou pentaméricos, que, além de altamente permeáveis ao cálcio,
também são permeáveis ao sódio e potássio. Identificam-se três famílias de receptor, formadas por subu-
nidades denominadas NR1, NR2, NR3. O NR2 pode ainda ser subdividido em NR2 A, B, C e D, e o NR3, em
A e B. A subunidade NR1 é essencial na formação do receptor, sendo largamente distribuída no sistema
nervoso central. A subunidade NR2 está implicada na patogênese de doenças como a esquizofrenia. A
associação mais funcional e importante desses receptores é a NR1-NR2B, que tem sido alvo de pesquisas
dos antagonistas terapêuticos10.
As condições necessárias para a ativação desses receptores são complexas e envolvem, além de sua
ligação com o glutamato, a remoção do íon magnésio (que normalmente bloqueia o canal) e a ação mo-
duladora de taquicininas. O deslocamento do magnésio acontece quando há despolarização prolongada e
repetitiva da membrana (efeito voltagem-dependente), permitindo a passagem de cálcio para o interior
da célula. Se os estímulos através das fibras C forem mantidos com frequência e intensidade adequadas,
o receptor NMDA ficará ativado e o resultado disso será a amplificação e o prolongamento das respostas
implicadas na hiperalgesia10.
As taquicininas têm um papel proeminente na potencialização das respostas mediadas pelos recep-
tores NMDA. A substância P e a neurocinina-A ativam seus receptores NK1 e NK 2, havendo como con-
Ponto 51 - Dor Crônica | 1143
sequência aumento de diacilglicerol (DAG) e formação de inositol 1,4,5-trifosfato (IP3). Na presença de
fosfatidilserina e de cálcio (em concentrações intracelulares próximas às condições de repouso), o DAG
causa ativação de proteíno-cinase C (PKC). Esta é translocada do citoplasma para a membrana, fosfori-
lando proteínas, inclusive os receptores NMDA. A fosforilação dos receptores NMDA muda a cinética de
ligação do íon magnésio, deslocando-o e facilitando, assim, a entrada de cálcio para dentro da célula.
O aumento do cálcio intracelular tem um efeito adicional na ativação de PKC. A formação de IP3 pode
causar liberação de cálcio das vesículas intracelulares e induzir mais ativação de PKC, formando um
ciclo de ativação do receptor NMDA (feedback positivo). Concluindo, grandes quantidades de cálcio no
citoplasma podem ser geradas não só através de um mecanismo voltagem-dependente, mas de outro,
relacionado com receptores de neurocininas5,7,10.
O aumento do cálcio tem outras consequências, como a ativação da enzima óxido nítrico-sintetase
(NOS) e a estimulação da transcrição de protoncogenes (genes reguladores do processo transcricional de
DNA). A NOS acarreta produção de óxido nítrico (NO), que, agindo como segundo mensageiro, via GMPc,
ativa as proteinocinases, que, como descrito anteriormente, são responsáveis pela fosforilação e ativação
de canais iônicos. Além disso, o NO difunde-se de maneira retrógrada para o terminal pré-sináptico, onde
estimula ainda mais a liberação de glutamato5,10.
Os protoncogenes c-fos e c-jun, também chamados genes precoces, são originariamente descritos como
uma classe de genes expressos nas células do sistema nervoso central de forma rápida e transitória após
várias formas de estimulação. Depois do estímulo doloroso, segue-se uma mudança na expressão de genes
no corno dorsal da medula espinhal que pode durar várias horas; entretanto, após estímulos não dolo-
rosos, observa-se apenas um efeito limitado na transcrição de genes, sugerindo que são as fibras Aδ e C
responsáveis pela mediação dos efeitos centrais da transcrição genética. O produto proteico da transcri-
ção (Fos) é encontrado em neurônios das lâminas I, II e V da medula espinhal (que são áreas sabidamente
receptoras de fibras nervosas que conduzem a dor) e tem ação sobre a expressão de outros genes (GOGAS
et al, 1991). A ativação de Fos pode interagir diretamente com sistemas opioides endógenos na medula.
Além disso, esses genes ativam a transcrição de ARN mensageiros controladores da síntese de proteínas
fundamentais ao funcionamento do neurônio, como receptores do glutamato (que aumentam sua densi-
dade na membrana e tornam o neurônio mais sensível ao glutamato), canais iônicos (que aumentam a sua
excitabilidade) e enzimas como fosforilases e proteinocinases. Como essas mudanças causam alteração
da expressão fenotípica, elas são duradouras e eventualmente permanentes, tornando esses neurônios
hipersensíveis por longos períodos11.
Toda essa explanação nos fornece elementos fundamentais à compreensão do fenômeno doloroso e do
processo de cronificação da dor.

51.2 CLASSIFICAÇÃO DAS SÍNDROMES DOLOROSAS


Em geral, a dor é classificada do ponto de vista de sua duração e em relação à sua fisiopatologia.
Quanto à duração, pode ser aguda ou crônica. A dor aguda tem início recente, é mais comumente asso-
ciada com uma lesão específica e indica que o dano já ocorreu. A dor crônica é um tipo de dor constante
ou intermitente que persiste por certo período de tempo e não pode ser atribuída a uma causa específi-
ca. Não representa somente um sintoma, mas se caracteriza por um estado patológico bem definido que
persiste além da solução de seu processo etiológico12.
Ainda não há um critério definido para o tempo de início da dor crônica. Alguns estudos utilizam como
regra uma duração acima de três meses e outros a definem a partir de seis meses. Na prática clínica, a
duração de três meses é a mais utilizada13,14.
Do ponto de vista fisiopatológico, a dor pode ser nociceptiva ou neuropática. A por nocicepção ocorre
por lesão e ativação dos nociceptores (terminações nervosas livres de fibras A-delta e C) que transmitem
os impulsos para a medula espinal e para os centros supraespinais. Pode ser somática ou visceral12.
A dor neuropática foi definida, inicialmente, como “uma dor iniciada ou causada por uma lesão primária
ou disfunção do sistema nervoso”15. Há alguns anos, houve uma nova definição de dor neuropática, como
“uma dor que surge como consequência de uma lesão ou doença, afetando o sistema somatossensitivo”16,
que é um conceito que retira a palavra “disfunção”, que é um termo vago e também restringe a lesão ao
sistema somatossensitivo. É uma dor crônica e incapacitante, muitas vezes de difícil tratamento17.

1144 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Um novo sistema de classificação de dor neuropática foi criado com o objetivo de decidir sobre o nível
de certeza com a qual a presença ou ausência de dor neuropática pode ser determinada em um paciente
e é mais empregada em pesquisas. Nesse caso, se o indivíduo tiver dor de distribuição neuroanatomica-
mente plausível, com história clínica sugestiva de lesão ou doença, pode-se pensar na hipótese de dor
neuropática. Se, além dessas informações, o indivíduo tiver sinais sensoriais limitados ao território da es-
trutura nervosa lesionada ou ao teste diagnóstico que reafirme uma lesão ou doença que cause dor neu-
ropática, provavelmente ele tem dor neuropática. Se tiver os dois últimos positivos, tem a confirmação
do diagnóstico de dor neuropática 16.
A dor crônica como uma doença, e não um sintoma, pode ter consequência na qualidade de vida. Fato-
res como depressão; incapacidade física e funcional; dependência; afastamento social; mudanças na se-
xualidade; alterações na dinâmica familiar; desequilíbrio econômico; desesperança; sentimento de morte,
entre outros, encontram-se associados com quadros de dor crônica. A dor passa a ser o centro, direciona
e limita as decisões e os comportamentos do indivíduo. A impossibilidade de controlá-la traz sempre so-
frimento físico e psíquico15-17.
Estima-se que a prevalência de dor crônica possa variar de 12% a 55%, e a dor crônica com característica
neuropática (DCCN) atinge, em média, 7% a 8% da população geral e cerca de um terço da população com
DC. No Brasil, existem poucos estudos epidemiológicos que abordem essa área. Um estudo populacional
sobre dor crônica realizado na cidade de São Luís observou uma prevalência de DCCN em torno de 10%18.

51.3. AVALIAÇÃO
A dor crônica é avaliada por meio de escalas que aferem sua intensidade de forma unidimensional. En-
tre elas, podem ser citadas: a Escala Numérica (EN), que vai de zero a dez, sem dor até a dor mais forte
possível, e que pergunta uma nota ao paciente; a Escala Visual Analógica (EVA), com uma linha de 0 a 10
cm, em que o paciente assinala a intensidade da dor sem ver os números, que vai de ausência de dor até a
dor maior já imaginada em cada extremidade; a Escala Descritiva Verbal (EDV), na qual o paciente refere
sua dor como ausente, leve, moderada ou forte. São ferramentas rápidas, fáceis de serem aplicadas, que
fornecem respostas sobre a eficácia das intervenções; são medidas válidas e confiáveis da intensidade da
dor e têm sido amplamente usadas por especialistas e não especialistas19.
As escalas multidimensionais avaliam, além da intensidade, aspectos sensitivos, discriminativos, afetivos,
emocionais, cognitivos e comportamentais da dor e podem ser usadas de forma complementar na avaliação.
Entre as mais conhecidas, podem-se citar o Questionário de McGill de Dor (multissensitivo); o Questionário
de McGill reduzido (sensitivo e afetivo simplificado); o Inventário Breve da Dor (mede a interferência da
dor na qualidade de vida do indivíduo), além de outras escalas empregadas em situações específicas como
dor neuropática, em que se destaca a escala DN4 (Doleur Neuropatique 4) e LANSS (Leeds Assessment or
Neuropathic Symptoms and Sign), entre outras20. É importante ressaltar a existência de escalas de avaliação
dirigida para recém-nascidos, crianças maiores, pacientes com déficit cognitivo, intubados e sedados21.
A importância da utilização de uma escala adequada para avaliar a dor é que a tradução de uma informa-
ção subjetiva em um alvo objetivo gera melhor tratamento da dor do paciente, reduzindo seu sofrimento.
A Agência Americana de Pesquisa e Qualidade em Saúde Pública e a Sociedade Americana de Dor des-
crevem a avaliação da dor como o Quinto Sinal Vital, que deveria ser avaliada e registrada de forma regu-
lar e conjuntamente com os outros sinais vitais, tendo igual importância que a pressão arterial, o pulso,
a temperatura, a frequência respiratória. Segundo a Joint Commission Accreditation of Healtchare Orga-
nization (JCAHO), que é uma instituição responsável por estabelecer e padronizar normas de excelência
em saúde e acreditação de políticas de qualidade, a avaliação da dor em pacientes hospitalizados deve
ser contínua, individualizada e documentada, fazendo parte dessas normas a avaliação da dor “como o
quinto sinal vital”22. Considerar a dor como o quinto sinal vital é uma maneira de melhorar a qualidade do
atendimento ao paciente internado e tem se tornado realidade em algumas instituições no país.

51.4. MÉTODOS DE TRATAMENTO


A dor crônica, pelas suas peculiaridades, além de afetar a qualidade de vida do paciente e de seus
familiares, é responsável por custos elevados dos sistemas de saúde, bem como custos sociais, devido ao
Ponto 51 - Dor Crônica | 1145
absenteísmo e à aposentadoria precoce dos trabalhadores23. Os inúmeros protocolos de tratamento dispo-
níveis não são universalmente aceitos, e o tratamento da dor crônica continua sendo guiado, na maioria
das vezes, por rotinas preestabelecidas e experiências pessoais24.
Provavelmente o maior desafio no tratamento da dor crônica seja a dor de origem neuropática, defini-
da como a dor que surge em decorrência direta de uma lesão ou doença que afete o sistema somatossen-
sorial16. É bastante evidente que pacientes com dor neuropática exibam maiores escores de dor; reduzida
qualidade de vida; necessitem de maior número de medicações e respondam menos ao tratamento, quan-
do comparados com os pacientes com dor crônica não neuropática25,26.
Por se tratar a dor crônica de doença multifatorial, o tratamento mais eficaz será sempre o multimodal.
Embora, rotineiramente, venham sendo empregadas combinações de tratamentos farmacológicos, técnicas
intervencionistas, terapias cognitivo-comportamentais e técnicas de reabilitação física, poucas evidências
existem para suportar a eficácia de uma ou várias dessas modalidades sobre outras. A seleção do trata-
mento mais adequado para a dor crônica deve ser dirigida para: avaliação meticulosa da fenomenologia e
fisiopatologia da dor; objetivos, metas, preferências e expectativas do paciente; funções comportamentais,
cognitivas e físicas em que se encontra o paciente e possíveis riscos advindos do tratameto27.
Neste capítulo, serão discutidos analgésicos sistêmicos, fármacos adjuvantes, bloqueios analgésicos e
tratamento intervencionista da dor indicados, atualmente, no tratamento da dor crônica.

51.4.1. Analgésicos Sistêmicos


Os analgésicos sistêmicos têm sido classificados em duas grandes categorias: analgésicos não opioi-
des, com efeitos analgésicos, antipiréticos e/ou anti-inflamatórios, utilizados, inicialmente, em dores de
intensidade leve a moderada, e os analgésicos opioides, com afinidade pelos receptores μ, forte ação
analgésica e com ausência de efeito teto, indicados nas dores de intensidade elevada28.
Analgésicos Não Opioides
Paracetamol
O paracetamol (derivado do aminofenol) é um dos fármacos mais utilizados no mundo, com mecanismo
de ação ainda não totalmente elucidado7. Pela eficácia relativa, grande tolerabilidade em pacientes com
contraindicações a outros analgésicos e baixo risco de efeitos adversos, o paracetamol, embora menos
potente do que analgésicos anti-inflamatórios não hormonais, tem se tornado escolha de primeira linha
para uma ampla variedade de doenças crônicas em uma ampla faixa etária29.
Ao contrário do que se acreditava, a analgesia do paracetamol parece ser mediada centralmente e
pode envolver inibição direta e indireta de ciclo-oxigenases centrais, bem como a ativação dos sistemas
endocanabinoides e de vias serotoninérgicas espinhais30.
Existe uma grande preocupação, atualmente, em relação à hepatotoxicidade do paracetamol, que pare-
ce ser atribuída à imina N acetil-p-benzoquinona (NAPQI). Esse metabólito, normalmente, combina-se com
a glutationa e é transformado em metabólito não tóxico, mas com o aumento da dose da medicação, pode
haver exaustão da glutationa, causando lesão hepática dose-dependente por necrose lobular central. A glu-
tationa pode estar reduzida na inanição, na desnutrição, na infecção pelo HIV e no alcoolismo, porém, nem
o álcool, nem a desnutrição parecem aumentar o risco da hepatoxicidade em doses terapêuticas29.
O Food and Drug Administration (FDA) vem preconizando a redução da dose por comprimido. Doses
terapêuticas, inferiores a 4 g.24h-1, raramente são responsáveis por efeitos tóxicos hepáticos, mesmo em
uso crônico31.
No Brasil, o paracetamol somente é disponível para via oral.
Dipirona
A dipirona (derivado pirazolônico) é um analgésico consagrado no Brasil desde 1922, em apresentação
pura ou associada com outros fármacos, com várias vias de administração. É utilizada para o tratamento
de inúmeras síndromes dolorosas, tanto agudas como crônicas, possuindo propriedades analgésicas, anti-
-inflamatórias e antipiréticas29.
O mecanismo de ação da dipirona ainda não está bem elucidado. Inúmeras propostas para esse me-
canismo são sugeridas, que enfatizam tanto sua ação periférica (inibição da ativação da adenilciclase e
1146 | Bases do Ensino da Anestesiologia
bloqueio direto da entrada do cálcio no nociceptor) como central (ação dos metabólitos sobre a sínteses
de prostaglandinas no sistema nervoso central; ação sobre a atividade das ciclo-oxigenases e inibição de
uma variante da COX-1, denominada COX-3)29.
A eficácia analgésica e anti-inflamatória da dipirona, aliada a um elevado perfil de segurança, baixo
custo e ampla disponibilidade, faz com que ela seja considerada, no Brasil, o principal analgésico, tanto
no tratamento de dores de leve a moderada intensidade, como em dores intensas associadas com outros
analgésicos não opioides e/ou opioides32.
Embora comprovadamente segura em hepatopatas, nefropatas e cardiopatas, a dipirona foi associada,
por muito tempo, com a agranulocitose e aplasia de medula, porém, a incidência dessas complicações não
vem se mostrando diferente em pacientes que usaram e que não usaram a dipirona, o que não contrain-
dica seu uso em pacientes em qualquer situação32.
Anti-inflamatórios não esteroides (AINE) e coxibes
Analgésicos anti-inflamatórios não esteroides consistem em uma classe de medicamentos com poten-
te ação analgésica, anti-inflamatória e antipirética, mediada por efeitos tanto centrais como periféricos.
O principal mecanismo de ação dos AINE é a inibição da biossíntese das prostaglandinas, porém,
outros mecanismos também participam desse processo: redução de ácidos graxos livres; inibição da for-
mação de lipídios na membrana; inibição da migração de leucócitos; estabilização das membranas lisos-
sômicas; antagonismo de bradicininas; desacoplamento da fosforilação oxidativa; inibição da sínteses de
mucopolissacarídeos; inibição de radicais livres; inibição da atividade da fosfolipase-C e inibição da agre-
gação de neutrófilos29,33.
A ação central dos AINE se faz através do bloqueio parcial da prostaglandina-sintetase central e o efeito
antipirético ocorre no hipotálamo pelo bloqueio da produção da prostaglandina F2 alfa (PGF2-alfa), prin-
cipal metabólito do ácido aracdônico29.
A ciclo-oxigenase (COX) é a enzima responsável pela síntese de prostaglandinas, e já foram identifica-
das três isoformas denominadas COX-1, COX-2 e COX-334.
A COX-1, também chamada constitutiva, é a enzima responsável pela homeostase, mantendo a citopro-
teção gástrica, o balanço de sódio e água e a agregação plaquetária. É expressa no trato gastrointestinal,
nos rins e nos pulmões8. A COX-2 é uma enzima induzida nas células inflamatórias dos locais de inflama-
ção; da lesão tecidual; da sinóvia articular; endotélio e SNC e constitutiva no encéfalo, nos rins, no ovário,
no útero e no endotélio7. A COX-3 parece tratar-se de uma variante da COX-1, isolada no córtex cerebral
humano e canino; na aorta humana; no endotélio cerebral de roedores e nos tecidos neuronais renal e
cardíaco. Ainda não está bem estabelecido seu papel na febre e na dor mediadas pelas prostaglandinas35.
Como o mecanismo de ação comum dos AINE é a inibição dessas enzimas, é importante entender os
efeitos farmacológicos benéficos e indesejáveis dessa inibição, que pode ou não ser seletiva, de acordo
com o tipo de AINE utilizado34.
A maior parte dos AINE disponíveis bloqueiam tanto a COX-1 como a COX-2 e são chamados anti-inflama-
tórios não esteroides (diclofenaco; cetorolaco; ibuprofeno; tenoxicam; piroxam; cetoprofeno; nimesulida;
meloxicam). Por inibirem uma enzima constitutiva, responsável pela homeostase (COX-1), podem causar
efeitos adversos especialmente nos sistemas gastrointestinal e renal, com risco de provocarem úlcera
gástrica, sangramento digestivo e insuficiência renal. Os anti-inflamatórios que bloqueiam seletivamente
a COX-2 são denominados coxibes (celecoxibe, etoricoxibe, valdecoxibe, lumiracoxibe) e foram original-
mente formulados para reduzir os efeitos adversos dos AINE convencionais. No entanto, observa-se que
os inibidores seletivos da COX-2 apresentam efeitos adversos semelhantes aos AINE em relação aos rins;
exibem perfil mais seguro em relação ao trato gastrintestinal e predispõem os pacientes a eventos cardio-
vasculares, devendo ser evitado seu uso prolongado em pacientes de risco29,34.
A eficácia dos anti-inflamatórios na dor aguda e crônica é indiscutível, com o NNT (número necessário
para tratar) variando de 1,5 a 2,5. Recentemente, foi confirmado que preparações de ação rápida promovem
melhor analgesia do que as de ação lenta; que não há diferença na eficácia analgésica entre AINE e coxibes
e que, a despeito de muitos dados disponíveis, ainda há confusão sobre a segurança de cada classe30.
Tanto os AINE como os coxibes apresentam contraindicações em situações de hipersensibilidade à medica-
ção ou antecedentes de asma, urticária ou reação alérgica após o uso. Em pacientes com histórico de hipovo-
Ponto 51 - Dor Crônica | 1147
lemia; cirrose hepática; insuficiência cardíaca; hipertensão arterial; insuficiência renal; úlcera ativa e hemor-
ragia digestiva recente essa classe de medicamentos, especialmente em pacientes idosos, deve ser evitada29.
Sempre que forem indicados analgésicos não opioides por períodos prolongados, como no caso da dor
oncológica, em associação com opioides, ou dores crônicas não oncológicas, deve-se dar preferência aos
fármacos que provoquem menos efeitos adversos, como o paracetamol e a dipirona29.
Analgésicos Opioides
Enquanto os opioides são os fármacos de escolha para o tratamento da dor aguda e da dor oncológica
intensa, seu uso na dor crônica não oncológica (DCNO) ainda é controverso30,36.
A maioria dos estudos sobre opioides em DCNO demonstra eficácia relativa na redução da intensidade
da dor, especialmente em se tratando de dor neuropática (DN), e consta dos protocolos de tratamento da
DN como fármacos de segunda ou terceira linha37,38.
Existem evidências crescentes benéficas sobre o uso de opioides em algumas populações de pacientes
com DCNO, que não tenham obtido resposta adequada ao tratamento convencional, assim como existem
evidências, também nesses pacientes, de riscos elevados de abuso, vício e aumento da mortalidade36,37.
Muito se tem descrito sobre os possíveis riscos do uso de opioides em pacientes com DCNO.
De maior gravidade são citados fraturas por quedas; depressão respiratória, evento raro que pode ocorrer
por erro de dosagem ou abuso; e morte, por consumo inapropriado e erro médico. Esse último risco tem au-
mentado, recentemente, à medida que se eleva o consumo de opioides em DCNO37,39. Também aparecem como
possíveis riscos do uso de opioides: efeitos endócrinos negativos, que levam à deficiência andrógena induzi-
da por opioides; hiperalgesia induzida por opioides, especialmente em doses elevadas e com desordens de
sensibilização central, como na fibromialgia; abuso e vício, sobretudo em pacientes com história de abuso de
outras substâncias, doença mental, homens, jovens que estejam recebendo altas doses diárias de opioides; e
sedação e dano cognitivo, raros, mas mais prováveis quando se inicia, troca ou aumenta a dose dos opioides37.
Para que seja possível proporcionar um alívio da dor mais adequado em pacientes com dores crônicas
de difícil resolução é imperativo que sejam tomadas precauções para minimizar efeitos adversos e riscos
decorrentes do uso de opioides. Reconhecer os possíveis fatores de risco, como falência renal; uso conco-
mitante de depressores do sistema nervoso central; pacientes com apneia do sono e ainda titular muito
lentamente a dose inicial, especialmente quando a escolha recair sobre a metadona, já é medida que vai
proteger os pacientes de futuras complicações37.
É importante que os pacientes sejam avaliados quanto ao risco de desenvolverem vício com uso pro-
longado de opioides em DCNO. Existem várias ferramentas para serem aplicadas no início do tratamento,
sendo uma das mais simples a Escala de Risco de Abuso de Opioides, desenvolvida por Webster L. R. e
Webster R. M.40, com alto grau de sensibilidade e especificidade (Tabela 51.1).
Tabela 51.1 – Risco de abuso de opioides40
Item Marcar escores Escores mulher Escores homem
1. História familiar de abuso de substâncias
Álcool [] 1 3
Drogas ilícitas [] 2 3
Drogas prescritas [] 4 4
2. História pessoal de abuso de substâncias
Álcool [ ] 3 3
Drogas ilícitas [ ] 4 4
Drogas prescritas [ ] 5 5
3. Idade (marcar se for de 16 a 45 anos) [ ] 1 1
4. História de abuso sexual na adolescência [ ] 3 0
5. Desordens psicológicas
DDA, TOC, bipolaridade, esquizofrenia [] 2 2
Depressão [] 1 1
Total - -
Baixo risco (0-3); risco moderado (4-7); risco elevado (≥ 8).

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Não existem contraindicações absolutas, mesmo que sejam detectados riscos elevados para o vício,
em pacientes que realmente necessitem do uso de opioides em DCNO. Entretanto, nesses casos, faz-se
necessário que sejam obedecidos princípios gerais para uso seguro de opioides, contando com a parceria
e concordância dos pacientes e familiares (Quadro 51.1)41.
Quadro 51.1 - Estratégias para o uso seguro de opioides para dor crônica41

1. Retardar sempre que possível o uso de opioides, através de estratégias com não opioides.
2. Informar sobre os riscos, incluindo o risco de vício, antes de iniciar tratamento com opioides.
3. Estipular contratos para o uso de opioides antes de iniciar o tratamento ou nos aumentos de dose. Devem
constar desses contratos frequência de obter medicação; não disponibilidade de fornecimento de receitas
mais precoces quando estas forem perdidas ou roubadas; armazenamento seguro da medicação e receitas;
não compartilhar medicação; ter uma única fonte de prescrição; monitorização através de exames de urina
e adesão às visitas de monitoração.
4. Agendamento de visitas com 2 a 3 meses de intervalo e testes periódicos de urina para confirmar a adesão
ao tratamento.
5. Monitorar a intensidade da dor e as limitações a ela relacionadas nas visitas agendadas, uma vez que pode
haver declínio da resposta ao analgésico, com o passar do tempo.
6. Evitar escalonamento sem antes avaliar a intensidade da dor e a interferência dela na vida do paciente.
7. Ver o tratamento com opioides como uma tentativa empírica. Considerar a descontinuidade se os opioides
não se mostrarem benéficos.
8. Considerar a rotação de opioides de acordo com a taxa de conversão, se houver suspeita de tolerância a
um opioide
9. Se o paciente for de alto risco para o uso de opioides (uso de álcool e/ou drogas), encaminhá-lo para espe-
cialista de dor.

A maioria dos opioides utilizados na DCNO são agonistas puros dos receptores µ ou que exibem afinida-
de direta com esses receptores, pela vantagem de não apresentarem efeitos teto para analgesia. Apesar
de ser um agonista forte do receptor µ, a meperidina não é recomendada no tratamento da dor crônica
por apresentar metabólito ativo tóxico, podendo levar a efeitos adversos excitatórios, convulsões e risco
aumentado de vício. Da mesma forma, agonistas parciais com ação agonista-antagonista são geralmente
contraindicados no tratamento da dor crônica42,43.
No Brasil, estão disponíveis, por via oral, a codeína, que é um opioide fraco, e a morfina, de liberação
imediata e liberação cronogramada; a oxicodona, de liberação lenta, e a metadona (estes são opioides
fortes). Para uso transdérmico, também classificados como fortes, existem o fentanil, com duração de
72h, e a buprenorfina, com duração de sete dias.
O tramadol possui um mecanismo de ação ainda não totalmente esclarecido, mas como se liga ao
receptor opioide µ como agonista, além de inibir fracamente a recaptação de serotonina e norepine-
frina, é muitas vezes considerado um opioide fraco, bastante utilizado em osteoartrite, fibromialgia e
neuropatia diabética41.
A metadona é um opioide que foi muito utilizado como de escolha na prevenção da síndrome de absti-
nência durante o tratamento de adultos viciados em opioides. Mais recentemente, ela vem sendo indicada
para DCNO de difícil resposta aos analgésicos comuns, porém, por suas características farmacocinéticas de
meia-vida longa e imprevisibilidade, deve ser utilizada com muita cautela, para evitar efeitos indesejáveis44.
O efeito adverso mais comum dos opioides, durante tratamento prolongado, é a constipação, que inci-
de em aproximadamente 40% dos pacientes.
A eficácia de opioides de curta ação versus opioides de longa ação no tratamento de DCNO foi ava-
liada numa revisão sistemática que envolveu 3.608 pacientes sem história de abuso de substâncias, espe-
cialmente em situações de dor neuropática, lombalgia e osteoartrite, por um período médio de quatro
semanas. Os autores não conseguiram demonstrar superioridade na eficácia ou na redução de efeitos
adversos de um grupo sobre o outro45.
É importante salientar que os opioides permanecem como os fármacos mais efetivos e mais comumente
utilizados no tratamento da dor moderada a intensa, no câncer, no tratamento multimodal46.

Ponto 51 - Dor Crônica | 1149


51.4.2. Fármacos Adjuvantes
Fármacos adjuvantes constituem um grupo de medicamentos de ações múltiplas que atuam em certos
tipos de dor crônica ou potencializam a ação de certos analgésicos. Fazem parte desse grupo de fármacos:
antidepressivos tricíclicos; inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS); inibidores seletivos da
receptação da serotonina e noradrenalina (ISRSN); anticonvulsivantes; cetamina; anestésicos locais; corti-
coesteroides; relaxantes musculares; analgésicos tópicos ecanabinoides, entre outros46.
Antidepressivos Tricíclicos
Foram os antidepressivos utilizados por mais tempo no tratamento de inúmeras condições de dor crôni-
ca. Agem aumentando os níveis sinápticos de dopamina, serotonina e/ou noradrenalina. A amitriptilina é o
mais usado no tratamento da dor, porém, a nortriptilina apresenta menores efeitos adversos. As principais
desvantagens dos antidepressivos tricíclicos, que resultaram na busca por outra classe de antidepressivos,
são os efeitos adversos como hipertensão; hipotensão postural; arritmias; quedas em idosos e potencial
aumento da mortalidade em doses elevadas30,41,46.
Inibidores Seletivos da Receptação da Serotonina (ISRS)
O mecanismo de ação desses antidepressivos se faz através do aumento dos níveis de serotonina na
fenda sináptica, por bloqueio seletivo de sua receptação. Embora menos eficazes no alívio da dor, apre-
sentam menos efeitos adversos do que os tricíclicos e são indicados nos casos em que os pacientes apre-
sentam intolerância ou contraindicações aos demais antidepressivos. Fluxetina, paroxetina e citalopram
fazem parte dessa classe de antidepressivos26,41.
Inibidores Seletivos da Receptação da Serotonina e Noradrenalina (ISRSN)
Como os ISRSN se mostraram mais efetivos que os ISRS, fica claro o papel da inibição da receptação da
noradrenalina no tratamento da dor crônica. Os antidepressivos dessa classe, duloxetina e venlafaxina,
agem aumentando os níveis de serotonina e de noradrenalina na fenda sináptica por bloqueio seletivo da
receptação de ambas as aminas. Existem dados suficientes para considerá-los fármacos de primeira ou,
no mínimo, segunda linha nos guidelines de tratamento de dor neuropática, em especial para neuropatia
diabética. A duloxetina tem aprovação do FDA para o tratamento da fibromialgia30,41,46.
Anticonvulsivantes
Os gabapentinoides (gabapentina e pregabalina) são anticonvulsivantes cuja indicação inicial foi o
tratamento da dor neuropática de várias etiologias, apresentando boas evidências de efetividade no
tratamento de neuralgia pós-herpética, polineuropatia diabética e dores centrais após lesão de medula.
São considerados fármacos de primeira linha em praticamente todos os guidelines de tratamento da dor
neuropática. Ligam-se às subunidades dos canais de cálcio dentro do sistema nervoso central, reduzindo
a liberação de uma variedade de neurotransmissores excitatórios9. A pregabalina tem um esquema mais
simples de administração e titulação, apresentando, ainda, pelo FDA, indicação para fibromialgia42.
A carbamazepina e a oxcarbazepina são anticonvulsivantes considerados de primeira linha somente
na neuralgia do trigêmeo. Atuam por bloqueio dos canais de sódio e diminuição da liberação do glutamato
no terminal nervoso42,46.
Cetamina
O principal mecanismo de ação da cetamina, introduzida originalmente, em 1963, como anestésico dis-
sociativo, é o antagonismo com o receptor NMDA (n-metil-D-transferase), no qual o glutamato é o principal
ligante. Nos últimos anos, houve aumento de seu uso, tanto no tratamento da dor aguda como crônica,
devido à capacidade da cetamina em reduzir o nível de sensibilização central, além de outros efeitos im-
portantes, como ações em receptores nicotínicos, muscarínicos, opioides, AMPA e cainatos e inibição da
receptação de serotonina e dopamina30.
O uso de cetamina vem aumentando na dor crônica, como demostram alguns estudos em relação à sua efi-
cácia na dor do membro fantasma, na síndrome dolorosa regional complexa e na dor do câncer, que responde
mal aos opioides. No entanto, falta consenso em relação a dose, tempo de duração e vias de administração47-50.
A cetamina é, atualmente, recomendada na DCNO somente para pacientes com dor neuropática de
intensidade elevada que não respondam a outros tratamentos51.

1150 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Anestésicos Locais Sistêmicos
A lidocaína, por via venosa, tem sido amplamente utilizada no tratamento de dores neuropáticas pe-
riféricas e dores centrais, além de inúmeras síndromes dolorosas, incluindo a fibromialgia. O principal
mecanismo de ação dos anestésicos locais, por via sistêmica, em baixas concentrações, é a inibição da
atividade anormal em fibras aferentes primárias, em especial nas fibras C, através do bloqueio de canais
de sódio52. No entanto, são citados outros mecanismos como ação glicinérgica, bloqueio dos receptores
NMDA, redução da substância P e bloqueio de receptores de acetilcolina53.
A lidocaína parece não ser tão eficaz em dores nociceptivas54.
Corticoesteroides
Possuem efeito analgésico intrínseco, sendo utilizados no tratamento de dores agudas ou crônicas. São
uma alternativa ao uso de AINES, no paciente reumático, e podem ser modificadores da doença em casos
de polimialgia reumática. São fármacos de primeira escolha em neuropatias compressivas, tumores e me-
tástases cerebrais55. Inibem a síntese de prostaglandinas através da inibição da fosfolipase A2, diminuindo
o edema e a inflamação no local. A dexametasona e a prednisona são os corticoesteroides mais comumen-
te utilizados na dor crônica46.
Relaxantes Musculares
Englobam um grupo heterogêneo de fármacos com estruturas variadas que inibem o tônus muscular e
são indicados no tratamento da dor associada ao espasmo muscular56.
O baclofeno é um relaxante muscular que atua em receptores GABA, deprimindo o sistema nervoso
central, por meio de uma redução dos neurotransmissores glutamato e aspartato. Promove alívio da dor
muscular espástica, por meio da inibição da ação reflexa46.
Também exercendo ação central estão disponíveis, associados ou não aos analgésicos, o carisopro-
dol; a ciclobenzaprina; a clorzoxazona; o metocarbamol; a tizanidina; a clorfenezina; a mefenesina e
a orfenadrina, todos esses indicados para o alívio de distúrbios decorrentes do sistema musculoesque-
lético e neuromuscular56.
Analgésicos Tópicos
O emplastro de lidocaína 5%, ou patch de lidocaína, é tratamento de primeira linha para dores neu-
ropáticas localizadas. A preparação do emplastro, que mede 10 cm x 14 cm, contém lidocaína 5%, numa
dose total de 700 mg, e deve ser colocado diretamente sobre a área dolorosa, em pele intacta, por um
período de 12 horas, deixando a pele livre nas próximas 12 horas30.
A reduzida incidência de efeitos adversos torna esse tratamento atrativo para idosos e populações de
alto risco, especialmente nos casos de neuralgia pós-herpética, que tem indicação de uso pelo FDA42,57.
A capsaicina é um alcaloide derivado de pimenta que promove depleção da substância P do neurônio
aferente primário, após repetidas aplicações na superfície dolorosa da pele. O principal efeito adverso é
a sensação inicial de queimação, que pode persistir por dias42.
A capsaicina tópica tem sido indicada em concentrações inferiores a 1%, com repetidas administrações
(3 a 4 vezes por dia) e por tempo prolongado para tratar a dor neuropática localizada. No entanto, recen-
tes metanálises não constataram diferenças na eficácia quando comparada com o placebo30,58.
Recentemente, foi desenvolvido e já está em uso em alguns países o patch de capsaicina em concen-
tração elevada (8%), com eficácia superior às baixas concentrações do creme e tempo prolongado de anal-
gesia após 1 hora de aplicação30,42.
Canabinoides
Compreendem um grupo de substâncias químicas que atuam nos receptores canabinoides, com ações
variadas antieméticas, estimuladoras do apetite, analgésicas em dores neuropáticas e antiespásticas,
entre outras30.
Alguns países já legalizaram o uso médico da marijuana, mas os problemas legais são muitos e comple-
xos. Apesar do uso aumentado de canabinoides no tratamento da dor neuropática, ainda faltam evidências,
sugerindo eficácia limitada em algumas desordens neurológicas, principalmente relacionadas com a espasti-
cidade e algumas condições de dor crônica neuropática, em particular esclerose múltipla e SIDA59,60.

Ponto 51 - Dor Crônica | 1151


51.4.3. Bloqueios Anestésicos
O uso de bloqueios no tratamento da DCNO vem crescendo nos últimos anos, especialmente pelo ad-
vento do ultrassom, que permite um novo padrão na localização de nervos. Trata-se de método coad-
juvante, reversível, minimamente invasivo e que exige indicação precisa e profissional capacitado para
realizá-lo, em ambiente seguro61.
Vários bloqueios somáticos, simpáticos e espinhais vêm sendo realizados com anestésicos locais as-
sociados ou não aos adjuvantes, objetivando tanto o diagnóstico como o tratamento de DCNO de difícil
resposta à terapia convencional. Serão comentados, neste capítulo, os bloqueios de uso mais frequente
no tratamento da dor crônica.
Bloqueio occipital maior: indicado nas síndromes dolorosas occipitais, que incluem neuralgia occipital
e cefaleias do tipo tensional e cervicogênicas62.
Bloqueios de plexo braquial, cotovelo, punho e dedos: indicado em dores crônicas de membros su-
periores; compressões nervosas dolorosas no cotovelo, no punho e nos dedos62.
Bloqueio intercostal: bastante utilizado no tratamento da dor crônica, em casos de trauma torácico,
fratura de costelas, neoplasias, lesão de nervos pós-herpes zoster e pós-procedimentos cirúrgicos62.
Bloqueio supraescapular: indicado no diagnóstico e tratamento da dor crônica do ombro e da articu-
lação escapuloumeral62.
Bloqueios de nervos somáticos da extremidade inferior: nervo ciático (dor crônica da perna e do
pé); nervo obturador (analgesia associada com os nervos femoral e cutâneo lateral femoral e ainda injú-
ria espinhal, espasticidade e contratura); nervo femoral (analgesia da região anterior da coxa e do joe-
lho); nervo pudendo (analgesia perineal); nervo cutâneo lateral (meralgia parestésica); plexo lombar
(condições dolorosas dos membros inferiores)62.
Bloqueio de faceta articular: a dor em faceta articular lombar está presente em até 45% dos pacientes
com lombalgia. Existem evidências de que o bloqueio das facetas com anestésico local e corticoesteroides
promove alívio das dores por períodos de tempo variáveis e pode ser a primeira indicação em pacientes
com intensa limitação funcional63.
Bloqueio peridural com corticoesteroide: indicado no alívio da dor, especialmente em radiculopatias
por hérnia de disco lombar. Os fármacos mais utilizados são metilprednisolona ou triancinolona, associa-
dos ao anestésico local em baixas concentrações para impedir o bloqueio somático. Das abordagens uti-
lizadas, a mais indicada é a transforaminal, guiada por ultrassom. O alívio da dor pode ocorrer após uma
única injeção ou podem ser necessários mais um ou dois bloqueios com intervalos de duas semanas63,64.
Bloqueio simpático lombar: injeção de anestésico local ventralmente ao músculo psoas, ao longo da
cadeia simpática lombar, guiada por ultrassom. É indicado nas dores de membro fantasma; síndromes re-
gionais complexas; neuropatias periféricas e doenças vasculares dolorosas63.
Bloqueio de gânglio estrelado: o bloqueio de fibras simpáticas pré-ganglionares de cabeça e pescoço
é indicado nas dores de manutenção simpática de cabeça e pescoço; na síndrome dolorosa regional com-
plexa tipo I e II e outras síndromes dolorosas de manutenção simpática em extremidades torácicas, ombro
e parede anterior do tórax e nas insuficiências vasculares, como doença de Reynaud65.
Injeções de pontos-gatilho (trigger points): é um dos tratamentos indicados para a síndrome de dor
miofascial, promovendo alívio temporário ou de longa duração. É um procedimento bastante seguro, po-
rém, doloroso66.

51.4.4. Bloqueios Neurolíticos


As técnicas intervencionistas no tratamento da dor podem ser classificadas em neurodestrutivas e neu-
romoduladoras. As técnicas neurodestrutivas comumente utilizam álcool, fenol ou calor, através da ener-
gia elétrica, para produzir denervação por radiofrequência (RF), e são consideradas irreversíveis. A neuro-
modulação é obtida através da liberação intratecal de fármacos e pela estimulação elétrica da medula67.
Técnicas Neurodestrutivas
Normalmente, essas técnicas são realizadas após um diagnóstico com anestésico local e confirmação
de resposta positiva.
1152 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Bloqueio do plexo celíaco: indicado na dor por câncer em regiões que se estendem do estômago ao có-
lon transverso, incluindo pâncreas e vesícula biliar, que falhou em responder ao tratamento convencional. A
maior eficácia tem sido relatada na dor associada ao câncer de pâncreas. O procedimento deve ser guiado
por tomografia computadorizada, e o paciente permanecer sob sedação. As complicações maiores se devem
à dispersão do agente neurolítico para as raízes nervosas e o espaço peridural, intratecal e vascular63,67.
Bloqueio hipogástrico superior: indicado para pacientes com dor oncológica de origem pélvica, pro-
movendo bom alívio da dor após esse procedimento67.
Bloqueio do gânglio ímpar: o gânglio ímpar é a estrutura mais distal da cadeia simpática, situando-se
na superfície anterior do sacro, na junção sacrococcígena. Indicado para dores de difícil controle na re-
gião perineal baixa. Complicações desse bloqueio somente ocorrem se a solução neurolítica for injetada
na parede retal ou no espaço peridural65,67.
Bloqueio neurolítico subaracnóideo: a principal indicação do bloqueio subaracnóideo em sela é para
portadores de tumores perineais avançados, com comprometimento das funções vesical e intestinal e sem
nenhuma resposta ao tratamento não invasivo. O efeito é imprevisível, de curta duração, sendo o controle
da difusão da droga bastante precário. Estima-se alívio adequado em 60% dos pacientes e alívio parcial
em 20% deles. Existe um risco de potenciais efeitos adversos graves, como paresias ou paralisias motoras;
incontinência vesical e intestinal; aracnoidite; déficits sensoriais e de propriocepção64.
Ablação por radiofrequência: é indicada primariamente para pacientes com lombalgia isolada, sem
irradiação, que pioram em posição sentada ou posição prolongada e que não obtiveram melhora com ou-
tros tratamentos, incluindo bloqueio facetário63.

Técnicas Neuromoduladoras
Bomba intratecal para a liberação de fármacos: indicada para pacientes com DCNO, com diagnóstico
estabelecido, dor contínua, que não têm obtido alívio com tratamento farmacológico e não farmacológico
convencional e/ou são intolerantes aos opioides orais pelos efeitos adversos. É bastante útil para pacien-
tes oncológicos com dor. Estão liberados para esse uso, pelo FDA, morfina, baclofen e ziconotide, porém,
tem sido também utilizados hidromorfona, fentanil, sufentanil, bupivacaina e clonidina63.
Estimulação elétrica da medula espinhal: indicada em dores pós-cirurgias de coluna cervical ou
lombar que não mostraram resultados positivos, neurites e síndromes dolorosas regionais complexas. Os
pacientes devem ser criteriosamente selecionados e avaliados regularmente no primeiro ano, para otimi-
zação dos parâmetros de estimulação e das medicações63.

51.5. A CLÍNICA DE DOR


Ciente de que o tratamento da dor era complexo e transcendia a experiência de um único profissional,
John Bonica idealizou e criou a entidade denominada Clínica da Dor68.
A partir dessa ideia, numerosas clínicas de dor foram sendo criadas e disseminadas nos Estados Unidos,
na Europa, na Ásia e na América do Sul, até que a Sociedade Internacional para o Estudo da Dor (IASP)
estabeleceu normas, diretrizes e características desejáveis para as diversas modalidades de clínicas de
dor, denominadas Desirable Characteristics for Pain Treatment Facilities, obtido no site www.halcyon.
com/iasp/desirabl.html47.
Classificação das Clínicas de Dor
1. Centro Multidisciplinar de Dor: é a organização mais complexa da área, composta por profissio-
nais da área de saúde, dedicados ao diagnóstico e tratamento da dor aguda e crônica em pacientes
ambulatoriais e internados, ao ensino e à pesquisa. Devem fazer parte desses centros médicos de
duas ou três especialidades diferentes; psicólogos; enfermeiros; fisioterapeutas; terapeutas ocu-
pacionais e assistentes sociais, com intercomunicação regular e frequente a respeito dos pacientes
assistidos. Habitualmente, está ligado a uma escola médica ou hospital de ensino.
2. Clínica Multidisciplinar de Dor: apresenta estrutura muito semelhante ao Centro Multidisciplinar
de Dor diferindo apenas por não incluir atividades de ensino e pesquisa em seu programa.
3. Clínica de Dor: dedicada ao diagnóstico e ao tratamento de pacientes com dores crônicas em ge-
ral ou relacionadas com uma região específica, normalmente é composta por apenas um médico.
Ponto 51 - Dor Crônica | 1153
4. Clínica orientada para modalidade única de tratamento da dor: clínica onde é oferecido apenas um
tipo específico de tratamento, não dispondo de formas de avaliação clínica, nem formas abrangentes de
tratamento (clínicas de acupuntura, de eletroestimulação transcutânea, de biofeedback etc.).
Os serviços de dor crônica podem ser organizados dentro de um hospital, com infraestrutura e recur-
sos humanos mais adequados, provenientes do próprio hospital, ou serem autônomos, extra-hospitalares,
eminentemente ambulatoriais. No Brasil, são mais facilmente identificadas as clínicas de dor ou serviços
de dor extra-hospitalares, em que, se vários profissionais não atuarem no local, os pacientes serão enca-
minhados para os hospitais, sempre que se fizer necessário69,70.

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1156 | Bases do Ensino da Anestesiologia


ME3
PONTO 52

Suporte Ventilatório
Elaine Aparecida Felix
Professora associada do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);
Doutora em medicina pelo Programa de Pós-graduação de Ciências Pneumológicas da UFRGS;
Atua na Coordenação da Gestão de Segurança do Paciente no Hospital de Clínicas de
Porto Alegre (HCPA) como gerente de Risco Assistencial do HCPA;
Instrutora corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento (CET/SBA) do Serviço de Anestesia e Medicina
Perioperatória (SAMPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Clóvis T. Bevilacqua Filho


Anestesiologista do Serviço de Anestesia e Medicina Perioperatória (SAMPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre;
Especialista em anestesiologia, medicina intensiva e clínica médica.
Suporte Ventilatório
52.1. Técnicas, indicações, repercussões e complicações
52.2. Ventiladores

INTRODUÇÃO
A prática da anestesia está estreitamente relacionada com o estudo da fisiologia respiratória, bem
como da ventilação mecânica. O estudo da ventilação preocupa-se com as forças que devem ser geradas
e vencidas para que o ar presente na atmosfera consiga atingir o interior dos alvéolos pulmonares. Esse
processo compreende uma série de eventos inter-relacionados que se inicia com o desempenho mecâni-
co do aparelho respiratório (pulmões, caixa torácica e diafragma) e garante a eficiência da ventilação.
A ventilação alveolar, na presença de membranas alveolocapilares e hemodinâmicas intactas, permite a
realização das trocas gasosas pulmonares (captação de oxigênio e eliminação de dióxido de carbono). Na
presença de eventos iatrogênicos ou processos patológicos que prejudiquem o adequado funcionamento
de um ou mais componentes do aparelho respiratório, faz-se necessário sua substituição total ou parcial
da ventilação, isto é, faz-se necessário suporte ventilatório. Os ventiladores mecânicos são os aparelhos
que atualmente cumprem essa função.

52.1. TÉCNICAS, INDICAÇÕES, REPERCUSSÕES E COMPLICAÇÕES


Ventilação mecânica (VM) é um método de suporte ventilatório, geralmente transitório, utilizado quan-
do a função respiratória do paciente está comprometida devido à enfermidade ou anestesia. Pode ser de-
finida como a utilização de meios artificiais para substituir, total ou parcialmente, o trabalho respiratório
do paciente para a manutenção da ventilação alveolar (eliminação de CO2) e oxigenação sanguínea. Na
ventilação mecânica total, denominada mandatória ou controlada, todo o trabalho respiratório é realizado
pelo ventilador. Já na ventilação mecânica parcial, ventilação assistida, o trabalho respiratório realizado
pelo ventilador é somado ao do paciente.
A ventilação mecânica pode ser realizada através da aplicação de pressão negativa sobre a parede torá-
cica do paciente ou através da utilização de pressão positiva, gerando-se fluxo de gás, na via aérea. A venti-
lação por pressão negativa é hoje raramente utilizada, por ser incômoda e dificultar o cuidado do paciente.
O uso da ventilação mecânica apresenta riscos próprios, além de causar diversas alterações na fisiolo-
gia do paciente.

Indicações
O objetivo primordial da ventilação mecânica é garantir a ventilação alveolar e a oxigenação sanguínea
adequadas, protegendo os pulmões contra lesão induzida pela ventilação mecânica.
Objetivos do Suporte Ventilatório
Apesar da diversidade de aparelhos empregados e uma variada gama de indicações clínicas, a ventila-
ção artificial é usada para promover duas funções básicas1:
1. Manter a ventilação alveolar apropriada para as demandas metabólicas do paciente, mantendo o
equilíbrio acidobásico, promovendo a eliminação adequada de CO2 e a oferta eficiente de O2, im-
pedindo, assim, a acidose respiratória e corrigindo a hipoxemia arterial.
2. Impedir a deterioração mecânica dos pulmões através da redução do trabalho respiratório, da ma-
nutenção dos volumes pulmonares e das características elásticas.
Secundariamente, a ventilação artificial deve fornecer gases umidificados, aquecidos e não poluídos
às vias aéreas.
Para que a ventilação mecânica possa cumprir seus objetivos, é necessária a atenção plena na integra-
ção com o sistema cardiocirculatório. De nada adianta uma troca alveolar eficiente se não houver capaci-
dade adequada de transporte de O2 pelo sangue e um sistema hemodinâmico intacto para que organismo
seja capaz de realizar o processo de respiração celular.
1158 | Bases do Ensino da Anestesiologia
O Uso do Suporte Ventilatório em Anestesia
Milhares de pacientes são submetidos à intervenção cirúrgica anualmente, necessitando de ventilação
mecânica2. Os efeitos adversos ocasionados pela administração de fármacos durante a indução anestésica
e sua manutenção, comumente, levam à perda da patência das vias aéreas e impactam significativamente
sobre a fisiologia pulmonar e a função respiratória.
Durante a anestesia, existem aumento do espaço morto fisiológico e do shunt pulmonar, depressão da
ventilação alveolar ou mesmo apneia por uso de relaxantes musculares. Isso torna necessário o controle
parcial ou total da ventilação. A administração do volume minuto respiratório por forças externas pode
ser realizada por qualquer dispositivo capaz de substituir, total ou parcialmente, àquela necessária para
gerar o volume alveolar adequado para manter a troca gasosa. Portanto, nem sempre são necessários
equipamentos sofisticados para realizá-la. Quando se comprime um ressuscitador do tipo bolsa-máscara
durante as manobras de ressuscitação ou uma bolsa reservatório durante a indução anestésica está se
realizando um suporte ventilatório.
A ventilação mecânica invasiva implica intubação orotraqueal (ou a utilização de dispositivos supragló-
ticos) e a utilização de ventiladores mecânicos que trabalham com pressão positiva nas vias aéreas.
Nos pacientes que se apresentam para procedimentos cirúrgicos eletivos, a escolha pela VM é baseada
em critérios diversos relacionados com o tipo de cirurgia, a duração do procedimento, a gravidade da doen-
ça de base, a necessidade de controle ventilatório e a utilização bloqueio neuromuscular, entre outros.
Os sinais e sintomas que levam à conclusão de se iniciar a VM são diversos. Os pacientes podem se apre-
sentar com um quadro de apneia ou com sinais de trabalho respiratório aumentado, com ou sem evidên-
cias laboratoriais de disfunção nas trocas gasosas3. Pacientes que se apresentam em apneia, obviamente,
devem ser colocados imediatamente em VM. Pacientes com danos neurológicos graves e pacientes em
parada cardiorrespiratória são exemplos clássicos desse tipo de situação.
Doenças como asma, DPOC, pneumonias, edema pulmonar cardiogênico e síndrome de desconforto
respiratório agudo (SDRA) são algumas das condições capazes de produzir um aumento súbito e significa-
tivo no trabalho respiratório, elevando o gasto energético necessário para o funcionamento dos músculos
responsáveis pela respiração (Tabela 52.1). O aumento do esforço respiratório nesses pacientes é acom-
panhado do desvio de uma porção significativa do débito cardíaco (DC) para a musculatura respiratória,
devido ao aumento das necessidades de oxigênio (O2). Em pessoas saudáveis, a fração de oxigênio utiliza-
da pela musculatura respiratória é de apenas 1-3% do consumo total de O2 pelo organismo3. Nos pacientes
com insuficiência respiratória aguda (IResA), essa fração pode chegar a 20%, comprometendo a oxigena-
ção de outras partes do organismo.
Tabela 52.1 - Causas comuns de insuficiência respiratória

Pneumonia

Edema pulmonar cardiogênico

Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)

Pneumonia por aspiração de conteúdo gástrico

Politraumatismo

Infiltrados pulmonares em pacientes imunocomprometidos

Tromboembolismo pulmonar (TEP)

A insuficiência respiratória aguda (IResA) é comumente considerada uma indicação para se instituir a
VM. Porém, sua definição não é objetiva3,4. Na maioria das vezes, o diagnóstico de IResA torna-se óbvio em
virtude da intensidade dos sinais e sintomas. Em outras, porém, é necessário um alto índice de suspeição,
reavaliações frequentes da evolução clínica do paciente e a interpretação de exames laboratoriais e de
imagem. A Tabela 52.2 mostra alguns dos sinais e sintomas frequentemente observados em pacientes que
apresentam dificuldades respiratórias.

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1159


Tabela 52.2 – Manifestações clínicas de insuficiência respiratória aguda (IResA)

Sistema Nervoso Central Agitação, cefaleia, tremores, convulsões

Amplitude, frequência respiratória, ritmo, padrão, expiração prolongada, respira-


Respiração
ção paradoxal

Ausculta Roncos, sibilos, estertores, ausência de murmúrios vesiculares

Aparência Sudorese, cianose, puxão traqueal, uso da musculatura acessória

Hemodinâmica Taquicardia, bradicardia, arritmia, hipertensão, hipotensão

A gasometria arterial é considerada o exame definidor e diagnóstico da IResA4. A pressão parcial de


oxigênio (PaO2) com valor inferior a 55-60 mmHg e a saturação de oxigênio < 90% ou a pressão parcial de
dióxido de carbono > 45-50 mmHg, associada com um valor de pH inferior a 7,30-7,35, denotam disfunção
respiratória grave e iminência de IResA.
A otimização de ventilação mecânica intraoperatória busca reduzir a incidência de complicações pul-
monares pós-operatórias (CPP), que são uma das principais determinantes da morbidade pós-operatória,
mortalidade, tempo de internação hospitalar e dos custos associados à saúde, buscando melhorar os re-
sultados do paciente5.
Evidências clínicas têm demonstrado que a ventilação mecânica pode ser responsável pelo agrava-
mento ou até mesmo pelo início de um processo de lesão pulmonar. As lesões pulmonares podem ser
deflagradas pela VM até mesmo em pacientes sem lesão pulmonar submetidos a procedimentos cirúr-
gicos eletivos6.
Uma das consequências desses novos conhecimentos da ventilação mecânica tem motivado mudanças
significativas na tecnologia dos ventiladores utilizados em sala de operação. Várias estratégias usadas nas
UTIs foram adaptadas ou desenvolvidas para satisfazer as exigências específicas do cenário cirúrgico1.
Técnicas de Ventilação Mecânica
As técnicas de suporte ventilatório em anestesia têm sofrido consideráveis mudanças. Contudo, gran-
de parte dos anestesistas ainda utilizam modos controlados de ventilação, com a finalidade de garantir a
entrega do volume corrente (VC) programado.
O avanço tecnológico observado nos ventiladores utilizados em anestesia, aproximando-os cada vez
mais daqueles usados em UTI, possibilitou a utilização de maior diversidade de modos ventilatórios,
como: ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV); ventilação controlada a pressão (PCV)
e ventilação com pressão de suporte (PSV). Os monitores incorporados às estações de anestesias são
munidos com recursos gráficos (por exemplo, curvas pressão-volume). Esses recursos oferecem maior
flexibilidade, particularmente no manejo de pacientes desafiadores, como aqueles com obesidade mór-
bida e doença pulmonar (asma e doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC), bem como em situações
difíceis com hipoxemia grave e hipercarbia durante procedimentos cirúrgicos complexos, como trans-
plante de pulmão.
Considerando-se a equação do movimento para o sistema respiratório, a força responsável pelo movi-
mento de ar nas vias aéreas pode ser decomposta em dois novos elementos: a pressão gerada pelo venti-
lador mecânico (Pvent) e a gerada pelos músculos da ventilação (Pmúsc)7.
Tem-se então:

(Pvent + Pmúsc)(t) = E . Volume (t) + R . Fluxo(t) + I . Aceleração(t)

Em ventilação mecânica, as pressões provenientes do ventilador e do paciente serão somadas, vencen-


do a elastância e a resistência ao fluxo aéreo, fazendo com que os pulmões sejam insuflados.
Se a musculatura do paciente não estiver funcionando, a Pmúsc será igual a zero e o ventilador deverá
realizar todo o trabalho respiratório, constituindo a ventilação controlada. Durante a ventilação espon-
tânea, o ventilador não será utilizado e a Pvent será igual a zero. Entre esses dois extremos existe uma

1160 | Bases do Ensino da Anestesiologia


diversidade de combinações possíveis entre Pmúsc (esforço do paciente) e Pvent, constituindo o que é
conhecido como ventilação de suporte parcial (ou ventilação assistido-controlada) ou modos assistidos.
Em casos de assincronia do paciente com o ventilador, a Pmúsc deve ser subtraída; como resultado, o
volume e o fluxo liberados pelo ventilador estarão reduzidos.
Volume, pressão e fluxo são elementos que se alteram em função do tempo, portanto, são conside-
rados variáveis.
Elastância e resistência permanecem constantes e são consideradas parâmetros.
Do mesmo modo que ocorre durante a ventilação espontânea, durante a ventilação mecânica, o pro-
cesso de expiração é passivo e dá-se à custa da energia acumulada (por distensão dos elementos elásticos
do sistema respiratório) durante a inspiração.
Segundo a equação do movimento, a matemática de qualquer uma das três variáveis (pressão, fluxo ou
volume) pode ser pré-definida, tornando-as independentes e fazendo com que as outras duas se tornem
dependentes7. Definem-se, assim, os modos ventilatórios como controlados por pressão, fluxo ou volume.
Portanto, durante a ventilação pressão-controlada, a pressão será a variável independente, e o volume e
o fluxo serão variáveis dependentes da pressão e dos parâmetros elastância e resistência. Por outro lado,
ao se escolher o modo volume-controlado, pressão e fluxo tornam-se as variáveis dependentes. Do mesmo
modo ocorre quando o fluxo é escolhido como variável independente. Seguindo essa lógica, os ventilado-
res conseguem controlar somente uma variável por vez. Portanto, essas variáveis são conhecidas como
variáveis de controle.
Mapleson propôs que o ciclo ventilatório durante a VM fosse divido em quatro etapas para melhor en-
tendimento e controle do processo:
1. A passagem da expiração para inspiração.
2. A inspiração.
3. A passagem da inspiração para expiração.
4. A expiração.
Assim, pode-se estudar como um ventilador inicia, sustenta e termina a inspiração e também o que
acontece entre as inspirações. As variáveis utilizadas para iniciar, manter ou terminar a inspiração são
conhecidas como variáveis de fase. Os ventiladores atuais são capazes de medir uma ou mais dessas va-
riáveis relacionadas com a equação do movimento (pressão, volume, fluxo e tempo). O ciclo respiratório
é composto por duas fases: inspiratória e expiratória. Estas são ligadas por outras duas fases de transição.
A transição da fase inspiratória para expiratória é denominada ciclagem expiratória, enquanto a transição
da fase expiratória para inspiratória é denominada ciclagem inspiratória.
A inspiração é iniciada quando a variável escolhida atinge um valor predeterminado – variáveis de iní-
cio (disparo, gatilho ou trigger). Tempo é uma variável de início quando o ventilador entrega a inspiração
de acordo com a frequência respiratória ajustada (independentemente do esforço do paciente). Pressão
será uma variável de início quando o ventilador detectar uma queda na pressão basal ocasionada pelo
esforço do paciente (independentemente da frequência respiratória fixada). No caso de fluxo e volume,
o ventilador detecta o esforço do paciente na forma de fluxo (ou volume) entrando nas vias aéreas. Isto
é, o esforço do paciente foi suficientemente grande para movimentar uma quantidade predeterminada
(gerando fluxo ou volume) de ar para dentro das vias aéreas. Essa “quantidade” de esforço que deve ser
realizada pelo paciente, com o intuito de iniciar a inspiração, é determinada pelo seletor de sensibilidade
dos ventiladores (é o controle denominado trigger, disparo ou sensibilidade). O tempo decorrido entre a
detecção do esforço ocasionado pelo paciente e o início do fluxo de ar iniciado pelo ventilador é conheci-
do como tempo de resposta e é uma característica de cada ventilador. Quanto menor o tempo de resposta
do ventilador, melhor a sincronia com o paciente.
Existem apenas três possíveis sequências de ventilação para gerar um modo9:
• Ventilações mandatórias sem possibilidade de respiração espontânea entre eles, denominada
ventilação mandatória contínua (CMV) – modos ventilatórios convencionais (VCV e PCV). Quando
combinada com pressão positiva no final da expiração (PEEP) passam a gerar Ventilação com Pres-
são Positiva Contínua (CPPV).

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1161


• Todas as ventilações espontâneas – denominadas coletivamente ventilação espontânea contínua
que podem ser assistidas pelo ventilador. Quando o ventilador assiste e busca atingir pressões inspi-
ratórias predeterminadas pelo operador é chamado de ventilação com pressão de suporte (PSV). No
modo PSV, o paciente respira espontaneamente e dispara o ventilador, este libera o fluxo adicional,
que vai gerar o nível de pressão de suporte desejada.
• Todas as ventilações espontâneas, sem assistência do ventilador, que mantêm uma pressão positiva
durante todo o ciclo respiratório, são denominadas Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas (CPAP).
• Respirações mandatórias com a possibilidade de respirações espontâneas entre elas, chama-
das de modos assistidos ou assisto-controlados, como a Ventilação Mandatória Intermitente Sin-
cronizada (SIMV). Os modos controlados convencionais (VCV e PCV), com sensibilidade ativada, são
modos assisto-controlado1,5,10.
Consideram-se dois os modos controlados básicos de ventilação mecânica: Ventilação Controlada a
Volume (VCV), em que o volume de insuflação permanece constante, e Ventilação Controlada a Pressão
(PCV), em que a pressão de insuflação permanece constante.
Ventilação Controlada a Volume (VCV)
Nesse modo, o volume de insuflação (volume corrente –VC) é selecionado e o fluxo inspiratório é
entregue ao paciente de maneira constante até que o volume desejado seja atingido11. Alterações na
mecânica respiratória (complacência e resistência) e esforços produzidos pelo paciente geram altera-
ções na pressão da via aérea12. No modo VCV, o volume inspirado a cada instante é determinado ex-
clusivamente pelo fluxo11. O ciclo será finalizado quando o volume inspirado atingir o valor de volume
controlado programado (Figura 52.1). Se existir a programação de uma pausa inspiratória (Figura 52.2),
o fluxo cessa antes do término do tempo inspiratório programado. Após o término da fase inspiratória
(Tinsp + pausa inspiratória), ocorre a ciclagem para a fase expiratória que, na maioria dos ventilado-
res microprocessados, se processa por volume/tempo. Ao final da inspiração, o fluxo aéreo é zero e a
pressão de pico na abertura das vias aéreas (Pressão de Pico Inspiratória = PPI) é maior que a pressão
de pico alveolar (Palv).

Figura 52.18 – Perfil pressórico de ventilação em VCV com pausa inspiratória final. Neste esquema, a pressão
na linha de base é maior que zero (PEEP). No início da insuflação a pressão na via aérea eleva-se rapidamente
devido a resistência imposta (A). Ao final do fluxo inspiratório, a pressão reduz na mesma proporção (A) até
atingir um ponto de inflexão. A redução de pressão após o ponto de inflexão, deve-se a redistribuição do gás
e a deformação tecidual.

O ajuste da FR repercute sobre o controle do fluxo inspiratório. Para um mesmo VC na mesma relação I:
E, quando se aumenta a FR, o ventilador automaticamente busca aumentar o fluxo inspiratório na tentati-
va de garantir o volume pré-fixado (volume controlado). A redução do Tinsp e a consequente elevação do
fluxo inspiratório provoca, por vezes, maiores pressões sobre as vias aéreas, principalmente em situações
de baixa complacência, gerando uma distribuição inadequada do fluxo para os alvéolos com constante de

1162 | Bases do Ensino da Anestesiologia


tempo elevada. A PPI resultante será decorrente das interferências das propriedades mecânicas, como as
alterações sobre a resistência e a complacência.
Os parâmetros ajustáveis são: volume corrente (VC); padrão de fluxo (quando o ventilador tem esse
recurso); frequência respiratória (FR). Em alguns ventiladores, o tempo inspiratório, o volume minuto e
a relação I:E também são passíveis de ajuste, determinando de forma indireta a FR. A diferença entre as
duas representa a resistência das vias aéreas ao fluxo de ar. A pressão alveolar é um reflexo do volume
alveolar ao final da insuflação pulmonar.
Como o VC constante é assegurado com a utilização desse modo ventilatório, a ventilação alveolar tam-
bém estará assegurada. As alterações de pressão de pico inspiratória (PPI) e da pressão de platô (Pplatô)
podem ser fácil e rapidamente identificadas, indicando mudanças significativas na mecânica respiratória.
Diferentemente da PCV, o VC não excede os limites seguros quando esforços respiratórios são produzidos
pelo paciente.
Nesse modo, é recomendado estabelecer um limite de pressão inspiratória (pressão inspiratória máxi-
ma = Pmáx) para evitar que, na presença de alterações importantes de complacência e/ou resistência, o
VC pré-estabelecido gere pressões que promovam barotrauma.
Como o fluxo inspiratório é constante (não influenciado pela mecânica respiratória), esse modo ven-
tilatório, quando usado como assisto-controlado, é mais propenso a assincronias entre o ventilador e o
paciente. Isso também permite um enchimento alveolar mais desigual.

Figura 52.211 – Perfis de ondas de pressão, volume e fluxo para ventilação em VCV. Esquerda: fluxo desace-
lerado. Direita: fluxo constante.

Ventilação Controlada a Pressão (PCV)


Nesse modo, a pressão máxima nas vias aéreas, ou seja, a pressão de pico inspiratória nas vias aéreas
(PPI), é selecionada e aplicada durante a fase inspiratória11. A pressão inspiratória deve ser individualiza-
da para cada paciente para garantir a ventilação adequada. Outros parâmetros a serem ajustados são o
Tinsp ou a relação I:E e a FR. As pressões de pico inspiratórias e a pressão alveolar (Palv) são mantidas
constantes com a utilização do modo PCV. O volume corrente sofre interferência da resistência e da com-
placência da parede torácica e dos pulmões, bem como a inspiração. Durante a PCV, o pico de pressão
é alcançado rapidamente e mantido durante toda a duração da inspiração, o que permite a entrega de
volumes correntes que são semelhantes aos obtidos com VCV, porém, com menor nível PIP (assumindo-se
que as complacências sejam semelhantes)8.
Na inspiração, o fluxo aéreo é desacelerado (mais elevado no início da inspiração), proporcionando que
a pressão desejada seja atingida rapidamente11 (Figura 52.3). O tempo de inspiração deve ser ajustado

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1163


para que o fluxo inspiratório caia a zero ao final da inspiração, fazendo com que a pressão final nas vias
aéreas seja equivalente à pressão de pico alveolar. O ventilador controla a válvula de fluxo, ajustando
constantemente o fluxo para que a PPI seja mantida durante todo o ciclo respiratório. A cada instante, o
fluxo será resultante do nível de pressão controlada programada e da mecânica respiratória do paciente.
O fluxo é proporcional ao gradiente da pressão gerado entre a via aérea e o interior dos pulmões e inver-
samente proporcional à resistência das vias aéreas.

Figura 52.311 – Perfis de fluxo, pressão e volume para ventilação em PCV.

As vias aéreas que estão abertas e têm menores resistências receberão quantidades maiores de fluxo
aéreo e alcançarão o equilíbrio com a pressão pré-fixada mais rapidamente do que as vias aéreas com re-
sistências maiores1. Quando as vias aéreas abertas estiverem cheias e as pressões pulmonares alcançarem
o equilíbrio com a pressão pré-fixada, o fluxo desacelerará, enquanto as vias aéreas com resistência mais
elevada continuarão a receber fluxo. A desaceleração do fluxo de gás durante a PCV melhora a distribui-
ção desse fluxo para os pulmões.
O fluxo dentro dos pulmões continua, até que ocorra equilíbrio da PPI com todas as unidades pulmona-
res (a onda de fluxo desacelerado chega a zero) ou até que o tempo inspiratório ajustado termine a fase
inspiratória antes que a pressão tenha se equilibrado com todas as unidades alveolares (a onda de fluxo
desacelerado não alcança o valor zero). Quando o fluxo inspiratório chega a zero, significa que a pressão
dentro do pulmão é igual à pressão fixada no ventilador.
É essencial que o tempo inspiratório seja suficiente para que ocorra o equilíbrio da PPI com todas as
vias aéreas (saudáveis e comprometidas). O VC resultante será variável e sofrerá influência da pressão
selecionada, do Tinsp e das variações da complacência e resistência.
Quando a expiração começa, o gás sai rapidamente dos pulmões, devido ao elevado gradiente de pres-
são existente entre os pulmões e a pressão atmosférica. Como o gás continua a sair, o gradiente pressó-
rico torna-se menor e o fluxo desacelera. A exalação continuará até que a pressão nos pulmões alcance
a pressão atmosférica mais o nível de PEEP pré-ajustado ou o tempo inspiratório pré-ajustado mande que
a próxima inspiração se inicie antes que a expiração se complete. É essencial certificar-se de que o flu-
xo expiratório alcança o valor zero para que não haja aprisionamento de ar nas vias aéreas de pequeno
calibre, o que traria como consequência a geração de PEEP intrínseca (ou auto-PEEP), com repercussões
hemodinâmicas indesejáveis.

1164 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Resumindo: à medida que o volume intrapulmonar aumenta, o gradiente de pressão diminui e o
fluxo sofre uma desaceleração para permitir o controle da pressão (pressão controlada). Quando essa
pressão é atingida, o fluxo diminui gradativamente (fluxo desacelerado), o suficiente para manter a
pressão durante toda a fase inspiratória. A PCV permite distribuição mais homogénea a todas as áreas
do pulmão.
O modo PCV tem a vantagem de permitir que a pressão de distensão pulmonar e o tempo inspira-
tório sejam titulados, possibilitando a determinação e a manutenção da PPI1. Para impedir a super-
distensão alveolar, reduzindo o gradiente de pressão transpulmonar, a pressão inspiratória deve ser
fixada para manter a PPI em valores inferiores a 35 cmH2O (PEEP + pressão inspiratória < 35 cmH2O)
quando possível, e sempre menor do que 40 cmH2O. Uma pressão de 15 cmH2O é um ponto de partida
conveniente para dar início à regulagem do PCV ou, para outros autores, ajustar a PPI, de forma a
garantir um volume corrente mínimo desejável. Na presença de lesão pulmonar aguda, as diferentes
constantes de tempo das unidades alveolares geram a necessidade de elevados tempos inspiratórios
e, em algumas situações, é necessário inverter a relação I:E. A inversão da relação I:E leva a um au-
mento da Pmédia, responsável direta pelo aumento da ventilação alveolar e da oxigenação. Para ava-
liar a adequação do tempo expiratório, deve ser observada a curva fluxo x tempo. Essa onda mostra
se o paciente teve tempo suficiente para expirar ao nível de PEEP pré-ajustada, antes que o ventila-
dor inicie o novo ciclo respiratório.
Durante a PCV, como o fluxo aéreo varia de acordo com a demanda do paciente, a chance de assin-
cronia é reduzida. Contudo, a variação do VC, devido às mudanças na mecânica respiratória, aumenta as
chances de alterações no equilíbrio de trocas gasosas, dificultando sua rápida detecção e correção. Se for
desejado utilizar os modos VCV e PCV em assisto-controlado, deve ser ajustado o controle de sensibilidade
ou trigger.
O uso de PCV requer maior vigilância porque a complacência pulmonar intraoperatória e a resistência
podem ser altamente variáveis, por exemplo: por alterações no grau de bloqueio neuromuscular; compres-
são abdominal; uso de afastadores; cirurgiões com a mão no tórax do paciente, entre outras5. A redução
da complacência e o aumento na resistência ao fluxo sempre reduzem o VC, tornando difícil discriminar a
causa que leva à redução do volume corrente e contribui para o desenvolvimento de hipercarbia e atelec-
tasia. Por essa razão, o clínico deve definir um intervalo de alarme para um VC aceitável para o paciente
e acompanhar de perto as mudanças, ajustando a pressão inspiratória para atingir volumes aceitáveis. A
PCV pode ser benéfica quando as vias aéreas supraglóticas ou os tubos sem balonete são utilizados, pela
sua capacidade de reduzir a fuga de gás e a insuflação gástrica.
Os novos modos ventilatórios em que se utiliza a PCV com volume garantindo podem ser uteis no tra-
tamento dessas limitações, no futuro.

Diferenças entre VCV e PCV


A principal diferença entre os modos VCV e PCV reside no formato de onda de fluxo inspiratório5
(Figura 52.4). Os trabalhos publicados avaliaram essas diferentes ondas de fluxo na mecânica ven-
tilatória, hemodinâmica e na troca gasosa, em pacientes em ventilação mecânica, analisando variá-
veis como PPI, Pmédia, PPLAT, PaO2, PaCO2 e a distribuição de gases em populações específicas, como:
pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica laparoscópica; mulheres submetidas à cirurgia
laparoscópica ginecológica; cirurgias laparoscópicas em crianças e em e adultos obesos e não obe-
sos submetidos à colecistectomia laparoscópica. Com relação à eliminação de CO2 e redução do es-
paço morto fisiológico (relação V D/V T), o modo PCV teria, teoricamente, maiores chances de promo-
ver menores níveis de PaCO2 e menor V D/V T por sua propensão em promover melhor distribuição dos
gases intra-alveolares.
Os resultados são contraditórios. Até o momento, nenhuma evidência forte existe favorecendo PCV
ou VCV.

Outras diferenças podem ser observadas no ajuste dos ventiladores com relação aos parâmetros que
podem ser selecionados e aqueles que são variáveis para os modos PCV e VCV (Tabela 52.3).

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1165


Figura 52.45 - Ondas de pressão, volume e fluxo para VCV e PCV.

Tabela 52.3 – Comparação dos ajustes para PCV (ventilação controlada a pressão) e VCV (ventilação contro-
lada a volume)

PCV VCV
VC Variável Constante

PIP Constante Variável

Pplatô Constante Variável

Padrão de Fluxo Variável Ajustável

Pico de Fluxo Variável Ajustável

Tempo Inspiratório Ajustável Ajustável

Frequência Mínima Ajustável Ajustável

Resumindo: até o momento, não existem evidências suficientes capazes de definir qual o melhor modo
ventilatório. A escolha entre VCV e PCV é baseada, principalmente, na preferência ou familiaridade do
médico ou pode refletir um viés institucional5. As duas podem ser utilizadas de maneira segura e eficaz,
contanto que a monitoração seja feita cuidadosamente e os parâmetros, reajustados prontamente, como
a magnitude do volume corrente, da pressão de pico inspiratória (PPI) e da Pplatô (no VCV).
Ventilação com duplo controle
Algumas estações de anestesias mais atuais combinam os dois modos ventilatórios mais utilizados (PCV
e VCV) em um só, com o intuito de aproveitar suas vantagens potenciais. São os chamados modos de VM
dual controled5. Esses modos de ventilação são referidos com diferentes nomes de propriedade, depen-
dendo do fornecedor: modo de volume com fluxo automático (Drager(R)); ventilação controlada a pressão
com volume garantido (PCV-VG, General Electric(R)); e pressão regulada com controle de volume (PRVC,
Maquet(R)). Esses modos de ventilação são estruturalmente muito semelhantes, destinados a entregar o VC
desejado com a menor pressão inspiratória possível. Para atingir esse objetivo, o ventilador utiliza um pa-
drão de fluxo inspiratório desacelerado, semelhante ao da PCV, calculando a CRS em cada ciclo de respi-
ração e readaptando a pressão inspiratória para obter o VC definido pelo anestesista. Todos os algoritmos
entregam uma primeira ventilação controlada a volume com fluxo inspiratório constante, calculando uma
estimativa inicial da CRS e da pressão necessária para atingir a meta de volume. Novamente, evidências
são insuficientes para garantir qualquer tipo de vantagem desse modo sobre outros.

1166 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Mais estudos são necessários para avaliar, também, o impacto da monitorização da mecânica pulmonar,
das melhorias implementadas nos ventiladores e dos modos ventilatórios avançados sobre os desfechos
clínicos de interesse1.
Modos Assisto-controlados
Uma das razões frequentes para instituir mecânica é diminuir o trabalho respiratório de um paciente.
Para atingir esse objetivo, o bloqueio neuromuscular é utilizado para eliminar o esforço respiratório de um
paciente, exigindo o uso de ventilação controlada5,13. Contudo, a utilização de bloqueio neuromuscular não
é isenta de riscos. Considerando esse fator, algumas técnicas de ventilação assistida têm sido empregadas
no período perioperatório.
O termo “desmame da VM” pode ser utilizado para se definir o processo transitório pelo qual o pa-
ciente anestesiado passa do suporte ventilatório mecânico à ventilação espontânea. Seu significado prá-
tico em anestesia difere daquele utilizado em medicina intensiva. A maioria dos pacientes submetidos à
ventilação mecânica em anestesia assume rapidamente um padrão respiratório condizente com valores
fisiológicos aceitáveis e o processo de “desmame” se dá de forma abrupta. Outras vezes, ao final do pro-
cedimento cirúrgico, o estado de depressão respiratória é predominante ou o bloqueio neuromuscular
está parcialmente revertido. Nesses casos, a instituição de um modo ventilatório que assista os ciclos
ventilatórios espontâneos pode ocorrer.
A escolha do momento para se efetuar o desmame leva em conta vários parâmetros. A suspensão pré-
via da administração de drogas que causam depressão respiratória (sedativos, hipnóticos, narcóticos) é
condição necessária para que se comece o desmame. A reversão (espontânea ou artificial) do efeito de
BNM é imprescindível. O bloqueio neuromuscular residual pode prolongar o desmame, especialmente nos
casos onde há contraindicações à sua reversão farmacológica. A presença de efeito residual de opioides,
muitas vezes desejável para o controle da dor pós-operatória, prolonga a fase de despertar. Além disso,
para que se recupere a consciência, ao final da anestesia, a eliminação de anestésicos voláteis depende
enormemente da ventilação alveolar e, portanto, torna-se cada vez mais evidente que a técnica clássica
de estimular o retorno da ventilação espontânea; fazer apneia; reter CO2 e auxiliar a ventilação fazendo
alguns ciclos de ventilação controlada manual na presença de hipoxemia nem sempre estará adequa-
da para todas as situações clínicas. Este é o maior estímulo para praticar os modos assisto-controlados
presentes na maioria dos ventiladores microprocessados presentes nos atuais aparelhos de anestesia. Os
modos convencionais de ventilação assistidas são: SIMV, PSV e a combinação de ambas. Estas são as três
formas mais utilizadas de se fazer o desmame ao despertar da anestesia. Outros modos ventilatórios, não
convencionais, têm surgido nos ventiladores utilizados em anestesia, sendo indicados principalmente para
pacientes com comorbidades ou distúrbios pulmonares.
A Tabela 52.4 aponta as possíveis vantagens e indicações dos modos assisto-controlados.
Tabela 52.4 – Modos assisto-controlados: indicações e vantagens

Indicações no perioperatório Vantagens


Pacientes no transoperatório fáceis de ventilar que po-
dem permanecer em ventilação espontânea, sem uso Melhora a troca gasosa
de BNM
Manutenção do VE em paciente sob sedação Reduz o trabalho respiratório em adultos e crianças
Final da anestesia/desmame – transição da ventilação
Redução da necessidade de intubação e BNM
mecânica para a espontânea
No PO imediato – SRPA –, evitar ou tratar insuficiência
respiratória aguda, melhorar oxigenação, reduzir tra- Redução de atelectasias
balho respiratório
Como modo ventilatório primário em cirurgias periféri- Redução das flutuações de PAM e do fluxo sanguíneo
cas sem uso de BNM cerebral
Redução de dias de intubação e VM

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1167


Ventilação Intermitente Mandatória Sincronizada (SIMV)
O modo SIMV é considerado um método de ventilação assisto-controlada, em que o paciente interage
com o ventilador (Figura 52.5). Foi projetado para permitir ventilações espontâneas entre as ventilações
geradas pelo ventilador. Nesse modo ventilatório, as ventilações geradas pelo ventilador são automati-
camente entregues em sincronia com aquelas geradas pelo paciente. A SIMV é uma tendência atual na
maioria dos ventiladores utilizados em anestesia.

Figura 52.54 – SIMV-VCV com pressão de suporte

A manutenção da ventilação assistida utilizando o modo SIMV proporciona garantia de backup ventila-
tório ao paciente que já apresenta esforço inspiratório, mas que não seria capaz de manter um volume
corrente adequado por depressão respiratória, devido a bloqueio neuromuscular residual ou anestesia
residual. Proporciona conforto respiratório maior, uma vez que permite ciclos espontâneos, mas au-
menta o trabalho respiratório devido à resistência dá válvula de demanda, cuja sensibilidade é grande,
mas, ainda assim, não responde prontamente e impõe certa resistência. Esse modo pode ser utilizado
na transição para a ventilação espontânea, o que pode ser feito simplesmente reduzindo a frequência
respiratória do ventilador.
O modo SIMV pode ser controlado a volume ou a pressão (VCV ou PCV). A frequência respiratória é
ajustada de acordo com as necessidades do paciente (frequência respiratória espontânea + mandatória), a
fim de manter-se o volume minuto basal. A Pressão de Suporte (PS), ou Ventilação com Pressão de Suporte
(PSV), pode ser combinada com os ciclos espontâneos da SIMV. Dessa forma, a combinações possíveis são:
SIMV-VCV sem PSV; SIMV-VCV com PSV; SIMV-PCV sem PSV; SIMV-PCV com PSV.
O disparo dos ciclos controlados do ventilador pode ser dar por fluxo ou pressão, geralmente ajustan-
do-se o controle de sensibilidade (Figura 52.6).

Figura 52.6 – O disparo do ciclo controlado se da por fluxo ajustando o controle denominado trigger entre
0,3-15 L.min -1.

1168 | Bases do Ensino da Anestesiologia


A diminuição do número de ventilações mandatórias (FR do ventilador) produz decréscimo no VC médio e
inevitável diminuição da ventilação alveolar. A combinação com PSV pode minimizar o trabalho respiratório,
garantindo o volume minuto mínimo (Vmín) até que o paciente esteja apto a receber apenas PSV. Com ou sem
PSV, a SIMV pode reduzir a necessidade neuromuscular de bloqueadores e níveis profundos de anestesia14.
O modo SIMV utilizado isoladamente aumenta o trabalho respiratório, pois, durante as ventilações espon-
tâneas, o paciente deve realizar esforços para vencer a resistência imposta pelo circuito (principalmente
quando a frequência respiratória é elevada). Também ocorre redução do débito cardíaco, principalmente
naqueles pacientes com disfunção ventricular esquerda, e também efeito da ventilação espontânea.
Ventilação com Pressão de Suporte (PSV)
Embora muito utilizado em UTIs há mais de 30 anos, o modo PSV é considerado novo durante a ventila-
ção intraoperatória. A PSV está disponível em muitos aparelhos de anestesia disponíveis comercialmente.
A PSV aumenta a efetividade dos ciclos espontâneos do paciente, isto é, promove incrementos variá-
veis no volume corrente, e reduz o trabalho respiratório. A PSV melhora a troca gasosa e reduz a atelec-
tasia perioperatória em pacientes com respiração espontânea, em uso de dispositivos supraglóticos (por
exemplo, máscara laríngea) ou tubos traqueais
A ventilação espontânea desencadeada pelo paciente recebe um nível de pressão de suporte (PS) de-
finida pelo operador. A PS é a única variável essencial que deve ser ajustada para que a PSV ocorra. As
demais (frequência respiratória, tempo inspiratório, fluxo inspiratório e VC) são controladas pelo pacien-
te. Adicionalmente, PEEP e fração inspirada de oxigênio (FiO2) desejada podem ser determinadas. O VC
é variável e dependente do nível de pressão de suporte, resistência e complacência das vias aéreas e do
esforço realizado pelo paciente.
O fluxo aéreo é desacelerado durante a PSV, com taxas iniciais elevadas para se obter a pressão de-
sejada precocemente (como no modo PCV). A diferença entre PSV e PCV é que, durante a primeira, o
ventilador permite que o paciente determine o final da inspiração, enquanto, durante a segunda, o final
da inspiração é determinado pelo ventilador. Sendo assim, o paciente é capaz de controlar o tempo inspi-
ratório e o volume corrente quando em PSV.
O critério de determinação do final da inspiração (ciclada a fluxo) deve ser ajustado para evitar o duplo
disparo da ventilação no mesmo ciclo ou ativar a musculatura expiratória para terminar o ciclo. Geral-
mente, dá-se a ciclagem quando o fluxo inspiratório cai a 25% do Pico de Fluxo Inspiratório. Equipamentos
mais modernos permitem o ajuste dessa porcentagem. Isso permite ao paciente determinar a duração da
insuflação pulmonar e do volume corrente. Podem-se utilizar os gráficos de pressão presentes nos venti-
ladores para auxiliar o ajuste desses parâmetros.
O fim do fluxo inspiratório (critério de ajuste para o final da inspiração) e o nível de pressão de supor-
te (PS) selecionado são grandezas interrelacionadas. Maior pico de fluxo inspiratório se traduz em maior
tempo inspiratório. Maior nível de PS ou tempo mais curto até o pico de fluxo inspiratório ocasionará maior
pico de fluxo. Portanto, ajustando-se um desses valores (nível de PS, tempo até o pico de fluxo e término
do fluxo inspiratório), deve-se também ajustar os outros dois.
Em pacientes com patologias obstrutivas é interessante aumentar a percentagem de critério de ci-
clagem para > 25%, permitindo reduzir o tempo inspiratório, da mesma forma que, em pacientes com
patologias restritivas, devemos diminuir a percentagem de critério de ciclagem para < 25%, aumentado o
tempo inspiratório9,15-17.
Os ventiladores mais modernos permitem o ajuste do tempo para atingir o pico do fluxo inspiratório,
denominado rise-time ou rampa. O mais apropriado é ajustar o tempo até o pico de fluxo inspiratório e
o final da inspiração, objetivando o conforto do paciente. O tempo até o pico de fluxo deve ser ajustado
conforme a demanda inspiratória do paciente. A detecção de overshoot acima do nível de pressão de
suporte selecionado indica que o tempo até o pico de fluxo está muito curto (fluxo aéreo muito rápido),
enquanto um trajeto côncavo no gráfico de pressão das vias aéreas geralmente indica um tempo muito
longo (fluxo aéreo muito lento)10.
No modo PSV, o nível de pressão de suporte desejado é selecionado. Esse valor, via de regra, deve
ser ajustado entre 30% a 50% da driving pressure, ou pressão motriz (Pplatô – PEEP), por exemplo: iniciar
com 20 cmH2O e reduzir gradativamente à medida que o VC ultrapasse o desejado, o que sinaliza que

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1169


menores níveis de PS podem ser usados. Habitualmente, quando os níveis de os, para garantir o VC de-
sejado, são menores que 10 cmH2O (valor considerado mínimo necessário para vencer a resistência im-
posta pelo circuito de ventilação), o paciente está apto a ficar sem suporte ventilatório, sua ventilação
espontânea é eficiente para garantir o Vmin. A faixa disponível para ajustar o nível de PS, nos ventila-
dores em geral, varia de 0- 50 cmH2O. Níveis elevados de pressão em modo VPS podem levar à alcalose
respiratória e à apneia do paciente. Os ventiladores são programados para detectar apneia e disparar
alarmes sonoros quando isso ocorre. Ventiladores mais modernos permitem a programação de um modo
ventilatório de resgate (backup de segurança ou apneia) e/ou de ajuste de frequência respiratória caso
isso ocorra (Figura 52.7). Pode-se, ainda, utilizar PSV ao final da cirurgia, enquanto o paciente está re-
cuperando-se da anestesia residual e do bloqueio neuromuscular, em pacientes profundamente sedados
após anestesia loco-regional e no caso de supressão do impulso ventilatório, como observado após o
aprofundamento da sedação ou em um bolus de opioides.
No entanto, a capacidade de PSV (e de PCV) para entregar um volume corrente adequado depende da
mecânica respiratória do paciente, portanto, a vigilância é altamente recomendada.
O modo PSV com volume garantido foi projetado para responder a essas preocupações, ajustando-se
o suporte de pressão para oferecer um volume corrente pré-definido. Apesar de promissor, a literatura é
controversa sobre a validação clínica da utilização de PSV intraoperatória1.

Figura 52.711 – Perfis das curvas de pressão, fluxo e volume durante PSV.

Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas (CPAP)


Alternativamente, utilizam-se níveis pressóricos distintos para a fase inspiratória (IPAP = pressão inspi-
ratória positiva na via aérea) e expiratória (EPAP = (pressão inspiratória positiva na via aérea), definido o
modo conhecido como BIPAP (Binível de Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas).
Esse modo ventilatório é consagrado em pacientes com DPOC e doenças neuromusculares. Estudos
randomizados demonstraram que a VNI e BIPAP diminuem o tempo de internação hospitalar; os níveis de
pneumonia associada ao ventilador; o trauma nas vias aéreas e a mortalidade, quando comparados com
os modos tradicionais de ventilação mecânica4.

Importante
O uso de CPAP/BIPAP não mais se restringe à ventilação não invasiva, pois é comum os pa-
cientes com traqueostomia no pós-operatório de cirurgias otorrinológicas ou de cabeça-pescoço
receberem esses modos combinados para assegurar a ventilação adequada e evitar insuficiência
respiratória aguda.
1170 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Tabela 52.5 – Benefícios do CPAP

Melhora da complacência pulmonar

Melhora da capacidade residual funcional

Diminuição de atelectasias e efeito shunt

Diminuição do trabalho respiratório

Diminuição da pré e pós-carga

Ventilação Mecânica Não Invasiva (VNI)


A ventilação mecânica não invasiva é uma técnica de suporte ventilatório bastante difundida em nosso
meio (Figura 52.8). Essa técnica de ventilação é chamada de não invasiva por causa da inexistência de
uma prótese traqueal, e só deve ser utilizada naqueles pacientes capazes de manter a permeabilidade da
via aérea superior, assim como a integridade dos mecanismos de deglutição e a capacidade de mobilizar
secreções. Teoricamente, qualquer ventilador mecânico pode ser utilizado para a ventilação não invasiva,
desde que seu funcionamento não seja prejudicado pela presença de vazamentos.

Figura 52.88 – Flutuação de pressão durante VNI com máscara e CPAP. (A) Diagrama de um sistema ideal (não-
-existente), onde a pressão permanece constante durante todo ciclo respiratório. (B) Na prática as pressões
flutuam durante o ciclo respiratório, caindo durante a inspiração e subindo durante a expiração. As áreas ver-
des representam o trabalho realizado pelo circuito de CPAP no paciente; as áreas vermelhas representam o
trabalho realizado pelo paciente no circuito de CPAP. Quanto maior forem as flutuações de pressão no circui-
to, maior será o trabalho adicional para ventilar imposto ao paciente.

A VNI pode ser realizada com equipamentos específicos, geradores de fluxo ou ventiladores de VNI
ou com os ventiladores de UTI e anestesia. Os ventiladores específicos para VNI têm como caracterís-
tica principal a presença de um circuito único, dotado de um orifício distal, por onde ocorrem tanto
a inspiração como a expiração e ainda permite que haja vazamento contínuo de ar pelo circuito para
eliminar o CO2 exalado4.
Geralmente, os ventiladores específicos para VNI oferecem pressões entre 5 e 25 cmH2O, possuem re-
cursos para combinar modos ventilatórios (por exemplo, PSV) e sistemas de segurança contra desconexões
e falta de energia elétrica.
Podem-se combinar modos ventilatórios diversos, dependendo do estado de consciência, tolerância e
necessidade do paciente. Os modos ventilatórios mais amplamente testados são: BiPAP + PSV + PSV; PSV
+ PEEP; CPAP + PSV; VCV; PCV e ventilação assistida proporcional (PAV). Os dois modos de ventilação mais
comumente utilizados em VNI são PS + PEEP e CPAP4.
A VNI é realizada por meio da utilização de interfaces faciais e nasais. A interface nasal é a mais con-
fortável, porém, ocorre mais resistência ao fluxo aéreo e permite vazamento pela boca. As máscaras
Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1171
faciais podem ter orifícios de exalação, reduzindo, assim, a chance de reinalação. As diversas interfaces
existentes objetivam melhorar o conforto e a tolerância dos pacientes (Figura 52.9).

Figura 52.98 – Interfaces disponíveis para VNI. (A) Máscara nasal; (B) máscara facial tradicional; (C) máscara
full face; (D) capacete (Hellmet).

A NIV está indicada em diversos cenários, atualmente, para tratamento de quadros de insuficiência
respiratória aguda e crônica (Tabela 52.6)18-21.
Tabela 52.6 – Indicações de VNI na prática anestésica

Insuficiência respiratória aguda durante o período pós-operatório

Distúrbios ventilatórios logo após a desintubação nos pacientes obesos

Ventilação de pacientes que apresentam laringoespasmo e estridor laríngeo após a desintubação

Edema agudo pulmonar cardiogênico, inclusive em pós-operatórios de cirurgia cardíaca e choque cardiogênico

Após cirurgia para revascularização do miocárdio, parece reduzir a quantidade de líquido extravascular nos
pulmões e melhorar a mecânica pulmonar e as trocas gasosas

No pós-operatório de cirurgias de ressecção pulmonar, parece reduzir a taxa de mortalidade, bem como me-
lhorar a oxigenação arterial e diminuir a necessidade de reintubação22-27

Período de pré-oxigenação anestésica18,28-30 de pacientes obesos

Pós-operatório de pacientes com apneia obstrutiva do sono

Alguns pacientes apresentam ansiedade, náuseas e secreção salivar abundante. Deve-se evitar a
sedação excessiva e procurar explicar o procedimento e adaptar o aparelho para melhor conforto
do paciente.
Quanto menos ansioso e cooperativo estiver o paciente, melhor será o resultado da ventilação, que
pode ser observado através da frequência respiratória; expansibilidade torácica; ausência de respiração
paradoxal; parâmetros hemodinâmicos adequados e gasometria arterial.
O tempo médio de VNI é variável, de acordo com a causa da insuficiência respiratória, aproximadamen-
te 6 horas para edema pulmonar e 18 a 48 horas para DPOC descompensado.
A VNI pode levar a efeitos deletérios sobre a hemodinâmica, que não devem ser negligenciados, princi-
palmente, devido à diminuição do retorno venoso. Outra complicação possível é a presença de constante
risco de regurgitação do conteúdo gástrico e aspiração pulmonar.

1172 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Tabela 52.7 – Contraindicações para o uso da ventilação não invasiva

Recusa do paciente
Rebaixamento do nível de consciência
Paciente agitado ou não cooperativo
Obstrução de via aérea superior ou trauma de face
Pós-operatório recente de cirurgia de face, via aérea superior ou esôfago
Disritmia cardíaca com baixo débito cardíaco
Grande quantidade de secreção respiratória ou bucal
Risco de aspiração pulmonar
Instabilidade hemodinâmica com necessidade de vasopressor, choque (pressão arterial sistólica < 90 mmHg)
Tosse ineficaz ou incapacidade de deglutição
Distensão abdominal, náuseas ou vômitos
Sangramento digestivo alto
Infarto agudo do miocárdio

Tabela 52.8 – Fatores preditivos de sucesso

Pacientes jovens
Baixo score de APACHE
Paciente cooperativo e boa adaptação ao ventilador
Hipercapnia prévia (PaCO2 > 45 mmHg e < 90 mmHg)
Acidemia prévia (pH > 7,10 e < 7,35)
Melhora dos parâmetros respiratórios e cardiovasculares nas primeiras 2 horas de ventilação

Importante
Uma característica marcante da VNI é a necessidade de acompanhar o paciente de perto, pois,
muitas vezes, é necessária a troca de várias interfaces até obter-se uma adaptação adequada9,31-33.

Repercussões do Suporte Ventilatório


Repercussões pulmonares
A pressão positiva é responsável por expandir os alvéolos colapsados, principalmente nos pacientes
com comprometimento pulmonar (atelectasias; pneumonias; edema pulmonar e SDRA)34. Mantendo-se o
recrutamento das unidades alveolares com a utilização de PEEP, a oxigenação arterial aumenta.
Contudo, se a VM produzir sobredistensão de algumas unidades alveolares, o fluxo de sangue nos capilares
pulmonares poderá ser desviado para unidades não ventiladas, resultando, paradoxalmente, em hipoxemia.
Embora a VM possa melhorar o shunt capilar, ela pode também aumentar o volume de sangue através
do shunt anatômico. Um aumento excessivo da pressão alveolar pode ocasionar a elevação da resistência
vascular pulmonar, aumentando o fluxo de sangue através do shunt anatômico (circulação brônquica),
piorando a hipoxemia.
A hiperventilação favorece a sobredistensão alveolar e causa alcalose respiratória. A alcalose, por sua
vez, causa hipocalemia, hipocalcemia (fração ionizada de cálcio é reduzida) e aumento da afinidade da
hemoglobina pelo O2.
A hipercapnia durante a VM parece ser menos nociva do que os efeitos traumáticos da utilização de
níveis elevados de VC para corrigir a PaCO2. Uma elevação modesta da PaCO2 (50-70 mmHg) e um pH de
7,20 costuma ser bem tolerado pela maioria dos pacientes35.

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1173


O oxigênio inspirado em altas concentrações é considerado tóxico. A toxicidade relacionada com o O2,
provavelmente, depende tanto da concentração quando do tempo de exposição. Embora as evidências
sejam fracas, uma fração inspirada de oxigênio (FiO2) acima de 60% deve ser evitada7.
A atelectasia é uma repercussão comum da ventilação mecânica. Desenvolve-se em 90% dos pa-
cientes submetidos à anestesia geral e pode persistir em diferentes graus após a cirurgia. A área de
tecido pulmonar não ventilado junto ao diafragma difere de acordo com o procedimento cirúrgico
e as características do paciente, variando entre 3-25%. Diferentes mecanismos favorecem a for-
mação de atelectasias durante a anestesia, incluindo colapso de pequenas vias aéreas; compres-
são de estruturas pulmonares; absorção do conteúdo de gás alveolar e deficiência da função de
surfactante pulmonar.
Pacientes com idade superior a 40 anos apresentam volume de colapso alveolar superior ao da capa-
cidade residual funcional quando em decúbito, favorecendo o colapso alveolar e a formação de atelec-
tasias. A ventilação com fração inspirada igual a 100% pode produzir atelectasia por absorção e deve ser
evitada sempre que possível36.
A ventilação mecânica interfere na mecânica ventilatória; na queda da CRF, com redução da compla-
cência pulmonar; no aumento da pressão de pico e platô das vias aéreas (ver a seguir em Complicações
Relacionadas às VM)37-39.
Efeitos cardíacos
As flutuações na pressão intratorácica que ocorrem durante a ventilação com pressão positiva são o
oposto das que ocorrem durante a ventilação espontânea. Durante a VM, a pressão intratorácica média
costuma ser positiva. As pressões intratorácicas se elevam durante a inspiração e reduzem durante a ex-
piração. Portanto, o retorno venoso é maior durante a expiração e pode sofrer reduções se o tempo expi-
ratório for muito curto ou a pressão alveolar, muito elevada40.
A redução do retorno venoso e o enchimento do ventrículo direito podem ocasionar redução do dé-
bito cardíaco (DC), resultando em hipotensão e potencial hipóxia tecidual. Esse efeito é maior quando a
pressão média das vias aéreas estiver elevada, em pacientes com complacência pulmonar aumentada e
naqueles que se apresentam hipovolêmicos.
A elevação das pressões alveolares, particularmente com a utilização de PEEP, pode ter efeito cons-
tritivo sobre os capilares pulmonares. Esse efeito é responsável por reduzir o volume de enchimento do
ventrículo esquerdo e reduzir o DC. O aumento da resistência vascular com a utilização de PEEP pode
produzir um efeito de zona 1 de West, o que aumenta o espaço morto, diminuindo o volume de venti-
lação alveolar34.
Efeitos renais
O débito urinário pode reduzir secundariamente a instituição de VM. A redução da perfusão renal, de-
vido à diminuição do DC, à elevação das concentrações plasmáticas de hormônio antidiurético (ADH) e à
redução da liberação de peptídeo atrial natriurético, ocorre por causa da VM e contribui para a redução
do débito urinário. A redução do débito urinário, acompanhada de infusão excessiva de líquidos intrave-
nosos e da redução das perdas insensíveis pelo trato respiratório, por conta do uso do filtro higroscópico,
pode leva à sobrecarga hídrica34.
Efeitos neurológicos
Em pacientes com lesões neurológicas, a VM pode ocasionar elevação da pressão intracraniana (PIC).
Isso se deve à redução do retorno venoso, que impede o retorno adequado do sangue venoso intracra-
niano, elevando a PIC. Se a pressão aumentada nas vias aéreas ocasionar a redução do DC, hipotensão
arterial e, consequentemente, hipoperfusão cerebral podem ocorrer35.

Complicações Relacionadas com o Suporte Ventilatório


As complicações relacionadas com o suporte ventilatório podem ser dividas em: complicações ocasio-
nadas pelas vias aéreas artificiais e pelo uso de ventilação com pressão positiva. A ocorrência das com-
plicações não pode ser completamente eliminada, mas sua redução é possível, por meio do manejo apro-
priado das técnicas de ventilação e equipamentos.
1174 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Intubação Traqueal
A intubação traqueal é um procedimento realizado diariamente em pacientes submetidos a cirurgias
sob anestesia geral. Embora necessária, não é isenta de riscos. Atualmente, o balonete utilizado para ve-
dação da via aérea é confeccionado com cloreto de polivinil (PVC) termolábil, o que permite acomodar
maiores volumes com pequenas pressões41. Mesmo assim, trabalhos prévios relatam diversas lesões decor-
rentes do excesso de pressão exercido sobre a mucosa traqueal: ruptura traqueal; necrose traqueal; este-
nose traqueal; paralisia do nervo laríngeo inferior; dor e rouquidão42-47. Desconforto orofaríngeo ocorre em
até 40% dos pacientes, independentemente da duração da intubação traqueal48,49. Rouquidão é reportada
em 52% dos pacientes entubados por curto períodos e em 70% naqueles que necessitam de intubação pro-
longada. Os sintomas geralmente resolvem espontaneamente dentro de 24 a 48 horas.
A deglutição também pode ser comprometida com o uso dos tubos traqueais, mesmo se utilizados por bre-
ves períodos50. Observa-se uma lentificação dos reflexos de deglutição, os quais permanecem alterados por até
sete dias. Pacientes que necessitam de intubação traqueal mais prolongada podem não apresentar reflexo de
proteção da via aérea durante a extubação, aumentando o risco de aspiração de conteúdo gástrico. A aspira-
ção subclínica de conteúdo gástrico parece não ser incomum, principalmente nos pacientes idosos.
A pressão máxima tolerada pela mucosa traqueal sem que ocorra comprometimento da perfusão ca-
pilar varia de acordo com características do paciente, mas considera-se seguro um valor máximo de 25
cmH2O (20 mmHg) no interior do balonete51,52. Valores próximos a 40 cmH2O (30 mmHg) podem dificultar
a perfusão na mucosa traqueal e, quando a pressão no balonete se aproxima de 45 cmH2O (33 mmHg), o
fluxo sanguíneo para a mucosa é completamente interrompido. Entre os fatores que interferem na perfu-
são capilar na mucosa traqueal, o mais importante parece ser a pressão arterial sistêmica52. Estados de
choque, sepse ou hipóxia também podem influenciar. A estimativa manual da pressão do balonete pode
não ser um método seguro para evitar pressões nocivas à traqueia, mesmo quando utilizada por profis-
sionais experientes53. A utilização de um manômetro que meça com precisão a pressão do balonete pode
reduzir o número de lesões.

Complicações Relacionadas com o uso de Ventilação com Pressão Positiva


Lesão Pulmonar Induzida por Ventilação Mecânica (LPIV)
Desde a década de 1970, vem sendo destacado o papel importante na ventilação mecânica na gênese
das lesões pulmonares54-56. A utilização de VM não é isenta de riscos, podendo causar danos estruturais
diretos até mesmo em pulmões saudáveis54-58. Esse dano é caracterizado por infiltrado celular inflama-
tório; membranas hialinas; aumento da permeabilidade vascular e edema pulmonar. A constelação de
consequências pulmonares da ventilação mecânica tem sido denominada lesão pulmonar induzida pela
ventilação mecânica (LPIV).
Diversos fatores inter-relacionados contribuem para o desenvolvimento de LPIV: utilização de altos
VC, ocasionando sobredistensão alveolar; recrutamento cíclico das vias aéreas periféricas, resultando em
danos ao epitélio brônquico e ao parênquima pulmonar (lesão por estiramento), principalmente ao nível
das junções broncoalveolares; associado com recrutamento e colapso das unidades pulmonares instáveis
(atelectrauma); estresse pulmonar amplificado pela pressão transpulmonar (Ptp) elevada; inativação do
surfactante pulmonar, devido a grandes oscilações nas áreas alveolares associadas à conversão de surfac-
tantes acumulados, o que leva a um aumento da tensão superficial; e liberação sistêmica de mediadores
inflamatórios pelos pulmões.
Ventilação com extremos, altos e baixos volumes pulmonares, tem efeitos estrutural, fisiológico, bio-
lógico e sistêmicos. Os mediadores que são liberados podem causar mais dano pulmonar, recrutar neutró-
filos ou iniciar um cenário para o desenvolvimento de fibrose pulmonar. O estresse mecânico deflagrado
pela VM também é capaz de afetar processos pulmonares em níveis celular e molecular, um mecanismo
conhecido como biotrauma59.

Barotrauma e Volumotrauma
A LPIV pode ocorrer devido à ventilação com altos volumes pulmonares, levando a ruptura alveolar, fu-
gas de ar e barotrauma. O barotrauma é a lesão do delicado epitélio respiratório, permitindo que os gases
escapem através do parênquima pulmonar ou do espaço pleural. O termo barotrauma pode ser enganoso,
Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1175
porque a variável crítica que conduz às fugas de ar é a hiperdistensão pulmonar regional, não a alta pres-
são nas vias aéreas propriamente. A lesão mais sutil que se manifesta como edema pulmonar pode ocorrer
como resultado da superdistensão do pulmão, o volumotrauma.
O gás que atinge o parênquima pulmonar pode tomar vários destinos: a) seguir em direção central atra-
vés das bainhas broncovasculares (enfisema pulmonar intersticial) até se acumular no mediastino (pneu-
momediastino)54,60,61. A partir daí, pode penetrar o pericárdio (pneumopericárdio), o espaço retroperito-
neal (pneumoretroperitônio) ou o peritônio (pneumoperitônio). Caso o escape de gás ocorra a partir das
vias aéreas distais e penetre o espaço pleural, o resultado é, obviamente, um pneumotórax.
O barotrauma pode ser ocasionado por eventos traumáticos, iatrogenicamente ou espontaneamente
em indivíduos suscetíveis62. Na ausência de eventos traumáticos ou descartando-se a hipótese de evento
espontâneo, o barotrauma é invariavelmente o resultado de pressões elevadas durante a VM. Comorbi-
dades apresentadas pelo paciente (pneumonias necrosantes, vasculites pulmonares, enfisemas bolhosos)
podem levar a um quadro de maior fragilidade do epitélio alveolar, predispondo ao barotrauma, mesmo
com a utilização de pressões mais baixas (consideradas “mais seguras”) durante a VM.
A pressão inspiratória de pico (PIP) nas vias aéreas maiores que 40 cmH2O ou pressão de platô maior
que 30 cmH2O devem ser evitadas, pois são consideradas de risco para o desenvolvimento de barotrauma.

Atelectrauma
Atelectrauma é a lesão dos alvéolos resultante da tensão de cisalhamento recorrente causada pela
abertura e fechamento das áreas atelectásicas. O atelectrauma é amplificado nas margens entre as re-
giões aeradas e atelectásicas, pois, as forças de estiramento do parênquima pulmonar podem superar
quatro a cinco vezes as de outras regiões do pulmão59.
A atelectasia é um estado patológico que exerce efeitos diretos e indiretos sobre o desenvolvimento
ou agravamento de LPIV. Diretamente, os efeitos independentes de estiramento incluem uma propensão à
infecção em razão da redução da atividade fagocitária dos macrófagos alveolares prejudicada pela hipóxia
local e hiperxia. As atelectasias causam hipóxia local devido ao colapso alveolar e hipoxemia sistêmica,
por aumento do shunt pulmonar. A elevação da FIO2 provoca hiperóxia no pulmão aerado, produzindo
inflamação do tecido pulmonar e atelectasia por absorção, que leva ao excesso de espécies reativas de
oxigênio. Os efeitos indiretos são dependentes do estiramento e incluem a lesão induzida por estresse
mecânico. Curiosamente, a lesão alveolar é máxima nas regiões não atelectásicas do pulmão, consistente
com um deslocamento de volume corrente para os alvéolos aerados com subsequente sobreinflação.
A diminuição progressiva da oxigenação e da complacência pulmonar, consequentes da atelectasia, in-
fluencia as estratégias de ventilação mecânica usadas durante a anestesia geral. Algumas décadas atrás63,
volumes correntes até 15 mL.Kg-1 do previsto peso corporal foram preconizados para aumentar o volume pul-
monar ao final da expiração e prevenir atelectasia no período intraoperatório. Atualmente, durante a anes-
tesia, estratégias como o uso de PEEP e manobras de recrutamento de pulmão contribuem para reverter
ou prevenir a perda de volume pulmonar e o colabamento de pequenas vias aéreas. A utilização de baixas
frações inspiradas de O2 (80% ou menos) e o uso de CPAP após a extubação traqueal são medidas auxiliares.
Há preocupação de que volumes correntes reduzidos, defendido por estratégias de ventilação protetora,
pode predispor à atelectasia e subsequente LPIV64.

Biotrauma
As forças físicas descritas acima podem causar a liberação de vários mediadores intracelulares, quer
diretamente (por ruptura celular), quer indiretamente (por transdução dessas forças para a ativação das
vias de sinalização celulares em células epiteliais, endoteliais ou células inflamatórias).
O uso de ventilação mecânica não protetora, mesmo por curto prazo, no contexto de cirurgia de gran-
de porte, também promove alterações inflamatórias e pró-coagulante broncoalveolares em pacientes sem
lesão pulmonar preexistente do pulmão. Isso sugere que a ventilação mecânica, por si só, pode exercer
um estímulo pró-inflamatório e desencadear apoptose celular. A teoria atualmente aceita é a de múlti-
plos danos, a ventilação mecânica não protetora dos pulmões previamente saudáveis, podem resultar em
lesão pulmonar quando combinados com outra agressão. Diferentes insultos podem interagir e provocar
maior produção e liberação de mediadores inflamatórios, sugerindo que a ventilação mecânica pode ser

1176 | Bases do Ensino da Anestesiologia


desencadeante de complicações pulmonares subsequentes. Esses múltiplos danos são fatores de risco en-
contrados durante o período perioperatório que podem ser responsáveis pela agressão pulmonar adicio-
nal, por exemplo, administração excessiva de líquidos; transfusão maciça; lesão de isquemia; reperfusão;
circulação extracorpórea e sepsie6 (Figura 52.10).
O aumento da permeabilidade alveolar capilar, associada com a LPIV, pode levar à translocação de me-
diadores para a circulação sistêmica, como os lipopolissacarídios e as bactérias, e, potencialmente, pode
conduzir à disfunção de múltiplos órgãos e à morte6,59,64.

Figura 52.106 – Biotrauma por LPIV. IL = interleucinas; PEEP = pressão positiva expiratória final; Pplat = pres-
são de platô; TNF = fator de necrose tumoral; VT = volume corrente.

Complicações pulmonares pós-operatórias (CPP)


Nos últimos anos, a medicina tem presenciado grandes avanços nos cuidados perioperatórios, permi-
tindo, assim, melhor manejo dos pacientes cirúrgicos. Apesar desses avanços, as complicações pulmo-
nares pós-operatórias (CPPs), juntamente com as complicações cardiovasculares, são as principais causas
de morbidade e mortalidade nesses pacientes65-67. As CPPs são causas frequentes de morbidade dos pa-
cientes e de aumento do tempo de internação hospitalar, onerando o sistema de saúde. Aproximadamente
5% dos pacientes submetidos a cirurgias em geral desenvolvem CPPs graves.
Estima-se que as complicações pulmonares sejam responsáveis por até 25% das mortes ocorridas na pri-
meira semana de pós-operatório68. O desenvolvimento de pneumonia no período pós-operatório tem sido
relacionado a uma taxa de mortalidade de até 40%, além de ela ser responsável por até 60% das infecções
que levam a um desfecho fatal69.
Apesar da grande abrangência de situações que podem estar envolvidas dentro do conceito de compli-
cações pulmonares no pós-operatório, para efeitos clínicos, é relevante considerar as complicações maio-
res, que podem impactar nos desfechos, como: insuficiência respiratória; broncoespasmo grave; derrame
pleural; atelectasia que necessita de intervenção fibrobroncoscópica; pneumonia; fístulas broncopleurais;
empiema; lesão pulmonar aguda/síndrome da angústia respiratória aguda; ventilação mecânica prolonga-
da ou intubação não planejada; pneumonia por aspiração de conteúdo gástrico grave, entre outras.

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1177


O desenvolvimento das CPPs depende do estado de saúde do paciente, da técnica anestésica e do tipo
de cirurgia. A sinergia entre esses fatores será determinante no risco70. Comorbidades que afetam as fun-
ções pulmonares e cardíacas, bem como as que afetam negativamente o estado imunológico, favorecem
o desenvolvimento das CPPs68.
Os efeitos biológicos, mecânicos e funcionais ocasionados pelas diferentes técnicas anestésicas ao sis-
tema respiratório podem amplificar aqueles relacionados com o período pré-operatório71. A interferên-
cia das drogas anestésicas sobre o impulso respiratório é indiscutível, levando à perda de coordenação
dos movimentos de diversos músculos (abdominais e torácicos) responsáveis pela ventilação, bem como
à alteração da geometria da caixa torácica72, o que proporciona o aparecimento de atelectasias, shunts
intrapulmonares e distúrbios de oxigenação.
O sítio cirúrgico impõe grande importância ao desenvolvimento das CPPs. As cirurgias torácicas e de
abdome superior envolvem trauma próximo ao diafragma, ocasionando três tipos de distúrbio: 1) disfun-
ção de movimentos dos músculos respiratórios fruto da incisão cirúrgica; 2) dor no período pós-operatório,
limitando a expansão diafragmática; 3) inibição aferente dos nervos frênico e vago secundária à manipula-
ção cirúrgica das vísceras abdominais. Como consequência, o movimento da musculatura respiratória no
período pós-operatório será anormal (principalmente em relação ao diafragma)73. Os diversos fatores de
risco que envolvem as CPPs estão descritos na Tabela 52.9.
Tabela 52.96 – Fatores de risco para complicações pulmonares no período pós-operatório

Fatores de risco
Cirúrgicos Anestésicos Relacionados com o paciente
Procedimento cirúrgico Administração excessiva de líquidos Idade > 65 anos
Vascular Transfusão sanguínea > 4 UI ASA 3 ou +
Torácico BNM residual DPOC
Abdominal superior Hipotermia intraoperatória Apneia obstrutiva do sono
Neurocirurgia Uso de SNG SpO2 pré-operatória < 98%
Cabeça e pescoço Parâmetros ventilatórios História de ICC
Procedimento de emergência Infecção pulmonar recente (< de 1 mês)
*Reintervenção Dependência funcional
Duração > 2h Tabagismo ativo
Laparotomia > laparoscopia Etilismo
Sepse pré-operatória
Perda de peso > 10% em 6 meses
Anemia pré-operatória (< 10 g.dL-1)
Obesidade
BNM = bloqueio neuromuscular; SNG = sonda nasogástrica; ICC = insuficiência cardíaca congestiva; ASA = American Society of
Anesthesiologists.
*Reintervenção devido a complicações cirúrgicas.

O conhecimento dos fatores de risco para o desenvolvimento das CPPs é útil no planejamento de es-
tratégias para prevenção e redução de custos. Diferentes escores foram citados com aplicabilidade limi-
tada. Recentemente, o estudo denominado ARISCAT (The Assess Respiratory RIsk in Surgical Patients in
CATalonia) foi validado utilizando-se uma população recrutada em diversos centros na Europa. Ele utiliza
sete fatores de risco (idade: entre 51-80 e > 80; SpO2: entre 91-95% e < 90%; infecção respiratória durante
o último mês; anemia pré-operatória [Hb < 10 g.dL-1]; local da incisão cirúrgica (periférica, abdome supe-
rior, intratorácica); duração da cirurgia, ≤ 2h, > 2-3, > 3 h e procedimento de emergência), o que permite
a discriminação de três níveis de risco: baixo, intermediário e alto70.

1178 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Em estudos com número reduzido de pacientes, a utilização de bloqueio peridural em pacientes sub-
metidos a cirurgias de abdome superior tem demonstrado aumento na atividade diafragmática em ambas
as porções desse músculo72,74. A explicação mais atrativa para esse fenômeno parece ser a da redução da
aferência inibitória dos órgãos intra-abdominais sobre o diafragma.
Atualmente, dado o elevado número de intervenções cirúrgicas realizadas em todo o mundo, mesmo
pequenas melhorias na busca de reduzir as complicações pós-operatórias, como as melhores estratégias
ventilatórias, podem afetar um grande número de pacientes, reduzir os custos de cuidados de saúde e
contribuir para um melhor resultado clínico5.
Baseado em diversos estudos, um conjunto de estratégias6 tem sido proposto, objetivando reduzir o
dano pulmonar causado pela VM, sendo definido como Ventilação Mecânica Protetora (VMP). Em pacientes
críticos que utilizam VMP, foi demonstrado que o manejo ventilatório pode alterar os desfechos em pa-
cientes com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA)54,58,61,75-78. Ao contrário do que acontece com
pacientes críticos, pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos são ventilados apenas por algumas
horas. Nesse contexto, o benefício da estratégia de VM protetora em pacientes anestesiados tem demons-
trado resultados conflitantes.
Estudos publicados recentemente demonstraram que, em alguns subgrupos de pacientes com fatores
de risco para desenvolver LPIV, a VMP pode ser benéfica, reduzindo o número de complicações pulmona-
res e a necessidade de retorno à VM no período pós-operatório, bem como diminuindo o tempo de inter-
nação hospitalar77,79.
A utilização de volumes correntes ajustados entre 5-8 mL.Kg-1 de peso predito, juntamente com níveis
de PEEP maiores ou iguais a 5 cmH2O, e manobras de recrutamento alveolar parecem estar associados à
redução dos índices de complicação maiores no período pós-operatório, principalmente em pacientes com
pulmões sem lesões, cujo risco seja moderado ou alto6. O valor independente de cada intervenção ainda
carece de esclarecimentos.
As evidências apontam para provável benefício relacionado com o uso de uma estratégia protetora que
deve ser iniciada ainda no momento pré-operatório, identificando os pacientes com risco aumentado de
complicações pós-operatórias.
O controle hemodinâmico individualizado para cada paciente e a implementação de programas de rea-
bilitação e controle dor parecem ser elementos-chave para a redução das complicações pós-operatórias.

Ventilação Mecânica Protetora – VMP


A maioria dos ensaios clínicos randomizados que aborda a VMP intraoperatória compara bandas de interven-
ção em volumes correntes e níveis de PEEP, associados ou não a manobras de recrutamento alveolar (MRA)70.
Embora com resultados ainda duvidosos sobre certos aspectos, como o papel independente de cada
intervenção, é possível seguir algumas orientações. A utilização de ventilação com baixos volumes e níveis
moderados de PEEP, juntamente com manobras de recrutamento alveolar e baixas frações inspiratórias
de O2, parece estar associada com melhores desfechos fisiológicos e clínicos, devendo ser considerada,
principalmente naqueles pacientes com risco moderado a alto para desenvolvimento de CPPs. O diagrama
proposto por Futier E. e col.6 sugere uma conduta flexibilizada, baseada nas necessidades do paciente6
(Figura 52.11).
O impacto isolado de cada intervenção (baixos VCs e PEEP e moderada MRA) sobre os desfechos clínicos
necessita de mais estudos.
O potencial danoso da VMP é motivo de preocupação, segundo os resultados do estudo PROVHILO. Esse
estudo mostrou maior necessidade de utilização de imunopressores para o tratamento de hipotensão in-
traoperatória, devido à utilização de altos níveis de PEEP e altas pressões durante as MRAs.
A implementação de um pacote de assistência perioperatória, através da integração de aplicação pro-
filática de diversos modos de ventilação com pressão positiva com outros componentes-chave de cuidados
perioperatórios, como otimização hemodinâmica individualizada e reabilitação precoce após a cirurgia,
pode ajudar a uma maior redução da morbidade pós-operatória.
O reconhecimento da importância da lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica levou a uma
mudança acentuada na filosofia subjacente as suas indicações. Enquanto, anteriormente, as metas de ven-

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1179


tilação mecânica eram para manter as trocas gasosas, minimizando o trabalho de respiração, um objetivo
adicional foi estabelecido: proporcionar a troca gasosa que sustenta a vida, minimizando a lesão pulmonar
induzida pelo ventilador.
Na prática, isso significa que a regulagem do ventilador, muitas vezes, implica trocas difíceis. Por
exemplo, é melhor usar um volume corrente menor e deixar a pressão parcial de dióxido de carbono ar-
terial (PaCO2) aumentar, apesar dos riscos associados (por exemplo, aumento da hipertensão intracrania-
na da acidose respiratória) ou usar volumes correntes maiores para normalizar a PaCO2, mas aumentar o
risco de lesão pulmonar? Enquanto, anteriormente, a resposta poderia ter sido para aumentar o volume
corrente, a filosofia atual deslocou-se para um foco mais forte sobre a proteção do pulmão com o uso de
volumes correntes menores, permitindo uma hipercapnia permissiva e monitorada.

Figura 52.116 – Ventilação protetora profilática em pacientes com pulmões saudáveis (A) e com lesão pulmonar
estabelecida (B) ao início da VM.

Nas últimas duas décadas, os avanços no conhecimento sobre os riscos da ventilação mecânica em
paciente com pulmões saudáveis submetidos a cirurgias; a identificação do risco de lesão pulmonar;
as novas estratégias de ventilação e a evolução dos ventiladores que compõem os atuais aparelhos
de anestesia (workstations) mudaram definitivamente o cenário do perioperatório. No presente, os
anestesiologistas possuem ferramentas que têm conduzido a uma redução significativa na mortalida-
de associada, o que amplia a responsabilidade e a necessidade de aplicar essas estratégias durante
as técnicas de anestesia geral, promovendo uma mudança substancial na gestão ventilatória aplicada
no intraoperatório.

52.2. VENTILADORES
Ventiladores Mecânicos
Os ventiladores mecânicos atualmente utilizados em anestesia possuem inúmeras características que
os aproximam dos ventiladores utilizados em unidades de terapia intensiva (UTIs). Diversos modos de
ventilação mecânica invasiva (VCV, PCV, PSV, SIMV, entre outros), bem como a possibilidade de realizar
ventilação espontânea/manual e ventilação mecânica não invasiva (VNI), conferem maior segurança ao
paciente e maior sincronia entre ventilador/paciente5,81.

1180 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Para serem economicamente viáveis, os ventiladores em anestesia devem atuar como reservatórios,
recebendo e devolvendo o gás exalado pelos pacientes81. Para isso, é fundamental que estejam acoplados
a um sistema circular, o que permite a reinalação parcial ou total dos gases expirados, para fazer a re-
ciclagem dos vapores anestésicos e eliminar CO2 e o excesso de gás do circuito82. Essas características os
diferenciam dos ventiladores utilizados em UTI, que possuem um circuito respiratório aberto e exaurem
todo o gás exalado a cada expiração para a atmosfera82.
Os ventiladores produzidos atualmente para anestesia podem ser classificados de acordo com o re-
servatório, que recebe e libera os gases respirados, em: 1) ventiladores de fole ascendente; 2) venti-
ladores de pistão; 3) ventiladores com refletor de volume; 4) ventiladores com turbina81. O mecanismo
motor desses reservatórios pode ser pneumático (ventiladores de fole) ou mecânico (ventiladores de
pistão). Uma classificação adicional está relacionada com os modos ventilatórios disponíveis: 1) ven-
tiladores controladores – presentes nos equipamentos antigos que operavam somente com triggere
ciclados a tempo; 2) ventiladores não controladores – que oferecem modos assisto-controlados, SIMV
e PSV e disponibilizam trigger e ciclagem pelo paciente. Atualmente, a maioria dos ventiladores é
controlada eletronicamente81.
Segundo Coisel e col.82, as duas diferenças principais entre os ventiladores modernos utilizados em
anestesia são: o tipo de reservatório usado e a presença de válvula de desacoplamento ou módulo de
compensação de gás fresco. Esses autores, em artigo publicado recentemente, sugerem observar alguns
pontos-chave durante o processo de escolha e aquisição de estações de anestesia82. Esses pontos estão
listados na Tabela 52.10. Já a Tabela 52.115 relaciona alguns dos ventiladores atualmente disponíveis
para anestesia.

Tabela 52.1081 - Critérios a serem considerados na escolha de um ventilador mecânico para anestesia

Testes de avaliação de Performance Técnica e Pneumática

Em condições estáticas:

• Acurácia do VC e da PIP

• Variações do VC e da PIP quando se aumenta a carga inspiratória

• Interação com o fluxo de gás fresco

• Impacto do uso de jato prolongado de O2

Em condições dinâmicas:

• Performance do mecanismo de gatilho inspiratório

• Performance da “rampa” de pressurização

• Interface amigável e ergonomia

• Modos ventilatórios disponíveis obrigatórios: VCV, PCV, PSV

• Modos ventilatórios opcionais: outros

• Suporte técnico: disponibilidade, efetividade, confiabilidade

• Custos imediatos

• Custo de manutenção e reparo

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1181


Tabela 52.115 – Alguns dos ventiladores atualmente disponíveis para anestesia
Fluxo Pressão-
Gerador de Modos Modos FR PEEP
Fabricante Modelo VC (ml) inspiratório limite
fluxo ventilatórios opcionais (mrpm) (cmH2O)
(L/m) (cmH2O)

Manual/ CPAP/PSV,
espontâneo
PC-IPAP/PSV,
Perseus Desligado
Drager Turbina PCV-CMV, PCV- 20-2000 3-100 0-180 7-80
A500 VC-SIMV/AF/
BIPAP, VC-CMV, 2-35
PSV,
VCV-VMC/AF,
VCSIMV/AF PC-APRV
(PEEP + 10)
Manual/ 20-1400
até 70 - VCV
Drager Primus Pistão espontâneo PSV, SIMV 3-80 20-1400 0-20
5-1400
(PEEP + 05)
VCV, PCV (opcional)
até 70 - PCV
PC-CMV, PCV-
GE Manual/ VG,
Aisys Fole Desligado
Health espontâneo 20-1500 4-100 0-120 12-100
CS2 ascendente VC/PC/VG-
Care 4-30
VCV-CMV SIMV, CPAP/
PSV
Manual/
Refletor de espontâneo PSV, PRVC,
Maquet FLOW-I 20-2000 4-100 0-200 0-120 0-50
volume VC-CMV, PC- SIMV
CMV

PCV - ventilação controlada a pressão; VCV - ventilação controlada a volume; PSV - ventilação com pressão de suporte; SIMV -
ventilação sincronizada intermitente mandatória; CMV - ventilação mandatória contínua; BIPAP - binível de pressão positiva na
via aérea; AF - autofluxo; VG - volume garantido; PRVC (Pressure-regulated)
Volume Control - Volume Controlado com Pressão Regulada; APRV (Airways Pressure Release Ventilation) - Ventilação com Li-
beração de Pressão nas Vias Aéreas.
A seguir, são descritos alguns exemplos conceituais e funcionais de ventiladores em anestesia
Ventiladores com Fole Ascendente81
A classificação fole ascendente é baseada no movimento do fole durante a fase expiratória – ele sobe duran-
te essa fase. O mecanismo motor dos reservatórios utilizado nesses ventiladores é quase sempre pneumático81.
O sistema de fole é protegido por uma caixa de acrílico vedada. Essa caixa se traduz em uma câmara de
pressão, e o interior do fole é conectado ao sistema de ventilação. O fole age como uma interface entre
o sistema de ventilação e o mecanismo propulsor do ventilador mecânico81. Da mesma forma, o balão age
como uma interface entre o sistema de ventilação e a mão do anestesista.
Na fase inspiratória, o gás é propelido pelo ventilador para o interior da caixa de acrílico, comprimindo
o fole para baixo. Dessa maneira, o gás flui para dentro do sistema de ventilação (e da via aérea do pa-
ciente). As válvulas dos sistemas de exaustão e antipoluição permanecem fechadas durante a inspiração.
A força motriz é utilizada para comprimir o fole e propelir os gases em seu interior até a via aérea do
paciente. São gases pressurizados (ar ou O2 provenientes da seção de suprimento de gases das estações de
anestesia) que fluem para o interior da caixa de acrílico, sob controle eletropneumático. Ventiladores de
fole são tradicionalmente designados como de circuito-duplo, pois o gás motor e o sistema de ventilação
existem em dois circuitos separados.
Durante a expiração, o fole expande-se para cima passivamente, por causa do retorno dos gases con-
tidos no sistema de ventilação e do influxo de gás fresco. O gás é propelido para a atmosfera através da
válvula de exaustão. Depois de o fole estar completamente expandido (final da fase expiratória), o excesso
de gás é desviado para o sistema de antipoluição, através de sua válvula de alívio81.
Equipamentos antigos munidos de fole descendente ainda podem ser encontrados83. Os foles descenden-
tes são conectados no topo de sua área de montagem e são comprimidos para cima durante a inspiração.
Durante a expiração, o fole é expandido para baixo. Normalmente, existe um peso na borda inferior do fole,

1182 | Bases do Ensino da Anestesiologia


o que facilita sua expansão. À medida que o peso traciona o fole, uma pequena pressão negativa é criada
dentro do sistema ventilatório. Em casos de desconexão ou fugas aéreas no sistema ventilatório, o peso cau-
sará a expansão do fole e o ar ambiente será sugado para dentro do sistema de ventilação (Figura 52.12).
Ventiladores que ainda utilizam esse sistema devem ser munidos de programas sofisticados que permitem
detectar desconexões ou vazamentos, ativando um alarme sonoro e uma válvula de alívio de pressão nega-
tiva, prevenindo que o paciente seja exposto a pressões negativas.
Importante
Ventiladores de anestesia com fole ascendente são mais seguros do que os de fole descendente,
pois, na ocorrência de desconexão, eles são rapidamente identificados, já que o fole não consegue
se expandir81.

Figura 52.12 - Esquema representativo de ventilador mecânico de fole ascendente em fase inspiratória82.

Ventiladores de Pistão81.
Esse sistema utiliza um motor de passo controlado por computador para mover o pistão e gerar fluxo
aéreo81. Nesses ventiladores, não é necessário um circuito de gás motriz (ar ou O2) separado, portanto, são
classificados, em relação à montagem, como ventiladores de circuito único (Figura 52.13).

Figura 52.13 - Esquema representativo de ventilador mecânico de pistão em fase inspiratória82.

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1183


A ausência de fole nesses ventiladores se traduz em menor consumo de gás comprimido, o que pode
ser visto como uma vantagem em relação aos ventiladores pneumáticos, que utilizam fole ascendente83.
Por causa de menor complacência da câmara do pistão, outra potencial vantagem desse sistema é maior
precisão na entrega do volume corrente81. Nos ventiladores de fole, o gás motriz pode estar sujeito a vá-
rios graus de compressão. Diversos mecanismos que auxiliam na estabilização do VC têm sido incorporados
aos ventiladores modernos, independentemente do sistema gerador de fluxo utilizado81-83.
Diferentemente dos foles, os quais permanecem expostos nas estações de anestesia, os pistões não po-
dem ser visualizados. Os gases exalados pelo paciente ao reservatório do pistão não são percebidos. Além
disso, os ventiladores de pistão são extremamente silenciosos81.
Os ventiladores a pistão permitem um controle preciso do volume liberado, o que garante aumento
gradual de fluxo, como é necessário para os modos ventilatórios controlados a pressão81.
Um risco potencial está associado com os ventiladores de pistão, à semelhança dos ventiladores de fole
descendente no enchimento do reservatório do pistão na presença de vazamentos. Pode ocorrer entrada
de ar através do vazamento com consequente diluição da fração inspirada de oxigênio e do anestésico, o
que pode causar hipoxemia e despertar no transoperatório.

Ventiladores com Refletor de Volume81


É um sistema proprietário de reservatório rígido de gás propulsor81. O refletor de volume consiste em
um dispositivo em forma de espiral com aproximadamente 3,6 metros de canais de plástico com capaci-
dade de armazenamento de 1,2 litro para os gases exalados. Durante todos os modos de ventilação, o re-
fletor de volume está funcionalmente dentro do circuito. Ele está interposto entre o paciente e o módulo
refletor de gás durante a VM ou entre o paciente e a bolsa reservatória durante a ventilação espontânea
e assistida. O módulo refletor de gás funciona como a força motriz da ventilação controlada. Ao final da
expiração, o refletor de volume recebe, em sua extremidade proximal (próxima do paciente), o gás exa-
lado e, em sua extremidade distal, uma mistura de gases exalados e gás refletor. O módulo refletor de
gás é uma fonte de oxigênio controlada por um solenoide, a qual propele os gases exalados para fora do
refletor de volume para a via aérea do paciente durante a inspiração, através do absorvedor de CO2, em
direção ao paciente. Os gases frescos são adicionados ao trato de saída do refletor de volume para manter
a concentração de O2 e de anestésicos desejados (Figura 52.14).

Figura 52.14 - Esquema representativo de ventilador mecânico com refletor de fluxo em fase inspiratória82.

Durante o modo de ventilação espontânea, o módulo refletor de gás é inativado e o paciente respira
através do refletor de volume, sendo a pressão no circuito controlada pela válvula APL (válvula de duplo
controle APL-PEEP).
Esse sistema pode compensar perdas por vazamentos no circuito respiratório, através do fluxo no
módulo refletor de gás, além de sinalizar, ao operador, sobre as perdas, porém, pode ocorrer diluição
dos anestésicos.
1184 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Ventiladores de Turbina
A turbina é considerada uma das últimas evoluções incorporadas aos ventiladores utilizados em anes-
tesia84. Os ventiladores utilizam um sistema de alça fechada para a entrega de halogenados, e a turbina
eletrocontrolada está localizada na saída inspiratória. A tecnologia de turbina (Turbo-Vent®) é capaz de
realizar todos os modos ventilatórios existentes, inclusive os modos necessários em UTI.
A turbina é dinamicamente controlada por um motor de corrente contínua (DC), permitindo a geração
de pressão e a entrega do fluxo correspondente ao paciente durante a fase inspiratória e a entrega de
fluxo necessário para misturar os gases dentro do sistema ventilatório, independentemente do esforço
inspiratório realizado pelo paciente. Esses ventiladores permitem a ventilação espontânea em todos os
modos e com fluxo inspiratório virtualmente ilimitado.
Os ventiladores a turbina otimizam o uso de anestesia com baixo fluxo de gases, inclusive fluxo basal84.

Outros Mecanismos Incorporados às Estações de Anestesia


Nos ventiladores mais antigos, o VC e o Vmín são alterados quando há mudança no fluxo de gás fresco,
na relação I:E ou na frequência respiratória, mesmo quando a excursão do fole se dá normalmente81,83.
Isso ocorre porque a entrada de gás fresco no sistema se dá somente durante a fase inspiratória, e esses
ventiladores não possuem mecanismos para controlar a quantidade de gás enviada ao sistema. Os métodos
implementados atualmente para contornar esse problema são dois:
1. Compensação de gás fresco, em que a quantidade de gás fresco inspirada é mensurada e compen-
sada alterando-se a excursão do fole.
2. Válvula de desacoplamento. Ela é desenhada para desviar o gás fresco para um reservatório duran-
te a inspiração.
Os ventiladores modernos possuem dispositivos de compensação de acordo com a complacência me-
dida do circuito. Quando o ventilador é ligado, o microprocessador realiza uma série de checagens dos
componentes e testes no sistema de ventilação83. Isso pode variar, dependendo do fabricante. Um dos
testes avalia a complacência do sistema de ventilação. Para a realização precisa do teste, a traqueia e os
demais componentes do circuito utilizados para sua realização deverão ser os mesmos utilizados duran-
te a ventilação do paciente. Dessa maneira, o volume de gás comprimido perdido pode chegar a 120 ml,
em razão da complacência do sistema (espaço morto do circuito), que será compensado pelo ventilador
mecânico. Se não houver compensação por parte do ventilador, o VC será reduzido, o que pode ser per-
cebido através de uma discrepância entre o VC programado (VCins) e o VC expirado (VCexp). Alterações
nos componentes do circuito, como troca de traqueia ou adição/remoção de outros componentes após os
testes de complacência, causarão compensação imprecisa das perdas.
Os alarmes dos ventiladores devem ser ajustados para a detecção precoce de situações críticas. As es-
tações de anestesia possuem alarmes agrupados em três categorias: baixa, média e alta prioridades83. As
prioridades indicam condições que necessitam: a) somente da atenção do anestesista; b) ação rápida ou
c) ação imediata, respectivamente.
A desconexão do circuito respiratório/ventilador é um alarme de alta prioridade. Outros alarmes rele-
vantes são os ajustes de volume corrente mínimo e máximo; FR mínima; volume minuto mínimo e máximo;
e limites de pressão inspiratória de pico (PIP).
Os mecanismos limitadores de pressão são desenhados para limitar as pressões inspiratórias83. Eles
estão incorporados em todas as estações anestésicas. Os órgãos regulatórios internacionais exigem
que esses mecanismos possam ser ajustados. Os mecanismos limitadores de pressão podem funcio-
nar de duas maneiras distintas: 1) quando a pressão atinge o nível máximo permitido, o ventilador
mantém essa pressão até o início da expiração; 2) quando a pressão máxima permitida é atingida, o
ventilador cicla (termina a inspiração). Na ocorrência de o nível de pressão inspiratória máxima ser
atingido no modo VCV, o volume corrente ajustado não será entregue. Progressivamente, aumenta
o número de alarme disponível, para prevenir qualquer situação não desejada, que engloba o maior
número possível de segurança no uso de qualquer modo ventilatório, portanto, é essencial que o
anestesista seja consciente de sua importância e realize os reajustes necessários a cada mudança
de paciente.

Ponto 52 - Suporte Ventilatório | 1185


Finalmente, é importante frisar a necessidade imperativa de o anestesista conhecer bem as caracte-
rísticas e os recursos dos aparelhos de anestesias ou estações de trabalho (workstations) disponíveis nos
seus ambientes de trabalho. Os avanços, as mudanças rápidas de tecnologia e a complexidade de recursos
oferecidos pelos ventiladores exigem treinamento frequente e conhecimento do manual do fabricante.

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1188 | Bases do Ensino da Anestesiologia


ME3
PONTO 53

Qualidade e Segurança
em Anestesia
Roberto Manara Victorio Ferreira
Mestre em ciências da saúde pela Unifesp;
Instrutor Corresponsável pelo CET da PUC/Sorocaba, SP.

Airton Bagatini
Instrutor Corresponsável pelo CET do SANE;
Membro do Conselho Superior da SBA;
Gestor do Centro Cirúrgico do Hospital Ernesto Dornelles de Porto Alegre, RS.
Qualidade e Segurança em Anestesia
53.1.Taxonomia
53.2. Indicadores de qualidade: construção, análise e interpretações
53.3. Práticas hospitalares baseadas em evidências
53.4. Sistemas de gerenciamento de qualidade
53.5. Acreditação hospitalar

INTRODUÇÃO
A busca pela melhoria contínua da qualidade e segurança do paciente nos serviços de saúde tem rece-
bido atenção especial em âmbito global, despertando o interesse no meio acadêmico e uma necessidade
de sobrevivência nas instituições hospitalares.
O entendimento do conceito de segurança do paciente é importante para o dimensionamento do pro-
blema e a compreensão dos diversos fatores envolvidos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define
segurança do paciente como sendo a redução do risco de danos desnecessários associada à assistência em
saúde até um mínimo aceitável.
O mínimo aceitável refere-se àquilo que é viável diante do conhecimento atual, dos recursos disponíveis
e do contexto em que a assistência foi realizada diante do risco de não tratar ou escolher outro tratamento.

53.1. TAXONOMIA
De origem grega, o termo taxonomia significa o arranjo sistemático de objetos ou entidades do mundo
real ordenados em grupo.
Por causa da utilização de várias terminologias e definições na área de qualidade e segurança do pa-
ciente, a Organização Mundial de Saúde desenvolveu a Classificação Internacional para a Segurança do
Paciente (ICPS)1, com o objetivo de melhorar a comparação, medição, análise e interpretação das infor-
mações relacionadas ao cuidado do paciente.
Com a elaboração de uma taxonomia nessa área, é possível utilizar termos, conceitos e classificações
de forma consistente, compreensível e adaptável, permitindo melhor entendimento dos trabalhos publi-
cáveis, a organização sistemática e análise de informação relevante sobre o tema em todas as fontes de
pesquisa e a comparação de indicadores e resultados entre as várias instituições de saúde.
Entre os critérios subjacentes à classificação (ICPS), destacam- se:
• identificação e definição de conceitos-chave da área de segurança do paciente;
• adequação linguística e cultural das definições;
• conformidade com outras classificações da OMS.
A ICPS apresenta 48 conceitos-chave e termos preferidos. Dado seu caráter dinâmico, essa lista tende a au-
mentar, acompanhando o crescimento da área de segurança do paciente. Ainda deve-se ressaltar que alguns
desses qualificadores devem ser considerados implícitos quando esses termos são usados no contexto da ICPS1.
Entre os conceitos-chave e termos mais importantes aplicáveis à anestesia, estão:
1. Paciente: pessoa que recebe cuidado de saúde.
2. Cuidado de saúde: serviços recebidos por indivíduo ou comunidades para promover, manter, moni-
torar ou restaurar a saúde.
3. Saúde: estado de bem-estar físico, mental e social completo, e não apenas ausência de doença ou
enfermidade (consistente com a definição da OMS).
4. Doença: disfunção fisiológica ou psicológica.
5. Segurança: redução, a um mínimo aceitável, de risco de dano desnecessário.
6. Segurança do paciente: redução, a um mínimo aceitável, de risco de dano desnecessário associado
ao cuidado de saúde.

1190 | Bases do Ensino da Anestesiologia


7. Evento: algo que acontece com o paciente ou o envolve.
8. Agente: substância, objeto ou sistema que age para produzir mudança.
9. Incidente: evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em dano desnecessário
ao paciente. Pode ser oriundo de atos intencionais ou não intencionais.
10. Erro: definido como falha em executar um plano de ação como pretendido ou em aplicar um plano
incorreto. Erros são, por definição, não intencionais, enquanto violações são intencionais, embora
raramente maliciosas, e podem se tornar rotineiras e automáticas em certos contextos.
11. Perigo (hazard): circunstância, agente ou ação que pode causar dano.
12. Risco: probabilidade de um incidente ocorrer.
13. Violação: divergência deliberada de um procedimento cirúrgico, um padrão ou regra.
14. Dano: dano da estrutura ou função do corpo e/ou qualquer efeito deletério oriundo. Inclui doen-
ças, dano ou lesão, sofrimento, incapacidade ou disfunção e morte, e pode, assim, ser física,
social ou psicológica.
15. Dano associado ao cuidado de saúde: dano surgido por ou associado a planos ou ações realizadas
durante o cuidado de saúde em vez de a uma doença de base ou lesão.
16. Circunstância notificável (incidente notificável): circunstância em que houve potencial significativo
para o dano, mas o incidente não ocorreu.
17. Near miss: incidente que não atingiu o paciente. Erro que não se concretiza no paciente. Exemplo:
unidade de sangue conectada ao paciente de forma errada, erro detectado, porém, antes do início
da transfusão.
18. Incidente sem dano: o evento atingiu o paciente, mas não causou dano discernível. O erro se con-
cretiza no paciente, mas não causa dano. Quase lesão. Exemplo: a unidade de sangue acabou sendo
transfundida para o paciente, mas não causou lesão.
19. Incidente com dano (evento adverso): incidente que resulta em dano ao paciente. Erro que se con-
cretiza no paciente e causa dano. Exemplo: é feita a infusão de unidade errada de sangue no pa-
ciente e este morre por reação hemolítica.
20. Detecção: ação ou circunstância que resulta na descoberta de um incidente.
21. Ação de melhoria: ação realizada ou circunstância alterada para melhorar ou compensar qualquer
dano depois de um incidente.
22. Ações tomadas para reduzir o risco: ações tomadas para reduzir, administrar ou controlar qualquer
dano futuro ou probabilidade de dano associado a um incidente. Essas ações podem ser proativas
ou reativas. Proativas: podem ser identificadas por técnicas como análise de efeito e análise pro-
babilística de risco. Reativas: são aquelas tomadas em resposta aos aprendizados (insights) ganhos
depois de um incidente ocorrido.
23. Qualidade: grau com o qual os serviços de saúde aumentam a probabilidade de resultados de saúde
desejados, sendo consistentes com o conhecimento profissional atual.
24. Falha no sistema: refere-se a uma falta, desarranjo ou disfunção no esquema operacional, proces-
sos ou infraestrutura de uma organização.
25. Melhoria no sistema: resultado de cultura, processos e estruturas que estão relacionadas à preven-
ção de falha no sistema e à melhoria da segurança e qualidade.
26. Análise de causas: processo sistemático segundo o qual os fatores que contribuem para o incidente
são identificados pela reconstrução da sequência de eventos e pelo constante questionamento do
porquê de sua ocorrência até sua elucidação.
Alguns conceitos foram excluídos da ICPS por seus significados variarem entre as áreas (exemplo, ne-
gligência); apresentarem definições específicas em determinada área; já serem usados com significados
determinados em classificação da OMS (exemplo, sequela) e suas definições conceituais não poderem
ser universais.

Ponto 53 - Qualidade e Segurança em Anestesia | 1191


53.2. INDICADORES DE QUALIDADE: CONSTRUÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÕES
A melhoria da qualidade e a segurança do paciente são orientadas por dados. O uso efetivo dos dados
é mais bem alcançado no contexto ampliado da prática clínica e administrativa baseada em evidências2.
Uma das formas para avaliar a qualidade do médico assistencial em serviços de saúde é a adoção de
indicadores, sendo definidos como medidas utilizadas para determinar, através do tempo, o desempenho
de funções, processos e resultados3.
O objetivo de medir o desempenho é deixar de utilizar o conhecimento tácito, implícito e tomar deci-
sões em cima de fatos, evidências e informações sistematizadas4.
Medir o desempenho por meio de indicadores tem como objetivo apoiar as decisões com base em in-
formações quantificáveis; avaliar se a organização está cumprindo sua função; analisar e apoiar ações de
melhoria; avaliar e gerenciar a qualidade; analisar a estrutura e a efetividade de processos em relação à
meta; avaliar resultados em relação aos padrões; identificar problemas e suas causas; verificar mudanças
e tendências e fazer comparações com outras instituições ou em uma série histórica5-8.
Os indicadores podem ser divididos em:
a) Indicadores de ambiente ou meio externo - relacionados com as condições de saúde de determi-
nada população e os fatores demográficos, geográficos, educacionais, socioculturais, econômi-
cos, políticos, legais e tecnológicos, na existência ou não de uma instituição de saúde9.
b) Indicadores de estrutura - são os relacionados com a parte física de uma instituição: seus funcio-
nários; instrumentais; equipamentos etc.10.
c) Indicadores de processos - são os relacionados às atividades de cuidado realizadas em um pacien-
te, frequentemente ligadas a um resultado. São as atividades relativas à utilização de recursos e
aos relacionamentos entre pacientes e profissionais de saúde durante o tratamento11.
d) Indicadores de resultados - são os relacionados às consequências da atividade do hospital ou do
profissional, para a saúde dos indivíduos e também para a satisfação do paciente e sua qualidade
e expectativa de vida11.
Existem outros indicadores, como de eventos adversos, de performance, satisfação etc.
Não há indicadores infalíveis, por isso devemos respeitar alguns atributos12.
a) Validade/Pertinência – a capacidade de medir efetivamente ou estar correlacionado com o fe-
nômeno ou critério que se deseja monitorar. Grau no qual o indicador cumpre o propósito de
identificação de situações em que a qualidade dos cuidados deve ser melhorada. Imprecisões na
validade de um indicador implicam imprecisões em sua interpretação.
b) Facilidade/Disponibilidade – facilidade de acesso aos dados e de esforço para a coleta dos da-
dos, que estão disponíveis a tempo para diferentes áreas e momentos. Os dados são simples de
buscar e calcular.
c) Rastreabilidade – facilidade de identificação da origem dos dados, seu registro e manutenção.
d) Representatividade – atender às etapas críticas dos processos.
e) Objetividade/Clareza/Simplicidade – facilidade de ser compreendido. Ter objetivo claro do que
se pretende medir. Os dados são simples de analisar. Prontamente aplicáveis.
f) Especificidade – refletir apenas sobre as variações do fenômeno ou o critério específico de interesse.
g) Sensibilidade – detectar as variações ocasionais no comportamento do fenômeno de interesse
ou critério.
h) Confiabilidade – dados fidedignos; as mesmas medidas podem ser obtidas por diferentes pesquisa-
dores, diante de um mesmo evento, ou seja, são reprodutíveis em diversos âmbitos da organização.
i) Estabilidade – permanência no tempo, permitindo a formação de série histórica.
j) Baixo custo de obtenção.
Basicamente, construímos indicadores como parte do Programa de Melhoria da Qualidade e Segurança, para
propiciar a gestão dos processos de trabalho e avaliar os serviços de saúde. Deve-se focar nos processos que
apresentam alto risco para os pacientes, são prestados em grande volume e são propensos a problemas13,14,15.

1192 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Algumas estratégias são utilizadas para a montagem dos indicadores16,17:
a) identificar e sensibilizar os atores de interesse (realizar reunião em local e horário convenientes);
estabelecer o(s) processo(s) a ser(em) mapeado(s) e analisado(s) (relatórios, padrões de qualida-
de, fluxograma etc.);
b) mapeamento do(s) processo(s) (diagrama de Ishikawa, objetivo(s), dimensões da qualidade, ca-
deia fornecedor-cliente);
c) identificar a estrutura, o processo ou o resultado a ser monitorado; identificar o(s) ponto(s) críti-
co(s) que deve(m) ser monitorado(s) em cada processo;
d) levantar e priorizar os problemas – atuais ou potenciais (brainstorming, 5W e 2H, Matriz GUT, NGT);
e) identificar e priorizar soluções, definição do indicador coerente com o propósito do monitora-
mento (5W e 2H);
f) elaboração do indicador de acordo com os atributos (relevante, válido, confiável, claro, prático,
simples, fácil de coletar os dados e de medir);
g) elaborar ficha técnica, estabelecimento e revisão das metas, compartilhamento dos resultados
com a equipe envolvida no processo.
A ficha técnica do indicador, exemplificada na Figura 53.1, é um documento que apresenta os princi-
pais elementos de análise do indicador, incluindo o significado, e também especifica a importância do in-
dicador para a melhoria do desempenho. Obedece a uma sequência mínima: nome do indicador; fórmula;
tipo; fonte de dados; método; amostra; responsável pela elaboração; frequência e objetivo/meta16,17,18.

Figura 53.1 – Modelo de ficha técnica de indicador


Para o adequado gerenciamento dos indicadores (análise e interpretação), utiliza-se a meta como fator
determinante. Um indicador sem meta é apenas um gráfico de acompanhamento. Só passará a ser um
indicador depois de estabelecida sua meta18.
A meta dará informações sobre o sucesso ou o fracasso do processo na avaliação de um indicador.
Pode ser definida como valores arbitrados pré-fixados para os indicadores, a serem alcançados num
Ponto 53 - Qualidade e Segurança em Anestesia | 1193
determinado período de tempo. As metas devem ser factíveis, porém desafiadoras16. São formadas por
três componentes:
a) objetivo – o que se deseja alcançar; traduz a melhoria em relação à situação atual;
b) valor – a medida pretendida;
c) prazo – pode ser escalonado.
A avaliação através das metas deve ser realizada com periodicidade regular factível com o indicador.
Deve ser proposta após análise crítica, um plano de ação (PDCA), melhoria contínua e reavaliação da meta.
Concluindo, os indicadores são importantes instrumentos de gestão que possibilitam, de forma simples,
avaliar determinada situação, comparando os dados e administrando os achados.

53.3. PRÁTICAS HOSPITALARES BASEADAS EM EVIDÊNCIAS


Atualmente, com o avanço na área de saúde, a tomada de decisão deve estar pautada em princípios
científicos, a fim de garantir o cuidado ou a intervenção que propiciará maior êxito no tratamento19.
Dentro desse contexto, surge o termo “prática hospitalar baseada em evidências”, que pode ser defi-
nida como uma abordagem para o cuidado clínico e para o ensino, fundamentada no conhecimento e na
qualidade da evidência20. Também pode ser definida como a prática hospitalar em um contexto em que a
experiência clínica é integrada com a capacidade de analisar criticamente e ampliar, de forma racional, a
informação científica, com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência21.
A implementação da prática baseada em evidências poderá melhorar a qualidade do cuidado prestado
ao cliente e intensificar o julgamento clínico. Quando o cuidado é prestado norteado por essa abordagem,
as intervenções tornam-se mais efetivas e seus resultados proporcionam melhoria na assistência22.
Historicamente, a utilização de pesquisas na prática assistencial tem sido enfocada desde o início da
década de 1970, entretanto, várias são as barreiras que dificultam esse processo: falta de preparo; não
percepção da pesquisa como parte integrante do cotidiano; falta de tempo e suporte organizacional. Esse
movimento vem sendo exaustivamente discutido em países como Canadá, Reino Unido e Estados Unidos,
entretanto, no Brasil, mostra-se bastante incipiente22.
Para ser possuidor das competências necessárias para as práticas hospitalares baseadas em evidência,
deve ser capaz de:
a) identificar os problemas relevantes do paciente;
b) converter problemas em respostas;
c) pesquisar as fontes de informação;
d) avaliar a qualidade da informação e a força da evidência;
e) chegar a uma conclusão quanto ao significado da informação;
f) aplicar as conclusões dessa avaliação na melhoria do cuidado prestado23-27.
Para aplicar a prática baseada em evidências, formula-se uma questão clínica com base na necessidade
do cuidado a um paciente. Essa questão deve ser enunciada da forma mais clara possível e deve conter um
contexto de quatro elementos: problema; fator preditor (fator de risco, de prognóstico ou intervenção);
alternativa e resultado, conforme tabela a seguir.
Tabela 53.1 – Elementos da questão clínica

Elementos da Questão Clínica

Problema Descreva o problema.

Fator Preditor Que fator preditor estou esperando? Qual alternativa?

Resultado O que pode acontecer estando exposto a esse fator?

Exemplo de questão: em pacientes adultos submetidos a bloqueio de plexo braquial, o uso de ultrasson determi-
na a melhor qualidade do bloqueio?

1194 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Para determinar o fator preditivo, devem-se comparar duas ou mais alternativas. Assim, a alternativa
e o resultado podem ser fundidos.
Existem várias fontes para a busca de práticas baseadas em evidência. Entre elas podemos citar as
fontes primárias, como os bancos de dados on-line (Cinahl, Medline, Embase, Cochrane Library), e as fon-
tes secundárias. Devem-se buscar revisões sistemáticas já realizadas sobre o tema e estudos compatíveis
metodologicamente com a evidência que se deseja encontrar. O ensaio clínico controlado randomizado é
a abordagem quantitativa que fornece a melhor evidência.
Para analisar a qualidade das informações adquiridas, é necessário conhecimento epidemiológico,
bioestatístico e de metodologia de pesquisa. Na análise de um artigo, devem ser observados o objetivo do
estudo, a metodologia empregada e os resultados obtidos.
Devem ser analisados os conceitos de especificidade, a sensibilidade e o significado dos termos risco
relativo (relative risk); redução do risco relativo (relative risk reduction ou RRR); redução do rico absoluto
(absolute risk reduction); número necessário para tratar (number needed to treat ou NNT) e sobrevida
cumulativa (cumulative survival).
Por outro lado, algumas perguntas podem ser fundamentais para a análise:
1. Se o estudo fosse realizado no local onde exerço medicina, os resultados seriam semelhantes aos
encontrados pelo investigador?
2. O estudo oferece informações que permitem avaliar se os resultados dependem de características
demográficas e clínicas dos pacientes como: idade; gênero; nível educacional; gravidade da condi-
ção e doenças associadas?
3. Os benefícios foram avaliados juntamente com os custos e riscos?
4. As informações realmente ajudam a orientar meus pacientes?
5. As informações ampliam minha capacidade de colaborar com colegas de minha área e com outros
profissionais de saúde?
Apesar das várias dificuldades encontradas, conclui-se a importância das práticas hospitalares ba-
seadas em evidência, permitindo cada vez mais aproximar a teoria da prática em prol do atendimento
do paciente.

53.4. SISTEMAS DE GERENCIAMENTO DE QUALIDADE


Qualquer que seja a definição de “qualidade”, esta deve implicar respostas às necessidades do cliente
pelo produto adquirido, atuando de diferentes formas e intensidades, segundo o tipo de produto a ser
produzido ou o serviço prestado.
A aplicação da qualidade nunca deve estar desagregada da melhoria contínua, que é entendida como
um processo de mudanças frequentes que melhoram a organização e lhe agregam valor.
O Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ) é a estrutura organizacional criada para gerir e garantir a
qualidade, os recursos necessários, os procedimentos operacionais e as responsabilidades estabelecidas28.
O sistema de gerenciamento da qualidade deve ser documentado em um manual da qualidade compos-
to por processos operacionais; processos de suporte; processos de gestão e de procedimentos operacio-
nais que auxiliam na realização das tarefas diárias.
O objetivo do sistema de gestão da qualidade é fazer bem-feito da primeira vez, e não apenas detec-
tar o erro após o ocorrido. Para que isso seja possível, é necessário compreender os requisitos exigidos;
trabalhar de acordo com o plano estabelecido; possuir os meios necessários para a realização das tarefas;
trabalhar em equipe; ter competência para desempenhar a função; fazer formação e avaliar a qualidade.
Entre os princípios do gerenciamento da qualidade estão: focalização no cliente; espírito de liderança;
envolvimento de pessoas; abordagem dos processos; abordagem da gestão como um sistema; melhoria
contínua; abordagem factual e relação benéfica com fornecedores28-30.
Resumidamente, pode-se descrever esse processo no Ciclo Deming (PDCA):
a) plan (planejar): determinar os processos e objetivos para obter certo resultado;
b) do (executar): implantar os processos;

Ponto 53 - Qualidade e Segurança em Anestesia | 1195


c) check (verificar): monitorar e medir os processos;
d) act (atuar): implantar ações para melhorar continuamente o desempenho dos processos.
Para implantar um sistema de gerenciamento da qualidade, a instituição deve estabelecer:
a) estrutura documental: acervo que vai gerir o sistema de qualidade e as atividades associadas.
Deve haver um documento que determina o gerenciamento de todos os demais (Norma Zero ou
Norma Gerenciadora de Documentos). Todos os documentos devem ser numerados ou codifica-
dos, elaborados, revisados e aprovados segundo um fluxo estabelecido e organizado de forma
estrutural, como em forma de pirâmide31 (Figura 53.2).

Figura 53.2 – Estrutura documental

b) responsabilidade pela gestão: grupo que será responsável pelo gerenciamento da qualidade e
envolvimento do grupo de alta liderança da instituição nos processos de qualidade para a gestão
diária. Entre as responsabilidades estão:
• informar a organização sobre a importância dos requisitos dos clientes e das obrigações legais
e regulamentares;
• estabelecer uma política da qualidade, para assegurar que os objetivos da qualidade sejam
determinados e estejam em conformidade com a política;
• revisar o sistema de gerenciamento da qualidade;
• disponibilizar os recursos necessários.
c) medição, análise e melhoria: a organização deve planejar e implementar os processos de moni-
torização; medição; análise e melhoria necessários para demonstrar a conformidade. A monitori-
zação e a medição devem ser focadas na eficiência e utilizar, como base de análise, indicadores
validados e sua análise crítica periódica como instrumento de melhoria contínua30.
Alguns fatores de medição e análise são:
• satisfação do cliente;
• auditoria interna;
• monitorização do produto;
• monitorização dos processos.
Já a análise de dados gera um conjunto muito importante de dados e informações que deve ser utili-
zado para controle, gestão e revisão dos procedimentos e das práticas adotadas, ou seja, para suportar a
melhoria contínua32.
No que se refere à melhoria contínua, a organização deve melhorar paulatinamente a eficácia do sis-
tema de gerenciamento da qualidade, por meio da utilização da política da qualidade, dos objetivos da

1196 | Bases do Ensino da Anestesiologia


qualidade, dos resultados das auditorias, da análise dos dados, das ações corretivas e preventivas e da
revisão pela gestão.

53.5. ACREDITAÇÃO HOSPITALAR


Acreditação é uma palavra originária do inglês, utilizada por manuais de acreditação e que pode ser
definida como o procedimento de avaliação dos recursos institucionais, voluntário, periódico, reservado
e sigiloso que busca garantir a qualidade da assistência, por meio de padrões previamente definidos33,34.
Esses padrões podem ser mínimos ou mais exigentes, determinando o nível de qualificação da institui-
ção em questão.
Os padrões estabelecidos referem-se à segurança (estrutura), organização (processos) e excelência na
gestão, juntamente com a análise da adequação e o cumprimento da legislação vigente no país para a
assistência médico-hospitalar35.
Existe uma forte ligação entre o anestesiologista e os programas de acreditação hospitalar. Isso se
deve ao fato de esse profissional apresentar algumas características, como atuar em diversos locais da
instituição; conhecer várias especialidades médicas; manusear diversos equipamentos e medicamentos;
apresentar uma rotina bem estabelecida de trabalho e trabalhar em equipe36,37.
Os programas de acreditação hospitalar diferem de outros programas existentes de certificação de
qualidade como a International Organization for Standardization (ISO)38. Enquanto na ISO a certificação
pode ser realizada em setores específicos de uma instituição hospitalar, como no laboratório ou no setor
de radiologia, sem comprometer a instituição, na acreditação hospitalar, há o envolvimento da instituição
como um todo, não sendo possível certificar setores isoladamente dentro de uma mesma organização. Se
determinado setor for mal avaliado, esse resultado impactará em todo o hospital. Esse modelo consiste na
integração dos serviços, fator essencial para um nível de qualidade superior39.
Um ponto comum entre os programas de acreditação consiste na análise longitudinal da assistência
oferecida aos pacientes. Ou seja, a avaliação busca envolver todo o fluxo e movimentação do paciente
dentro da instituição, analisando sua admissão aos diversos setores e clínicas especializadas envolvidas
no atendimento. Serviços de suporte como higienização, hotelaria, segurança e manutenção são tam-
bém avaliados37,40.
No Brasil, a proposta de acreditação de serviços de saúde é ainda nova. Assim como ocorreu nos
Estados Unidos, onde, na década de 1920, coube ao Colégio Americano de Cirurgiões lançar e liderar
a ideia da acreditação hospitalar, também no Brasil coube ao Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) o
papel pioneiro no desenvolvimento da acreditação, em 1986, com a Comissão Especial Permanente de
Qualificação Hospitalar.
Na década de 1990, o Brasil passa a conhecer algumas iniciativas regionais relacionadas com a acredi-
tação hospitalar, ainda restrita a algumas entidades nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e
Rio Grande do Sul.
Em 1994, o CBC uniu forças com a Academia Nacional de Medicina e o Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ) e criou o Programa de Avaliação e Certificação de
Qualidade em Saúde (PACQS), com o objetivo de aprofundar a análise e a implementação de procedimen-
tos, técnicas e instrumentos voltados para a acreditação de hospitais
Em 1995, foi criado o Programa de Garantia e Aprimoramento da Qualidade em Saúde (PGAQS), pelo Mi-
nistério da Saúde, e foi implantada a Comissão Nacional de Qualidade e Produtividade, com o objetivo de
discutir temas relacionados com a melhoria da qualidade do serviço prestado nas instituições de saúde29,41.
Uma das atividades propostas foi a identificação de metodologias e manuais de acreditação utilizados
em outros países, como Estados Unidos, Canadá, Espanha e Inglaterra.
Nesse contexto, as instituições de saúde começam a trabalhar por acreditações internacionais, além
das nacionais já existentes.
No Brasil, existem algumas opções de acreditação hospitalar, destacando- se: a Organização Nacional
de Acreditação (ONA); a Joint Commission International (JCI); a Accreditaton Canada e a National Integra-
ted for Health Care Organization (NIAHO)29,41-43, demonstradas na Tabela 53.2.

Ponto 53 - Qualidade e Segurança em Anestesia | 1197


Tabela 53.2 – Número de hospitais acreditados nos programas de acreditação em janeiro de 2016

Programa de Acreditação Número de Hospitais


ONA 241
JCI 26
Acreditation Canada 20
NIAHO 97

Concluindo, após 20 anos de início do processo de acreditação hospitalar, ainda existem várias institui-
ções que não possuem o selo de acreditação
A obtenção de um certificado de avaliação externa não é garantia de sucesso e qualidade, entretanto,
pode fomentar melhorias, inovações, aprendizado e crescimento institucional quando bem utilizado, es-
tabelecendo uma cultura organizacional de qualidade e segurança.

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39. Greenfield D, Braithwaite J. Health sector accreditation research: a systematic review. Int J Qual Health Care,
2008;20:172-83.
40. Greenfield D, Braithwaite J. Developing the evidence base for accreditation of healthcare organizations: a call
for transparency and innovation. Qual Saf Health Care, 2009;18:162-3.
41. Consórcio Brasileiro de Acreditação. Rio de Janeiro. Disponível em: http://cbacred.org.br. Acesso: 10 jan. 2016.
42. Accreditation Canada International. Disponível em: http://www.internationalaccreditation.ca/en/home.aspx.
Acesso:10 jan. 2016.
43. Organização Nacional de Acreditação (São Paulo, SP). Manual brasileiro de acreditação: organizaçõeses presta-
doras de serviços de saúde. Versão 2016.

Ponto 53 - Qualidade e Segurança em Anestesia | 1199


ME3
PONTO 54

Gerenciamento do
Centro Cirúrgico
Erick Freitas Curi
Diretor do Departamento Administrativo da SBA;
Doutor em anestesiologia pela Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp;
Professor de anestesiologia da Universidade Federal do Espírito Santo.

Jacqueline Coelho Ferreira


Administradora hospitalar formada pela Unisinos;
Gerente administrativa da COOPANEST/ES.
Gerenciamento do Centro Cirúrgico
“Nada é mais prático do que uma boa teoria.”
(Kurt Lewin)
54.1. Gerenciamento da Eficiência

INTRODUÇÃO
“O mundo mudou e vai mudar cada vez mais. Estamos vivendo uma era de mudanças, incertezas,
complexidade e perplexidade” (Idalberto Chiavenato)1. E essa mudança constante deve ser percebida e
trabalhada no âmbito da anestesiologia e dos milhares dos centros cirúrgicos existentes.
A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) é signatária do Tratado de Helsinque para a segurança
do paciente anestesiado. Sendo uma sociedade certificada pelo o Sistema ISO 9001:2008 de qualidade
de gestão, o tema Segurança e Qualidade compõe parte de seu planejamento estratégico. Devido a sua
importância, em 2016, tal tema foi eleito como de suma importância, o que, consequentemente, fez au-
mentar o comprometimento da SBA com a segurança dos milhares de atos anestésicos e com a garantia
da qualidade em seu mais amplo sentido.
A anestesiologia é uma especialidade médica de extrema complexidade. O médico anestesiologista
deve ser parte integrante de toda a discussão, planejamento e execução das novas maneiras de se geren-
ciarem serviços médicos e sua eficiência, bem como da utilização de salas cirúrgicas; do uso adequado dos
sistemas de informação; dos custos; dos conflitos e até mesmo do fluxo seguro da esterilização de mate-
rial. Porém, essas atividades não podem comprometer a atenção desse especialista no paciente, que deve
ser integral e prioritária. Assim, é fundamental uma evolução cultural para uma estrutura administrativa
que garanta ao profissional a tranquilidade do exercício pleno de sua profissão.
É recomendado que qualquer serviço de anestesia siga uma estrutura básica, assim teorizada pelos
próprios autores e com a seguinte composição:
1. Administrador – pessoa obrigatoriamente formada em administração. Dependendo do tamanho e da
complexidade do serviço, poderá ser um funcionário da estrutura hospitalar, da empresa de anes-
tesiologia ou contratado para serviços específicos ou consultorias.
2. Gestor – de preferência, um médico anestesiologista que seja reconhecido pelo seu carisma, capa-
cidade resolutiva, organização, conhecimento e, acima de tudo, envolvimento com o serviço. Além
disso, deve ser possuidor de autoconfiança e ter competência para gerenciar conflitos; ser proativo;
ter gosto pelo aprendizado; saber controlar processos e pessoas; ter habilidade de treinar pessoas
e reter talentos2. Um líder.
3. Visão Sistêmica – visão sistêmica é a visão do todo, que busca excelência naquilo que diz respeito à
organização3. Sem a visão sistêmica instituída, o planejamento estratégico da empresa terá enorme
possibilidade de partir de uma premissa equivocada, gerando, assim, péssimos resultados.
4. Planejamento estratégico – trata-se de uma metodologia gerencial que permite estabelecer a dire-
ção a ser seguida pela organização, visando a um maior grau de interação com o ambiente (Kotler).
É um processo contínuo e sistemático que possui o maior conhecimento possível acerca do futuro
(Peter Drucker).
5. Gestão de projetos – é a aplicação correta de ferramentas e técnicas, habilidades e conhecimentos
que garantam o sucesso do projeto.
6. Obediência tática – é um ponto fundamental. Toda a equipe deve estar envolvida e “obediente”.
Do contrário, o planejamento estratégico será apenas um quadro na parede.
7. Gestão orientada por resultados – qualquer organização existe não para si mesma, mas para alcançar
objetivos e produzir resultados. É nesse sentido que a organização deve ser dimensionada, estrutu-
rada e orientada. São os resultados que justificam a existência e a operação de uma organização1,4.
É fundamental que haja crença para que possa haver envolvimento. Os sete pontos citados ante-
riormente é no que acreditamos para a confecção de um caminho administrativo e gerencial seguro e
focado no sucesso.
1202 | Bases do Ensino da Anestesiologia
54.1. GERENCIAMENTO DA EFICIÊNCIA
Gerenciamento é o ato ou efeito de gerenciar, ou seja, a qualidade de dirigir uma empresa como ge-
rente. É o exercício das funções de gerente. A eficiência é a ação, força, virtude de produzir um efeito;
eficácia. Estatisticamente, é a medida da significação da estimativa de um parâmetro, obtida com base
em uma amostra e que é igual ao quociente de variância da estimativa pela variância de um estimador
de eficiência máxima5.
Harrington Emerson (1853-1931) foi um engenheiro que simplificou os métodos de trabalho. Popularizou
a administração científica e desenvolveu os primeiros trabalhos sobre seleção e treinamento de emprega-
dos. Os princípios de rendimento preconizados por Emerson são os seguintes6:
1. Traçar um plano bem definido, de acordo com os objetivos.
2. Estabelecer o predomínio do bom senso.
3. Oferecer orientação e supervisão competentes.
4. Manter a disciplina.
5. Impor honestidade nos acordos, ou seja, justiça social no trabalho.
6. Manter registros precisos, imediatos e adequados.
7. Oferecer remuneração proporcional ao trabalho.
8. Fixar normas padronizadas para as condições de trabalho.
9. Fixar normas padronizadas para o trabalho em si.
10. Fixar normas padronizadas para as operações.
11. Estabelecer instruções precisas.
12. Oferecer incentivos ao pessoal para aumentar o rendimento e a eficiência.
Ao analisar os princípios de Emerson, percebemos que ele se antecipou à administração por objetivos
propostos por Peter Drucker, por volta da década de 1960.
Entre as várias teorias da administração, a científica enfatiza os métodos e a racionalização do tra-
balho; a teoria clássica chama atenção para os princípios gerais da administração; a teoria neoclássica
considera os meios na busca da eficiência, mas reforça os fins e os resultados na obtenção de eficácia. Há
um forte deslocamento para os objetivos e resultados4.
A administração por objetivos (APO), cerne do gerenciamento da eficiência, deve levar em conside-
ração os Ciclos da APO. Essa ferramenta é importante, pois o resultado de um ciclo permite correções e
ajustamentos no ciclo seguinte, por meio da retroação proporcionada pela análise dos resultados7.
Aqui, tentaremos adaptar as teorias de dois grandes teóricos da administração neoclássica para a rea-
lidade de um serviço de anestesiologia.
Modelo de Humble – segundo o próprio Humble, a APO é um sistema dinâmico que procura integrar as
necessidades de uma empresa em definir seus alvos de lucro e crescimento com a necessidade de o ge-
rente contribuir com isso e se desenvolver. Os seguintes cuidados podem ser citados:
• Revisão crítica dos planos estratégicos e táticos do serviço de anestesia.
• Esclarecimento, para toda a equipe, dos resultados-chave e dos padrões de desempenho que pre-
cisam ser atingidos.
• Criação de um plano de melhoria da função que permita mensurar a contribuição de cada aneste-
siologista para o alcance dos objetivos do serviço.
• Promoção de condições que permitam atingir os resultados-chave.
• Uso sistemático da avaliação do desempenho para ajudar cada anestesiologista a superar seus pon-
tos fracos e aceitar a responsabilidade pelo seu desenvolvimento pessoal e profissional.
• Aumento da motivação de cada anestesista e do gestor do serviço por maior responsabilidade, pla-
nejamento da carreira e participação nos resultados de seus objetivos.
Modelo de Odiorne – modelo de sete etapas que adaptamos para os serviços de anestesiologia, na fi-
gura a seguir (Figura 54.1).
Ponto 54 - Gerenciamento do Centro Cirúrgico | 1203
Figura 54.1 – Modelo de APO de Odiorne adaptado, pelos autores, para serviços de anestesia (adaptado de
Idalberto Chiavenato)1
Revendo o que propusemos na introdução deste capítulo, não consideramos que seja papel do gestor
ser conhecedor profundo dessas teorias ou o arquiteto de todo esse processo. Por isso, consideramos in-
dispensável a figura do administrador, pois, sendo especialista, apresentará as ferramentas necessárias
para o desenvolvimento das ações e orientará, de forma eficaz, todo o processo.
Talvez, uma questão óbvia deverá ser deixada ainda mais clara. Para o gerenciamento adequado de um ser-
viço de anestesiologia e, consequentemente, a obtenção de bons resultados, é fundamental que exista siner-
gismo entre o planejamento estratégico hospitalar e seus objetivos e os do serviço de anestesiologia. O concei-
to de ilhas de excelência contribui mais para a competição predatória do que para a cooperação construtiva.
Lembrem-se, o sucesso é uma mescla de eficiência e justiça. Quanto maior a sensação de justiça no
seu serviço, maior será o comprometimento de todos e mais eficiente será a sua empresa.

54.1.1. Gerenciamento da Utilização de Salas Cirúrgicas


A utilização da capacidade cirúrgica máxima constitui uma das principais medidas que visam à eficiência,
visto que pacientes cirúrgicos representam a maior receita hospitalar em uma instituição de cuidados da
saúde8. É necessário a superação de toda cultura que estimule a competição entre diferentes profissionais da
área de saúde. A complexidade do sistema hospitalar necessita que todos os atores trabalhem em sinergismo
e cooperação. Os enfermeiros possuem inquestionável papel no gerenciamento das unidades cirúrgicas e,
por causa da experiência dos médicos anestesiologistas nas áreas de segurança e qualidade, esses dois pro-
fissionais, juntos, possuem capacidade ímpar na construção de um ambiente cirúrgico eficiente.
Os enfermeiros estão cada vez mais envolvidos nas decisões financeiras e no planejamento orçamen-
tário das instituições, tendo que gerir recursos (humanos, materiais e financeiros) muitas vezes escas-
sos9. O médico anestesiologista é o especialista que passa maior tempo dentro da unidade cirúrgica, e
isso contribui, de forma significativa, para que as informações captadas por esses profissionais possam se
transformar em conhecimento, utilizando da sabedoria e experiência desses profissionais. Dessa forma,
em termos de gerenciamento da utilização das salas cirúrgicas, deve ser trabalhada a não dissociabilidade
desses dois importantes profissionais.
Esses agentes de mudança só alcançarão resultados positivos (eficiência) se equacionarem três variá-
veis de uma mesma equação: qualidade, quantidade e custo. Conforme discutido anteriormente, medir
o desempenho é uma importante ferramenta para que os gestores possam corrigir trajetórias e melho-

1204 | Bases do Ensino da Anestesiologia


rar a execução do planejamento. Ferramentas como o Ciclo de Humble e de Odiorne são exemplos a
serem utilizados7,10.
A discussão do gerenciamento das salas cirúrgicas deve ser integrada a duas outras teorias: uma é a
otimização, que é definida como a determinação de um valor ótimo de uma grandeza ou conjunto de gran-
dezas; a outra teoria é a da resistência, ou seja, fatores que representam a perda da capacidade opera-
cional. Esses fatores que compõem a resistência, como atrasos e cancelamentos, devem ser evitados ao
máximo, pois prejudicam o preparo pré-operatório, aumentam os custos de forma significativa e geram
desconforto para o paciente e seus familiares, bem como o descontentamento e a insatisfação de toda a
equipe. A otimização passa por processos bem estabelecidos para a visita pré-anestésica; planejamento
do mapa cirúrgico; recursos humanos e gerenciamento de material, entre outros. Para isso, é necessário
instituir métodos de controle para padronizar e corrigir problemas8,11,12.
O mapa cirúrgico deve ser bem dimensionado, visando à diminuição do tempo de ociosidade das salas
cirúrgicas e à adequada administração dos intervalos de sua utilização. Isso contribui para reduzir atrasos
e melhorar a gestão de instrumentos, equipamentos e materiais. No entanto, o conjunto de todas essas
ações traz ganho significativo para algo inegociável, a segurança do paciente.
A experiência nos leva a destacar duas importantes características de algumas equipes que podem
contribuir para o mau andamento das atividades no centro cirúrgico e até mesmo inviabilizar uma gestão
adequada e humanizada. Trata-se do egoísmo e da ausência de bom senso. Todas as equipes cirúrgicas
possuem características gerais e específicas. As especificidades não podem ser hipervalorizadas a ponto
de inviabilizar o andamento lógico do serviço. No entanto, esse trabalho, muitas vezes, deve ser individua-
lizado, sendo, algumas vezes, necessárias regras rígidas para se fazer parte do corpo clínico da unidade.
E como medir a eficiência dos serviços prestados pelo centro cirúrgico? Deve-se monitorar a pontuali-
dade das cirurgias e o tempo mínimo entre elas e flexibilizar a utilização das salas cirúrgicas disponíveis,
com foco na capacidade no atendimento de emergências e no encaixe de cirurgias extras, além de baixa
taxa de suspensão de cirurgias e alta utilização das salas de cirurgia13,14.
Um importante estudo apresentou como objetivo geral analisar a dinâmica das salas de cirurgia, atra-
vés de índices operacionais que medem a otimização, resistência, sobrecarga e ocupação do centro ci-
rúrgico. Teve como objetivos específicos identificar os fatores que mais se associaram às variáveis depen-
dentes pesquisadas (índice de sobrecarga, resistência e otimização) e identificar a associação da taxa de
ocupação com esses índices15.
O estudo ocorreu em um hospital terciário e privado. Optou-se por uma análise global do centro cirúrgico,
que constava de dez salas equipadas uniformemente. Avaliaram-se as variáveis dentro dos seguintes critérios:
• Taxa de ocupação: uso efetivo da capacidade operacional do CC. Calculada pelo tempo (em minu-
tos) total de uso da sala de operação somado ao tempo gasto na limpeza e no preparo da SO, dividi-
do pelo total de horas que o CC estava disponível (7-18 horas = 660 minutos) e multiplicado por 100.
• Índice de sobrecarga: mede o uso excessivo (índice de sobrecarga positiva) ou reduzido (índice de
sobrecarga negativa) da capacidade operacional da SO. Foram considerados como variáveis: o tem-
po real de duração da cirurgia e o tempo reservado da SO na marcação da cirurgia pelo cirurgião.
Esse índice é calculado pela diferença entre o tempo real e o tempo reservado (em minutos), divi-
dida pelo tempo reservado e multiplicada por 100.
• Índice de otimização: ganho de capacidade operacional ocasionado por aspectos facilitadores do
movimento cirúrgico que se contrapõem às situações de resistência. Foram considerados como va-
riáveis: a pontualidade; o tempo de adiantamento das cirurgias; a taxa de cirurgias extras; o rema-
nejamento cirúrgico; o tempo de limpeza e preparo da SO igual ou menor que 20 minutos.
• Indicadores de resistência: perda da capacidade operacional ocasionada por obstáculos que inter-
feriram na capacidade de produção de serviços. Foram considerados como variáveis: atrasos para
o início das cirurgias (≥ a 16 minutos); cancelamentos; tempo de limpeza e preparo da SO maior ou
igual a 21 minutos.
A pesquisa apresentou a seguinte conclusão: “Verificou-se que os três índices estudados estiveram as-
sociados à taxa de ocupação, pois essa taxa foi a primeira variável selecionada nos índices de sobrecarga,
resistência e otimização. Sendo assim, intervir proativamente nesses índices operacionais pode acarretar

Ponto 54 - Gerenciamento do Centro Cirúrgico | 1205


melhor gerenciamento do CC. Essa intervenção exige combater as posturas acomodadas, dando ênfase ao
trabalho em equipe, meios eficazes de comunicação interpessoal e comprometimento de todos aqueles
envolvidos com a dinâmica da SO”15.
A citação desse excelente trabalho instiga a avaliar nossas instituições. E a busca da utilização eficiente
das salas cirúrgicas corrobora melhor qualidade do atendimento e maior quantidade de eventos cirúrgicos
realizados em menores custos.

54.1.2. Gerenciamento do Serviço de Anestesia16


O Gerenciamento do Serviço de Anestesia passa obrigatoriamente pela gestão de qualidade em aneste-
siologia. Ou seja, não há um serviço de anestesiologia bem gerenciado sem que ocorra prioridade total à
qualidade e segurança do ato anestésico em si. Assim, são determinantes a mudança e o aperfeiçoamento
cultural, para que tenhamos transformação efetiva e eficiência do serviço.
Conforme citado anteriormente, para o gerenciamento adequado de um serviço de anestesiologia e,
consequentemente, a obtenção de bons resultados, é fundamental que exista sinergismo entre o plane-
jamento estratégico hospitalar e seus objetivos e os do serviço de anestesiologia. O conceito de ilhas de
excelência contribui mais para a competição predatória do que para a cooperação construtiva.
Os anestesiologistas devem estar envolvidos em sua totalidade. Porém, a formação de uma equipe
própria de controle da qualidade e de gerenciamento é desejável. Um passo importante é a realização de
reuniões periódicas que englobem todos os membros da equipe.
O desenho de um programa de qualidade é indispensável. O programa deve ser perene, ou seja, não
pode ter data de término. Em essência, a qualidade total implica o reconhecimento de que sempre haverá
formas melhores de fazer. É a lapidação constante da pedra bruta. O acreditar que não existe mais nada
a ser melhorado é a antessala do fracasso. O programa deve evitar, prevenir ou minimizar as não confor-
midades e os erros do sistema. O objetivo principal é garantir que o melhor atendimento possível seja
prestado e que a anestesia oferecida aos pacientes seja segura, mas que exista foco também na saúde
ocupacional do próprio anestesiologista.
Um gerenciamento adequado do serviço de anestesiologia necessita de recursos. Assim, das planilhas
financeiras da empresa deve constar uma rubrica específica para o aperfeiçoamento do sistema de ges-
tão (contratação de administrador; remuneração do gestor; investimento em planejamento estratégico
e seus realinhamentos; mecanismos de controle e avaliação de resultados). O grupo de anestesiologistas
deve estar convencido de que sua empresa precisa de critérios claros e definidos de gestão para alcançar
qualidade nos serviços. Para isso, devem estar inseridos os elementos (critérios de excelência) do modelo
de gestão16:
I. Liderança (gestor – obrigatoriamente um médico anestesiologista).
II. Estratégias e planos.
III. Clientes e sociedades (definir os clientes, suas necessidades e anseios, e criar condições
para atendê-los).
IV. Informação e conhecimento (proteção do capital intelectual do serviço).
V. Pessoas.
VI. Recursos materiais (infraestrutura, ambiente e equipamento).
VII. Processos (interação das pessoas com a estrutura e entre elas).
VIII. Resultados (produto).
A busca da legalidade e do respeito pela vida humana é condição indispensável para o bom andamento
de qualquer serviço anestésico. Assim, as normas estabelecidas na Resolução nº 1.802, de 2006, do Con-
selho Federal de Medicina, devem ser inflexivelmente observadas, e o ato da anestesia simultânea deve
ser combatido duramente, aumentando, assim, a segurança do ato anestésico e diminuindo o fator de
estresse do profissional.
O faturamento do serviço pode ser correlacionado com o sistema nervoso central. É importante haver
perfeita integração entre o faturamento, o financeiro e o contábil. Evidências claras, que respeitem al-
gumas pequenas exceções, demonstram que os médicos faturam mal e, consequentemente, colecionam

1206 | Bases do Ensino da Anestesiologia


perdas financeiras e problemas contábeis. É recomendável que sejam observadas as legislações vigen-
tes no país, como a Lei Federal 13.019, que versa sobre as regras de contratação entre os médicos e as
operadoras de planos de saúde. Em alguns estados da Federação, os anestesiologistas se organizam em
sociedades cooperativas, muitas delas denominadas COOPANEST. Estas são, em sua maioria, centros de
excelência em gerenciamento de contratos (públicos e privados), faturamento, processamento financeiro
e contabilidade. Algo facilitador na vida daqueles que possuem uma jornada de trabalho extensa e exaus-
tiva. O investimento em pessoas treinadas e competentes que desenvolvam esses serviços não deve ser
visto como “custo”, e sim “investimento”.
É louvável que o gestor do serviço busque um relacionamento honesto, ético e de ganha-ganha com
a representação das empresas fornecedoras de fármacos anestésicos, equipamentos de monitorização e
material em geral. Esse relacionamento pode ter como consequência o desenvolvimento de projetos em
conjunto que visem a melhorias no serviço e ações em prol da melhor assistência aos pacientes. Em um
cenário de recursos escassos e dificuldades constantes de financiamento, essas relações podem viabilizar
muitos projetos que, do contrário, seriam apenas ideias.
Por fim, nos parece que o maior desafio do gerenciamento dos serviços de anestesiologia seja o bem-
-estar ocupacional dos anestesiologistas. Infelizmente, nossos especialistas estão expostos a uma série
enorme de riscos, muitos envolvendo questões psicológicas. A Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em
parceria com o Conselho Federal de Medicina, publicou o livro Bem-Estar Ocupacional em Anestesiologia,
que foi traduzido para quatro idiomas, por solicitação de sociedades de anestesiologia de todo o mundo,
o que aponta para uma preocupação mundial. Nessa publicação, foram debatidos os seguintes assuntos: o
estresse médico causado por situações de emergência – a fadiga e sua correlação com doenças, suicídios e
erros médicos; dependência química; síndrome de burnout; comprometimento da segurança do paciente
cirúrgico; riscos mecânicos; riscos ergonômicos; riscos biológicos; exposição aos anestésicos inalatórios;
exposição a agentes químicos; acidentes perfurocortantes, entre outros. Não é possível que esse assunto
deixe de ser discutido no âmbito do planejamento estratégico e das ações de gerenciamento dos serviços
de anestesiologia17.

54.1.3. Gerenciamento de Sistemas de Informação


“As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar,
depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a
boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel.”
(Umberto Eco, após uma cerimônia na Universidade de Turim, 2015)
Malcolm S. Thaler é autor de um dos melhores e mais didáticos livros de eletrocardiograma da atua-
lidade. Em um momento filosófico do texto, ele nos brinda com a seguinte frase: “As informações só se
tornam conhecimento com sabedoria e experiência.” Uma frase reflexiva para o tema aqui debatido.
Um sistema de informação é composto por todos os componentes que recolhem, manipulam e dissemi-
nam dados ou informação. Incluem-se, tipicamente, hardware; software; pessoas; sistemas de comuni-
cação como linhas telefônicas e os dados propriamente ditos. As atividades envolvidas incluem introdução
de dados; processamento dos dados em informação; armazenamento de ambos e a produção de resulta-
dos, como relatórios de gestão.
As informações e os sistemas de informação têm passado por uma enorme revolução. Ao terminar de
escrever esta frase, provavelmente, inúmeras informações foram publicadas nos mais diversos meios de
comunicação e, nos próximos minutos, estarão influenciando decisões em inúmeras organizações. Muitas
instituições já colocam o sistema de informação no mesmo patamar de importância do capital e do traba-
lho. É necessário um sistema eficiente para acompanhar o ritmo das publicações e, principalmente, que
se consiga julgar com certa celeridade o que de fato vale a pena aproveitar.
Os sistemas de informação evoluíram para dar suporte aos demais sistemas gerenciais, seja de efi-
ciência; salas cirúrgicas; serviços; custos e conflitos, entre outros vários. Podemos afirmar que essas
ferramentas visavam acelerar e aumentar a segurança nas tomadas de decisão. Mais recentemente,
utilizam-se dados obtidos, organizados e estudados dentro desses sistemas para embasar o planeja-
mento estratégico das organizações, melhorando suas chances competitivas e a qualidade dos servi-
ços prestados22.

Ponto 54 - Gerenciamento do Centro Cirúrgico | 1207


O desafio gerencial mais importante a partir dos anos 1990 foi o uso da tecnologia da informação para
reestruturar os negócios e a organizações, garantindo uma crescente eficiência e eficácia. Foi determi-
nante desenvolver amplo conhecimento dos fatores que influenciam o gerenciamento dos sistemas de
informação23. Destacam-se sete fatores que são considerados críticos nessa análise:
1. Crescimento tecnológico acelerado.
2. Descentralização.
3. Integração e conexão.
4. Escassez de recursos humanos qualificados.
5. Mudanças no ambiente.
6. Gerenciamento de sistemas internacionais.
7. Um novo papel para os sistemas.
No cenário de um centro cirúrgico, devem-se buscar o equilíbrio entre a qualidade do serviço prestado,
a quantidade produzida e um controle dos custos. Nesse ambiente, temos o envolvimento de diferentes
profissionais. Assim, só será possível o acompanhamento das inúmeras novas informações se o sistema
estiver descentralizado, ou seja, cada equipe obtendo informações importantes para o próprio aperfei-
çoamento. São a integração e a conexão das informações que garantem o crescimento em bloco de todo
o serviço. Especificamente na anestesiologia, o papel mais importante desses sistemas é o aumento da
segurança ao paciente anestesiado.
Estamos vivendo a chamada Era da Informação. Não há dúvidas de que o gerenciamento dos sistemas
de informação é indispensável para a sobrevivência e o andamento eficiente dos centros cirúrgicos. Po-
rém, o grande desafio da gerência ou do gestor é garantir que as informações coletadas e processadas
possam chegar até a equipe, através de ações definidas previamente, evitando que médicos e enfermeiros
desviem sua atenção da prioridade máxima, que é o paciente.

54.1.4. Gerenciamento de Custos


O gerenciamento de custos é outra tarefa desafiadora no ambiente cirúrgico. Uma das principais ca-
racterísticas dessa ação é a identificação dos desperdícios e a elaboração de ações, a fim de diminuir ou
abolir tal dispêndio, muitas vezes evitáveis.
Um trabalho realizado num hospital universitário na cidade de São Paulo objetivou identificar o tipo, a
quantidade e o custo do material de consumo encaminhado, utilizados, estornado e desperdiçado nas ci-
rurgias; classificou o desperdício como perdas evitáveis e não evitáveis e calculou o índice de desperdício
do material de consumo no intraoperatório. Tratou-se de um estudo de caso, descritivo e exploratório,
com abordagem quantitativa. A amostra de conveniência correspondeu a 105 tipos de material de con-
sumo encaminhados para 275 cirurgias observadas entre fevereiro e maio de 2011. Os itens mais desper-
diçados foram fio cirúrgico, algodão e compressa de gaze. O custo total de desperdício foi de R$ 709,84.
O percentual médio de desperdício na amostra foi de 9,34%, sendo 1,23% evitável e 8,14% não evitável.
Esse estudo evidenciou que o gerenciamento eficiente dos recursos materiais reduz custos dos processos
e diminui desperdícios24.
Outro estudo discutiu a problemática do cancelamento de cirurgias sob a perspectiva econômico-
-financeira. Foi realizado em uma unidade de centro cirúrgico em um hospital de ensino, objetivando
identificar e analisar os custos diretos (recursos humanos, medicamento e material) e os custos de
oportunidades gerados pelo cancelamento de cirurgias eletivas. Foram três meses consecutivos de
coleta de dados, em que foram utilizados documentos institucionais e formulário elaborado pelos
pesquisadores. Apenas 23,3% (58:249) das cirurgias canceladas representaram custo para a institui-
ção. O custo direto total dos cancelamentos foi de R$ 1.713,66 (custo médio por paciente: R$ 29,54),
assim distribuídos: despesas com material de consumo: R$ 333,05; processo de esterilização: R$
201,22; medicamentos: R$ 149,77; e recursos humanos: R$ 1.029,62. O custo com recursos humanos
representou o maior percentual em relação ao custo total (60,1%). Concluiu-se, ainda, que a maior
parte dos cancelamentos era evitável e que o planejamento administrativo; o redesenho de processos
de trabalho; medidas educativas de pessoal e avaliação clínica prévia são estratégias recomendadas
para a minimização da ocorrência25.

1208 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Outro ponto a ser considerado é que o progresso tecnológico na área da saúde tem provocado a ele-
vação dos custos da assistência médica, levando preocupação para a população mundial, para os agentes
privados e para os representantes das políticas públicas. Um trabalho de pesquisa foi realizado com o
objetivo de apresentar o impacto do progresso tecnológico – delimitado à incorporação de equipamentos
médicos – nos custos do tratamento hospitalar. Escolheu-se o tratamento médico para a litíase urinária
(litotripsia e cirurgias). O estudo foi feito no serviço de litotripsia e no Centro Cirúrgico do Hospital Uni-
versitário de Brasília. O estudo chegou à conclusão que o principal impacto do progresso tecnológico nos
custos do tratamento da litíase urinária são: o aumento da capacidade instalada; a geração de despesas
com obsolescência e o incremento da receita26.
Os três estudos citados nos convidam a uma importante reflexão sobre custos. O progresso tecnológi-
co, o cancelamento de cirurgias e a análise dos desperdícios são apenas alguns pontos explorados pelos
autores e que causam impacto significativo nos custos.
O gerenciamento dos custos é parte integrante dos processos de gestão e gerenciamento da eficiência.

54.1.5. Gerenciamento de Conflitos


Conflito: do latim conflictu, é sinônimo de choque, embate, peleja. Do verbo em latim confligere, tem
como significado lutar. O dicionarista ainda traz como sendo o embate dos que lutam. Alguns conside-
ram essa palavra como sendo uma discussão acompanhada de injúrias e desavenças. Os telejornais quase
sempre noticiam as guerras utilizando do termo “conflito”5. O certo é que a análise dos significados nos
orienta para um universo em que as perdas em situações conflituosas são sempre maiores que os ganhos.
Assim, em tese, não parecem saudáveis situações de conflito no âmbito de uma organização (Figura 54.2).

Figura 54.2 – O continuum das fontes de conflito (adaptado da referência 1)

Em qualquer ambiente de trabalho, é necessário um número suficiente de pessoas (e dentro de um


regime de trabalho compatível com um desempenho satisfatório, aqui incluídos intervalos entre proce-
dimentos e plantões) para a administração da anestesia, avaliação pré-anestésica, recuperação, visita
pós-anestésica (incluindo controle da dor pós-operatória) e supervisão. Essas atividades são consideradas
essenciais e, portanto, não comparáveis em nível de relevância16. Respeitar essa questão é um primeiro
passo efetivo no gerenciamento de conflitos. O trabalho com o número adequado de profissionais, respeito
às condições humanas básicas e valorização de todos, sem distinção, é fator inquestionável na redução do
estresse, o que, obviamente, reduz os conflitos.
Outro ponto muito importante, mas geralmente possível somente nos grandes serviços, seria respeitar
as especificidades de cada profissional, garantindo, por exemplo, anestesias pediátricas àqueles profissio-
nais que se sintam mais à vontade para realizá-las ou que gostem mais desse ato específico.
Uma corrente de pensamento administrativo denominada “estruturalistas” acredita que os conflitos, em-
bora nem todos desejáveis, sejam elementos geradores de mudança e inovação na organização. Onde existe
conflito, existem ideias, sentimentos, atitudes ou interesses antagônicos ou colidentes que podem se chocar18.
Convém lembrar que, para falarmos em acordo, aprovação, coordenação, resolução, unidade, consentimento,
consistência, harmonia, devemos lembrar que existe também a eminência de seus opostos: desacordo, desa-
provação, dissenção, desentendimento, incongruência, discordância, inconsistência, oposição – que nada mais
é que o conflito. O conflito é a condição geral do mundo animal19. O ser humano se diferencia dos outros ani-
mais pela sua capacidade de atenuar conflitos, porém, sem habilidade de eliminá-los.
Ponto 54 - Gerenciamento do Centro Cirúrgico | 1209
É preciso que haja semelhança de interesses – reais ou supostos – entre indivíduos e organizações para
que tenhamos as fontes de cooperação. Já a fonte de conflito é a divergência real ou suposta de interesses.
Parece que existe um eixo que vai desde uma colisão frontal de interesses e completa incompatibilidade, em
um extremo, até interesses diferentes, mas não incompatíveis, em outro extremo18 (Figura 54.3).
Estando o conflito e a cooperação integrados dentro de qualquer organização, é fundamental que o
gestor trate essas definições com os demais atores.
O propósito da administração deve ser o de obter cooperação e sanar conflitos, ou seja, criar condições
em que o conflito – parte integrante da vida da organização – possa ser controlado e canalizado de forma
útil e produtiva20. Não se pode esquecer que o conflito gera mudanças e provoca inovação, na medida em
que soluções são alcançadas. Porém, novos conflitos virão. Se o conflito for disfarçado e sufocado, no en-
tanto, ele procurará outras formas de expressão, como abandono do emprego ou aumento dos acidentes,
que trazem desvantagens tanto para o indivíduo como para a organização21. Na realidade da anestesiolo-
gia, conflitos não resolvidos podem acarretar comprometimento da segurança do ato anestésico; aumento
da incidência de eventos adversos; erro médico e comprometimento da saúde do próprio anestesiologista.

Figura 54.3 – Situações de conflito e métodos de resolução (adaptado da referência 1)


Existem tipos de situação dentro das organizações que provocam conflitos, a saber:
1. Conflito entre a autoridade do especialista (conhecimento) e a autoridade administrativa (hierarquia).
a. Organizações especializadas – universidades, escolas, organizações de pesquisa, hospitais.
Aqui, o gestor é o “dono” do conhecimento. A estrutura administrativa serve como mero apoio
subsidiário. É o caso de o médico assumir a direção do hospital ou a chefia do centro cirúrgico. O
conflito aqui se dá entre os administradores e os especialistas. Cabe ao especialista a decisão e
ao administrador, o aconselhamento.
b. Organizações não especializadas – o conhecimento é instrumental e subsidiário. Não exemplifica
nossa realidade na anestesiologia.
c. Organizações de serviços – empresas especializadas em consultoria ou assessoria. Os especia-
listas recebem instrumentos e recursos para seu trabalho, mas não são empregados da organi-
zação, nem estão subordinados aos administradores. Também não exemplifica a realidade dos
serviços médicos.
2. Dilemas da organização segundo Blau e Scott (Figuras 54.4 e 54.5).

Figura 54.4 – A diferença entre conflito e dilema (adaptado da referência 1)

1210 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Figura 54.5 – Os dilemas da organização (adaptado da referência 1)
Nesse caso, algum objetivo será sacrificado em interesse de outro (dilema). Os três dilemas básicos:
a) Dilema entre coordenação e comunicação livre.
b) Dilema entre disciplina burocrática e especialização profissional.
c) Dilema entre a necessidade de planejamento centralizado e a necessidade de iniciativa individual.
3. Conflitos entre linha e assessoria (staff)
a. Ambição e comportamento individualista dos altos funcionários da linha (médicos anestesiologis-
tas mais experientes).
b. Oferta de serviços do staff para poder justificar sua existência.
c. Quando a promoção para posições mais altas da assessoria depende da aprovação de funcionários
de linha ou vice-versa.
“Não há melhor maneira de comprometer a saúde de uma organização do que promover um conflito
interno. Conflitos externos podem exercer pressão fortemente desagregadora. Todavia, o conflito pode
apresentar potencialidades positivas, permitindo o fortalecimento da coesão grupal e da organização in-
formal, bem como o sentimento de pertencer a uma organização”18.
Mahtma Gandhi nos deixou uma frase que parece ser algo necessário para gerenciar conflitos: “Não
existe caminho para a felicidade... a felicidade é o caminho.” Diríamos que não há uma receita básica
para evitar ou gerenciar conflitos, mas facilitar o estatuto da felicidade é um excelente começo. Pessoas
felizes pelejam menos.

54.1.6. Cuidados e Esterilização de Materiais


“Doutor... contaminou!”
As pessoas que já tiveram a experiência de entrar em uma sala de cirurgia se lembram da seguinte adver-
tência: “Não encoste naquele pano verde! Está estéril.” Isso significa que aqueles panos ou aquele material
estão livres de micróbios ou de seus esporos vivedouros e, assim, garantem a segurança necessária para se
realizar um procedimento cirúrgico, evitando contaminar o paciente com micro-organismos patógenos.
Esses materiais passam obrigatoriamente por um processo de esterilização em que podem ser proces-
sados nos Centros de Materiais Esterilizados (CME) da própria unidade, em sua totalidade, ou podem ser
esterilizados, em parte, em empresas especializadas e credenciadas, fora da unidade hospitalar.
O procedimento de esterilização deve ser de excelência e seguir as rígidas regras instituídas pela Agên-
cia Brasileira de Vigilância Sanitária e demais legislações correlatas.
Sem o intuito de esgotar o assunto, mas difundir a cultura do cuidado, do zelo e do compromisso com
a segurança, serão debatidos, a seguir, alguns importantes pontos. Assuntos relevantes para aqueles que
frequentam diariamente centros cirúrgicos.
Por princípio, só somos capazes de cuidar de alguém se cuidarmos adequadamente de nós mesmos.
Por isso, entre os principais cuidados que devemos ter como profissionais da área da saúde é seguir inte-

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gralmente o disposto na Norma Regulamentadora nº 32 (NR-32)27. A Norma Regulamentadora nº 32 é a que
cuida da saúde dos profissionais da área de saúde e tem por finalidade estabelecer as diretrizes básicas
para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de
saúde, bem como daqueles que exercem atividades de promoção e assistência à saúde em geral. A Orga-
nização Internacional do Trabalho (OIT) estima que os acidentes de trabalho matam cerca de 2 milhões
de trabalhadores por ano em todo o mundo. Embora o foco seja o centro cirúrgico, essa NR se estende a
qualquer edificação destinada a assistência à saúde da população.
Dos objetos da NR-32:
1. Risco de exposição ocupacional a agentes radiológicos.
2. Risco de exposição ocupacional a agentes químicos (inclui os quimioterápicos antineoplásicos). Nes-
se item está incluída a contaminação das salas cirúrgicas por agentes anestésicos voláteis, assim
como os aerossóis da combinação talco + látex.
3. Risco de exposição ocupacional a agentes físicos (inclui as fontes de radiação).
4. Gestão de resíduos de serviços de saúde.
5. Condições de conforto por ocasião das refeições.
6. Lavanderias.
7. Limpeza e conservação.
8. Manutenção de máquinas e equipamentos.
Chama-se a atenção para a necessidade constante de treinamento de todos os profissionais atuan-
tes nas unidades nos princípios dessa resolução. Ou seja, a capacitação direcionada e permanente é
uma obrigatoriedade.
Existem, no âmbito da regulamentação vigente, algumas proibições que não podem ser violadas pelo
profissional estiver enquanto no ambiente de trabalho. Vejamos:
• alimentar-se, beber e guardar alimentos e bebidas (devem ser disponibilizados ambientes próximos
aos postos de trabalho para essa finalidade)
• fumar (deve ser estritamente proibido fumar no interior dos serviços de saúde);
• repousar (deve ser disponibilizado ambiente para essa finalidade);
• aplicar cosméticos;
• manipular lente de contato;
• guardar bens pessoais;
• usar sapatos abertos (aqueles que deixam expostas a região do calcanhar, do dorso e as laterais
dos pés);
• usar adornos (por exemplo, alianças e anéis; pulseiras; relógios de uso pessoal; colares; brincos;
piercings expostos; crachás pendurados com cordão e gravata).
Medidas de proteção
• todo local onde exista a possibilidade de exposição ao agente biológico deve conter: lavatório ex-
clusivo para higiene das mãos, provido de água corrente, sabonete líquido, toalha descartável e
lixeira com sistema de abertura sem contato manual;
• quartos ou enfermarias destinados ao isolamento de pacientes portadores de doenças infectocon-
tagiosas devem conter lavatório em seu interior;
• o uso de luvas não substitui a lavagem das mãos, que deve ocorrer, no mínimo, antes e após seu uso;
• trabalhadores com feridas ou lesões em membros superiores só podem iniciar suas atividades após
avaliação médica e emissão de documento de liberação;
• todos os trabalhadores com possibilidade de exposição a agentes biológicos devem utilizar vesti-
mentas de trabalho adequadas e confortáveis;
• os trabalhadores não devem deixar o local de trabalho com EPI e vestimenta utilizada em suas ati-
vidades laborais;
• deve ser assegurado ao trabalhador o uso de material perfurocortante com dispositivo de segurança;

1212 | Bases do Ensino da Anestesiologia


• são vedados o reencape e a desconexão manual de agulhas;
• os trabalhadores que utilizam material perfurocortante são responsáveis pelo seu descarte.
• Os profissionais devem estar cientes dos três métodos de precaução disponíveis e praticá-los:
• Precauções-padrão: a serem aplicadas no atendimento de todos os pacientes, na presença de risco
de contato com sangue, fluidos corpóreos, secreções e excreções (excreção: suor), pele com solu-
ção de continuidade e mucosas:
• higienização das mãos;
• luvas;
• máscara e óculos de proteção;
• avental;
• artigos e equipamentos de assistência ao paciente;
• ambiente;
• roupas;
• material perfurocortante;
• quarto privativo (de acordo com as normas da CCIH).
• Precauções específicas: elaboradas de acordo com o mecanismo de transmissão das patologias e
designadas para pacientes suspeitos ou subitamente infectados ou colonizados por patógenos trans-
missíveis e de importância epidemiológica; são baseadas em três vias principais de transmissão:
transmissão por contato, transmissão aérea por gotículas e transmissão aérea por aerossóis.
• Precauções de contato:
• Indicações;
• internação do paciente;
• higienização das mãos;
• luvas;
• avental;
• equipamentos de cuidado ao paciente;
• ambiente;
• visitas;
• transporte do paciente.
• Precauções com aerossóis (uso de máscaras específicas – PFF2 ou NR95).
• Precauções com gotículas.
• Precauções empíricas: indicadas em síndromes clínicas de importância epidemiológica sem con-
firmação da etiologia.
Observação: as precauções não são excludentes, elas sempre devem se somar.
Entre os riscos químicos descritos na NR-32, apontam-se as drogas de risco (aquelas que podem causar
genotoxicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e toxicidade séria e seletiva sobre os órgãos e siste-
mas, como os gases e vapores anestésicos e quimioterápicos antineoplásicos); podem-se também acres-
centar a essa lista o talco e o látex pela alta incidência de reações alérgicas. Os locais onde são utilizados
gases ou vapores anestésicos devem ter sistema de ventilação e exaustão, com o objetivo de manter a
concentração ambiental sob controle, conforme previsto na legislação vigente. Todos os equipamentos
utilizados para a administração dos gases e vapores anestésicos devem ser submetidos à manutenção
preventiva e corretiva, dando especial atenção aos pontos de vazamentos para o ambiente de trabalho,
buscando sua eliminação.
Entre os riscos físicos descritos na NR-32, consideram-se agentes físicos as diversas formas de energia
a que possam estar expostos os trabalhadores: ruído; vibração; pressão anormal; iluminação; temperatu-
ras extremas; radiações ionizantes e não ionizantes. Em regra geral, toda trabalhadora grávida deve ser
afastada das atividades com radiação ionizante. O médico anestesista deve estar munido de equipamentos
Ponto 54 - Gerenciamento do Centro Cirúrgico | 1213
de proteção individual (EPI) de forma a não se distanciar de seus pacientes quando eles forem expostos à
radiação ionizante para fins diagnósticos ou terapêuticos.
Recomenda-se que todos os profissionais reservem um tempo para uma leitura crítica das Normas Re-
gulamentadoras nos 7, 9 e 32, que tratam os seguintes temas, respectivamente27:
• Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA;
• Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO;
• Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde.
Quanto à esterilização, algumas considerações devem ser feitas baseadas na referência 2828.
As unidades de saúde, como os hospitais providos de centro cirúrgico, possuem a Central de Materiais
Esterilizados (CME). São estruturas extremamente complexas, regidas por protocolos e legislações muito
rígidas e que objetivam dispensar, de forma segura, materiais para serem utilizados em procedimentos
médicos-cirúrgicos. É nesse serviço que os materiais são lavados, preparados, acondicionados, esteriliza-
dos e encaminhados para a distribuição. Atualmente, os CME são informatizados e possuem pessoas capa-
citadas para desenvolver tal função. A gestão da qualidade é a alma desse setor.
Primeiramente, é importante que se entenda o fluxo dos materiais. Existe uma área denominada
“suja”, em que ocorre a recepção dos materiais, limpeza, lavagem e separação. A outra área é “lim-
pa”. Nesta existe o setor de preparo, no qual os materiais são analisados, acondicionados em caixas,
pacotes etc. Também ocorre o recebimento de roupas limpas, que são separadas e dobradas. Tudo é
levado à área de esterilização, na qual se montam as cargas, e o processo é constantemente acompa-
nhado e monitorado. Em seguida, o material é levado à área de armazenamento, onde é identificado
e a data de preparo e a validade são registradas. A distribuição para outros setores se dá por meio
de protocolos específicos.
Os materiais ou instrumentos cirúrgicos, utensílios de refeição, assessórios de equipamento e material
de assistência respiratória, entre outros, são denominados artigos. Estes, conforme definido no Manual do
Ministério da Saúde, são classificados em:
• críticos – são os que penetram na pele e nas mucosas, atingindo os tecidos subepiteliais e o sistema
vascular, bem como os demais sistemas;
• semicríticos – são todos aqueles que entram em contato com a pele não íntegra ou com as mu-
cosas íntegras;
• não críticos – são aqueles que somente entram em contato com a pele íntegra.
A limpeza é o primeiro passo para o processamento dos artigos, e sua correção é determinante para
a eficiência das demais faces. Na fase manual, a sujidade é removida pela ação física, com o auxílio de
detergentes, água, escovas e esponjas. Os profissionais que atuam nessa fase possuem EPI próprio, com-
posto de aventais impermeáveis, luvas antiderrapantes de cano longo, máscaras e óculos. Utilizam-se lim-
padores enzimáticos (enzimas, surfactantes e solubilizantes). Em alguns casos, são usados equipamentos
de limpeza (lavadora ultrassônica, lavadora esterilizadora e desinfectadora).
A desinfecção é algo de maior profundidade. Por ação física ou química, ela destrói micro-organis-
mos, sendo patógenos ou não. Porém, é ineficiente na destruição de esporos bacterianos. Ela é subdi-
vidida em níveis:
• alto nível – destrói todos os micro-organismos, à exceção do alto número de esporos; o glutaraldeí-
do 2% por 20 a 30 minutos é indicado para áreas hospitalares;
• médio nível – elimina bactérias vegetativas, a maioria dos vírus, fungos e micobactérias; o hipoclo-
rito de sódio 1% por 30 minutos é indicado para unidades básicas de saúde, creches, asilos e casas
de repouso;
• baixo nível – elimina a maioria das bactérias, alguns vírus e fungos, mas não elimina micobactérias;
o hipoclorito de sódio 0,025% é indicado na nutrição.
O uso do glutaraldeído 2% tem como vantagem ser rápido (20-30 minutos); é possível monitorar a con-
centração e o pH; é compatível com uma grande quantidade de material e seu custo é aceitável. Negati-
vamente, exige processo manual; é de difícil enxágue; é tóxico à inalação; fixa a sujidade residual e possui
odor pungente. Muito utilizado para a esterilização de circuitos respiratórios e de anestesia.

1214 | Bases do Ensino da Anestesiologia


As embalagens devem permitir o transporte seguro dos materiais esterilizados. Qualquer que seja a
embalagem, ela deve ter seu registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O profissional
deve ser treinado para utilizar o material esterilizado. Um pequeno equívoco durante a abertura da em-
balagem pode colocar tudo a perder e todo o material deve ser descartado para um novo ciclo de esteri-
lização. Antes de abrir, é necessário ler a etiqueta de identificação do material, a data de preparação e
a viabilidade do prazo de validade. Ao abrir, devemos verificar o indicador químico, se a selagem estava
segura, o local indicado para abertura e a inviolabilidade do material.
São os métodos de esterilização industrial (radiação ionizante) ou hospitalar (calor/autoclave) que ga-
rantem a conclusão desse longo e complexo mecanismo de segurança. Fazem parte desse processo seu
uso obrigatório e a leitura dos indicadores biológicos.
Os artigos esterilizados devem ser armazenados com base em algumas regras:
1. Devem ser guardados em ambiente limpo, arejado e seco, onde circula apenas a equipe do setor.
2. Não devem ser colocados em superfície fria após saírem da autoclave.
3. Exigem manuseio cuidadoso para não rasgar o invólucro ou tirar o lacre.
4. Devem ser estocados em armários com prateleiras, que devem ser identificadas, evitando manipu-
lação desnecessária.
5. Devem ser estocados por data, a fim de evitar que material vencido fique armazenado.
6. Devem ser guardados distantes dos materiais não estéreis.
Concluindo, a obediência ainda é a melhor ferramenta a ser utilizada pelos profissionais que não fazem
parte direta da cadeia de esterilização. É preciso obedecer às regras, ser treinado, executar com perfei-
ção a manipulação de materiais estéreis e procurar se manter atualizado quanto aos manuais de condutas
do serviço e aos Procedimentos Operacionais Padrão (POP).

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