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Sebenta do Manual de Neurociências

Capítulo 1: Epistemologia das Neurociências

Em 1978 no Annual Review of Neuroscience, anunciava a emergência de uma nova abordagem interdisciplinar
para o estudo do sistema nervoso, a Neurociência ou Neurociências. Muito embora elas façam parte da biologia, elas
ultrapassam os seus limites tradicionais. Nas suas relações com os comportamentos, com a vida mental e com a vida
afetiva, elas penetram o domínio das ciências do homem e da sociedade. Pelo impacto na patologia do desenvolvimento
ou nas doenças psiquiátricas, elas colocam questões de natureza ética.
O processo de integração das diversas ciências foi um processo gradual. Em primeiro lugar, entre 1950 e 1960,
ocorreu uma integração no campo das neurociências de várias disciplinas que antes eram independentes –
neuroanatomia, neurofisiologia, neurofarmacologia, neuroquímica e disciplinas ligadas ao comportamento. Em 1980,
surge uma nova neurociência emerge pela junção com outras áreas da biologia – biologia molecular e biologia genética.
Um terceiro passo foi marcado, em meados dos anos 80, pela junção da neurociência com a psicologia cognitiva, levando
a formação da neurociência cognitiva.
As neurociências são o conjunto das disciplinas científicas que estudam o sistema nervoso. O seu objeto de
estudo é o cérebro e o seu funcionamento. Compreender como funciona o cérebro é compreender como todas as funções
químicas, elétricas, celulares; mas é também compreender as funções comportamentais e compreender o funcionamento
do pensamento. É compreender não apenas o pensamento de modo filosófico, mas de um modo científico também.
Pelo fim do séc. XX, o naturalismo passa a ser respeitado dentro da filosofia e os progressos na psicologia
empírica e nas neurociências foram diminuindo a distância entre as questões filosóficas tradicionais acerca do
conhecimento e as estratégias empíricas para a exploração do modo como o cérebro aprende, recorda, raciocina, percebe
e pensa. Entrava-se no campo da neuroepistemologia.
A neuroepistemologia ocupa-se do estudo do modo como o cérebro representa o mundo, como um esquema
representacional cerebral pode aprender e quais são as representações e informações no sistema nervoso que são
importantes.

1. Construção histórica das Neurociências


O nascimento das ciências modernas que estudam o cérebro ocorreu no séc. XIX por Franz-Josef Gall. Ele
pensava que o cérebro é uma federação de órgãos que controlam cada uma das faculdades da mente. Apesar de der
muito criticado na época, esta teoria suscitou um conjunto de investigações que, a partir de 1860, conduziram um
conceito estável de localização cerebral (Jeannerod, 1997).
As ciências do cérebro inicialmente estruturaram-se em torno do hospital. Os primeiros laboratórios eram
anexos de outras disciplinas clínicas; o principal laboratório era o de anatomia patológica. O corpo de conhecimentos
foi sendo completado sob a forma de um atlas das localizações cerebrais reconstituídas a partir de um défice neurológico.
Ia surgindo, assim, a formação de uma nova área médica, a psiquiatria. Enquanto que a lesão localizada caracterizava a
doença neurológica, a psiquiatria distinguia-se pela lesão invisível, a lesão funcional.
Os primeiros laboratórios fora das clínicas localizavam-se principalmente na Alemanha e Inglaterra. Os
trabalhos de estimulação elétrica do cérebro do macaco realizados por Sherrington e os trabalhos de descrição da
arquitetura celular do córtice cerebral, realizados por Brodmann na viragem do séc. XIX são considerados, ainda hoje,
como adquiridos praticamente definitivos sobre as localizações cerebrais.
A evolução das tecnologias permitiu a aquisição da noção de transmissão sináptica. A descrição do neurónio e
dos seus prolongamentos, a descoberta da sinapse como elemento de junção entre os neurónios, a evidencia da
transmissão química do influxo nervoso, são etapas de uma época científica que se iniciou no início do séc. XX e que
envolve as funções do cérebro nas sias relações com o comportamento ou com a mente, mas o seu funcionamento como
órgão autónomo. Entre 1960 e 1970 observa-se a tomada da consciência da amplitude do campo disciplinar e da
necessidade de se coordenar os esforços de domínios separados na origem, mas partilhando o mesmo objetivo.
Foi devido a esta ideia fusional de múltiplas especialidades que preenchia o espírito americano que levou que
nesse continente adotasse a designação de Neurociência, no singular. Enquanto na Europa, a designação é de
Neurociências, no plural – conservando a ideia de um simples conjunto de componentes sempre identificáveis, mas
também sempre susceptíveis de se voltarem a separar.

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A ênfase na abordagem multidisciplinar coerente do funcionamento do cérebro encorajou os cientistas a
focarem-se em questões como a transdução dos sinais nos neurónios, os mecanismos de comunicação celular, o
reconhecimento célula-a-célula e o desenvolvimento do sistema nervoso, as bases neurobiológicas da percepção e da
ação, os determinantes genéticos do comportamento normal e anormal e os mecanismos da aprendizagem e memória.
Com o desenvolvimento das neurociências moleculares, este campo disciplinar começou a ultrapassar as barreiras
intelectuais que separam o estudo do cérebro do resto da ciência biológica. Na última década, a atenção dos
neurocientistas focava-se cada vez mais nos sistemas de neurónios e nas marcas neuronais do comportamento complexo,
tendo como consequência a fusão do sistema das neurociências com a psicologia cognitiva.

2. Factos marcantes da construção das neurociências


Este processo emergencial foi lento e resultou de um conjunto de avanços nos conhecimentos do funcionamento
do cérebro, os dois principais avanços foram: a doutrina do neurónio e a hipótese iónica. A doutrina do neurónio foi
estabelecida por Ramon y Cajal (1901-1921), que demonstravam que o cérebro era composto por células, chamadas
neurónios, que serviam como unidades elementares de sinalização.
Para além disso, Cajal também enunciou os princípios da:
ª especificidade conexional, que no essencial refere que o neurónio forma conexões altamente específicas
com outros neurónios e que estas conexões são invariantes de cada espécie
ª polarização dinâmica, segundo o qual a informação circula apenas numa direção dentro do neurónio,
normalmente das dentrites para o axónio e daqui para os terminais axonais.
Um outro dado marcante é o facto de este autor em conjunto com Sherrington (1987) terem proposto que os
neurónios contactam uns aos outros apenas em locais específicos, chamados sinapses.
Em 1930, Otto Loewi, Henry Dale e Wilhelm Feldberg estabeleceram que o sinal que liga a fenda sináptica é,
normalmente, uma substância química de pequenas dimensões designada por neurotransmissor, que é libertado do
terminal pré-sinaptico, atravessa a fenda sináptica e liga-se aos receptores do terminal pós-sináptico.
Nos primeiros anos do séc. XX, ficou estabelecido que os neurónios tinham potenciais de ação, potenciais de
repouso e que a transmissão dos sinais ao longo do axónio ocorria por propagação de um sinal elétrico – o potencial de
ação – que se pensava anular o potencial de repouso. Foi apenas em 1939 que Hodking e Huxley descobriram que o
potencial de ação faz mais que anular o potencial de repouso, reverte-o. Na sequência, no final de 1940, eles explicaram
que os potenciais de repouso e de ação como sendo o resultado de movimentos de iões específicos – potássio (K+),
sódio (Na+) e coloro (Cl-) através dos poros (canais iónicos) da membrana axonal ⇾ hipótese iónica, proporciona o
entendimento de que o SN pode ser entendido em termos de princípios físico-químicos comuns a biologia celular em
geral.
No início da década de 50, Katz, Fatt e Eccles demonstravam que os canais iónicos também eram fundamentais
para a transmissão de sinais através da sinapse, muito embora com mecanismos de operação diferentes – ao invés de
serem ativados pela voltagem, eram ativados quimicamente por substâncias tais como a acetilcolina. Em 1970,
descobriu-se que algumas sinapses libertavam um cotransmissor peptídico que podia modificar a ação dos
neurotransmissores clássicos.
Ao mesmo tempo, também se descobria que algumas sinapses apresentavam um mecanismo de transmissão
elétrico (Furshapan e Potter, 1957). Estas sinapses apresentavam fendas mais pequenas, ligadas por pequenos pontos
que permitem a passagem da corrente elétrica entre os neurónios.
No fim dos anos 60, começou a ter-se informações sobre a estrutura bioquímica e biofísica dos poros iónicos,
bem como sobre as bases biofísicas da sua seletividade e ação ⇾ como se abriam e fechavam?
No início dos anos 80 (Slaughter e Miller, 1885) foi descoberto que as ações sinápticas nem sempre eram
medidas pelos canais iónicos. Na verdade, para além dos receptores ionotrópicos, nos quais as proteínas ligavam-se
diretamente aos canais iónicos, existia um segundo tipo de receptor – os receptores metabotrópicos – nos quais as
proteínas de ligação iniciam uma cadeia de acontecimentos metabólicos intracelulares que dão origem, indiretamente,
através dos “segundos mensageiros”, à atividade dos canais iónicos (Lefkewitz, 2000).
Em resultado da clonação deste tipo de receptores: muitos deles apresentavam regiões homólogas quer da
rodopsina bacteriana, quer do pigmento fotorreceptor comum não só à mosca da fruta, como a os seres humanos. Para
além disso, a clonização recente de receptores para o olfato (Buck e Axel, 1991) revelou pelo menos 1000 receptores
metabotrópicos comuns ao epitélio olfativo dos mamíferos, bem como das moscas e larvas.
Estas descobertas demonstravam a conservação evolucionista dos receptores e enfatizaram a abrangência do
estudo de uma grande variedade dos sistemas experimentais para a identificação de vastos princípios biológicos.

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O poder computacional do cérebro é conferido por interações entre bilhões de células nervosas as quais estão
agrupadas em redes ou circuitos que realizam operações específicas que são o sustentáculo do comportamento e da
cognição. O que a distingue de uma espécie para outra é o número de neurónios e os detalhes da sua conectividade, ou
seja, a sua organização.
As regiões do cérebro comunicam entre si de modo a integrarem informação sensorial e coordenarem as funções
sensório-motoras necessárias para a aprendizagem (Miltner et al., 1999). Não só uma tarefa ativa muitas áreas cerebrais,
como também uma área é ativada por diferentes tarefas no cérebro integrado e temporalmente dinâmico. A comunicação
entre as diferentes áreas do cérebro está refletida nos padrões de sincronização e de dessincronização da atividade
neuronal (Singer, 1999).
Estamos perante a uma concepção tradicional das neurociências, as neurociências biológicas – simplificando,
que abrangem apenas as disciplinas neurofisiologia, neuroanatomia e neuroquímica (sinonima da neurobiologia).
No entanto, a concepção das neurociências cognitivas é uma abordagem interdisciplinar do estudo da mente,
que integra as ciências biológicas e físicas com as ciências psicológicas, de modo a conseguirem uma explicação para
o fenómeno mental. As neurociências cognitivas incluem a neurociência biológica como uma parte integrante, mas não
se reduz a ela.

3. As neurociências cognitivas
Quando a psicologia emergiu como ciência experimental no final do séc. XIX, o seu fundador Gustav Fechner
e Wilhelm Woundt, focarem-se na psicofísica – a relação quantitativa entre estímulos físicos e sensações subjetivas. O
sucesso desta abordagem encorajou psicólogos a fazerem investigações mais profundas, que levou a fundação do
behaviorismo.
Esta vertente, embora tenha contribuído para o estabelecimento de princípios gerais do comportamento e da
aprendizagem, se mostrou bastante limitada. Em 1960, o behaviorismo deu lugar a uma abordagem mais abrangente
relacionada com os processos cognitivos e com as representações internas ⇾ focou-se nos aspectos da vida mental – da
percepção à ação.
Os estudos microscópicos de células únicas foram muito informativos, contudo o funcionamento cerebral
consiste numa atividade concertada de múltiplos sistemas e neurónios ⇾ os estudos rapidamente tornaram-se
insuficientes para a compreensão das ligações entre o cérebro e o comportamento.
Com a sofisticação das novas tecnologias foi possível monitorizar a atividade de grandes populações de
neurónios, quer em sujeitos normais, quer em sujeitos com lesões cerebrais. Quer a tomografia por emissão de positrões
(PET), quer a ressonância magnética nuclear funcional (RMNf) permitiu o estudo de grandes populações neuronais em
seres humanos acordados, envolvidos em tarefas cognitivas.
A necessidade da ligação entre estes dois grandes domínios era muito reclamada, tendo Mario Bunge (1980)
feito uma forte crítica ao facto de os dois domínios andarem tão distantes sugerindo a necessidade de se evoluir no
caminho de uma verdadeira neuropsicologia. Com isto, surge a psicofisiologia cognitiva: um ramo da psicofisiologia
que se ocupa do significado cognitivo das medidas do funcionamento fisiológico, mas que já apresentava uma
sobreposição considerável com as futuras neurociências cognitivas.
Mais tarde, as neurociências cognitivas vão assumir essa aproximação que se tornou possível a partir do
desenvolvimento de modelos computacionais dos processos cognitivos e cerebrais, do aparecimento de novas
tecnologias e neuroimagem não invasiva, entre outros fatores. Este ramo das neurociências deu origem a uma série de
assunções centradas no conceito de representação. Nomeadamente, o facto de muito trabalho central envolver a
representação do corpo, dos dados do mundo e de alguns acontecimentos do próprio cérebro. Desenvolver operações
computacionais nessas representações serve para extrair informação relevante, tomar decisões, recordar e mover-se
adequadamente.
As neurociências cognitivas deveriam acompanhar, entre outros, os desenvolvimentos dos dados sobre a
evolução. Segundo a perspectiva evolucionista, o cérebro é visto como uma espécie de tampão contra a agressão
ambiental e a grande variabilidade dos acontecimentos ambientais. De forma abreviada, ajuda muito ter um cérebro com
a capacidade para preparar o organismo para acontecimentos que têm grande probabilidade de acontecer e organizar
uma respostas comportamental a algo que não aconteceu, mas que se espera que venha a acontecer. A hipótese
evolucionista postula que, ao serviço da predição, a atividade neuronal mapeia os dados do mundo mais relevantes para
o organismo.
É partindo desta perspectiva que surge a questão central da neurociência cognitiva: como é que as estruturas
neuronais conseguem realizar isto?
Ao nível neuronal, a principal questão que orienta esta campo centra-se em quais os dados da atividade neuronal
que subjazem à codificação e descodificação da informação? Já que os neurónios apresentam uma grande variedade de
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atividade, então uma teoria da representação necessita de resolver o problema de saber como distinguir os sinais
genuínos das atividades de manutenção ou do mero ruído.
Ao nível das redes neuronias, a finalidade predominante tem sido encontrar modelos plausíveis que permitam
intersetar os factos acerca dos neurónios e dos seus padrões de conectividade com os dados psicofisiológicos derivados
dos estudos comportamentais.
Ao nível sistêmico, o maior desafio é compreender como é que os sistemas nervosos integram a informação, a
armazenam, recuperam informação relevante para as tarefas e usam a informação para desenvolverem decisões
comportamentais.
Estes desafios deram origem ao que McCulloch chamou de epistemologia experimental.

4. Epistemologia Experimental
A epistemologia experimental é a tentativa de descobrir como as funções cerebrais sustentam os fenómenos
mentais tais como a sensação e a percepção. McCulloch levantou questões que eram simultaneamente de natureza
fisiológica, psicológica e filosófica. Uma das consequências disto foi o chamado “decomposição da mente nos seus
elementos”, em razão do esforço de localizar os resultados da análise da mente nos seus elementos, faculdades e funções.
Neste sentido, o facto de se tentar “anatomizar” (para usar as palavras de Charles Bonnet, 1760) a mente nos seus
elementos mais simples estava naturalmente relacionada com o desenvolvimento e o progresso da anatomia e acabou
por se tornar um modelo teórico para a psicologia.
Enquanto que a psicologia cognitiva é útil para revelar as varáveis comportamentais, as suas interações e os
métodos para o controle dos processos cognitivos, perceptivos e motores, a neuroimagiologia funcional revela as áreas
cerebrais que se ativam especificamente por uma tarefa cognitiva particular e a neurologia do comportamento avalia em
que medida uma lesão cerebral pode afetar os processos cognitivos e comportamentais e em que medida um processo
cognitivo ou comportamental requer o suporte de uma área especifica do cérebro. O que resultou desta tentativa de
integração não foi mais do que um grande reducionismo.
Contudo, há sinais de uma mudança relativamente recente nesta perspetiva, mudança que aponta para uma
óptica integrativa menos reducionista que, apesar de a descrição do cérebro ainda ser tão incompleta, já existem
suficientes factos acerca do cérebro para que esse movimento possa ocorrer e possa abordar o cérebro como um sistema
integrado.
A disciplina que melhor se posiciona para operar esta integração é a psicofisiologia, pelo facto de se apresentar
como um nó integrador em consequência do seu posicionamento de interface entre dois níveis de integração da
informação – o biológico e o psicológico – e da sua emergência na interface de diversas disciplinas das neurociências.
Na verdade, a psicofisiologia ocupa-se, quer ao nível da explicação/compreensão, quer ao nível metodológico, dos
processos operativos cerebrais concomitantes dos fenómenos psíquicos e das relações do organismo com o meio, assente
numa dimensão integradora e auto-organizadora das ópticas neurofisiológica, etológica e filo-ontogenética (cf.
Marques-Teixeira, 1992).

5. O papel da Psicofisiologia
O que pretendemos relativamente à composição do comportamento humano? As opções são múltiplas, mas em
todas elas é identificável um fundo comum: descrever, compreender, explicar e, em alguns casos, intervir no
comportamento humano nas diversas situações contextuais em que está envolvido.
Existem 3 grandes domínios que interagem e se estruturam mutuamente: o domínio biológico, o domínio social
e o domínio do sentido e do significado. Ou seja, o estudo do comportamento humano recai, necessariamente, sobre um
membro singular de uma espécie, que é fruto de uma evolução; sobre um indivíduo singular que é ator da sua própria
socialização; sobre um indivíduo singular que se pensa, se determina e se avalia, que se procura dar sentido e coerência
à vida.
Body (1989) considera que esta disciplina se situa na interface das disciplinas do domínio biológico e das
disciplinas do domínio psicológico. Em termos gerais, deveria ser um problema reservado ao discurso científico da
biologia e dapsicologia -- a biologia, enquanto discurso organizador das observações e das experiências entre sistemas
vivos e a psicologia enquanto discurso organizador das observações e experiências sobre a produção de desejos, ideias,
crenças, sentimentos, comportamentos racionais, etc.. No que respeita ao âmbito da biologia, pode-se afirmar como
Atlan (1986) que esta ciência, tendo redescoberto o seu “verdadeiro objeto” – a organização da matéria – acaba por
impor uma específica organização do organismo (em níveis). Assim, um mesmo objeto – organismo – é ao mesmo
tempo um objeto físico, químico e biológico, fisiológico, linguístico e social.

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Por serem divididos em níveis, é imposta um diálogo entre estes. Diálogo difícil, dado que na maior parte dos
casos as “linguagens” próprias a cada disciplina são muito diferentes entre si e a comunicabilidade entre elas é, por
vezes, muito remota. Estas dificuldades foram sendo ultrapassadas com a criação de novas disciplinas como aconteceu,
por exemplo, com a articulação entre o nível molecular e o nível celular que só foi possível graças à criação da nova
disciplina, biologia molecular, com as suas técnicas e linguagens próprias.
E onde se encaixa a psicofisiologia? Para as epistemologias positivas, muito embora a Psicofisiologia apresente
um objeto específico, enquadra-se, mesmo assim, nas disciplinas do domínio biológico. Mesmo com perspectivas menos
reducionistas, o acento tónico recai sempre sobre o lado biológico que orienta todo o conceptual restando ao sistema
psíquico um papel de enquadramento dessa biologia.
Disciplina biológica ou disciplina interface bio-psicológico?

6. Pontos de vista que têm recaído sobre a Psicofisiologia


Desde os princípios do séc. XIX, a Psicofisiologia foi sempre reduzida à Fisiologia, embora tenha sempre
deixado a transparecer a dificuldade em redefinir uma disciplina cujo objeto se situa na rede atópica da dupla atividade
cerebral e mental. Para além disso, os avanços tecnológicos acabaram por evidenciar uma outra, pelo cérebro e pelo
psiquismo. Assim, o olhar que a Psicofisiologia lança para esta organização pretende-se com os dados de disciplinas
como a Biologia Molecular, a Neuroquímica do Comportamento, a Eletrofisiologia Cerebral, a Neuroanatomia, a
Fisiologia, a Psicologia Experimental ou Clínica, a Etologia, a Antropologia, entre outras. Por outro lado, não há nenhum
acordo internacional quanto ao significado da designação desta disciplina.
Este conjunto de dificuldades constituem uma das principais razoes que explica a ausência de consenso quanto
ao estatuto epistemológico desta disciplina. Pelo que se pode afirmar, a Psicofisiologia se caracteriza mais por uma
dispersão de abordagens do que por uma unificação.

7. Estatuto epistemológico da Psicofisiologia


Que transformações sobre a Psicofisiologia quando lida à luz do paradigma sistémico-comunicacional-
informacional? Apesar das divergências constatadas, é possível encontrar uma convergência sobre um objeto os
processos biológicos subjacentes ao comportamento e à existência, mas que, mesmo assim, esta disciplina não apresenta
um corpo teórico próprio que a insira no atual paradigma científico (Marques-Teixeira, 1993).
Epistemopsicofisiologia ⇾ um conjunto de condições as quais a nova psicofisiologia deve obedecer para poder
operar uma transformação no sentido da unificação transdisciplinar dos saberes dispersos em torno do seu objeto. Essa
transformação traduz-se pela organização da disciplina, ela própria, em níveis de organização, à imagem do seu objeto
de estudo. Foi proposto uma análise hierarquizada nos seguintes 4 níveis: temporal/evolutivo, anátomo-funcional,
nemocibernético e auto-organizativo.
Mantendo o pressuposto geral ou postulado mínimo que subjaz ao pensamento psicofisiológico, de acordo com
a organização proposta, a Psicofisiologia está em condições não só de providenciar fortes alicerces para as interfaces
psicofisiológicas acerca da natureza humana, como de clarificar os processos que asseguram a transição entre dois
grandes domínios que definem o objeto: o fisiológico e o psicológico.
A psicofisiologia é vista como uma disciplina adequada para (1) operar a síntese dos conhecimentos biológicos
acerca do comportamento em situação, (2) para os organizar numa espécie coerente de sentido e (3) para os projetar no
plano das transações bio-psicológicas.

8. Planos conceptuais de organização da Psicofisiologia


Em 1º lugar, dado a Epistemopsicofisiologia se organizar enquanto enquadramento sistémico, organizado em
níveis hierárquicos, isso tem implícito o conceito de componente e de organização de componentes. Esta organização é
representada em termos de interrelação entre os componentes que, no seu conjunto, definem o sistema humano.
A Neuroanatomia Funcional descreve um conjunto de características que definem a organização estrutural e a
sua relação funcional biunívoca do ser humano, representando o sistema nervoso como uma hierarquia de componentes,
na qual cada nível dessa hierarquia é representado como uma organização de componentes estruturais definidos a níveis
inferiores. Este tipo de descrições representam o domínio biológico. Já o domínio psicológico, tem-se ocupado em
descrever os componentes psicológicos como, por exemplo, arco reflexo, respostas condicionadas, hábitos, traços, entre
outros. Contudo, não só se tem verificado que uma grande parte destes componentes não se mostraram adequados para
a tarefa unificadora, como têm sido utilizados sem envolverem a noção de hierarquia. É, justamente, este papel que cabe
à Psicofisiologia: a criação de planos de descrição representativos da organização espácio-temporal dos subcomponentes
do sistema humano.
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O passo seguinte deste processo requer um olhar global sobre o sistema pessoa, considerado agora como unidade
de análise. O facto de um determinado tipo de comportamento poder ser representado como uma organização de
episódios comportamentais mais elementares, isso significa que um determinado padrão de comportamento pode ser
analisado a vários níveis dentro dessa hierarquia. Os princípios decorrentes dessa arquitetura organizam-se, eles
próprios, em três grandes categorias, as quais asseguram a descrição de três tipos de mudanças nos sistemas vivos,
conforme foi descrito por Ford (1987): (1) auto-organização, (2) auto-construção e (3) auto-reconstrução.

9. Causalidade ascendente e descendente


Na ótica transnivelar, o desenvolvimento, a diferenciação e a organização do conjunto celular, a constituição da
forma global e a arquitetura interna do organismo, a maturação das funções vegetativas e da sua relação, faz-se, no
essencial, de maneira ascendente ⇾ do elementar para a organização mais complexa. No que respeita ao substrato
anatomofuncional de um comportamento individualizado adaptado, as influências estruturantes descendentes acionam-
se à estrutura e maturação ascendentes. Esta condição impõe a Psicofisiologia um papel determinante na articulação
entre os dois tipos de causalidade, verdadeiro papel integrador de níveis e de fluxos de informação entre o organismo e
o seu ambiente.
Para além disso, estes dois tipos de causalidades próprias da espécie humana e próprias da sua condição de ser
no mundo revelam da maturação pós-natal do cérebro, a qual possibilita a aquisição de “competências” específicas
requeridas para a inserção ativa e adaptação do homem num meio social dado, implicam a necessidade de aproximar a
filo-ontogénese do ator social ao desenvolvimento do indivíduo biológico. O indivíduo biológico não nasce ator social,
mas pode vir a sê-lo. Isso pode ser decomposto em dois períodos (Karli, 1995): 1º diretamente ligado à maturação
biológica do indivíduo e 2º, que é enxertado no 1º período, ligado ao estabelecimento de interações com o meio social
e um “tratamento” mais complexo e distanciado das situações encontradas.
Em síntese, a nova Psicofisiologia deverá proporcionar não um simples acumulo atualizante de conceitos,
teorias e práticas, mas uma real mudança paradigmática em termos da integração biopsicológica. Esses requisitos
implicam a transformação, de uma Psicofisiologia positivista ocupada das relações entre o comportamento e as suas
condições externas, estímulos e situações para uma Psicofisiologia sistémica ocupada com a investigação da lógica dos
processos nervosos e mentais, processos estes conceptualizados de forma unitária pelas teorias da comunicação e da
informação.
Atendendo à transformação aludida, a abordagem do objeto por esta nova psicofisiologia deverá, então,
promover a integração de um conjunto de conhecimentos de nível anatómico e fisiológico das unidades que compõem
os episódios comportamentais e as suas mediatizações psicológicas na interação com as unidades ambientais,
considerando quer os constrangimentos ascendentes decorrentes dos programas comportamentais inatamente
estabelecidos, quer os constrangimentos descendentes decorrentes das modelagens que a aprendizagem induz.
Em síntese, como atrás se enunciou, a epistemopsicofisiologia constitui-se como a disciplina eleita dentre as
várias disciplinas das neurociências, para confirmar a capacidade de integrar e ser integrada, decorrente do atual
paradigma científico. Esta capacidade refere-se à possibilidade de os dados da psicofisiologia serem integrados por
outras disciplinas do campo da neurociência e, simultaneamente, à possibilidade de a psicofisiologia integrar, na sua
trama teórico-metodológica, os dados advindos dessas mesmas disciplinas.
Não se pode perder de vista a perspectiva evolucionista, sobretudo o facto de a integração das finalidades e o
processamento das opções parecerem estar na dependência de redes não específicas. Não nos esqueçamos que a maior
parte do cérebro humano é constituído por córtice de associação não especializado, fornecendo uma flexibilidade e uma
capacidade de processamento de opções adaptativas sem precedentes. A grande evolução no tamanho do cérebro dos
hominídeos nos últimos 5.000.000 anos (desde o Australopitecos até ao Homo Sapiens) ocorreu fundamentalmente no
córtice de associação não especializado, o qual está integralmente envolvido com o sistema límbico (Tobias, 2000).
Nenhuma outra espécie teve tantas mudanças significativas no tamanho do cérebro num período de evolução tão curto.

10. Reorganização das disciplinas das neurociências


De acordo com este paradigma, as diferentes disciplinas das neurociências, devem-
se organizar em rede, devem apresentar uma reciprocidade profunda entre si, implicando
uma dinâmica recursiva de umas disciplinas sobre as outras, sem que nenhuma se destaque
em relação à outra. Neste sentido, fazendo corresponder os diferentes níveis de organização
do sistema nervoso segundo aquele paradigma, ao nível anátomo-funcional devem
corresponder a neuroanatomia, a organização do SN e as disciplinas das neurociências, a
neurofisiologia, a neurofarmacologia, a neuropatologia e neuroquímica; ao nível
comunicacional deve corresponder a neurocibernética; ao nível temporal devem

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corresponder a cronobiologia e a cronopsicofisiologia e ao nível integrativo-organizacional deve corresponder a
psicofisiologia.

A utilização da psicofisiologia como analisador desta rede e na condição de disciplina integradora, permite
integrar os dados das diferentes disciplinas com as suas próprias investigações, de onde podem emergir um conjunto de
características do funcionamento do Sistema Nervoso, que cruzam as diferentes disciplinas, constituindo um fio de
ligação entre elas.

11. Conceitos fundamentais sobre o funcionamento do Sistema Nervoso


São 5 as características emergentes e são características transversais àquelas disciplinas: constituição em redes,
intercomunicação potencial, não especificidade das estruturas elementares, funcionamento rítmico e papel integrador.

Constiuição em redes
No curso da evolução é sobretudo a rede de axónios do sistema nervoso que se desenvolve e com ele o modo
de comunicação intercelular particularmente eficaz. A arquitetura desta rede é de tal forma que as mensagens podem
ser transmitidas de uma célula nervosa a uma outra ou a uma célula efetora muscular ou glandular a grandes distâncias
e segundo uma topografia muito precisa. Para além disso, a mensagem assim transmitida pode conservar características
inalteradas ao longo do trajeto percorrido, sem interferência por parte do contexto envolvente, porque a mensagem
consiste numa sucessão, com uma frequência dada, de sinais idênticos, em que cada um consiste numa variação do
potencial elétrico da membrana celular (potencial de ação) que se propaga com uma amplitude inalterada ao longo de
um prolongamento axónico da célula nervosa. Este prolongamento axonal constituí, com a bainha isolante mielínica
que o envolve, uma das fibras nervosas dum nervo periférico ou dum fascículo do sistema nervoso central.
A transmissão destes sinais eléctricos é bastante mais rápida do que aquela que é enviada pelas hormonas por
via sanguínea. Mas o funcionamento do sistema nervoso, combina uma transmissão de sinais de natureza química com
sinais de natureza elétrica através da propagação dos potenciais de ação, ao longo das fibras nervosas. Uma fibra
nervosa, liga-se a uma outra célula através de uma zona de junção designada por sinapse, que é ultrapassada não pelo
potencial de ação que aí chega, mas por uma molécula mensageira que é libertada na terminação nervosa pré-sináptica
sobre influência do potencial de ação que a vai estimular. É esta molécula mensageira (um neuromediador ou um
neurotransmissor) age sob receptores situados na membrana celular pós-sináptica, desencadeando um efeito de
modificador das propriedades da permeabilidade dessa membrana. Por outro lado, convém sublinhar que a interposição
de uma transmissão sináptica de natureza química fornece uma ocasião e um lugar para a intervenção de processos
complexos de integração e de modelação.
O neurónio, sendo uma célula especial, pode ser concebido como uma “máquina cibernética” pois este opera
uma conversão dupla, de sinal digital em sinal analógico (à entrada das dendrites) e o inverso (à saída para o axónio).

Como uma máquina cibernética, o neurónio engloba as (1) entradas de informação (sob a forma de impulsos
nervosos vindos de outro neurónios ou de outras sinapses do próprio neurónio em causa), portal de entrada que opera
uma transdução de energia e o reconhecimento de múltiplos neurotransmissores; (2) um processo, que opera no corpo
celular através do controlo dos processos biológicos, do tratamento dos sinais de entrada, para serem convertidos
digitalmente em (3) saída de informação, pelo axónio, através de potenciais de acção (que não são mais do que sinais
digitais modulados em frequência) que se dirigem para outros neurónios.

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Intercomunicação potencial
Todos os sistemas biológicos são emissores e receptores. Os meios utilizados para comunicar são múltiplos e
concebe-se, atualmente, que as vias de comunicação utilizadas e o tipo de “linguagem” utilizado estejam adaptados às
diversas modalidades concretas de relações e de trocas intercelulares.
Pode-se distinguir três modalidades essenciais entre ações celulares: (1) as trocas por contacto direto entre as
células estreitamente justapostas; (2) a difusão generalizada à distância através da circulação sanguínea de mensagens
químicas e (3) as comunicações à distância mais apuradas, mais “personalizadas” graças ao desenvolvimento de uma
rede que é constituída pelo sistema nervoso.
As comunicações de proximidade, isto é, as trocas de informação por contacto direto ou por difusão puramente
local, intervêm desde o desenvolvimento do embrião, enquanto que os sinais químicos estimulam o crescimento e a
diferenciação celulares, outros ativam e orientam os movimentos de migração e de agregação celulares. Estas trocas de
sinais químicos apresentam um duplo interesse: por um lado, realizam uma harmonização funcional coordenando as
atividades de diferentes elementos da mesma população celular; por outro, num órgão dado, uma mensagem hormonal
não informa diretamente senão um número limitado de células dotadas de uma recetividade seletiva.
Dito de outro modo, segundo os dados advindos da neurofisiologia e da neurocibernética qualquer neurónio,
independentemente da distância, tem a possibilidade de entrar indiferentemente em comunicação com qualquer outro
neurónio (Morin, 1974; Pozine, 1974; Rosenblatt, 1965). Para que tal aconteça, para além desta condição espacializada
é necessário que ambos os neurónios estejam em acordo de fases, acordo este dependente do momento bioquímico de
cada uma das células. o cérebro é um sistema hiperconexionado. Cada um dos milhares de milhões de neurónios têm
milhares de conexões com outros neurónios, quer conexões longas, quer conexões curtas. A razão pela qual o cérebro
não entra em estado caótico deve-se à grande preponderância das conexões inibitórias feitas pelos interneurónios.

Os neurónios inibitórios do cérebro têm uma grande influência no fluxo eléctrico nas redes neuronais de tal
modo que os potenciais de acção são apenas produzidos quando existem sinais aferentes persistentes e acumulados. Por
isso, a modulação da extensão e magnitude da actividade inibitória dos interneurónios permite que o cérebro desacelere
a actividade e, desse modo, permite que o córtice tenha o nível de energia adequado para o processamento e controlo da
informação.
Tudo isto, em síntese, assenta numa regra básica que é suficiente para produzir oscilações neuronais: a
acoplagem mútua entre os neurónios excitatórios (E) e os inibitórios (I) (Wang, 2010). Segundo esta regra, sempre que
um neurónio E dispara, activa os neurónios I os quais, por sua vez, ao fim de algum tempo silenciam retoractivamente
os neurónios E e assim ad perpetuum. Deste modo, a conectividade E-I serve para manter a actividade neuronal dentro
de uma variação restrita, ao contrário do que aconteceria se a conectividade fosse E-E ou I-I. Neste caso, rapidamente
se produziriam uma excitação ou uma inibição fora de controlo (bem entendido, que estes tipos de conexões existem,
mas dentro de um controlo das ligações E-I). Este mecanismo de retro-acção recorrente, em escalada crescente, contém
uma rede intricada de milhões de neurónios excitatórios e inibitórios (em conjunto com a glia) que, em última análise,
contribui para o que é usualmente conhecido como ondas cerebrais ((Buzsáki e Watson, 2012.

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Não especificidade das estruturas elementares
Dados advindos da psicofisiologia (Harth, 1982) revelam que nenhuma estrutura nervosa elementar pode
reivindicar especificidade particular. Originariamente qualquer neurónio encerra um conjunto de potencialidades de
teleonomia, cuja atualização decorre de uma escolha discriminativa, escolha essa modelada por influências
determinantes do meio tecidular ambiente. Esta especialização é sobretudo evidente ao nível cortical, em agrupamentos
celulares de regiões de especialização funcional. Não existe, pois, especificidade ou localização cerebral verdadeira,
individualizada ou individualizável.
O mesmo se pode dizer relativamente à informação de entrada e de saída no cérebro. No caso da informação
cognitiva, em contraste com os sistemas clássicos de comunicação, o significado da informação (qualidade semântica)
é um dado central comparado com a quantidade de informação.

Funcionamento rítmico
Dados da neurpfisiologia (Pavlidis, 1969) e da cronopsicofisiologia (Poirel, 1983) revelam que às alternâncias
ondulatórias dos metabolismos celulares de repouso, sobrepõem-se as linguagens rítmicas dos potenciais de ação de um
neurónio e de neurónios vizinhos em situação de interferência. Existe ainda um mecanismo candidato extensamente
explorado pela neurociência, segundo o qual o cérebro “liga” a atividade das suas diversas redes através de mecanismos
rítmicos.

Papel integrador
Esta característica emerge das propriedades específicas dos neurónios. Ao fazer o somatório das influências de
outros neurónios, o neurónio autoestrutura-se, criando a sua própria informação. Este, após ter traduzido, codificado e
confrontado a mensagem entrada, estabelece uma ressonância por identidade rítmica, ressonância esta que lhe vai
permitir a seleção de outros neurónios transmissores sucessivos.
Neste sentido, podem-se definir três modos de operação do cérebro: ao nível sináptico, os axónios neuronais
excitatórios ou inibitórios obedecem à lei do tudo ou nada – ou disparam ou não; ao nível das redes neuronais existem
modos de funcionamento por surtos ou tónicos; enquanto que no nível global do funcionamento do cérebro existe
atividade sincronizada ou dessincronizada.

12. A racionalidade das neurociências na mudança do paradigma


A síntese possível das implicações do atual paradigma científico para as neurociências organiza-se em 4 vetores:
(1) o cérebro como centro de um Sistema Nervoso aberto/fechado; (2) a assimilação do acaso e da desordem pelo
Sistema Nervoso; (3) a homeostase / homeorrese; (4) a abertura aos sistemas auto-organizados.

Cérebro como centro de um Sistema Nervoso aberto/fechado


O cérebro, para além de ter de organizar o funcionamento nas diferentes escalas temporais, também tem de
manter a sua própria estabilidade e integridade em permanência. Para tal, a maior parte dos seus recursos são investidos
na comunicação consigo próprio de modo a poder se auto-regular. Deste conjunto funcional emerge um princípio
organizacional que tem que ver com o facto de os conjuntos neuronais que representam percepções específicas poderem
ser definidos em termos de simultaneidade no domínio temporal e de sincroniza no domínio das frequências.
A abertura é condição do desenvolvimento do sistema nervoso e da sua complexificação. A faculdade de
assimilar o acaso e de o utilizar em seu benefício resulta simultaneamente do jogo fechado/aberto: abertura ao meio e
fecho numa autonomia relativa que lhe asseguram os seus dispositivos inatos. Em consequência desta implicação o
cérebro é eleito como centro, constituindo-se como núcleo preponderante da auto-organização dos organismos mais
complexos.

Assimilação do acaso e da desordem pelo Sistema Nervoso


A 2a implicação situa-se ao nível da teoria do caos e dos fractais. Estas teorias têm, nos últimos anos, servido
de suporte à investigação que demonstra a existência do funcionamento caótico e a existência de estruturas fractais no
Sistema Nervoso.
Em relação aos sistemas caóticos, os trabalhos de Goldberg et al. (1990) sugerem que o coração e outros
sistemas fisiológicos comportam-se mais erraticamente quando jovens e saudáveis. Ao contrário, o aumento de um
comportamento regular faz-se acompanhar algumas vezes de envelhecimento e de doença. Sob a ação de um choque ou

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 9


do stress, este ciclo pode ser perturbado, sendo o sistema atirado para um outro atractor - um "ponto fixo" - e o coração
pára. A irregularidade e a imprevisibilidade são, pois, assemelhadas à saúde.
Em relação à teoria dos fractais, os mesmos trabalhos daqueles autores demonstram que certos neurónios têm
uma estrutura semelhante à estrutura fractal: os detalhes de um fractal a um determinado nível da escala são semelhantes
(mas não necessariamente idênticos) aos detalhes de outra escala de grandeza maior ou menor.
Estes estudos levaram os autores a investigarem as ligações entre estruturas fractais e a flexibilidade, a
adaptabilidade e a robustez de sistemas que exibiam um comportamento caótico. Concluíram que este tipo de estruturas
apresentava por um lado, uma maior resistência às agressões, devido à sua redundância e irregularidade e, por outro
lado, uma capacidade de amplificação e complexificação dos processos de informação.

Homeostase/homeorrese
A 3ª implicação situa-se em torno do conceito de homeostase. A aplicação da teoria do caos e das estruturas
fractais ao Sistema Nervoso rapidamente pôs em causa este princípio clássico.
Tomando o ritmo cardíaco como exemplo de uma expressão da função de regulação do Sistema Nervoso
Central, verificou-se que mesmo na ausência de flutuações nos estímulos exteriores, aquele ritmo, em vez de evoluir
para um estádio estável, homeostático, apresentava flutuações (Goldberg et al., 1990).
Ao nível mais direto do Sistema Nervoso, Mayer-Kuss, Rapp, Babloyantz e Destexhe (citados por Goldberg et
al., 1990) demonstraram através da análise de electroencefalogramas de pessoas saudáveis a evidência do caos no
sistema nervoso. Na verdade, uma das funções mais importantes do cérebro é a homeostase (refletindo uma adaptação
óptima a um ambiente em mudança constante). Isso requer princípios de auto-organização relativamente simples e
fluxos de informação alimentadores dessa regra adaptadora.
De facto, os sistemas caóticos operam sob um grande leque de condições e são adaptáveis e flexíveis. Esta
plasticidade permite ao sistema auto-organizar-se em função das exigências de um ambiente imprevisível e em contínua
alteração, mantendo, apesar disso, um nível mínimo de redundância.

Abertura aos sistemas auto-organizados


A 4a implicação situa-se em torno do conceito de auto-organização. A abertura aos sistemas auto-organizados
está muito ligada ao desenvolvimento das chamadas "ciências da complexidade" e sobretudo ao desenvolvimento de
alguns temas tais como: a importância de princípios organizativos no mundo, a visão computacional da matemática e
dos processos físicos, a ênfase dada aos sistemas de redes paralelas, a importância da dinâmica não linear e dos sistemas
seletivos, a nova compreensão do caos, a matemática experimental, as ideias conexionistas, as redes neuronais e os
processos de distribuição paralela.

Em síntese, pode-se afirmar que as implicações do actual paradigmas científicos sobre a neurociência podem-
se resumir num conjunto de conceitos-chave. Vários foram os esquemas explicativos do funcionamento cerebral que
tentaram aplicar os conceitos resultantes desta mutação da racionalidade. Assim, por um lado os modelos de cariz mais
anátomo-funcional e sistémico-cibernético basearam-se na concepção do cérebro como um sistema aberto/fechado ao
ambiente, desenvolvendo um conjunto de explicações essencialmente neurocibernéticas (nos modelos de cariz anátomo-
funcional) e sistémico-neurocibernéticas (nos modelos de cariz sistémico-cibernético); por outro lado, os modelos auto-
organizativos aplicaram os restantes conceitos-chave ao Sistema Nervoso, muitos deles a partir das propriedades deste
conceito (organização, simultaneidade de antagonismos, ordem/desordem).
Num plano mais prático pode-se afirmar que o cérebro é hoje concebido como um sistema constituído por uma
enorme quantidade de elementos complexos organizados e por um complexo conjunto de protocolos de comunicação.
Estes conjuntos estão organizados em micro e macrosistemas formando um conjunto harmónico com diferentes níveis
de análise e de processamento da informação dos quais emergem os complexos comportamentos.

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Capítulo 2: Evolução Filogenética do Sistema Nervoso
1. Introdução
Quando falamos da evolução do cérebro teremos que ter em mente as seguintes 4 questões básicas: (1) O que
aconteceu? (2) Quando aconteceu? (3) Como aconteceu? e (4) Porque é que aconteceu?. A anatomia foca-se,
habitualmente, “no que aconteceu”. A resposta ao “porquê” de uma característica cerebral aparecer e/ou se alterar é
tarefa igualmente difícil, requerendo uma compreensão da(s) função(ões) de uma dada característica e do seu papel
biológico na história de vida de um organismo.
A disciplina científica que estuda estas alterações é a neurociência da evolução, cujo principal objectivo é não
só documentar a história da evolução do cérebro, como também explicá-la. A história evolutiva do cérebro começou
logo que a vida emergiu na terra. As unidades mais básicas de construção do cérebro existem há milhares de milhões
de anos:
ª Protozoários: seres unicelulares de surgimento datado em cerca de 2.5 mil milhões de anos, evidenciam
irritabilidade (ou excitabilidade), uma das características das células nervosas, bem como a capacidade de
movimentação por contractibilidade, uma aptidão que reclama controlo nervoso;
ª Esponjas: são uma das classes de animais mais antigas do grupo dos invertebrados que ainda
sobrevivem, muito embora não tenham sistema nervoso, apresentam alguns dos genes e proteínas que são
essenciais para a construção das conexões neuronais.
O elevado consumo energético das células nervosas e do movimento que é característico dos indivíduos do reino animal,
exigiu um longo período de aperfeiçoamento dos mecanismos bioenergéticos, que se terá prolongado por cerca de 3 mil
milhões de anos, até chegar ao heterotrofismo aeróbico.
ª Cnidários (ou celenterados; ex: anémonas e medusas): podem ter sido os primeiros cuja natureza dotou
com neurónios genuínos - células longas, finas, com ramificações adaptadas às tarefas de transmissão de
mensagens de uma parte do corpo para outra, muito embora não exista nenhum processador central. Há uma
rede de neurónios primitivos dispersos, com características de irritabilidade e prolongamentos capazes de
assegurar a condução de sinais eléctricos.
Os organismos multicelulares constituem já́ os três principais reinos: plantas, fungos e animais. Estes últimos,
prosseguindo estratégias evolutivas assentes em formas dinâmicas de movimentação e interação com o meio, necessitam
de um sistema de controlo da ação, que os primeiros podem dispensar. Começa, então, a desenvolver-se um sistema
nervoso ganglionar.
ª Planárias: pequenos vermes achatados do filo dos platelmintes, apresentam dois gânglios cerebróides
de onde imanam cordões nervosos longitudinais, com ramificações a diferentes tipos de receptores sensoriais.
uma regulação mais fina da motricidade, garante a recepção, processamento e resposta específica aos estímulos.
ª Anelídios (minhocas): apresentam o mesmo tipo de estruturas nervosas. São de evolução filogenética
um pouco mais recente e já capaz de efectuar arcos reflexos simples, envolvendo neurónios sensitivos e motores,
possuindo igualmente neurónios de associação inter- segmentar. Possuem uma coordenação central bastante
descentralizada, sendo maioritariamente assegurado a nível local. Esse tipo de processamento regional, ou
assegurado por gânglios isolados, não lhes permite criar representações sensitivas ou sensoriais. O organismo
está melhor equipado para a captação dos estímulos do meio e para o processamento sensitivo-sensorial.
ª Artrópodes (crustáceos e insetos): surge um protocérebro, enquanto órgão cefálico que regula
centralmente os processos orgânicos e o controlo do comportamento, inclusive a partir de estímulos visuais.
Tornou-os mais aptos para a sobrevivência no meio terrestre.
Mas é ainda em meio aquático que os gânglios cerebróides se fundem definitivamente numa massa encefálica e
começam a formar-se porções de tecido nervoso especializado, nomeadamente no controlo de funções viscerais e
motoras, por um lado, e funções sensoriais, especialmente visuais, por outro.
ª Moluscos (polvo): o sistema nervoso permite movimentos rápidos e precisos, uma interacção
visualmente coordenada com os elementos do meio, formas rudimentares de comunicação con-específica (no
caso dos polvos, através de mudanças da cor da pele) e, até, a aprendizagem de formas sofisticadas de resolução
de problemas.
A história da evolução do cérebro traduziu-se pela emergência de um processo conhecido como encefalização, no qual
grupos de neurónios se transformaram numa ligação cerebral preferencial para órgãos sensoriais importantes, como os
olhos.
ª Peixes: regiões particulares do cérebro continuam a especializar-se em diferentes funções, com uma
das regiões a ficar especialmente devotada à visão, entendida como o precursor do futuro lobo occipital,
Luiza Razuk Freitas 2019/202o 11
enquanto outra está especialmente dedicada ao controlo da resposta às ameaças, entendida como o predecessor
da amígdala. Possuem um verdadeiro Sistema Nervoso Central. A par do esqueleto interno, um cerebelo
bastante desenvolvido garante-lhe grande mobilidade e boa regulação postural, enquanto o mesencéfalo se
assume como centro receptor da informação sensorial e efetor das respostas à mesma. Ao mesmo tempo, o
hipotálamo e a hipófise passam a assegurar a regulação das funções vegetativas e dos comportamentos de
mediação hormonal, como é o reprodutivo.
ª Anfíbios: Um bulbo olfactório bem desenvolvido, capacitando-o para a discriminação fina de odores,
completa as condições para uma nova incursão da vida em meio terrestre. O cérebro continua a desenvolver-se.
ª Répteis: o cérebro continua a desenvolver-se e o encéfalo já é constituído por diversas estruturas. Além
do cerebelo e do tectum, vislumbram-se os núcleos da base. o hipotálamo assume-se definitivamente como
centro regulador vegetativo e o tálamo fixa-se como estrutura receptora de informação, quer extraceptiva, quer
proprioceptiva, projetando-a no córtice e permitindo a sensibilidade epicrítica. No telencéfalo, surge o esboço
do sistema límbico, com a amígdala a receber também informação sensorial, designadamente olfactiva, e
estabelecendo conexões com o hipocampo, possibilitando a memória dessa informação.
ª Mamíferos: também contém muitas destas estruturas primitivas para além de outras estruturas de
aquisição mais recente.
A evolução dos Mamíferos
ª Ovíparos (ornitorrinco) e Marsupiais: São mamíferos antigos. continuam a desenvolver-se os centros
cerebrais envolvidos no olfacto, tornando-os osmáticos. Estabiliza-se o desenvolvimento relativo do diencéfalo
e do sistema límbico, mas assiste-se ao aumento alométrico do telencéfalo.
Em consequência do aumento da complexidade do sistema nervoso assiste-se não só ao prolongamento do período de
gestação, com os mecanismos ovíparos a darem lugar aos placentários, com os marsupiais pelo meio, mas também ao
nascimento das crias ainda em estado embrionário, tornando-as incapazes de subsistirem autonomamente no período
pós-natal. ⇾ Exige o surgimento da programação límbica do instinto maternal
ª Neomamíferos: Há cerca de 100 milhões de anos, iniciou-se a encefalização. No cerebelo, o
neocerebelo habilita-os a movimentos finos e assimétricos. No cérebro assiste-se ao desenvolvimento
progressivo do neocórtice, acompanhado pela regressão do bulbo olfactivo.
Apesar de a informação olfativa manter-se relevante na regulação de comportamentos instintivos e
primariamente motivados, os neomamíferos e os primatas tornaram-se animais predominantemente audiovisuais. Não
mostram apenas maiores capacidades de aprendizagem, mas também formas inteligentes de comportamento que lhes
garantem maior potencial adaptativo a condições imprevistas do meio. Tornam-se capazes de coordenar a sua acção não
só em função da memória de eventos passados, mas também da antecipação de consequências futuras e de uma certa
regulação executiva dos processos mentais que se exponencia na espécie humana. A consciência é, ela mesma, um
fenómeno emergente da evolução do cérebro.
Ainda não está suficientemente esclarecido é a razão que levou a que o cérebro humano tivesse começado a
crescer e quais os benefícios de cérebros maiores. A explicação mais intuitiva e mais tentadora é a seguinte: o
crescimento do cérebro durante o Paleolítico foi acompanhado pela emergência de uma inteligência mais sofisticada,
traduzida pelos registos arqueológicos de utensílios cada vez mais complexos, muitos deles ligados à cozedura dos
alimentos. Tornou a dieta dos nossos ancestrais mais nutritiva, permitindo simultaneamente o adelgaçar da estrutura
óssea e muscular da cabeça, o que terá favorecido o crescimento do cérebro.
Do Neanderthal para o Sapiens Sapiens alterou-se a tendência do crescimento do volume cerebral, com o
primeiro a mostrar maior capacidade craniana do que a atual espécie humana. Quer os estudos dos fósseis, quer os dados
da neuroanatomia comparada de espécies próximas dos seres humanos, demonstram que o cérebro dos hominídeos
aumentou, como atrás dissemos, cerca de 3 vezes num período de aproximadamente de 2.5 milhões de anos ou cerca de
3.8 vezes em 6-7 milhões de anos. Apesar disso, é hoje consensual que o cérebro dos humanos não é apenas um grande
cérebro de um primata; é, também, um cérebro onde ocorreram alterações qualitativas e quantitativas importantes,
algumas das quais são produto de vastos padrões da evolução do cérebro através das espécies, enquanto outras são o
resultado da selecção directa de diferentes capacidades comportamentais.
A evolução biológica – a evolução que provocou alterações no nosso conjunto genético – ajudou a fornecer as
naturezas humanas, incluindo os comportamentos humanos, muito embora não tenha capacidade para determinar todos
os comportamentos. Na verdade, os seres humanos não têm genes suficientes para programarem todos os
comportamentos que desenvolvem. Os seres humanos têm cerca de 20 a 25.000 genes e os cérebros humanos têm cerca
de 86 mil milhões de neurónios, com cerca de 100 a 1.000 milhões de sinapses entre eles, o que representa cerca de
50.000 milhões de sinapses por gene. Por isso, o outro componente determinante das nossas naturezas tem de ser, então,
a cultura. A nossa espécie é a única em que as modificações da cultura adquiriram uma importância tão grande quanto
as modificações da informação hereditária no que respeita à produção das nossas naturezas.
Luiza Razuk Freitas 2019/202o 12
2. O nosso lugar na evolução
O género Homo é estimado ter aparecido há cerca de 2.7 a 2.8 milhões de anos e na atualidade todas as suas
variantes estão extintas, excepto o Homo sapiens moderno. Além de nós, calculava-se que o último sobrevivente do
género – o Homo neanderthalensis, com quem coabitámos o planeta – teria desaparecido há cerca de 27 a 30000 anos,
mas dados recentes sugeriram que o Homo floresiensis ainda existia há 12000 anos.
Muitas características distinguem o género Homo dos outros primatas. De uma maneira muito geral, o género
Homo pode ser caracterizado por:
1. um aumento do tamanho do crânio relativamente a outros primatas;
2. uma propensão para a utilização de utensílios;
3. uma redução da mastigação para a preparação de alimentos a serem ingeridos;
4. bipedismo como postura predominante.
É, no entanto, a evolução do cérebro que constituiu um dos acontecimentos evolutivos mais marcantes do género
Homo.
Genealogicamente estamos, então, mais próximos dos chimpanzés e dos bonobos do que estes estão dos gorilas.
Os primatas vivos mais próximos de nós, quer em termos físicos, quer em
atributos comportamentais são os bonobo. Aqueles são mais delgados que os
chimpanzés comuns e com mais frequência assumem a posição ereta; também
apresentam braços mais curtos (quando comparados com as pernas), esqueleto
e dentes mais pequenos; para além disso, têm menos diferenças entre os sexos.
Do ponto de vista físico, são o melhor modelo primático vivo para
comparações com o Homo sapiens. Alguns dos aspectos que os aproxima: (1)
as capacidades perspectivas fundamentais, (2) as partes do cérebro envolvidas
na linguagem homólogas às do Homem, bem como (3) alguns apectos do seu
comportamento.
Na realidade, alguns comportamentos que outrora foram considerados
característicos apenas dos seres humanos, verificou-se que afinal também são
partilhados pelos bonobos e outros chimpanzés como, por exemplo:
• O uso de utensílios e armas, algumas delas manufaturadas (Wrangham & Peterson, 1996);
• O assalto a territórios vizinhos por vezes acompanhado de morte de rivais (Wrangham & Peterson, 1996);
• O pensamento causal e relativamente complexo (Limongelli et al., 1995);
• A organização em sociedades patriarcais (Daly, 1984);
• A protocultura - um conjunto de informação não genética que passa de indivíduo para indivíduo e de geração
para geração, variando de comunidade para comunidade (Boesch, 1996).
Apesar de terem 95 a 99% de semelhanças genéticas com os outros primatas (dependendo das técnicas de
comparação), os seres humanos apresentam diferenças fenotípicas importantes. Os seres humanos são os únicos
primatas que usam permanentemente a postura bípede, possuem menos pilosidade, têm incisivos e caninos mais
pequenos e apresentam uma oponência total dos polegares.
Mas a evidência mais forte quanto a aspectos distintivos entre os primatas humanos e não humanos centra-se
na diferença do tamanho do cérebro (cerca de 4 vezes maior nos humanos) com a consequente plétora de funções não
físicas para que o cérebro fica disponível. A mais óbvia é, naturalmente, a linguagem (um modo de comunicação de
pensamentos e sentimentos a outros congéneres) com uma característica sintática única – conjunto de regras através das
quais os elementos da linguagem podem formar símbolos para designar objectos e atos (Berlin, 1992).
Também é único da nossa espécie a expressão oral da linguagem, ou seja, a capacidade de falar. Nos primatas,
a extensa comunicação entre congéneres não é feita por meio de sons (Mitani, 1996).
Ao contrário, os seres humanos usam as suas capacidades únicas extensivamente em conjunto com o cérebro
que também lhes permite improvisar comportamentos apropriados para quase todas as situações, baseando o seu
comportamento no jogo complexo das relações de causa-efeito.
Para além disso, somos a única espécie conhecida que desenvolveu um sistema de crenças, sendo também
possível sermos os únicos animais vivos que apresentam empatia cognitiva (Wall, 1996) – capacidade de nos colocarmos
no lugar do outro. Esta capacidade é um instrumento muito valioso para a sobrevivência de um organismo muito
inteligente que vive num ambiente demasiado social.

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Os nossos antepassados hominídeos, mais do
que quaisquer outros primatas, especializaram-se em
viver através do humor – uma especialização que
produziu uma outra diferença qualitativa.
Esta diferença quantitativa no ambiente
cultural, caracterizada sobretudo pelo facto de a
informação cultural entre os chimpanzés apenas se
transmitir por imitações, enquanto nos humanos se
transmite oralmente e através de todos os dispositivos
que foram sendo, entretanto, criados, foi uma das
principais fontes de especialização dos cérebros nos
humanos.
Há cerca de 6 milhões de anos, sensivelmente
desde que os hominídeos (primatas bípedes) divergiram
dos outros primatas, o tamanho absoluto do cérebro
aumentou de forma dramática (cerca de 4 vezes).
Particularmente intrigante é que este aumento não foi
lento e gradual, mas antes por surtos (Hofman, 1983).
Dos australopitecíneos até que o género Homo iniciou
o seu desenvolvimento, o tamanho absoluto do cérebro
aumentou drasticamente de cerca de 400-500 cm3 para
cerca de 700-800 cm3.
Depois, ao longo dos seguintes 1.5 milhões de
anos, quando o Homo erectus reinou, o tamanho médio
do cérebro manteve-se praticamente constante, perto
dos 950 cm3. Contudo, quando o Homo Sapiens arcaico apareceu, incluindo o Heidelbergensis e o Neanderthalensis,
o tamanho absoluto do cérebro aumentou novamente e, entre os 200000 e os 100000 anos atrás, a nossa espécie atingiu
o tamanho atual de 1200 a 1800 cm3 (Lee & Wollpoff, 2003). Não é fácil de explicar este facto no crescimento do
cérebro. No entanto Aiello e Wheeler e Leonard e Robertson (Leonard & Robertson, 1994) sugeriram que o primeiro
grande crescimento estaria, provavelmente, relacionado com a alteração da dieta nos hominídeos, enquanto que o
segundo grande crescimento do cérebro estaria relacionado com necessidades de socialização com vista a aceder ao
acasalamento e a outros recursos (Byrne, 1997).

3. Bipedismo
Há cerca de 6 milhões de anos, os primeiros hominídeos distinguiram-se dos seus antecessores primatas por
terem adotado a posição bípede, mas mantendo os seus cérebros com tamanhos cerca de 1/3 do dos cérebros do Homem
moderno.
Os primeiros australopitecíneos, surgidos há pouco mais de 4
milhões de anos, dedicar-se-iam frequentemente a trepar árvores, ainda
que as suas ancas sejam sugestivas de marcha vertical regular. Já a
pélvis e joelhos da Lucy, um fóssil de Australopithecus aferensis,
indiciam que estes nossos antepassados se deslocavam
predominantemente no solo, de modo bípede.
Muitas razões têm sido apontadas para explicar o bipedismo,
sendo a mais atrativa aquela que sugere que desse modo as mãos
ficaram livres para manipular e transportar objetos ou para pegar em
pedras e usa-las como armas (Fifer, 1987). Aliás, a locomoção vertical
seria naturalmente vantajosa no ambiente aberto da savana, permitindo
a melhor detecção de presas, bem como de potenciais predadores. Uma
hipótese mais recente (Jablonski & Chaplin, 1993) conjuga a postura
vertical com a manifestação de uma atitude de dominância ou ameaça
face a outros indivíduos, colocando-a na origem do bipedismo.
Se bem que haja muitos debates acerca da origem do bipedismo, o certo é que ele influenciou a estrutura social
dos humanos e o seu comportamento sexual, pelo menos segundo a sugestão de Lovejoy (1981). Com o aumento do
período de desproteção da infância que acompanhou o crescimento do cérebro, tornou-se necessário que os hominídeos
machos transportassem comida e fornecessem ajuda às mães e às suas crias.
Luiza Razuk Freitas 2019/202o 14
4. Padrões de evolução do cérebro
Desde há cerca de 3-4 milhões de anos, o cérebro humano aumentou muito de tamanho, embora apenas se tenha
tornado ligeiramente maior proporcionalmente ao tamanho do corpo. Há pouco mais de 2 milhões de anos, alguns
hominídeos evoluíram com cérebros um pouco maiores do que os dos outros primatas. Por essa altura apareceram
utensílios simples, talhados em pedra. Esses utensílios são atribuídos ao Homo Habilis e, embora rudimentares,
assinalam a capacidade de ir além dos determinismos biológicos através de uma modificação activa do habitat. Há cerca
de 1.5-1 milhão de anos o cérebro teve uma rápida expansão atingindo cerca de 2/3 do tamanho do cérebro do Homem
moderno. No tempo que se seguiu, o tamanho médio do cérebro aumentou para perto dos 1400 cc no Homem moderno,
num ritmo de crescimento descontínuo ao longo do tempo e do espaço.
A linguagem evoluiu muito provavelmente nos últimos 500 mil anos, época que Homo Sapiens arcaico. O
Homo Erectus há quase meio milhão de anos, já sinalizava o desenvolvimento do raciocínio abstracto que subjaz à
linguagem por detrás desse comportamento. A organização social do Homo Erectus indicia que já possuiria formas
bastante efectivas de comunicação, mesmo que fosse incapaz da fala como a conhecemos.
Quanto ao material de cultura religiosa que ainda hoje se reflete na atividade do Homem moderno, esse apareceu
com o Neanderthalesis, surgido há apenas 250.000 anos. Estes nossos antepassados não só enterravam os mortos, como
os faziam acompanhar de oferendas, evidenciando um ritualismo religioso e um pensamento simbólico sem paralelo até
então.
Muito embora tenhamos outros dados que nos distinguem dos outros primatas, tais como o bipedismo e uma
relativa perda de pelos, o cérebro e o comportamento que ele produz é o que nos distingue, verdadeiramente dos outros
primatas. A história evolutiva do cérebro não é apenas uma questão cronológica do seu aumento de tamanho, mas
também uma das alterações da sua organização funcional. O cérebro não é só um produto da evolução filogenética, mas
também da evolução somática, genética, ecológica, demográfica e, mais recentemente, dos contextos culturais e
linguísticos nos quais eles evoluíram.
Mas qual é a vantagem evolutiva de se ter um cérebro grande?
Período de 6 a 2 milhões de anos atrás ⇾ “fase australopitecínea” ou estádio 1 da evolução do cérebro dos
hominídeos. Com o advento do bipedismo, eles exploravam novos ambientes e fontes de alimentação de uma forma
diferentes dos seus antecessores e, a partir do Homo habilis, torna-se claro que estes hominídeos modificavam objetos
no seu ambiente, utilizando como utensílios.
Apesar de tudo isto, não existe um padrão consistente de aumento do tamanho do cérebro ao longo deste período
da evolução dos hominídeos. Parece não ter havido uma grande pressão seletiva para aumentar o tamanho dos cérebros
dos orangotangos, chimpanzés e gorilas ao longo dos últimos 8 milhões de anos e este padrão manteve-se durante os
primeiros 4 milhões de anos da evolução dos hominídeos. Os hominídeos da fase austrolopitecínea não só possuíam
cérebros com um tamanho próximo do dos símios, como exibiram um padrão de estabilidade do volume do cérebro
semelhante ao dos símios ao longo de um período de tempo relativamente longo. No entanto, houve sem dúvida uma
reorganização funcional do cérebro nesta fase. O que permanece desconhecido é quais foram os aspetos dessa
organização cerebral que estiveram envolvidos naquela evolução, ou qual a vantagem que poderão ter conferido.
Foi precisamente no período de cerca de 2-1.5 milhões de anos atrás - a primeira fase do Homo/primeiro Homo
Erectus (fase 2 de Holloway) - que se pode argumentar que houve uma vantagem seletiva do aumento do tamanho
cérebro na evolução hominídea. As espécies hominídeas de grandes cérebros (H. Habilis, Georgicus, Erectus)
substituíram a grande maioria das espécies da fase australopitecínea, deixando apenas os australopitecíneos mais
robustos e altamente especializados, os quais sobreviveram até há cerca de 1.4 milhão de anos. Houve também uma
expansão biogeográfica, primeiro de África para Ásia, e depois para além da Ásia, mas ainda não há conhecimentos que
o cérebro contribuiu para isto.
Os Neanderthalensis e os Homens modernos no plano anatómico fornecem o contraste local/global deste
cenário (fase 3 de Holloway). Muito embora os Neanderthalensis tivessem adquirido um tamanho absoluto do cérebro
um pouco superior ao dos Homens modernos, eles não passaram de uma população circunscrita, limitada geográfica e
ecologicamente à Europa e à Ásia ocidental.
Apesar de ter havido um grande progresso na compreensão sobre o modo como as estruturas e as funções
cerebrais têm mudado ao longo da evolução, esse mesmo progresso também tem tido alguns obstáculos. Primeiro,
porque ainda não há um consenso quanto às medidas apropriadas para avaliar o tamanho do cérebro (têm sido propostas
várias, tais como frações, residuais, quociente de encefalização, índice de progressão, volumes totais e volumes do
neocórtice); segundo, os mecanismos explicativos sobre as consequências funcionais das diferenças observadas no
tamanho do cérebro continuam pouco adequados; terceiro, continuamos com um conhecimento limitado sobre outras
diferenças para além das relacionadas com o tamanho cerebral; por último, temos poucos instrumentos de avaliação
comportamental disponíveis que permitam comparações não enviesadas entre as espécies.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 15


Como se podem comparar as espécies em relação ao tamanho do cérebro?
Jerison (1973, 1991) foi o inaugurador da análise das relações alométricas entre o tamanho do corpo e do
cérebro. O tamanho do cérebro aumenta com o tamanho do corpo a uma taxa exponencial característica. A maquinaria
neuronal para o controlo dos músculos e para a enervação da superfície sensorial deverá aumentar em função do tamanho
do corpo, contudo, não se entende porque é que órgãos especializados dos sentido (como, por exemplo, os olhos e os
ouvidos) também devam aumentar de forma tão regular com o aumento do tamanho do corpo.
A correção do peso do corpo através do quociente de encefalização (QE) dá-nos algum poder explicativo. O
QE é classicamente dado pela fórmula QE=Ea/Ee indicando a extensão com que o tamanho do cérebro de uma dada
espécie Ea se distancia do tamanho esperado do cérebro Ee, baseado numa espécie estandardizada do mesmo grupo
taxonómico. Os humanos têm o QE mais elevado (entre 7.4 – 7.8) entre espécies, indicando que o nosso cérebro é 7 a
8 vezes maior do que o esperado para o tamanho do corpo. Este índice é um indicador da chamada encefalização
quantitativa. A assunção é a seguinte: é necessária uma certa razão constante do cérebro em relação ao tamanho do
corpo para garantir as funções somáticas e o repertório comportamental básico, sendo destinada a quantidade de cérebro
adicional para comportamentos mais especializados ou elaborados ou para adaptação a nichos cognitivamente muito
desafiantes.

O cérebro humano não é completamente uma versão em tamanho grande de um cérebro de um primata genérico,
já que apresenta uma heterogeneidade quanto às áreas cerebrais no seu conjunto. Na verdade, algumas não
acompanharam o crescimento geral do cérebro, enquanto outras sofreram um desenvolvimento acelerado.
Segundo o princípio de “mais tardio é igual a maior”, a razão neocórtice/bulbo é praticamente o dobro nos
humanos comparativamente com os chimpanzés (Frahm et al., 1982), ou seja, o volume do neocórtice aumenta mais
depressa do que o volume do cérebro, segundo uma função exponencial de 1.13 (Haug, 1987). Para além disso, o
princípio de Deacon (1990), segundo o qual “maior é equivalente a muito conectado”, prediz que o neocórtice humano
aumentado deverá expandir as suas projecções para as outras regiões, proporcionalmente mais pequenas. Na verdade,
os humanos apresentam um número elevadíssimo de projecções do neocórtice para os motoneurónios do bulbo e da
medula (Iwatsubo et al., 1990). Este aumento das projecções neocorticais provavelmente permitirá aos humanos
modernos produzirem movimentos controlados mais finos das mãos, dos músculos respiratórios, dos olhos, das
mandíbulas, dos lábios, da língua e dos músculos da vocalização.
Dentro do neocórtice, o córtice pré-frontal lateral tornou-se desproporcionalmente grande no Homo Sapiens.
Este aumento de tamanho desproporcional talvez tenha contribuído para o aumento da influência que o córtice pré-
frontal lateral tem no cérebro humano. Striedter (2006) propôs que esta expansão terá aumentado a capacidade dos
humanos para desenvolverem aquilo a que o autor chamou de “comportamentos não convencionais”, tais como olhar
ou apontar para o lado oposto de um estímulo relevante ou tornear barreiras para obter alimento. Esta capacidade, em
conjunto com o aumento da destreza atrás aludida e do aumento relevante das áreas associada à fala (39, 40 de
Brodmann) poderá ter sido a antecessora da emergência da linguagem simbólica (Deacon, 1997).
Se esta hipótese for verdadeira, então a linguagem humana emergiu, pelo menos em parte, como uma
consequência automática, mas adaptativa, do aumento do tamanho absoluto do cérebro, correlativa de um aumento da
sua complexidade. Uma vez emergida a linguagem, o comportamento humano alterou-se drasticamente, sem mais
alterações no tamanho absoluto médio do cérebro.

5. Arquitetura e histologia evolutiva do cérebro


Ao longo da evolução do cérebro, os sistemas nervosos foram-se mudando de 4 formas principais.
1. primeiro, tornaram-se progressivamente centralizados na arquitetura, evoluindo de uma rede aestruturada de células
(como acontece na medusa) para uma coluna espinal e um cérebro complexo com grandes protusões no rombencéfalo
e no prosencéfalo;
2. segundo, ocorreu uma tendência para a encefalização, incluindo a concentração de órgãos dos sentidos e do tecido
nervoso associado na cabeça;
3. terceiro, o tamanho, o número e a variedade de elementos do cérebro aumentou;
4. quarto, houve um aumento na plasticidade, isto é, a capacidade do cérebro para se modificar em resultado da
experiência (memória), tornando possível a aprendizagem de novas habilidades perceptivas e motoras.
Os processos histológicos também foram sujeitos à pressão evolutiva. O conjunto de processos que, ao longo
da evolução, levaram à estratificação cortical designa- se por encefalização qualitativa. Os mecanismos que estiveram
na base desses processos são:

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 16


ª (1) telencefalização (a migração evolutiva dos centros de integração da informação para as estruturas
filogeneticamente mais recentes);
ª (2) girencefalia (plissamento e enrugamento dos hemisférios cerebrais); e
ª (3) cerebelação (processo histológico que conduziu à estratificação da camada cinzenta cortical).
Uma forma de entender a evolução do cérebro humano é vê-la como uma adição de níveis de regulação cada
vez mais complexos. Se entendermos o comportamento animal e humano como “controlo de percepções”, em que as
percepções correspondem a representações mentais importantes do ambiente, compreendemos que para um organismo
com reprodução sexuada sobreviver e deixar progenitores, ele deve ser capaz de controlar muitos aspetos diferentes de
percepções.
Contudo, surge a questão de se saber se a emergências das complexas capacidades e habilidades mentais do
homem podem ser apenas explicadas pela seleção natural. Muito provavelmente e à semelhança da evolução de outros
órgãos, a pressão seletiva exercida sobre os primeiros hominídeos tornou-os melhores caçadores. Em consequência, o
cérebro progressivamente mais complexo e mais adaptado através da seleção natural poderá ter tornado possível outras
habilidades, tais como a fabricação de utensílios e o uso da linguagem, traços que, por sua vez, poderiam ter-se tornado
alvos para a futura seleção natural.
Esta transformação de estruturas biológicas e de comportamentos de um uso para outro foi designada por
Darwin como “pré-adaptação”, Goud e Vrba (1982) propuseram outro termo para este fenómeno: exaptação. Isto é um
processo através do qual as estruturas e comportamentos originariamente selecionados para uma função se tornam
implicados noutra função pouco relacionada com a primeira.
O facto de os grandes cérebros apresentarem problemas de design cujas soluções requerem alterações da
organização (Kaas, 2005). Os cérebros podem aumentar em tamanho, mas os neurónios não; daí que o número de
neurónios deve aumentar nos grandes cérebros. Esta questão conduz-nos ao designado “problema de conexão”: para
que os grandes cérebros funcionem como os pequenos, a sua rede neuronal deverá manter conexões com a mesma
proporção da dos cérebros mais pequenos. No entanto, dado que existem mais neurónios nos cérebros maiores, isso
requer um maior número de conexões para cada neurónio, levando a que cada vez mais partes do cérebro estejam
ocupadas com conexões em vez de estarem com neurónios, o que não é muito sustentável. Os cérebros maiores também
requerem conexões mais longas, o que ocupará mais espaço. Ou seja, para os cérebros se tornarem maiores é necessário
que se organizem de maneira diferente da organização dos cérebros mais pequenos.
Uma solução é aumentar o número de áreas de processamento, concentrando os neurónios que necessitam de
manter conexões funcionais e reduzindo a distância entre eles. Outra solução é manter as áreas funcionalmente
relacionadas mais próximas, já que as regiões funcionais estão mais intensamente conectadas com as regiões com
funções relacionadas.

6. Evolução regional do cérebro


No plano anatómico existem pelo menos 3 vias segundo as quais essa reorganização pode ser identificada:
1. uma região definível do cérebro, associada a alguma função específica, pode tornar-se maior ou mais pequena
comparada com o tamanho global do cérebro ou com o tamanho de uma outra região específica;
2. uma região funcional do cérebro pode mudar de função ou de posição;
3. podem-se desenvolver novos campos funcionais em associação com novas competências cognitivas.

7. Reorganização associada ao bipedismo


O fato de o corpo se ter organizado para assumir a posição bípede, deverá ter implicado também uma
reorganização do cérebro. Se em termos muito gerais não são evidentes grandes diferenças anatómicas entre os primatas
bípedes (hominídeos) e os quadrúpedes, pequenas diferenças, nomeadamente na representação somatotópica da mão e
do pé, são de esperar, muito embora ainda não haja provas extensivas disso. No entanto, as áreas visuais do cérebro
apresentam uma importância para a marcha bípede, isso devido a locomoção se ter transformado numa atividade visual
e no facto de as alterações nos hábitos de locomoção serem tão profundas quanto a mudança da marcha quadrúpede
para a bípede que terá implicado uma organização funcional dos córtices visuais primário e de associação.

8. Reorganização límbica: hipocampo, amígdala e córtice cingulado anterior


O hipocampo é uma estrutura muito conservada nos mamíferos, mesmo considerando a variabilidade da sua
posição relativa no encéfalo (Manns e Eichenbaum, 2006). O seu tamanho relativo comparado com o tamanho global

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 17


do cérebro é quase sempre constante nas diferentes espécies de mamíferos. Este dado é, no mínimo, surpreendente dada
a importância do papel do hipocampo na integração da informação advinda de diferentes partes do cérebro.
Os estudos da neuroimagem funcional dos processos emocionais têm servido para esclarecer a natureza
integrativa do “cérebro emocional” e outras partes do cérebro envolvidas em funções cognitivas superiores. Algumas
alterações na organização das estruturas límbicas que acompanharam a evolução daas capacidades cognitivas superiores
foram: possível evolução da lateralidade funcional no hipocampo e na amígdala; alterações na representação
proporcional dos diferentes núcleos da amígdala e o aparecimento de novos tipos de células combinado com o aumento
do volume da circunvolução cingulada anterior nos humanos.

9. Reorganização dos lobos frontais


Apesar desta questão ter sido muito controversa, o que parece ser consensual é o facto de os humanos
apresentarem um córtice frontal maior que o restante dos primatas (humanos: 239-330 cm3; grandes símios: 50-117cm3).
No entanto, o córtice frontal humano não é maior do que o esperado para um cérebro de um primata com o tamanho de
um humano.
Semendeferi et al. (2001) identificaram que a área 10 de Brodmann, localizada na parte mais anterior da região
pré-frontal e ligada as capacidades cognitivas mais avançadas, apresentava quase o dobro do tamanho nos humanos.
Isto foi interpretado como sendo a organização funcional que sofre uma grande alteração, não a anatomia do cérebro.
As capacidades cognitivas especiais são atribuídas a uma vantagem frontal poderão dever-se a diferencas nas áreas
corticais individuais e uma interconectividade mais rica.
Estes diversos custos do aumento do volume do cérebro ajudam a explicar a razão porque o tamanho dos
cérebros dos hominídeos atingiu um patamar sem evolução relevante pelo menos há 180.000 anos.

10. Emergência da mente


A evolução das capacidades desse cérebro para comunicar informação detalhada permitiu a cada agrupamento
de seres humanos evoluir enquanto grupo, também com uma natureza diferente. As partes do nosso cérebro ligado à
visão são relativamente maiores do que as que estão ligadas ao olfato, que são relativamente mais pequenas.
Em conjunto com estes desenvolvimentos evolutivos, também outros ocorreram. Por exemplo, a capacidade de,
quando em vigília, os seres humanos se manterem continua e vivamente conscientes do que ocorre no seu ambiente, de
relembrar os acontecimentos passados, de “falarem” com eles próprios sobre isso e sobre o significado que esses
acontecimentos podem ter para o seu futuro. ⇾ “Consciência intensa” (Ehrlich, 2000).
Qual a vantagem selectiva deste tipo de consciência? Desde logo, ajuda os seres humanos a moverem-se numa
sociedade complexa, em que cada indivíduo é, ele próprio, autoconsciente. Mas também permite a planificação sem a
necessária acção e a consideração de que também outros indivíduos estão planificando, de acordo com o mesmo tipo de
princípios.
Da evolução do cérebro é hoje consensual que este é um órgão que, como os outros órgãos, (1) desenvolveu
uma estrutura que serve para várias funções e (2) pode compensar lesões parciais, mas, além disso, (3) tem vários
“programas” – conjuntos conectados de neurónios – que foram sendo constituídos ao longo de centenas de milhões de
anos de selecção natural; (4) alguns dos quais se desenvolveram mais recentemente para permitir a resolução de
problemas relacionais que são difíceis ou impossíveis de resolver para outros animais; mas (5) apesar de a selecção
natural ter conduzido à emergência de capacidades pela criação de genótipos apropriados, também são necessários
ambientes apropriados (quer internos, quer externos) para produzirem as características comportamentais observadas;
e, além disso, (6) o código genético não constituiu instruções específicas na estrutura cerebral para lidar com todas as
situações comportamentais concebíveis ou, pelo menos, para um grande número delas.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 18


Capítulo 3: Ontogénese1 do cérebro
1. Introdução
O modelo de controlo genético prediz que quanto mais lento for o desenvolvimento do cérebro nas diferentes
espécies, maior será o volume relativo das estruturas que resultarão desse mesmo desenvolvimento (Clancy et al., 2000),
bem como um período de desenvolvimento pós-natal mais prolongado durante o qual a interacção com o ambiente pode
contribuir para uma afinação e uma morfologia mais adequada dos circuitos cerebrais.
Ao nascimento, nos seres humanos, a maior parte dos neurónios já migraram para os seus locais apropriados
dentro do neocórtice e do hipocampo, bem como em outras estruturas. Na altura do nascimento as estruturas subcorticais
estão claramente definidas e extremamente próximas da sua forma da idade adulta, enquanto que as principais estruturas
cerebrais, como os sulcos e as circunvoluções do córtice cerebral, embora já estejam presentes, ainda estão relativamente
imaturos em termos da sua conectividade inter-regional e intra-regional.
Este crescimento cerebral, que leva a que no adulto o cérebro seja aproximadamente 4 vezes maior do que no
recém-nascido, não é uniforme. No córtice visual há um rápido crescimento da formação de sinapses pelos 3-4 meses
de idade e o máximo de densidade (cerca de 50% do nível dos adultos) é atingido entre os 4-12 meses. A sinaptogénese
também começa ao mesmo tempo no córtice pré-frontal, mas a densidade aumenta muito mais lentamente e não atinge
o seu pico senão depois do 1o ano de idade. Durante as primeiras semanas depois do nascimento o consumo de glicose
é maior no córtice sensório-motor, no tálamo, no tronco cerebral e no vermis cerebeloso. Aos três meses há um
considerável aumento nos córtices parietal, temporal e occipital. Há um crescimento contínuo no metabolismo geral do
cérebro depois do 1o ano de vida, com um pico aproximadamente 150% acima dos níveis do adulto que é atingido no
4o e 5o anos de idade, para algumas áreas corticais.
Existe uma subida e uma descida na densidade sináptica, com uma queda da densidade para os níveis do adulto
em diferentes idades, para diferentes regiões corticais, durante as idades mais avançadas da infância. Para além da
formação de árvores dendríticas e das sinapses que lhes estão associadas, a maior parte das fibras tornam-se mielinizadas
durante o desenvolvimento pós-natal (Matzuzawabe et al., 2001).
A partir do momento da fertilização do ovo humano, as células dividem-se, diferenciam-se e migram. Três a
quatro semanas após a concepção, um dos três folhetos do embrião humano, o ectodérmico, começa a tornar-se mais
fino e a organizar-se na parte média do embrião. A par do desenvolvimento desta fina placa neuronal, duas cristas
paralelas vão crescendo da sua superfície. Em pouco dias, estas cristas aproximam-se e soldam-se formando um tubo
oco, designado por tubo neuronal. A parte anterior do tubo adelgaça-se e invagina-se para formar três vesículas: a
vesícula rombencefálica, a vesícula mesencefálica e a vesícula prosencefálica. Os primeiros sinais dos olhos e dos
hemisférios cerebrais aparecem mais tarde.

No início da ontogénese do Sistema Nervoso (SN), os neurónios são produzidos ao longo do canal central do
tubo neuronal para, depois, migrarem até ao seu destino final. Para além disso, associam-se em aglomerados para
formarem as diferentes estruturas cerebrais e para adquirirem formas específicas de transmissão das mensagens
nervosas. Por fim, o funcionamento neuronal, ou a sua ausência, vai eliminar conexões redundantes ou impróprias e
reforçar as que se mantêm.
Muitos aspectos do desenvolvimento neuronal continuam após o nascimento como, por exemplo, o refinamento
e a elaboração neuronal contínuos, a conectividade sináptica, a génese glial e, até, neuronal.

1
Ontogénese: processo evolutivo acerca das alterações biológicas sofridas pelo indivíduo, desde o seu nascimento até
o seu desenvolvimento final.
Luiza Razuk Freitas 2019/202o 19
2. Passos do desenvolvimento embrionário do cérebro
Primeiro, dá-se início a uma série de divisões celulares e ao fim de
alguns dias o agregado de 16 células deixa a trompa de Falópio para se
alojar no útero. À medida que a divisão celular continua, começa a formar-
se uma cavidade no seu interior. O aparecimento desta cavidade identifica
esta estrutura como um blastocisto e indica a formação de dois tipos
distintos de células: um anel periférico de trofoblastos e uma massa interna
de blastómeros, os quais dão origem ao embrião e, por isso, a todas as
células com que nascemos e morremos.

a) Implantação e gastrulação
Após o processo de implantação, que é a ligação física do blastocisto ao útero, ocorre a gastrulação que conduz
à formação de 3 camadas de células - ectoderme, mesoderme e endoderme.
O desenvolvimento do cérebro nos mamíferos é um processo em cascata, de um conjunto de acontecimentos
histológicos que incluem, sucessivamente, a geração e diferenciação dos neurónios (Rakic, 1995), a migração e a
organização das projecções axonais entre conjuntos de neurónios (Barone, 1995), a formação e maturação dos contactos
sinápticos que constituem os passos finais da corticogénese (Bourgeois et al., 1994).
Dos 3 folhetos embrionários, é a ectoderme que dá origem ao tecido nervoso, dando também origem à pele.

b) Indução a placa neural


Inicia cerca de 16 dias após a fertilização. Algumas células da ectoderme
se transformam em tecido especializado a partir do qual o cérebro e a medula
espinal se desenvolvem.
Os processos de indução envolvem dois tecidos: um, que é o alvo e outro
(chamado organizador) que produz os sinais moleculares (proteínas) que tornam
efectiva a indução. No caso, proteínas mesodérmicas inibem o factor de
crescimento que induz a proliferação, crescimento e diferenciação de células
ectodérmicas em células epitelias e possibilitam a activação de genes que
conduzem à formação de células neuroepiteliais precursoras do tecido nervoso.

c) Formação e divisão do tubo neuronal


A primeira manifestação visível em resposta à indução neuronal
é o aumento da altura das células destinadas a tornarem-se partes do
sistema nervoso. De células em forma de cubo transformam-se em
células em forma de coluna, acabando por formar a placa neuronal.
Três a quatro semanas após a fertilização começa a formar-se
uma crista ao longo da placa neuronal que se envagina para formar uma
goteira. Esta goteira continua a envaginar- se de tal modo que os seus
vértices se tocam e acabam por se unir, dando origem ao tubo neuronal
(Figura 5). Este processo é designado por neurolação.
Da união dos vértices formam-se dois conjuntos de células em torno
do tubo neuronal, designados por cristas neuronais. Estas células vão dar
origem aos neurónios e células de glia do sistema nervoso periférico,
bem como ao tecido conjuntivo em torno do SNC, melanócitos, células
pigmentares da iris e células precursoras de parte do tecido ósseo da
cabeça.

d) Proliferação localizada de células em diferentes regiões


Após o tecido ectodérmico se ter diferenciado em células precursoras do tecido nervoso e se ter formado o tubo
neuronal, segue-se um conjunto de fenómenos para determinar que tipo de célula nervosa vai originar-se em cada zona
do tubo. Esta proliferação dá-se em diferentes regiões promovendo a organização em camadas das células das paredes
do tubo neuronal.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 20


Já no que respeita à diferenciação no eixo anteroposterior, entre a terceira e a quarta semana de gestação, o pólo
cefálico desse eixo sofre profundas transformações organogenéticas que conduzem à formação de três vesículas
primárias: rombencéfalo, mesencéfalo e prosencéfalo.

Com o fecho do tubo neuronal começam a ocorrer um conjunto de alterações nas suas paredes. Em primeiro
lugar a parede de células dentro do tubo neuronal cresce em espessura e formam-se múltiplas camadas. Dentro destas
estruturas primordiais entram em funcionamento os seus programas genéticos de histogénese (proliferação e
diferenciação neuronal) produzindo cerca de 250000 neurónios por minuto.
Este processo de proliferação celular ocorre em duas fases distintas: (1) a divisão simétrica, em que células
neuroepiteliais formam células gliais radiais idênticas e permitem uma rápida expansão celular; e (2) a divisão
assimétrica, em que cada célula radial se divide numa nova célula radial e num neuroblasto, ou seja numa célula
precursora neuronal que irá organizar-se, em conjunto com outras, em colunas ontogénicas.
A divisão celular ocorre na zona de proliferação, situada na região mais interior do tubo neuronal. Uma vez
produzidos, os neurónios migram da superfície mais interna do tubo neural (chamada zona ventricular) para a superfície
mais exterior desse tubo (zona marginal), constituindo uma nova camada de células (zona intermédia), apesar de também
ocorrer alguma migração tangencial. Após a divisão neuronal terminar e à medida que o cérebro se desenvolve, os
neurónios vão-se acumulando no topo desta zona intermédia e vão formando novas camadas sob a zona marginal. Uma
migração adequada dos neurónios exige múltiplos
mecanismos em ação, que incluem, entre outros: (1) o
reconhecimento do caminho certo; e (2) a capacidade para se
mover em longas distâncias.
Um dos mecanismos que assegura o percurso de
longas distâncias é o movimento dos neurónios ao longo de
células gliais alongadas (que desaparecem após a fase de
formação cortical) que funcionam como guias da migração
neuronal e que formam vias transitórias no cérebro fetal.
Células gliais radiais atuam como guias dos neurónios
recém-formados, conduzindo-os ao seu destino final no córtice

e) Agregação celular
Trata-se do processo de associação de células semelhantes em aglomerados celulares a partir de propriedades
de “adesividade celular” (espécie de código de reconhecimento celular).

f) Diferenciação dos neurónios imaturos


Os neurónios recentemente formados tornam-se maduros e passam a ter papéis diferentes, ao mesmo tempo que
mudam a sua forma, tamanho e composição molecular. Tornam-se polarizados e desenvolvem ramos - dendrites e
axónios - que variam em extensão e número consoante o tipo de neurónio.
São vários os fatores envolvidos na diferenciação neuronal, fatores que incluem quer a localização dos
neurónios recém-formados, quer o seu ambiente circundante. Para tal, o efeito de certas proteínas é determinante,
funcionando como uma sinalética posicional. Assim, as células que estão próximas dessas proteínas diferenciam-se, por
exemplo, em células gliais, enquanto as células que estão afastadas (sujeitas a menor exposição às proteínas)
diferenciam-se em neurónios motores e as que estão muito afastadas (sujeitas a pequenas concentrações da proteína)

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diferenciam-se em interneurónios. O gradiente destas proteínas
define o tipo de neurónio a desenvolver em cada uma das porções,
ventral ou dorsal, do tubo neuronal.
Os neurónios podem ser classificados pelas suas
diferenças estruturais: neurónios bipolares apresentam um único
axónio e uma dendrite em lados opostos do soma; neurónios
unipolares apresentam uma fibra curta, que sai do corpo da célula
e, em seguida, se ramifica em um axónio e uma dendrite; neurónios
multipolares, os mais comuns do SN, têm um único axónio e
muitas dendrites.

g) Formação de conexões com outros neurónios


Assim que os neurónios alcançam os seus locais finais, devem estabelecer ligações adequadas, para que uma
determinada função possa ocorrer. Isto é conseguido à custa dos seus axónios, os quais se alongam até encontrarem
outras estruturas neuronais - as dendrites - de outros neurónios. A formação de sinapses é um processo gradual no
decorrer do qual a superfície do cone de crescimento (ou terminal axonal pré-sináptico) se aproxima da célula pós-
sináptica e estabiliza o seu contacto através de uma comunicação bidirecional, que é responsável pela formação da
sinapse madura, capaz de uma transferência eficiente de informação entre o neurónio e o seu alvo. A formação de
sinapses com os terminais correctos é assegurada por marcadores químicos (factores de transcrição, moléculas de adesão
dos neurónios e moléculas de sinalização) que atraem os terminais neuronais em crescimento.
É com a formação de sinapases que o Sistema Nervoso começa a
funcionar. Muito do que se sabe sobre a formação das sinapses resulta do
estudo da junção neuromuscular, que é uma sinapse entre um neurónio motor
e uma célula muscular. A preparação para a formação da sinapse começa com
a libertação do neurotransmissor acetilcolina (Ac) pelo cone de crescimento.
Os recetores de acetilcolina que estão presentes por toda a superfíce
das células musculares, começam a redistribuir-se, agrupando-se na área
adjacente à da chegada do cone de crescimento. Isto leva a um aumento
substancial na densidade de recetores colinérgicos da célula muscular na
região de formação da nova sinapse.

O processo de sinaptogénese obedece a um plano organizado em 5 fases:


Fase 1 – poucas sinapses ⇾ entre a 6ª-8ª semana de gestação ⇾ coincide com o início da neurogénese
Fase 2 – poucas sinapses ⇾ 12ª-17ª semana da gestação ⇾ pico da neurogénese e migração celular
Fase 3 – criação ultrarrápida de sinapses ⇾ entre a 17ª-24ª semana ⇾ ocorre na ausência de estimulação padronizada
vinda do ambiente.
Fase 4 – fase planalto ⇾ densidade média das sinapses mantem-se muito elevadas e vai até a puberdade
Fase 5 – declínio lento da desnidade sináptica ⇾ puberdade até a vida adulta.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 22


h) Morte seletiva de neurónios e fixação sináptica
Após o período de crescimento, a rede neuronal é ajustada de modo
a criar um sistema mais robusto e energeticamente mais económico. À
medida que o axónio atinge a região alvo, o cone de crescimento ramifica-
se para formar uma sinapse ⇾ invasão do alvo.
Apenas cerca de metade dos neurónios gerados ao longo do
desenvolvimento conseguem sobreviver; ainda antes do nascimento,
populações inteiras de neurónios são removidas por autênticos programas
internos de suicídio iniciados nas células e neste período de invasão dos
alvos. neurónios são removidas por autênticos programas internos de
suicídio iniciados nas células e neste período de invasão dos alvos. Estes
“programas de suicídio” perduram até à idade adulta, podendo ser postos
em marcha em qualquer altura (Edelman, 1997).
Muito embora estes receptores continuem a regredir na idade adulta,
o seu ritmo de regressão é muito menor (cerca de 2.2% por década). As
ligações que perduram são aquelas que se mantêm activas e que geram
correntes eléctricas. As outras com pouca ou nenhuma actividade
desaparecerão.

3. Glia e mielinização
Um outro acontecimento muito importante e que contribui em grande escala para o desenvolvimento do cérebro
é a mielinização. Trata-se de um processo pelo qual as células gliais envolvem grande parte dos axónios criando uma
bainha de matéria gorda conhecida como mielina. O principal papel da mielina é isolar eletricamente o axónio
permitindo, desse modo, um aumento da velocidade da transmissão do impulso nervoso. Apesar deste processo começar
pela 29a semana do desenvolvimento pré-natal (Lenroot & Giedd, 2006) e continuar ao longo da vida, o seu período
mais rápido ocorre durante os dois primeiros anos após o nascimento. As células gliais que mielinizam os neurónios do
sistema nervoso central são conhecidos por oligodendrócitos, enquanto no caso do sistema nervoso periférico esse papel
cabe às células de Schwann.

4. Período crítica do desenvolvimento


O volume total do cérebro atinge 95% do tamanho adulto aos 6 anos de idade (Lenroot & Giedd, 2006). Apesar
disso, o cérebro continua a desenvolver-se ao longo da adolescência com alterações relativas do volume de várias regiões
cerebrais, do número de neurónios, de conexões sinápticas e da própria neuroquímica. Deste modo, o processo de
refinamento e de construção das redes neuronais continua após o nascimento.
Estas alterações ocorrem no decurso dos chamados períodos críticos, que são janelas temporais ao longo do
desenvolvimento nas quais o SNC tem de experimentar algumas experiências críticas (tais como, experiências
sensoriais, de movimento ou emocionais), para poder ter um desenvolvimento adequado. Após um período crítico, as
ligações diminuem em número e tornam-se menos
sujeitas às mudanças. Contudo, as que permanecem
tornam-se mais fortes, fiáveis e precisas.
Muitas das alterações que ocorrem neste
processo são dependentes do sexo. Muito embora o
volume total do cérebro adulto seja cerca de 9% maior
no homem comparativamente com a mulher (Lenroot &
Giedd, 2006). O volume pré-pubertário da substância
cinzenta cortical é maior do que na idade adulta,
particularmente no sexo masculino; pelo contrário, o
volume pré- pubertário da substância branca desenvolve-
se mais rapidamente no sexo feminino do que no sexo
masculino.
Há 3 aspectos centrais na formação dos circuitos
neuronais: (1) quando os neurónios que os constituem se
formam; (2) quando atingem a sua posição final; e (3)
quando começam a proliferar e a estabelecer as suas
primeiras conexões aferentes e eferentes.
Luiza Razuk Freitas 2019/202o 23
5. Desenvolvimento cerebral e desenvolvimento cognitivo
O cérebro em desenvolvimento apresenta acontecimentos progressivos e regressivos nos quais os axónios, as
dendrites, as sinapses e os neurónios apresentam crescimento exuberante e perdas acentuadas que conduzem a uma
remodelação dos circuitos neuronais. É neste período de remodelação dos circuitos que se crê que o ambiente tenha
maior impacto na organização cortical, precisamente porque está demonstrado que as entradas sensoriais têm uma
importância central na seleção dos axónios, dendrites, sinapses e neurónios que formam os circuitos neuronais
funcionais. Estas influências sustentam a ideia de que os diferentes sistemas neuronais se desenvolvem ao longo de
períodos de tempo distintos.
Na altura do nascimento, o volume do córtice cerebral é apenas 1/3 do que ocorre no adulto. O subsequente
aumento de tamanho decorre, no essencial, do crescimento neuronal e das suas conexões, especialmente durante o 1o
ano de vida. A mielinização, a densidade sináptica, a ramificação dendrítica, a massa cerebral e a atividade elétrica
cerebral modificam-se sistematicamente com a idade.
A hipótese explicativa de que as grandes alterações desenvolvimentais envolvem a coordenação de
componentes cerebrais e comportamentais através de sistemas de controle de alta ordem, designados esquemas
dinâmicos. Estes esquemas são compostos por muitos elementos em interação de acordo com os princípios dos sistemas
dinâmicos e as redes neuronais que suportam estes sistemas de controlo seguem os princípios do processamento paralelo,
distribuído e retroativo.
O desenvolvimento normal do cérebro depende da interação crítica entre a herança genética e a experiência
ambiental. O genoma fornece a estrutura geral do sistema nervoso central e a atividade do sistema nervoso, tal como a
estimulação sensorial fornece os meios pelos quais o sistema é finamente ajustado e se torna operacional.
Este ajustamento fino não ocorre pela adição de novos componentes, mas, antes, pela eliminação de muito do
que estava originariamente presente.
O cérebro funcionaria como se estivesse à espera que grandes coisas acontecessem durante as primeiras semanas
e meses de vida, preparando-se para elas com a produção de uma superabundância de sinapses das quais, apenas uma
pequena fração, seria seletivamente retida.
O desenvolvimento cerebral pós-natal é
caracterizado por ocorrer em ciclos e microciclos e
apresentar ritmos de lateralidade do desenvolvimento.
Na verdade, não parece que uma função cognitiva
específica, mediada por um hemisfério determinado, se
desenvolva numa determinada idade e pare aí o seu
desenvolvimento. Pelo contrário, parece que a
reorganização e a reintegração ciclica operam em cada
ciclo ou subciclo do desenvolvimento.
Dados recentes sugerem que existem pólos
anatómicos e gradientes do desenvolvimento cortical
pós-natal que operam diferencialmente em cada um dos
hemisféricos (Dawson & Fischer, 1994). A designação
hemisfério esquerdo, bilateral e direito enfatiza os picos
predominates de crescimento numa dada idade. Estes
processos desenvolvimentais refletem os precursores do
funcionamento hemisférico diferencial no adulto.
Há basicamente três modelos que tentam
explicar as correlações entre o desenvolvimento
neuroanatómico e as alterações importantes que
ocorrem ao longo da primeira década do
desenvolvimento humano: um desses modelos tenta
relacionar o desenvolvimento comportamental nos seres
humanos com o ponto de vista maturativo, no qual o
objectivo é relacionar a maturação de determinadas
regiões particulares do cérebro, geralmente regiões do
córtice cerebral, com as funções emergentes sensoriais,
motoras e cognitivas .
Apesar deste aspecto extremamente intuitivo
deste modelo designado maturativo, ele não consegue
explicar convenientemente alguns aspectos do
Luiza Razuk Freitas 2019/202o 24
funcionamento cerebral humano, por exemplo, alguma evidência recente sugere que algumas das regiões que
apresentam um desenvolvimento mais lento, segundo os critérios neuroanatómicos, apresentam atividade logo a partir
do nascimento. Múltiplas áreas corticais e subcorticais parecem desafiar este padrão de resposta segundo os trabalhos
de Luna et al. (2001), em vez de serem um paralelismo com o desenvolvimento do processamento da face nas crianças
(Gotier & Nelson, 2001). Futuras experiências serão necessárias para traçar com mais detalhe as alterações nos padrões
de ativação cortical durante o treino nos adultos e o desenvolvimento nas crianças.
De acordo com alguns autores, a maturação nos lobos frontais está relacionada com o ínicio da capacidade para
se atingir com sucesso objetos desejados e isto ocorre pelo fim do 1o ano de vida. As crianças com menos de 9 meses
normalmente não conseguem, de uma forma precisa, ir buscar um objeto escondido após um pequeno período de tempo
se a sua localização for mudada do sítio onde ela previamente tinha ido recolhê-lo. Este erro é semelhante ao que é feito
por adultos humanos com lesões frontais e o mesmo acontece com primatas não humanos com lesões do córtice pré-
frontal dorso lateral.
Trabalho feito com tarefas de aprendizagem de esquemas motores complexos em primatas adultos, demonstram
que partes do córtice pré-frontal são activados com frequência durante as etapas precoces da aquisição das competências
motoras, mas esta activação vai recuando para regiões mais posteriores à medida que o melhor desempenho vai sendo
adquirido (Miller, 2000). Consistente com este último ponto de vista Csibra et al. (2001) avaliaram a actividade cortical
associada com a planificação dos movimentos oculares em crianças com 4 meses de idade; esses autores observaram
que esses movimentos oculares estavam relaccionados com potencias nas regiões frontais, mas não nas regiões mais
posteriores.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 25


Capítulo 3: Neurohistologia funcional
Apesar de as células de glia serem importantes, os neurónios são, na verdade, as células mais importantes em
razão das suas funções únicas na organização do cérebro: captação de alterações no ambiente e comunicação destas
alterações a outros neurónios para organização das respostas do organismo a essas alterações. Por sua vez as células da
glia contribuem para o bom funcionamento dos neurónios, basicamente constituindo o seu “esqueleto”, o seu apoio
“logístico”, o seu mecanismos de “limpeza informática”.
O sistema nervoso constitui uma hierarquia que culmina no cérebro, com 100 mil milhões ou mais de neurónios
de 10000 tipos, 1-10 milhões de milhões de células gliais, 100 milhões de milhões de sinapses químicas, 160000 Km
de prolongamentos neuronais, milhares de agrupamentos neuronais e de fibras nervosas, centenas de regiões funcionais,
dúzias de sub-sistemas funcionais, 7 regiões centrais e 3 grandes divisões.
Os princípios organizacionais deste sistema são a centralização e a integração. O sistema nervoso desempenha
dois papéis: regulação e iniciação. Na regulação, ele reage: isto é, responde, de forma homeostática, aos estímulos
externos ou internos, avaliando o seu significado de curto e longo termo egerando atividade. Na iniciação, ele atua: de
forma mais endógena e menos homeostática, substitui um estado da atividade neuronal por outro, gerando atividade.
As unidades que asseguram o funcionamento do cérebro, são as células conhecidas como neurónios. Podem ser
definidos em 3 dimensões:
1. Anatomicamentre, pela forma e localização do corpo celular, pelas arborizações dendríticas, pelas arborizações
axonais e pelas suas sinapses.
2. Fisiologicamente, sobretudo pela actividade bioeléctrica e condições biofísicas dos espaços intra e extracelulares e
pela distribuição e número de canais iónicos.
3. Bioquimicamente, pela identificação dos mediadores através dos quais um neurónio pode influenciar outros neurónios
em relação aos quais estejam ligados sinapticamente.
Ou seja, o neurónio é uma verdadeira unidade anatómica e funcional no pleno sentido do termo. É, sobretudo,
uma unidade de tratamento: o neurónio recebe de outros neurónios (ou células receptoras) uma multitude de sinais
elétricos e químicos, combina-os e utiliza o resultado desta operação para produzir um novo sinal (ou opor-se a isso) da
mesma natureza elétrica e química, que será, por sua vez, conduzido e transmitido a um outro neurónio ou a uma célula
efectora, fibra muscular ou glândula ⇾ excitabilidade.

1. Descrição das células nervosas


Apear de uma grande variedade de formas, cada unidade neuronal pode ser descrita em relação a 3 partes: corpo
celular ou soma, as dendrites e o axónio.

Corpo celular
O corpo celular contém o núcleo e uma massa mais ou menos
esférica de ambiente citoplasmático cheio de organelos e inclusões
celulares.

Dendrites
Na maior parte dos neurónios, saindo do soma existem as dendrites. São relativamente curtas e saem do soma
como os ramos de uma árvore. Em proporções variadas, as dendrites contêm os organelos presentes no soma. Em alguns
neurónios, as dendrites emergem no fim do axónio. As dendrites ramificam-se de forma elaborada, constituindo o
principal prolongamento de recepção de informação do neurónio.
As dendrites, pelas suas ramificações representam as relações que o tem neurónio tem com outros neurónios e,
por isso, o seu papel integrador ⇾ pontos de contacto (sinapses).

Axónio
Na maior parte dos neurónios emerge do soma um único axónio que se pode dirigir para distâncias longas
(através dos nervos) ou perderem-se na rede neuronal perto da sua origem. Os axónios enviam informações quer para
outros neurónios, quer para os músculos ou glândulas. Enquanto que as dendrites representam o poder integrativo de
um neurónio, os axónios e os seus colaterais representam o poder distributivo.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 26


Os axónios são, normalmente, únicos, mas podem ser duplos, como acontece nos neurónios bipolares ou até
não existirem (como acontece nas células amácrinas que comunicam pelas suas dendrites). Único ou duplo, curto ou
longo, ramificado ou não, se existir um axónio, ele constitui o eixo funcional do neurónio.

2. Classificação dos Neurónios


Classificação com base no número de neurites
Esta classificação é baseada no número de axónios e dendrites que saem
do soma. São, assim, classificados em unipolares (com um só neurite), bipolares
(com 2 neurites) e multipolares (com 3 ou mais neurites).

Classificação com base nas conexões


Baseada no tipo de funções que o neurónio desempenha. Distinguem-se,
assim, os neurónios sensoriais, que são neurónios bipolares. Se encontra
principalmente no epitélio olfativo, na retina e no gânglio vestibulo-coclear.
Os neurónios sensoriais permitem deduzir os princípios de análise do
sistema nervoso: (1) doutrina do neurónio - o sistema nervoso é formado por uma
rede de unidades auto-contidas (neurónios) que interagem via contiguidade, em
vez de ser por um sincício neuronal contínuo; (2) princípio da polaridade juncional
ou polarização dinâmica.
Apresenta dois modos de organização: (1) Divergência - cada axónio gera
múltiplas sinapses, normalmente deramos distintos (Figura 4). (2) Convergência -
os ramos de mais do que um neurónio sensorial podem terminar no mesmo efetor (Figura 5).
Este tipo de neurónios podem-se classificar em: (1) N. estrelados (Figura 6) - não apresentam espinhas
dendríticas, dendrites em torno do corpo celular sem orientaçãopreferencial (estrelado) e localizam-se,
preferencialmente, na camada granular IV (ver à frente). Subdividem-se em GRANULARES (Figura 7), apresentando
granulações no citoplasma; FUSIFORMES (Figura 8), apresentando um corpo celular em forma de fuso; EM CESTO
(Figura 9), com ninhos densos de axónios à volta dos corpos celulares das células piramidais, inibitórios, de transmissão
gabérgica.

Neurónios Motores - projetam-se para células efetoras não neuronais e para outros neurónios motores e
recebem impulsos quer dos neurónios sensoriais, quer dos neurónios motores e não são em grande número. Enquanto
que os neurónios sensoriais são as primeiras células no processamento dos dados neuronais, os neurónios motores são
asúltimas. Dividem-se em (1) NEURÓNIOS PIRAMIDAIS (Figura 11), situados na camada V, com espinhas
dendríticas, axónio vertical descendente, árvore dendrítica bipartida (d. basais e um d. apical ascendente) e um corpo
celular em forma de pirâmide. (2) CÉLULAS DE MARTINOTTI (Figura 12), com poucas espinhas dendríticas,
distribuição das dendrites em torno do corpo celular esferoidal, vertical ou horizontal, axóniovertical ascendente e
irregularidade dos ramos colaterais do axónio.

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Interneurónios - Não são nem sensoriais nem motores, situando-se entre os dois em termos conexionais. São
a fonte da actividade neuronal endógena.
Definem-se 2 tipos de interneurónios:
1) Interneurónios locais: com um axónio que se ramifica inteiramente na região ou grupo celular que o gerou;
2) Interneurónios de projecção: com um axónio que se pode ramificar localmente mas que se projecta sempre para outra
região ou grupo celular.

Classificação com base no tamanho axonal


Alguns neurónios têm axónios longos que se estendem de uma parte do cérebro para outra (neurónios Golgi
tipo I ou neurónios de projeção), enquanto que outros não se estendem para além dos territórios vizinhos (neurónios
Golgi tipo II ou neurónios de circuitos locais).

3. Células de Glia ou Neuróglia


São cerca de 100 mil milhões (rácio 9:1 em relação aos neurónios) e para além das ações de suporte também
são metabolicamente ativos.
São constituídas por várias categorias:
1) Astrócitos, têm funções complexas como assegurarem os nutrientes cruciais para os neurónios, a mobilização dos
iões e dos neurotransmissores, a produção de factores neurotróficos e a “limpeza” do ambiente neuronal.
2) Oligodendrócitos, produzem mielina,
3) Micróglia, têm funções imunológicas.
4) Células de Schwann, que são cruciais para a regeneração neuronal e para assegurar a elasticidade dos neurónios.

4. Potenciais de ação
Os potenciais de ação resultam de alterações temporalmente coordenadas na permeabilidade selectiva da
membrana para diferentes iões, resultantes da ativação ou inativação dos canais iónicos dependentes da voltagem.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 28


O processo é o seguinte (Figura 14):
1) Abertura dos canais de Na+;
2) Permeabilidade da membrana é aumentada;
3) Os iões de Na+ entram na célula, reduzindo a magnitude do potencial de membrana (despolarização);
4) Saída de K+ da célula (repolarização-hiperpolarização).
Estes potenciais são de curta duração (cerca de 1 mseg), são elicitados segundo a lei do tudo-ou-nada e as células
nervosas codificam a intensidade da informação pela frequência dos potenciais de ação quando a intensidade do estímulo
aumenta, o tamanho do potencial de ação não aumenta, mas a sua frequência aumenta.
O potencial de ação geralmente ocorre na 1a parte do axónio (segmento inicial), onde a densidade de canais
iónicos de Na+ dependentes da voltagem é maior do que na membrana das dendrites ou do soma.
Nos neurónios não mielinizados, esta propagação é sob a forma de uma onda de despolarização, seguida de
perto por uma correspondente onda de repolarização.
Nos neurónios mielinizados, o potencial de ação também se regenera ao longo do axónio mas, ao contrário dos
outros tipos de neurónios, o potencial de acção apenas é regenerado em cada um dos nódulos de Ranvier, onde a
densidade de canais de Na+ dependentes da voltagem é maior.

5. Transmissão Sináptica
O processamento da informação no cérebro está baseado em redes de conexões sinápticas complexas e
específicas. No ser humano, o número de sinapses é de aproximadamente 1015. São junções assimétricas de comunicação
entre dois neurónios, e existem, em média 1000-10000 sinapses por neurónio.
Existem sinapses químicas (com uma fenda sináptica relativamente grande e exigem a presença de
neurotransmissores para a passagem do impulso nervoso) e eléctricas directa entre os canais iónicos). Nas sinapses
químicas, em resposta ao potencial de ação, os terminais pré-sinápticos altamente especializados libertam o
neurotransmissor para a fenda sináptica. O neurotransmissor difunde-se para a área pós-sináptica na qual, um elaborado
aparelho de transdução de sinal medeia a receção do neurotransmissor e a propagação do sinal.
A diversidade da excitabilidade dendrítica depende da morfologia
e da distribuição dos canais (das alterações funcionais dinâmicas e
dependentes da voltagem).
Um canal iónico que é controlado pelos neurotransmissores (ou
outras substâncias químicas) designa-se por canal iónico ligado ao
neurotransmisor.
Muitos canais iónicos não são controlados primariamente por
substâncias químicas, mas antes pela magnitude do potencial de
membrana - são designados por canais iónicos dependentes da voltagem
(Figura 17).
Os efeitos de um neurotransmissor dependem primariamente das
propriedades e localização dos receptores que ele pode activar. Os receptores que fazem parte dos canais iónicos

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 29


designam-se por ionotrópicos (Figura 18). Estes receptores que fazem parte dos canais de Na+ ou de Ca2+ exercem acções
excitatórias.

Os receptores ionotrópicos evocam a despolarizam ou a hiperpolarização rápida e breve da membrana pós-


sináptica.
As proteinas G podem ser consideradas como os tradutores universais de diferentes tipos de sinais extracelulares
em respostas celulares. Os receptores aclopados às proteinas G designam-se por metabotrópicos e os seus efeitos são
mais lentos e mais duradoiros do que os efeitos dos receptores ionotrópicos. A maior parte dos neurotransmisores actuam
em ambos os receptores, podendo ter efeitos rápidos e directos ao mesmo tempo que têm efeitos lentos e indirectos.

6. Organização de neurónios
No Sistema Nervosos Central os neurónios que partilham funções comuns agrupam-se, geralmente, em núcleos
(núcleos singulares de neurónios); noutras partes do sistema nervoso os neurónios estão agrupados à superfície,
formando o córtice. As áreas corticais filogeneticamente mais antigas têm 3 camadas (p. ex., cerebelo), enquanto que
as mais recentes têm 6 camadas (o córtice cerebral).

Nível 1 - Colunas Funcionais


A forma de organização do neocórtice, em termos de cito-arquitetura, é em pequenas unidades de processamento
da informação designadas por colunas funcionais. Contudo, esta organização não é estática - isto é, não existe uma
divisão anatómica do neocórtice em colunas funcionais fixas e permanentes.

Nível 2 - Organização laminar


O neocórtice está organizado em 6 camadas (Figura 21), cada uma com uma organização própria.

A camada I, mais externa, também designada por molecular ou acelular, contém poucos neurónios, todos
inibitórios, com sinapses com as dendrites dos neurónios das camadas mais profundas. As principais estruturas que se
encontram nesta camada são dendrites e axónios de neurónios de camadas mais profundas
A camada II, ou granular externa, contém uma mistura de células piramidais com alguns neurónios inibitórios.

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A camada III contém um conjunto de células variado consistindo em praticamente todos os tipos celulares
encontrados no neocórtice exceto as células estreladas e as células encontradas exclusivamente na camada I. A maioria
das células desta camada são pequenas células piramidais.
A camada IV é onde se encontram, de forma exclusiva, pequenas células excitatórias designadas por células
estreladas, muito embora também se encontrem lá alguma variedade de células inibitórias. Esta é a principal camada de
receção de entradas vindas do tálamo.
A camada V é composta por grandes células piramidais com uma pequena populacao de células inibitorias.
A camada VI é uma camada heterogénea com vários tipos de neurónios que se misturam gradualmente com a
substância branca. A maior parte das células desta camada são grandes células piramidais que projetam os seus axónios
para o tálamo. É nesta camada que se localizam um tipo de células inibitórias, designadas por células de Martinotti,
cujos axónios fazem longas projeções através de todas as camadas do neocórtice.

Nível 3 - Organização conexional e em circuitos


A organização funcional do neocórtice sugere que a forma de
olhar para a organização das conexões é categorizá-las em: (1) aferentes
e eferentes subcorticais (entradas e saídas); (2) conexões córtico-
corticais (inter-colunar); (3) conexões intra-colunares (locais).
1.Aferentes - A principal via de entrada de informação no neocórtice
vem do tálamo. A maior parte destas projeções são monoaminérgicas
(noradrenalina, dopamina e seratonina) ou colinérgicas (acetilcolina).
Por isso, o tálamo é a principal via de entrada de informação ionotrópica
para o neocórtice.
2. Eferentes sub-corticais - A principal saída de uma coluna cortical para
as regiões sub-corticais é feita pelos axónios das células piramidais e das
camadas V e VI.
3. Projeções córtico-corticais e intra-corticais - A maior parte das
projeções córtico-corticais originam-se nos neurónios piramidais das
células II/III e projectam-se via substância branca.

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Capítulo 4: Anatomia Funcional do Sistema Nervoso
O Sistema Nervoso Central (SNC), constituído pelo encéfalo e medula espinal, está coberto por três meninges:
duramáter, aracnóide e piamáter. Anatomicamente, ele está organizado ao longo dos eixos rostrocaudal e dorsoventral.
Rostral significa “em direção ao nariz” (do latim rostrum), caudal quer dizer “em direção à cauda” (mesmo termo em
latim), dorsal “em direção ao dorso” (do latim dorsum), e ventral “em direção ao abdómem” (do latim, venter).
Como no homem existe uma flexão do SNC na junção do tronco encefálico
e diencéfalo, para caracterizar a localização de uma determinada estrutura é
necessário primeiro situá-la em relação a esta junção ou flexão, ou seja, se está acima
ou abaixo dela. Se estiver acima, rostral quer dizer em direção ao nariz, caudal em
direção à nuca, dorsal em direção ao topo da cabeça e ventral em direção à mandíbula.
Se a estrutura que queremos localizar está abaixo da junção, as associações feitas são:
rostral/pescoço, caudal/cóccix, dorsal/costas e ventral/abdómen.
Segundo a disposição dos corpos celulares
(soma) e dos prolongamentos (axónios) dos
neurónios surgem as diversas estruturas neuronais
características do sistema nervoso central. Os corpos celulares podem constituir núcleos
quando formam aglomerados mais ou menos esféricos, como o núcleo rubro, ou
alongados, como o núcleo caudado; córtices ou pálios quando se reúnem em forma de
lâminas, casca (do latim córtex) ou manto (do latim pallius); substâncias, aglomerados
maiores que os núcleos, mas ainda bem delimitados numa determinada região, como a
substância cinzenta periaquedutal e a substância negra ou complexos, um conjunto de
núcleos, como o complexo amigdalóide.
As projeções axonais também se organizam de modo bastante peculiar,
constituindo os tratos quando se agrupam em grande número de axónios, com origem
e final comuns, como o trato córtico- espinal anterior, com origem no giro pré-central
e término no corno anterior da medula espinal. Quando estas projeções são mais
modestas elas recebem o nome de fascículo, como os fascículos grácil e cuneiforme.
Um aglomerado de tratos e fascículos resulta num funículo. Às vezes, as projeções axónicas organizam-se de modo a
se assemelharem a. Como exemplo de lemnisco citamos o lemnisco medial, conjunto de fibras inicialmente arqueadas
que ligam os núcleos grácil e cuneiforme ao tálamo. Se as projeções axoniais, no seu trajeto, percorrem um estreito
espaço entre vários núcleos, a sua disposição colunar passa a adquirir um aspecto laminar, como a lâmina medular
lateral localizada entre o putamen e o globo pálido. Se chegarem a envolver, mesmo que em parte, um ou mais núcleos,
este conjunto de fibras recebe o nome de cápsula, como a cápsula interna, prensada entre o corpo estriado e o tálamo,
formada por projeções descendentes dos tratos córtico-espinal e córtico-nuclear, vias motoras que conduzem impulsos
aos motoneurônos do corno ventral da medula espinal e aos núcleos motores dos nervos cranianos do tronco encefáico,
respectivamente. Quando um aglomerado de axónios se projeta no lado oposto do neuro- eixo recebe o nome de
comissura, como a comissura anterior que conecta os lobos temporais.

1. Divisão do Sistema Nervoso


O SNP é constituído por nervos, gânglios e terminais nervosos. Os
gânglios são aglomerados de corpos celulares de neurónios. Os nervos são
cordões esbranquiçados que ligam o SNC aos órgãos periféricos. Quando
a sua origem se dá no encéfalo, designa-se por nervo craniano; se sua
origem ocorre na medula espinal, designa-se por nervo espinal.
O SNC está localizado dentro da cavidade craniana (encéfalo) e
do canal vertebral (medula espinal). O encéfalo é, ainda, subdividido em
cérebro, tronco encefálico e
cerebelo.
Do ponto de vista embriológico, o sistema nervoso divide-se em
prosencéfalo, mesencéfalo, rombencéfalo e medula espinal.
O prosencéfalo, que corresponde ao cérebro na divisão anatómica,
é ainda subdividido em telencéfalo e diencéfalo. O mesencéfalo não sofre
divisão. O rombencéfalo subdivide-se em metencéfalo (ponte e cerebelo, na
divisão anatómica) e mielencéfalo (bulbo, na divisão anatómica).

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 32


Medula Espinal
Do latim, Medulla Spinalis significa literalmente “interior da espinha”. Espinal medula, medula espinhal e
medula espinal são formas comummente utilizadas no português moderno.

Embriogénese
A espinal medula deriva diretamente da zona caudal do tubo
neuronal. Inicialmente constituída por células germinais pluripotenciais,
dispostas numa camada única, denominada neuroepitélio. Por processos de
divisão mitótica, essas células multiplicam-se, dando progressivamente lugar
a neuroblastos (que vão originar os neurónios do SNC) e glioblastos (que vão
originar a macróglia). Após este processo de proliferação, as células germinais
mantêm- se numa camada unicelular que reveste o interior do canal central –
epitélio ependimário – mas os neurónios imaturos e os glioblastos migram em
direção ao exterior,
O manto diferencia-se em duas placas: uma na zona dorsal - a alar - onde se diferenciam os neurónios sensitivos
e, outra, na zona ventral - a basal - onde se desenvolvem neurónios motores. Enquanto a substância cinzenta da medula
tem origem na camada intermediária do neuroepitélio, a substância branca origina-se na camada marginal.

Localização e morfologia externa


A espinal medula é uma porção alongada do SNC que se
encontra localizada no interior da coluna vertebral, mais precisamente
no canal raquidiano, envolvida pelas três meninges – duramater,
aracnóide e piamater. Surgindo na continuidade do tronco cerebral,
especificamente do bulbo raquidiano, e descendo da primeira vértebra
cervical até o limite superior da segunda vértebra lombar, portanto,
ocupando os dois terços superiores do canal raquidiano.
A espinal medula tem uma organização metamérica, isto é,
apresenta 31 segmentos medulares idênticos (mielómeros), definindo-se cada um pela inserção das raízes ventrais e
dorsais de um par de nervos raquidianos.
Existe um paralelismo, embora relativo, entre os
mielómeros e as vértebras da coluna, podendo dividir-se a
espinal medula em 4 regiões distintas: cervical (nervos C1 a
C8), torácica (nervos T1 a T12), lombar (nervos L1 a L5),
sagrada (nervos S1 a S5). O nervo coccígeo constitui o
trigésimo primeiro e útlimo).
Exteriormente, a espinal medula tem uma forma
grosseiramente cilíndrica, um pouco achatada na face ventral
e dorsal, sendo a sua superfície percorrida por vários sulcos
longitudinais: (1) dividindo a espinal medula em duas
metades simétricas segundo o eixo anteroposterior, são
visíveis o sulco mediano posterior que, internamente, se
prolonga no septo mediano posterior e a fissura mediana
anterior (que origina a comissura branca anterior); (2) visíveis
de cada lado da superfície da espinal medula encontram-se o
sulco lateral posterior (zona de entrada das raízes dorsais) e o
sulco lateral anterior (zona de saída das raízes ventrais); (3)
nos segmentos cervicais e nos primeiros segmentos torácicos
podem ainda observar-se os sulcos intermédios posteriores,
entre o sulco mediano posterior e os sulcos laterais posteriores,
formando um septo intermédio posterior.
Fora da espinal medula, na zona em que a raízes
dorsais se aproximam das ventrais, localizam-se agregados de
corpos neuronais, formando os gânglios espinais ou
raquidianos (ver número 13 na figura).

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 33


Macroestrutura interna
Em corte transversal, cada segmento medular apresenta substância branca na periferia e substância cinzenta na
parte central. Dividindo a substância cinzenta em corte coronal pelo eixo horizontal do H, forma-se um segmento dorsal
em que se distinguem as colunas ou cornos posteriores e um segmento ventral em que se observam as colunas anteriores.
Na parte superior da região lombar e na região torácica surge também uma saliência lateral, constituindo o corno lateral.
Sensivelmente no centro da substância cinzenta, especialmente a partir da região cervical, observa-se o orifício do canal
central, que sobe até ao chão do quarto ventrículo.

Microestrutura interna
A substância branca é maioritariamente constituída por axónios mielinizados, não só que estabelecem conexões
ao nível de cada segmento, mas sobretudo dos axónios que correm paralelamente à medula. A distribuição desses
axónios pela substância branca não é uniforme, mas sim organizada em três cordões (funículos) de feixes de cada lado:
(1) o posterior, entre o sulco mediano e o sulco lateral posterior; (2) o lateral, entre o sulco lateral posterior e a saída das
raízes anteriores dos nervos raquidianos; e o anterior, entre a saída das raízes anteriores e a fissura mediana anterior.
Por entre os principais feixes de transmissão da informação nervosa no sentido ascendente, em direcção às
estruturas encefálicas, encontram-se:
1- o fascículo grácil: no funículo posterior que, projectando no encéfalo, por exemplo, informação proprioceptiva
consciente ⇾ andar sobre uma corda bamba sem cair.
2- o trato espinotalámico: conduz informação nociceptiva e térmica (via fibras laterais), bem como informação de tipo
táctil protopática (via fibras anteriores) até o tálamo; o feixe espino-reticular: papel importante na transmissão sensorial
dolorosa e, também, o trato espinomesencefálico que cursa em associação com o trato espinotalámico, conduzindo
informação nociceptiva;
3- os tratos espinocerebelosos dorsal e ventral: conduzem informação proprioceptiva até ao córtice do paleocerebelo,
colaborando para a regulação inconsciente dos movimentos; ⇾ atividades involuntárias do SN autónomo

4- as fibras espinobulbares: cursam entre os cordões anterior e lateral até ao bulbo raquidiano, a partir de onde projeta
informação cutânea e propioceptiva no cerebelo.

As principais vias descendentes são:


1- os tratos cortico-espinais anterior e lateral: fazem parte do sistema
piramidal, transmitindo informação motora para as colunas anteriores dos
vários segmentos medulares e, dessa forma, intervindo no controlo dos
movimentos voluntários;
2- o trato rubro-espinal: se encontra envolvido nos reflexos cerebelosos
e faz parte do sistema extrapiramidal, ajudando na atividade dos
extensores e facilitando a atividade de flexão;
3- o trato vestíbulo-espinal: com origem nos núcleos do nervo vestibular,
desce pelo cordão anterior e participa na modulação da actividade dos
motoneurónios inferiores, contribuindo para manutenção da tonicidade
muscular e da postura conforme informação sensorial vestibular, pelo que
parece estar envolvido no controlo reflexo do equilíbrio;
4- os tratos retículo-espinais: tem origem na ponte ou no bulbo,
influenciam os reflexos espinais modelando a activação de
motoneurónios gama;
5- os tratos tecto-espinais lateral e ventral: se originam no tecto
mesencefálico (colículos superiores), intervêm no ajuste reflexo da
postura em função da estimulação visual;
6- a via rafe-espinal, com início no núcleo magno da rafe e projecção nos neurónios das extremidades das colunas
anteriores, intervindo na expressão corporal dos estados emocionais.
Além destes tratos e fascículos, que constituem as principais vias ascendentes e descendentes, sublinhem-se
algumas vias de transmissão bidirecional, designadamente o fascículo longitudinal mediano, que transmite informação
entre o tronco cerebral e a medula e, ainda, os fascículos próprios laterais anterior e posterior, bem como o trato de
Lissauer, que permitem a transmissão de impulsos intersegmentais.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 34


Por sua vez, a substância cinzenta é constituída essencialmente pelos corpos celulares de três tipos de neurónios:
(a) neurónios de projeção central (sensoriais); (b) neurónios de projeção periférica (motores); (c) interneurónios.
Os neurónios aferentes, que entram pelas raízes dorsais e possuem os corpos celulares nos gânglios dessas
raízes, são neurónios sensoriais que tanto transportam informação extraceptiva (proveniente dos receptores cutâneos e
terminações livres, permitindo resposta a estímulos ambientais de pressão, temperatura ou dor) e proprioceptiva
(proveniente dos fusos musculares, dos órgãos tendinosos de Golgi, entre outros, permitindo o controlo consciente ou
insconsciente da postura e tonicidade muscular), como intraceptiva (proveniente das terminações nervosas vegetativas).
Temos, deste modo, dois tipos de neurónios sensoriais: os somáticos e os vegetativos ou viscerais.
Os neurónios de projecção periférica (eferentes), que saem pelas raízes ventrais, são neurónios motores e, à
semelhança dos sensoriais, podem também ser de tipo somático (motoneurónios) ou vegetativo, conforme asseguram o
controlo da actividade músculo-esquelética, ou constituem as fibras pré-ganglionares
do sistema nervoso autónomo que enervam os músculos lisos dos órgãos internos e
vasos sanguíneos, bem como o músculo cardíaco e as glândulas.
Uma vez que a entrada da informação sensorial na espinal medula ocorre
sempre pela secção dorsal, enquanto a saída se dá pela secção ventral, a sua divisão
em corte coronal permite distinguir um segmento sensório-dorsal e um segmento
moto-ventral. A transmissão dos impulsos nervosos entre os dois segmentos é
frequentemente assegurada por interneurónios que, têm um papel ativo na integração
reflexológica.
Esta organização possibilita que o paradigma de conversão dinâmica
de informação sensorial em motora se opere a nível medular.
a) Láminas I a IV – situam-se na coluna dorsal e recebem informação cutânea
por via das fibras exteroceptivas primárias (e.g., dor, pressão e temperatura); a
lâmina II corresponde à substância gelatinosa de Rolando, cuja aparência é
devida à baixa concentração de fibras mielinizadas, interneurónios de pequena
dimensão reactivos a estímulos dolorosos e um grande número de células
gliares; os neurónios destas láminas tanto enviam informação próprio-espinal,
como projectam informação ascendente, por exemplo, via tracto
espinotalámico;
b) Láminas V e VI – são fundamentalmente constituídas por interneurónios
situados ainda na coluna dorsal, que recebem informação proprioceptiva
primária, das vísceras (V) e fusos musculares (VI), enviando-a no sentido ascendente pelas vias espinotalámicas e
espinocerebelosas, respectivamente; neurónios da lámina VI participam na integração da informação motora somática;
c) Lámina VII – ocupa praticamente toda a área intermédia e lateral da espinal medula, sendo composta por
interneurónios;
d) Lámina VIII – ocupa a maior parte da coluna anterior e é constituída por interneurónios que modulam a actividade
motora;
e) Lámina IX – situa-se na parte mais extrema da coluna anterior e compõe-se de motoneurónios de vários tipos, que
enervam fibras intrafusais e extrafusais dos músculos estriados;
f) Lámina X – é constituída por células gliares e corpos celulares de neurónios vegetativos que constituem a zona central
da substância cinzenta da espinal medula.

Aspectos funcionais
A espinal medula ocupa o nível inferior na hierarquia do sistema motor, sendo responsável pela génese de
respostas reflexas somáticas e actuando como centro de controlo de actividade reflexa vegetativa, o que lhe permite
contribuir para a regulação homeostática global do organismo.’
Deste modo, apesar de se constituir como a divisão estruturalmente mais simples do SNC, a espinal medula
assume importantes funções sensoriais e motoras:
1- Recebe informação sensorial (somática e visceral) proveniente do corpo, transduzem os fenómenos físicos ou
químicos em impulsos nervosos;
2- Transmite essa informação no sentido ascendente até ao encéfalo, via neurónios de projecção;
3- Recebe informação proveniente do encéfalo e transmite aos órgãos efectores periféricos, possibilitando a execução
de movimentos e a regulação da postura;

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 35


4- trata localmente parte da informação sensorial, de modo a desencadear respostas motoras automáticas e estereotipadas
⇾ assegura a conversão dinâmica de informação sensorial em motora, garantindo o controlo de actividade reflexa
elementar.

Reflexos medulares
Os reflexos medulares são respostas automáticas, não aprendidas e estereotipadas a estímulos de tipo sensorial.
as respostas reflexas medulares envolvem apenas receptores e vias sensoriais, a espinal medula, as vias motoras e
respectivos órgãos efetores, dispensando a regulação por parte de estruturas supramedulares, ainda que tal regulação
possa acontecer e influenciar tanto a ocorrência como a intensidade da resposta reflexa.
Todos os reflexos medulares constituem arcos sensoriomotores. um arco reflexo é constituído por um receptor
sensorial, um neurónio aferente, uma ou mais sinapses que têm lugar, em regra, na matéria cinzenta da espinal medula,
um neurónio eferente e um órgão efetor.
Os arcos reflexos simples caracterizam-se por sinapses directas entre a fibra
sensorial e o neurónio motor que vai produzir a resposta na área estimulada (dizem-
se monossinápticos e são intra-segmentares), enquanto os arcos reflexos compostos
envolvem um ou vários neurónios de associação, que fazem a interligação
(interneurónios) da entrada sensorial com a saída motora (dizem-se reflexos
polissinápticos e podem ser intra ou intersegmentares), possibilitando que áreas
diferentes da que recebeu a estimulação sensorial sejam envolvidas na resposta
reflexa.
O reflexo de flexão, os reflexos cutâneos
e, ainda, os reflexos autonómicos que permitem
regular o funcionamento dos órgãos internos, dos vasos sanguíneos e das glândulas,
são, todos eles, reflexos polissinápticos.
Algumas respostas reflexas obedecem à “lei do tudo ou nada”, i.e. ou estão
presentes ou ausentes, mas outras podem apresentar uma gradação quantitativa.
Mesmo nos reflexos mais simples, a excitabilidade do neurónio motor pode ser
afectada por influências inibitórias ou excitatórias com origem em vários níveis do
sistema nervoso, suprimindo, atenuando ou, pelo contrário, amplificando a resposta
reflexa.
Qualquer lesão que afecte a via sensorial ou motora do reflexo, assim como a matéria cinzenta do segmento
medular em causa, produz a supressão ou, pelo menos, a atenuação do reflexo.
Por outro lado, visto que a maior parte das vias descendentes que convergem nos neurónios efetores,
nomeadamente as cortico-espinais, exercem um efeito inibitório sobre os reflexos medulares, o resultado comum da sua
lesão consiste na amplificação das respostas reflexas e, até, no ressurgimento de reflexos primitivos, como o de Babinski
(extensão do “dedo grande do pé” por estimulação plantar), que ficam habitualmente suprimidos pela actividade
supramedular nos primeiros meses de vida.

Mecanismos medulares excitatórios ou inibitórios


A actividade reflexa medular, sobretudo a polissináptica, é regulada por vários
tipos de mecanismos de inibição ou de facilitação espaciotemporal: (1) Inibição aferente;
(2) Inibição recíproca; (3) Inibição recorrente; (4) Regulação bilateral.
Através do mecanismo de inibição aferente, quando ocorre a contracção
simultânea dos músculos extensores e flexores do mesmo membro, fibras aferentes com
origem nos fusos de ambos os tipos de músculos activam um interneurónio inibitório
que, por sua vez, interrompe a contracção dos músculos extensores (Figura 16). Todavia,
a impossibilidade dos reflexos de extensão e flexão de
um mesmo membro ocorrerem em simultâneo é
garantida por um outro mecanismo: o de inibição recíproca.
No mecanismo de inibição recíproca, como acontece, por exemplo, no reflexo
miotático, as fibras aferentes la cujos receptores se localizam nos fusos do músculo
extensor fazem sinapse directa com os motoneurónios α que enervam esse músculo e
músculos agonistas, levando-os a contrair. Simultaneamente, as fibras aferentes

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 36


estabelecem sinapses com interneurónios inibitórios dos motoneurónios α dos músculos
antagonistas, inibindo a respectiva flexão.
Quanto à inibição recorrente, trata-se de um mecanismo de autocontrolo da atividade
medular no qual as células de Renshaw assumem um papel relevante: recebem derivações
colaterais eferentes dos motoneurónios e exercem um
efeito de retroacção inibitória sobre o próprio
motoneurónio, impedindo o excesso de estimulação.
O reflexo de retirada em flexão, que surge em resposta a um estímulo
nociceptivo, como uma picada na planta do pé, é um mecanismo de regulação
bilateral. Nesta resposta reflexa, as fibras aferentes excitam os motoneurónios
dos músculos flexores e inibem os motoneurónios dos músculos extensores,
produzindo um padrão oposto de atividade muscular no membro contralateral,
o que permite a contração dos extensores para suportar o peso enquanto ocorre
a flexão do membro afetado.

Reflexos medulares e aprendizagem


Ao contrário do que se possa julgar a partir da natureza reflexa das respostas medulares, mesmo a espinal medula
pode sofrer mudanças por efeito da aprendizagem. Comprovam-no experiências animais conduzidas por Wolpaw
(1997), envolvendo esquemas de recompensa quando a resposta reflexa ficava além ou aquém de limiares
electromiográficos pré-estabelecidos.

Síntese e significado anátomo-funcional do nível medular


Em primeiro lugar, os próprios receptores sensoriais que "informam" a espinal medula atuam como filtros
seletivos relativamente aos dados dos estímulos aos quais respondem. Depois, a espinal medula não é um canal passivo
de transmissão de informação, mas antes está ativamente envolvida na transmissão da informação através dos seus
próprios canais de conexões.
O significado neuropsicológico da função reflexa representa-se, como se explicou atrás, por um paradigma
elementar da conversão dinâmica de uma mensagem sensorial em respostas comportamentais do organismo ao meio
(por exemplo, defendendo-o, como no caso de uma picadela na mão, sendo esta rapidamente retirada). Isto é, no sentido
informacional do mecanismo reflexo, as sinapses do nível medular contêm em si a transformação de uma informação
em algo dinâmico - a transformação do estímulo em movimento - passando-se o mesmo para outros níveis do SNC.
O interneurónio representa um conjunto de interações complexas que interferem na regulação do reflexo, cujo
exemplo é a auto-regulação da tonicidade muscular. O modelo designado por hierarquia em cadeia é um dos que permite
explicar a complexidade das conexões a partir de um pequeno número de neurónios. Através deste modelo percebe-se
que o mesmo número de neurónios motores pode ser usado várias vezes, mas em diferentes combinações.
A par dos mecanismos de autocontrolo locais, o outro modo de controlo medular consiste essencialmente na
articulação entre um colateral de um neurónio aferente para o cérebro, além do axónio que segue para o neurónio motor
⇾ ajustamentos posturais que preparam a pessoa para correr.
O motoneurónio é a resposta final do organismo, nela se integrando o presente e o passado. Presente, no sentido
do que está acontecer no momento (informação vinda da periferia); passado, no sentido da informação armazenada ao
longo da evolução filo e ontogenética (informação vinda dos centros superiores).

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Capítulo 5: Anatomia Funcional do Sistema Nervoso

O tronco cerebral é a conexão entre a medula espinal, o cerebelo e o


cérebro e é constituído por: bulbo, protuberância e mesencéfalo. Apenas
recentemente foi implicado no comportamento. Descreveremos a sua estrutura
macroscópica, microscópica, funcional e o significado anátomo- funcional destas
estruturas.

1. Estrutura macroscópica
Bulbo:
É formado por duas porções: porção fechada e aberta.
1) Face ventral: encontramos o sulco mediano ou longitudinal do bulbo.
Continua-se para cima e termina em uma depressão chamada forâmen cego que.
Há ainda os 2 sulcos laterais anteriores do bulbo. Nas porções mais superiores
desta face vamos encontrar duas dilatações chamadas pirâmides bulbares. Nas
porções mais inferiores, o sulco mediano anterior é parcialmente obliterado
pelo cruzamento da maior parte do tracto piramidal originando uma região
chamada decussação das pirâmides.
2) Face lateral: na porção lateral vamos ter ainda mais um sulco que é
continuação direta da medula e se denomina sulco lateral posterior.
3) Face dorsal: apresenta os seguintes sulcos: sulco mediano dorsal ou
longitudinal posterior, sulcos intermédios posteriores e sulcos laterais
posteriores.
Entre os sulcos mediano posterior e os sulcos intermédios posteriores vamos encontrar o fascículo grácil que
termina em uma dilatação chamada tubérculo grácil que é formada pelo núcleo do mesmo nome. Entre os sulcos
intermédio e lateral posterior vamos encontrar o fascículo cuneiforme que termina numa dilatação chamada tubérculo
cuneiforme que é formada pelo núcleo do mesmo nome.

Ponte (protuberância):
Na sua face ventral apresenta toda sua estrutura percorrida por sulcos horizontais formando as estrias
transversais da ponte, essas estrias agrupam-se nas porções mais laterais formando dois grossos feixes de substância
branca chamados braços da ponte ou pedúnculos cerebelosos médios. A barriga da ponte é percorrida por um sulco
mediano chamado sulco basilar formado pela artéria basilar.

Mesencéfalo:
Porção mais alta do tronco é dividida por uma estreita fenda chamada
aqueduto cerebral ou de Sylvius em duas porções: uma anterior chamada
pedúnculo cerebral e uma posterior chamada teto do mesencéfalo ou lâmina
tectal.
O pedúnculo cerebral é um grosso feixe de fibras de substância branca
em número par, separados entre si por uma fenda bastante pronunciada chamada
fossa interpeduncular. Na superfície dos pedúnculos cerebrais encontramos dois
sulcos: sulco lateral do mesencéfalo e o sulco medial do pedúnculo cerebral onde
se origina o III nervo craniano.
Teto do mesencéfalo (lâmina tectal): Nesta região encontramos 4
pequenas dilatações separadas entre si por um sulco em formato de cruz: são os
colículos ou tubérculos quadrigêmeos superiores e inferiores.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 38


Os superiores comunicam-se através dos seus braços com os corpos geniculados laterais no tálamo e participam
na via ótica. Os inferiores comunicam-se através dos seus braços com os corpos geniculados mediais do tálamo e
participam da via auditiva.

2. Estrutura microscópica e circuitos


Formação Reticular
Constitui uma das porções filogeneticamente mais antigas do cérebro e
representa o centro do tronco cerebral. Compõe-se de vastos conjuntos de células
que formam quer agregados celulares difusos, quer núcleos mais bem definidos.
A Formação Reticular Ascendente Ativadora (FRAA) é um conceito
fisiológico representado anatomicamente pela região central do tronco cerebral,
incluindo os núcleos do rafe. FRAA extende-se rostralmente desde o tronco
cerebral até ao hipotálamo.

Alguns núcleos estão envolvidos nos mecanismos do sono. (p. ex., n. tegmental
pedúnculo-pontino, que é um núcleo colinérgico) (ver Figuras 6 e 7). Também faz parte da região locomotora do
mesencéfalo e, nessa medida, faz parte da regulação do comportamento.

Núcleos parabraquiais
Estes núcleos localizam-se na parte medial do pedúnculo cerebeloso
superior e dos tratos sensoriais (lemniscais) da protuberância e mesencéfalo.
Recebe informação visceral quer da medula espinal, quer do tronco
cerebral, enviando-a para o hipotálamo, para a amígdala e para o núcelo do rafe
(Holstege, 1988).
O núcleo parabraquial constitui um local de integração da informação
visceral (incluindo o tato, os sinais cárdio-respiratórios e a dor visceral) (Craig,
1996), enviando-a posteriormente para o núcleo central da amígdala para o
hipotálamo. Daí a sua importância na regulação das respostas emocionais
autonómicas em relação aos sinais viscerais, especialmente, a dor viceral.

Núcleos do rafe ⇾ seratonina


São um conjunto de núcleos, situados na linha média do bulbo, protuberância e mesencéfalo. Fazem parte da
FRAA, mas produzem um neurotransmissor específico: a seratonina.
Os núcleos do rafe protuberanciais rostrais e os mesencefálicos projectam-se para a substância cinzenta peri-
aqueductal (SCPA) e para diferentes estruturas tais como hipotálamo, complexo negro, núcleos talâmicos intralinares,
estria terminal, septo, hipocampo, amígdala e córtice cerebral.
Já os núcleos do rafe medulares e da parte caudal da protuberância projectam-se para outras partes do tronco
cerebral (núcleos do trigémio) e para todos os níveis da medula espinal (cornos anteriores e posteriores da medula).

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 39


Estas projeções descendentes têm um papel importante na integração das informações emocionais, dolorosas e
comportamentos defensivos, bem como na locomoção.
O neurotransmissor que produzem - a serotonina - bem como eles próprios têm sido implicados na regulação
do sono, do comportamento agressivo, da dor e de um conjunto variado de funções viscerais e neuroendócrinas.
Tem sido descrito uma perda de neurónios serotoninérgicos dos núcleos do rafe em doentes com doença de
Alzheimer (Aletrino et al., 1992) sugerindo que esta lesão pode ser a origem da falta de serotonina a nível cortical.

Substância Cinzenta Peri-Aqueductal (SCPA)


Esta estrutura rodeia o aqueducto cerebral no mesencéfalo,
estando localizada centralmente entre o sistema límbico e os centros de
controlo somático e visceral, ligando-se a muitas estruturas quer para
cima, quer para baixo da sua localização. Tem também conexões
bidirecionais com os núcleos da amígdala e as suas projeções
descendentes dirigem-se para o rafe e operam na supressão dos sinais
dolorosos.
Muitos comportamentos esteretipados somáticos e viscerais ⇾ a
regulação do ritmo cardíaco e respiratório, a micção, e os
comportamentos defensivos e reprodutivos. Também os
comportamentos de medo, paralisia, fuga e vocalizações são
desencadeados pela estimulação da SCPA (Bandler and Keay, 1996).
Por todas estas influências Gorman et al. (1989) sugeriram que
a SCPA tinha um papel importante no desencadeamento do pânico.

Locus coeruleus e núcleos tegmentais laterias


O locus coeruleus (LC) está representado por um grupo de corpos
celulares distintos que formam um núcleo no canto ventrolateral do 4o
ventrículo no tegumento protuberancial que se estende rostralmente para a
SCPA do mesencéfalo. As células do LC são ricas em noradrenalina (NA),
constituindo metade de todos os neurónios com NA do cérebro.
De uma maneira geral pode-se dizer que o LC e os núcleos tegmentais
laterais projetam terminais noradrenérgicos para a maior parte do encéfalo. Os
estímulos novos ambientais atuam através da noradrenalina de modo a
dirigirem o cérebro para atender, orienta-se e estar alerta a estes estímulos
específicos.
Uma das grandes projeções do LC é para o tálamo. Deste modo, o LC
regula o tónus cortical autonómico, bem como a atenção. Mas a resposta mais
intensa do LC ocorre a transição da fase do sono para a fase de vigilia.
Um tónus baico da atividade do LC está associado à desatenção, como acontece nos quadros de hiperatividade
com défice de atenção.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 40


3. Mecanismos reflexos do tronco cerebral
Reflexos posturais
Para se manter a postura é necessário um conjunto de mecanismos reflexos que se designam por reflexos
posturais. Esses mecanismos são organizados pelo tronco cerebral e pelo cerebelo e a sua natureza é de retroação
negativa. As aferências sensoriais advêm de 3 localizações:
1) vestibular, dos otólitos;
2) proprioceptivos, dos músculos, órgãos de Golgi tendinosos e receptores
3) visuais, dos colículos superiores.

Reflexos vestibulares
As aferências sensoriais dos otólitos e dos canais semicirculares do ouvido interno são usadas para orientar a
posição da cabeça no espaço. Os reflexos que ativam os neurónios motores dos músculos do pescoço são designados
por reflexos vestibulo-cólicos, enquanto que os que ativam os músculos dos membros são designados reflexos vestibulo-
espinhais.

Reflexos do pescoço
Rodar a cabeça em relação ao pescoço excita as fibras musculares do pescoço e os aferentes das articulações
cervicais. Isto evoca contrações reflexas dos músculos do pescoço (reflexos cervico-cólicos) e dos músculos dos
membros (reflexos cervico-espinhais). Os primeiros contraem os músculos do pescoço de modo a reorientarem a cabeça
em relação ao corpo, enquanto que os segundos causam a contração dos músculos dos membros em resposta a
movimentos rápidos da cabeça.

4. Significado funcional das estruturas do tronco cerebral


As estruturas que forma o tronco cerebral constituem, em termos estruturais, uma unidade que funcionalmente
centraliza a automaticidade do comportamento. Todos os nervos cranianos se conectam através destas estruturas, bem
como todos os neurónios sensório-motores.
Estão aqui localizados todos os controladores dos automatismos que asseguram o suporte para os aspectos mais
básicos da vida: circulação sanguínea, respiração e sono. Outros controladores de automatismos cooperam na regulação
do olfacto, visão, audição e gosto, na regulação do movimento da cabeça e da aceleração e relação do corpo com a força
da gravidade, no ajustamento do funcionamento sincrónico dos olhos e ouvidos, na influência do uso da boca e do nariz
para a respiração e alimentação. O sistema nervoso em geral é activado através de sinais oriundos das estruturas
reticulares ativadoras do tronco cerebral.
Na verdade, o bulbo é a sede de reflexos primitivos que desaparecem com o crescimento (p. ex., reflexo de
sucção do recém-nascido). Primitivamente os "sistemas de interacção" localizados no bulbo controlavam as funções
viscerais necessárias à manutenção da vida, mas ao longo da evolução o bulbo passou a intervir também na vida de
relação, isto é, nas formas de comunicação entre os seres humanos. Deste modo, no bulbo estão também situados os
núcleos dos nervos cranianos responsáveis pela mobilidade cefálica, fonação e expressão mímica, constituindo vias de
integração do comportamento dirigido para um fim. Estas 3 funções são fundamentais para a hominização, pois
permitem:
1) a sociailidade;
2) o controle do meio;

Já a protuberância desempenha um papel de charneira na distribuição da informação ascendente, descendente e


de vias de associação, com corpos celulares de neurónios que comandam funções vitais

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 41


A FRAA tem sido associada, em termos funcionais, a uma grande variedade de mecanismos funcionais
incluindo: (1) activação geral, (2) nocicepção, (3) habituação, (3) antecipação da recompensa, (4) medo do choque, (5)
sono REM e (6) processamento sensorial multimodal.
Descreve-se a formação reticular (FR) atendendo às suas delimitações funcionais, em duas vertentes: a
ascendente e a descendente, respectivamente para o córtice e para a periferia. A vertente ascendente (activadora) vai
do mesencéfalo ao hipotálamo posterior. A vertente descendente (inibidora), vai em direcção à medula, intervindo ao
nível dos alfa moto-neurónios espinais.

Funções da formação reticular


1) função de "pace-maker", activador, centro energético cerebral;
2)Função de transmissão da informação, reagrupando-a e efectuando elaboração muito elementar;
3)Função de integração, no sentido de ser um lugar de convergência de mensagens vindas do cérebro, do cerebelo e do
sistema nervoso vegetativo.
Relativamente às funções genéricas do nível mesencefálico podemos distinguir:
1) função estática - modulação da tonicidade muscular a nível da postura (ex: núcleo rubro importante para manter o
equilíbrio na posição estática), através das suas ligações com o cerebelo;
2) Função hipno-ativadora e hipno-indutora - através da FR na activação cortical e muscular;
3) Função oculógira - a nível da regulação e coordenação reflexa dos movimentos oculares, da reflexologia pupilar, etc.

Cerebelo
Parecendo uma couve-flor, o cerebelo localiza-se na parte posterior do tronco cerebral e desempenha funções
importantes no controlo motor (especialmente na coordenação do tempo do movimento muscular), na planificação dos
movimentos motores e na aprendizagem de habilidades.
O cerebelo tem 3 grandes divisões:
1) O vestíbulo-cerebelo, que constitui a parte mais antiga
em termos filogenéticos, compreendendo porções do
flóculo e do nódulo. Tem conexões bidirecionais com
núcleos vestibulares do tronco cerebral.
2) O espino-cerebelo, localizado nas regiões medianas dos
hemisférios cerebrais, recebe informação somato-sensorial
e cinestésica da medula espinal, mantendo conexões
bidirecionais com ela.
3) O cérebro-cerebelo, recebe entradas de muitas regiões
distintas do córtice, incluindo os córtices de associação e
motor, estando envolvido na regulação de movimentos
complexos que requerem sequências complexas espaciais e
temporais envolvendo a aprendizagem sensório-motora.

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Capítulo 6: Diencéfalo
Neste nível não existe especificidade anatómica, pois não há limites topograficamente definidos, mas antes uma
transição, a nível as estruturas, existindo ainda a organização em agregados, mas mais dispersa. Em termos alargados,
as estruturas que compõem o diencéfalo são o tálamo, hipotálamo, epitálamo, neurohipófise (porção nervosa da hipófise)
e algumas estruturas do sistema límbico (já transição para o telencéfalo).

Em termos restritos, o diencéfalo é descrito pelas seguintes 3 estruturas: tálamo, hipotálamo, neurohipófise e
epitálamo.

1. Tálamo
Originário da vesícula diencefálica, a sua localização pode ser definida como estando abaixo do fórnice e acima
do sulco hipotalámico, de cada um dos lados do 3o ventrículo. é constituído por duas massas ovais com cerca de 3 cm.
Praticamente tudo que o poemos
saber acerca do mundo externo ou do mundo
interno se baseia nas mensagens que têm de
passar pelo tálamo.
O támamo funciona como a
principal estação de distribuição da
informação sensorial para o córtice, sendo
constituído por vários núcleos organizados
em dois tipos de grupos: (a) núcleos de
distribuição e (b) núcleos de associação.
Cada núcleo de distribuição esta associado
com uma modalidade sensorial ou a um
sistema motor únicos.
Aquilo que é conhecido como
“tálamo límbico” consiste num conjunto de
núcleos talâmicos (quer dos distribuição, quer dos de associação) que se projetam para o córtice límbico.

Anatomia e considerações comportamentais


Apresenta uma forma ovóide e é bilateral. O tálamo esquerdo e direito estão separados medialmente pelo 3º
ventrículo e, lateralmente, pelo braço posterior da cápsula interna (Figura 2 Esquerda). Macroscopicamente é
homogéneo. O tálamo divide-se, anatomicamente, em tálamo ventral (via de distribuição da informação para o
neocórtice - sistema talámico difuso - modulando a actividade deste e tálamo dorsal).
Microscopicamente, o tálamo é constituído por vários agregados ou núcleos celulares, designados a partir da
sua localização (núcleos medianos, anteriores, laterais).
Como se disse atrás, estes 3 núcleos topográficos estão agrupados, sob o ponto de vista funcional, em dois tipos
de condensações nucleares: (a) núcleos de ligação, responsáveis pela recepção e distribuição da informação para
diferentes zonas corticais, funcionando como teleinterruptores que atrasam a informação para esta poder ser integrada
(pelos núcleos de associação); (b) núcleos de associação, os quais procedem a uma integração e tratamento da
informação sensitivo-sensorial. em razão do pequeno número de sinapses tálamo-corticais, ela deve ser amplificada para
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poder activar o córtice. Essa transmissãoé assegurada por dois mecanismos: (1) um, intra- sináptico, cuja acção se traduz
por potenciais pós- sinápticos muito aumentados em relação aos pré-sinápticos, assegurando deste modo uma
amplificação da informação (Figura 3); (2) outro, de sincronia, segundo o qual as conexões fracas entre o tálamo e o
córtice tornam-se mais fortes porque operam em sincronia umas com as outras) (Figura 4).

Núcleos talámicos

Núcleos talâmicos anteriores


Constituídos pelos núcleos anterodorsal, anteroventral e anteromedial. Este grupo faz parte do circuito límbico
(tálamo límbico). As lesões deste núcleos estão associadas a défices na orientação.

Núcleos medianos e da linha média


São os alvos das fibras dopaminérgicas e expressam os receptores dopaminérgicos. O núcleo médio-dorsal é
considerado o núcleo de distribuição por excelência para as áreas do lobo frontal.

Núcleos talâmicos ventrais


A sua principal função é a ligação entre o cerebelo e gânglios basais com o córtice. A informação táctil
(somestésica) da cabeça e corpo está ligada ao córtice somestésico (parietal) através do núcleo ventral posterior.

Núcleos talâmicos laterias


São os maiores agregados nucleares do tâlamo, constituídos por 3 núcleos: o núcleo dorsal lateral, que está
funcionalmente ligado ao grupo talâmico anterior, liga-se
sobretudo ao córtice cingulado e parietal; o grupo lateral
posterior, que se liga à região inferior do lobo parietal; o
pulvinar, que tem ligações com o córtice visual (estando
envolvido no movimento dos olhos) e com o cingulado posterior.

Núcleos geniculados laterias e medianos


Os núcleos geniculados medianos ligam as informações
auditivas do colículo inferior ao córtice temporal, enquanto que
os núcleos geniculados laterais ligam os sinais visuais da retina
ao córtice occipital.

Núcleos Reticulares
Localizam-se na lâmina medular externae os seus
neurónios são de transmissão gabérgica com extensivas ligações
com os núcleos do tâlamo dorsal. Estes núcleos são considerados
como servindo como válvulas para a transmissão tálamo-
cortical, mediando as influências inibitórias dos lobos frontais,
bem como do impacto excitatório da formação reticular do
tronco cerebral.

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Núcleos intralaminares
Constituem a continuação rostral da formação reticular do tronco cerebral. Para além dos aferentes reticulares,
são muito importantes as projecções dos sistemas da dor da medula e do tronco cerebral. Estas núcleos têm um padrão
difuso de difusão, atingindo praticamente todas as áreas cerebrais, constituindo uma parte do sistema que regula o tonus
do cérebro.

Tálamo límbico
É definido como a porção do tálamo que serve o sistema límbico (Bentivoglio et al., 1993) inclui o núcleo
talámico anterior, bem como partes de outros núcleos, tais como o núcleo dorsal lateral, os núcleos medianos e da linha
média, o pulvinar, entre outros.

Significado anátomo-funcional
Uma das suas principais funções é a filtragem das entradas sensoriais. O seu papel de integração da informação
vinda do encéfalo com a informação vinda da periferia, dá-lhe um estatuto importante na economia do cérebro. Para
além disso, está integrado no sistema lateral e mediano da dor. Por fim, assegura o controlo motor, através da integração
da informação descendente, sobretudo informação complexa motora. Em síntese, o tálamo constitui uma espécie de
“central de rede” na qual diferentes informações podem se sintetizadas numa história coerente.

2. Hipotálamo
Estando localizada, como o nome indica, abaixo do tálamo,
é o regulador central e constitui, em termos filogenéticos, o vértice
superior mais antigo do SN Vegetativo. É uma área muito antiga na
filogenia, com uma estrutura muito semelhante entre os seres
humanos e os animais mais inferiores. Nos mamíferos é a região
mais importante para a coordenação dos comportamentos essenciais
para a manutenção das espécies.
É constituído por cerca de 22 pequenos núcleos, sistemas de
vias de passagem e hipófise. Apesar de ser apenas 0.3% de peso total
do cérebro, está envolvido na maior parte dos aspectos
comportamentais, incluindo o alimentar, o sexual, o sono e a vigília,
a regulação da temperatura, comportamento emocional, a função
endócrina e o movimento.

Considerações anatómicas e comportamentais


Está limitado à frente pela lâmina terminal e pelo quiasma óptico,
lateralmente pelas vias ópticas e posteriormente pelos corpos mamilares.
A área pré-óptica, mais anterior, é constituída pelos núcleos pré-ópticos
medianos e laterais (Figura 9). A separação entre as zonas mediana e lateral é feita
pelas fibras do fórnice (ver à frente). As zonas laterais contêm axónios que vêm do
sistema límbico.
A zona mediana inclui a maioria dos núcleos bem definidos do
hipotálamo e é constituída pelas seguintes regiões: região anterior ou supra-
óptica, região tuberal e região posterior ou mamilar.
Um dos núcleos importantes da região supra-óptica é o núcleo supra-
quiasmático, localizado abaixo e lateralmente em relação ao núcleo supra-óptico
tem um papel crítico no controlo do biorritmo circadiano dia- noite, funcionando
como um relógio biológico central. Recebe aferentes da retina (aferentes primários)
e dos corpos geniculados laterais (aferentes secundários) e tem conexões estreitas
com a epífise regulando a libertação de melatonina, uma hormona essencial para a
regulação das funções circadianas e sazonais.
Os corpos mamilares estão envolvidos nas emoções e na memória.
A zona lateral contém vários grupos de células, sendo o maior o núcleo
tubero- mamilar. Esta zona é considerada como sendo o “centro da fome”, porque
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está envolvida nos aspectos emocionais associados à ingestão alimentar, mas também está associada à resposta
cardiovascular aos estímulos de medo.
Genericamente, está implicado na tradução da actividade hormonal em actividade neuronal (paradigma de
conversão hormono-neuronal. Os seus numerosos e complexos circuitos ligam o SNC ao controle do meio interno
através do SNV e a sua influência na hipófise é exercida bioquimicamente. Em contrapartida, o hipotálamo e outras
estruturas neuronais podem ser influenciadas por alterações nas concentrações de hormonas da corrente sanguínea,
reguladas, por sua vez, pela hipófise.

Conexões do hipotálamo
Os sinais neuronais chegam ao hipotálamo por muitas vias. A principal
via que transporta sinais ascendentes da formação reticular do tronco cerebral é
a via prosencefálica mediana, que se dirige para o hipotálamo lateral. Por sua
vez, o hipotálamo lateral está interligado com as zonas periventricular, mediana
e hipotalâmica, bem como com a área pré-óptica.
As entradas ascendentes hipotalámicas vêm do locus coeruleus e dos
núcleos do rafe (efeito activador do hipotálamo), enquanto que as descendentes
vêm do sistema límbico (septo-hipocampo e amígdala).
As saídas do hipotálamo tendem a ser por longos axónios originários dos
corpos celulares localizados nas zonas mediana e lateral.A sua relação com a hipófise é de duas naturezas: (1) por via
neuronal com a hipófise posterior ou neurohipófise e (2) via vascular com a hipófise anterior ou adenohipófise.

Significado funcinal do hipotálamo


O hipotálamo localiza-se, por um lado, numa posição intermédia entre o “cérebro
pensante” (néo-córtice) e o “cérebro emocional” (sistema límbico) e, por outro, entre estes
sistemas e os sistemas corporais que são controlados pelos sistemas auntonómico e
endócrino. Contudo, ao nível hipotalámico, os estados emocionais elicitados são
primitivos, sem direcao e pouco definicos.

3. Epitálamo
Constituído pela epífise e habénula. A epífise tem uma aparência glandular
e contém um único tipo de células designadas por pinealócitos. Nos seres mais
inferiores a epífise constitui o olho parietal, que é um órgão sensitivo importante para
a organização dos ritmos circadianos. Tem sido designada como “órgão da
tranquilidade” em razão das propriedades hipnóticas da metanonina. As suas células
segregam serotonina e melatonina, mas a sua produção é bloqueada pela luz. Ou seja,
a produção de melatonina é apenas feitadurante as horas de obscuridade. A acção da
melatonina faz-se sentir sobretudo no núcleo supraquiasmático e na hipófise anterior.
A habénula (núcleo habenular) localiza-se na parede do 3o ventrículo, na
parte posterior da epífise. É constituída por um pequeno núcleo mediano e por um
grande núcleo lateral. A principal via aferente é a estria medular que transporta sinais
do prosencéfalo mediano e do septo, do lobo límbico e do hipotálamo, bem como do
estriado ventral. A sua função é ligar as estruturas límbicas com os núcelos do tronco
cerebral superior.

Significado anátomo-funcional do diencéfalo


O diencéfalo constitui o ponto de paragem de todas as fibras sensitivo-
sensoriais (excepto as ópticas, auditivas e olfactivas), distribuindo-as para o néo-
córtice. Integra a informação periférica com a central. Para além disso, tem um papel
de activação selectiva das regiões telenefálicas e participa no controlo motor
(pelosistema extra-piramidal). Funciona, de uma certa maneira, como uma central de rede que avalia “o que se está a
passar” no contexto e coordena “o que deve ser feito” pelo organismo, dando um sentido à história do organismo.

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Capítulo 7: Sistama Límbico
1. Introdução
O termo lobo límbico foi usado pela 1a vez por Paul Broca para designar
um conjunto de estruturas situadas no limbo ou margem do neocórtice. Estas
estruturas têm uma forma de C nas regiões mediana e basilar dos hemisférios
cerebrais. Muito embora Broca tenha definido o lobo límbico como sendo
constituído pelos giros parahipocâmpicos e cingulado (o grande lobo límbico),
foi Papez que lhe deu a importância quanto ao controlo das emoções.
Se considera fazerem parte do sistema límbico o núcleo anterior do tálamo, o giro cingulado, o hipocampo, o
hipotálamo (acrescentados por Papez, 1937) e a amígdala, o córtice pré-frontal e os núcleos dorso-medianos do tálamo
(acrescentados por Yakovlev, 1948). Maclean (1952) alargou o conceito a “Sistema Límbico” e designou-o de “Cérebro
de Paleomamífero” e Nauta (1958) reforçou a importância do hipotálamo e acrescentou as áreas límbicas
mesencefálicas: Área Tegmental Ventral, Substância Cinzenta Periaqueductal e Núcleos do Rafe.
Se falava em sistema límbico propriamente dito (giro cingulado, giro do parahipocampo e formação
parahipocâmpica constituída pelo hipocampo, pelo giro dendatus, pelo subículo, pelo complexo amigdalino e pela área
septal) e em estruturas associadas ao sistema límbico (córtice pré-frontal, núcleos anterior e dorsomediano do tálamo,
hipotálamo, a habénula do epitálamo e alguns núcleos mesencefálicos).
Ou seja, o sistema límbico trabalha em colaboração com outros sistemas cerebrais, pelo que uma teoria do
funcionamento límbico tem de ter em conta o cérebro no seu conjunto. O sistema límbico fornece meios ao animal para
lidar com o ambiente e com os seus congéneros encontrados no ambiente. Umas partes mais básicas e antigas do sistema
sustentam funções mais primárias (como a alimentação e o sexo), enquanto que outras estão relacionadas com os
sentimentos e as emoções. Já as partes mais sofisticadas do sistema combinam as entradas externas e internas numa
realidade única.
As conexões complexas que permitem ao sistema límbico executar as suas múltiplas funções podem ser
simplificadas em dois subsistemas: (1) o hipocampoe os núcleos do septo, onde o hipocampo tem um papel fundamental
na memória; (2) o complexo amigdalino, envolvido na adjudicação da ansiedade aos estímulos sensoriais.

2. Contextualização anatómica
O lobo temporal pode ser dividido em duas partes: a parte lateral mais recente (neocortical), responsável pela
audição, fala e integração da informação sensorial de diferentes modalidades sensoriais e a parte ventromediana, mais
antiga (constituída por arqui e paleocórtice), que é conhecida como consistindo nos componentes do sistema límbico (o
giro do parahipocampo, o córticeentorrinal, a formação hipocâmpica, o uncus, a amígdala e o córtice do pólo temporal
(Figuras 2 e 3) (Martin, 1996).
Toda a informação do mundo externo passa pelas áreas de associação uni e multimodais antes de convergirem
para o hipocampo e amígdala. Por isso, estas estruturas são consideradas como sendo centros supramodais.

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3. Estruturas olfativas
Papel importante na função límbica em muitos animais. As estrias olfactivas são constituídas por fibras que
vêm do bolbo olfactivo e terminam nas estruturas límbicas (áreas pré-piriforme e piriforme, córtice entorrinal e
amígdala) fundamental na memória; (2) o complexo amigdalino, envolvido na adjudicação da ansiedade aos estímulos
sensoriais.

4. Formação hipocâmpica e estruturas relacionadas


Giro parahipocâmpico
Esta estrutura, a sua parte rostral inclui o lobo piriforme e recebe informação
olfactiva primária; a sua parte caudal é representada pelo córtice entorrinal, recebendo as
suas informações das áreas de associação multimodal do córtice e representa a porta de
entrada da informacao na formação hipocâmpica.

Formação hipocâmpica
Esta formação ocupa uma posição central no sistema límbico e consiste no hipocampo propriamente dito em
conjunto com o giro dendatus e o subículo. As células dominanetes são as células piramidais.

Fórnice
Trata-se de um conjunto de fibras que transportam informação
do Hipocampo. É constituído pelos pilares anteriores, corpo e colunas
e as suas fibras dividem-se em: Ramo posterior, que termina nos Corpos
Mamilares; e ramo anterior que termina nos núcleos septais e no núcleo
accumbens.

5. Núcleos do Septo e nucleos accumbens


O septo lúcido é uma fina estrutura da linha média,
membranosa, que separa os ventículos laterais esquerdo e direito. Os
núcleos que constituem o complexo do septo situam-se abaixo do corpo caloso e á frente da comissura anterior. O núcleo
accumbens situa-se lateralmente em relação aos núcleos do septo, sendo considerado como fazendo parte do corpo
estriado.

6. Complexo Amigaloide
O complexo amigdalóide é um complexo de núcleos localizados dentro do lobo temporal, junto ao uncus (Figura
9). É uma das estruturas límbicas mais estudadas, com muita evidência a sugerir o seu papel na vida emocional (Le
Doux, 1992). De uma maneira geral a amígdala tem acesso à informação sensorial integrada das áreas corticais de alta
ordem.
Reconhecem-se 3 áreas nucleares principais na amígdala, muito embora cada uma delas possa também ser
subdividida: núcleos laterais (basolaterais), núcleo central, núcelos medianos (corticomedianos).

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7. Giro cingulado
O giro cingulado situa-se na profundidade da fissura longitudinal e envolve o corpo caloso como um grande
arco. Está separado dos lobos frontais e parietais pelo sulco cingulado e liga-se ao giro parahipocâmpico pelo istmo.
São, habitualmente descritas duas divisões do giro cingulado e uma banda de conexão.
1. Córtice Cingulado Anterior (ACC) - uma extensa região em torno do joelho do corpo caloso, subdividida nas regiões
pré-límbica (PL) e paragénica (PG). os termos infra-límbica, subcalósica e límbica anterior têm sido aplicados a todas
as partes da área paragénica localizada por baixo do joelho do corpo caloso. O ACC apresente uma grande camada de
células piramidais.
2. Córtice cingulado posterior (PCC) - continua o ACC e
inclui a área retoresplénica, a qual se estende em torno do
esplénio do corpo caloso.
3. Cíngulo - é uma grande banda de fibras que correm em
paralelo ao arco do giro cingulado, sendo uma banda de
associação que contém fibras curtas que ligam diferentes
áreas do córtice cingulado.

8. Giro supracaloso

É composto pelo Indúsio Gríseo (Cinzento) e pelas Estrias Longitudinais. O


Indúsio Gríseo é uma lámina delgada com matéria cinzenta que surge do prolongamento
do Giro Dentado e cobre o corpo caloso. As estrias longitudinais são feixes de matéria
branca que surgem no prolongamento da Fímbria e ligam o Hipocampo ao Giro
Paraterminal ou Subcaloso (Núcleos Septais).

9. Estruturas Associadas ao Sistema Límbico


O hipotálamo (sobretudo a parte lateral, para além dos
corpos mamilares), o tálamo (sobretudo os núcleos anteriores e
dorso-mediano), ahabénula do epitálamo e o mesencéfalo através
da formação reticular e respectivos núcleos. Por esta via, a
informação no formato “digital” (impulsos) é convertida em
informação no formato “analógico” (actos).

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 49


Capítulo 8: Sistema Límbico II
1. Princiapais Vias de associação
O sistema límbico, como o nome indica, é um sistema inter-conectado quer por grandes vias de associação, quer
entre as diferentes estruturas entre si.

Circuito de Papez
O clássico circuito de Papez permite uma retroacção
para o hipocampo através do giro cingulado. O circuito
começa no hipocampo, a partir do qual as fibras eferentes
saem pelo trígono, formando parte das fibras pós-comissurais
do pilar anterior que chegam aos corpos mamilares. Daí
dirigem-se para o núcleo anterior do tálamo e, através dele,
para o tracto mamilo-talámico (feixe de Vicq D’Azyr). De
seguida incorporam-se no fasíclo do cíngulo e dirigem-se
para trás para entrarem na circunvolução do hipocampo,
completando assim o circuito.

Papez (1937) descrevia este circuito como o substratode


“um mecanismo harmonioso que era capaz de elaborar as funções
das emoções básicas”. De acordo com o autor a emoção emergia
quer partir da actividade cognitiva que entrava no circuito pelo
hipocampo, quer pelas percepções somáticas e viscerais que
entravam pelo hipotálamo.
Na verdade, Papez pensava que a informação sensorial
que chega aotálamo se dirigia para o córtice cerebral e parao hipotálamo. A informação que saía do hipotálamo daria
lugar às respostas corporais das emoções e a informação que saía do córtice cerebral daria lugar aos sentimentos
emocionais.
Em 1948, Paul Yakovlev (1948) acrescenta mais algumas estruturas, nomeadamente o córtice orbito-frontal, a
ínsula, a amígdala e o lobo temporal anterior, mas foi Paul MacLean (1949, 1952) que incorporou as duas perspectivas
anteriores e que propôs um novo conceito para o sistema límbico, considerando o córtice límbico em conjunto com as
estruturas límbicas subcorticais constituíam um sistema funcionalmente integrado com ligações longas e curtas (Figura
4), acabando por formular a noção de circuito de Papez estendido.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 50


As regiões mais medianas deste default network correspondem
à porção mais dorsal do circuito de Papez, estando ligadas pelo cíngulo
dorsal. O cíngulo contém fibras de diferentes tamanhos, em que as
maiores vão desde a amígdala, uncus e giro do parahipocampo até às
áreas sub-génicas do lobo frontal.

Feixe prosencefálico mediano FPM


Os axónios do FPM vêm de 3 áreas: (1) a região olfactiva basal;
(2) o córtice peri- amigdaloide (faz parte do rinencéfalo) e (3) a área
olfactiva mediana (também conhecida como área septal). Passando pelo
hipotálamo lateral, o FPM constitui uma parte da via mesolímbica (uma
das vias dopaminérgicas do cérebro) que transfere o neurotransmissor
dopamina entre diferentes áreas do cérebro.
Não só as fibras mesolímbicas, mas também as fibras
mesocorticais fazem parte deste feixe e as suas fibras descendentes estendem-se desde o hipotálamo até ao trono
cerebral.

Feixe longitudinal dorsal de Schutz


Assegura a ligação entre o hipotálamo posterior e a parte baixa do bulbo, ligando a estrutura hipotalámica e a
formação reticular com os núcleos vegetativos do tronco cerebral.

Estria Terminal
Um grupo de fibras que saem da amígdala constitutem a estria terminal, que se arqueia dorsalmente, passa pela
habénula e termina no hipotálamo, tâlamo e núcleo accumbens. Este núcleo faz parte dos Núcleos da Base e constitui a
ligação das estrututuras límbicas com a escolha da resposta motora adequada ao estado emocional, integrando o Sistema
de Recompensa.

2. Conexões entre as principais estruturas do sistema límbico


Hipocampo
Para além do córtice entorrinal, outras estruturas enviam
informações para o hipocampo tais como o septo, o hipotálamo, a
amígdala e o tronco cerebral. A informação sensorial processada chega
ao hipocampo através do córtice entorrinal. Os grandes eferentes do
hipocampo projectam-se para a amígdala, hipotálamo e septo.

Amígdala
As maiores conexões da cada um dos grupos de núcleos
que constituem a amígdala. Os núcleos laterais avaliam a
informaçãosensorial integrada com vista à atribuição de um
conteúdo emocional e ligam-se ao córtice pré-frontal, córtice
cingulado e estriado ventral.
Os núcleos medianos associam o gostoeadorcomas
emoções. O núcleo central liga-se com os centros autonómicos do
tronco cerebral para regular a respostas autonómica sensorial e
motora aos estímulos emocionais.

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Giro cingulado
O giro cingulado (áreas 24, 25 e 33 de Brodman) está dividido numa parte anterior e numa parte posterior. A
parte anterior está relacionada com a vocalização e com o funcionamento emocional e motor e envolve o movimento
das mãos e a regulação do balanço autonómico e endócrino. A parte posterior (área 23 de Brodman) está ligada à análise
visuo-espacial e táctil, bem como às respostas motoras e à memória. Das suas conexões destacamos o cíngulo.

A maior parte das fibras que se dirigem do hipocampo para o hipotâlamo terminam nos núcleos mamilares.

Moderna divisão anátomo-funcional do sistama límbico


No plano anátomo-funcional, foi proposto por Catani et al. (2013) uma
nova divisão do sistema límbico em 3 diferentes circuitos: (1) circuito
hipocâmpico-diencefalo-límbico (ligados pelo fórnice e pelo tracto mamilo-
talámico) e circuito parahipocâmpico-retro-esplénico (cingulo ventral); (2)
circuito temporal-amígdala-orbitofrontal (ligado através do fascícluo
uncinado); (3) default network dorso-mediano, constituídos pelos circuitos
cingulado anterior- córtice pré-frontal mediano e cingulado posterior- pré-
cuneus., ligados pelo cíngulo dorsal. Enquanto que os primeiros estão
envolvidos nas funções da memória e da orientação espacial, o segundo está
envolvido na integração dos estados viscerais emocionais com a cognição e
comportamento (Mesulam, 2000). Já o terceiro está activo em estados de
repouso, desactivando-se nas transições entre os estados de repouso e a
execução de tarefas dirigidas para um fim, independente da natureza da tarefa.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 52


Capítulo 9: Núcleos da Base
1. Núcleos da Base
Os núcleos da base (ou gânglios da base) foram
considerados como fazendo parte do sistema de controlo
motor, mas mais recentemente tem sido referido a sua
importância no controlo de comportamentos motivados e
relacionados com as emoções. A atividade motora é
controlada por uma complexa interação entre três grandes
sistemas: córtice cerebral, cerebelo e gânglios da base. Os
poucos milissegundos que medeiam entre o pensamento e
a acção são essenciais para o ajustamento a esta sociedade
moderna.
Originalmente, os núcleos da base foram descritos
como um conjunto de núcleos bilaterais de topografia
telencefálica, que incluía o núcleo caudado e o putamen (neoestriado, por serem filogeneticamente mais recentes) os
globos pálidos (paleoestriado, que, apesar da topografia telencefálica, são de origem embrionária diencefálica) bem
como a amígdala (arquiestriado) e, ainda, o claustro (uma tira delgada e irregular de matéria cinzenta, entre o putamen
e a ínsula).
Entretanto outros núcleos foram sendo associados, como foi o caso de um núcleo de origem diencefálica - o
núcleo subtalâmico - e um outro de origem mesencefálica - a substância negra - em razão de estarem intimamente
ligados ao conjunto caudado/putamen - globos pálidos.
Em termos de organização topográfica, o neoestriado e o paleoestriado, por vezes colectivamente designados
de corpo estriado, constituem a parte dorsal dos núcleos da base.
A parte ventral do corpo estriado é constituida pelo núcleo basal de
Meynert ou substantia innominata e pelo núcleo accumbens.
Também por razões morfológicas, dada a sua aparência concava
atribui-se comunmente a designação de núcleos lenticulares ou lentiformes ao
conjunto putamen-globos pálidos.
Os núcleos da base recebem sinais do córtice cerebral e encaminham
as respostas integradas a estes sinais novamente para o córtice cerebral.
A informação cortical é processada, à medida que vai passando pelos
núcleos da base, através de uma série de circuitos paralelos, mas o mecanismo
operativo básico assenta num processo inibitório. Por isso, quando há lesões destes
núcleos, como acontece no parkinsonismo, o resultado é a libertação do
comportamento, geralmente sob a forma de actividade motora incontrolável.
É ao córtice frontal que compete a planificação motora, sendo que a
informação sensitivo-sensorial originária de outras áreas corticais conflui para as
áreas motora suplementar e pré-motora.
Recebidos esses programas no córtice motor primário, este dá-lhes
execução, determinando os grupos musculares a estimular, bem com a intensidade
da contracção, e enviando aos músculos essas instruções motoras pela via
corticoespinal.
Simultaneamente, pela via corticoestriada, essa mesma informação (tal
como a somatossensorial) vai chegar ao putamen, envolvendo os núcleos da base
num mecanismo de retroacção sobre o funcionamento das áreas motoras.
Outro desses mecanismos, igualmente com intermediação talámica,
envolve regulação cerebelar, que utiliza informação vinda dos músculos (ver Figura
4). Conjuntamente, são estes os circuitos que promovem os automatismos
necessários ao movimento e às suas afinações finas.
O cerebelo e a área pré-motora, que recebe informação do primeiro e das
áreas parietais associativas, configuram-se como estruturas chave de um circuito de
regulação da acção dependente de informação exterior ao Sistema Nervoso e, até,
ao organismo.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 53


Não obstante as conexões do corpo estriado
serem de tipo essencialmente inibitório, um
complexo jogo de instruções inibitórias e
excitatórias entre as estruturas que o compõem e os
núcleos associados ditam um efeito final de
facilitação ou inibição de determinada resposta ou
programa motor. Concretamente, quando os
impulsos oriundos da área motora activam o
putamen, este exerce um efeito inibitório sobre os
neurónios do globo pálido interno.
Livres dessas influências, os neurónios
talámicos promovem a activação da área motora
suplementar e do córtice motor primário, exercendo
um efeito facilitador da acção (motivo pelo qual este
circuito recebe a designação de Go). Todavia, o
putamen estabelece igualmente conexões inibitórias
com o globo pálido externo, silenciando as
influências inibitórias que este, por sua vez, exerce
sobre os núcleos subtalámicos.
Em suma, os núcleos da base são elementos
chave de circuitos cerebrais que garantem
importantes automatismos motores e
comportamentais, mas não se pense que essa função
se esgota nos núcleos da base, nem que o seu papel
se esgota nessa função. Na realidade, os circuitos
estriados fazem parte de um conjunto mais vasto de
sistemas neuronais, compreendendo outras
estruturas, que, colectivamente, asseguram os automatismos a que acima se aludiu. Como explica Amaral (2000),
mesmo um comportamento tão simples como devolver uma bola de ténis para o outro lado da rede, envolve quase todo
o cérebro. Informado pelo córtice visual e parietal, que permitem descodificar a observação da bola em aproximação e
a posição do corpo no espaço, o córtice pré-motor desenvolve o programa motor que, uma vez executado, permitirá
contrair e relaxar concomitantemente muitos grupos
musculares, para que a bola possa ser alcançada e
eficazmente batida. Para a iniciação e sequenciação
desse programa, conta com o contributo dos núcleos
da base, especialmente se os movimentos
envolvidos já foram inúmeras vezes treinados e
estão perfeitamente automatizados.
O cerebelo, por seu lado, vai fazendo
chegar informação proprioceptiva, que permite
introduzir os ajustes finos ao movimento. Enquanto
isso, a activação do hipocampo permitirá ao jogador
evocar memórias de situações idênticas, em que a
bola tenha sido mal batida, ao mesmo tempo que
uma activação amigdalina poderá criar em si o medo
de voltar a falhar, motivando-o a modificar a jogada
em curso. Esta activação emocional, por sua vez,
convoca estruturas como o hipotálamo e os núcleos
do tronco cerebral, para que se processem os
necessários ajustes no ritmo cardíaco, frequência
respiratória ou na sudação.
São disso exemplo o circuito límbico e o
circuito pré-frontal ou executivo, esquematizados na
Figura 6, indiciando o envolvimento dos núcleos da
base em funções afectivas e cognitivas,
respectivamente, incluindo na memória implícita e
formação de hábitos.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 54


2. Complexo R
Conceito proposto por MacLean e que engloba os núcleos da base e o bolbo olfactivo. Integra o cérebro
reptiliano, conjuntamente com os núcleos não límbicos do tálamo, o cerebelo e o tronco encefálico, estando envolvido
no controlo dos comportamentos inatos, estereotipados, rotinizados e ritualizados (de alimentação, agressão, fuga e
reprodução) que são necessários para a sobrevivência do indivíduo e da espécie.

3. Síntese do sistema límbico incluindo o complexo R


O grande papel do sistema límbico é a amplificação da informação expressivo- emotiva, por um processo de
ressonância informacional (reverberação da informação em circuitos fechados. É responsável pelos processos de
activação qualitativamente reflectidos na experiência sensorial e emocional. Além disso, está ligado às funções
avaliativas, ajudando a dar algum tipo de informação do tipo dos significantes auto- referenciais de “bom-mau” e
“aproximação-afastamento”. O hipotálamo opera a tradução das respostas emocionais límbicas de avaliação. O tálamo
e os gânglios da base controlam primariamente a coordenação complexa do funcionamento sensório-motor, incluindo
o controlo voluntário do movimento.

Este segundo nível de controle evoluiu para: (1) tornar possível uma maior variabilidade no funcionamento
sensório-motor no funcionamento biológico interno; (2) para elaborar capacidades para o armazenamento de informação
e o seu posterior uso; (3) para elaborar a capacidade de atribuir significado auto-referencial aos acontecimentos através
dos processos de avaliação subjectiva.
As estruturas do sistema límbico evoluíram no sentido de: (1) controle e aprendizagem dos padrões sensório-
motores; (2) funções vegetativo-bioquímicas; (3) coordenação dos dois.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 55


Capítulo 10: Telencéfalo
1. Introdução Geral ao Telencéfalo
O telencéfalo corresponde, no plano anatómico, à generalidade dos
hemisférios cerebrais e estruturas que asseguram a conexão inter-
hemisférica (nomeadamente o Corpo Caloso). Em termos morfológicos o
telencéfalo é constituído por 2 hemisférios, integralmente contidos no
crânio, separados pela Fissura (ou Cisura) Longitudinal, apresentando um
aspecto convexo nas faces supero-laterais, plano nas faces mediais e
irregular na face inferior. Distinguem-se 3 pólos: um polo frontal, um polo
occipital e um polo temporal.
No plano macroscópico, os hemisférios cerebrais apresentam
numerosos sulcos e giros ou circunvoluções, ocupando uma grande extensão mas que a maior parte é invisível (cerca
de 2/3). Se estendida, ocupa uma área média de 2400-2500cm2 (+4 folhas A4). Os sulcos principais, limitam os lobos
(designam-se por sulco central (ou de Rolando), lateral (ou Fissura de Sylvius) e parieto-occiptal.
Os lobos visíveis exteriormente (são 4 e adoptam a designação dos ossos com que se relacionam): (a) Frontal;
(b) Parietal; (c) Temporal e (d) Occipital. Para além deste lobos visíveis existe um lobo invisível: o lobo da Ínsula (ou
Insular).
Uma classificação frequentemente usada é aquela que divide os hemisférios pelo sulco central ou rolândico em
pré-rolândico e pós-rolândico. A parte pós-rolândica contém os lobos parietal, temporal e occipital enquanto que a pré-
rolândica contém os córtices pré-central, pré-motor e pré-frontal.

2. Lobos Frontais
Subdivisões anatómicas
Os lobos frontais localizam-se à frente do sulco central e são constituídos por 3 regiões anatómicas distintas:
(1) a região dorso-lateral; (2) a região mediana; (3) a região orbital ou orbitária. O córtice motor constitui a porção
posterior quer da região dorso-lateral, quer da região mediana. A parte do lobo frontal anterior à área motora, incluindo
o córtice orbital, é conhecida pelo córtice pré-frontal.
Do córtice motor partem a maioria dos axónios que constituem os tratos córtico- bulbar e córtico-espinal. O
córtice motor consiste nas seguintes porções: (1) córtice motor primário; (2) córtice pré-motor; (3) córtice motor
suplementar; (4) campos visuais frontais; (5) área da fala de Broca.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 56


Córtice Motor Primário
Corresponde ao giro pré-central na superfície lateral e estende-se para
a linha média até à cisura longitudinal que separa os dois hemisférios. Existe
um padrão do corpo que está representado por neuronios distribuidos ao longo
do córtice motor primário. A representação deste padrão no córtice é
proporcional à quantidade de neurónios que controlam cada uma das áreas do
corpo, pelo que esta representação homuncular não é simétrica.
A substância cinzenta e a substância branca do córtice pré-frontal
desenvolvem- se em ritmos diferentes. A substância cinzenta aumenta em
volume até cerca dos 4-12 anos de idade, a partir das quais decresce
gradualmente (Giedd et al, 1999). A densidade sináptica diminui à medida que
a substância cinzenta aumenta (Huttenlocher, 1979) e o volume da substância
branca continua a aumentar depois da adolescência até ao início da idade adulta
(Sowell et al., 2001).

Córtice pré-motor
Está à frente do córtice motor primário e atrás do córtice pré-frontal. A maior parte dos neurónios deste córtice
têm projecções curtas para o córtice motor primário e uma pequena parte tem projecções longas para a formação reticular
através da cápsula interna. Da formação reticular estes axónios dirigem-se para a medula formando os tratos reticulo-
espinais.

Área motora suplementar


Localiza-se na parte média do lobo frontal ao longo da cisura longitudinal (Figura 4), recebendo aferentes da
área somestésica primária do lobo parietal, do córtice pré-frontal, do giro cingulado e do tálamo.

Campos visuais frontais


Encontram-se no córtice frontal dorso-lateral e contribuem para os movimentos voluntários dos olhos. Os
movimentos sacádicos dos olhos são os únicos movimentos voluntários conjugados dos olhos dirigindo o olhar para um
determinado objecto.

Área da fala de Broca


Localiza-se no giro frontal inferior, mas é considerada como fazendo parte do córtice pré-frontal. Está
especializada na produção da fala. O seu principal aferente vem da área de Wernicke (lobo temporal), através do
fascículo arqueado e os seus eferentes projectam-se para a região facial do córtice motor primário que controla,
directamente, os músculos da fala. A área homóloga no hemisfério não dominante ocupa-se pela produção dos
componentes emocionais/melódicos da fala (Joseph, 1988).

Córtice Pré-frontal
O córtice pré-frontal está dividido nas seguintes regiões: (a) dorso-lateral (CPFDL); (b) ventro-mediana
(CPFVM); (c) orbito-frontal (COF) ou orbital (Figuras 4 e 5); (d) dorso-mediano (CPFDM).

Córtice pré-frontal dorso-lateral (CPFDL)


O CPFDL estende-se entre a cisura longitudinal e a cisura lateral e tem sido descrito como o lugar onde “o
passado se encontra com o futuro”. Na verdade, criando memórias a partir das entradas sensoriais, ele está “a olhar para
o passado” e ao desenhar um plano motor para a acção correspondente, ele está “a olhar para o futuro”.
A evidência sugere que as regiões dorsolaterais dos lobos frontais provavelmente exercem a última contribuição
direta para o funcionamento social e da personalidade. Está envolvido no funcionamento executivo clássico, que inclui
a memória de trabalho, a mudança e enquadramento, a planificação, a inibição e o raciocínio abstrato. Daí considerar
que a principal contribuição da CPFDL para o funcionamento social seja a aplicacao destes processos executivos aos
contextos sociais, facilitando desse modo o raciocínio social complexo, o raciocínio lógico e a regulação deliberada do
comportamento social.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 57


Córtice órbito-frontal
O COF é a porção do córtice pré-frontal que recebe das porções
magnonuclear do núcleo mediano do tálamo médio-dorsal. Está intimamente
ligado à parte anterior da ínsula , ao polo temporal, ao lobo parietal inferior e a
amígdala através do fascículo uncinado.
Damásio (1994) sustenta que o COF está envolvido, entre outras
funções, na atribuição rápida de uma determinada valência a potenciais
reforçadores, muito embora essa valência em vez de ser codificada no COF, ela
vem do sistema nervoso periférico (ou uma representação, no formato de “como
se”, do sistema nervoso periférico) sob a forma de um marcador emocional que
é usado pelo COF para guiar o comportamento.
O COF constitui o centro de integração mais alto para o processamento
da informação emocional. Têm um papel nas: (1) situações que envolvam um
ganho por incentivo; (2) nas situações em que é necessário proceder a alterações
rápidas do comportamento para adaptação a alterações ambientais.
Uma outra função importante do COF no comportamento social é a
avaliação e o rápido reconhecimento das alterações no feedback quer de fontes
externas (sociais), quer internas (emocionais subjetivas).
Quanto a estas, elas estão baseadas na capacidade para aprender com
base nas contingências. Isto é, a capacidade para avaliar possíveis
comportamentos baseados em feedbacks explícitos ou implícitos acerca de
potenciais resultados.
Esta capacidade também assegura a possibilidade de reconhecer que
alguns dos nossos impulsos poderão violar as normas sociais implícitas para o
grupo cultural no qual nos inserimos, podendo resultar em actos de censura
pelos outros.
Os estereótipos sociais implícitos e as atitudes são geradas pelo COF.
Estes estereótipos fornecem uma visão cognitiva rápida para que se possa,
instantaneamente, descodificar as situações sociais com vista a permitir
respostas comportamentais rápidas.
Deve-se Kringelbach e Rolls (2004) uma excelente revisão das funções
do COF, tendo dividido as suas funções em 4 partes (ver Figura 7):
1. representa os reforços primários concretos não aprendidos, tais como o tacto e o gosto (processados na parte ventral
posterior do COF) e reforços secundários mais abstractos e aprendidos, emanados das fontes visual, auditiva, olfativa e
multi-modais (processados na parte ventral anterior do COF);
2. detecta alterações no valor desses reforçadores com o COF mediano envolvido na monitorização e descodificação
dos valores dos reforços, enquanto que o COF lateral avalia as punições e promove as mudanças comportamentais;
3. é crítico para rapidamente reprogramar a associação entre um estímulo e o seu valor de reforço;
4. facilita as mudanças rápidas no comportamento como resultado destas alte- rações das contingências reforçadoras.

Cótice pré-frontal ventro-mediano (CPFVM)


É contíguo ao COF e está ligado à aprendizagem por reforço associativo, dado que recebe entradas de todas as
modalidades sensoriais. este córtice é o único que envia projecções para as estruturas de controlo autonómico central,
para além das projecções bidireccionais para o hipocampo e amígdala.

Córtice pré-frontal dorso-mediano (CPFDM)


O CPFDM estende-se em arco desde a área motora suplementar até ao COF. Tem um papel importante no
processamento afetivo e na auto-avaliação. No que diz respeito ao comportamento social e à personalidade a sua função
primária parece ser a regulação da interação entre a autoconsciência dos outros de modo a melhorar a sensibilidade
social.
Muito embora a capacidade para se dar conta da nossa própria experiência emocional seja, parcialmente,
mediada pelo COF, as lesões do CPFDM parecem causar défices mais profundos nesta função. Doentes com lesões
nesta região apresentam alerações profundas na experiencias das emoções positivas e negativas.

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Para uma teoria dos lobos frontais.
Os lobos frontais evoluíram para manejar a via piramidal e para implementar decisões cognitivas nas tarefas de
adaptação a um ambiente dinâmico. Os processos cognitivos e emocionais temperam os actos motores. Para manejar
estes actos é necessário um sistema flexível que possa incorporar um conjunto vasto de impulsos sensoriais, que possa
usar as funções cognitivas superiores para priorizar essas entradas e escolher a resposta mais adequada para servir as
necessidades em permanente mudança.
As regiões laterais do córtice pré-frontal são essenciais para a memória de trabalho.
As regiões ventrais e medianas, incluindo o córtice orbital, têm um papel importante no reforço relacionado
com a cognição e por isso nas tarefas que requeiram a aprendizagem e a tomada de decisões sobre estímulos relacionados
com o reforço e a punição. Para além disso, o córtice cingulado anterior, que em termos estritos não faz parte do CPF
⇾ função de monitorização dos conflitos.
Pode-se, pois, dizer que de uma maneira geral estes lobos estão envolvidos na no controlo do comportamento,
no movimento, na cognição e memória, na elaboração do pensamento e no juízo ético.
Existem vários níveis funcionais nos lobos frontais: (1) Nível
composto por neurónios localizados na área 4 de Broadman e cujos axónios
fazem sinapse directamente com os alfa-moto-nuerónios da medula espinal
ou, então, nos núcleos dos nervos cranianos. Este nível está especializado no
controlo fino dos movimentos da mão, dedos e movimentos faciais; (2) Nível
composto por neurónios situados nas áreas 4, 6 e 8 do córtice frontal e nas
áreas 5 e 7 do córtice parietal. Estes neurónios contribuem para a constituição
de 3 sistemas descendentes (um, controlando os movimentos dos membros;
outro, controlando os movimentos do corpo; e um outro, controlando os
movimentos dos olhos); (3) Nível composto por neurónios localizados
fundamentalmente no córtice pré- frontal. Este córtice tem uma influência não
específica no controlo dos movimentos, interferindo na organização temporal
dos movimentos.
A organização dos actos motores (Figura 9) envolve os seguintes
circuitos: o córtice pré-frontal (esquemas motores) envia informações para a
área motora suplementar e para os gânglios basais, bem como para o córtice
pré-motor, recebendo informações do cerebelo; a área motora suplementar
envia e recebe informações para os gânglios basais e envia as informações
que lhe chegaram do córtice pré-motor para o córtice motor para daqui saírem
para a periferia; o córtice pré-motor recebe informações do cerebelo e do córtice parietal e envia informações para o
córtice motor.

3. Lobos Temporais
Os lobos temporais estão divididos em duas regiões: lateral e ventro-mediana. A 1a sustenta as funções
cognitivas associadas a vários sistemas sensoriais, enquanto que a 2a contém a maior parte das estruturas do sistema
límbico.

Subdivisões anatómicas
Na superfície lateral do lobo temporal destacam-se 3 giros: o temporal
superior, médio e inferior (Figura 10). Os giros e os sulcos são mais variáveis na
superfície inferior, onde se podem ver 3 giros paralelos: giro temporal inferior, giro
occipito-temporal lateral e mediano (giro fusiforme) (Figura 11).
Apresenta uma heterogeneidade funcional envolvendo áreas com funções
distintas (áreas primária /secundária auditivas, área visual secundária, área sensorial
terciária, área límbica). As áreas auditivas processam sensações auditivas e percepções
auditivas e visuais, asseguram o armazenamento de longo termo das informações
sensoriais e a tonalização afectiva das informações sensoriais.
Enquanto no hemisfério dominante se processa a memória verbal e os sons da
fala, no hemisfério não dominante processa-se a memória não verbal, os sons musicais
e a informação dasexpressões faciais. As suas lesões resultam em défices da percepção
auditiva, agitação, irritabilidade, comportamento pueril e afasia sensorial.

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4. Lobo da Ínsula
O córtice insular localiza-se na profundidade da cisura lateral. Tem conexões com muitas estruturas relacionadas
com o sistema límbico, bem como com as àreas de associação sensorial. Parece que funciona como uma interface entre
as áreas sómato-sensoriais e o sistema límbico sendo por isso incluído como um componente do córtice límbico da
integração. Em conjunto com o pólo temporal e o córtice pré-frontal orbital fazem parte do córtice para-límbico.

5. Lobos Ociptais
O córtice do lobo occipital contém a área visual primária (córtice estriado)
que ocupa uma grande porção da parte mediana do lobo occipital para dentro da
cisura calcarina e os córtices visuais secundário e terciário (que constituem a área
de associação visual).

Córtice visual primário


As fibras que se originam nos corpos celulares localizados nos corpos
geniculados laterais projectam-se para o córtice visual primário, produzindo aí um
mapa da retina.

Córtices visuais secundário e terciário


Estes córtices vêm-se melhor na vista lateral e recebem entradas binoculares permitindo quer a apreciação das
3 dimensões (esteriopsis), quer uma apreciação da distância.

6. Lobos Parietais
Está envolvido em funções cognitivas de alta ordem, tais como
a percepção do espaço externo e da imagem corporal. Está dividido em
duas grandes regiões: (1) sómato-sensorial, que é anterior e engloba um
mapa sensorial do corpo (homúnculo sensorial) e está envolvida na
diferenciação das 5 sensações básicas (pressão leve na pele, pressão
forte no tecido celular sub-cutâneo, movimento articular, dor e
temperatura). A estereognosia (capacidade de reconhecimento táctil de
um objecto tridimensional) é processada nesta região destes lobos; (2)
região sómato-visceral, posterior, está envolvida na cognição
(processamento da informação sensorial), na integração trans-modal
(reconhecimento de sinaissucessivos simultâneos como uma percepção
única), na coordenação espacial (representação dos mundos espaciais visual e somático), na abstração e na manipulação
de coordenadas espaciais (representação mental). As suas lesões provocam Incapacidade de discriminação entre
estímulos sensoriais, incapacidade para localizar e reconhecer partes do corpo (negligência), incapacidade de se auto-
reconhecer, desorientação espacial e incapacidade de escrita.

7. Vias de Associação
Existem basicamente dois tipos de fibras de associação: (1) fibras de associação curtas (que deixam uma dada
área do córtice e viajam para áreas adjacentes em bandas finas mas identificáveis, imediatamente por baixo da camada

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 60


6); (2) fibras de associação longas (que emanam de uma dada região cortical e viajam em fascículos até outras áreas
corticais do mesmo hemisfério).
As principais vias de associação longas identificáveis são as seguintes:
1. Fascículo Longitudinal Superior (FLS);
2. Fascículo Arqueado;
3. Fascículo Longitudinal Mediano;
4. Cápsula Externa;
5. Fascículo Longitudinal Inferior;
6. Fascículo Fronto-Occiptal;
7. Fascículo unciforme;
8. Banda do Cíngulo.

8. Modelo da integração funcional do SNC


Alguns dados básicos da conectividade cortical: (a) uma grande proporção de conexões intra-corticais ocorrem
localmente, ligando neurónios que estão apenas separados por poucas centenas de micrometros, partilhando
propriedades de resposta semelhantes; (b) outra proporção de conexõesestende-se para longas distâncias (redes de larga-
escala), ligando neurónios em diferentes regiões corticais, assegurando que locais distantes possam interagir
rapidamente (dezenas ou centenas de mseg) (Varela et al., 2001).
Deste modo, a conectividade cortical tem um duplo papel no processamento da informação neuronal: (1) é
crítica na geração da especificidade funcional (isto é, informação) de populações celulares locais e de áreas corticais;
(2) permite a integração de diferentes fontes de informação em comportamentos coerentes e em estados cognitivos.
A organização cerebral pode ser conceptualizada como compreendendo 5 áreas funcionais principais:
I. Sistemas Reticular/Tonus/Autonómico - são sistemas essenciais para o nível de activação do organismo e para a
regulação do meio interno. As estruturas envolvidas neste sistema são: núcleo reticular talâmico que conduz o córtice e
os núcleos catecolaminérgicos ascendentes do tronco cerebral que enviam projecções de forma difusa para as estruturas
corticais e subcorticais.
II. Sistema límbico/motivação - são crucias para a participação do organismo quer na percepção sensorial, quer no
envolvimento activo com o ambiente. Estes sistemas dependem do estado emocional do organismo e da valência afectiva
dos estímulos. As estruturas envolvidas são: amígdala, sistema septo-hipocampo e a parte basal do cérebro anterior,
girus cingulado, gyrus do parahipocampo, polo temporal, córtice insular anterior e córtice orbitofrontal caudal (zona
paralimbica ou mesocórtice), núcleos talâmicos límbicos.
III. Sistemas sensoriais específicos - incluem as modalidades primárias da visão, os estímulos sómato-sensoriais e as
entradas auditivas.
IV. Sistemas efectores - incluem o córtice primário motor ideotípico, os córtices prémotor, a área suplementar motora e
o córtice cingulado motor.
V. Sistemas associativos - transcendem os domínios
específicos sensório- motores e caracterizam-se por
regiões multimodais ou supramodais que codificam os
comportamentos de alta ordem cruciais para as operações
cognitivas.

As entradas sensoriais o respectivo processamento


elementar ainda periférico seguem pelos feixes de
substância branca da medula até aos interruptores
sensoriais talâmicos para daí ascenderem ao néo-córtice
para serem processados, integrados com outras
modalidades sensoriais e com as memórias de experiências
passadas de modo a ser elaborada uma resposta.
É com base neste funcionamento sensório-motor
(no sentido da integração das entradas sensoriais com as
respostas adequadas a essas entradas) que se afirma que o
cérebro serve, em primeiro lugar para agir.
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9. O cérebro como uma rede complexa de neurónios
Estamos, no essencial, a falar de estrutura. mas o que é afinal a estrutura? O cérebro pode ser caracterizado
por estruturas anatómicas que se podem organizar de diferentes modos. Assim, o termo estrutura refere-se aos arranjos
espaciais e topológicos das conexões entre os elementos neuronais (Honey et al. 2010, 767).
Mas quando falamos de função ou de conectividade funcional as definições tronam-se mais difíceis. O conceito
de função pode-se referir, por exemplo, a funções comportamentais ou psicológicas, mas neste contexto o termo é usado
para descrever os processos neuronais que operam através das estruturas anatómicas e pelos constrangimentos
biocomputacionais temporias e espaciais que colocam aqueles processos. Esta definição permite distinguir a actividade
neuronal (por exemplo, actividade intrínseca) das estruturas anatómicas e dos seus constrangimentos.
Dois conceitos importantes: a conectividade funcional e a conectividade efectiva. Enquanto que a primeira se
refere à correlação entre a actividade de diferentes regiões (conceito estatístico) significando, por isso, que este conceito
não descreve qualquer mecanismo causal que opere entre as actividades neuronais de diferentes regiões, já o segundo
conceito apropria o impacto causal da actividade de uma região sobre uma outra.
Um aspecto importante da conectividade funcional tem que ver com a sua vinculação quer à dimensão espacial
(diferentes regiões cerebrais ligadas) como à dimensão temporal.
São, precisamente, estas características que tornam possível que a actividade cerebral intrínseca (ver à frente)
constitua uma estrutura temporal e espacial virtual com base estatística relativamente ao nível funcional da actividade
neuronal.

1. Conceito da atividade instrínseca


Este conceito refere-se ao cérebro ele próprio enquanto sistema distinto do corpo e do ambiente, os quais são
considerados extrínsecos em relação ao cérebro. O conceito de actividade intrínseca refere-se apenas e exclusivamente
à origem do estímulos e, por isso, ao cérebro ele próprio.

2. Conceito de estado de repouso (resting state)


Refere-se à ausência de estímulos específicos. Em termos experimentais, a actividade cerebral de repouso é
medida com os doentes com os olhos fechados.
Apesar do conhecimento que já temos sobre a actividade intrínseca do cérebro (actividade expontânea que não
resulta de respostas a estímulos ambientais), muito ainda está por ser conhecido. Contudo, o conhecimento que temos
tem estabelecido um conjunto de factos que assumem uma importância capital. Senão vejamos:
1. O funcionamento da actividade intrínseca cerebral constitui a maior fonte de gasto energético, já que o gasto adicional
gerado pela actividade evocada por tarefas não é muito elevado (Raichle, 2010, entre outros).
2. Um aspecto curioso deste tipo de actividade é o facto de ela estar presente mesmo em ocasiões que a consciência não
está presente, como acontece em humanos anestesiados (Greicius et al., 2008).
3. Os padrões de coerência dos estados cerebrais de repouso respeitam os padrões de conectividade anatómica mas não
se restringem a eles.
4. A força da coerência entre os nós dentro dos sistemas varia com a idade (Fair et al., 2007, 2008), com a experiência
(Lewis et al., 2009) e com a doença (Zhang and Raichle, 2010).
5. Apesar de os maiores sistemas cerebrais poderem ser identificados pelo seu padrão único de coerência espacial (ver
Figura 16), eles operam de modo integrado.

3. Redes de repouso funcionalemente conectadas


Foram identificadas as seguintes redes de repouso funcionalmente conectadas: (1) default mode network; (2)
rede cíngulo-opercular; (3) rede fronto-parietal; (4) rede dorsal da atenção; (5) rede ventral da atenção; (6) rede
cerebelosa; (7) rede de saliência; (8) rede sensório-motora; (9) rede visual; (10) rede auditiva.
Três destas redes cerebrais são críticas para a função cognitiva: (1) default mode network (DM); (2) rede fronto-
parietal (FP); (3) rede cíngulo-opercular (CO); (4) rede saliência (SA)
A DM parece estar envolvida na sustentação de funções tais como auto-avaliação, planificação, pensamento
independente das tarefas, e atenção às tarefas emocionais internas e diminuiu a sua activação no decurso da execução
de tarefas cognitivas (Broyd et al., 2009). A rede CO inicia e mantém o enquadramento durante o desempenho de uma
tarefa, pensando- se que está apta a detectar erros no comportamento assinalando a possível necessidade de ajustamento
da uma estratégia cognitiva (Becerril et al., 2011). As regiões da FP têm sido referidas como a rede do controlo executivo
Luiza Razuk Freitas 2019/202o 62
(Xie etal., 2012), estando envolvidas na incorporação do feedback de outras redes para fazer ajustamentos no
processamento de tarefas cognitivas futuras.
Para além destas redes, a rede da salinência (SA) (córtice cingulado fronto-anterior, córtice pré-frontal anterior
e a ínsula anterior, Figura 21) tem um papel no recrutamento de áreas cerebrais relevantes para o processamento da
informação sensorial (Palaniyappan and Liddle, 2012).

10. Síntese
O cérebro espacializa e temporaliza. Isto é, estas acções descrevem que as alterações que o cérebro sofre em
resposta a estímulos externos e á sua própria actividade intrínseca são colocadas nos seus respectivos contextos espacial
e temporal. O conjunto de todos os estímulos com o seu contexto espacial cria uma matriz espacial, grelha ou estrutura
que opera através de pontos discretos do espaço físico do cérebro. O mesmo estímulo ou outros estímulos são colocados
em diferentes pontos no tempo físico. Colocar um único estímulo no seu contexto temporal particular torna possível que
esse estímulo se ligue e relacione com outros estímulos nos pontos discretos do tempo físico. Isto resulta numa matriz
temporal, grelha ou estrutura que opera através de distintos pontos no espaço físico.

Luiza Razuk Freitas 2019/202o 63

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