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Nas últimas décadas o conceito de Saúde tem sido ampliado, para que
possamos responder a superação do paradigma biomédico os sujeitos atendidos
devem ser compreendidos em sua integralidade e como protagonistas de seus
processos de cuidado. Tais processos ocorrem através de redes, no desenho inicial do
próprio Sistema Único de Saúde foram pensadas redes formais para responder essa
demanda. No entanto, a superação ultrapassa equipamentos de Saúde formais e assim
emerge a necessidade de reinvenção das formas de cuidado, alguns agentes
(trabalhadores e/ou pesquisadores) vêm buscando espaços permeados pela prática
profissional do cuidado através de operações biopolíticas, realizando assim o “trabalho
vivo em ato” (MERHY et al, 1997;2022). Considerando nessas redes os locais onde a
produção de vida ocorre, o conceito das Redes Vivas tem sido engendrado por
pesquisadores do SUS, acionando a ideia de redes que vão além das articulações
entre as instituições formais e os estabelecimentos de saúde, e que consideram um
plano comum entre os diversos atores que as compõem.
Desde sua implementação o Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS) passa por
desafios, em um país com uma dimensão geográfica continental e com grandes
desigualdades sociais e pluralidades culturais. Estes desafios encontram-se
acentuados atualmente pelo sucateamento e desmonte do SUS, bem como pela
constante perda de direitos das populações atendidas pelos equipamentos de saúde
públicos devido ao atual governo necropolítico.1
Já no final do século passado a hegemonia de modelos hierarquizados que
prestigiam o saber médico tem sido questionada. A 8ª Conferência Nacional de Saúde,
que posteriormente influencia a criação do SUS, marca o surgimento do conceito
ampliado de saúde nas linhas de cuidado no Brasil. Essa nova abordagem tem gerado
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Necropolítico: Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo negro, historiador, teórico político
e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em 2003, escreveu um ensaio questionando
os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. (PONTE, 2019)
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implicações nas políticas públicas e na própria pesquisa e produção de conhecimento
em Saúde.
No âmbito das políticas públicas, o SUS - criado como um projeto que pudesse
acompanhar tal ampliação - partiu de princípios e diretrizes instaurados juntos a ele na
Carta Magna de 1988. Dentre as diretrizes e princípios do SUS estão previstas a
integralidade e intersetorialidade, e para que ambas possam ser efetivadas também é
prevista a organização dos serviços de saúde em rede. Concomitante à implementação
do sistema no território nacional discussões sobre a descentralização e
desierarquização da gestão têm sido realizadas.
Quanto à produção de conhecimento em Saúde, as ciências humanas,
especialmente as perspectivas da filosofia e das ciências sociais, têm contribuído cada
vez mais com as discussões contemporâneas sobre o cuidado. Muitas produções
propõem a discussão do trabalho na saúde como uma prática baseada em uma política
de valorização da vida, tal como o pensamento da biopolítica, a partir de autores como
Deleuze, Guattari e Espinoza. Nesse âmbito, destacam-se as produções brasileiras
que fazem uma transversalização entre áreas dos saberes, como a de Franco & Merhy
(2014) que discute o processo de trabalho em saúde tendo como conceito central o
trabalho vivo no âmbito micropolítico.
O “trabalho vivo em ato” é um conceito amplamente abordado por Merhy (1997;
2002) na área da Saúde, ele se dá quando o encontro entre o profissional de saúde e
as populações atendidas ocorre com certos graus de liberdade. Através do
engendramento de processos micropolíticos, onde ocorre a promoção de cuidado e
essa forma de efetuar o cuidado é proposta como uma tecnologia leve e relacional
(FEUERWERKER, 2014, pp.40-41). Merhy (2016) propõe o trabalho vivo em ato como
uma das formas de estar ‘fora dos muros institucionais’ e trazer o cuidado para o
campo das multiplicidades.
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disputas e desavenças, vão indicando a produção de vida
(MERHY et al, 2016, p.35).
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Foram expostos alguns apontamentos sobre a noção e a presença das redes vivas no
agir profissional da Terapia Ocupacional pelo viés biopolítico do cuidado e suas
multiplicidades. Contribuindo para uma maior exploração desta temática, incentivando
a potência criadora do trabalho vivo e aproveitando a proximidade da atuação desta
categoria com o cotidiano dos sujeitos atendidos.
Com isso foram expostos alguns apontamentos sobre a presença de redes vivas
nas práticas da Terapia Ocupacional, contribuindo para uma maior exploração desta
temática, incentivando a potência criadora do trabalho vivo e incrementando a
composição de nossas redes de apoio e cuidado para além das estruturas
institucionais já conhecidas.
A abordagem da temática das redes vivas aqui proposta toca alguns pontos que
permeiam essa discussão: os processos de cuidado como eixo central do agir em
saúde, as multiplicidades das formas de se inscrever nestas redes e por fim, as redes
propriamente ditas com suas características já conhecidas, a fim de facilitar o seu
reconhecimento na prática dos terapeutas ocupacionais. Estes três aspectos citados
coexistem em distintos planos relacionais, e também se interligam e podem ser
acessados em qualquer ordem ou parte conforme suas configurações rizomáticas de
produção de conhecimento.
Os processos de cuidado constituem um eixo importante no trabalho em saúde,
onde todos os atores encontram-se evidenciados, sejam eles cuidadores ou sujeitos a
serem cuidados. Tais processos convidam os profissionais da saúde à implicação e
reconhecimento da singularidade deste outro (Ballarin, Carvalho & Ferigato, 2010,
pp.445;447). Quando se faz possível responder às demandas relacionais nos
processos de cuidado, temos a produção do trabalho vivo em ato, através de relações
micropolíticas.
No entanto, ainda que tenhamos um foco nas relações micropolíticas do trabalho
em saúde, devemos considerar que não há uma única ideia de cuidado. Podemos
pensar o imaginário do cuidado como “um conjunto de noções de cuidado que se unem
por aspectos básicos, por narrativas formativas, cuja influência perdura através dos
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tempos e por diversos temas recorrentes” (Zoboli, 2004 apud Ballarin, Carvalho &
Ferigato, 2010, p.446). Tomamos aqui o trabalho vivo na saúde como eixo norteador
das discussões dos processos de cuidado, uma vez que estamos considerando que os
trabalhadores “atuam sob linhas de força agenciadas por uma ética do cuidado”, e que
tenham suas atividades presididas por altos graus de liberdade. (FRANCO & MERHY,
2012,p.152).
Dessa forma, os processos de cuidado se dão no agir em saúde por meio de
tecnologias relacionais leves, que levam em conta uma imaterialidade (Gonçalves,
1994 apud FRANCO & MERHY, 2012,p.153) e baseiam-se nas relações micropolíticas.
A inventividade e liberdade requisitada por esse trabalho ocorre devido às
singularidades dos sujeitos a serem assistidos e seus contextos, o que leva o
profissional da saúde a traçar um plano em comum com os diversos atores tendo em
conta as multiplicidades ali envolvidas, incluindo-se como parte una deste múltiplo
(Deleuze e Guattari, 1996).
As multiplicidades engendradas dentro do próprio contexto de trabalho vivo, que
leva em conta o respeito às diferentes formas de ser e estar no mundo, tomando como
princípio a produção de vida, gera então múltiplas formas de se exercerem tais
processos. Considerando a subjetividade como produtora de realidade em saúde
(FRANCO & MERHY, 2012, p.152) valorizam-se as multiplicidades das realidades de
mundo para os atores envolvidos nestes processos. Tendo em vista o agir da Terapia
Ocupacional no cotidiano das populações por ela atendidas, pode-se considerar sua
produção de subjetividade, fazendo destas redes composições múltiplas e
heterogêneas, que tentam agenciar a criação de um plano comum.
As redes micropolíticas (FRANCO, 2006) ou aquelas onde é possível operar o
trabalho vivo em ato (MERHY et al, 2016) aqui serão denominadas como redes vivas,
são estas o cenário imanente ao engendramento do plano comum que abarca essa
multiplicidade. Essa imanência nos processos de cuidado, não questiona a existência
dessas redes, mas sim dedica-se a pensar sua composição, acesso e formas de
operação (FRANCO & MERHY, 2012, p.161).
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A proposta da rede como rizoma - conceito apropriado da botânica por Deleuze
e Guattari (1996) como modelo descritivo, fazendo alusão ao crescimento horizontal de
caules, que se ligam por diversas direções -, permite pensar nas conexões
multidirecionais e no fluxo contínuo presentes nas redes; nos processos de rupturas e
não rupturas, onde os rompimentos não significam o fim de uma rede, mas sim sua
reconfiguração; no comprometimento com a heterogeneidade dos atores componentes
dessas redes, assim como a multiplicidade baseada em um princípio de não exclusão;
e no seu caráter cartográfico (FRANCO & MERHY, 2012, p.152; FRANCO, 2006,
pp.9-10).
A característica cartográfica das redes, por sua vez, dispõe de um mecanismo
de autoanálise e autogestão, onde os fluxos multidirecionais de uma rede se
engendram em mapeamentos próprios que só podem ser analisados pelos atores que
a compõe (FRANCO, 2006, p.9). E tendo em vista a produção de subjetividade
implicada nestes processos, esse projeto de pesquisa propôs aproximar-se dessa
produção através da voz de terapeutas ocupacionais, adotando a entrevista como
procedimento para a realização de uma cartografia das multiplicidades do cuidado
através das redes.
Diante das temáticas abordadas nesta pesquisa e a vasta gama de
possibilidades e caminhos, fixamos como objetivo geral deste estudo: a exploração do
conhecimento sobre as redes vivas e a percepção da presença delas na prática dos
terapeutas ocupacionais, considerando-as propícias ao exercício do trabalho vivo,
através da valorização dos processos de cuidado em sua multiplicidade. A partir dos
enunciados produzidos por terapeutas ocupacionais nas entrevistas realizadas alguns
apontamentos foram expostos, incentivando a potência criadora do trabalho vivo e
considerando para a composição das redes de apoio e cuidado, para além das
estruturas institucionais já conhecidas.
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METODOLOGIA
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uma inversão do pensamento hegemônico presente na pesquisa moderna, como uma
estratégia no mapeamento dos trajetos de quem se acompanha:
Para efeito deste estudo, como ponto de partida para o mapeamento optou-se
por entrevistas individuais, realizadas com três terapeutas ocupacionais. O convite a
esses profissionais foi composto através de uma amostragem por acessibilidade (GIL,
1989, p.97), tendo como critério único o de que não fossem do mesmo serviço e
atuassem ou tivessem um histórico de atuação em equipamentos públicos de saúde
pelo interesse de compor a pesquisa na relação com as políticas públicas de saúde (do
Sistema Único de Saúde). A entrevista foi realizada por pautas, que, segundo GIL
(1989, p.117), é um procedimento adequado para quando é necessária uma maior
flexibilização sem abandonar uma estruturação por tópicos estabelecidos dentro de
uma temática. Assim, foi formulado um roteiro (Anexo I) com as pautas que foram
abordadas, ordenadas de modo a guardarem relação entre si e promovendo a
condução da entrevista.
Tais pautas do roteiro de entrevista também estão de acordo com os três pontos
de discussão que se propôs trazer a essa cartografia: o cuidado, as multiplicidades e
as redes propriamente ditas. A apresentação teve como função colocar cada
entrevistado neste plano cartográfico de pesquisa convocando sua narrativa a partir do
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resgate de sua trajetória profissional. Já os tópicos que abordam o cuidado e as redes
se dão de forma mais direta, apontados como pautas da entrevista. Simultaneamente,
apostou-se no aparecimento espontâneo das multiplicidades nas falas dos
entrevistados e na própria pluralidade do conjunto dessas como material a ser
analisado.
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REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS
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MAPEAMENTO
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ATORES DE UM PLANO COMUM
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A tabela a seguir resume a apresentação onde os terapeutas ocupacionais
falam sobre a formação e atuação profissional:
Formação em Terapia
Profissional Ocupacional Outras formações Atuação profissional
Caps, Ambulatórios,
Aprimoramento em Saúde Mental
Acompanhamentos
Graduação pela Multiprofissional e formação em
D terapêuticos, cargos de
Faculdade de Medicina psicanálise, incluindo mestrado e
gestão na Rede de
da Universidade de São doutorado em andamento
Atenção Psicossocial
Paulo
Graduação em Filosofia pela Saúde Mental: Caps IJ
K
Universidade de São Paulo e Caps Adulto
Centro especializado
Residência em Terapia Ocupacional
de reabilitação, clínica
Graduação pela Hospitalar e Promoção de Saúde da
multiprofissional,
G Universidade Federal população idosa, Especialização em
atendimento de home
do Espírito Santo terapia de mãos e mestrado
care em reabilitação
interunidades
física
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interpretação. Ao final do último tópico elucidei o conceito de trabalho vivo e redes
vivas para cada um dos entrevistados.
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O QUE SE ANALISA CARTOGRAFANDO?
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A própria organização formal desse estudo enquanto um trabalho acadêmico
acaba por trazer alguns desafios para conseguir propor um mapeamento de
conhecimentos rizomáticos, mas ainda assim, é feita aqui a tentativa de convocá-los.
Fazendo uma breve aproximação daquilo que vem a seguir, os tópicos dispostos
desde o início dessa pesquisa, não trazem uma divisão em pautas colocadas como
norte, sul, leste ou oeste. Pois propõem um mapeamento dinâmico, relacional, de fluxo
e movimentos. Assim:
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CUIDADO: O EIXO CENTRAL DO AGIR EM SAÚDE
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aspectos básicos e narrativas formativas duradouras, independente da passagem do
tempo e da recorrência das temáticas (Zoboli, 2004 apud BALLARIN, CARVALHO &
FERIGATO, 2010).
A discussão e análise deste tópico irá seguir as mesmas temáticas abordadas
nas perguntas do roteiro que foram feitas aos entrevistados. São então trazidas aqui as
respostas dos entrevistados sobre itinerários de processos de cuidado, autonomia e
produção de vida, paralelos a conceitos e aproximações da literatura de referência
deste estudo.
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ideia é essa: Qual é o tipo de cuidado que a pessoa precisa? Se é
um cuidado intensivo ou mais pontual, um acompanhamento que
é mais esporádico. Isso vai ser determinado a partir da
necessidade do sujeito (Terapeuta Ocupacional D.).
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Ainda em relação à possibilidade de pensar os itinerários de cuidado em redes
não circunscritas aos serviços de saúde e convergentes para a proposição das Redes
Vivas de cuidado, D. aponta:
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Eu acho que tenho uma população significativa de mulheres que
tem uma busca pelo cuidado mais prévia e acho que tem uma
rede de serviços que não responde tanto, nem tantos dispositivos.
Tenho uma população de homens que não tem tanta busca pelo
cuidado, assim, prévio. E eu tenho crianças com deficiência que
já tem um percurso muito grande de cuidado através das mães e
que estão lá por ter esgotado os outros lugares por onde eles
passaram. Pacientes particulares eu acho que tem uma relação
totalmente diferente, pela questão socioeconômica e cultural
(Terapeuta Ocupacional G.).
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da saúde aproximando-se da ideia de uma disposição do sujeito na relação com os
outros, tal como nossa entrevistada K. coloca ao citar Tykanori, um grande colaborador
da luta antimanicomial: “Eu gosto da definição do Tykanori, autonomia tem a ver com
quanto mais relações de dependência você cria com pessoas, com instituições, com
locais de pertencimento. Isso que é autonomia”. Vale ressaltar que essa noção é
complexa e, à despeito de não ser trabalhada com destaque nesse estudo, ela pode
ser entendida fora da circunscrição do sujeito, numa relação de ruptura com os
sistemas de dominação capitalística que desconsideram as formas de trabalho
presentes no contexto neoliberal que nos encontramos hoje (BERARDI, 2003).
É presente também no campo da Saúde uma ideia de autonomia tida como algo
intrínseco dos sujeitos atendidos. Quando Pires (2015) aborda a dimensão política do
cuidado, fala de seu potencial disruptivo, que pode trazer aos sujeitos tanto a
emancipação para a autonomia quanto a manutenção da tutela dos cuidadores.
Podemos considerar que essa visão da autonomia como o oposto da tutela é muito
presente no campo da reabilitação psicossocial e na própria Terapia Ocupacional. O
resgate da autonomia é tido então como uma aquisição da cidadania, neste contexto
de abordagem. Essa noção que coloca a autonomia em um desenho de contraposição
à noção de tutela permeia a fala dos entrevistados:
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O conceito de autonomia surge nesta pesquisa a partir da pergunta proposta no
roteiro de entrevista: “Pensando o encontro entre o terapeuta e o sujeito/população
atendida como surge a autonomia no processo de cuidado?”. O questionamento foi
feito com o objetivo de entender os graus de liberdade em que é exercido o trabalho do
cuidado em saúde, assim como a compreensão do protagonismo dos sujeitos
atendidos em uma relação que por vezes pode ser permeada por hierarquias devido ao
lugar do profissional da saúde nessas relações. Nesse ponto, vale também notar a
proximidade da ideia de autonomia com a de um voluntarismo, que implicaria em
reconhecer a emergência do sujeito na relação com a sua vontade particular. Seria
importante considerar a relação entre a vontade do eu e a experiência com as
singularidades como uma possibilidade crítica para pensar também a noção de
autonomia na clínica (GUATTARI & ROLNIK, 1986 ).
O nomadismo dos usuários se faz imanente às redes vivas e ao cuidado como
resultado do trabalho vivo em ato ”O (seu) usuário é um nômade pelas redes de
cuidado e um forte protagonista de sua produção” (LANCETTI, 2006 apud MERHY,
2016 p.34). A autonomia do “andar a vida” como destaca Feuerwerker (2014) na
citação a seguir, é algo que torna possível o surgimento das redes vivas tecidas no
processo de cuidado pelos próprios sujeitos atendidos:
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observação, que responde à visão que a hierarquia do conhecimento profissional por
vezes pode trazer: “A gente não tem como gerar autonomia no outro, a gente não tem
como gerar desejo no outro, mas a gente tem como favorecer várias coisas.” Nesta
mesma linha de raciocínio, G. também relaciona a prática profissional à produção de
vida:
E mais uma vez eu falo, eu acho que não produzo muita coisa no
outro, eu não gero vida no outro, mas acho que as relações
podem muita coisa. E acho que uma relação terapêutica pode
favorecer muita coisa. É de desejo, de querer estar ali, de
conseguir ver um sentido assim (Terapeuta Ocupacional G.).
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Uma vez que em outros espaços, fora do âmbito da saúde, o reconhecimento da
produção de vida seja mais demarcado, como coloca Merhy (2016):
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Já o entrevistado G. fala o quanto acompanhar o processo de cuidado e
produção de vida de um usuário compôs sua própria formação enquanto profissional:
Eu lembro que fui atender um paciente que pra mim era muito
difícil, e isso foi me dando uma insegurança também. E nesse
momento eu já tava contando mais com o suporte dele. E eu
lembro que um dos pacientes que tive que atender, foi um rapaz
de 19 anos na época, que era de uma região do nordeste e ele
sofreu um acidente de moto e ele ficou tetra. Ele ficou uns seis
meses sem cuidado nenhum e ele foi pra esse centro de
reabilitação e eu que ia atender. Ela (preceptora) falou "Você vai
avaliar e você vai aprender." Ele tava começando abrir uma
escara quando ele ficava sentado. E eu pensando como
estagiário que eu não tinha como fazer. Eu pensando muito no
fazer da Terapia Ocupacional. O que ele vai fazer? Ele não tinha
movimento nenhum, ele tinha um pouco de tenodese. Mas eu fui
questionar algumas coisas, aí eu montei um questionário,
pensando já que só ia fazer o questionário e não vou atender
esse cara. Eu fui fazer avaliação e eu lembro que pensei em
alguma coisinha de mão que ele podia mexer, e fiz uns
cartõezinhos que tinham a ver com a vida dele, pra ele poder
estender um pouquinho pra colocar no pregador. [...]
E eu pensei "eu preciso ir junto com esse menino, ir junto com ele
descobrir o que fazer". Eu lembro que eu sentava pra conversar
com ele, pensava algumas coisas. Aí eu lembro muito que na
minha cabeça muito fechadinha, se a gente fosse pensar na
avaliação motora eu não conseguiria escrever, mas pensando o
pouco de movimento que ele tinha tava com um pincel, os pincéis
mais grossos no bolso e aí eu falei "T. não fica frustrado, quero
ver se você consegue fazer a preensão." E ele foi e conseguiu
escrever, escreveu meu nome, fez um desenho e a partir disso
comecei a trabalhar com pincel com ele. E uma vez ele falou
assim "Nunca tinha pintado um quadro e agora to pintando um
quadro, não fazia isso". Isso começou a despertar bastante coisa
e eu comecei a pensar "O que eu posso fazer com o outro? Para
além do que eu já tenho pré estabelecido em mim" E eu lembro
muito assim, no meu TCC, eu usei isso assim. E os alunos da
graduação foram fazer entrevista com ele, e eles perguntaram
sobre a Terapia Ocupacional pra ele e foi a fala que eu usei no
meu TCC também e ele fala bem assim "Mais do que não me
mexer, não conseguir me expressar tava me matando. Com o G.
eu consegui escrever, pintar quadro"_ eu levava tablet e ele
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conseguia tocar no teclado virtual _"Consigo me expressar e
agora eu me sinto vivo ". (Terapeuta Ocupacional G.).
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uma avaliação da própria vida, o que acha que faz bem para
poder exercer esse cuidado. E acho que isso tem muito a ver com
a perspectiva do Caps de produção de vida (Terapeuta
Ocupacional K.).
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de troca, valores que são da ordem do capital, das semióticas
monetárias ou dos modos de financiamento. Eles funcionam
também através de um modo de controle da subjetivação, que eu
chamaria de “cultura de equivalência” ou de “sistemas de
equivalência na esfera da cultura”. Desse ponto de vista o capital
funciona de modo complementar à cultura enquanto conceito de
equivalência: o capital ocupa-se da sujeição econômica, e a
cultura, da sujeição subjetiva. E quando fala em sujeição subjetiva
não me refiro apenas à publicidade para a produção e consumo
de bens. É a própria essência do lucro capitalista que não se
reduz a mais valia económica: ela está também na tomada de
poder da subjetividade (GUATTARI, ano, p.15).
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MULTIPLICIDADES: ATORES DE UM PLANO COMUM
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seus processos de cuidado, a noção de multiplicidade sendo algo distinto a processos
identitários pode nos ajudar a passar por essa questão. Pois não partiremos das
nossas diferenças com os sujeitos atendidos, mas o que temos em semelhança e os
planos que compomos junto a eles.
Segundo Silva (2002), que postula afirmações pautadas na filosofia da diferença
de Gilles Deleuze:
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sejam eles sujeitos atendidos, seus familiares, amigos, instituições pelas quais
passaram, momentos outros deste profissional em sua formação. Ainda que os
terapeutas ocupacionais tenham sido aqui, de certa forma, os olhos do processo
vivenciado, muitos outros atores o compuseram.
Assim como esta pesquisa, que é escrita por uma terapeuta ocupacional em
formação, mas é composta por diversos atores que colaboraram com seu
mapeamento, alguns com consciência de sua participação e outros trazidos através de
um resgate subjetivo materializado através da experiência da fala. Ao me incluir e me
considerar como parte atuante desta pesquisa, assumindo minha implicação, e
considerando todos os aspectos que pude alcançar, valorizo as multiplicidades dos
processos, que são processos de cuidados que compõem as redes vivas.
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REDES E TERAPIA OCUPACIONAL: CAMADAS, BARREIRAS E POROSIDADES
As Redes Vivas estão presentes neste estudo como tema central e assim geram
um movimento disparador de outros aspectos. No roteiro de entrevista foi reservado um
terceiro tópico com três questionamentos que auxiliaram na elaboração de um
mapeamento dos conceitos e percepções que os profissionais têm sobre redes, de
forma geral. Além disso, foram acrescentadas no momento de realização das
entrevistas algumas perguntas a partir de respostas dos entrevistados. Tais
questionamentos ajudaram a compor o mapeamento dessa cartografia.
São esboçados diálogos com as entrevistas, através de associações destas com
o referencial teórico. Ainda que para Deleuze e Guattari (1996) o conhecimento seja
tomado como algo rizomático, no que diz respeito ao acesso e estrutura, destaco que é
interessante acompanhar o quanto cada novo tópico acrescenta no mapeamento sobre
os diferentes olhares em relação às redes. E de forma geral, as perguntas colocam um
horizonte para a construção da resposta, mas não a delimitam. Entre uma questão e
outra são recuperados temas abordados anteriormente e são feitas conexões com
outras temáticas exploradas neste estudo, pois o rizoma se dá através dessa conexão
de todo o conteúdo.
No que tange os referenciais teóricos deste estudo, o texto disparador do
conceito de redes vivas foi “Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais
da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em
saúde” de Emerson Merhy (2016) que levou ao conhecimento de outra produção do
autor em colaboração com Túlio Franco (2012) “Cartografias do trabalho e cuidado em
saúde”, Franco possui também um artigo muito importante para este estudo “As redes
na micropolítica do processo de trabalho em saúde” . Tomamos aqui redes rizomáticas
e redes micropolíticas como conceitos aproximados de redes vivas, conforme as
discussões apresentadas na introdução. Além disso, é válido destacar que as redes
vivas foram abordadas através do olhar do trabalho em saúde, mais precisamente da
Terapia Ocupacional, tomando como aspecto central o cuidado.
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A primeira questão deste tópico foi “O que são redes para você? É possível
relacioná-las com a atuação da Terapia Ocupacional?” Cada um dos entrevistados se
ateve ao questionamento de uma forma distinta, por tratar-se de uma questão
complexa. As respostas foram inicialmente construídas de acordo com aquilo que mais
se destacou da questão para cada um deles. A entrevistada K responde relacionando
diretamente a Terapia Ocupacional com as redes, sem apresentar uma definição
destas em um primeiro momento, retomando o conceito de autonomia de Tykanori,
trazido anteriormente:
Acho que sim. As redes... não é só possível relacionar com a
atuação da T.O, é um dos objetivos de uma perspectiva da T.O,
entendendo que a T.O tem a ver com autonomia. O trabalho da
T.O, em qualquer área que seja, tem a ver com a autonomia dos
sujeitos. Então para dar a autonomia para os sujeitos é preciso
fazer redes, voltando aquele conceito do Tykanori, quanto mais
dependente eu for de várias pessoas, várias instituições, quanto
mais espaços de circulação eu tenho para exercer essa
dependência, mais autônomo eu sou. Como o trabalho da T.O na
minha visão tem a ver com autonomia, acho que as redes são
fundamentais (Terapeuta Ocupacional K.).
Essa busca que K. nos diz que o Caps realiza responde ao convite feito por
Merhy (2016):
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produz, cruza, dialoga, tenciona, olha, se afeta, cheira, brinca,
canta, dança, salta, equilibra, chora, ri, namora, reza, trabalha –
enfim, produz existências desconhecidas e/ou não incluídas nos
projetos terapêuticos institucionais (p.36).
Para Merhy (2016) o reconhecimento das redes que vão além de serviços
institucionais, que a entrevistada K coloca como ”pessoais, família, amigos, colegas,
trabalho [...] igreja” , é um reconhecimento dependente do trabalho vivo em ato:
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enclausurada, mesmo não estando dentro de um hospital
psiquiátrico. A gente vai avaliar a condição de vida e de saúde
pelo laço social e um outro jeito de falar sobre isso é falar em
rede. É assim, a estabilidade do sujeito, a estabilidade
psicossocial, tem a ver com a produção de laços. A gente vê isso
assim. E quando a pessoa tá mal ela começa a romper com as
pessoas, com as unidades que ela tem vínculo (Terapeuta
Ocupacional D.).
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Acho que as redes estão totalmente relacionadas à atuação da
Terapia Ocupacional, quando eu penso em um sujeito de direitos,
um sujeito de vontades, um sujeito de interesse, um sujeito cheio
de necessidade. E isso não é só saúde que vai responder, não é
só a minha atuação que vai responder. Eu acho que a saúde, a
educação, as questões sociais. Eu acho que é isso. A gente
precisa estar integrado, se a gente quer trabalhar com um sujeito
que é integral, um sujeito inteiro, um sujeito que é múltiplo e que é
plural. Acho que não tem como dissociar, é muita relação com a
Terapia Ocupacional (Terapeuta Ocupacional G.).
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propriamente dita acontece, compreender a produção de subjetividade e singularidade
de cada sujeito.
Muitas vezes existe uma gangorra da hierarquia que tende sempre a colocar os
profissionais em evidência e ignorar os saberes de vida das pessoas que
acompanhamos. E assim, o trabalho vivo em ato se perde, pois dispensamos partes de
importância subjetiva nos processos de cuidado. E não que os terapeutas ocupacionais
sejam mais habilitados que outras categorias profissionais, mas por usarmos
elementos do cotidiano como parte da nossa própria atuação e isso ser algo presente
em nosso processo de formação acabamos desenvolvendo um olhar mais sensível a
conhecimentos vivos e assim tendemos a manter essa balança em maior equilíbrio.
Não que por vezes, esse processo se perca e muitos terapeutas ocupacionais atuem
de formas enrijecidas e serializadas.
Busca-se assim, através de redes vivas, trazer uma maior simetria ao encontro
dos profissionais com os sujeitos atendidos, como provoca Merhy (2009) sobre as
redes de cuidado pautadas em lógicas de saberes profissionais:
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Eu acho que se a gente for pensar em redes na questão de
arranjos organizativos de serviços de saúde que tem uma questão
de apoio técnico, gestão, para que funcione de forma a responder
a integralidade do sujeito... [...] E por mais que eu faça qualquer
tipo de crítica, a rede eu acho que é o que a gente tem de melhor
na saúde, que a gente pode aperfeiçoar a partir delas. Mas
quando a gente pensa realmente em rede, a gente pensa na
integralidade. A gente pensa num sujeito que é plural, num sujeito
que não tem só demanda de saúde, hoje ele tem demanda de
saúde, amanhã ele tem demanda social. Acho que N demandas e
N momentos de vida. Se eu pensar em rede eu penso nisso, a
articulação entre esses dispositivos que podem ser acessados por
esse sujeito, mas que esses dispositivos também se conversem,
sejam realmente integrados (Terapeuta Ocupacional G.).
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Hoje eu tô mais distante, assim, da rede. Quer dizer, no
consultório, em qualquer trabalho que você faz na clínica você
pensa na perspectiva da rede. Mas assim, quando eu tava
trabalhando no Caps, ou supervisionando os serviços como o
Caps, esse pensamento de discutir a rede era o tempo todo.
Por exemplo, você está lidando com um caso que vem
encaminhado de um serviço tal e às vezes é um caso que não
consegue chegar e você precisa fazer um atendimento
compartilhado. Até esse usuário aceitar vir pro Caps você faz um
atendimento lá. Então o trabalho em rede é uma necessidade
mais frequente (Terapeuta Ocupacional D.).
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de contratualidade dos usuários assim (Terapeuta Ocupacional
K.).
Como eu te falei, eu acho que é isso. Eu não vou entrar nas redes
vivas não, mas eu acho que as redes vivas tem uma questão de
ser fragmentadas, elas não são perfeitas, elas também quebram.
Mas elas tem um movimento maior para se refazer [...] (Terapeuta
Ocupacional G.)
Tal afirmação de G, está de acordo com o que é trazido por Merhy (2013a)
quando refere uma das características das redes vivas:
46
cotidiana. A gente tem uma reunião que chamamos de reunião de
rede. A gente tem fóruns intersetoriais onde junta todo mundo da
reabilitação para tentar conversar, tentar entender o que o serviço
oferece pro sujeito. A gente tem às vezes o matriciamento,
discussão de caso, a gente coloca. Tenta chamar a UBS, atenção
básica e especializada, a escola, a família. Tenta se envolver, só
que não é algo fácil, não é algo que está posto, ainda é frágil. Às
vezes ainda tem "aquele pessoal do CAPS" e "aquele pessoal do
CER" não é uma coisa que tem um movimento de se juntar, mas
a gente precisa fazer esse movimento, por que não há outra
forma de se responder às necessidades do sujeito para se
trabalhar em rede. A gente recebe muitos usuários que tão no
CER mas que também tão no CAPS. Usuários que tão no CER,
estiveram na UBS e precisam voltar para a UBS, mas quando
eles tão no CER as vezes eles elegem como local principal de
cuidado. E quando tiver alta do CER, sabe? "Ahh não tenho mais
nada a ver com isso porque ele vai ter alta" Então a gente precisa
estar conversando o tempo todo, articulando e pensando em
ações mesmo, que vão responder às necessidades múltiplas
desses sujeitos. Então não existe outra forma de se trabalhar. É
difícil, tem que melhorar ainda, mas a gente tá no cotidiano e é o
que se tem para se trabalhar ainda (Terapeuta Ocupacional G.).
Franco (2006) considera que há uma radicalização quando se está dentro de uma
organização trabalhando com redes micropolíticas nos processos de trabalho em saúde. Usa
da mesma figura que Deleuze e Guattari apropriaram da botânica na obra Mil Platôs Vol.1, o
rizoma, para descrever as conexões rizomáticas das redes no que tange a produção de vida:
47
intenção de motivar estes terapeutas ocupacionais a exporem uma visão mais
panorâmica dessas redes.
A entrevistada D. pensa em um aspecto mais territorial das redes, o que em sua
experiência com gestão e assessoria de serviços de saúde mental em toda a região
metropolitana da cidade de São Paulo ganha bastante importância para ela, no que
trata da composição das redes:
48
Feurwerker (2014) pontua que um importante exercício de autoanálise para o
setor da Saúde é problematizar o pŕoprio posicionamento dos trabalhadores de saúde
em relação aos usuários. Para Franco (2006) as redes possuem um caráter
autoanalítico, tanto para o micro quanto o macro. E a discussão sobre a relação entre
os sujeitos e territórios, trazida pela terapeuta ocupacional D., contempla o que Merhy
(2004) coloca como um mapeamento:
49
Aproximando-se mais da camada de relações interpessoais das redes, K. fala
sobre redes nocivas e como usuários que ela acompanha tecem relações que podem
ser benéficas ou não para seus processos e como ela procurar intervir nestes casos:
50
PISTAS CARTOGRAFADAS
51
entanto, quando compreendemos que este exercício foi realizado utilizando-se da
multiplicidade e auto análise, compreendemos que os profissionais incluiram-se nesses
processos e validaram esse protagonismo das populações por eles atendidas. A partir
disto, surgiu uma primeira pista, que a rede torna-se viva quando nos incluímos nela,
não pelas diferenciações, mas pelas similaridades e com isso buscamos diminuir a
hierarquia dos saberes profissionais e valorizar tudo aquilo que é significativo e
produtor de vida para os sujeitos atendidos.
Todos os profissionais de Saúde são aptos a fazerem esse acesso, no entanto,
ao que parece, para Terapia Ocupacional essa prática se faz mais presente. Já na
introdução deste estudo tínhamos indicado: “E tal interface entre a saúde e assistência,
prevista na profissão, favorece a presença do terapeuta ocupacional em processos do
cuidado através do trabalho vivo, operando a partir das multiplicidades em que se
inscrevem as populações atendidas.” Com o relato dos entrevistados, vamos
elaborando uma segunda pista, que é através da proximidade que a Terapia
Ocupacional tem com as ocupações e cotidiano das pessoas que conseguimos
acessar com maior facilidade espaços subjetivos significativos na vida dos sujeitos, que
por vezes não são acessados pelos equipamentos formais.
Com isso, reitera-se aqui a importância da contribuição profissional em serviços
que busquem realizar processos de cuidado em saúde integrais, pois temos muito a
colaborar com as equipes multiprofissionais e com o próprio exercício de estabelecer
redes para além das instituídas formalmente. O cotidiano não é algo exclusivo da
Terapia Ocupacional, porém essa categoria tem recursos e habilidades explorados
durante toda a formação para acessá-los e incluí-los nos processos de cuidado das
populações atendidas.
Ainda assim, são necessários altos graus de liberdade para a atuação
profissional dentro dos equipamentos de saúde, para que possa ser realizado o
trabalho vivo em ato. Redes vivas só acontecem com trabalho vivo, que é um
potencializador dos processos de cuidado em suas multiplicidades, uma vez que não
há uma única ideia de cuidado.
52
Quando abordamos a ideia de itinerários de cuidado em um primeiro momento
fomos remetidos às redes formais de saúde, no entanto também foram convocados e
acessados espaços subjetivos informais como parte desse mapeamento. E a ideia é
exatamente essa, de inverter as lógicas que estão impostas e compreender esses
processos em suas multiplicidades.
Foram trazidas também, de forma rica, pelos relatos dos entrevistados,
associações com os territórios em que se circunscrevem as redes, sejam as
articulações político-sociais ou as próprias dimensões geográfico-físicas. Assim como,
abordamos também a interface da Saúde com outras áreas e a importância na
composição dessas redes. As redes vivas ultrapassam os contornos da área da Saúde,
e reconhecem que o cuidado e a vida acontecem em vários âmbitos.
O conceito de autonomia não está dado de início, porém compreendemos que
surge em uma tentativa de explorar aspectos da emancipação dos sujeitos em seus
processos de cuidado, romper com as tutelas. Desta forma, encontra-se
intrinsecamente ligado ao protagonismo dos sujeitos que acessam redes de cuidado
com nomadismo. Sendo assim, apontaram para a noção de autonomia do ‘andar a
vida’, e não como dependência de um sistema relacional neoliberal.
Temos então a pista de que tanto os sujeitos atendidos quanto os trabalhadores
da saúde precisam de graus de liberdade para de fato poderem acessar as redes vivas.
O protagonismo e a produção de vida estão associados, uma vez que só se produz
vida quando há um desejo, com processos de individuação que buscam romper com as
armadilhas capitalísticas da produção de desejo.
Há um reconhecimento de que o profissional não é um agente gerador de
autonomia, produtor de vida ou de saúde, mas que através de um vínculo terapêutico
ele auxilia o sujeito a construir seu processo de cuidado. E nessa relação, ele também
afeta-se com ações dos sujeitos atendidos, fazendo assim, parte desse mesmo plano.
Uma vez que é no campo relacional e micropolítico que a vida ocorre e assim, as redes
vivas se circunscrevem.
53
A própria característica auto analítica das redes faz com que as multiplicidades
estejam inscritas nelas, os profissionais de saúde que desejam acessar as redes vivas
como cenários para as suas práticas em Saúde, devem considerar-se no mesmo plano
comum destas redes. Não pela diferenciação, mas por incluir-se neste multiplo. E para
tal a produção de subjetividade dos sujeitos atendidos deve ser validada nesses
processos, assim como seu protagonismo nas escolhas.
Como salientado anteriormente as redes vivas existem, fora do campo da
Saúde, porém cabe a nós, enquanto profissionais destes equipamentos, por vezes
acessá-las e validá-las nos processos de cuidado formais, para que possamos
construir novas lógicas de cuidado dentro das próprias instituições.
E para além das pistas, as características propriamente ditas das redes vivas
(além daquelas já dadas na bibliografia deste estudo, por Franco e Merhy), as trago
como as barreiras e porosidades no acesso das redes por terapeutas ocupacionais e
profissionais de Saúde, de forma geral.
No que tange às barreiras podemos compreender que todos os processos de
serialização, burocratização e outros, que nos tiram o espaço para graus de liberdade e
inventividade de nossas práticas, agem como obstáculos no acesso das mesmas e na
própria realização do trabalho vivo. E atrapalham também a própria articulação entre
serviços formais de Saúde, que encontram poucos espaços para se colocarem em
redes e realizar encaminhamentos efetivos.
Assim como é marcante em nosso país que as próprias características
sócio-demográficas dos territórios atendidos em muito afetam nossa acessibilidade às
redes vivas, tanto quanto a própŕia acessibilidade dos sujeitos aos equipamentos de
saúde. E isso encontra-se cada vez mais marcado nos processos de perda de direitos
das populações atendidas e no próprio sucateamento do Sistema Único de Saúde.
Ainda assim, o obstáculo de acesso, pode se encontrar em nós mesmos,
quando não refletimos sobre nossas práticas em Saúde e agimos pautados nas
hierarquias dos saberemos profissionais e tendemos a reproduzir aspectos da lógica
54
biomédica, tomando o todo como se já estivesse dado dentro do nosso campo de
saber.
Ainda assim, convocamos também neste estudo nossa potência inventiva para
refletir sobre caminhos e fluxos que facilitem os acessos às redes vivas, que aqui
chamamos de porosidades. Muitas vezes, para que as porosidades possam ser
percorridas precisamos superar barreiras ou encontrar formas de desviar das mesmas.
A afetividade convocada pelo sujeito neste processo, na relação de um
terapeuta que também inclui-se neste plano relacional, é um potente poro a ser
explorado. E nela encontramos a Terapia Ocupacional em sua proximidade com o
cotidiano, fazeres e territórios das populações atendidas dentro da própria prática
profissional, como um facilitador potencial desses acessos.
No entanto, para que isso seja explorado, precisamos validar esses saberes e
essa produção de subjetividade, através do reconhecimento do protagonismo dos
sujeitos. Assim como, compreender a importância de fazer parcerias com
equipamentos e outros pontos da rede que estão fora do circuito formal da Saúde,
incluindo outros âmbitos em que a vida acontece, como na Educação, Cultura,
Religiosidade, etc. E somente assim, é possível, como maior poro deste caminho
buscar sempre uma prática que almeja responder ao princípio da integralidade.
Estes conceitos de barreiras e porosidades não tem a intenção de gerar uma
ideia dicotômica, mas sim considerar a dinâmica entre pontos de acesso às redes. Uma
vez que ao derrubar barreiras construímos novas porosidades, mas circular por
porosidades pode vir a espremer outros pontos e gerar novas barreiras. Fazendo-nos
compreender mais uma pista, de que as redes vivas além de fragmentárias são
dinâmicas e elas se criam e recriam a todo o tempo.
Redes vivas, para além da saúde, são aquelas onde a vida acontece, em
encontros, conflitos, caos e alegria. Não cabe a nós como profissionais criá-las, mas
sim estarmos aptos a produzir práticas de saúde onde seja possível acessá-las e
compreendê-las como espaços por onde o cuidado também circula, para além da
nossa atuação. Ao fim deste estudo, reconhecemos linhas que fortalecem a
55
compreensão e explicitação de práticas em saúde não fascistas, que respeitem o
protagonismo dos sujeitos e a multiplicidades de formas de habitar as redes e os
processos de cuidado.
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando esse estudo foi iniciado, escolhi uma temática que esbarrava em uma
série de questões que eram do meu interesse. Foi escolhido um contexto para
realizá-lo, porém foi ficando evidente o quanto a utilização do método cartográfico era
imprescindível para tal. Assim como a escolha de referenciais biopolíticos foi se
colocando como um enorme desafio, visto que produções de autores como Deleuze,
Guattari, Foucault, Espinosa e tantos outros levam a um processo de compreensão e
apreciação que abrem portas, escancaram janelas e pesquisadoras inexperientes
como eu enfrentam dificuldades em encontrar contornos para a pesquisa.
A realização desta pesquisa só foi possível graças àqueles que realizaram esse
exercício do diálogo com a biopolítica antes de mim, incluindo os autores que eu utilizei
neste estudo como Laura Feuerwerker, Túlio Franco, Roberta Romagnoli e tantos
outros. O encontro presencial com Emerson Merhy na roda de conversa “Trabalho vivo,
micropolíticas e novas afetabilidades na Universidade” no Seminário de 20 anos do
PACTO, em setembro de 2018, me instigou a me aproximar desta temática. Assim
como toda essa base teórica, só pode ser trazida para a experiência da escrita e real
compreensão pela orientação da minha docente Erika Inforsato, a qual eu tive
importantes discussões e colaborações ao longo desses três longos anos.
Tive a sorte de ótimos encontros no que se refere experiência realizada a partir
das entrevistas. Onde três terapeutas ocupacionais de diferentes áreas trouxeram
importantes contribuições para esse estudo, falando de um lugar muito mais horizontal
na hierarquia profissional. Ainda que não houvesse esse filtro inicial na seleção da
pesquisa, estes terapeutas são profissionais que buscam sempre considerar os sujeitos
atendidos em sua complexidade e singularidade, e isso reverberou muitos movimentos
dentro deste mapeamento.
57
De um interesse até um tanto quanto passional pela biopolítica e redes vivas,
esse estudo me trouxe com sua finalização importantes reflexões sobre a atuação
enquanto terapeuta ocupacional, a construção de redes e a participação em equipes
multidisciplinares. Acredito que dentro de alguns anos, talvez, eu o ache pouco
estruturado no que diz respeito à técnica da escrita e pesquisa, porém, desejo que ele
sempre sopre para mim a minha atual inocência das possibilidades que temos de
enfrentar serializações nos processos de trabalho em Saúde e buscar sempre espaços
onde a existência dos diferentes modos de ser e estar no mundo sejam possíveis.
58
Bibliografia
59
12. GALHEIGO, S. M. O social: idas e vindas de um campo de ação em terapia
ocupacional. In: PÁDUA, E. M. M.; MAGALHÃES, L. V. Terapia Ocupacional:
teoria e prática. São Paulo: Papirus, 2003. p. 29-48
13. 9 GUATTARI, F. e ROLNIK, S., Micropolítica. Cartografias do desejo. Petrópolis,
Vozes, 4a ed. 1996 [1986]; p.68
14. LANCETTI, A. Clínica Peripatética. São Paulo: Hucitec, 2006.
15. KASTRUP, B. & BARROS, L.P. Cartografar é acompanhar processos, in Pistas
do Método da Cartografia. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade.
Pg 52-75, Editora Sulina, 2009
16. KASTRUP, Virgínia e PASSOS, Eduardo. Cartografar é traçar um plano comum.
Fractal, Rev. Psicol, 2013, vol.25, n.2, pp.263-280.
17. MERHY, EE. Em Busca do Tempo Perdido: a micropolítica do trabalho vivo em
ato. São Paulo: Hucitec; 1997.
18. MERHY, EE. Saúde: Cartografias do Trabalho Vivo. São Paulo: Hucitec; 2002.
19. MERHY, E.E. O conhecer militante do sujeito implicado: o desafio de
reconhecê-lo como saber válido. In: FRANCO, T. B.; PERES, M. A. A. (Org.).
Acolher Chapecó. Uma experiência 173 Micropolítica e saúde: produção do
cuidado, gestão e formação de mudança do modelo assistencial, com base no
processo de trabalho. São Paulo: Editora Hucitec, 2004, v. 1, p. 21-45.
20. MERHY, E. E. Conferência sobre Redes: Uma conversa sobre a produção das
existências [vídeo]. 2013a. Disponível em:
<http://saudemicropolítica.blogspot.com.br/2013/11/emerson-elias-merhy-encontr
o-regional.html>. Acesso em: maio 2014.
21. MERHY, E. E. et al. Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais
da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento
em saúde. In: MERHY, E. E. et al. Avaliação compartilhada do cuidado em
saúde: surpreendendo o instituído nas redes, Livro 1, 1. ed. - Rio de Janeiro :
Hexis, 2016. p. 31-42
60
22. PIRES R.G.M. Politicidade do cuidado e avaliação em saúde: instrumentalizando
o resgate da autonomia de sujeitos no âmbito de programas e políticas de
saúde. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2005(Supl 1):571-81.
23. PONTE O que é necropolítica. E como se aplica à segurança pública no Brasil,
25/09/2019. Disponível em:
<https://ponte.org/o-que-e-necropolitica-e-como-se-aplica-a-seguranca-publica-n
o-brasil/> Acessado em 10 de dezembro de 2021
24. ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. A cartografia e a relação pesquisa e vida.
Psicol. Soc. [online]. 2009, vol.21, n.2, pp.166-173.
25. TEDESCO, Silvia Helena; SADE, Christian; CALIMAN, Luciana Vieira. A
entrevista na pesquisa cartográfica: a experiência do dizer. Fractal, Rev. Psicol.,
Rio de Janeiro , v. 25, n. 2, p. 299-322, Aug. 2013 .
26. VEIGA-NETO, A. O currículo e seus três adversários: os funcionários da
verdade, os técnicos do desejo, o fascismo. Texto apresentado no V Colóquio
Michel Foucault, na Unicamp, nov. 2008.
27. ZOBOLI ELCP. A redescoberta da ética do cuidado: o foco e a ênfase nas
relações. Rev Esc Enferm USP. 2004;38(1):21-7.
61
ANEXO I
1. Apresentação
● Breve história da formação do entrevistado
● Trajetória de atuação, incluindo o serviço que está atualmente inserido
2. Processos de cuidado e produção de vida
62
ANEXO II
O projeto dessa pesquisa, aponta para pensar que diante dos desafios
enfrentados pelos profissionais da saúde na relação com o Sistema Único de Saúde,
acentuados atualmente pelo seu sucateamento e desmonte, bem como pela constante
perda de direitos das populações atendidas pelos serviços de saúde, emerge um
pedido de reinvenção das formas de cuidado. Alguns agentes (trabalhadores e/ou
pesquisadores) vem buscando saídas através do agir profissional em operações
biopolíticas, com o trabalho vivo em ato. Nesse âmbito, o conceito das Redes Vivas
tem sido engendrado, redes que vão além das articulações entre as instituições, que
consideram o protagonismo dos indivíduos nos processos de cuidado e a criação de
um plano comum entre os diversos atores que as compõem.
Assim, a atuação do terapeuta ocupacional é convocada a fazer-se através
dessas redes, uma vez que o cuidado é imanente a elas. Através de narrativas de
terapeutas ocupacionais busca-se cartografar com esse projeto de pesquisa as
barreiras e porosidades dos itinerários de cuidado das populações atendidas, sob a
perspectiva destes profissionais.
Alguns apontamentos serão expostos, entorno à presença da noção de redes
vivas no agir profissional da Terapia Ocupacional, contribuindo para uma maior
exploração desta temática, incentivando a potência criadora do trabalho vivo e
incrementando a composição das redes de apoio e cuidado, para além das estruturas
institucionais já conhecidas.
Serão adotadas as referências do método da cartografia, de modo a configurar a
pesquisa como exploratória. E o exercício cartográfico deve se dar, no sentido de
corroborar com o reconhecimento da importância da noção de redes no trabalho da
Terapia Ocupacional no campo da saúde. Para tanto, será adotado como procedimento
principal a realização de entrevistas individuais, com três terapeutas ocupacionais. O
convite a esses profissionais será composto através de uma amostragem por
63
acessibilidade, tendo como critério inicial o de que não pertençam ao quadro de
trabalhadores de uma mesma instituição e/ou serviço. A entrevista será por pautas,
permitindo uma maior flexibilização, sem abandonar a estruturação por tópicos
estabelecidos dentro da temática da pesquisa, com ênfase nas questões relacionadas
aos processos de cuidado, à multiplicidade dos modos de existir, e às redes presentes
no agir de cada profissional. Desse modo, na perspectiva das Redes Vivas, a pesquisa
deve contribuir para o incremento da profissão.
As entrevistas serão transcritas pela aluna pesquisadora para análise, conforme
as orientações do método cartográfico. As respostas coletadas serão agrupadas por
categorias pré-estabelecidas no referencial deste trabalho, conforme acima
apresentadas. Também serão consideradas para efeito de estudo, aquelas categorias
emergentes das próprias entrevistas. Os dados coletados serão articulados à literatura
de referência na Terapia Ocupacional e na Redes Vivas em saúde, para encontrar
pontos de coincidência, ressonância e digressão ao já estudado. Essas entrevistas
serão articuladas à literatura de referência em Terapia Ocupacional e redes vivas, sob a
perspectiva da biopolítica, para encontrar pontos de coincidência, ressonância e
digressão ao já estudado.
Sua participação ocorrerá por meio de uma entrevista individual com tópicos de
discussão apresentados previamente ao encontro. Esta será pré-agendada e a
entrevistadora se responsabilizará por propor e deslocar-se até local de fácil acesso
para o encontro, zelando para que haja condições de reserva e registro adequado da
entrevista, que tem tempo estimado em 50 minutos. A entrevista será gravada em
áudio, e transcrita pela estudante pesquisadora. Os riscos da participação são baixos.
Há a possibilidade de, ao longo do encontro, surgirem momentos de hesitações e
desconfortos, a depender das implicações que a temática da situação atual da saúde
no país pode suscitar em caráter pessoal. Para assegurar o sigilo, oferecemos a
transcrição de sua fala para que possa revisá-la dentro do prazo de 20 dias, pontuando
trechos que considerar que não devem ser referidos diretamente no texto final da
pesquisa. Sua participação é facultativa. A qualquer momento, você poderá desistir de
participar e retirar seu consentimento; sua recusa, desistência ou retirada de
consentimento não lhe acarretará prejuízos. Caso queira conhecer os resultados
parciais da pesquisa, pode contatar a pesquisadora a qualquer momento. Se o Sra (Sr.)
autorizar a realização dessa pesquisa, asseguro que o material e as informações
construídas serão utilizados de modo a preservar sua identidade e trabalhada apenas
para fins de estudo e eventual divulgação em meios acadêmicos. Contando com sua
autorização, peço-lhe que assine duas vias desse documento, para que uma delas
fique com o Sra. (Sr.) e a outra com a orientadora e estudante-pesquisadora. Em caso
de dúvidas e outras questões relacionadas à pesquisa, seguem as formas de contato:
64
Orientadora responsável: Profa. Dra. Erika Alvarez Inforsato
Email: erikainforsato@usp.br
Email: ana.bean@fm.usp.br
“Estou ciente sobre o que li ou foi lido a mim acerca da pesquisa Inscrições da Terapia
Ocupacional no campo da educação: reflexões sobre um passado, presente e futuro,
bem como compreendo seus objetivos, benefícios, riscos e esclarecimentos
permanentes. Desse modo, autorizo minha participação neste estudo e sei que posso
me desvincular da pesquisa a qualquer momento, sem perdas ou prejuízos”.
Assinatura da estudante-pesquisadora
Assinatura da orientadora
65
ANEXO III
Entrevista 1
Entrevista
1. Apresentação
● Breve história da formação do entrevistado
● Trajetória de atuação, incluindo o serviço que está atualmente inserido
66
tratamento, uma questão pontual dos grupos, acho que tem muito haver com todas as esferas
de importância da vida da pessoa.
67
Eu tenho uma perspectiva de trabalhar com o conceito do Foucault de cuidado de si e
acho que tem muito haver com isso assim, por que o cuidado de si tem tudo haver com
produção de vida. De como a pessoa se entende no mundo, de uma forma que ela possa
cuidar da sua vida, não nas normas que são estabelecidas como regras de cuidado mas como
cada um faz uma avaliação da própria vida, o que acha que faz bem para poder exercer esse
cuidado. E acho que isso tem muito haver com a perspectiva do Caps de produção de vida.
Que é uma produção anticapitalista, a gente pode falar assim, porque tem uma ideia de que a
produção não é uma produção monetária, mas é uma produção daquilo que importa pras
pessoas, de afetividade, de conexão. Então acho que essa é uma das maiores metas da
produção de cuidado do caps, esse tipo de ideia da vida da pessoa, quais são as importâncias,
o que a pessoa tem desejo de projetualidade. Acho que esse é um dos objetivos.
3. Redes
68
● Como você acessa essas redes no seu trabalho? Qual sua contribuição no
delineamento delas?
Acho que a ideia da rede é aquela que apoia o usuário. E sim, tem momentos que a
gente influencia para que o usuário não se relacione mais com uma rede, e isso no sentido por
exemplo de uma redução de danos, de usuários que estão numa dependência de substância.
Temos isso também das redes nocivas, redes nocivas para o usuário numa ideia de ampliação
da perspectiva. Ou relacionamentos abusivos, acho que tem também uma ideia desse tipo de
conscientização no envolvimento com algumas redes. Acho que a ideia da rede, a contribuição
do Caps ou do profissional que trabalha no Caps nas redes seria essa da autonomia, na minha
perspectiva.
Mas em alguns momentos eu acho que sim, a gente acaba se cristalizando de uma
forma que o trabalho fica muito mais dentro da instituição. Então isso diminui as possibilidades
de saída das pessoas ou a próprio o engessamento dos trabalhadores que faz, são pedidos de
fazer mais visitas por exemplo por causa de algum engessamento da instituição, isso também
impede um pouco da circulação. Acho que nesse sentido assim, e também tem muito de fazer
as coisas dentro do Caps e fica difícil de propiciar esse tipo de contratualidade dos usuários
assim.
● Como são vistas as redes dos sujeitos atendidos por você? De que modo
elas são mapeadas?
Nossa! Essa pergunta é difícil, porque depende. Eu tive usuário que tava num
relacionamento abusivo com uma mulher, abusivo num sentido que ela se utilizava muito dos
recursos dele e acabava sendo opressora com um alguém que tava mais frágil. Então neste
momento a rede dele vista por mim, era de que essa pessoa não tava contribuindo muito para
o processo terapêutico dele. Mas depende, mas tem outras redes que são super importantes
para as pessoas. Por exemplo a igreja, teve usuário, não meu referenciado, mas que eu
acompanhei que é isso vamos conversar com o pastor porque fulano não quer tomar
medicação e o pastor foi super parceiro, ajudou nessa conscientização sobre a medicação. Eu
to falando da individualidade de cada pessoa, então, se fala um pouco disso do distanciamento
das redes. Aí que eu penso um tanto nessa questão das redes nocivas também.
69
Que é um núcleo com alguns profissionais do Caps do Bairro I que a gente faz diretamente as
visitas e esse matriciamento, de certa forma também é um matriciamento e um trabalho de rede
entre os serviços.
Como você diria que enxerga as redes desses sujeitos que estão nessa situação de rua?
Então, tem de tudo. Tem tanto pessoas que ficam muito isoladas, principalmente porque
a gente atende especificamente as pessoas com alguma questão de saúde mental. Porque o
consultório na rua, a ideia, é atender todas as pessoas que estão na rua naquele território. E a
gente não, a gente vai atender só aqueles que têm demanda de saúde mental. Alguns, por
exemplo, viviam isolados. Acho que a maioria, sem rede, sem o que a gente pode chamar de
rede ou com uma rede muito precária de uma pessoa ou duas. Acho que a maioria dos nossos
usuários, assim que a gente acabou levando pro acolhimento integral (depois de muito tempo)
ir para albergue.
O Seu L. era um usuário que ficava no MCB (instituição cultural), ele era um cara que foi
pra Caps um tempo e agora tá na residência terapêutica. O que pra nós é um vitória sem
tamanho, porque não seria uma prioridade. Mas ele se encaixa nos perfis da residência, que
são pessoas em situação de rua, que não são prioridade. A prioridade são pessoas que saem
dos hospitais. A rede dele era muito precária, as pessoas do museu tentavam ajudar um tanto,
mas ele tinha pouco contato e não permitia muito, não conseguia se relacionar com essas
pessoas.
Mas por exemplo, tinha uma outra usuária, que tinha uma rede super legal com o
pessoal do posto que ficava próximo de onde ela ficava. Um funcionário chegou a levar ela pra
casa pra jantar com a família dele, eram bem amigos. Agora ela tá numa outra situação
também, ela acabou indo pro Caps ficando um tempo e agora está numa pensão. Ela ficou em
CTA por algum tempo, alguns meses e agora ela tá conseguindo com o benefício ter a própria
pensão. A rede dela aumentou no Caps.
Mas eu acho que tem sim, as pessoas conseguem se virar de algum jeito. Mas o que eu
percebo pelo menos.... Tem outro usuário, que quando ele tava na rua, ele tava numa praça
uma das moradoras dava alimento pra ele e ajudava. Ela é amiga dele até hoje. E hoje ele tá
numa casa, ele trabalha e tá super bem. Mas ela continua vendo ele semanalmente e é uma
rede que você vê que durou, são seis anos que isso aconteceu, mais até ainda.
Acho que tem, mas que são redes assim, muito pequenininhas. A Y. mesmo, tinha uma
senhora que ela era a única pessoa com quem ela conversava minimamente, as outras
70
pessoas ela não conversava. Então acho que tem uma dificuldade das pessoas que tem uma
questão de saúde mental e estão nas ruas, principalmente São Paulo que é um cidade
completamente hostil para quem está na rua. Vemos pela questão da limpeza urbana, que isso
acontecia com muita frequência. E também a própria relação da população com as pessoas
que estão na rua, de uma hostilidade que essas pessoas vão se isolando cada vez mais. Mas a
gente vê pessoas que conseguem um lugar pra tomar banho, um alimento. Então não é que
não existe uma formação de rede, mas na minha visão parece um pouco mais difícil. Até
mesmo porque essa questão da saúde mental gera mais preconceito.
Existe sim rede. Teve uma senhora que a população a expulsou do lugar, tacou fogo na
barraca dela. Mas é porque ela também, na produção delirante dela, acabou sendo agressiva
com outras pessoas, colocaram ela pra fora e puseram fogo nas coisas dela. Mas ela era uma
pessoa que tinha um restaurante fixo e todos os dias ela consegue marmita. Então assim,
existem dificuldades, mas há uma criação de redes pequenas.
Sobre os usuários que estão em acolhimento integral
Olha, é muito difícil. A questão por exemplo das pessoas em situação de rua, que a
gente abrigou lá. Que ficaram mais de um ano lá, porque a gente não conseguiu resposta da
assistência ou uma resposta depois de um ano. A Y. é uma pessoa que ficou um ano no Caps,
ela já não tinha mais nenhuma demanda de saúde mental, ela já tava super bem. E ela foi
ficando em acolhimento porque ela não tinha pra onde ir. Então essa coisa da rede da
assistência com a saúde, isso é muito complicado. Acho que tem uma precariedade de
serviços de moradia por exemplo, mesmo ILPI que são pra idosos, como os albergues. A
região que a gente atua não tem albergue feminino por exemplo, então se a gente tiver que
encaminhar uma mulher, ela vai pra longe, ou vai pra outro território. Que foi o caso de algumas
pessoas que foram pra bairro L (bairro vizinho porém em outro território). Mas em Bairro P,
Bairro I e Bairro B (bairros do território em questão) não tem um albergue feminino. E tá
precarizada a assistência, fica difícil. Já é difícil pra quem não tem questões de saúde mental, e
muito mais difícil pra quem tem. A gente encontra muitas dificuldades mesmo, assim do pós.
Porque assim, muitas pessoas estavam em crise na rua, tava bem mal e aí a gente se vê tendo
que fazer uma assistência que é mais integral.
Então de levar na UBS, levar no Caps, ficar em acolhimento integral e aí não tem o pós.
Essa questão da rede, para esse tipo de atenção que seria o ideal, o ideal é isso assim que
não fiquem nos hospitais psiquiátricos. Mas que possam ficar um tempo no CAPS, ficar bem e
aí ser encaminhado para um lugar de moradia, isso é o ideal. Mas essa outra parte não tá
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acontecendo com agilidade. E aí a gente acabou bancando isso enquanto equipe, das pessoas
ficarem e a gente conseguir pressionar o bastante pra pessoa poder ir pra algum lugar digno. A
gente não vai simplesmente falar "a gente te acolheu e agora você vai voltar pra rua".
[...] Tem casos que a pessoa fala, eu vou voltar pra rua. Mas por ex. o L., ele é um cara assim
que não tinha como ele voltar pra rua. Ele estava muito vulnerável pra ir pras ruas. Ele falava
assim que não queria, quer dizer, não falava assim. Mas a Y. falava "eu não quero voltar pra
rua". Então é uma escolha da equipe de bancar isso, mas é uma escolha árdua para nós por
que o acolhimento ficava com pessoas que estão em situação de moradia lá. Mas acho que a
gente teve muitos casos de sucesso, que deu pra poder dizer nesse termo mesmo, da gente
bancar. Como eu te falei, teve um usuário que tava numa praça, muito mal, totalmente
desorganizado, ficou seis meses no acolhimento integral. Depois ele foi pra um albergue, do
albergue ele foi pra uma pensão e agora ele tá morando numa casa, tá trabalhando. É um cara
que conseguiu o que ele queria, ele falava que tem os passos: o primeiro passo é o hospital,
depois o Caps, depois isso e depois aquilo. E o lugar onde ele queria chegar é de estar numa
casa trabalhando e é onde ele tá agora, com apoio nosso porquê ele ficou seis meses no Caps.
A Y. foi possível ela ir pra um albergue, um local de moradia que ela se sentiu bem, porque ela
ficou um ano no Caps.
Como é para pessoas que tem uma moradia fixa vai pro acolhimento integral?
Cada caso é um caso, cada caso é analisado com sua particularidade. Não dá pra falar
que entrou em acolhimento integral e vai ficar tantos dias aqui, porque né? Cada momento é
um momento. E em alguns momentos dessa crise, talvez a pessoa precise não ver a família, e
isso assim é acordado, as vezes não. Não que seja uma decisão da equipe, mas pode ser uma
indicação por ex "Senhora mãe do fulano pode visitá-lo mas talvez não todos os dias ficar 5
horas aqui com ele". Em alguns momentos tem então esse questionamento de qual é a ideia
terapêutica do acolhimento, tem uma função do acolhimento também de tirar o usuário da cena
de conflito. E qual é a mediação possível com a família? Com os amigos, com o
relacionamento... Tem vezes que as pessoas falam "Não quero que fulano entre aqui, não
quero ver essa pessoa" e aí gente tem que mediar isso, e dizer que "Ok, você não quer, então
a gente vai dizer pra ele que você não quer ou você diz".[...] Compreendendo qual que é a
função terapêutica por que acho que tem momentos que vai ser necessário mesmo uma
intervenção da equipe e em outros momentos pensar juntos com o usuário e a família o que
vai ser mais indicado pra esse estreitamento da rede. Não acho de todo um ruim, nada é de
72
todo ruim, analisando terapeuticamente o sentido disso. Que não seja algo arbitrário, que não
seja algo imposto.
Por exemplo, já teve momentos que o cara que era marido da moça em acolhimento
veio ameaçar a equipe. E a gente falou que não vai entrar, que não tem como essa pessoa
entrar aqui pra vir ameaçar a equipe "Se ele vier a gente vai chamar a polícia". Em alguns
momentos a gente vai ter que se posicionar desse jeito.
4. Comentários finais
● Você teria outras considerações a fazer em relação ao tema “Redes Vivas
e Terapia Ocupacional: Cartografando as multiplicidades do cuidado”?
A noção de autonomia que o Tykanori trás é muito importante pra pensar, por que existe
um senso comum sobre autonomia de que é quem faz as coisas sozinho né? E acho que é
justamente o contrário, que é a ideia de rede também, se a gente pode contar com mais
pessoas, contar com mais serviços. E ele fez uma roda de conversa com a gente sobre RAPS
lá no CAPS e ele fala disso assim "Se os serviços estão fortes, e a relação entre os serviços
estão fortes, melhor pro usuário, maior vantagem pro usuário".
73
Entrevista 2
Entrevista
1. Apresentação
● Breve história da formação do entrevistado
Me formei na Federal do Espírito Santo, não sabia o que era T.O na verdade, tinha
interesse em psicologia e pensava um pouco em fisioterapia.[...] Na fisioterapia eu pensava nas
questões de movimento, mas sentia falta de estar mais próximo do paciente na minha cabeça,
eu não conhecia bem, eu tava na sétima série vamos dizer. Pensava muito na psicologia mas
eu sentia falta do movimento na psicologia. Comecei a fazer psicologia na verdade, em uma
instituição particular e os professores ficaram falando pra eu tentar federal, que era o meu
sonho. Mas aí quando eu fui pra Federal tentar eu descobri a Terapia Ocupacional, lendo sobre
e me chamou muita atenção. E eu quis conversar com a coordenadora do curso entender um
pouco melhor o que era Terapia Ocupacional. E eu vi que era aquilo que eu queria assim, sobre
a noção do ser humano das atividades, do contexto social e mental, olhar muito maior sobre o
sujeito, não que as outras profissões não tenham, mas naquele momento foi o que me chamou
a atenção mesmo e aí decidir trilhar esse caminho. Eu e uma amiga, a P., conhecíamos o que
era a Terapia Ocupacional os outros foram descobrindo mais no meio do caminho assim. [...]
Comecei na Federal, fiz o curso, fiz bastante coisas durante a formação e acho que isso me
ajudou muito.Ampliar meu olhar sobre o ser humano, sobre minhas práticas e sobre mim
mesmo.
Me formei em metade de 2015 e já saí pro campo de trabalho. Em Vitória (ES) tem
poucos terapeutas ocupacionais, poucos espaços, mas eu saí já trabalhando na prefeitura no
centro de convivência e numa clínica particular com equoterapia, deram uma sala pra eu
trabalhar. Eu estava bem pra um recém formado, mas eu sentia falta da especialização, foi um
grande passo. Pensei muito "Vou, não vou" e foi quando eu decidi prestar residência aqui na
Usp, saúde do adulto e do idoso, que era o que eu queria, atenção hospitalar mas também
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pensando em promoção de saúde dessa população. Muito relutante eu vim a São Paulo, tentei
a residência, achei que não passaria mas passei. Então é isso, fiz a graduação no Espírito
Santo, fiz a residência aqui na Usp, fiz alguns cursos, mas aí eu fiz a pós em Terapia de mão e
hoje eu tô finalizando o mestrado interunidades. Isso é um pouco da minha formação.
● Trajetória de atuação, incluindo o serviço que está atualmente inserido
Quando eu terminei a residência já comecei a trabalhar no Centro de Reabilitação da
Prefeitura que é gerido pela SM (nome ocultado), que é uma O.S e também faço atendimentos
domiciliares. E eu atendo numa clínica que é como se fosse um hospital de transição, eu faço
atendimento particular lá. Mas é um hospital de transição, os pacientes que recebem alta mas
não estão tão bem pra ir pra casa e ficam nesse limbo, ficam nesse lugar de transição. Em
2018 eu comecei no CER e estou até hoje, faço atendimento nessa clínica e faço atendimentos
domiciliares na parte mais da reabilitação física e reabilitação cognitiva.
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comum, todas as relações familiares se a gente for pensar, mesmo fragilizadas e tudo mais, é
com quem a gente conta muito. Acho que a comunidade também.Lá eu vejo muito a questão
com o ACS, os agentes comunitários de saúde, acho que nesse itinerário todo, nesse caminho
todo, os ACS são bem marcantes, acho que é com quem a gente mais conta com todas as
fragilidades da rede, tudo que a gente que for pensar é isso. Se for pensar nas crianças, eu vou
pensar em APAE, todos os lugares que essas pessoas procuram pelo cuidado, mas que as
vezes pela questão da rede e de burocracia mostra-se esgotado para eles. E acho que o
próprio CER faz parte hoje do itinerário, não como uma primeira busca da pessoa assim,
depois que ela tá lá é um lugar que ela busca o cuidado. Tanto que a gente pensa que não seja
o fim lá assim, que ele entenda a importância da UBS. As vezes tem um marco mais importante
pra eles a relação com o ACS do que propriamente estar dentro da UBS, é algo bem
significativo. Pra muitos tem a questão da igreja, o apoio da igreja onde frequentam. Acho que
a comunidade, não pensando na questão formal do território, mas a relação mesmo com
vizinhos. Pra muitos também a questão do CRAS, CAPS, população que eu atendo, como é
um CER de reabilitação física e intelectual.
Você acha que a escola para as crianças entra nessa rede de cuidados?
Eu acho que a escola entra. Mas eu acho que muitas vezes, em muitos casos a escola
começa a fazer parte do itinerário depois que elas estão no processo de reabilitação, ou Caps
ou CER. Tem toda uma fragilidade. Muitas mães têm medo de colocar a criança na escola, por
achar que ela não está preparada para isso ainda, achar que a criança não está preparada
para a escola. Mas é super importante, a gente vê de tanto que a gente fica tentando estimular
os pais. Quando essa criança volta ou quando a gente recebe ela maiorzinha mesmo, a gente
vê como a escola é super importante e o quanto os pais se apoiam. Em muitos casos das
crianças com deficiência os pais levam as crianças e ficam o tempo todo com elas.
● Pensando o encontro entre o terapeuta e o sujeito/população atendida
como surge a autonomia no processo de cuidado?
Eu acho que é, realmente, a forma que o terapeuta. A forma que se dá o encontro
mesmo, o que ele vai trazer de potência, for pensar se é alegria ou tristeza, se é vontade de
estar ali. Quando você valoriza mesmo a história de vida do paciente, as capacidades,
potencialidades, quando você traça junto com ele um projeto terapêutico que realmente faz
sentido pra ele, que diz algo pra ele. Quando ele compreende, vai compreendendo também,
que não é uma coisa tão fácil de primeira, mas quando você consegue favorecer que ele
compreenda as reais necessidades dele. Estar atento e ouvir as reais necessidades dele,
76
escutar mesmo. Por que as vezes a demanda que a gente identifica não é a necessidade real
que ele tem. Tem outras coisas para serem trabalhadas. Então quando você vai dando espaço
para o sujeito, quando você vai deixando ele ser um sujeito. Quando você vai favorecendo,
acho que a gente como terapeuta pode fazer isso. Você tá muito num lugar de saber, o usuario
te vê como aquele que tá no lugar do saber, que sabe como curá-lo. E realmente a gente busca
procurando uma resposta, a gente tem algo para oferecer, mas muito mais algo para construir
com ele. Então quando você valoriza realmente a história de vida do sujeito, o que ele trás, a
escuta o que ele quer, vai gerando. A gente não tem como gerar autonomia no outro, a gente
não tem como gerar desejo no outro, mas a gente tem como favorecer várias coisas. [...] E não
é que eu vou deixar de ser ativo, mas que ele queira estar ativo e possa de ser ativo. E isso
tudo vem com escuta, com dialogo, com relação, com repensar o processo quantas vezes for
necessário. Com pensar com ele, mostrar os ganhos, ver se ele consegue compreender os
ganhos ou quem não tá ganhando também. É mais por esse lado, ele precisa compreender
esse processo ele compreendendo ele pode gerir junto com você "Eu sou o terapeuta, eu sei o
que você precisa e vou e faça." Mas o que ele quer? O que ele precisa? O que ele está
achando daquele processo? Ouvir é sempre, a escuta. A gente entra nessa coisa da escuta
qualificada, mas realmente, desenvolver essa escuta qualificada, essa relação.
77
movimento nenhum ele tinha um pouco de tenodese. Mas eu fui questionar algumas coisas, aí
eu montei um questionário, pensando já que só ia fazer o questionário e não vou atender esse
cara. Eu fui fazer avaliação e eu lembro que pensei em alguma coisinha de mão que ele podia
mexer, e fiz uns cartõezinhos que tinham haver com a vida dele, pra ele poder estender um
pouquinho pra colocar no pregador. E eu lembro que ele era músico, a questão religiosa era
importante pra ele, perguntei sobre a questão sexual pra ele e ele disse que tava tudo bem e
eu pensando "Não tá tudo bem, tá bem difícil". E eu lembro que quando eu falei, quando eu
perguntei sobre o pai dele, ele me falou que o pai dele era a pessoa mais importante da vida
dele. E quando ele deu entrada na UTI o pai dele foi assassinado, e ele tava morando com a
mãe que era praticamente uma estranha pra ele, ele não a conhecia. E eu pensei "eu preciso ir
junto com esse menino, ir junto com ele descobrir o que fazer". Eu lembro que eu sentava pra
conversar com ele, pensava algumas coisas. Aí eu lembro muito que na minha cabeça muito
fechadinha, se a gente fosse pensar na avaliação motora eu não conseguiria escrever, mas
pensando o pouco de movimento que ele tinha tava com um pincel, os pincéis mais grossos no
bolso e aí eu falei "T. não fica frustrado, quero ver se você consegue fazer a preensão." E ele
foi e conseguiu escrever, escreveu meu nome, fez um desenho e a partir disso comecei a
trabalhar com pincel com ele. E uma vez ele falou assim "Nunca tinha pintado um quadro e
agora to pintando um quadro, não fazia isso". Isso começou a despertar bastante coisa e eu
comecei a pensar "O que eu posso fazer com o outro? Para além do que eu já tenho pré
estabelecido em mim" E eu lembro muito assim, no meu TCC, eu usei isso assim. E os alunos
da graduação foram fazer entrevista com ele, e eles perguntaram sobre a Terapia Ocupacional
pra ele e foi a fala que eu usei no meu TCC também e ele fala bem assim "Mais do que não me
mexer, não conseguir me expressar tava me matando, com o G. eu consegui escrever, pintar
quadro" _ eu levava tablet e ele conseguia tocar no teclado virtual _"Consigo me expressar e
agora eu me sinto vivo ". Eu trago muito dessa história, porque isso me diz muita coisa, até
hoje assim. Acho que mudou muita coisa em mim e vem mudando. [...] E mais uma vez eu falo,
eu acho que não produzo muita coisa no outro, eu não gero vida no outro, mas acho que as
relações podem muita coisa. E acho que uma relação terapêutica pode favorecer muita coisa.
É de desejo, de querer estar ali, de conseguir ver um sentido assim. E acho que isso se aplica
em todas as áreas assim, se a gente for pensar na reabilitação física mesmo. As vezes a gente
como terapeuta fala pra pessoa "Vamo lá, você tem que conseguir!" Mas como você se via
naquela situação pensa, se fosse eu não iria conseguir, não iria querer fazer nada.
78
Mas qual é a relação que se estabelece, que se cria junto com o sujeito e faz ele querer
ir adiante. Eu acho que isso é sobre relação mesmo, de buscar junto com o sujeito um sentido
de pertencimento. Um sentido de querer fazer algo. Pensar em produção de vida associado ao
cuidado é isso. Que tipo de cuidado você oferece, que relação você estabelece, que faz ele
querer ir adiante, que faz ele querer algo. Que você junto com ele pode favorecer esse querer e
esse construir. Acho que é construção, é muito disso. É de relação, ouvir o outro. Do que se
produz ali junto, de todos os afetos e afeições que vão nascendo de desejo de pertencimento.
De repensar a história de vida, de repensar possibilidades. De repensar novas possibilidades
ou de possibilitar que se faça antigas, mesmo sendo de outro jeito. E acho que é sempre isso,
pensar repertório do sujeito, o que importa pra ele. E as vezes coisas que parecem ser muito
simples, não são. E a relação descortina muita coisa, trás muita coisa. Acho que é um pouco
disso pensar em produção de vida ligada ao cuidado. Um cuidado que favorece questões de
sentido, de pertencimento de desejo, é um pouco disso.
3. Redes
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Acho que a Terapia Ocupacional não tem como pensar no sujeito sem pensar
integralidade, equidade, nos desejos, nos itinerários, nos percursos que ele faz. Eu acho que
rede tem tudo haver com Terapia Ocupacional. E também não é uma coisa inerente do
Terapeuta Ocupacional “Ahh o Terapeuta Ocupacional é tão bonitinho, olha o sujeito como
todo”. Eu acho que não é uma coisa inerente, acho que é uma coisa que a gente precisa
trabalhar mesmo, na formação e na prática mesmo. Uma coisa que me ajudou muito no meu
percurso de formação é que eu consegui caminhar por vários outros lugares: iniciação
científica, grêmio estudantil. Você estar nesses outros espaços você vai ampliando os olhares
para quando você está na sua prática mesmo. Sabendo que o sujeito acessa outros lugares, e
esses lugares precisam conversar para responder as necessidades plurais desse sujeito. Acho
que redes está totalmente relacionada a atuação da Terapia Ocupacional, quando eu penso em
um sujeito de direitos, um sujeito de vontades, um sujeito de interesse, um sujeito cheio de
necessidade. E isso não é só saúde que vai responder, não é só a minha atuação que vai
responder. Eu acho que a saúde, a educação, as questões sociais. Eu acho que é isso. A gente
precisa estar integrado, se a gente quer trabalhar com um sujeito que é integral, um sujeito
inteiro, um sujeito que é múltiplo e que é plural. Acho que não tem como dissociar, é muita
relação com a Terapia Ocupacional.
● Como você acessa essas redes no seu trabalho? Qual sua contribuição no
delineamento delas?
Como eu te falei, eu acho que é isso. Eu não vou entrar nas redes vivas não, mas eu
acho que as redes vivas tem uma questão de ser fragmentadas, elas não são perfeitas, elas
também quebram. Mas elas tem um movimento maior para se refazer, hoje pensando em
redes. Se a gente for pensar só nessas redes, nessa forma mais conceitual que a gente tem,
elas tem questão de ser fragmentadas. Na minha prática profissional se for pensar no CER, eu
não vejo outra forma de trabalhar se não for em redes, a gente precisa muito trabalhar em
redes. Ainda mais se for na Zona Leste de São Paulo, que é um lugar mais de periferia e tem a
questão de vulnerabilidades. Então não tem outra forma de se trabalhar se não for em redes,
mas nem sempre a gente consegue isso. A gente tenta mesmo entre os dispositivos da saúde,
só da saúde, e as vezes a gente não consegue se conversar e é uma busca cotidiana. A gente
tem reunião que chamamos de reunião de rede. A gente tem fóruns intersetoriais onde junta
todo mundo da reabilitação para tentar conversar, tentar entender o que o serviço oferece pro
sujeito. A gente tem as vezes o matriciamento, discussão de caso, a gente coloca. Tenta
80
chamar a UBS, atenção básica e especializada, a escola, a família. Tenta envolver, só que não
é algo fácil, não é algo que tá posto, ainda é frágil. As vezes ainda tem "aquele pessoal do
CAPS" e "aquele pessoal do CER" não é uma coisa que tem um movimento de se juntar, mas a
gente precisa fazer esse movimento, por que não há outra forma de se responder as
necessidades do sujeito para se trabalhar em rede. A gente recebe muitos usuários que tão no
CER mas que também tão no CAPS. Usuários que tão no CER, estiveram na UBS e precisam
voltar para a UBS, mas quando eles tão no CER as vezes eles elegem como local principal de
cuidado. E quando tiver alta do CER sabe? "Ahh não tenho mais nada haver com isso porque
ele vai ter alta" Então a gente precisa estar conversando o tempo todo, articulando e pensando
em ações mesmo que vão responder as necessidades múltiplas desses sujeitos. Então não
existe outra forma de se trabalhar, é difícil, tem que melhorar ainda, mas a gente tá no cotidiano
e é o que se tem para se trabalhar ainda.
● Como são vistas as redes dos sujeitos atendidos por você? De que modo
elas são mapeadas?
Eu tento ouvir e acessar o sujeito para saber o que ele elege como seus locais de
cuidado assim, locais de cuidado e locais de interesse. Porque as vezes eu penso muito na
rede formal, e as vezes tem a questão da rede informal aquilo que é importante pra ele. Tanto
que eu penso, vamos chamar a família pra esse espaço, vamos chamar o fulano da igreja que
dá suporte pra esse espaço. A gente pode contar com o vizinho será? A gente deve acessar o
sujeito, pra entender assim. Mas é como eu falei, as vezes a UBS a gente tenta acessar, a UBS
tem as reuniões de rede, reunião intersetorial onde vai os serviços de reabilitação.
Minimamente a gente num primeiro momento através de entrevista saber por onde aquele
sujeito já passou, por onde ele está passando no momento. O que ele acessa, o que é de
interesse dele, o que ele pensa em acessar depois pra tentar ter esse contato com os
dispositivos da rede, tanto formais quanto os informais. Eu acho que é isso, acessar a rede
nesse sentido. E quando é família e está próximo da família a gente chama a família pra
conversar. Conversa só com UBS, quando é o serviço domiciliar tem essas reuniões já
pactuadas que são as reuniões de rede, é uma das formas de acessar. Agora as outras é
quando vai surgindo essa necessidade junto ao usuário e é tentar estar próximo.
E você acha que você como T.O aponta lugares dessa rede que o sujeito não contasse
como espaços de cuidado?
81
Sim, Eu tento muito é conhecer o território, tentar conhecer alguns dispositivos perto
desse sujeito. Mostrando pra ele, Fábrica de Cultura, Serviço de Convivência, estimulo sempre
ao lazer. Sempre que eu posso falo pro usuário, até cinema, sair com a família. Sabe, como eu
to num CER é um serviço especializado. Uma resposta urgente pra algo que ele teve naquele
momento. Ele teve um AVC, naquele momento ele quer muito voltar a andar e voltar a segurar
as coisas e ter função da mão por exemplo. Mas no meio dessa angústia toda a gente tenta
mostrar que a vida não é só estar ali dentro do ciclo, há várias outras coisas. Então é favorecer
com que ele consiga, indo na UBS e nos outros espaços. Favorecer pela questão da técnica da
reabilitação que ele consiga acessar os outros espaços que ele já acessava antes. E tentar
mostrar outras possibilidades mesmo pra ele, outras questões que ele nem conhecia.
Com crianças a mesma coisas, as vezes a mãe tem uma recusa muito grande de
pensar em colocar o filho na escola, então a gente tenta realmente, mostrar as outras crianças
que tão na escola, fazer reunião de pais, fazer grupo com os pais e um contar da experiência
pro outro. Acho que é dessa forma assim.
Até assim hoje, a minha questão da pesquisa de mestrado é sobre o processo de alta
do CER. Então to estudando muito, a coisa mais gritante que a gente tem muito problema é dar
alta do CER, do serviço de reabilitação. Do hospital você tá curado e por isso teve alta. Agora
do CER as vezes você tem alta com sequelas, com algumas coisas ainda assim. Então a gente
tem um nó na alta, só que o grande nó da alta pro profissional é não conhecer tanto os
dispositivos que tem lá. Pra onde eu vou mandar esse sujeito agora? Talvez não seja mais o
momento o dele estar no CER agora, mas quais os outros espaços onde ele vai acessar, onde
ele vai estar? Eu acho que pro sujeito também. As vezes ele pensa isso "Não vou estar aqui,
que nesse momento é o meu local de cuidado. Mas quais os outros espaços que eu vou
acessar?". Então assim, eu já penso muito em mapear o território e mostrar pra ele ao longo do
percurso. Mostrar "Você conhece tal lugar? Tem tal dispositivo. No CEU tem a piscina lá você já
foi? No CEU tem a tal oficina." Tento mostrar, mas tenho pensar junto com a equipe como a
gente pode fazer isso de forma mais efetiva.
Meu mestrado tem tentado um pouco responder isso, de como a gente entrega isso de
forma mais prática pra ele mesmo. E talvez, uma das ideias que pode surgir com o mestrado é
mapear de forma mais efetiva os dispositivos e apresentar pros sujeitos de forma clara. E tem
muitos profissionais também que não tem tanta noção de rede e que nem conhecem os
dispositivos que tem lá no território, e mais que os dispositivos formais que a gente tem. Pensar
também nos dispositivos informais e locais que podem gerar potência para esse sujeito.
82
Ir além dos dispositivos de saúde né?
Sim. Sociais, culturais, isso que a gente tenta assim. Junto com a escola, eventos
culturais que acontecem, descobrir coisas que acontecem, as vezes são coisas mais pontuais
que também que tem. E as vezes fora do território mesmo. Tem pacientes crônicos que tão em
processo de reabilitação e a gente fala "Em tal lugar tem jogo de bocha para crianças e
cadeirantes" E nem é mais na Zona Leste é em outro lugar mas essa mãe tem condição de
acessar esses outros espaços, que é um sair um pouco. O território é de uma importância
gigante, mas tem coisas que acontecem fora do território e que também podem ser acessadas
por esse sujeito e que trazem muitos benefícios.[...] E a gente vê, tem tentado falar e discutir
isso com a equipe, muito mais que o problema da alta é que o sujeito saiba que possa acessar
outros lugares. A gente tá numa luta grande para poder trabalhar com esse sujeito. Tem uma
criança mesmo, que a gente tá sofrendo com a alta dela, e ela começou a fazer bocha em
outro lugar e tá quase não indo mais no CER. Tá indo bem esporadicamente porque a mãe
percebe o quanto ela tá se desenvolvendo lá. Eu acho que isso é muito importante, trabalhar
isso com o sujeito e mostrar as possibilidades que ele tem para acessar.
E você entende muito de redes pela questão da alta estar relacionada a elas?
83
busca de cuidado existem outros lugares para responder a isso. E é assim, mostrar isso pro
sujeito. E eu começava a pensar muito Se ele acha que esse é lugar de cuidado dele, e vai
chegar um momento que o HU não vai conseguir responder a esse cuidado. E vai chegar o
momento em que ele terá alta. Qual o vínculo que ele tem com a UBS? Se ele não tem vínculo,
como vai ser esse cuidado longitudinal dele. Isso começou a me preocupar muito e desde a
residência eu comecei a estudar isso.
Lá a gente tem um serviço chamado GAMA e que a gente foi desenvolvendo mais isso,
a gente sentava e tinha aperfeiçoado. Paciente teve alta, durante um ano acompanhar esse
sujeito, ligar pra ele, com um mês de alta, com três meses de alta, com seis meses de alta e
com um ano para saber como ele tá, se tá indo na UBS, se tá indo em outros lugares, se tá
buscando possibilidades de lazer. E a partir desse GAMA eu começo a estudar um pouco
disso, da noção dos profissionais do hospital sobre a questão da rede. Hospital geralmente é o
lugar da contra referência, é o lugar que vai te reencaminhar, na linguagem chula, te devolver
pra sua UBS. Mas a gente tinha muitos pacientes que não tinham, devolver pra onde? Se não
tinha vinculação desse lugar. E eu quis entender um pouco da percepção do profissional desse
hospital, se o paciente chega lá, se é um médico, como ele pode entender que um terapeuta
ocupacional pode ajudar esse paciente? Começar a fazer as pontes lá dentro mesmo desse
hospital. E para a gente pensar E agora que esse paciente vai ter alta? Vai ter alta ele
possivelmente não vai ter necessidades que o hospital precise responder, mas ele tem outras
necessidades, ele tem N’s possibilidades. E o que a gente possibilita para esse sujeito sabe?
Como que a gente mostra pra ele que ele pode estar acessando os lugares, que ele precisa
estar vinculado a UBS que é muito importante pra ele, ir para além dos espaços de cuidado em
Saúde. O que ele tem pra acessar ali na comunidade e outros espaços? Acho que é isso que a
Terapia Ocupacional vem me trazendo muito, tanto que eu to pensando bastante em redes na
conclusão do mestrado assim.
Sobre o grupo de bebês que vocês tem no CER. O que você das redes desses pequenos
sujeitos? O que é o motivador do SUS ficar nessa busca tão ativa?
Existe a política sobre o cuidado desse bebê. Então todo bebê que nasce com alto risco
precisa ser acompanhado, o ideal seria se fosse bebês de risco acompanhados pela UBS
sempre acompanhando. Se é alto risco a gente pensa em síndrome de down, paralisia
cerebral. Ser acompanhado num CER para estimulação precoce, estimulação a tempo nessas
84
questões assim. Então existe um cuidado muito grande, para que esse bebê tenha esse
cuidado, pensando na vulnerabilidade do bebê. As vezes são famílias bem carentes ou
crianças que são abrigadas, famílias que nem tem condição de levar o bebê até o Centro de
Reabilitação. Então a gente tem esse cuidado. A ideia é que esse bebê já saia do hospital com
encaminhamento para avaliação especializada no serviço de saúde, no CER, ou se a UBS
identifica que essa criança tem alto risco ou se por exemplo, nasceu prematuro, baixo peso e a
mãe é adolescente, usuária de drogas. Coisas que podem trazer atraso para o
desenvolvimento dessa criança, a gente encaminha direto pro CER.
E a gente tenta o tempo todo estar em conversa UBS e CER. Eu acho que a gente tenta
realmente conversar bastante, a gente tem muito cuidado, a gente tenta acertar isso. E lá no
meu território, acho que é uma rede com crianças com uma questão bem frágil assim. A gente
vê muitas crianças, muitos bebês que tem o cuidado descontinuado e isso é algo que nos
preocupa muito. E a gente tenta fazer esse movimento mesmo, de ligar, mandar e-mail, tentar
essa busca ativa. Aciona os grandes parceiros, aciona o ACS, o ACS tenta buscar, a gente
tenta conversar com a família e se tiver alta a gente tentar fazer reunião e sinalizar de alguma
forma que teve alta por abandono. A gente precisa buscar esse bebê, o CER ir muito junto com
a UBS para isso, e as vezes a UBS junto com o CRAS. É isso, precisa de muita atenção,
precisa de uma rede muito articulada. A gente tenta se articular e nem sempre é efetivo,
acontece muita alta por abandono. A gente tenta ir atrás todo o momento, nesse movimento de
e-mail UBS, tentar ligar pra família, ver o que precisa realmente, aciona serviço social da UBS,
serviço social do CER. As vezes são questões sociais, mas não é só isso, a gente tenta lutar
contra isso: "Você tem três faltas e agora não vai poder vir mais", a gente tenta lutar contra
isso. E tem os outros locais também que podem ser acessados, as APAEs.
Essa redes são vulneráveis?
Muitas vezes só mães, muitas vezes só avó. As vezes a avó assume esse cuidado. A
gente recebe bebê que não tem documento da criança, não tem histórico do parto. Lá no meu
território, pensando na Zona Leste, mais pro extremo, são bebês que tem uma rede muito
vulnerável. Que a mãe já não fez o pré o natal abandonou o pré natal, que os pais perderam a
guarda, que vem de serviços que a gente chama de SAI e tão abrigados. Grande parte mães
que estão lá sozinhas, que precisaram parar de trabalhar para estar lá. Não tem como exigir
muito, pois ela precisou parar de trabalhar e não tem mais aquela renda assim. A gente tentar
acessar várias coisas. Criança que tem necessidade de tomar um leite tal. Como essa mãe vai
comprar o leite? São realmente condições bem vulneráveis assim.
85
Entrevista 3
Antes da graduação eu fiz uma formação em dança que começou na adolescência e foi
até depois da graduação, de modo que eu trabalhei com dança e outras técnicas corporais
também na Terapia Ocupacional. Entrei em 1993 na graduação, fiz a graduação já com um
interesse voltado para saúde mental e finalizando a graduação eu fiz o aprimoramento no Caps
Itpv, que se chamava aprimoramento em saúde mental multiprofissional. Que na época tinha
um convênio com a F. [1], esse aprimoramento durou dois anos.
Assim que terminei esse aprimoramento fui fazer minha formação em psicanálise e
[2]
comecei no instituto S.S , com os curso de formação mais introdutórios. Terminando minha
formação lá, eu ingressei em grupos de estudos, que não inseridos em nenhuma escola e nem
uma instituição de formação. Mas assim que eu entrei nos grupos de estudos, passou um
tempo e eu já ingressei em outra instituição (estudos lacanianos) . Então hoje, eu dou aula
também no S.S, um curso de formação de psicanálise, um curso de expansão cultural que se
chama "Introdução a teoria clínica das psicoses, uma abordagem psicanalítica" que é um curso
destinado a quem está atendendo, ou instituição ou em consultório, casos mais graves, em
especial psicose, esse curso está na 12º edição e eu estou como docente faz uns 8 anos.
No CAPS também aconteceu isso, parecido com o S.S, fiz minha formação lá e depois
virei professora. No Caps também, fiz o aprimoramento lá e terminando o aprimoramento já
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continuei com um contrato inicialmente pontual e depois com a chegada da O.S eu fui
contratada pela SPDE. No Caps meu aprimoramento começou em 1998 e terminou em 2000.
Fiquei lá, assim com vários tipos tipos de contrato até 2013.
Antes de voltar a trabalhar no Caps, quer dizer eu tava lá num contrato menor, eu
trabalhei numa enfermaria psiquiátrica de curta permanência, que era um serviço coordenado
pela U.[3] pelo Hospital P.[4], ligado à ideia da enfermaria de crise, dentro ainda dos serviços
substitutivos da reforma. Então era só crise, a gente trabalhava com pacientes a curto tempo e
depois encaminhava para rede. E era uma rede bem complicada, porque ficava numa região
periférica. Apesar de ser outro município, apesar de ser outra cidade, Município A, ficava numa
região que os serviços eram muito precários, escassos assim. Cobria Município A, Município B,
Município C, Município D[5]. Eram territórios grandes e populosos, mas com uma rede difícil.
Então o Hospital é referência para essas áreas, principalmente A e B.
Trabalhei lá durante seis anos. Trabalhei também no CRIA da U.[3], que é um Centro de
referência da infância e da adolescência, que é uma espécie de ambulatório de atendimento à
infância. E eu trabalhava lá em vários programas: trabalhava no programa de psicoses, que é
de crianças psicóticas ou com autismo, adolescentes em crise e também no que eles
chamavam de ambulatório mesmo, que eram crianças com quadros mais leves, atrasos
escolar, fiquei uns três ou quatro anos lá.
Então corria em paralelo minha formação em psicanálise e junto trabalhando nesses
serviços e sempre serviços mais para o atendimento de casos graves. No Caps eu coordenei o
programa de aprimoramento multiprofissional, eu fui aprimoranda e depois que eu entrei no
contrato da SPDE eu fui coordenadora do aprimoramento. Então eu cuidava da formação que
era destinada para T.O, psicólogo, assistente social e enfermeiro. Também um pouco dos
estágios, tinham estágios que variam a cada ano, tinha estágio da psicologia da P.[6], da
enfermagem da Usp. Então sempre foi um lugar que tinha uma parceria muito grande com as
universidades. Depois começou o programa de residência, que era ligado à U.[3], tinham os
aprimorandos ligados a F. [1] e tinha também a Residência Multi ligada à U.[3], era um lugar com
muitos estudantes. Apesar do aprimorando e residente já serem formados, mas também era
uma formação. Era com contrato de bolsa, também tinha que fazer monografia, formação
teórica. Então eu dava supervisão e coordenava, cuidava da parte teórica que era pensar um
bloco de aulas que desse respaldo para a formação que eles viveriam lá, aulas sobre: grupos,
sobre análise institucional, sobre clínica das psicoses, reforma psiquiátrica, um pouco do que
vocês tem na faculdade mas de uma forma mais pensada pro serviços assim.
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No Caps além do atendimento ligado mais a clínica, eu também coordenei uma oficina
de dança durante uns 10 anos, que era em parceria com a secretária da cultura. A gente fez
algumas apresentações, participou de eventos como o festival de dança do Sesc, alguns
eventos culturais. Era um grupo destinado aos usuários do Caps, mas não só, então as vezes
tinha frequentadores que vinham de outros serviços e frequentadores que não estavam ligados
a nenhum equipamento de saúde mental. Então a ideia era ser um grupo heterogêneo.
Ainda com relação a minha formação, em 2009 eu ingressei no mestrado lá na FE[7]
com uma pesquisa voltada para a arte e psicanálise. Terminei o mestrado em 2012 e em 2016
ingressei no doutorado. Então agora to caminhando pro final do Doutorado, também minha
pesquisa é de algum modo uma continuidade uma continuidade do mestrado, nessa interface
entre arte e psicanálise. Eu estudo um pouco a questão relacionada a estética da clínica, se há
e como que é. O referencial é Freud e Lacan.
No consultório eu to desde 2001, bom assim eu já to há bastante tempo no consultório.
Um pouco antes de atender no consultório, eu trabalhava bastante como Acompanhante
Terapêutica, de casos mais graves também, psicóticos. Acho que no consultório a clientela
costuma ser menos grave. Quando eu fui fazendo um trabalho no consultório eu tive a
oportunidade de atender casos,que no A.T geralmente a autonomia está mais prejudicada e o
comprometimento funcional é maior. Hoje atendo graves também, mas é bem menor, atendo
mais como psicanalista como T.O.
Hoje o que eu faço também é dar bastante supervisão para A.T's, grupos de supervisão
de estudo, de pessoas que querem estudar psicanálise, questões relacionadas ao atendimento
clínico, mais voltada para a instituição ou consultório. Tem muita gente que tá começando um
consultório e quer uma supervisão, ou as vezes a pessoa tá numa instituição mesmo, que a
maioria é uma instituição ligada a saúde mental, mais Caps mesmo, mas tem outras ONGs
também que lidam com crianças em situação de abandono, vulnerabilidade social. Então
também tem as questões relacionadas a saúde mental de um jeito mais amplo assim. E desde
que eu me formei eu fiquei muito voltada para o trabalho institucional na saúde pública, todos
esses serviços tão na saúde pública.
Então assim que eu fui saindo das instituições, eu fui chamada para ser supervisora
institucional de alguns equipamentos. Então eu supervisionei o Caps Infantil Bairro A e Bairro B
[8], Caps IJ do Bairro C e Caps Adulto do bairro D [9]., além de outros Caps fora de São Paulo. O
contrato de supervisão você vai e combina com a O.S ou com quem está custeando o
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supervisor, aí são supervisões pontuais. Em geral você vai duas vezes ao mês, quinzenal no
geral. Então eu dei bastante supervisão para rede.
E desde 2015, eu estou ligada a um projeto [..], saúde mental paulistana, que é
formação para rede de saúde mental da cidade. Num primeiro momento eu fiquei num módulo
que se chama Redes de Atenção Psicossocial, é um projeto que é do Ministério e da
Secretária da Saúde, em parceria com quatro Universidades que é a P[6] (infância), a
U[10](psicologia social), F.C[11] e U[3]. Então no primeiro momento eu fiquei ligada a formação em
redes, e logo em seguida eu já entrei no projeto de atenção psicossocial em situações de crise
e ao suicídio. E eu to nessa formação e sou responsável pela Leste, que se chama Leste 2,
como a Zona Leste é muito grande eu to em (quatro grandes bairros da zona Leste). To desde
2005 dando essa formação, que em primeiro momento foi pra equipe técnica e agora é uma
especialização para profissionais do ensino médio. O pessoal que tá ali na lida, as vezes até
mais que a equipe técnica, mas que não tem essa formação voltada para saúde mental. Antes
os outros módulos foram destinados aos gerentes de serviços e aos profissionais técnicos e
agora é uma formação voltada aos profissionais de Ensino Médio.
2. Processos de cuidado e produção de vida
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tá em risco, que tá numa situação, ele pode estar num momento mais agressivo. Ele
raramente vai concordar ou procurar espontaneamente uma internação, é sempre um momento
mais violento. Então a gente tenta encontrar outras formas, as vezes acionando família, pois
esse usuário tá muito sem vínculos. E as vezes a crise é uma oportunidade de resgate dessa
família, pois no momento da crise os familiares se sensibilizam, aceitam a estar mais próximos.
E aí você vai tentando, a comunidade, a família, os amigos, os serviços, se é um paciente que
tá num serviço como um Caps, se ele já é tratado, acompanhado pelo Caps isso facilita.
E aí num momento que não é mais um momento de crise, é aquele acompanhamento
que vai depender do que o sujeito necessita. As vezes um atendimento pontual na UBS ou
participar de grupos, pensando que a rede não é só os serviços de saúde, a rede é tudo. As
vezes a pessoa participa de uma cooperativa no bairro, as vezes ela participa de uma atividade
num céu. Não é só ligada a saúde, mas sim a todos os serviços, todos os equipamentos, todos
os lugares do território, privados e públicos. As vezes a pessoa está inserida numa escola, se
for criança ou adolescente, pode ser uma escola particular ou uma escola pública, e tanto uma
quanto outra fazem parte dessa rede. São os lugares que o sujeito frequenta e participa. Então
a ideia de evitar uma internação tem haver também com o que a rede cuide dessa crise. Que
em geral as pessoas não estão muito preparadas para cuidar disso, as vezes até os Caps se
sentem sem retaguarda para cuidar de uma crise.
Mas a ideia é essa: Qual é o tipo de cuidado que a pessoa precisa? Se é um cuidado
intensivo ou mais pontual, um acompanhamento que é mais esporádico. Isso vai ser
determinado a partir da necessidade do sujeito.
Você acredita que há formas singulares de cuidado?
Ahh sim. Cada caso é um caso até porque a pessoa, o modo dela estabelecer as
relações, é muito particular. Um usuário do Caps, tem aquele paciente que vai todo dia que
conhece todo mundo, não sai de lá, participa de tudo aquilo. E tem paciente que vai
pontualmente, para alguma consulta, as vezes para algum grupo e olhe lá. E tem paciente que
não vai de jeito nenhum, tem que fazer uma busca ativa. Pra esse que nunca vai, o projeto
terapêutico vai ser um jeito, vai ser pensado como ele pode estar mais presente. Para aquele
que tá todo dia, é pensar como ele tá menos, como ele pode usar a cidade. Aquele que só tá
no Caps, se ele tá instável e só participa dos serviços de saúde é pensar que ele pode
participar de outras coisas da cidade. Nesses dois exemplos que são bem diferentes, o
investimento é o oposto: um você vai chamar mais e o outro você vai mostrar que tem coisas
para além do serviço de saúde.
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● Pensando o encontro entre o terapeuta e o sujeito/população atendida
como surge a autonomia no processo de cuidado?
De novo, cada caso é um caso. Tem usuários dos serviços, se a gente tá pensando num
Caps, que tem uma autonomia importante: mora sozinho, cuida da sua medicação, trabalham,
cuidam da sua vida de uma forma autônoma até porque nem tem família por perto. E tem
outros pacientes que são mais tutelados, e essa tutela varia muito e as vezes nem é decorrente
da gravidade. Tem casos bem graves que são mais autônomos e tem pessoas que tem mais
condições de ter autonomia e as vezes não tem. As vezes porque o serviço não estimula isso,
as vezes a família tem dificuldade de delegar coisas para esse sujeito fazer ou se
responsabilizar. Mas em geral, os pacientes do Caps, eles costumam em todos os espaços,
pensar na questão da autonomia. A autonomia não é só você andar sozinho, é você poder
escolher o que você quer participar, o que você quer fazer. Enfim, não é só você conseguir se
deslocar sozinho, até se responsabilizar pelo seu desejo. "Não quero mais ir no Caps", por
exemplo, é uma autonomia. "Quero agora fazer outra coisa da minha vida"...
● Considerando a noção de produção de vida associada ao cuidado como
isso aparece na sua experiência?
Eu acho que é bem variável. Por exemplo, tem uma paciente que eu atendo no
consultório, que ela tem uma ótima formação, se formou numa faculdade super legal e tinha
ótimas condições para ter um trabalho legal e tal, mas ela não conseguiu se inserir no mercado
de trabalho. Ela teve uma série de problemas pessoais e ela acabou trabalhando com o pai,
trabalhou com o pai durante muitos anos. E isso de um lado dava uma estabilidade para ela,
ela tava lá e era um lugar que ela não era muito exigida, não era um trabalho muito difícil, o
chefe dela era o pai. É como se ela tivesse em uma situação muito protegida de trabalho, isso
trazia uma insatisfação muito grande. As vezes ela se considerava filha, as vezes ela se
considerava empregada. Não conseguia reivindicar um melhor salário, porque ela achava que
tava numa condição muito especial, ela só tava lá porque ela era filha dele, ela tinha essa
impressão e tal. E aí isso foi um trabalho terapêutico de pensar que ela poderia ter um outro
trabalho, ela poderia batalhar por um outro tipo de trabalho. Essa situação se por um lado trazia
estabilidade financeira, também tava deixando ela com essa consequência de se sentir pouco
profissional, porque dava a impressão que se ela fizesse uma besteira ela não seria demitida.
Ela ganhava mal e ela também trabalhava menos porque ela não achava que ganhava o justo.
E aí o trabalho foi ela conseguir ela conseguir ter a iniciativa e a coragem de largar essa
situação aparentemente confortável e estável para conquistar um outro trabalho. Isso levou que
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ela mudasse de cidade, fosse morar sozinha, porque ela morava com a família. Então isso
produziu nela uma mudança radical de vida, que era mudar de cidade, mudar de trabalho, era
entrar de verdade no mercado de trabalho. E isso pra ela assim, ela se sentiu exigida. Até nas
exigências que poderiam causar uma instabilidade emocional, e ela poder entrar em crise, isso
não aconteceu. Ela ficou mais vigorosa pro trabalho. Ela ficou mais interessada pro trabalho.
Essa situação que ela tava com a família, era muito tutelada, ela estava estagnada.
Eu entendo esse exemplo como produção de vida, e é isso: hoje ela vê sentido no que
ela faz. Ela tem medo de perder o trabalho, isso é importante pra ela, ela se sente necessária.
Então ela conquistou realmente outro patamar com muito custo, com muito medo, medo de ser
demitida. Medo de não dar certo e ela não poder voltar ela pra situação anterior e o pai não
aceitar. E isso foi, ela ter uma trabalho que ela não tinha nenhum interesse, que ela ia forçada e
hoje ela tem um trabalho que ela gosta e tá muito engajada. E isso ampliou, que ela pudesse
mobilizar as relações dela, porque ela tava num lugar que ela só se relacionava com o pai e
outro funcionário. E hoje ela tá numa empresa que ela ampliou as relações de amizade, foi
morar com outras pessoas numa república. Ela tem uma outra vida, uma vida que ela produziu.
É claro que a produção de vida é uma coisa muito subjetiva, você pode continuar com a
mesma vida, de uma outra forma, posicionado de outro jeito. Mas esse exemplo é bem
marcante, a forma como ela tá hoje, me parece que ela tá escolhendo o que ela quer, ela tá
num papel mais protagonista da sua vida. Talvez protagonismo e produção de vida tem uma
dependência, se você não tiver um protagonismo você não produz vida. Pelo menos
considerando desejo.
3. Redes
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tá em rede. Por exemplo, se você tem um laço social com o seu bairro, com os seus vizinhos,
com a comunidade. Então é a rede com as pessoas que tão ali e os equipamentos que existem
naquele território. Se a pessoa não se sente bem, um dos critérios que a gente pensa quando a
pessoa não tá bem é a precariedade dos vínculos. Em geral o sujeito que conhece poucas
pessoas, que pode contar com poucas pessoas. As vezes ele mora no bairro e não faz ideia do
que acontece ali, tá numa situação mais enclausurada mesmo não estando dentro de um
hospital psiquiátrico. A gente vai avaliar a condição de vida e de saúde pelo laço social e um
outro jeito de falar sobre isso é falar em rede. É isso assim, a estabilidade do sujeito, a
estabilidade psicossocial, tem haver com a produção de laços. A gente vê isso assim. E
quando a pessoa tá mal ela começou a romper com as pessoas, com as unidades que ela tem
vínculo.
E qual é a relação da Terapia Ocupacional com as redes?
É parecido com os outros profissionais da saúde, talvez tenha um acréscimo pelo fato
de ser uma profissão pensada muito a partir do cotidiano. O cotidiano é um elemento
fundamental para área de atuação em terapia ocupacional, desde a formação. Quando você vai
falar em rede, em vínculo, no que o sujeito faz, como ele faz, é falar sobre o cotidiano. E isso é
um tema para T.O já visto desde sempre, desde o primeiro ano da faculdade. Mas eu digo que
todos os profissionais que trabalham na saúde precisam ter essa disposição para o trabalho em
rede e ele não é específico da Terapia Ocupacional. Ele também não é específico do psicólogo,
do assistente social. O trabalho em saúde mental, todo mundo vai escutar, assim como a
escuta não é só do psicólogo. E assim como a escuta não é só do psicólogo, o cotidiano não é
só da T.O. Mas na T.O pelo fato do aluno de graduação ter isso desde o início, quando vai
entrar em um serviço como o Caps, que tem muitas oficinas, que a ideia é pensar o cotidiano
desse sujeito, o PTS (Projeto Terapêutico Singular), isso pra T.O não é uma novidade, pois já é
visto com uma certa regularidade na formação. Mas todo o profissional deve pensar em rede,
se não, não faz, se for de uma categoria só não acontece. Até porque tem serviços que nem
tem T.O, tem UBS por exemplo que não tem T.O. Como faz? Só se trabalha em rede se tem
Terapia Ocupacional? Todo mundo que tá em saúde pública, tem que estar disponível em fazer
o trabalho em redes.
● Como você acessa essas redes no seu trabalho? Qual sua contribuição no
delineamento delas?
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Hoje eu tô mais distante assim da rede. Quer dizer, no consultório, em qualquer trabalho
que você faz na clínica você pensa na perspectiva da rede. Mas assim, quando eu tava
trabalhando no Caps, ou supervisionando os serviços como o Caps, esse pensamento de
discutir a rede era o tempo todo. Por exemplo, você tá lá lidando com um caso que vem
encaminhado de um serviço tal e as vezes é um caso que não consegue chegar e você precisa
fazer um atendimento compartilhado. Até esse usuário aceitar vir pro Caps você faz um
atendimento lá. Então o trabalho em rede é uma necessidade mais frequente. Como eu te
disse no consultório a clientela, tem os casos graves, e as vezes tem situações de chegar um
caso para atender no consultório que se beneficia muito mais na instituição. Mas mesmo assim,
as vezes a pessoa tem preconceito, não quer ser atendida pelo SUS ou acha que não vai ser
atendida direito. E você precisa criar um trabalho que logo mais precisa cativar as pessoas e as
vezes o caso é tão grave que você imagina na instituição. As vezes o trabalho no consultório é
um trabalho para você motivar essa família e esse sujeito para a instituição. As vezes atender
criança, seja no consultório ou na instituição, sem fazer um trabalho em rede com a escola...
Não tem como atender criança sem atender os pais e a escola, fica muito fragmentado você
fazer um trabalho só com o indivíduo. O trabalho em rede tá pra qualquer profissional que
atende nessa perspectiva mas na instituição isso tá mais concreto, tá acontecendo toda hora e
é uma exigência do trabalho. Um caso grave você não consegue atender sozinho, as vezes
um caso grave você precisa atender em dupla ou entre serviços, compartilhando o caso com
serviços diferentes.
Uma coisa que o próprio Jean Oury fala do Caps, quer dizer lá nem tem Caps, mas que
esses serviços abertos como Caps. Ele fala que os usuários são os pacientes e os familiares, é
quem usa. Não é só o usuário e o familiar como a gente costuma dizer, mas os usuários seriam
todo mundo, os amigos, a vizinhança. Teria que ser um serviço bem aberto que pudesse
acolher a comunidade, um serviço de base comunitária. Bom, to falando do Caps, mas o
trabalho em rede, qualquer tipo de trabalho você precisa pensar na rede. Acho que o
atendimento de crianças deixa isso bem claro.
● Como são vistas as redes dos sujeitos atendidos por você? De que modo
elas são mapeadas?
A depender do território, se você vai numa região muito periférica, por exemplo a região
do extremo sul, diferente da zona leste. Ali por exemplo: Bairro P, Bairro S e Bairro G. E Bairro
P. corresponde a um quarto do território de São Paulo e as vezes pra ela chegar ao serviço são
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15km e são 15km sem transporte. Entende? E isso inviabiliza. É diferente de você estar num
território que você tem um serviço a dois quarteirões da sua casa, você tem um centro da
juventude, você tem os movimentos sociais, centro cultural. A gente vê por exemplo, em no
bairro T (bairro da Zona Leste), eles não tem tantos equipamentos de saúde, na verdade eles
não tem quase nada, mas eles tem uma rede de movimentos sociais e serviços culturais tão
forte que isso de algum modo supre a saúde. E eles não se sentem tão desamparados e tem
muita coisa ali criada pela própria população, a região ali da Leste é uma região bem politizada
que participa de muitos movimentos sociais têm essas características. Mas juntas e quando
elas tem transporte que viabiliza o deslocamento. A gente vai num território que o transporte é
mais precário, mais difícil, as pessoas ficam isoladas. Até a forma que o transporte tá
organizado vai viabilizar ou não o laço social delas, o acesso ao serviço. Se você tem que levar
seu filho no Caps IJ e demora 4 horas para chegar a pé, você vai entender se a pessoa não for
levar. Tem que entender né. Não dá pra dizer que a pessoa não tá considerando a importância,
é inviável você ter que sustentar um atendimento com essa precariedade toda. Aí você vai ver,
não é só a questão da saúde, as pessoas estão desarticuladas mesmo. A gente considera
tudo, até mesmo as Igrejas e as vezes nem isso tem, ficam num lugar de muito desamparo. A
depender do território, que você vê alguns mais organizados e outros mais hostis. A depender
de como tá organizado o território, você vai ter mais facilidade ou mais dificuldade de fazer sua
rede.
[1] Grande agência de fomento de pesquisas.
[2] Instituto com enfoque nos estudos de psicanálise.
[3] Universidade pública Estadual.
[4] Hospital público vínculo a Universidade Estadual citada em [3].
[5] Municípios adjacentes da zona oeste da grande São Paulo, citados em ordem de
maior populosidade.
[6] Universidade particular de grande porte.
[7] Faculdade de Educação de uma grande universidade pública.
[8] Bairros da zona sul do município de São Paulo.
[9] Bairros da zona leste do município de São Paulo.
[10] Universidade pública estadual da referida faculdade no item 7.
[11] Grande instituição de pesquisa e estudo em saúde.
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