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Recursos encalhados e o petróleo na

margem equatorial brasileira


No Brasil, o esforço exploratório no pré-sal pode estar perto de
resultados decrescentes e a condição de exportador dependerá
de novas áreas
Publicado em 26/06/2021

https://editorabrasilenergia.com.br/recursos-encalhados-e-o-petroleo-na-margem-equatorial-
brasileira/

As grandes petroleiras têm sido cobradas quanto aos seus compromissos


climáticos. Nos Estados Unidos, duas batalhas entre acionistas e, na Europa, uma
inédita decisão de justiça questionam o papel que exercerão na transição
energética. Outro indicador foi dado pela Agência Internacional de Energia, que
reúne os maiores países consumidores: os projetos em O&G poderão estar
condenados a partir do final da próxima década.

O cenário parece assustador para produtores, países exportadores e empresas


especializadas. Mesmo que não ocorra tão cedo, poucos duvidam do que virá. O
endurecimento da proteção ambiental e da política climática, o avanço da
tecnologia, a substituição das fontes fósseis, a mudança nos termos de troca por
meio parafiscal (taxas, impostos, preços públicos e compensações) e o subsídio
ao financiamento de projetos verdes fazem o movimento irreversível.

O ativo de uma empresa é o que gera receita e retorno ao investidor. A montante


no petróleo, são os recursos potenciais que, após quatro a dez anos de
investigação, tornam-se reservas recuperáveis a serem extraídas nos vinte anos
seguintes. Base do valor gerado, esses recursos correm risco de ficarem
“encalhados”. Bancos centrais e reguladores têm sublinhado a alta exposição e o
perigo deles desencadearem uma crise financeira.

No Brasil, por décadas, o petróleo foi escasso e importado. Os choques de 1970


acabaram com o milagre e alavancaram o biocombustível. As descobertas no pré-
sal, em águas ultraprofundas, só ocorreram depois de 2007. O país tornou-se
grande exportador (1 milhão de bpd) e, para tanto, captou bilhões que financiaram
os ativos em produção. De contumaz devedor, tornou-se credor internacional. US$
360 bilhões em reservas cambiais e 14 bilhões de barris em reservas provadas,
quem apostaria nisso em 1999?

A inflexão foi rápida e até surpreendente, mas, talvez, tardia. A vocação tem pouco
tempo para ser valorizada e a questão não se coloca só no pré-sal. Pouco se sabe
sobre a geologia do país e, depois de 1998, são as empresas que bancam a
exploração. Ao estado cabe indicar prioridades e ditar a regulação. Considere-se
também a maturação dos ativos e a velocidade da transição. Acelerar – ou não – a
busca por óleo é uma decisão-chave da política energética.
Vale lembrar a probabilidade: em exploração, primeiro vem as grandes
descobertas, depois, as pequenas. O pré-sal se constituiu na maior província
aberta nas últimas décadas, com reservas provadas de 10 bilhões de boe e
projetos que produzirão mais de 4 milhões de bpd. Contudo, no último triênio, a
falta de sucesso intriga e pode indicar os rendimentos decrescentes, que levam à
passagem para novas áreas e horizontes geológicos.

É um adendo a ser considerado na política energética. O que virá após o pré-sal? A


questão é ainda mais pertinente com as descobertas na Guiana e no Suriname, à
origem da mais nova fronteira offshore. As descobertas corroboram o
espelhamento entre a costa africana e sul-americana. No litoral de Gana e Costa
do Marfim foram identificadas importantes jazidas desde o início do século. A
Margem Equatorial permanecerá, assim, prioridade para as empresas.

À porção brasileira interessa: em bônus de assinatura e aquisição de dados, as


despesas já somam US$ 1 bilhão nas bacias marítimas existentes. A disposição a
gastar crescerá na medida em que as descobertas se confirmem nos dois lados do
oceano. Apenas os compromissos firmados nos contratos beiram US$ 4 bilhões. A
partir desses valores, é possível inferir que as petroleiras contam com 15 bilhões
de barris como recursos prospectivos. O volume não estaria numa só acumulação,
mas em algumas, como ocorreu na área vizinha, ou em Gana e Costa do Marfim.
Ao preço de US$ 50 e considerando a compensação para cada barril em um quinto
deste valor, se as expectativas iniciais se realizarem, perto de US$ 150 bilhões
seriam recolhidos em participações governamentais, sem contar impostos.

A produção em águas ultraprofundas envolve somas entre US$ 2 a 3 bilhões para


cada ativo com capacidade de extrair 200 mil bpd. Essas despesas e a operação
teriam enorme impacto, muito além dos tributos e das compensações. Em
especial, numa região onde as oportunidades de geração de renda continuam
limitadas, e o estado não consegue se financiar.

As obrigações assumidas e as descobertas realizadas indicam que, a despeito da


volatilidade e do colapso do preço, no mar, não existe outra aposta de porte
mundial que rivalize com a Margem Equatorial. No Brasil, o esforço exploratório no
pré-sal pode estar perto de resultados decrescentes e a condição de exportador
dependerá de novas áreas. Sem dúvida, o litoral Norte dispõe de argumentos para
atrair as petroleiras, assim que retomarem seus investimentos mais arriscados.

A janela para o aproveitamento das jazidas se estenderá por vinte a trinta anos,
talvez mais na periferia; de qualquer forma pouco para a indústria. Considerando o
risco da atividade em alto-mar, a centena de milhas da base, em águas
ultraprofundas, com equipamentos submetidos a fortes correntezas e equipes
mantidas isoladas por semanas, não será preciso apenas descobrir óleo, mas
também, ter projetos adequados à região, às portas da Amazônia e entre as
últimas fronteiras offshore.

Duque Dutra é Mestre em Planejamento Energético, Doutor em Ciências Econômicas


e Professor Adjunto da Escola de Química da UFRJ.
Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra, coautor deste artigo, é Especialista Sênior
em Regulação de Petróleo e Gás Natural da ANP, Geólogo e Mestre em Geologia pela
UFRJ.

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