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MACROECONOMIA

Logística: a saída
hidroviária pelo Norte
A edição de maio de Conjuntura Econômi- que tem a maior bacia hidrográfica navegável
ca nos trouxe excelente série de artigos sobre do mundo contígua à potencialmente maior
o “apagão” logístico que aflige a economia região produtora de grãos do planeta. Esta
brasileira em geral e o agronegócio em área, que já responde por cerca de 56% da
particular, aprofundando especificamente soja produzida no Brasil, promete chegar a
a análise do escoamento da soja e sua 80% da produção nacional nos próximos dez
inexorável tendência de migração rumo anos. O que estamos esperando, então, para
ao Norte do país. Em que pese estarmos reorganizar o time e virar o jogo?
todos de acordo com a idéia abraçada Ao viabilizarmos a Hidrovia Araguaia-
pelos articulistas de que o Brasil necessita Tocantins, desde o Rio das Mortes (MT) até
adotar imediatamente providências que Belém (PA), teremos um corredor de trans-
reduzam as perdas de receita do agricultor Fabio Ribeiro de Azevedo porte hidroviário de 2.400 km que ligará o
decorrentes da ineficiência do nosso sistema Vasconcellos coração do Centro-Oeste, próximo a Brasília
de transportes, penso que as diversas maté- Engenheiro Naval e presidente do Sindicato da e Goiânia, aos portos da Região Norte. Toda
Indústria da Construção Naval do Estado do Pará
rias deixaram de destacar a alternativa mais a produção de grãos do nordeste do Mato
viável de melhoria das condições vigentes: navegável do mundo. Enquanto a “combina- Grosso, Goiás, Tocantins e Pará poderá che-
a conclusão das eclusas da hidrelétrica de ção de diligência empresarial com condições gar à Europa a um custo por tonelada cerca
Tucuruí, no Pará, o que, acrescido de alguns naturais privilegiadas” enunciam a equação de US$ 30 menor do que a opção rodoviá-
outros investimentos complementares em cujo resultado é a pujança do agronegócio ria pelo Sudeste. Num momento em que os
terminais graneleiros e na navegabilidade brasileiro, a falta de diligência oficial está a preços da soja no mercado internacional en-
dos rios Araguaia e Tocantins ao sul de Ma- nos impedir de equacionarmos a logística contram-se em declínio, assim como a taxa
rabá, resultará no tão aguardado nascimento hidroviária na Região Norte, frustrando a uti- de câmbio, uma economia desta magnitude
de uma hidrovia com potencial inestimável, a lização plena de nossas “condições naturais no transporte compensaria boa parte destas
do Araguaia-Tocantins. Somente com o tre- privilegiadas”. E isto aumenta o tal incômodo perdas e traria o custo do transporte para um
cho de 500 km viabilizados com as eclusas, de perdermos um jogo para o qual somos patamar mais próximo do norte-americano,
atingiremos cerca de nove milhões de tone- mais aptos que o adversário. nivelando os produtores daqui aos de lá. A
ladas por ano de minérios e grãos até 2010. Benefícios — É sabido faz muito tempo Hidrovia Teles Pires-Tapajós, mais a oeste da
Vale registrar que as obras em questão se que o custo do transporte hidroviário é, no Amazônia, ligaria o norte do Mato Grosso,
encontram avançadas, dependendo agora máximo, apenas uma terça parte do seu próximo a Alta Floresta, a Santarém, num
da alocação de recursos pouco significativos equivalente rodoviário — US$ 10,00/t X eixo paralelo à BR-163 (Cuiabá-Santarém).
para o orçamento federal, mesmo em época US$ 30,00/t para cada 100 km. Mais ainda, A Hidrovia do Madeira, atualmente em ope-
de ajuste fiscal. Além desta hidrovia, há mais o transporte hidroviário tem uma eficiência ração intensa, completa o tripé no sentido
algumas que podem ter seu desenvolvimen- energética quase nove vezes maior que o Sul-Norte, conectando toda a região Cen-
to acelerado por ações governamentais que rodoviário — com um litro de combustível tro-Oeste aos portos setentrionais do Brasil.
estimulem a iniciativa privada e liberem suas transporta-se uma tonelada de carga por Estes corredores hidroviários constituem
energias para a criação de novos negócios 218 km em via hidroviária para apenas 25 parte da gigantesca hidrovia do Rio Amazo-
na região. km em via rodoviária (estima-se o gasto em nas e seus afluentes, que se estende desde
Realmente, “talvez não exista sensação ferrovias como 85 km/l). O transporte hidro- as fronteiras de Venezuela, Colômbia, Peru e
mais incômoda do que, sendo o melhor, não viário polui nove vezes menos — 0,0006 kg Bolívia até Belém. Há projetos em curso para
ganhar o jogo”, como bem pontifica a Carta de monóxido de carbono emitido por t/km a instalação de vários terminais graneleiros
do IBRE. As mesmas condições naturais privi- contra 0,0018 kg no ferroviário e 0,0054 kg no na região de Barcarena, município próximo
legiadas que contribuem para a produtivida- rodoviário. O custo financeiro e ambiental da a Belém, onde se localiza o Porto de Vila
de imbatível de nossa agricultura poderiam implantação e manutenção de uma hidrovia do Conde, da Companhia Docas do Pará.
também auxiliar na redução significativa de é infinitamente menor do que o de uma rodo- Todos esses empreendimentos consideram
nossos gargalos logísticos. A natureza não via. Por tudo isso é que a matriz de transporte a inexorabilidade do escoamento da soja e
só nos concedeu a maior bacia hidrográfica dos países desenvolvidos se mostra inversa demais grãos produzidos na região por estes
do mundo, mas a maior bacia hidrográfica à do Brasil, que parece não se dar conta de corredores nos próximos anos.

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MACROECONOMIA

A natureza não só
Não há como escapar do lugar-comum de nos concedeu a maior • A primeira etapa da implantação efetiva da
ressaltar que a implantação dessas hidrovias Hidrovia Araguaia-Tocantins (Marabá–Be-
depende unicamente de vontade política. É bacia hidrográfica do lém), com um volume de carga significativo
claro que os aspectos econômico-financei- já no primeiro ano de operação — cerca de
ros-ambientais podem ter tido relevância,
planeta, mas a maior 1,5 milhões de toneladas/ano. Neste trecho
mas a verdade é que a opção hidroviária bacia hidrográfica não existe nenhuma restrição de caráter
não foi uma prioridade do governo federal ambiental à navegação;
nos últimos 25 anos. Caso existisse a priori- navegável do mundo • O aproveitamento do grande potencial
dade, a questão ambiental poderia ter sido agropecuário, de pesca, turismo, florestal e
enfrentada com sucesso. Estudos existentes, liberação do percurso integral do Araguaia- mineral inerentes a essa região;
conduzidos nos últimos anos por entidades Tocantins até o Centro-Oeste. A capacidade • A indução a um processo de desenvolvi-
públicas e privadas, sobretudo pela Adminis- de escoamento desta hidrovia comporta to- mento socioeconômico sustentado dessa
tração das Hidrovias do Tocantins e Araguaia da a produção de sua região de influência. região;
(AHITAR — www.ahitar.com.br), Adminis- Os maiores investimentos adicionais seriam • Um alívio para a infra-estrutura da Região
tração das Hidrovias da Amazônia Oriental na implantação de terminais graneleiros e Norte, possibilitando mais uma alternativa
(AHIMOR — www.ahimor.gov.br) e Admi- no aumento da capacidade dos já existentes de escoamento da produção das regiões
nistração das Hidrovias da Amazônia Oci- nos portos da Região Norte (Itacoatiara-AM, Norte e Centro Oeste; e
dental (AHIMOC — www.ahimoc.com.br), Santarém-PA, Vila do Conde-PA e Itaqui-MA). • A perspectiva de um volume de transporte
todas entidades ligadas ao Ministério dos A conclusão das eclusas está orçada em cerca de cerca de 10 milhões de toneladas/ano de
Transportes, mostram perfeitamente, com de R$ 350 milhões. Cerca de 70% da Eclusa carga (minério e grãos) nos próximos cinco
as minúcias indispensáveis, os impactos n.º 1, 50% do canal intermediário e 20% da anos, movimentando outros setores da
ambientais perfeitamente administráveis e Eclusa 2 já estão concluídos. Aproximada- economia, com destaque para a indústria
as precauções a serem tomadas. mente 12 meses de obra ininterrupta seriam naval local, empregadora intensiva de
Também foram elaborados os estudos suficientes para sua conclusão. mão-de-obra.
técnicos e de viabilidade econômica para Para vencer os outros principais obstá- Além disso, este sistema é o único que
praticamente todos os investimentos neces- culos, as corredeiras de Santa Izabel e as integra toda a Região Amazônica ao Cen-
sários à plena navegabilidade dos aludidos eclusas de Lajeado e para o balizamento tro-Oeste e Sudeste do país, permitindo
rios. Com base nesses estudos exaustivos, (sinalização) da hidrovia, são necessários a interiorização dos produtos importados
podemos afirmar que o custo total para investimentos complementares da mesma (carvão mineral, combustíveis e fertilizan-
a implantação completa das hidrovias ordem de grandeza. Ou seja, muito pouco, tes) e escoamento da produção voltada à
Araguaia-Tocantins e Teles Pires-Tapajós é se levarmos em consideração os benefícios exportação (minérios, ferro-gusa e grãos).
incomparavelmente menor do que o valor em competitividade que teríamos, além do É imperiosa a retomada imediata das obras
previsto para o asfaltamento da BR-163. Isto aproveitamento do enorme investimento de conclusão das eclusas de Tucuruí.
sem incluir no cálculo o aspecto ambiental e público realizado desde 1984. Embora o Por tudo o que foi exposto, fica clara
os custos de manutenção e de operação da presidente Lula tenha prometido mais de a vantagem e a importância da opção
rodovia diante da hidrovia. Teríamos, ainda, uma vez a conclusão das eclusas para 2006, hidroviária para a minimização do gargalo
dois corredores de escoamento fluvial ao o histórico de promessas em relação a esta logístico do país. Temos aqui um exemplo
invés de um rodoviário. O Brasil já deveria obra não é favorável. A mesma promessa já concreto de como podemos reduzir drastica-
ter priorizado esta solução. Corremos contra fora feita por José Sarney, Fernando Collor mente o custo-Brasil no escoamento de nos-
o tempo. Não se trata, todavia, de desconsi- e Fernando Henrique Cardoso (nas duas sa safra proveniente do Centro-Oeste, além
derar a importância, inclusive social, da im- campanhas) e a velocidade no andamento da diminuição das desigualdades regionais
plantação da BR-163, cujo raio de influência da obra não nos permite muitas esperanças como efeito colateral positivo. Resta traba-
abrange microrregiões carentes de acesso desta vez também. As obras se encontram lharmos para que a sociedade se mobilize e
hidroviário. Na verdade, num cenário ideal, paralisadas novamente devido a desacer- para que as autoridades competentes assu-
um modal complementa o outro. tos comerciais entre o governo federal e mam o papel que lhes cabe na implantação
Investimentos — A ampliação da ca- a empreiteira responsável. Esta situação é destes corredores hidroviários na Região
pacidade da Usina Hidrelétrica de Tucuruí inadmissível, sobretudo se levarmos em Norte, aproveitando uma condição natural
e a conclusão das eclusas respectivas, consideração que esta obra está entre as singular de que dispomos.
construção que se demora inacabada por escolhidas para o Projeto Piloto apresentado Estes e outros temas correlatos serão
cerca de 20 anos, constitui a principal obra ao FMI e, portanto, não está sujeita aos con- discutidos em Belém, de 15 a 19 de agosto
do governo federal em execução em toda tingenciamentos que já se tornaram praxe próximo por ocasião do 4º Seminário de
a Amazônia. Ela oferece a perspectiva de para geração de superávit primário. Transporte e Desenvolvimento Hidroviário
reabrir à navegação aproximadamente Pela sua grande importância para o Interior, realizado pela Sociedade Brasileira
500 km no Rio Tocantins, de Marabá (PA) a país, a conclusão das eclusas de Tucuruí de Engenharia Naval (Sobena). Informações:
Belém, sendo este o primeiro passo para a representará: www.sobena.org.br.

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