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A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS*

WANDERLEY NUNES**
Capitão de Mar e Guerra (Refo)

SUMÁRIO

Introdução
Influência da administração pública
Desenvolvimento regional
Exemplos no exterior
Bacias hidrográficas
Vantagens no uso das hidrovias
Integração multimodal
Gargalos
Conclusões
Sugestões

INTRODUÇÃO rodoviário, que é menos econômico e mais


poluente, mas que foi de importância no

O Brasil, além de ter grande extensão


de costa marítima, apresenta uma
imensa reserva de água doce. Temos em
passado para o desenvolvimento do País.
Existem os rios chamados navegáveis
e os potencialmente navegáveis. Os nave-
nosso território diversos rios propícios à gáveis são os que não precisam de grandes
navegação. Porém nossos rios ainda são intervenções humanas para torná-los úteis
pouco utilizados para movimentação de ao transporte de cargas e passageiros, utili-
cargas se comparados sobretudo ao modal zando apenas algumas atividades de derro-

* Título original: Hidrovias – Importância entre os Modais de Transporte e no Desenvolvimento Regional.


** Oficial hidrógrafo e Capitão de Longo Curso pela Marinha Mercante com experiência em navegação fluvial.
Atualmente trabalha na Diretoria-Geral de Navegação.
A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS

cagens ou desassoreamentos. É o caso, por INFLUÊNCIA DA


exemplo, dos rios Madeira (que banha os ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
estados de Rondônia e Amazonas), Tapajós
(que nasce no Mato Grosso e deságua no Em uma análise da parte histórica da
Rio Amazonas), o próprio Amazonas e o responsabilidade pública no gerenciamen-
Rio Paraguai (que banha quatro países da to da administração das vias navegáveis
América do Sul). do País pelo Governo Federal, entre
Os rios potencialmente navegáveis são 1910 e 2015, observa-se que tivemos 11
aqueles que necessitam de maiores inves- instituições responsáveis em cem anos,
timentos, como construção de barragens, enquanto nos Estados Unidos da Amé-
de eclusas e sinalizações, entre outras rica (EUA), no mesmo período, existiu
operações. O Brasil possui mais de 60 somente uma, e na França duas.
mil km de rios navegáveis, porém só são As mudanças no gerenciamento admi-
utilizados cerca de 20 mil km. nistrativo, ao longo do tempo, afetaram a
O transporte hidroviário é o que possui evolução e o crescimento de uma eficiên-
as menores representatividade e participa- cia para o transporte aquaviário. Podemos
ção nos sistemas de deslocamento nacio- inferir que o setor político no Brasil, além
nal, o que é uma contradição, haja vista o de ter influenciado o desenvolvimento do
grande potencial que o País possui para setor de transportes, ocasionou uma evolu-
esse modal. No Brasil, a rede hidroviária é ção lenta na administração das hidrovias,
muito ampla, e alguns rios são navegáveis sendo o período de 1988 a 1994 o mais
sem sequer exigir a construção de grandes “nebuloso”, com diversas mudanças na
empreendimentos e estruturas, como obras administração pública e propiciando um
de correção e instalação de equipamentos. legado de dificuldades no desenvolvimen-
Uma possível justificativa para a falta to do setor de transportes.
de investimentos nas hidrovias brasileiras O reflexo político, com regras e
é a existência de muitos rios de planalto, prioridades diferentes de cada governo,
que são mais acidentados e exigem mais colocou o modal hidroviário como baixa
obras de correção para facilitar o trans- prioridade. O Departamento Nacional de
porte. Os rios de planície, mais facilmente Infraestrutura de Transportes (DNIT) hoje
navegáveis, encontram-se em áreas afas- empreende esforços para, aos poucos,
tadas dos grandes centros econômicos. reverter esse cenário, porém sem uma po-

Influência da Administração Pública no Transporte Hidroviário


1900/1910 – Criação da Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais (IFPRC / IFN)
1933 – Criação do Departamento Nacional de Portos e Navegação (DNPN)
1940 – Criação do Departamento Nacional de Portos, Rios e Costa (DNPRC)
1966 – Criação do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN)
1975 – Criação da Empresa de Portos do Brasil (Portobras)
1990 – Liquidação da Portobras e surgimento do DNTA, DPH e DHI até 2001
2001 – Criação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT)

Figura 1 – Administração Federal no gerenciamento das hidrovias

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lítica de estado duradoura, e os resultados lutamente necessário e importante para


finais correm riscos de não ser eficazes. o desenvolvimento regional, permitindo
O momento atual nos permite pensar ao País participar ativamente do cenário
que uma estabilidade organizacional se mundial de troca de mercadorias de forma
faz necessária para que projetos estrutu- vantajosa e auferir vantagens no cresci-
rantes sejam efetivados com pensamento mento agroindustrial.
de longo prazo e até mesmo com possível
colocação de uma nova matriz logística EXEMPLOS NO EXTERIOR
de transporte para o País, considerando a
intermodalidade. Tomando como exemplo a soja,
produto campeão de produtividade da
DESENVOLVIMENTO lavoura brasileira, é transportada por
REGIONAL hidrovias cerca de 5% da safra de grãos
do País, enquanto cerca de 67% seguem
Historicamente, o transporte aquavi- pelas estradas. Nos EUA, um dos maio-
ário está ligado com nossas origens, já res exportadores de grãos do mundo, a
que, no período colonial, madeira, ouro, posição desses valores se inverte, sendo
diamante e borracha foram extraídos do transportados por rodovias cerca de
solo e subsolo e embarcados para a Coroa 16% da produção, enquanto as hidrovias
portuguesa através dos meios fluviais e participam com mais de 60% (dados da
marítimos. Podemos dizer que a vocação Agência Nacional de Transportes Aqua-
natural de nossas hidrovias é o transporte viários – Antaq). O resultado dessa conta,
de commodities em grandes quantidades no Brasil, é que o preço do frete dispara
e a longas distâncias. e perde-se competitividade no mercado.
O crescimento econômico regional A manutenção do transporte de bens
deriva diretamente da consolidação da agrícolas e industriais centrado em uma
logística multimodal, que, por sua vez, matriz rodoviária certamente posicionará
potencializa investimentos diversifica- o Brasil como um país de desempenho
dos em empreendimentos que, aliados à secundário no cenário mundial. Todos
formação de Arranjos Produtivos Locais os países que a médio e a longo prazos
(APL), em uma visão de cluster, poderão investiram no transporte aquaviário se
gerar empregos, renda e divisas. destacaram, sendo exemplos alguns países
Os rios que tanto ajudaram a des- do norte da Europa. As regiões que opta-
bravar o Brasil e todo o continente sul- ram por sistemas de transporte a custos
-americano precisam reassumir o seu elevados e não usaram seus rios para a
importante papel de vetor de desenvol- navegação comercial apresentam, via de
vimento regional e de transporte de bens. regra, baixos desempenhos econômicos.
O transporte hidroviário costuma utilizar É o caso das regiões do sul da Europa,
vias naturais, o que resulta em um menor América do Sul e África.
custo de implantação em comparação Os povos orientais investem forte no
com os demais modais. transporte por água, utilizando intensa-
Promover o transporte fluvial no Brasil mente as vias interiores e a cabotagem.
e implementar uma logística de transporte A China inaugurou o maior conjunto de
de carga baseada em modais mais baratos eclusas do mundo, na barragem de Três
e limpos deve ser encarado como abso- Gargantas, vencendo uma altura equi-

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valente à de Itaipu. Na Europa, diques, os estudos e projetos para os rios e portos,


canais e barragens vêm sendo utilizados entre outras informações relevantes.
há séculos na implantação de sistemas de Em recente estudo concluído, o DNIT
navegação fluvial de cargas. São comuns designou 137 dos nossos rios navegáveis
as sequências de barragens baixas, muni- mais importantes com a sigla HF (Hidrovia
das de eclusas e pequenas hidrelétricas, Federal) seguida de uma numeração abor-
nas bacias dos rios Danúbio, Ródano, dando uma lógica similar à que foi adotada
Reno e outros. para as rodovias há cerca de 60 anos.
Esses países também fazem investi- Também recentemente foi concluído pelo
mentos em portos marítimos de grande DNIT o estudo de vetorização dos rios que,
calado e altamente sofisticados e eficien- por meio de uma metodologia e imagens
tes. Assim, reduzem significativamente satélites, determinou a extensão correta
os custos logísticos, fator relevante para dos rios em quilômetros. Os rios podem ser
promover o desenvolvimento de uma na- estaduais ou federais, quando cruzam pelo
ção e inseri-la no ambiente global. menos uma divisa entre estados.
Para se ter uma noção do dano de uma A hidrovia do Amazonas é o principal
matriz de transporte tão distorcida, como caminho de escoamento de cargas e de
é o caso brasileiro atualmente, cerca de passageiros, sendo responsável por cerca
60% da produção da China é escoada por de 65% do total transportado na região.
hidrovias, e os EUA não seriam a maior O transporte hidroviário na Amazônia é
potência econômica do planeta sem o diversificado e atende a uma vasta área
robusto sistema de hidrovias do Rio Mis- florestal, extremamente densa e cheia de
sissipi. Na Rússia, a hidrovia do Volga é rios, sendo a hidrovia fundamental para o
responsável pela distribuição de cerca de comércio interno e externo. Hoje a infra-
60% da produção. estrutura hidroviária da região é constituí-
No Brasil, cerca de 20% da produção da por vias de navegação em corrente livre
de cargas é movimentada pelo modal e por trechos de rios canalizados, com
ferroviário, 14% pelo modal aquaviário, mais de 70 terminais e portos ao longo
dos quais somente 5% nas hidrovias, e da hidrovia, pela qual são transportados
cerca de 60% por rodovias e 1% pelo itens como borracha, madeira, derivados
modal aéreo. de petróleo, grãos, minérios, celulose e
bauxita, entre outros produtos regionais.
BACIAS HIDROGRÁFICAS O Rio Madeira é a segunda via de
transporte mais importante da Amazônia,
O DNIT classifica nossas bacias hidro- atrás apenas do Rio Amazonas. Navegável
gráficas em nove Regiões Hidrográficas em uma extensão de mais de mil quilôme-
(RH), perfeitamente detalhadas em seu tros entre Porto Velho e Itacoatiara (AM),
Atlas, disponível na internet de forma permite a passagem de grandes comboios,
dinâmica e atualizado, com total trans- com até 18 mil toneladas, mesmo durante
parência em relação aos instrumentos a estiagem.
contratuais referentes a execução de obras O corredor Tapajós-Tele Pires tem sua
portuárias e aquaviárias, operacionalida- cabeceira na cidade de Sorriso (MT), mas
de e manutenção das eclusas, portos e a partir da Cachoeira Rasteira é navegável
hidrovias, bem como a implantação e a até sua foz, em Santarém (PA). O Rio
manutenção da sinalização nas hidrovias e Tapajós tem cerca de 840 quilômetros

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de extensão até a confluência com os existem terminais hidroviários e estruturas


rios Teles Pires e Juruena. Atualmente de transposição de níveis, como as duas
os comboios permitidos no Rio Tapajós eclusas de Tucuruí. A maior ilha fluvial do
têm 210 metros de comprimento e 32 mundo, Ilha do Bananal, está nesta região,
metros de largura, com três metros de bem como o Pedral do Lourenço, no qual
calado e capacidade para 900 toneladas o DNIT trabalha para realizar obras de seu
de carga, e seus principais portos são derrocamento.
Itaituba e Santarém. Além da capacidade O corredor do Rio Parnaíba tem suas
de carga, esse corredor do Tapajós-Teles águas correndo do sul para o norte e divide
Pires ou Tapajós-Juruena-Arinos poderá o Piauí do Maranhão. O período de águas
liberar rotas alternativas para escoamento baixas se estende de agosto a dezembro,
da produção pelo Centro-Sul do País e e o de águas altas de janeiro a julho. O
descongestionar modais de transporte e a curso do Rio Parnaíba está dividido em
infraestrutura portuária. três trechos, sendo o Alto Parnaíba com
A região hidrográfica do Tocantins- 784 quilômetros de extensão e onde se
-Araguaia é a segunda maior bacia do localiza a barragem de Boa Esperança.
Brasil, espalhada pelos estados de Tocan- O Médio Parnaíba tem 312 quilômetros
tins, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Goiás de extensão, e o Baixo Parnaíba possui
e no Distrito Federal. O Rio Tocantins tem 389 quilômetros entre os rios Poti e São
cerca de 1.960 quilômetros de extensão, Francisco. Atualmente, o comboio-tipo
sendo navegáveis pouco mais de mil qui- previsto para a hidrovia tem dimensões
lômetros sem continuidade, e sua foz é de 155 metros de comprimento, 11 metros
na Baía de Marajó. Seu principal afluente de largura e dois metros de calado, porém
é o Rio Araguaia. Nas vias navegáveis embarcações de pequeno e médio portes,
com capacidade de até
12 toneladas, também
carregam arroz, fei-
jão, babaçu, carnaúba,
mandioca e pescados,
além de servir ao trans-
porte de passageiros.
A hidrovia do São
Francisco se estende
pelos rios São Francis-
co, Paracatu, Grande e
Corrente, pelos esta-
dos de Minas Gerais
(MG), Bahia (BA),
Pernambuco (PE),
Alagoas (AL), Goiás
(GO) e Distrito Fe-
deral (DF), em um
total de pouco mais
de 2.300 quilômetros
Figura 2 – Os principais corredores hidroviários de extensão. Porém a

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navegação comercial atualmente ocorre No Rio Jacuí existem três barragens


somente em uma extensão de 560 qui- eclusadas, e no Rio Taquari uma eclusa
lômetros entre Juazeiro/Petrolina e Ibo- em Bom Retiro do Sul. Já no Rio Caí fica
tirama com comboios de 120 metros de a primeira eclusa construída na América
comprimento, 16 metros de largura e 1,5 Latina. Além dessas cinco, implantadas
metro de calado com capacidade para 2/3 para regularizar a navegação nos rios, foi
mil toneladas de carga. O sistema do São construída em Capão do Leão, no canal
Francisco é parte de uma cadeia multimo- de São Gonçalo, a barragem eclusada para
dal de exportação de produtos agrícolas, impedir a salinização da Lagoa Mirim.
que se inicia com o transporte rodoviário Atualmente podem navegar embarcações
a partir das áreas produtoras de Ibotirama, com 90 metros de comprimento, 15 me-
de onde se trafega por via fluvial até Pira- tros de largura e 2,5 metros de calado. Um
pora. De lá, a carga segue por trem até o novo projeto da hidrovia Brasil-Uruguai
porto marítimo de Vitória (ES). planeja incrementar o transporte mediante
A hidrovia do Paraguai corta metade abertura de novos terminais, pela melhoria
da América do Sul, desde Cáceres (MT) de navegabilidade de alguns portos e pelo
até Nova Palmira, no Uruguai. O trecho recebimento de carga uruguaia para as
brasileiro vai até a confluência com o viagens de retorno.
Rio Apa, possuindo 1.270 quilômetros
de extensão e sendo região de fronteira VANTAGENS NO USO DAS
com a Bolívia por 58 quilômetros, e com HIDROVIAS
o Paraguai por 322 quilômetros. Podem
trafegar no tramo norte, entre Cáceres e Comparações
Corumbá, comboios de até 140 metros
de comprimento, 24 metros de largura e A diferença de custo das hidrovias para
1,5 metro de calado. Essas embarcações as ferrovias e rodovias é que o rio já existe,
transportam soja, arroz, milho e madeira, necessitando de investimentos em adequa-
além de cimento e derivados de minério ção e melhoramentos. Já as rodovias e fer-
de ferro e manganês. Atualmente, em rovias podemos levar para onde necessário,
Porto Murtinho, no lado brasileiro, obras mas com altos investimentos e projetos
de ampliação dos terminais fluviais estão diferenciados, considerando elevações e
em andamento, o que permitirá um au- pontes, entre outros aspectos da região.
mento considerável no desenvolvimento O transporte aquaviário moderno
da região. depende, cada vez mais, de instalações
A região hidrográfica do Uruguai, de transbordo sofisticadas, além de sina-
também conhecida como corredor do lização, balizamento, sistemas de controle
Mercosul, é constituída pelos rios Jacuí, operacional, entre outros, o que pode
Taquari, Sinos, Caí, Gravataí, Camacuã e envolver maiores investimentos.
Jaguarão, que se ligam à Lagoa dos Patos A necessidade de intervenções de
através do Lago Guaíba, com continuida- derrocamento e a implantação de barra-
de no canal de São Gonçalo e na Lagoa gens e eclusas também elevam significa-
Mirim. Com cerca de 1.860 quilômetros tivamente os custos de implantação das
de vias navegáveis, trata-se de um eixo de hidrovias, tornando-se imperioso fazer
importância para o intercâmbio comercial um planejamento integrado do aprovei-
entre o Brasil e o Uruguai. tamento dos rios.

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Figura 3 – Vantagens do modal hidroviário

Na disputa pelo uso dos modais de é o Tietê, que atravessa praticamente todo
transporte, as hidrovias estão espremidas o estado de São Paulo.
entre os poderosos lobbies dos setores Lembramos que, ao longo da hidrovia
automotivo, do óleo e gás e elétrico, sen- Tietê-Paraná, as eclusas foram cons-
do a navegação interior o elo mais frágil truídas simultaneamente às barragens
desta cadeia. A raiz do problema está na das usinas hidrelétricas, permitindo o
ausência de uma discussão mais apro- aproveitamento das águas para geração
fundada sobre o uso múltiplo das águas. de energia e viabilizando a navegação
Isso acarreta falta de confiança no amplo desde o terminal de Conchas, próximo à
sistema de transportes e falta de visão so- capital paulista, até o lago da Usina de
bre o modal hidroviário desempenhando Itaipu, no Paraná.
papel estratégico de peso que justifique Situada entre as regiões Sul, Sudeste
um plano de governo com equilíbrio na e Centro-Oeste, essa hidrovia permite a
matriz de transportes. navegação e, consequentemente, o trans-
Quanto aos investimentos financeiros porte de cargas e de passageiros ao longo
necessários para implantação e manu- dos rios Paraná e Tietê. Um sistema de
tenção dos modais de transporte, amplas eclusas viabiliza a passagem pelos des-
vantagens são oferecidas pelo modal níveis das muitas represas existentes nos
hidroviário. dois rios. A hidrovia possui uma extensão
de 2.400 km, sendo 1.600 km no Rio
Exemplo da hidrovia Tietê-Paraná Paraná e 800 km no Rio Tietê.
A hidrovia integra um grande sistema
Mesmo os rios potencialmente navegá- de transporte multimodal do corredor su-
veis, que exigem maiores custos de inves- deste de logística, e a entrada em operação
timento e manutenção, ainda representam dessa hidrovia impulsionou a implantação
uma fração dos gastos investidos em ou- de 23 polos industriais, 17 polos turísticos
tros modais de transporte. Podemos citar e 12 polos de distribuição, nos quais é
que o único rio que pode ser considerado gerada grande parte do Produto Interno
como hidrovia no País, por apresentar Bruto (PIB) brasileiro, conectando áreas
investimentos em estruturas navegáveis, de produção aos portos marítimos.

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Figura 4 – A hidrovia Tietê-Paraná

A hidrovia Tietê-Paraná abrange os es- Paulo, Campinas, Guarulhos, Londrina,


tados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso Foz do Iguaçu, Três Lagoas e Araguari
do Sul, Goiás e Minas Gerais, e em seus como os principais centros urbanos.
limites se encontram inseridos os territó- O sistema possui oito eclusas, sendo
rios de 286 municípios. Entre esses mu- seis no Rio Tietê: Barra Bonita, Bariri,
nicípios, vale destacar as cidades de São Ibitinga, Promissão, Nova Avanhandava

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e Três Irmãos. Todas têm 142 metros de manutenção das eclusas para as contas de
comprimento e 12 metros de largura, com energia dos consumidores.
profundidades entre três e quatro metros. O custo da construção de uma eclusa,
As outras eclusas estão localizadas no Rio durante as obras de construção de uma
Paraná: Jupiá e Porto Primavera. Estas duas UHE, corresponde a cerca de 7% do valor
têm 210 metros de comprimento, 17 metros total da obra. Porém, se a eclusa for cons-
de largura e quatro metros de profundidade. truída sozinha, o valor de sua obra corres-
Ao longo de toda a hidrovia estão ponde a cerca de 42% da obra da UHE.
localizados cerca de 30 terminais inter- Temos um total de 17 eclusas somente,
modais e estaleiros. Nos terminais, as sendo que oito estão sob a administração
cargas transportadas pela hidrovia são do DNIT. Somente no Rio Mississipi, nos
armazenadas até sua transferência para EUA, com 3.800 km de extensão, existem
outro modal, que pode ser rodoviário ou cerca de cinco vezes mais eclusas do que
ferroviário. Nos estaleiros, são realizadas no Brasil todo.
manutenções dos comboios. Atualmente
operam na hidrovia seis empresas para Concessões
transporte de cargas de médio/longo per-
curso. Mensalmente navegam em média O debate sobre a abertura das hidro-
200 comboios na Tietê-Paraná, movi- vias para a iniciativa privada, por conces-
mentando cerca de 300 mil toneladas de sões, ainda é bastante controverso no País
cargas/mês em plena safra. e divide opiniões.
A hidrovia Tietê-Paraná apresentou Atualmente, as demandas sociais e
nas últimas duas décadas um crescimento econômicas por infraestruturas exigem
no transporte de cargas, podendo ser um demasiadamente da capacidade da admi-
modelo para aplicação de infraestrutura nistração pública brasileira. A gestão de
de transporte hidroviário para o Brasil. riscos em Parcerias Público-Privada (PPP)
é crucial para o sucesso do empreendi-
Eclusas mento. Projetos de hidrovia sob esse tipo
de cooperação são ainda escassos, bem
As eclusas corrigem o desnível cau- como as pesquisas nessa área.
sado pela barragem das hidrelétricas, Sempre lembrando que privatização
permitindo a continuação da navegação e concessão são ações distintas, pois na
fluvial. Temos no País Usinas Hidroe- privatização existe a transferência da pro-
létricas (UHE) construídas sem eclusas, priedade e na concessão isso não ocorre.
e somente em 2015 foi sancionada a Lei O governo de São Paulo chegou a aventar
13.081, conhecida como Lei das Eclusas, possibilidade de privatizar a hidrovia
obrigando a construção de eclusas junto Tietê-Paraná, mas não foi encontrado no
a hidrelétricas em rios navegáveis de mundo nenhum modelo de privatização
potencial energético, sendo os custos do de hidrovias. Uma possível concessão
licenciamento ambiental e da construção de algumas vias navegáveis poderá ser
arcados pelo Ministério da Infraestrutura estudada no futuro. Porém os entraves
(Minfra) junto ao Ministério de Minas e existentes para as concessões são: os
Energia (MME). Nesse ponto, a nova lei poucos agentes privados envolvidos na
possui artigo específico proibindo o repas- navegação interior; as ações lentas do
se dos custos do serviço de operação e de governo; e as parcerias mais difíceis nas

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hidrovias do que nos modais rodoviário, Rodovias


ferroviário e aéreo.
A PPP para as hidrovias apresenta-se O transporte rodoviário no Brasil é o
como um instrumento multifuncional de principal sistema logístico e conta com uma
contribuição para o fomento do desen- rede de cerca de 1.720.000 quilômetros
volvimento do País. Contudo é neces- de estradas e rodovias nacionais (uma das
sário que os modelos sejam adaptados maiores do mundo), por onde passam em
à realidade brasileira, visto que são um torno de 61% de todas as cargas movimen-
modo de cooperação complexo e ainda tadas no território brasileiro. Esse sistema
imaturo no Brasil. de rodovias é o principal meio de transporte
Uma nova matriz de logística de de cargas e passageiros no tráfego do País.
transporte, integrando os modais, poderia No entanto, apenas cerca de 10% do total
facilitar as concessões quando em médio das nossas rodovias estão pavimentadas.
prazo se pudesse esperar o desenvolvi- Além disso, parte relevante das ligações
mento do processo de parcerias com a interurbanas no País, mesmo em algumas
iniciativa privada, permitindo viabilizar regiões de grande demanda, ainda se dá por
investimentos em dragagens, eclusas e estradas de terra com estado de conserva-
sinalizações, e transformando as vias ção precário, especialmente nas regiões
navegáveis efetivamente em hidrovias. Norte e Nordeste, o que resulta em preju-
ízos para o transporte
de cargas, bem como
em acidentes e mortes.
A importância des-
se tipo de transporte se
dá desde o início da
República, quando os
governos começaram
a priorizar o transporte
rodoviário em detri-
mento ao transporte
ferroviário e fluvial.
Os primeiros in-
vestimentos na infra-
estrutura rodoviária
Figura 5 – Funcionamento básico de uma eclusa
deram-se na década de
1920, no governo de
Washington Luís. Em
INTEGRAÇÃO MULTIMODAL 1926, foi construída a Rodovia Rio-São
Paulo, a única pavimentada até 1940.
Em uma breve análise, observa-se que Os governos Vargas e Gaspar Dutra
cargas terrestres em um país de gran- deram prosseguimento aos investimen-
des dimensões devem necessariamente tos rodoviários. O Presidente Juscelino
migrar para uma matriz de transporte Kubitschek (1956-1961), que concebeu
equilibrada: hidro, ferro e rodoviária. e construiu a capital Brasília, foi outro
Vejamos o caso do Brasil: incentivador de rodovias.

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Kubitschek foi responsável pela insta- estradas em geral. A primeira tentativa


lação de grandes fabricantes de automó- de fato de implantação de uma estrada de
veis no País, e um dos pontos utilizados ferro no Brasil deu-se com a criação de
para atraí-los era, evidentemente, o apoio uma empresa anglo-brasileira no Rio de
à construção de rodovias. A política de Janeiro, em 1832, que queria ligar a cidade
Kubitschek trouxe ao imaginário popular de Porto Feliz ao porto de Santos. Essa
a sensação de que a rodovia era um fator ferrovia tinha por fim transportar cargas
de modernidade, enquanto a ferrovia virou do interior para o porto e diminuir os
símbolo do passado. custos de exportação. O governo imperial,
no entanto, não apoiou o projeto, que não
Ferrovias foi levado adiante.
Por volta de 1870 a 1930, as ferrovias
O transporte ferroviário no Brasil brasileiras foram as principais responsá-
possui uma rede de cerca de 30 mil qui- veis pelo escoamento da produção agríco-
lômetros de extensão, dos quais 1.100 la brasileira, sobretudo o café, do interior
quilômetros são eletrificados, espalhados para os portos e dali articulando-se com
por 22 estados brasileiros mais o Distrito a navegação de longo curso. Dificuldades
Federal, divididos em quatro tipos de devido aos trechos de trilhos com bitolas
bitolas principais. diferentes, construídos por investimentos
O País tem ligações ferroviárias com privados independentes e sem interligação
Argentina, Bolívia e Uruguai, que chega- com os sistemas regionais, levaram ao
ram a 34.200 quilômetros. Porém crises abandono de muitos trechos em favor da
econômicas e a falta de investimentos construção de rodovias.
em modernização, tanto por parte da
iniciativa privada como do poder públi- Portos
co, aliadas ao crescimento do transporte
rodoviário, fizeram com que parte da rede Temos portos ao longo da nossa costa
fosse erradicada. e no interior do País utilizando nossas
A implantação das primeiras ferro- extensas bacias hidrográficas. Existem 76
vias no Brasil foi estimulada por capi- terminais no interior, e destes, 18 são na
tais privados nacionais e estrangeiros Região Sul, seis na Região Centro-Oeste
(principalmente inglês), que almejavam e 52 na Região Norte. Existem 99 portos
um sistema de transporte capaz de levar e terminais marítimos ao longo da nossa
(de maneira segura e econômica) aos costa, divididos por regiões.
crescentes centros urbanos e aos portos Em movimentação de carga, o trans-
do País toda a produção agrícola e de porte oceânico entre portos de diferentes
minério gerada principalmente no interior nações, chamado de transporte de longo
brasileiro. O governo brasileiro também curso, é o tipo de navegação mais utiliza-
participou da expansão ferroviária visan- do. O Brasil exporta 95% de suas cargas
do à integração do território nacional por por via marítima. Existe também a nave-
esse meio de transporte. gação de cabotagem, que é o transporte
O primeiro incentivo à construção litorâneo entre portos ou pontos do terri-
de ferrovias no Brasil se deu em 1828, tório brasileiro (portos fluviais).
quando o governo imperial promulgou Transportamos por mar muitos miné-
a primeira carta de lei incentivando as rios e combustíveis derivados de petróleo,

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além de produtos do agronegócio, entre do comércio internacional expressiva. A


outras importantes cargas. O total de car- movimentação do porto de Paranaguá,
gas movimentadas no Brasil soma cerca apesar de englobar 13 setores de atividade
de 1,1 bilhão de toneladas, conforme econômica, tem cinco de maior destaque:
dados para o ano de 2018. É importante agroindústria e madeira, material de
ressaltar que esses dados foram retirados transporte, alimentos e bebidas, indústria
da Secretaria de Portos e eles não levam química e indústria mecânica.
em consideração as Instalações Portuárias O porto do Rio de Janeiro (RJ) é um
Públicas de Pequeno Porte (IP4). porto regional considerado de grande
Definir quais são os principais portos porte. Ele serve a 22 estados na sua área
do Brasil não é uma tarefa fácil, já que de influência. Os produtos operados são
para isso necessita-se escolher a base de bastante diversificados, incluindo espe-
estudo. A análise de eficiência dos portos cialmente os originários da indústria de
pode ser feita por volume de carga trans- transformação, ou seja, produtos com
portado, quantidade de US$ movimenta- maior valor agregado por unidade de pro-
da, porte do porto, área de influência e duto movimentado. Atua em 14 setores da
muitas outras opções. atividade econômica, sendo que cinco se
O porto de Santos (SP) possui
um lugar privilegiado em todas
as classificações. Considerado de
grande porte, sua movimentação
abrange todos os 14 setores da
atividade econômica, sendo os de
maiores destaques: indústria me-
cânica, indústria de materiais de
transporte, setores de agroindús-
tria e madeira, indústria química,
indústria de alimentos e bebidas
e indústria de metalurgia. É o
porto brasileiro com maior diver-
sidade em importações e expor-
tações, influenciando 16 estados
brasileiros e o Distrito Federal,
além de também ser utilizado
como meio de deslocamento de
carga para todos os estados do
Brasil (exceto o Amapá) e para
o comércio internacional.
O porto de Paranaguá (PR)
também é de grande porte com
uma área de influência de dez
estados brasileiros. Também é
importante para trânsitos comer-
ciais que, se somados, são res-
ponsáveis por uma movimentação Figura 6 – Comboio no Rio Tietê

44 RMB2oT/2020
A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS

destacam: metalurgia, material de trans- e importações são conhecidas principal-


porte, indústria química, produtos mine- mente pela diversidade. Ele movimenta
rais e indústria mecânica. O porto do Rio desde adubos e fertilizantes até itens para
de Janeiro possui uma grande importância indústria automobilística e produtos da
para o setor automotivo por movimentar indústria mecânica, além de soja, calçados
veículos e partes referentes a eles. e carne. Suas principais atividades no
O porto de Itajaí (SC) é um porto comércio internacional estão em produtos
regional que era considerado de médio de alto valor agregado.
porte antes de 2007; entretanto, de 2003 a O porto de São Francisco do Sul
2007, teve uma grande expansão, com um (SC) é um porto local e de grande porte
aumento de 30% dos produtos movimen- e apresenta um alto valor agregado das
tados. Sua área de influência foi ampliada, cargas transacionadas internacionalmen-
fazendo-o subir de categoria de médio te e com área de influência abrangendo
para grande porte. Segundo o Instituto principalmente quatro estados: Paraná,
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Santa Catarina, Mato Grosso e Bahia.
14 setores de atividade utilizam-se deste Suas atividades estão concentradas em
porto, com destaque para quatro deles, setores como a agroindústria, madeira e
por concentrarem a movimentação de produtos minerais. Seus principais produ-
mercadorias de comércio exterior, como tos exportados são: soja, milho e tabaco
a agroindústria e a madeira e as indústrias não manufaturado. Grande parte desses
mecânica, eletroeletrônica e têxtil. produtos é originária de Santa Catarina.
O porto de Vitória (ES) é considera- O porto de Salvador (BA) é conside-
do de grande porte, estando em posição rado local e de médio porte, possuindo
privilegiada em todos os objetos de uma área de influência nos estados da
estudo, posicionando-se em 5o lugar em Bahia e de Sergipe, além das 24 unidades
uma análise mais generalizada. Sua área da federação que utilizam esse porto para
de atuação é em âmbito regional, e suas movimentar seu comércio internacional.
principais atuações estão em transações Suas atividades englobam 14 setores di-
internacionais de outros portos, dentro ferentes, sendo os principais: metalurgia,
do Brasil, principalmente de cargas dos plásticos e borracha, produtos minerais,
estados do Espírito Santo, Minas Gerais indústria química e indústria mecânica.
e Goiás. Serve também como apoio para Este também é um porto que transaciona
os estados da Bahia, Mato Grosso e São produtos de valor agregado muito alto,
Paulo, atendendo a 14 setores da atividade como cobre refinado, óleos brutos de
econômica. O porto de Vitória é reco- petróleo e fios de cobre. No caso das im-
nhecido principalmente pelos setores de portações, seus maiores destaques são os
produtos minerais, metalurgia, celulose, veículos para transporte de passageiros.
agroindústria e madeira. Considerado o maior porto flutuante
O porto do Rio Grande (RS) é consi- do mundo, o porto de Manaus (AM) tem
derado um porto regional de grande porte. maior expressão, em termos monetários,
Fazem uso dele 21 unidades da federação, nas importações, além de possuir grande
para transações internacionais, mas suas influência na Zona Franca. Dos produtos
principais áreas de influência estão no Rio importados, podem-se citar lâmpadas,
Grande do Sul, em São Paulo, em Santa válvulas, tubos, partes e acessórios de
Catarina e no Paraná. Suas exportações motocicletas e cadeiras de rodas moto-

RMB2oT/2020 45
A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS

rizadas. A navegação fluvial é de grande desta forma, seu comércio exterior e com
importância para este porto, pois, por fretes mais baratos.
meio dela, se faz a ligação entre Manaus
e cidades do interior, com o propósito A primeira e última milha
não tão-somente de fazer o transporte de
cargas, mas também de pessoas. Um importante aspecto, na maioria dos
Outros portos, não menos importantes, casos para o transporte de cargas pelos
podem ser citados, como o de Aratu (BA), modais ferroviário e hidroviário, vem a
com características locais e de grande ser a utilização de caminhões nos trechos
porte, atendendo ao polo petroquímico iniciais e finais, desde as fazendas produ-
de Camaçari, e o Porto de Itaqui (MA), toras até o embarque nos portos, respec-
com movimentação de minério de ferro tivamente. Conhecida como “a primeira
em navios de grande calado, entre outros. e última milha” com utilização do modal
As características favoráveis do trans- rodoviário, comprova a eficiência na mul-
porte hidroviário somente se convertem timodalidade da logística de transporte em
em benefícios para transportadores, em- um país de grandes dimensões.
barcadores e para a economia do País se Modernos conceitos de transportes
houver uma cadeia logística integrada, de bens exigem soluções logísticas inte-
já que o modal hidroviário isoladamen- gradas de informação, de transporte e de
te não é capaz de acessar os pontos de armazenagem, com uma visão de redução
origem e destino final dos produtos ou de custos e de emissão de poluentes. Polos
de passageiros. de integração intermodal podem ser locais
O Brasil tem condições ideais para re- de desenvolvimento social e econômico
cuperar, a médio prazo, o uso de seus rios regional, promovendo novos empregos e
e canais para o transporte hidroviário de a utilização adequada do modal rodoviário
cargas em direção aos centros de consu- para distâncias menores.
mo do País, do Mercosul e, sobretudo, em Longos trechos de movimentação de
direção aos portos marítimos, ampliando, mercadorias devem ser realizados por

Figura 7 – A primeira e última milha

46 RMB2oT/2020
A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS

“modais limpos”, como o aquaviário e milhões de toneladas em 2025 e 110/120


o ferroviário. milhões em 2028.
Em geral, países produtores de grãos Aspecto relevante é que o modal hidro-
movimentam seus produtos a custos razo- viário se faz necessário nessa região do
áveis desde a lavoura até o destino final, Arco-Norte a fim de permitir o escoamento
nos portos de exportação. A Argentina, alternativo para a elevação da produção
na América do Sul, e os Estados Unidos de grãos, juntamente com os modais ro-
praticam custos de transporte inferiores doviário e ferroviário. A implementação
aos nossos. O Brasil é um país atípico, da hidrovia Arinos-Juruena-Tapajós, com
e seus custos são cerca de cinco vezes investimentos na construção de barragens/
superiores ao praticado nos países citados. eclusas no trajeto, permitirá o transporte
Isso ocorre porque o transporte nesses de grãos do norte do MT até Miritituba
países é majoritariamente realizado por ou Porto de Santarém, no Pará. A imple-
hidrovias e ferrovias perfeitamente inte- mentação total da rota Teles Pires-Tapajós
gradas entre si. Os caminhões percorrem também permitiria ligar as cidades desde
trajetos de curta e média distâncias e Sinop (MT) até Santarém (PA), porém com
participam da logística na origem dos investimentos financeiros maiores que a
movimentos, desde a lavoura até os ar- rota anteriormente citada. A hidrovia do
mazéns de estoque em polos de integra- Rio Tapajós com o norte do MT comple-
ção intermodal, auferindo, deste modo, mentaria a ferrovia “ferrogrão” e a BR-163.
custos adequados. Outro aspecto relevante é o da armaze-
A Antaq, como agência reguladora nagem, tema que atualmente vem sendo
dos transportes aquaviários e dos portos, inserido, cada vez mais, nos seminários
depende fundamentalmente da integração sobre os modais de transporte. A armaze-
com os modais terrestres e tem sempre nagem passou a ser considerada de impor-
atuado, dentro dos limites da sua compe- tância para o setor privado de produção,
tência, para uma melhor integração entre já que a logística de estocagem precisa
os sistemas de transporte e o desenvolvi- acompanhar a perspectiva de aumento da
mento da intermodalidade, bem como da produção de grãos. O produtor brasileiro
multimodalidade. sofre mais devido aos custos maiores
nos fretes e a armazenagem de qualidade
Armazenagem permitirá a diminuição dos custos com a
utilização de modais alternativos para o
O Ministro Tarcísio de Freitas, do mesmo produto.
Minfra, citou que a ferrovia “ferrogrão”
vai ligar o norte do MT aos portos do PA, GARGALOS
no planejamento de transportes do Arco-
-Norte, ocasionando, quando implementa- Apesar do enorme potencial dos nossos
da, uma redução de custos para o produtor rios, ainda existem importantes entraves
por meio de novas ofertas em comparação à utilização da navegação interior. Cerca
ao escoamento de cargas para os portos de 10% do orçamento do DNIT é empre-
de Santos ou Paranaguá. Também citou gado nas hidrovias e nas ferrovias, 15%
que o estado do MT está produzindo hoje dos recursos são empregados nos novos
cerca de 65 milhões de toneladas/ano de projetos dos modais de transporte. O
grãos e com perspectivas de produzir 100 restante é aplicado nas rodovias (cerca

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A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS

de 70%). Essa desproporcionalidade na Como solução institucional, o Plano


aplicação dos recursos financeiros espelha Nacional de Logística Integrada (PNLI)
que não existe atualmente uma tendência tem promovido estudos preliminares de
de mudança, passando a ser este aspecto viabilidade, de engenharia e de serviços
da aplicação dos recursos, um entrave para para a identificação de potenciais corre-
a evolução do País no transporte interno dores multimodais. O Arco Norte tem
de cargas e passageiros. tido bastante destaque, mas não podemos
Temos deficiências nas infraestruturas impedir o estudo do desenvolvimento mul-
hidroviárias e terminais portuários, na timodal em outras regiões. Como elemento
baixa acessibilidade e falta de integração essencial desse processo, se faz necessária a
com outros modais, no reduzido investi- implementação de Estações de Transbordo
mento público e nos elevados riscos para de Carga no planejamento, que irão conferir
o investidor privado. Temos necessidade mais agilidade e menos custos no transbor-
também de uma matriz de transporte a ní- do da navegação interior ou de cabotagem.
vel nacional, com visão integrada das ma-
lhas rodoviária, ferroviária e hidroviária, O meio ambiente
de modo a mapear as rotas multimodais
alternativas para o transporte de cargas. A legislação brasileira impõe o uso
Entre outras necessidades, poderíamos múltiplo das águas, ou seja, um rio tem
reduzir os custos logísticos pelos esforços que estar disponível para a geração de
conjuntos para priorizar os investimentos energia, para irrigação, navegação e
na navegação interior. consumo das comunidades. Além de ser

Figura 8 – Orçamentos do DNIT (1995 – 2019)

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A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS

transporte de car-
gas, amplas van-
tagens são identi-
ficadas em favor
das hidrovias, seja
pelos efeitos no
valor dos fretes
e no volume de
carga transpor-
tada, seja para o
meio ambiente e,
até mesmo, para
sua implantação e
gastos com a ma-
nutenção.
Os benefícios
para a economia
nacional, envol-
vendo produtores
Figura 9 – Vantagens nas questões ambientais e exportação, são
significativos no
importante, a geração de energia também caso de adoção das hidrovias em longas
é essencial para navegar e fazer o trans- distâncias, sem desconsiderar alternati-
porte a um custo barato com benefício a vas multimodais, devido ao menor frete
todos, e sem afetar negativamente o meio para o produtor.
ambiente. Os custos de implantação e de O transporte hidroviário contribui para
licenciamento ambiental são de respon- o desenvolvimento regional e melhora
sabilidade do Minfra, porém deve haver a competitividade e o custo Brasil. As
uma separação e independência dos apro- hidrovias no Brasil são diferentes entre
veitamentos dos recursos hídricos quanto si e com características próprias em cada
a custos, estudos, tarifas, construção, ope- região, devendo esse aspecto ser levado
ração e manutenção. Cursos de água não em consideração nos estudos.
navegáveis podem tornar-se trafegáveis Faltam vontade política e um pen-
com obras hidráulicas, mas sem ferir a samento estratégico nacional para uma
legislação ambiental vigente. integração regional efetiva, contendo
O licenciamento ambiental em hidrovias visão de médio e longo prazos, que não
apresenta peculiaridades que devem ser ade- são muito adotadas no País.
quadamente compreendidas dentro da ótica Mesmo com as restrições orçamentá-
das leis e da realidade, caso contrário corre- rias, observa-se que os investimentos no
-se o risco de tentar “licenciar a natureza”. setor hidroviário são os mais baixos em
relação aos demais modais no transporte
CONCLUSÕES de cargas.
Temos cerca de 60 mil km de rios
Na comparação entre os modais ro- navegáveis, mas só utilizamos um terço
doviário, ferroviário e hidroviário para o do nosso potencial. Percebe-se que nos

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A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS

faltam investimentos proporcionais para transporte. O uso adequado desses cor-


hidrovias em comparação com as rodo- redores elevará a importância no desen-
vias. O transporte aquaviário não reivindi- volvimento regional.
ca privilégios, mas espera equanimidade. Por fim, o governo não pode mais
A concentração de transporte no modal cair em erros como no passado, quando
rodoviário, prática que se intensificou houve a priorização de investimentos
a partir do final dos anos 30, vem se em um único modal de transporte, em
tornando cada vez detrimento a outros
mais onerosa e ine- modais. Releva-se
ficiente no contexto A mudança de mentalidade que os três pilares
nacional. sobre o uso das hidrovias da sustentabilidade
A mudança de são: o econômico, o
mentalidade sobre é solução e não problema! social e o ambiental.
o uso das hidro- Uma nova matriz de
vias é solução e não SUGESTÕES
problema! Um dos transporte intermodal
entraves no trans- propiciará redução Deve haver tra-
porte hidroviário é de custos, diversificação balho conjunto en-
a viagem de retorno tre os Ministérios
sem carga. O estudo de produtos e da Infraestrutura e
de uma nova matriz desenvolvimento regional de Minas e Energia
logística de trans- implementando es-
porte, considerando tudos já existentes,
a intermodalidade, poderá solucionar essa e considerando o incremento da utilização
questão, reduzindo os custos e diversifi- do modal hidroviário ante a eventual
cando os produtos transportados. necessidade de construção de eclusas em
Uma nova matriz de logística de alguns rios.
transporte poderá gerar mais comércio, Como a ausência de regras claras e de
reduzindo custos nos corredores de um sistema jurídico confiável desencoraja
os investimentos e o
gerenciamento eficaz
dos negócios, devemos
evitar que isso ocorra
a fim de não causar
incertezas em contratos
de longo prazo (cinco
anos, por exemplo),
comprometendo os
transportadores.
A Frente Parlamen-
tar Mista de Logística
e Infraestrutura (Fren-
logi) poderia agir, junto
ao Congresso Nacional,
Figura 10 – Usina Hidrelétrica no Rio Teles-Pires sem eclusa no sentido de montar

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A IMPORTÂNCIA DAS HIDROVIAS

uma nova matriz logística de transporte uma mudança na criação de uma nova
para o País, independentemente do go- matriz de transporte considerando a
verno em exercício, mas integrando as intermodalidade.
malhas e evitando grandes desproporcio- Vinculados à Comissão Interminis-
nalidades de prioridades entre os modais terial citada, estariam os Arranjos de
de transporte, conjugando uma macropo- Produção Locais (APL) que formariam os
lítica nacional para os transportes. clusters regionais, os quais englobariam
Aumentar o investimento em infraes- as Administrações das nove Regiões
trutura, por parte do Governo Federal, de Hidrográficas do País com participação
2% para 3% ou 4% do PIB contribuiria da iniciativa privada e apoio da Frenlogi.
para o desenvolvimento do setor de O esforço para a integração multimodal
transportes, já que os recursos alocados deve ser coletivo, tendo o poder público
atualmente são insuficientes. como normatizador e indutor do processo,
A criação de uma Comissão Intermi- e a iniciativa privada podendo contribuir
nisterial para Recursos das Hidrovias, na execução dos investimentos e traba-
com a participação de representantes lhando em consonância com os governos
dos Ministérios da Infraestrutura, Minas federal, estaduais e municipais.
e Energia, Economia, Defesa, Turismo, O momento atual é favorável para as
Agricultura, Desenvolvimento Regio- mudanças, pois estamos pensando no
nal e Meio Ambiente, poderá iniciar Brasil acima de tudo.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; Hidrovia; Transporte Hidroviário; Transporte Intermodal;

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