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A utilização da acupuntura em medicina veterinária

CURSO DE MESTRE
DE CABOTAGEM
11

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é uma nação marítima, com uma enorme fronteira oceânica e um


território continental permeado de rios e lagos navegáveis, utilizados por uma ampla
gama de negócios e lazer, tais como turismo, pesca, exploração mineral, esportes
náuticos, o emprego militar e o transporte aquaviário.
O transporte aquaviário é serviço público e, portanto, cabe ao estado
promovê-lo por meio de empresa pública ou por delegação à iniciativa privada.
Apenas no âmbito Federal, são cerca de 400 empresas brasileiras de navegação,
meia centena de portos públicos e mais de cem terminais privativos. O Brasil possui
7.400 km de litoral e 22.000 km de hidrovias interiores que alcançam todo seu
imenso território.
O tema tem grande relevância para o desenvolvimento nacional brasileiro e
manutenção de sua soberania. É um importante elo da cadeia logística e garante o
exercício do direito de ir e vir da população nas vastas regiões do país.
O PIB brasileiro de 2015 foi de R$ 5,2 trilhões. A maior parte de toda essa
riqueza em algum momento se serviu do transporte aquaviário.
Subdivide-se o transporte aquaviário em cinco tipos de navegação (Lei nº
9.432/97): Longo Curso, Cabotagem, Apoio Portuário, Apoio Marítimo e Interior,
sobre as quais pode-se tecer as seguintes considerações iniciais:
a) Navegação de Longo Curso:

É a utilizada no transporte marítimo internacional. A corrente comercial


brasileira em 2014 foi de cerca de US$ 450 bilhões e cerca de 95% deste
valor (ou seja, mais de um quarto do PIB) foi movimentado por via marítima,
correspondendo a 714 milhões de toneladas transportadas na navegação de
longo curso.

Estima-se que o mercado de fretes no longo curso é de mais de US$ 13


bilhões/ano (apenas a Petrobras gasta quase metade desse valor) sendo
que a frota brasileira de longo curso praticamente inexiste. A conta serviços
do balanço de pagamentos, onde se contabiliza a despesa com fretes,
registra gastos superiores a US$ 20 bilhões anuais.
12

Todos os anos, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ)


expede milhares de autorizações, registros ou liberação de transporte em
navios de bandeira estrangeira para suprir o excesso de demanda por
transporte de cargas restrito a embarcações de bandeira brasileira mas que
não pode ser atendido pela frota atual.

Há um efetivo mercado a explorar no mercado internacional de transporte de


cargas, que onera o Balanço de pagamentos brasileiro, enviando bilhões de
dólares para o exterior.

b) Navegação de Cabotagem

É a utilizada no transporte de cargas ao longo da costa. A participação da


cabotagem no total da produção de transportes no Brasil em 2014 (cerca de
211 milhões de toneladas) foi de apenas 8%, enquanto que o modal
rodoviário, por décadas priorizado no país, respondeu por 52%, o que
representa um enorme potencial de crescimento a explorar.

O transporte na Cabotagem é reservado a empresas brasileiras,


empregando navios de bandeira brasileira, de modo que, parte considerável
do que é transportado está associado à navegação de Longo Curso,
atendendo portos concentradores de carga de exportação/importação.

c) Navegação de Apoio Portuário

É o segmento da navegação que apresenta maior estabilidade. A atividade


de apoio nos portos é proporcional ao movimento de cabotagem e de longo
curso. Muito embora apresente uma concorrência acirrada no setor, o perfil
das empresas de navegação nesse segmento é de investimento constante,
de modo que o número de empresas dobra a cada cinco anos, perfazendo,
atualmente mais de 260.

d) Navegação de Apoio Marítimo

A navegação de apoio marítimo é fruto da exploração de petróleo na


plataforma continental, que está em franco crescimento.

A disponibilidade de embarcações de bandeira brasileira para operar no


segmento é insuficiente e o mercado é suprido, também, com embarcações
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estrangeiras afretadas, que estão sendo substituídas à medida que os


estaleiros nacionais concluem novas construções. Hoje, há 147 empresas
brasileiras de navegação operando no apoio marítimo (48 em 2005 e, em
2011, 109).

e) Navegação Interior

A navegação interior, em contraste com as outras modalidades de


navegação, difere consideravelmente de região para região do país, tanto
social quanto economicamente. Na bacia amazônica, a navegação é o
principal meio de transporte regional, tanto econômica quando socialmente,
carregando todo o tipo de carga e servindo de importante meio de transporte
de passageiros, em especial no rio Amazonas e seus afluentes. O tráfego de
cargas da zona franca de Manaus é de grande importância para a região
mas também para o país. Através da hidrovia do rio Madeira há um
significativo tráfego de escoamento da produção agrícola do norte do Mato
Grosso e nas hidrovias do Tocantins e do Solimões há um considerável
escoamento de minérios.

Apesar da diversidade do mercado e dos fatores regionais, há uma


expectativa de crescimento do transporte de granéis para o escoamento das
safras; na Amazônia onde esforços estão sendo feitos para a substituição
das embarcações de madeira construídas de forma artesanal por outras
mais seguras.

A hidrovia Tietê-Paraná está com um considerável crescimento no segmento


de cargas agrícolas e transporte de metanol, e na hidrovia de Paraguai
transporta-se mais e 20 milhões de toneladas de minério anualmente.

A proposta deste trabalho é de identificar como, porque e qual a atuação do


Estado na regulação do setor de transporte aquaviário. Também pretende-se
demonstrar que o Brasil é, essencialmente, uma nação marítima, considerando que
o País nasceu do mar, expandiu suas fronteiras a partir do mar, garantiu sua
integridade territorial pelo mar, transita suas riquezas através do mar e produz
considerável parte de sua energia do mar. Nesse sentido, tece-se considerações
14

sobre os cinco segmentos da navegação; no entanto é dada ênfase à navegação


marítima (Longo Curso e Cabotagem), de maior expressão econômica.
Para tal, foi necessário descrever a política do País para a navegação
marítima e os agentes envolvidos no planejamento e execução dessa política,
analisar os efeitos da política implementada e, por fim, propor ações para melhoria
na ação política para o setor.
15

2 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO


A discussão dá-se no plano da análise de políticas públicas; o marco teórico
é a Lei nº 10.233/01, que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e
terrestre.
A pesquisa iniciou-se pela coleta de dados estatísticos sobre o transporte
aquaviário do Brasil nos últimos anos cuja melhor fonte foi a Agência Nacional de
Transportes Aquaviários – ANTAQ (2015).
Em passado recente, o transporte aquaviário passou por seu melhor período
nos anos 1970, sob a tutela do Estado por meio, principalmente, da SUNAMAM,
como bem demonstrado por SOUZA (1980) e CELIDÔNIO (1980). Após isso, nos
anos 1980 entrou em decadência e, após, ocorreu um período negro com a falência
de diversas empresas e a transferência do controle das sobreviventes para as mãos
de estrangeiros, como descrito no relatório da CEMBRA - Centro de Excelência para
o Mar Brasileiro (2014).
Na fase atual, o transporte aquaviário passa por um crescimento
significativo, alavancado pelo período de crescimento econômico da última década
mas muito dependente do escoamento das safras agrícolas e dos demais granéis
(petróleo e minerais), o que também é abordado pela CEMBRA (2014). Após ampla
desregulamentação nos anos 1990, surgiu novo arcabouço jurídico que suporta a
política que rege essa evolução na navegação, conforme reatado por CASTRO
JUNIOR (2014).
O transporte de bens no Longo Curso influencia fortemente o setor mas é
fragilizado por uma quase ausência de frota nacional. Um parâmetro que mostra
essa fragilização é o efeito negativo da atividade na conta serviços do Balanço de
Pagamentos, caracterizado por FADDA (1999) e CUNHA (2002).
Nesse trabalho, a partir de uma análise histórica e documental, pretende-se
desvendar a política, o arcabouço jurídico e a estrutura executiva que sustentam a
atividade de transporte aquaviário no País.
Por fim, analisar-se-á as consequências da política implementada, de
possível deficiência da legislação e da eficácia da estrutura executiva implantada
visando qualificar a atuação do governo da regulação do setor de transporte
16

aquaviário e identificar propostas para melhoria dessa atuação junto ao setor em


lide.
17

3 O TRANSPORTE AQUAVIÁRIO NOS ÚLTIMOS 60 ANOS

Por se tratar de uma nação essencialmente marítima, o Brasil sempre


dependeu de sua capacidade de transporte marítimo. Esse grau de compromisso
era (e é) tanto que o desenvolvimento do país andou, mais ou menos rápido, quanto
o setor de navegação evoluía, com maior ou menor sucesso dependendo da política
que era aplicava a cada momento. O Apêndice A relata os fatos mais relevantes
dessa trajetória até meados do século XX.

Existe o Estado regulador e o Estado desregulador. Os dois se alternam, ao


longo da história do país, conforme ciclos de crises sociais e econômicas, bem como
períodos de crescimento econômico e de estabilidade social. No passado recente,
quanto ao transporte aquaviário, o último grande ciclo iniciou-se com a estagnação
do mercado que o país viveu na década logo após a última Grande Guerra, quando
vivia-se um período desregulador.

O cenário, em 1957, era sombrio. Segundo a Comissão de Marinha


Mercante - CMM, o transporte no longo curso dependia exclusivamente de empresas
estatais (Lloyd Brasileiro e FRONAPE), enquanto que a idade médi a da frota
brasileira era de 40 anos.

O apoio e proteção governamental foram fundamentais para a implantação


de medidas de estímulo à navegação e à construção naval a partir do final da
década de 50. O Plano de Metas do governo Kubitschek vinculou esses dois setores
ao criar a taxa de renovação da Marinha Mercante e determinar a construção do
parque naval nacional.

O ponto de partida foi a criação do Fundo de Marinha Mercante (FMM) 1,


destinado a prover recursos para a renovação, ampliação e recuperação da frota
mercante nacional, evitando a importação de embarcações e procurando diminuir as
despesas com afretamento de navios estrangeiros, que já então oneravam o balanço
de pagamentos do País, bem como assegurar a continuidade e regularidade das
encomendas à produção da indústria de construção naval e estimular a exportação
de embarcações.

1
Lei nº 3.381/58, conhecida como a Lei do Fundo de Marinha Mercante (FMM).
18

Em 1967, tem início o governo Costa e Silva. Aproveitando o espaço criado


na administração anterior, em que a adoção de políticas de estabilização havia
conseguido reduzir o patamar inflacionário e disciplinar as despesas públicas para,
de uma forma geral, controlar os déficits das contas do governo, a nova equipe
passou a promover o crescimento econômico. O PIB brasileiro cresceu em média
10,5% entre os anos de 1968 e 1974 e 6,8% entre 1975 e 1980. É nesse quadro que
se deve analisar a instauração de políticas explícitas de desenvolvimento do setor
naval.

3.1 A SUNAMAM

O grande momento na política nacional, para a marinha mercante, foi a


criação, em 1969, da Superintendência Nacional da Marinha Mercante (SUNAMAM),
em substituição à CMM, através da qual o governo assumiu amplo controle do setor.
A SUNAMAM administrava o FMM e passou a exercer uma gestão quase tirânica,
baseada no tripé: proteção à navegação nacional, apoio aos armadores nacionais e
fomento à indústria da construção naval.

Figura 1 – Política Marítima Brasileira

Fonte: ANTAQ

A proteção do mercado à navegação nacional ocorreu com o


estabelecimento de acordos comerciais bilaterais para a divisão do transporte de
cargas conferenciadas entre as marinhas mercantes dos países signatários, na
proporção 40/40/202, e dividindo as cargas não-conferenciadas na proporção 50/50 3,

2
Resolução CMM nº 3.131/67.
3
Resolução CMM nº 2.995/67.
19

assim como da reserva de mercado para a marinha mercante brasileira, que tinha
preferência no transporte das cargas de importação e de cargas de empresas
estatais ou ainda cargas financiadas com recursos públicos 4. Como resultado dessa
política, observou-se a ampliação da participação dos navios com bandeira brasileira
(exportações e importações) de 34,6% em 1970 para 49,6% em 1980, maior
patamar alcançado no passado recente.

Já o apoio aos armadores nacionais se deu por meio do financiamento


subsidiado para a renovação e ampliação de suas frotas, da definição dos fretes e
da outorga das linhas a serem exploradas por cada empresa. Utilizando-se do poder
conferido por deter a gestão do FMM, promoveu a fusão de pequenas empresas de
navegação para formar outras maiores, capazes de participar do mercado de forma
mais agressiva e com ganhos de escala. Também determinava quais navios cada
empresa iria contratar junto aos estaleiros nacionais com recursos do FMM.

Quanto à construção naval, a SUNAMAM forneceu financiamento para a


implantação dos estaleiros, estabeleceu planos de construção de embarcações
garantindo uma demanda mínima de longo prazo, selecionou e determinou as séries
e tipo de navio que cada estaleiro deveria construir e estimulou a exportação
proporcionando a armadores estrangeiros financiamento da construção em
condições favoráveis de modo a garantir preços no nível dos praticados no mercado
internacional.

Com esse modelo de gestão, a SUNAMAM criou uma relação concreta entre
a marinha mercante, prestadora de serviços de transporte e de apoio, e construção
naval, produtora de bens industriais, grande geradora de empregos.

Ao longo da década de 1970, foram implementados dois grandes planos de


construção naval que atenderam tanto ao mercado interno quando ao de
exportação. O primeiro Plano de Construção Naval - PCN, orçado em US$ 1 bilhão,
envolveu a produção de cerca de 200 embarcações, enquanto o segundo (1975-
1979), com investimentos previstos de US$ 3,3 bilhões, esperava produzir o
significativo número de 765 navios.

Investidores japoneses, holandeses, alemães, ingleses trouxeram consigo


novas tecnologias e permitiram que brasileiros tivessem acesso aos modernos

4
Decretos-Lei nº 666 e 687/69.
20

conceitos do setor. Grandes conglomerados e outros investiram alto em estaleiros -


Ishibras, Verolme, Emaq, Caneco, Mauá -, estabelecendo-se no Brasil.

Figura 2 – produção da Construção Naval

Fonte: UFRJ

O Gráfico mostra o grande aumento da produção naval a partir do início da


década de 1970 e o posterior desaquecimento da indústria. Em 1999, a produção da
construção naval encontrava-se em níveis próximos daqueles do final de década de
1960.

3.2 DÉCADA DE 1980: RECESSÃO NO MERCADO

Com o segundo choque do petróleo (1979), ocorre uma retração da


economia mundial e uma perda significativa de divisas no Brasil. Adotando uma
postura protecionista, o Governo estabeleceu uma política que agravou a situação
do setor5, propiciando a perda de competitividade da bandeira brasileira, redução da
participação no tráfego marítimo internacional e elevação do valor dos fretes, com
consequentes perdas no comércio exterior brasileiro. O ano de 1990 marca a
abertura do mercado de navegação, com a extinção das chamadas conferências de
fretes. Não havia mais espaço para o governo manter as medidas protecionistas. A
liberalização do transporte aquaviário de longo curso 6 significou a exposição dos
armadores brasileiros à concorrência internacional.

5
Resolução SUNAMAM 8.364/84.
6
Portaria MT 07/91.
21

Figura 3 – fretes no Longo Curso

Fonte: MT

Em pouco tempo, ficou claro que as desgastadas empresas domésticas não


tinham porte para enfrentar um mercado caracterizado pela presença de grandes
empresas de escala operacional mundial. Com isso, a maior parte das empresas
brasileiras de navegação, para sobreviver nesse mercado, adotou a participação de
sócios estrangeiros na sua composição.

3.3 SÉCULO 21

A virada do século trouxe um novo cenário. O transporte marítimo e,


principalmente, a construção naval entraram em recuperação. Os principais fatores
que determinaram essa nova conjuntura foram:

A. A ordenação do transporte aquaviário

Uma ampla legislação regulamenta a navegação, através de medidas tais


como:

a) Abertura do capital das empresas brasileiras de navegação a


investidores estrangeiros, sem qualquer restrição.
b) Prescrição de cargas a navios de bandeira brasileira no transporte
internacional provenientes de países que adotam mecanismos protecionistas para a
Marinha Mercante (reciprocidade).
22

c) Navegação de cabotagem, de apoio portuário e marítimo restrita às


empresas brasileiras de navegação, com afretamento de embarcações estrangeiras
sujeito à prévia aprovação.
d) Liberação do afretamento de embarcações estrangeiras na navegação
internacional, com prévia aprovação apenas quando do transporte de cargas
prescritas à bandeira brasileira.
e) Criação de Registro Especial Brasileiro - REB (“segundo registro”) para
as embarcações de bandeira brasileira, com as seguintes vantagens:
 Embarcações em construção de empresas brasileiras de navegação,
pré-registradas no REB, passam a contar com financiamento oficial
com as mesmas taxas de juros que são utilizadas na exportação.
 Embarcações registradas no REB podem contratar cobertura de
seguro e resseguros de cascos, máquinas e responsabilidades civis no
exterior.
 Receita dos fretes gerados em navios registrados no REB fica isenta
das contribuições do PIS e COFINS.
 Isenção de contribuição para o Fundo de Desenvolvimento do
Ensino Profissional Marítimo.
 Equiparação às operações de exportação na construção,
modernização, conservação e reparo de embarcações.

B. Abertura do mercado de exploração de petróleo 7

A Lei do Petróleo abriu o mercado de produção e refino do hidrocarboneto a


novas empresas além da Petrobras, acelerando a expansão da exploração de
petróleo offshore, que já vinha sendo observada desde o princípio da década, pela
atenção dada internamente ao objetivo de equilibrar a conta petróleo. A crescente
demanda pela Petrobras cristalizou-se em maciça contratação dos serviços de
embarcações de apoio marítimo (especialmente PSV, AHTS e LH) no início dos
anos 2000, via licitações, originando, cada uma delas, encomendas nos estaleiros
nacionais.

Posteriormente, as descobertas de petróleo do pré-sal em 2006 e a


estabilidade de preços do mercado internacional do petróleo, em um patamar

7
Lei nº 9.478/97 “Lei do Petróleo”.
23

superior a US$ 100 o barril, atraíram mais e mais capital estrangeiro e provocaram o
governo a estabelecer novas condições de exploração dessa nova fronteira. A
Petrobras foi instada a expandir sua atividade exploratória carregando consigo um
sem número de empresas e diversas instituições com correspondente crescimento
de investimento, incluído aí a navegação de apoio marítimo e a construção naval.

C. Os novos incentivos

O programa Navega Brasil, lançado pelo governo federal em novembro de


2000, trouxe modificações nas condições do crédito aos armadores e estaleiros. As
principais mudanças introduzidas envolvem o aumento da participação limite do
FMM nas operações da indústria naval de 85% para 90% do montante total a ser
aplicado nas obras e a dilatação do prazo máximo do empréstimo, de 15 para 20
anos.

O grande entrave era concretizar o mecanismo de garantia de execução por


parte dos estaleiros. Esse foi solucionado com a autorização da União a participar do
Fundo de Garantia para a Construção Naval (FGCN) 8, até o limite de R$ 5 bilhões.9

O mercado da construção naval encontrou um cenário muito propício para a


realização de investimentos nos estaleiros brasileiros, possibilitando a expansão da
indústria de navi-peças - máquinas, equipamentos e infraestrutura nos parques
industriais navais do País – mudando substancialmente o cenário prospectivo para o
setor.10

A publicação da Lei nº 8630/93, que dispõe sobre o regime jurídico da


exploração dos portos organizados e das instalações portuárias, possibilitou a
estabilidade necessária para que investimentos voltassem a ser realizados nos

8
Lei nº 11.786/2008.
9
Valor aumentado pela MP 462/2009.
10
Notícia, NetMarinha, 08/12/2009 - por Sérgio Barreto Motta Brasil terá mais seis estaleiros –
“Eufórico com a liberação de recursos pelo Governo Lula, o presidente do Sindicato da Construção
Naval ( Sinaval), Ariovaldo Rocha, informa que, ainda este mês, possivelmente entre 14 e 18 de
dezembro, será realizada a mais importante reunião da história do Fundo de Marinha Mercante
(FMM). Nela, deverão ser aprovados processos para construção de seis estaleiros, 23 navios da
Transpetro e ainda diversos barcos de apoio, em valor aproximado de R$ 15 bilhões. Este ano, o
Conselho Diretor do FMM não fez sequer uma reunião, pois seu caixa estava zerado. No entanto, o
presidente Lula acaba de aprovar R$ 15 bilhões para o FMM - o que irá garantir emprego para seus
colegas metalúrgicos durante um bom tempo. Os novos estaleiros na bica, para serem aprovados,
são: Eisa-Alagoas; Odebrecht-Bahia e OAS-Setal-Bahia; W. Torre-Rio Grande do Sul; Promar-Ceará
e ampliação do Corema-Bahia...”
24

portos e terminais portuários. Após 20 anos, ela foi aperfeiçoada e substituída pela
Lei nº 12.815/13.

D. Aquecimento do mercado de exportação/importação

A corrente comercial (exportação mais importação), desde 2005, foi superior


a US$ 200 bilhões e manteve considerável crescimento (US$ 371 bilhões em 2008,
US$ 390 bilhões em 2010, US$ 450 bilhões em 2014), correspondendo a um
considerável crescimento no mercado de transporte marítimo, onde mais de 90%
dessa riqueza é transportado, no longo curso, na cabotagem e na navegação
interior, o que leva, também, a uma maior demanda de serviços de apoio portuário.

O aquecimento da economia, com a forte entrada da China como


importadora de minérios e alimentos, e o escoamento da safra agrícola do centro-
oeste e oeste paulista levou, também, a uma maior demanda na navegação interior.

E. Renovação da frota de petroleiros

Em 2010 a idade média da frota nacional de petroleiros era superior a 23


anos, para uma expectativa de vida de 25 anos. A isso se somou a entrada em vigor
da exigência de operação com navios de casco duplo. Assim, a PETROBRAS, por
meio da TRANSPETRO, contratou a construção de 24 novos navios petroleiros.

F. Crescimento da participação da bandeira brasileira na frota de


apoio marítimo

A participação da bandeira brasileira no mercado de apoio marítimo (serviço)


é inferior a 50% - e é restrito a empresas brasileiras de navegação. A PETROBRAS
licitou a construção de 24 novos navios de apoio marítimo. Anuncia que seu plano é
de obter 146 embarcações. Outras construções para Empresas Brasileiras de
Navegação (EBN) estão em andamento ou com financiamento pedido ao FMM.

G. O PNLT e a multimodalidade

O Plano Nacional de Logística de transporte – PNLT prevê investimentos em


uma janela temporal de 25 anos. Estimula a multimodalidade, projetando a
necessidade imediata de aumento da frota de cabotagem.
25

H. Criação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários


(ANTAQ)11

A instalação da ANTAQ, em 2002, trouxe maior confiança ao mercado para


a realização de investimentos nos setores de navegação e de terminais portuários,
por minimizar a interferência de interesses políticos e tratar de forma isônoma

as empresas.

3.4 SITUAÇÃO ATUAL

A conjuntura econômica favorável dos últimos quinze anos, caracterizada


pelo crescimento do PIB e incrementos proporcionais do Balanço de Pagamentos,
favoreceu a realização de investimentos na renovação e ampliação da frota
mercante e quase todas as modalidades de navegação.

A exceção está na navegação de longo curso, ainda dependente de


empresas estrangeiras, o que compromete a conta serviços que, em 2014, a parcela
referente a gastos com transportes atingiu o total de US$ 21,234 bilhões, dos quais
mais de 70% pagos ao exterior. Esses números são mera ilustração para o presente
trabalho, pois se referem a diversos tipos de serviços e não refletem,
necessariamente, todos os gastos com frete, uma vez que dependendo se a
operação foi realizada em base CIF ou FOB pode ter sido lançado no balanço de
pagamentos do país exportador ou do país importador.

11
Criada pela Lei nº 10.233/2001, A Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ é
entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, com
personalidade jurídica de direito público, independência administrativa, autonomia financeira e
funcional, mandato fixo de seus dirigentes, vinculada ao Ministério dos Transportes, com sede e foro
no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais.
26

4 TRANSPORTE AQUAVIÁRIO

O transporte aquaviário é aquele realizado para a movimentação de cargas


e de passageiros por uma via navegável. Também se presta à execução de serviços
diversos, como rebocagem, apoio a outras embarcações e instalações em terra, bem
como o apoio a plataformas de petróleo. São operações de transporte e serviços de
apoio remunerados, que podem ser prestados em caráter nacional ou internacional,
e às empresas que prestam esses serviços chamamos de Marinha Mercante.
Marinha Mercante é um negócio do setor de transportes realizado com o
emprego de embarcações. O transporte aquaviário é um importante elo da cadeia
logística. Citando BRITO (2010), “logística é a administração de estoques em
movimento”.

A logística, no transporte aquaviário, é o conjunto de atividades necessárias


para levar uma carga (ou realizar um serviço) entre o ponto A e o ponto B , com
eficiência (qualidade, pontualidade). Assim, tem um custo considerável, agrega valor
significativo aos bens transportados sem agregar melhorias, diminuindo sua
atratividade ao mercado.

O transporte de pessoas e cargas é uma atividade vital para uma nação.


Sem ela não se preserva o direito de ir e vir, não se realizam as políticas sociais e
econômicas, não se promove o desenvolvimento. Por ser essencial, cabe ao estado
possibilitar sua existência. Assim, o transporte (em especial, o transporte aquaviário)
é um serviço público e, portanto, cabe ao estado promovê-lo por meio de empresa
pública ou por delegação à iniciativa privada.
Navegar sempre foi preciso... A rota marítima é uma via natural e, em um
país com tão vasto litoral e com milhares de quilômetros de rios e lagos navegáveis,
o transporte aquaviário promoveu a integração nacional, o abastecimento das
cidades, o serviço postal, o ir e vir da população, o escoamento da produção
agrícola e mineral, o contato com o resto do mundo. Finda a 2ª Grande Guerra, o
país carecia de uma política desenvolvimentista e, até a década de 1950, 90% da
população se concentrava na faixa de 100 quilômetros do litoral. Dependia-se
essencialmente do transporte aquaviário, as estradas de rodagem ainda eram
poucas e as ferrovias atendiam apenas áreas específicas do território.
27

Com a execução do plano de metas do governo Kubitscheck, a matriz do


transporte mudou substancialmente, deu-se grande ênfase à abertura de estradas e
à produção automobilística mas, também, se desenvolveu a construção naval e se
promoveu a expansão da navegação.

A extinção da SUNAMAM, em 1983, e a recessão econômica decorrente das


crises do petróleo de 1973 e 1978, na década de 1990 o transporte aquaviário no
país estagnou mas, dessa vez, sofrendo uma significativa concorrência do transporte
rodoviário. No governo Collor, já sob a influência da política neoliberal e a
globalização, ocorreu uma forte desregulamentação e o setor sentiu a falta de
políticas próprias, deixando de fazer investimentos. Sem incentivos e sem recursos,
a frota nacional envelheceu, reduziu, passou a gerar altos custos de manutenção,
não acompanhou as evoluções tecnológicas e o correspondente aumento do custo
operacional levou ao aumento de fretes.

A estabilização da economia, coincidente com a virada do século, trouxe o


retorno da intervenção do Estado com a promoção de política pública específica e a
regulamentação do setor. Em 2001, promoveu-se a reestruturação dos transportes
aquaviários, com a criação do Conselho Nacional de Integração de Políticas de
Transporte (CONIT) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ),
entre outros órgãos12.

4.1 A ESTRUTURA EXECUTIVA DA REGULAÇÃO DO SETOR

A regulação das atividades do transporte aquaviário, em suas várias


disciplinas, é realizada por uma diversidade de órgãos.

Na figura 4, a seguir, está representada a estrutura executiva do Governo


Federal com atuação direta no setor. Identificam-se três vertentes:

Política – a cargo do Ministério dos Transportes e da Secretaria de Portos.


Regulatória – ação de outorga e fiscalização, a cargo da ANTAQ.
Executiva – nos portos públicos, realizada pelas Companhias Docas e, nos
terminais privativos e no transporte aquaviário, pela iniciativa privada.

12
Lei nº. 10.233/01 (com alterações posteriores), que dispõe sobre a reestruração dos transportes
aquaviário e terrestre.
28

Figura 4 – Estrutura do Estado

Fonte: ANTAQ

Fora isso, diversas outras instituições atuam na regulação da exploração


econômica, na segurança e controle das embarcações empregadas, nas questões
ambiental e trabalhista, tanto no âmbito nacional quanto no internacional das quais
são apresentadas as características principais no Apêndice D.

4.2 CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO


Aqui serão consideradas apenas as atividades reconhecidas na Lei nº
10233/01, que diz que, à ANTAQ cabe “celebrar atos de outorga de permissão ou
autorização de prestação de serviços de transporte pelas empresas de navegação
fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e
longo curso, gerindo os respectivos contratos e demais instrumentos
administrativos”.
Os “serviços de transporte” citados são aplicáveis13:
I - aos armadores14, às empresas de navegação e às embarcações
brasileiras;

13
Lei nº 9.432/97 (Regulamentada pelo Decreto nº 2.256/97), que dispõe sobre a ordenação do
transporte aquaviário.
14
O Armador é aquele que apresta a embarcação, seja ele o seu proprietário ou o seu afretador. Já a
Empresa Brasileira de Navegação (EBN) é necessariamente uma pessoa jurídica autorizada a operar
no transporte aquaviário pela ANTAQ. Em suma:
Armador versus Empresa de Navegação
29

II - às embarcações estrangeiras afretadas por armadores brasileiros;


III - aos armadores, às empresas de navegação e às embarcações
estrangeiras, quando amparados por acordos firmados pela União.

A legislação estabelece, também, que são cinco os tipos de navegação


comercial15, a saber: a navegação de Longo Curso, a Cabotagem, o Apoio Portuário,
o Apoio Marítimo e a navegação Interior, cujas características estão descritas a
seguir.

4.2.1 NAVEGAÇÃO DE LONGO CURSO

É a realizada entre portos brasileiros e estrangeiros. É essencialmente uma


operação de transporte de cargas, com embarcações SOLAS16, e aberta a
empresas de navegação estrangeiras.17
Existem três vertentes principais de rotas entre a costa atlântica da América
do Sul e os portos do resto do mundo: para a América do Norte, para a Europa e
para a Ásia.
As rotas para a América do Norte e para a Europa, partindo dos portos da
Argentina, do Uruguai e dos portos das regiões Sul e Sudeste do Brasil, seguem
paralelas até o Nordeste, enquanto as rotas para a Ásia seguem, em sua maioria,
pelo sul da África.
Hoje temos 19 empresas brasileiras de navegação autorizadas a operar na
navegação de longo curso18, com linhas para a América do Sul, Estados Unidos,
Europa, Caribe, África, Extremo Oriente, Oriente Médio e Oceania.
A distribuição de linhas depende das forças do mercado e varia
continuamente. Preocupante é que, tirando algum tráfego para a Argentina, Uruguai

Armador Empresa Brasileira de Navegação


Pode ser pessoa física ou jurídica Somente pessoa jurídica
Tem registro no Tribunal Marítimo Precisa ser autorizada pela ANTAQ
Só pode realizar a exploração do transporte Só pode ser autorizado a realizar a exploração do
aquaviário se autorizado pela ANTAQ transporte aquaviário se possuir embarcação
Administra a embarcação Administra a operação de transporte aquaviário

15
Lei nº 9.432/97, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário.
16
Embarcação SOLAS (Safety of Life at Sea) é a que cumpre regras internacionais para a
salvaguarda da vida humana no mar.
17
Lei nº 9.432/97, Art. 5º A operação ou exploração do transporte de mercadorias na navegação de
longo curso é aberta aos armadores, às empresas de navegação e às embarcações de todos os
países, observados os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.
18
Consulta http://www.antaq.gov.br/Portal/Frot a/ConsultarEmpresaAutorizada.aspx em 12/04/2015.
30

e Venezuela (petróleo e derivados), não se empregam embarcações brasileiras nas


demais linhas.
Na figura 5, os dados empregados estão em milhões de toneladas. Vê-se a
tendência de crescimento do movimento de cargas no longo curso, seguindo a
tendência do Balanço de Pagamentos, como era de se esperar. Também, como era
de se esperar, o movimento de importação é consideravelmente menor do que o de
exportação, até porque a carga de exportação é preponderantemente de granéis
(commodities) que são cargas de muito volume e peso.

Figura 5 – Cargas Transportadas no Longo Curso

Fonte: ANTAQ
Na navegação de Longo Curso, é prescrito 19 às embarcações de bandeira
brasileira, operadas por empresas brasileiras de navegação, o transporte de
mercadorias importadas pela administração pública e aquelas que gozem de
financiamentos oficiais, ressalvada a reciprocidade. Caso não exista navio de

19
Decreto-lei nº 666/69, Institui a obrigatoriedade de transporte em navio de bandeira brasileira, Art.
2º Será feito, obrigatoriamente, em navios de bandeira brasileira, respeitado o princípio da
reciprocidade, o transporte de mercadorias importadas por qualquer órgão da administração pública
federal, estadual e municipal, direta ou indireta, inclusive empresas públicas e sociedades de
economia mista, bem como as importadas com quaisquer favores governamentais e, ainda, as
adquiridas com financiamento, total ou parcial, de estabelecimento oficial de crédito, assim tam bém
com financiamentos externos, concedidos a órgãos da administração pública federal, direta ou
indireta.
31

bandeira brasileira disponível para realizar a operação, a ANTAQ pode liberar o


transporte em navio de bandeira estrangeira especificamente designado 20.

Na prática, o procedimento da liberação do transporte de carga prescrita em


navio de bandeira estrangeira deveria ser eventual mas virou regra geral, uma vez
que o emprego de navios de bandeira brasileira na navegação de longo curso quase
não existe. De fato, trata-se de um mecanismo de incentivo à bandeira brasileira que
pouco efeito tem.

Como o Brasil não possui frota própria operando no longo curso em linhas
regulares (exceto para os países do MERCOSUL, que é um mercado protegido por
acordos bilaterais, e algum tráfego de produtos químicos), os donos das cargas
ficam suscetíveis ao serviço prestado por grandes empresas de navegação
transnacionais. Estas são fortemente influenciadas pelo mercado internacional, que
se caracteriza por ser sazonal, volátil, afetado por interesses outros.
A simples leitura das estatísticas da ANTAQ pode levar a uma interpretação
equivocada, pois aponta o registro de 67 embarcações aptas a operar no longo
curso, sendo 14 afretadas de empresas estrangeiras21. Isso se deve ao interesse
das empresas de manter junto à ANTAQ o registro de embarcações que podem ser
empregadas em operações para o MERCOSUL, bem como da TRANSPETRO, com
países do Caribe, sendo que as mesmas embarcações são, também, registradas
para a operação na Cabotagem, frequente e regular. Mas, observando a tabela a
seguir verifica-se que, mesmo no tráfego com países com os quais o Brasil tem
acordos bilaterais, os navios de bandeira brasileira respondem apenas com 5,1%
dos fretes.
Figura 6 – Tráfego de Cargas – Acordos Bilaterais

Fonte: ANTAQ

20
Resolução nº 2922 da ANTAQ.
21
Consulta em 12/04/2015 em http://www.antaq.gov.br/Portal/Frot a/ConsultarFrotaGeral.aspx.
32

Outras características da navegação de longo curso são mostradas no


Apêndice B.

4.2.2 NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM

É a realizada entre portos ou pontos do território brasileiro, utilizando a via


marítima ou esta e as vias navegáveis interiores. É essencialmente uma operação
de transporte de cargas, reservada a empresas brasileiras de navegação (EBN) e
embarcações de bandeira brasileira 22. Hoje estão autorizadas 41 EBN na
cabotagem, operando 176 embarcações de registro brasileiro e diversas outras
estrangeiras afretadas, atendendo a todos os portos brasileiros.
A principal atividade econômica da navegação de cabotagem é o transporte
de cargas ao longo do litoral brasileiro e no percurso do rio Amazonas, ligando a
zona franca aos mercados consumidores domésticos, em linhas regulares. As
principais empresas que exploram esse segmento da cabotagem são as mesmas
autorizadas pela ANTAQ a operar no longo curso até porque algumas das linhas
exploradas possuem trechos que tocam portos no exterior.
Outra atividade de grande importância econômica é o serviço de
alimentação e alívio de portos concentradores de cargas (chamados de “hub ports”).
Esses portos concentram o recebimento de grandes quantidades de cargas, tanto
dos mercados produtores quanto dos consumidores, transportadas em navios de
grande porte, em geral, de linhas internacionais (de longo curso). Empresas
estrangeiras não podem operar na cabotagem e fazem operações de transbordo em
portos brasileiros, descarregando e recebendo cargas que serão obrigatoriamente
movimentadas entre os portos de destino/origem nacional por empresas brasileiras
de transporte.
Uma parte considerável da movimentação entre portos se refere a
contêineres vazios pois nos portos não há um balanço perfeito entre a quantidade de
contêineres cheios que entra e a quantidade que sai, de modo que sempre há
demanda de transporte de contêineres vazios dos portos onde eles estão sobrando
para os portos onde eles são solicitados. Segundo a ANTAQ o desbalanceamento
total de cofres cheios e vazios (em número de contêiner TEU – “Twenty Foot
22
Lei n° 9.432/97 Art. 7º As embarcações estrangeiras somente poderão participar do transporte de
mercadorias na navegação de cabotagem... quando afretadas por empresas brasileiras de
navegação, observado o disposto nos arts. 9º e 10.”
33

Equivalent Unit”) pode ser verificado pelo número de contêineres transportados, que
ocorreu na proporção de 71,4% de cheios para 28,6% de vazios (ANTAQ - 2014).
Existe, ainda, um sem número de atividades de transporte de cabotagem,
empregando uma variedade de embarcações com porte menor para atender casos
específicos como, por exemplo:
 Comboio empurrador-barcaça no transporte de cargas de projeto
 Transporte de sal em Areia Branca – RN
 Abastecimento de Fernando de Noronha
Dos exemplos acima, o primeiro é amplamente aplicado no transporte de
cargas especiais devido ao seu volume, peso e forma geométrica, características de
grandes peças industriais – geradores, vasos de pressão, partes de plataformas, etc.
– ou em casos bem específicos de linhas regulares dedicadas como o de transporte
de celulose e de bobinas de aço executados pela empresa Norsul. Os dois exemplos
seguintes são representativos de soluções específicas para questões regionais, um
de grande importância comercial e o outro com profundo impacto social.
A regulação do transporte de cabotagem permite, sob condições, o
afretamento de embarcações estrangeiras23 para viabilizar atender o crescimento e
os picos de demanda por frete. A obrigatoriedade de o afretamento ser realizado por
EBN garante o mercado para empresas brasileiras mas não evita ou reduz a
remessa de divisas ao exterior, onerando a conta serviços da balança de
pagamentos.
Picos de demanda, sazonais, são supridos por meio de “compra” de espaços
(afretamento) em navios estrangeiros que tocam o litoral brasileiro na operação de
longo curso, muitos deles operados por megaempresas de navegação
transnacionais, controladoras de EBN, as quais não necessariamente praticam frete
de valor do mercado interno mas, sim, valores regidos por questão de oportunidade.
Outras características da navegação de cabotagem são mostradas no
Apêndice C.

4.2.3 NAVEGAÇÃO DE APOIO PORTUÁRIO

É aquela realizada exclusivamente nos portos e terminais aquaviários, para


atendimento a embarcações e instalações portuárias. É essencialmente uma

23
Lei nº 9.432/97 e Resolução nº 2920 – ANTAQ.
34

operação de prestação de serviços de apoio, realizada por empresas brasileiras de


navegação utilizando embarcações de bandeira brasileira.
O mercado para as EBN de apoio portuário é crescente e cada vez mais
especializado. Há mais de 260 empresas espalhadas por todo o Brasil (eram cerca
de 80 em 2005 e 150 em 2011). Segundo a ANTAQ, elas operam cerca de 1.300
embarcações de registro brasileiro. Por regra, onde há porto organizado ou terminal
privativo, os serviços de apoio portuário são oferecidos, entre eles:
 Reboque portuário (atracação, desatracação, assistência, auxílio à
manobra, etc.)
 Transporte de tripulantes, passageiros e carga
 Transporte de práticos
 Manobra de espias
 Coleta de lixo e resíduos de porão
 Abastecimento de combustíveis, lubrificantes, sobressalentes, água
potável, víveres
 Transbordo de carga
No apoio portuário, quando da necessidade de suprir picos de demanda,
pouco se emprega o afretamento de embarcações estrangeiras, pois este é
encarecido pelo custo da mobilização da embarcação (deslocamento e adaptação)
desde os portos de origem para portos no Brasil, e vice-versa, quando da reentrega
ao seu proprietário estrangeiro, e o mercado nacional possui uma ampla oferta de
embarcações (como relatado acima, são cerca de 1300). Se necessário, o
afretamento de embarcação estrangeira dependerá, sempre, da consulta de
disponibilidade de embarcações das demais EBN (processo chamado de
“circularização”) e posterior autorização do afretamento pela ANTAQ24.
O mercado, hoje, é de demanda crescente, proporcional ao incremento do
tráfego e do porte dos navios de longo curso e cabotagem. Com isso, o que se vê é
o crescimento e especialização do número de empresas, bem como de suas frotas.

4.2.4 NAVEGAÇÃO DE APOIO MARÍTIMO

É a modalidade de navegação realizada para o apoio logístico a


embarcações e instalações em águas territoriais nacionais e na Zona Econômica,
que atuem nas atividades de pesquisa e lavra de minerais e hidrocarbonetos. É
24
Lei nº 9.432/97 e Resolução nº 2921 – ANTAQ.
35

essencialmente uma operação de prestação de serviços de apoio, reservada a


empresas brasileiras de navegação e embarcações de bandeira brasileira.
A navegação de apoio marítimo é fruto da exploração de petróleo na
plataforma continental. A Lei do Petróleo abriu o mercado de exploração a novas
empresas além da Petrobras, acelerando a expansão da exploração de petróleo
offshore. Com isso, hoje há 147 empresas brasileiras de navegação operando no
apoio marítimo (em 2005, 48, e, em 2011, 109). Os principais serviços oferecidos
são:
 Reboque e posicionamento de plataformas
 Suprimento de insumos para a exploração de petróleo
 Abastecimento de combustíveis, lubrificantes, sobressalentes, água
potável, víveres
 Transporte de passageiros (petroleiros)
 Manobra de espias
 Apoio a operações de socorro e salvamento (“Stand-by”)
A ANTAQ registra 558 embarcações operadas no Apoio Marítimo, entre elas
um número considerável de pequenos rebocadores e lanchas, bem como
embarcações não propulsadas (barcaças), quase todas de registro brasileiro. Para
operações mais complexas, são empregadas embarcações sofisticadas (cerca de
300), de alto custo de obtenção, onde cerca de 10% delas é estrangeira operada a
casco nu com suspensão de bandeira. Já a ABEAM – Associação Brasileira das
Empresas de Apoio Marítimo informa que há 469 embarcações operando, 224 de
bandeira brasileira e 245 estrangeiras. Provavelmente, a diferença decorre de a
ABEAM relacionar apenas embarcações operadas por empresas a ela associadas.

4.2.5 NAVEGAÇÃO INTERIOR


É a realizada em hidrovias interiores, em percurso nacional ou internacional.
A navegação interior, em contraste com as outras modalidades de navegação, difere
consideravelmente de região para região do país, tanto social quanto
economicamente. São adequadas as seguintes classificações:
1) Geograficamente, por bacia e por hidrovia
2) Por percurso (nacional ou internacional)
3) Por características técnicas:
 Navegação longitudinal de carga (133 empresas)
36

 Transporte exclusivo de passageiros (5 empresas)


 Transporte longitudinal misto - passageiros e carga (77 empresas)
 Navegação de travessia (148 empresas)
O número de empresas foi obtido da ANTAQ25 e representa apenas as que
operam em área de jurisdição federal (internacional e interestadual).
A navegação interior transporta hoje, mais de 80 milhões de toneladas/ano
de carga, o que representa um crescimento de 4,3% no último ano, capacidade que
duplicou em 5 anos.
Ao contrário do que se observa nas principais regiões produtivas do país -
sul/sudeste - onde as hidrovias têm características técnicas que prejudicam sua
utilização econômica e a concorrência com outros modais, na região norte sua
importância é essencial, tanto econômica quanto socialmente, no transporte de
cargas e passageiros - em geral em rios de grande volume de água, bom calado,
pouca influência sazonal e quase nenhuma concorrência com outros modais.

4.2.6 A FROTA MERCANTE BRASILEIRA

A total desregulamentação do setor de transporte aquaviário na década de


1990 trouxe tal instabilidade ao mercado que os armadores pararam com qualquer
investimento na renovação de suas frotas.
Em especial, no longo curso e na cabotagem operava-se uma frota de idade
média avançada, sem perspectiva de substituição. Os navios deixaram de ser
competitivos por obsolescência, falta de equipamentos modernos de carga e
descarga, alto custo de manutenção, alto consumo de combustível, baixa
automação.
A partir de 2001, a frota remanescente utilizada no longo curso foi
integralmente transferida para a cabotagem onde encontrou uma sobrevida, uma
vez que, na cabotagem, não precisavam concorrer com a frota estrangeira, mais
moderna e eficaz.
A decisão dos armadores nacionais de não mais investir em suas frotas foi
terrível para o setor. Os efeitos adversos foram camuflados pela imediata ocupação
do mercado pelos operadores internacionais no longo curso e a reserva de mercado

25
http://www.antaq.gov.br/Portal/Frota/ConsultarEmpresaInteriorAutorizada.aspx , consultado em
12/04/2015.
37

da cabotagem que permitiu a utilização da frota, mesmo obsoleta, por um longo


tempo.
Figura 7 – Evolução da frota por Tipo de Navegação

Fonte: ANTAQ
Como consequência imediata da migração da frota de longo curso para a
cabotagem, ocorreu a transferência de divisas para o exterior, correspondente ao
frete na importação/exportação, e o aumento dos custos de transporte na
cabotagem (figura 7).
Outra consequência foi a transferência do controle das empresas brasileiras
para o capital estrangeiro 26, uma vez que o clima de insegurança para a navegação
brasileira decorrente da desregulamentação não pode ser suportado pelo
empresário nacional, enquanto que os armadores estrangeiros que já operavam no
longo curso vislumbraram a possibilidade de entrar no mercado da cabotagem
brasileira com pouco investimento pois estavam absorvendo empresas altamente
endividadas (cabe lembrar que o custo de obtenção da frota dessas empresas ainda
estava sendo ressarcido ao governo pois os financiamentos da construção, à época,
eram de 15 anos).
O cenário de incerteza do mercado começou a se alterar com a Emenda
Constitucional n° 7, de 1995, que deu nova redação ao art. 178 da Constituição

26
A Emenda Constitucional n° 6, de 1995, eliminou o conceito de empresa brasileira de capital
nacional.
38

Federal, remetendo para a legislação ordinária a regulamentação do mercado de


navegação. Isso deu espaço ao retorno da regulação da navegação com a edição
da Lei n° 9.432/1997, sobre o ordenamento do transporte aquaviário, e da Lei nº
10.233/2001, que cria o CONIT e a ANTAQ.
Mesmo assim, protegidas pela reserva de mercado da cabotagem, que
garantia a sobrevida dos seus navios envelhecidos, as EBN relutaram em promover
a renovação de frota.
A tabela a seguir (frota de longo curso e cabotagem) mostra que apenas
recentemente essa renovação se iniciou.

Tabela 1 – Idade Média da Frota


Tipo de navio Idade Média Idade Média
2011 2015
Carga Geral 12 11,6
Petroleiro 23 16,1
Graneleiro 24 18
Ro-Ro 18 -
Porta-Contêiner 19 5,9
Multipropósito 09 -
Químico 26 13,5
Fonte: ANTAQ

Pode-se ver que várias categorias de embarcações já ultrapassavam os


vinte anos de vida em 2011, fato muito relevante considerando que o parâmetro
técnico para a vida útil das embarcações é de 25~30 anos e que sua obsolescência,
em certos casos, pode chegar antes, com a evolução dos mercados, portos e
processos de transporte.
No quadro da figura 8 está apresentada a evolução da idade da frota por
segmento. Observa-se uma melhora tímida da idade média da frota de cabotagem,
como um todo, e uma maior obsolescência na frota de apoio portuário, que pouco
evolui. Nesse último caso, as embarcações empregadas tem menor sofisticação
tecnológica, o que explica, em parte, sua maior longevidade.
Há que se ter em mente que a definição dos requisitos operacionais da nova
embarcação, a seleção do seu projeto e a construção propriamente dita podem levar
alguns anos (2 a 5 anos, em média, dependendo da complexidade do
empreendimento). Os principais parâmetros técnicos considerados como indicadores
da necessidade de renovação da frota brasileira são:
39

 Idade
 Regulamentos de segurança e antipoluição
 Novos parâmetros de velocidade
 Sistemas de propulsão mais eficientes
 Capacidade de carga
 Atendimento a exigências de autoridades nacionais e de outros países

Figura 8 – Evolução da Idade Média da Frota

Fonte: ANTAQ

Aos parâmetros listados acima, essencialmente técnicos, se juntam os


requisitos operacionais, que decorrem da evolução dos sistemas portuários de
manuseio e armazenamento de carga, que são critérios de logística. A evolução
desses parâmetros determinou a obsolescência dos navios ro-ro (roll on / roll of)
onde as cargas embarcam/desembarcam em carretas, e dos navios multipropósito,
que permitem o transporte de cargas em diferentes formas de embalagem e
manuseio, sistemas abandonados em favor dos contêineres.
De fato, as empresas de cabotagem somente promoveram a renovação
quando o mercado passou a demandar serviços em quantidade e qualidade superior
ao que elas podiam atender. A figura 9 mostra a evolução da frota brasileira nos
últimos anos, onde as EBN reagiram na virada do século XXI, com reflexos
observados a partir de meados da sua primeira década.
40

Figura 9 – Frota Brasileira por Tipo de Navio

Fonte: ANTAQ

4.2.7 A SITUAÇÃO ATUAL

Figura 10 – Evolução da Quantidade de EBN

Fonte: ANTAQ
41

O país vem de uma década de crescimento da economia e saldos positivos


do balanço de pagamentos, onde o transporte aquaviário teve uma participação
essencial com correspondente crescimento. Isso pode ser comprovado na figura 10
acima, onde o número de EBN cresce ano a ano.
Em cada segmento da navegação observamos indicadores específicos.
Vejamos:
a) Longo Curso - a participação da bandeira brasileira é muito pequena
(de 3 a 5%, dependendo da fonte e do critério utilizado). O segmento é dominado
por megaempresas transnacionais, não há um controle efetivo do valor de frete
cobrado, o que é um risco para o comércio externo e, consequentemente, para o
desenvolvimento do país, o Balanço de Pagamentos no quesito “fretes” é totalmente
desfavorável, representando uma perda de divisas superior a US$ 10 milhões, a
ausência de uma frota nacional atendendo ao setor é um risco para a soberania
nacional.
b) Cabotagem - a concorrência com o transporte rodoviário é grande
mas, para percursos superiores a 500 km, as vantagens do modal marítimo tem
levado a um crescimento constante do transporte de cabotagem. O crescimento
constante do comércio exterior brasileiro nos últimos anos tem puxado o crescimento
do setor na distribuição de cargas entre os portos concentradores e os demais
portos.
c) Apoio portuário - cresce proporcionalmente à cabotagem e o longo
curso; portos mais modernos exigem embarcações de apoio melhores e empresas
especializadas.
d) Apoio marítimo - é um mercado certo, em expansão, dominado por
embarcações de bandeira estrangeira; a própria PETROBRAS retornou ao mercado,
como EBN, promovendo a construção de quase meia centena de embarcações de
apoio a plataformas. No entanto, devido ao indelével vínculo com a exploração de
petróleo em mar aberto, sua evolução é fortemente influenciada pelo preço
internacional do petróleo e ao plano de investimentos da Petrobras.
e) Interior - apesar da diversidade do mercado e dos fatores regionais, há
uma expectativa de crescimento do transporte de granéis, para o escoamento das
safras; na Amazônia, esforços estão sendo feitos para a substituição das
embarcações de madeira construídas de forma artesanal, por outras mais seguras.
42

5 A ORDENAÇÃO JURÍDICA27

O transporte aquaviário seu divide em uma multiplicidade de serviços a


serem prestados e explorados comercialmente, que tem, por paralelo, uma outra
multiplicidade de Leis, Decretos, Regulamentos, Convenções, que visam sua
ordenação nas mais diversas disciplinas. O tema se caracteriza por sua
multidisciplinaridade, abrangendo as áreas do Direito comercial, internacional,
administrativo, ambiental, processual e penal, que perfazem a política marítima.

5.1 A ORDENAÇÃO JURÍDICA NACIONAL


“Apesar de ocupar posição proeminente e ter seu
núcleo geohistórico assentado em torno do Atlântico
Sul, o Brasil não se constituiu em um Estado
marítimo, nem sequer desenvolveu uma política
sistemática para integrar o oceano na política
nacional brasileira, pelo menos até a década de 70.
Uma das razões foi a disposição de um imenso
espaço continental aberto à colonização de tal
forma, que as políticas nacionais não incluíram o
mar como elemento primordial ao desenvolvimento
da nação...”28

Em tempos de Brasil República, a regulamentação do setor de navegação


veio, inicialmente, por meio do Decreto-Lei nº 1.951/1939, onde estabelecia-se a
criação da Comissão de Marinha Mercante, ocorrida em 1941. 29 Já nos anos 1980, o

27
Centro de Estudos, Pesquisa e Atualização em Direito, Curso de Direito Marítimo (2005) - Notas de
aula.
28
Mendes, A Constituição das fronteiras Marítimas Brasileiras: do “Mar Territorial” à “Amazônia Azul”
- Dissertação de Mestrado - ENCE (2006) - citando Penha, “Relações Brasil-África e Geopolítica do
Atlântico Sul” - Tese de doutoramento, IG UFRJ (1998).
29
Botelho, ”Indústria de Construção Naval: Uma Necessidade Estratégica de Desenvolvimento”,
Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval (2007) – “No Brasil, as primeiras medidas por
parte do governo brasileiro, com o objetivo de regulamentar, de maneira sistemática, o setor marítimo
são anteriores à década de 50. Por meio do Decreto-Lei no 1.951 de 30 de dezembro de 1939, a
União assumiu a responsabilidade de explorar ou dar concessões autorizadas e licenças para a
exploração do transporte marítimo. Nesse Decreto-Lei, previa-se a criação de um órgão regulador do
setor que viria a ser efetivado, em 1941, por meio da Comissão de Marinha Mercante (CMM),cujas
principais atribuições eram: fixar os fretes, definindo as linhas de navegação para cada empresa;
subvencionar, mediante autorização do Presidente da República, serviços deficitários de Marinha
Mercante; autorizar a compra, venda e afretamento de embarcações no exterior, e estipular salários
43

setor era altamente regulado, sob rígido regime da SUNAMAM. Recentemente, essa
regulamentação se concretiza em uma série de Leis e Normas, mais flexíveis 30(ver
Apêndice E).

5.1.1 A REGULAÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO NO BRASIL 31


As agências reguladoras independentes constituem um modelo institucional
de Administração Pública a muito empregado nos EUA e que vem sendo adotado na
América Latina e na Europa, a partir da década de 80. A adoção dessa nova linha de
regulação não se deu por mera cópia do modelo americano mas em decorrência de
circunstâncias político-econômicas.
Na história recente da navegação mercante nacional, a partir de 1988
começa a desregulamentação do setor de navegação. Vimos o fim da SUNAMAM
(1988) e a extinção das chamadas conferências de fretes (1990).
A liberalização do transporte aquaviário de longo curso (governo Collor – 90
a 92) significou a exposição dos armadores brasileiros à concorrência internacional
(Portaria MT no 07/91). Em pouco tempo ficou claro que as incipientes empresas
domésticas não tinham porte para enfrentar um mercado caracterizado pela
presença de grandes empresas de escala operacional mundial. Com isso, a maior
parte das empresas brasileiras de navegação, para sobreviver nesse mercado,
adotou a participação de sócios estrangeiros na sua composição.
Veio o governo Fernando Henrique e a implantação de sua política
neoliberal, com a privatização de diversas empresas públicas e a busca pelo capital
estrangeiro. Entendeu-se que essa política somente teria sucesso com a
implantação de Agências Reguladoras independentes.

de estivadores e marítimos. A partir daí, houve uma sucessão de leis e decretos, associados à
criação e extinção de vários órgãos governamentais que visavam o estabelecimento de políticas e
formas de incentivar e administrar o desenvolvimento da indústria naval e Marinha Mercante
brasileiras.”
30
Nóbrega, Consultoria Legislativa do Senado Federal, Coordenação de Estudos – Evolução e
Perspectivas de Desenvolvimento da Marinha Mercante Brasileira (2008) - “A liberalização do
comércio de bens e serviços é uma meta mundial, acertada e discutida no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC), e diversos setores tiveram novas regras estabelecidas ao amparo do
General Agreement on Tariffs and Trading (GATT). Outros, como a navegação marítima, estão com
suas negociações paralisadas devido à alta complexidade do seu mercado e das suas relações
comerciais e estratégicas.”
31
Lei nº. 10.233/2001 -Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria ... a
Agência Nacional de Transportes Aquaviários ...; Art. 27, V - Cabe à ANTAQ, em sua esfera de
atuação, celebrar atos de outorga de permissão ou autorização de prestação de serviços de
transporte pelas empresas de navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio
portuário, de cabotagem e longo curso, observado o disposto nos arts. 13 e 14, gerindo os
respectivos contratos e demais instrumentos administrativos.
44

Mas, qual o modelo a seguir? Enquanto que, nos EUA em todo o último
século admitiu-se a prestação de serviços públicos com forte participação da
iniciativa privada, na América Latina/Europa o Estado optou por prestar ou explorar
diretamente a maior parte dos serviços públicos e atividades econômicas,
favorecendo que prevalecesse o interesse político sobre o interesse privado, muitas
vezes em prejuízo do interesse dos usuários.
Nos segmentos de prestação de serviços públicos onde tradicionalmente
participam empresas privadas (como o transporte aquaviário), a atuação do estado
interventor tinha uma vertente prejudicial. De fato, a intervenção estatal (por
exemplo, com o estabelecimento de uma política de preços) tendia a instabilizar
qualquer ação privada, quer por inviabilizar a prestação do serviço com um mínimo
de qualidade – preço abaixo do real de mercado – quer por desestímulo à melhoria
de produtividade – quando da política protecionista.
Na década de 90, o cenário brasileiro mudou radicalmente: a quebra de
monopólios do Estado, abertura de setores da economia à competição e o
movimento da desestatização, atrelados obrigatoriamente a uma busca de capital
para viabilizar as novas empresas concessionárias e seus planos de metas, obrigou
o Estado a adotar outra política regulatória.
Curiosamente, no hemisfério norte os EUA passavam por um momento
“desregulamentador”, com a extinção ou diminuição da regulação estatal em muitos
setores, que causou prejuízos tanto financeiros (por exemplo, por decorrência do
racionamento de energia elétrica no seu estado mais rico – a Califórnia) quanto
sociais (como o ocorrido na área de transportes para pequenas cidades e
propriedades rurais). Houve, por consequência, a necessária intervenção do Estado
– retorno à regulação - para possibilitar o restauro da situação de equilíbrio do
mercado.
O que constitui a essência do conceito das agências reguladoras, em
relação ao modelo tradicional da Administração Pública, é a independência em
relação ao Poder Executivo Central. Não por acaso, algumas Agências Reguladoras
adotam, em seu logotipo, a figura de um triângulo equilátero, símbolo do equilíbrio
que se pretende resguardar com sua atuação - equilíbrio entre o interesse político, o
interesse do usuário e o interesse privado – em suma, esse equilíbrio representa o
atendimento ao interesse público.
45

Nesse sentido, se revestem de especial importância conceitos como da


administração da Agência por um colegiado de Diretores nomeados pelo Chefe do
Executivo, após a aprovação de sua indicação pelos membros do Senado, bem
como os mandatos fixos e a não coincidência de mandatos.
Regular a atividade do transporte aquaviário do Brasil32 decorre de sua
importância socioeconômica, ou seja:
 O transporte de passageiros é essencial - garante o direito do cidadão de
ir-e-vir e o acesso ao seu local de trabalho – é parte inseparável da cadeia
produtiva; e
 O transporte de mercadorias possibilita o desenvolvimento da economia
do país; também possibilita a geração de riqueza e de bem estar.
Para atender essas necessidades, o Estado, através da Lei nº 10.233, de
2001, criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, visando não
somente implantar as políticas para o setor como, também, regular, supervisionar e
fiscalizar as atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de
exploração da infraestrutura portuária e aquaviária, garantindo a movimentação de
pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto,
regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas, harmonizar os
interesses dos usuários com os das empresas prestadoras dos serviços, arbitrar
conflitos de interesse e impedir situações que configurem competição imperfeita ou
infração contra a ordem econômica.

5.1.2 O TRANSPORTE COMO SERVIÇO PÚBLICO

A Constituição Federal determina que cabe ao Estado explorar, diretamente


ou por outorga a terceiros, o serviço de transporte aquaviário e os portos, legislar
sobre o direito marítimo, o regime dos portos e da navegação e estabelecer a
política de transportes.33

32
Lei nº. 10.233/2001 -Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria ... a
Agência Nacional de Transportes Aquaviários ...; Art. 27, V - Cabe à ANTAQ, em sua esfera de
atuação, celebrar atos de outorga de permissão ou autorização de prestação de serviços de
transporte pelas empresas de navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio
portuário, de cabotagem e longo curso, observado o disposto nos arts. 13 e 14, gerindo os
respectivos contratos e demais instrumentos administrativos.
33
C. F. Art. 21 XI d) Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras
nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; “
46

São características do setor:

 Infraestrutura portuária – grandes portos organizados administrados por


sociedades de economia mista (Companhias Docas) e Terminais
especializados, explorados pela iniciativa privada
 Transporte aquaviário – Operação dominada por empresas privadas
Vê-se que o perfil do Setor sempre apresentou intensa participação da
iniciativa privada. Após a Crise do Petróleo, na década de 80, a navegação passou
por ampla desregulamentação e um “esvaziamento” da SUNAMAM, até sua extinção
em 1989. Nesse período ocorreu, também, a desmobilização de nossa indústria
naval.

5.2 A ORDENAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL


Vários fatores determinam a instituição de uma ordenação jurídica
internacional, entre eles os relativos ao direito do mar, à soberania dos Estados, a
facilitação as comunicações internacionais, a promoção do uso pacífico dos mares e
oceanos, a utilização equitativa e eficiente dos seus recursos, a conservação dos
recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação do meio marinho, a ordem
econômica internacional, esses relacionados na Convenção das Nações Unidas
sobre o direito do mar, e outros como os decorrentes da exploração do transporte
aquaviário, a segurança da navegação e a preservação da vida humana no mar, a
prática de mecanismos protecionistas com imposição de poder econômico.
Essa diversidade de fatores determinou a criação de organismos onde
ocorre o estabelecimento de fóruns de discussão e de arbitragem de conflitos, bem
como as regras que regem a atuação dos países. A matéria é melhor explanada no
Apêndice F.

XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;


Art. 21 Compete privativament e à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho;
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;
XI - trânsito e transporte
47

6 A POLÍTICA ATUAL

A política marítima é o conjunto de medidas diretas e indiretas, jurídicas,


econômicas e administrativas por meio das quais o Estado influi na situação de sua
frota nacional, na exploração da navegação e da infraestrutura portuária. Se situa
tanto no contexto internacional quanto no nacional e varia do liberalismo ao
protecionismo, de acordo com os interesses de cada nação. No Brasil é estabelecida
no âmbito da Casa Civil, Ministério dos Transportes, Comando da Marinha,
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministério das
Relações Exteriores e Secretaria de Portos.
A política atual do transporte aquaviário no Brasil decorre da política
praticada nos últimos 20 anos do último século (dita política neoliberal), fruto da
teoria econômica produzida em razão de uma crise mundial. Até então, vivia-se a
era moderna onde vigorava a política baseada em mecanismos regulatórios de
proteção do mercado interno.
O mundo pós-moderno, que surgiu em reação à crise de 1988, se submeteu
a regras rígidas de política econômica liberal, desregulamentadora, cujo modelo foi
delineado no Consenso de Washington em 1989, em função do que se considerou
uma excessiva presença do Estado na economia - com políticas de protecionismo,
substituição das importações, excesso de regulamentação e de empresas estatais –
em conjunto com uma política social paternalista, geradora de déficit público. Essa
nova política tem por diretrizes a disciplina fiscal, a estabilidade monetária, o controle
de gastos públicos, a ampliação da base tributária, a liberdade das taxas de juros e
de câmbio, a liberdade das importações com taxas aduaneiras reduzidas, a
captação de recursos externos, a redução da presença do Estado na economia com
a privatização de empresas públicas e a desregulamentação da economia.
Como nos ensina SANDOVAL (palestra proferida na ESG – CAEPE2015,
26/06/15), mais de 80% do comércio mundial é realizado por empresas panacionais
que lutam contra a regulação dos mercados periféricos – são chamadas forças
deslimitadoras. É a estratégia das grandes potências – aplicar forças deslimitadoras
para eliminar a regulação dos mercados consumidores da periferia que restringem a
48

penetração das grandes empresas transnacionais nesses mercados – mundo pós-


moderno, política neoliberal.
A respeito da condição transnacional das megaempresas de navegação que
dominam o transporte de longo curso no Brasil, CASTRO JÚNIOR (2014), em sua
crítica ao emprego do estatuto da bandeira de conveniência34 para o registro das
embarcações, cita:
“A sociedade mercantil, cuja matriz é constituída
segundo as leis de determinado estado, na qual a
propriedade é distinta da gestão, que exerce
controle, acionário ou contratual, sob uma ou mais
organizações, todas atuando de forma concentrada,
sendo a finalidade de lucro perseguida mediante
atividade fabril e/ou comercial em dois ou mais
países, adotando estratégia de negócios
centralmente elaborada e supervisionada, voltada
para a otimização de oportunidades oferecidas pelos
respectivos mercados internos.”35
Quanto à política aplicada ao transporte aquaviário, as Emendas
Constitucionais 6 e 7 coadunam com a política neoliberal quando permitem o
controle de empresas brasileiras pelo capital estrangeiro, bem como liberam o
afretamento, por EBN, de embarcação de bandeira estrangeira no mercado interno
que, antes disso, era restrito à bandeira nacional.
Com isso, as megaempresas transnacionais aproveitaram para penetrar no
mercado interno, antes protegido, preservando seus interesses ao passar a controlar
as EBN de cabotagem e terminais de carga/descarga em portos públicos e/ou áreas
privadas, garantindo, com isso, a estabilidade necessária para a operação de seus
navios no longo curso, que passaram a ter prioridade de atracação nos terminais e
maior facilidade de afretamento na cabotagem.
O último ciclo de sucesso do transporte aquaviário, se caracterizava por:
 Amplo controle do Estado exercido por meio da SUNAMAM

34
Bandeira de conveniência – é o registro do navio em país que oferece facilidades aos seus
armadores que resultam em redução de custos de operação, tais como no pagamento de tributos,
taxas, custos de tripulação, segurança e manutenção.
35
CRETELLA NETO, José. Empresa Transnacional e Direito Internacional. Exame do Tema à luz
da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006. P.27.
49

 Existência de grandes empresas estatais com frotas significativas nos 3


segmentos mais importantes do longo curso: carga geral – Lloyd
Brasileiro; Granel sólido – DOCENAVE; Granel líquido - FRONAPE
 Controle financeiro
 Gestão da construção naval
Esse ciclo foi encerrado de forma abrupta com a ampla desregulamentação
empreendida no governo Collor, que determinou a falência da indústria de
construção naval ao restringir o acesso ao crédito e regalias fiscais, praticamente
zerando o fluxo de novas encomendas e o acesso ao mercado de exportação.
Quanto ao transporte aquaviário, uma vez que a vida útil de um navio é de pelo
menos 20 anos, os efeitos da ausência de política para o setor foram sentidos
lentamente, a começar pela desmobilização da frota de longo curso, paulatinamente
transferida para a navegação de cabotagem ou vendida para empresas estrangeiras.
De fato, com o advento da política neoliberal, diversos órgãos da
administração federal foram extintos, inclusive os diretamente responsáveis pelos
setores de construção naval e transporte aquaviário - SUNAMAM, GEIPOT -, as
grandes empresas estatais foram privatizadas (com exceção da FRONAPE, para a
qual permaneceu a reserva de mercado de transporte de petróleo - monopólio), a
intervenção do Estado sobre a gestão do frete foi extinta, prevalecendo as regras de
mercado livre, os recursos financeiros da construção naval e da reparação naval
foram contingenciados.
Hoje prevalecem as regras de mercado e, excepcionalmente, os acordos
bilaterais e multilaterais com a definição de cotas de transporte de cargas e
privilégios para o transporte de cargas estratégicas, simplificação da documentação
exigível, liberação e/ou redução de taxas alfandegárias, firmatura de acordos
operacionais entre empresas de navegação, liberdade de fretes e custos de
serviços, baixa participação do Estado no mercado.
Considerando as assimetrias das relações econômicas internacionais, o
cenário é muito desvantajoso para países com fraca participação no mercado de
fretes (pouca frota própria, de sua bandeira) com consequente evasão de divisas e
fortemente influenciados pela flutuação do valor do frete no mercado internacional,
com reflexos na competitividade de seus produtos na exportação e penalizados na
importação de insumos, o que é o caso do Brasil. São falhas de um mercado
desequilibrado que impõe a atuação regulatória do governo de modo a minimizar os
50

efeitos adversos dessa situação. Cabe lembrar que o transporte aquaviário é um


serviço público e, embora proporcionado, em sua grande parte, por empresas
privadas, compete ao governo garantir a oferta desse serviço com qualidade e
eficiência compatíveis com o interesse público que visa atender.
51

7. ANÁLISE FINAL E CONCLUSÕES


Há quinhentos anos, a conquista do Atlântico por Vasco da Gama abriu um
novo capítulo na história do transporte marítimo, trazendo o conceito da globalização
da troca de mercadorias, que passou a alcançar todos os continentes com o
emprego de embarcações cada vez maiores. É o modal que permite, com maior
flexibilidade, o transporte de grandes quantidades de produtos ao mesmo tempo,
numa única viagem. Um único navio passou a poder saturar o mercado de uma
cidade pela grande capacidade de carga que representa, modificando, inclusive, as
regras de comércio ou o interesse por mercadorias exóticas.
O início da ordenação jurídica do Direito Marítimo se deu com Hugo Grócio
mas o fato que determinou a necessidade dessa ordenação foi a assinatura do
Tratado de Tordesilhas, tanto que, para o seu reconhecimento internacional, buscou-
se a única autoridade universal ocidental – o Papa – pois não havia um fórum ou
tribunal especializado que o fizesse.
Ressalta-se a evolução tecnológica, decorrente do interesse comercial, que
para garantir o sucesso das grandes navegações exigiu o emprego de embarcações
maiores, que possibilitassem se aventurar em águas abertas com um mínimo de
risco (ou com um risco aceitável). Navios maiores também eram um interesse para o
comércio, pois permitiam o transporte de maiores cargas. A entrada de grandes
cargas no mercado determinou novas regras de relação comercial, permitindo
expandir as relações de exportação/importação já que o mercado interno estaria
facilmente abastecido e o excedente de produto obrigatoriamente seria dirigido ao
mercado externo.

Desde o descobrimento do Brasil, o Estado quase sempre foi interventor no


mercado de transportes marítimos. Nas poucas vezes em que adotou uma postura
liberalizante, desreguladora, isso teve consequências negativas para a economia
nacional como um todo, provocando, em reação, o retorno à política interventora
para possibilitar a estabilidade econômica.

De fato, a cada momento nos debatemos com perguntas tais como: Qual o
modelo de desenvolvimento adequado para o Brasil? Qual a política e estratégia
adotadas para o setor de transporte? Onde o transporte aquaviário se insere nesse
modelo?
52

A atuação do Estado nos setores de navegação, portuário e de construção


naval é de regulamentador. Logo, não se tratam de mercados livres mas, sim,
regulados. A regulação deve, necessariamente, visar o interesse público e, nesse
contexto, se basear em planos que precisam ser implementados, reavaliados e
concluídos eficientemente. A ação do Estado tem sido e deve ser evolutiva.

Em contrapartida, os mercados em questão são explorados por empresas


privadas, com interesses privados, em parte conflitantes com o interesse público. Às
empresas estrangeiras que controlam empresas brasileiras, a renovação de sua
frota de registro brasileiro não é prioridade estratégica; elas se contentam em manter
a tonelagem para poder afretar navios estrangeiros e colocá-los no REB (Registro
Especial Brasileiro).

O vínculo da política para o desenvolvimento e o transporte aquaviário é


inegável e indiscutível. A falta de uma política eficaz para a formação de uma frota
significativa no longo curso tem um preço alto, que o país tem que pagar para
alcançar o grau de desenvolvimento socioeconômico compatível com suas
ambições.
Considerando que o prazo entre a decisão do armador de construir o navio e
a prontificação desse navio pelo estaleiro é longo (cerca de 5 anos, no Brasil) o
cenário econômico que levou à decisão de melhorar sua frota pode ter variado
significativamente; considerando também os consideráveis custos envolvidos, pode-
se dizer que o transporte aquaviário é uma operação de alto risco. Por outro lado,
como relatado, trata-se de um segmento com alto valor para o desenvolvimento
nacional, o que justifica a participação do governo promovendo medidas de fomento,
como também participando do risco do empreendimento.
No momento atual, onde o comércio exterior do país é sustentado pela
produção agrícola e mineral, característica de uma economia primário-exportadora, e
esses produtos, de baixo valor agregado, sofrem sensível influência do custo do
frete, sazonal e volátil, controlado em bolsas internacionais de acordo com a oferta
de navios que estão nas mãos de grandes corporações transnacionais, se torna
mais premente que o Brasil disponha de uma frota própria que permita um mínimo
de estabilidade de preços de frete. Há necessidade de se priorizar a composição de
uma frota de graneleiros, para suprir nossa demanda de exportação de commodities,
53

e de navios de carga geral (em especial, conteneiros) para suprir a demanda do


mercado importador.
Na cabotagem, a situação é um pouco melhor, mas também carece de uma
política específica para incrementar a participação do segmento na matriz de
transporte brasileira.
O transporte aquaviário é propiciado, em sua maior parte, por empresas
privadas, sob regime de economia de mercado, onde prevalece a lei da oferta e da
procura mas, no transporte de petróleo e seus derivados há um monopólio da
PETROBRAS.
Os cinco tipos de navegação que caracterizam o transporte aquaviário –
Longo Curso, Cabotagem, Apoio Portuário, Apoio Marítimo e Interior - são os
previstos em Lei e refletem os cinco mercados distintos que existem por razão
econômica. No caso da navegação interior, também importa a característica
geográfica e social de cada região do país.
Na carga geral, importação/exportação, dominam grandes empresas de
navegação transnacionais, muitas vezes operando em “joint ventures”, o que
favorece a formação de cartéis. O transporte interno de cargas (cabotagem) é
restrito a empresas brasileiras operando navios de bandeira brasileira e a
concorrência se dá entre poucas empresas. A proteção que representa essa reserva
de mercado não favorece a concorrência, tendendo a diminuir a eficiência das
operações e propiciando uma extensão da vida útil dos navios, mesmo que isso
acarrete na operação com maior custo operacional devido à obsolescência de seus
equipamentos, menos automação e maior consumo de combustível.
No apoio portuário, embora haja uma grande quantidade de empresas
operando, há também uma maior diversidade de serviços prestados, cada qual com
suas características específicas, de modo que poucas empresas prestam o mesmo
serviço e isso favorece o cartel.
A navegação de apoio marítimo é relativamente recente. Nasceu com a
exploração de petróleo no mar, prestando serviços de apoio logístico às instalações.
É crescente e moderna, com navios especializados, muitos ainda oriundos de
centros de exploração estrangeiros (Golfo do México, Mar do Norte, Venezuela,
etc.). Apesar da reserva de mercado para embarcações de bandeira brasileira, a
demanda por navios de apoio é maior do que a frota disponível no país, de modo
que o segmento ainda é muito dependente de utilizar navios estrangeiros, operados
54

por EBN no regime de afretamento. Aos poucos, esses estão sendo substituídos por
embarcações construídas no Brasil, mais modernas e de projeto melhor adequado à
navegação em mar aberto na nossa plataforma continental.
No longo curso não há reserva de mercado, exceto para petróleo e
derivados e em decorrência de acordos bilaterais no cone sul. O Balanço de
Pagamentos de 2014 foi de US$ 450 bilhões onde cerca de 95% dessa riqueza foi
transportada no longo curso (aproximadamente US$ 425 bilhões). Estima-se que o
frete pago nessa operação de transporte foi de US$ 13 bilhões, dependendo da
forma de cálculo (somente a PETROBRAS gasta US$ 2,5 bilhões/ano no
afretamento de embarcações de apoio marítimo e outro tanto no transporte de
petróleo e derivados).

Fonte: Banco Central


O gráfico mostra o crescimento do déficit da conta transportes (gastos com
fretes) nos últimos 15 anos. Observa-se que ele cresce quase que continuamente, o
que era de se esperar, uma vez que a frota de longo curso de bandeira nacional
apenas cresceu com a incorporação de uns poucos navios à frota da FRONAPE e o
PIB vem crescendo ano a ano. De fato, conforme publicado pelo Banco Central,
nesses últimos 15 anos, o déficit total da conta Transportes foi de US$ 72 bilhões
(somente em 2014, foi de US$ 8,94 bilhões).
A frota de embarcações brasileiras que participa desse segmento não
responde por mais de 5% do total de fretes, valor muito baixo, considerando que
essa participação já foi de mais de 50%. Mesmo na época em que prevalecia o
55

sistema de conferência de fretes, cabia à frota nacional um mínimo de 40% de


participação nesse mercado. Com o tempo, isso se perdeu.
O Brasil primário-exportador gasta muito em fretes na colocação de suas
cargas no mercado consumidor externo. Em geral, o preço dessas “commodities” é
volátil, definido nas bolsas internacionais, e as empresas exportadoras dependem
essencialmente da contratação do frete de navios no mercado externo, muitas vezes
em situação desvantajosa quando do pico de procura por esse tipo de navio. A
distância dos mercados consumidores é grande e o custo do frete sobressai. Esse
cenário gera vulnerabilidade para o exportador e mostra a importância de o país
dispor de frota própria que possibilite o controle do custo do frete no preço final do
produto exportado.
O exportador brasileiro também depende do navio contratado no mercado
“spot”36, onde o frete é maior, quando a demanda pela “commodity” também é maior.
Afreta-se o navio por alto custo reduzindo, assim, a margem de lucro da operação
para poder manter um preço final competitivo no mercado.
De certa forma, quando do mercado aquecido, o fretador fatura com um frete
cujo valor, muitas vezes, ultrapassa o da própria carga e sendo a frota estrangeira,
onera-se sobremaneira a conta serviços do Balanço de Pagamentos. Caso o Brasil
dispusesse de uma frota própria, parte desses recursos ficaria interna no país
aquecendo a economia interna e promovendo o desenvolvimento. Ao contrário, hoje
se dá a perda dessas divisas o que fortalece a economia de países concorrentes no
mercado externo.
Hoje, praticamente, não há incentivos (fomento) à navegação de longo curso
– ou, os poucos que existem não são efetivos para alterar o quadro -, que atua, do
ponto de vista do governo, apenas como o provedor principal de receita do AFRMM
à taxa de 25% do valor do frete de importação (o governo se alimenta, também, de
outros impostos como PIS/COFINS, SIDE, ICMS, etc.), o que coaduna com a política
neoliberal praticada quando da formulação da política em vigor para a navegação
mercante. Vislumbra-se, para solucionar a questão da evasão de divisas e ausência
de empresas brasileiras no longo curso (bem como da frota nacional), a volta do
Estado Interventor, a exemplo da política de sucesso praticada nas décadas de

36
Mercado “spot” é o de cunho imediato, não regular, onde o afretador freta um navio por viagem ou
por um curto período de tempo. Em geral, atende a demandas não previsíveis de frete decorrentes de
oportunidade, tais como necessidades emergenciais ou excesso de produção de safras.
56

19870/80, conduzida pela SUNAMAM, com as necessárias correções de trajetória,


de modo a impedir a reincidência das medidas que levaram à falência do modelo à
época.
Poucas empresas dominam o transporte marítimo de longo curso no Brasil –
Maesrk, Hamburg Sud, CMA CGM e MSC são as principais do segmento de carga
geral conteinerizada. São, todas, megaempresas transnacionais que, atuando em
cartel ou mesmo individualmente, podem impactar sobremaneira o mercado de
fretes exercendo dumping, com claro prejuízo dos interesses nacionais. Nesse caso,
o país teria grande dificuldade em reagir prontamente, uma vez que não dispõe de
frota própria capaz de ofertar transporte concorrente para forçar o reequilíbrio do
mercado.
Quanto ao segmento de granéis, o escoamento da safra agrícola se faz
exclusivamente com navios de bandeira estrangeira, operando em rotas não
regulares, um mercado altamente vulnerável por ser sazonal. Na parte dos minérios,
com maior participação da empresa Vale, essa adquire seus navios no exterior,
utilizando-se de uma empresa subsidiária estrangeira que é a proprietária dos navios
e os mantém sob regime de bandeira de conveniência. Em suma, na operação de
exportação de minério a única parcela da venda que é internada no Brasil é a
referente à entrega da carga no porão do navio. Dali em diante, a remuneração
referente às demais atividades da cadeia produtiva fica no exterior.
Em ambos os casos (carga conteinerizada e granel), o fluxo de cargas é
primordialmente para o exterior, de modo que as operações pouco contribuem para
a receita do AFRMM. São parte significativa da perda de divisas decorrente de fretes
pagos. Assim, o país, nestes segmentos de transporte e no que diz respeito à conta
serviços do balanço de pagamentos, tem apenas ônus, não há qualquer bônus. As
empresas não constroem no Brasil, não utilizam materiais e equipamentos
nacionais, não realizam aqui a manutenção dos navios, não geram empregos, não
pagam taxas e impostos sobre o transporte, não internam no país suas receitas de
fretes.
O governo deve estabelecer mecanismos de fomento à formação de frota
brasileira de longo curso para melhorara o déficit da conta serviços do balanço de
pagamentos. Esses incentivos devem possibilitar às EBN concorrer com os grandes
players internacionais, com fretes semelhantes, sem que tenham risco de sofrer
57

dumping dessas grandes empresas, donas de frotas enormes e capazes de fornecer


linhas frequentes por meio de acordos de troca de espaço entre elas.
Podem-se apresentar, ao menos, dois motivos fortes para a concessão de
privilégios no transporte de longo curso:
1 – Melhora do balanço de pagamentos – conta serviços; e
2 – Controle, estabilização e redução do valor do frete, desonerando o valor
dos bens transportados, em especial os das cargas de exportação.

Não há como prescindir dos investimentos privados no setor de transportes


aquaviários, assim como não há como prescindir da regulação desse setor pelo
Estado. A atual política para o setor, refletida nas Leis nº 9.432/97, que regula o
transporte aquaviário e a exploração da infraestrutura portuária, e a Lei nº 10.233/01,
que cria a ANTAQ e o CONIT, encontram-se ultrapassadas e carecem de
aperfeiçoamento, a exemplo do que ocorreu com a Lei nº 8630/93, que dispõe sobre
o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias
que, após 20 anos, foi aperfeiçoada e substituída pela Lei nº 12.815/13.

Os seguintes pontos carecem de revisão:

1) Abertura do capital das empresas brasileiras de navegação a investidores


estrangeiros, sem qualquer restrição: a inexistência de limite de participação do
capital estrangeiro já serviu a seu propósito, de garantir uma sobrevida às EBN;
atualmente, representa um risco elevado de essas empresas estrangeiras,
controladoras de EBN, megaempresas transnacionais, agirem exclusivamente em
defesa de seus interesses promovendo atos que podem vir a ser prejudiciais ao
projeto nacional de promoção do comércio exterior, de fruição de bens transportados
e de desenvolvimento industrial.
2) O afretamento de embarcações estrangeiras para operarem nas
navegações de cabotagem, de apoio portuário e marítimo, restrita às empresas
brasileiras de navegação, deve continuar sujeito à prévia aprovação, em especial
para suprir picos de demanda, mas carece de um mecanismo adicional que impeça
que essas empresas perpetuem os afretamentos.
A figura a seguir mostra que o mecanismo de afretamento de embarcações
estrangeiras continua sendo amplamente empregado pelas EBN, com tendência a
crescimento.
58

Fonte: ANTAQ
Na situação atual, as empresas estrangeiras controlam as EBN e suprem
suas necessidades de mercado com o afretamento de navios oriundos de seus
pares no exterior, uma vez que o mercado interno de oferta de embarcações está
saturado e não há risco significativo de bloqueio de uma circularização. Por outro
lado, a facilidade de trazer navios do exterior por afretamento, mesmo com as
limitações regulatórias e o custo Brasil na construção naval, desestimulam a
renovação e modernização da frota nacional.
Uma solução que tem se mostrado eficaz é a adotada pela PETROBRAS
nos programas EBN e de contratação de serviços de apoio marítimo onde os
contratos de longa duração (de 4 a 8 anos) permitem às empresas contratadas a
iniciar a execução dos serviços com embarcações estrangeiras afretadas mas
determinam que essas sejam substituídas por outras nacionais, após um certo
prazo. Os contratos de longa duração tem sido eficientes como atrativo às empresas
que, dessa maneira, garantem uma receita que justifica a construção de novas
embarcações no Brasil. O governo pode adaptar tal solução para as licitações de
59

dragagem e passar a licitar a exploração de linhas de navegação com obrigações


semelhantes, quebrando o paradigma atual de que as EBN atuem com outorga na
modalidade de autorização.
3) A liberação do afretamento de embarcações estrangeiras na navegação
internacional, cuja única restrição é a prévia aprovação quando do transporte de
cargas prescritas à bandeira brasileira, provocou a quase extinção das EBN de
transporte no longo curso, com a consequente perda de divisas e do controle
estratégico desse segmento.
Faz-se necessária a criação de novos mecanismos de fomento, como tornar
os recursos da conta vinculada do AFRMM não contingenciáveis, de modo a tornar
efetivo o efeito desonerador do frete que representa a liberação desses recursos
financeiros, e dispensar as EBN de Longo curso do recolhimento do AFRMM, até
mesmo por que a parcela de contribuição dessas empresas, hoje, é muito pequena,
pois pouco participam do transporte no Longo Curso e a perda de receita com o
crescimento da participação dessas EBN no mercado externo pode ser compensada
pela entrada de dólares na conta serviços do balanço de pagamentos. É possível,
também, que ocorra uma queda do valor do frete uma vez que haverá maior
concorrência e, assim, os bens nacionais exportados terão preço mais competitivo
no mercado exterior.
4) A obrigação do transporte de cargas prescritas em navios de bandeira é
inócua uma vez que não existem esses navios, obrigando a Agência Reguladora
(ANTAQ) a aprovar praticamente todas as solicitações de transporte em navios de
bandeira estrangeira que lhe são apresentadas. Por outro lado, a quantidade de
carga prescrita transportada no comércio de importação não é significante a ponto
de estimular as empresas a criar uma frota de bandeira brasileira para suprir essa
demanda.
A perda de divisas e a fragilidade estratégica de o país não possuir uma
frota nacional de longo curso, por si só justificam a revisão desse dispositivo de
fomento para propiciar a reforma desse cenário desolador.
5) Considerando que vários mecanismos de fomento ao segundo registro no
Brasil não se mostraram viáveis (como a redução do custo de combustível da
cabotagem e dos custos trabalhistas), a criação de Registro Especial Brasileiro -
REB para as embarcações de bandeira brasileira, não surtiu os efeitos desejados,
quais sejam:
60

 A realização do registro de novas embarcações no país, ao invés do


emprego de bandeiras de conveniência;
 A transferência, para o país, do registro de embarcações que se
encontram sob regime de bandeira de conveniência; e
 Secundariamente, o estímulo à cabotagem em comparação com o
transporte em outros modais.
É necessário que o Estado tenha a Marinha Mercante e a Indústria Naval
como necessidades estratégicas, bem como tenha vontade política para desenvolvê-
la37. De fato, há que se tratar ao transporte aquaviário como uma política de Estado.
No momento, falta ao país promover o caminho contrário ao que vem sendo
praticado, ou seja, estimular a existência de EBN com participação de capital
nacional tanto na cabotagem quanto no longo curso, com frota própria registrada no
Brasil, que possa atuar de modo a estabilizar o custo de fretes e estancar a perda de
divisas, atendendo aos anseios do interesse público acima daqueles do interesse
privado internacional.
Por fim, cabe ao governo reforçar a capacidade de atuação da ANTAQ,
garantindo que seus recursos sejam não contingenciáveis e ampliando seus poderes
de fiscalização da atuação de empresas de navegação estrangeiras.

37
CASTRO, Wellington. Os Navios Mercantes Brasileiros com potencial de Apoio nas
Operações Navais. Monografia. Rio de Janeiro: Escola de Guerra Naval, 2007. P.3.
63

APÊNDICE A - A formação de uma Nação Marítima: de 1500 à primeira metade


do século XX

Pode-se dizer que a história da navegação no Brasil começou em 9 de


março de 1500, quando a frota comandada por Cabral partiu de Portugal. Desde
então, Portugal controlou e explorou por várias décadas todo o transporte marítimo
do Atlântico ao sul do equador, garantindo interesses comerciais e a posse de novos
territórios.
Portugal tinha, como principal marco para assim proceder e resguardar seus
interesses, o tratado de Tordesilhas (assinado em 1494) que, como se sabe,
partilhava terras a partir da linha imaginária que passa a 370 léguas das ilhas de
Cabo Verde - as descobertas a leste dessa linha ficariam para Portugal e as
encontradas a oeste, para a Espanha.
Período pré-colonial – de 1500 a 1530
A viagem da frota de Cabral, segunda travessia portuguesa à fonte de
especiarias nas Índias, tinha caráter tanto comercial quanto político e militar. Após
uma escala de dez dias no lugar que chamou de Ilha de Vera cruz, seus navios
retomaram o rumo ao oriente em busca do comércio de especiarias, não sem antes
aproveitar para realizar alguma exploração visando identificar potenciais riquezas a
explorar.
Muito embora se vislumbrasse outra fronteira comercial, representada pelo
extrativismo na nova colônia, a sedução do rico tráfego com as índias e os altos
custos correspondentes, que endividaram a coroa portuguesa, restringiam a função
do Brasil a um simples ponto de apoio de manutenção e reabastecimento por cerca
de três décadas. Esse período ficou conhecido como pré-colonial onde,
esporadicamente, se extraía o pau-brasil, Item de boa atratividade no mercado
europeu.
Apenas em 1530, o rei de Portugal organizou uma expedição com objetivo
específico de iniciar a colonização do Brasil. Comandada por Martin Afonso de
Souza, visava, também, expulsar os invasores franceses e coibir as visitas de
ingleses e holandeses que questionavam a validade do Tratado de Tordesilhas, bem
como iniciar o cultivo de cana-de-açúcar.
Naquele momento, as expedições comerciais às Índias já não se mostravam
tão atrativas tendo-se em conta o considerável capital que era necessário para a
64

aventura, o total controle do Estado monopolista, o risco envolvido e o período de


retorno do investimento (cada viagem durava, no mínimo, 15 meses). Por outro lado,
a exploração do pau-brasil trazia bem menos lucro mas o investimento necessário
era muito menor, podia ser dividido entre vários parceiros e as viagens eram bem
mais curtas (3 a 4 meses).
O Estado português atuava como regulador com o emprego de Cartas
Régias, instrumentos que legitimavam os atos que seriam necessariamente
praticados para viabilizar tal empreendimento.38
Nos dois casos observamos que todo o tráfego de cargas passava
obrigatoriamente por portos portugueses, ou seja, nenhuma mercadoria trazida tanto
das colônias quanto dos entrepostos da África e do oriente podia ser negociada e
transportada diretamente para algum mercado consumidor sem antes passar pelas
cidades do Porto ou Lisboa onde se fazia a internação das cargas e se cumpriam os
ritos alfandegários. Essa obrigação ficou conhecida, posteriormente, como “Pacto
Colonial”.
O governo participava diretamente do transporte de cargas originadas no
Oriente através da Companhia das Índias Orientais. Quanto às cargas oriundas do
Brasil, essas, por serem de baixo valor agregado (Pau Brasil, principalmente),
davam menor retorno financeiro e a Coroa Portuguesa não atuava diretamente na
empreitada, apenas usufruía da receita dos impostos.
Brasil-Colônia
A decadência do comércio com o Oriente, a partir de meados do século XVI
onde passou a sofrer de ampla concorrência, levou Portugal a se voltar para a
exploração da sua principal colônia. Buscando viabilizar o plano das Capitanias
Hereditárias (de fato, uma política de transferência dos encargos para o setor
privado), plano esse que havia sido aplicado com sucesso em outras colônias, foi
autorizado o tráfego aquaviário entre pontos do litoral brasileiro, o que classificamos,
hoje, como navegação de cabotagem. No entanto, a exportação de produtos
continuava a ser realizada apenas para portos portugueses.
Com a implantação do sistema de Capitanias, o tráfego marítimo
rapidamente cresceu, tanto na rota para Portugal, levando produtos extraídos da
mata brasileira e o açúcar que despontava como principal fonte de riqueza, quanto

38
Maria Leonor Freire Costa - A Rota do Cabo e a As rotas do Brasil - Seminário “O mundo que o
Português criou”.
65

ao longo do litoral brasileiro, pois era a principal forma de locomoção entre as


feitorias instaladas. A colônia brasileira continuava a ser um importante ponto de
escala dos navios utilizados na rota das Índias mas, aos poucos, esses navios,
maiores, foram sendo utilizados na rota Brasil-Portugal no transporte de açúcar.
Em 1560, Portugal já não mais detinha o controle do tráfego marítimo no
Atlântico Sul. Outras nações passaram a disputar o mercado do oriente e também
nosso litoral. Aqui, enquanto a exploração do Pau Brasil, extrativista, se reduzia, as
plantações de tabaco e cana de açúcar floresciam. Na Ásia, ao contrário, Portugal
perdia espaço para a Inglaterra e a Holanda. Assim, o interesse comercial se
passou, aos poucos, para a colônia.
No Brasil não havia estradas e tanto o tráfego de pessoas quanto o de
cargas era essencialmente realizado por via marítima. Não por acaso as primeiras
povoações ao longo de tão vasto litoral surgiram em locais com facilidades de
fundeio e abrigo para as embarcações - baías, enseadas, foz de rios, angras...
Também a interiorização do continente dependeu fortemente da utilização de vias
navegáveis interiores, de modo que o espírito marítimo fazia parte da vida da
população. Toda a navegação era realizada exclusivamente por embarcações
portuguesas, uma vez que essa atividade era vedada a empresas estrangeiras.
Em todo o período colonial o Brasil continuou vivendo da produção agrícola,
oprimido pela proibição da instalação de manufaturas e com a economia sufocada
pela obrigação de escoar sua produção unicamente por portos portugueses.
Mesmo a descoberta do ouro em Minas Gerais, na virada do século XVII
para o século XVIII, não trouxe desenvolvimento para a colônia brasileira mas, sim,
financiou a nação portuguesa então empobrecida e cada vez mais dependente da
Inglaterra, e serviu, também, para possibilitar a reconstrução da cidade de Lisboa,
destruída pelo terremoto de 1755.
O grande passo para o progresso da colônia se deve à guerra continental
conduzida por Napoleão, que obrigava as demais nações europeias a se alinharem
à França ou Inglaterra. Portugal dependia economicamente da Inglaterra e, não
restando alternativa, em 1808 a corte portuguesa se mudou para o Brasil, onde
encontrou um ambiente de relativa tranquilidade, tendo sido reprimidas as invasões
francesa e holandesa e debelada a Inconfidência Mineira.
Naquele momento teve início uma nova era na História do Brasil. A colônia
foi a grande beneficiada com a transferência da Corte. A presença da administração
66

real criou, pouco a pouco, condições para sua futura emancipação política que, em
pouco tempo, tornou-se irreversível. De imediato, ocorreu a revogação do ato que
proibia a instalação de manufaturas e, em seguida, a abertura dos portos às nações
amigas (em 28 de janeiro de 1808) o quê, na prática, extinguiu o pacto colonial.
A navegação teve forte alento em uma época na qual os grandes
proprietários locais havia muito reivindicavam o livre comércio com as nações
estrangeiras. Deve-se lembrar que estavam obrigados a escoar suas mercadorias
através por Portos Portugueses, o que encarecia o produto final devido aos custos
adicionais de transporte, diminuindo sua competitividade e, com isso, os prazos para
entrega de mercadorias aos mercados consumidores aumentavam
consideravelmente. Por outro lado, os preços das mercadorias eram regulados pela
Coroa, que cobrava taxas nas operações de importação/exportação e essas não
revertiam, necessariamente, na melhoria das condições do comércio exterior
brasileiras.
O quadro a seguir, que descreve o movimento de navios no Rio de Janeiro
entre 1805 e 1820, retrata uma nova posição da economia da colônia após as
medidas adotadas pela Coroa, com significativo crescimento a partir de 1808:39
Ano\navios Portugueses Estrangeiros
1805 810 -
1806 642 -
1807 777 1
1808 765 90
1809 822 83
1810-1815 (média/ano) 1214 422
1819 1313 350
1820 1311 354
Período Brasil Império
1822 - o Brasil se tornou independente de Portugal - o “status” de Reino se
manteve e, quanto à navegação marítima, o tráfego permaneceu aberto a outras
nações. O primeiro e principal esforço de D. Pedro I foi de manter a integridade

39
Paulo Roberto de Almeida, coletânea “A Abertura dos Portos”, pp 264, citando R. Simonsen.
67

nacional40 e, nesse sentido, a navegação cumpriu um papel essencial, propiciando a


ligação dos centros produtivos e consumidores ao longo de todo o litoral brasileiro.
Não havia estradas, apenas trilhas de tropeiros. Os percursos, por terra,
eram arriscados, penosos, demorados. Nesse país, de dimensões continentais, o
melhor meio de transporte era o aquaviário, muito embora prestado por
embarcações pequenas e de propulsão à vela. De fato, a navegação possibilitou
manter a integridade da Nação e a ampliação dos territórios.
Em 1850, o governo de dom Pedro II extinguiu definitivamente o tráfico de
escravos. Aos poucos, os imigrantes europeus assalariados passaram a substituir os
escravos no mercado de trabalho, principalmente nas fazendas de café, em
expansão. O Brasil, ainda uma nação essencialmente agrícola, exportava açúcar,
café e tabaco, enquanto a produção de cacau se expandia. A extinção do tráfico de
escravos também coincidiu com a alta do café no mercado internacional. O País,
agora independente e passado o período de carência de recursos, promovia uma
política de expansão de manufaturas e crescimento agrícola. Essas riquezas
necessitavam ser escoadas, de modo que a navegação reagiu proporcionalmente.
A pesquisa em documentos históricos traz referências a grandes armadores,
investidores nesse segmento do transporte, setor de alto risco, dependente da
sazonalidade inerente à produção agrícola e que envolve grande aporte de recursos
financeiros para a obtenção e armação das embarcações. Em um mercado com
essas características, o governo estabelecido precisou se valer de recursos privados
para promover ações de estado, no caso em lide o estímulo à atividade de
transporte marítimo e, por associação, na promoção da construção e reparação
navais, na forma de concessão de incentivos fiscais e financiamentos à iniciativa
privada.
Nesse cenário, surgiram empresários de visão mais ampla, conhecedores
dos meandros da política e do sistema bancário, com estratégias empreendedoras.
Tanto na construção naval quanto na navegação, na segunda metade do século XIX

40
Laurentino Gomes – 1822 – Depois de 13 anos de permanência no Rio de Janeiro, o Rei D. João
VI havia raspado os cofres nacionais. O novo país nascia falido. Faltavam dinheiro, soldados, navios,
armas e munição para sustentar a guerra contra os portugueses, que se prenunciava longa e
sangrenta. As perspectivas de fracasso, portanto, pareciam bem maiores que as de sucesso. ..
“Quando se olha para trás, 1822 parece um milagre. É inacreditável como uma parte da elite
brasileira conseguiu envolver o príncipe regente nos seus planos, separar-se de Portugal e,
principalmente, manter o país unido quando tudo indicava que o caminho mais provável seria a
guerra civil e a fragmentação territorial.” (citando o VA(RRm-EN) Armando de Senna Bittencourt).
68

destacou-se um nome: Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, patrono da


Marinha Mercante Brasileira.
Em 1845, Mauá criou e instalou os estaleiros da Companhia Ponta de Areia,
Niterói, com o que iniciou a indústria naval brasileira onde, em 11 anos, foram
construídos 72 navios, a vapor e/ou a vela. Suas instalações foram destruídas por
um incêndio, em 1857, e sua reconstrução se fez com considerável investimento.
Contudo, com a promulgação da Lei que, em 1860, isentou de impostos a
importação de navios, a empresa faliu.
Ainda no período no qual gozava das boas graças do governo, Irineu
Evangelista foi convidado a montar uma linha de navegação no Amazonas, para que
essa área fosse ocupada e, ao mesmo tempo, evitar “uma possível invasão norte-
americana”41. Como incentivo, recebia uma subvenção anual e direito de exploração
de extensas linhas. Quando o Império brasileiro retirou privilégios e liberou a
navegação do rio Amazonas a todas as nações (1870), Mauá vendeu seu negócio
de transportes a empresários ingleses.
A República
1889 – Proclamada a República. A política econômica do novo Governo,
conduzida pelo Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, como não podia deixar de ser,
era profundamente nacionalista e favorecia a formação de empresas brasileiras de
navegação. As duas mais importantes foram o Lloyd Brasileiro (LB), empresa estatal
operadora no Longo Curso, e a Companhia Nacional de Navegação Costeira,
empresa privada operadora na Cabotagem e Longo Curso.
Criação do Lloyd Brasileiro
A empresa de navegação Lloyd Brasileiro foi criada em 1890, após a
Proclamação da República, quando o governo ordenou a fusão das empresas de

41
O Brasil e o mar no século XXI, Cembra, Pp xx-4 (www.cembra.org.br). Pode-se assinalar o ano de
1826 como o do primeiro conflito de interesses entre Brasil e Estados Unidos quanto ao Rio
Amazonas. Naquele ano, o navio americano a vapor Amazon obteve autorização para descarregar no
Pará e navegar a frete entre as povoações das margens do rio. Chegando ao destino, o vapor
pretendeu seguir rio acima com carga própria destinada a países estrangeiros, o que não lhe foi
autorizado, uma vez que o rio era fechado à navegação, desde o tempo de Brasil Colônia. Tal foi o
marco de amplo movimento político, orientado pelos Estados Unidos, tendente à abertura do Rio-Mar
à livre navegação, procurando envolver interesses preexistentes não só dos países ribeirinhos
superiores (Peru, Equador, Venezuela, Nova Granada e Bolívia) como da Inglaterra e da França.
Várias ações sucederam-se até a solução do assunto, em 1867 (mais de 40 anos após seu início,
portanto), quando decidiu o Brasil, por decreto, abrir o Rio Amazonas à navegação internacional, até
Tabatinga; o Rio Madeira, até São Borja; o Rio Negro, até São João da Barra; e o Rio Tapajós, até
Santarém.
69

quatro armadores privados que recebiam subsídios estatais. A intenção do governo


foi de manter controle do transporte de cargas para o mercado externo,
principalmente garantir o escoamento da produção agrícola nacional. Empregando
navios mistos (carga geral/passageiros), o LB atuou em linhas regulares para a
América do Norte, Europa e Bacia do Prata. Em 1939 sua frota comportava o
expressivo número de 122 navios.
Companhia Nacional de Navegação Costeira
Na esteira da influência nacionalista, considerando que o artigo 13 da
Constituição Brasileira de 1891 estabelecia que “a navegação de cabotagem será
feita por navios nacionais”, o pai de Henrique Lage fundou, ainda em 1891, a
Companhia Nacional de Navegação Costeira, um dos alicerces de um “império” que
durou 50 anos.42 Com recursos próprios, iniciou sua frota com a aquisição de
embarcações de empresas brasileiras em dificuldades financeiras e a encomenda de
navios no exterior. Em menos de 2 anos, a companhia adquiriu 12 navios, todos com
nome começando por “Ita” tornando-se, em pouco tempo, uma das principais
empresas de navegação do Brasil.
A direção da Costeira, em 1915, realizou gestões junto ao governo e
conseguiu que fossem aprovadas leis de incentivo à construção naval, o que
compôs o denominado “Plano Naval Wenceslau Braz”. As bases do plano foram 43 a
abolição de impostos, a instituição de prêmios por navios construídos e a concessão
de empréstimo para a modernização e o aparelhamento dos seus estaleiros na Ilha
do Vianna.
Henrique Lage foi obrigado a assumir o controle dos negócios da família em
1918, após a morte de seu pai e, pouco tempo depois, de seus dois irmãos. No ano
seguinte, Lage obteve uma outra medida de apoio à construção naval nas
instalações da Costeira 44: a concessão à Companhia, pelo prazo de dez anos, de
isenção de impostos de importação e de taxas de expediente.

42
Carlos Alberto Campello Ribeiro - Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2007 - Henrique Lage e a
Companhia Nacional de Navegação Costeira: a história da empresa e sua inserção social (1891 -
1942) - “..., no início da República, aproveitando as facilidades previstas na primeira Constituição
republicana, que estabelece o monopólio da cabotagem nacional por navios brasileiros, e nas
medidas econômicas adotadas pelo então ministro da Fazenda Rui Barbosa, que facilitam a formação
de sociedades anônimas, Antonio Martins Lage Filho, neto do primeiro Antonio Lage, funda, em 7 de
fevereiro de 1891, a Companhia Nacional de Navegação Costeira, empresa gerada a partir do capital
familiar dos Lages, acumulado, principalmente, pela comercialização do carvão importado. Assim, é
dado início ao conjunto de aproximadamente 30 empresas formado, mais tarde, por Henrique Lage.”
43
Lei nº 3.454/1918.
44
Decreto nº 13.700/1919.
70

Na tentativa de melhorar a condição das receitas provenientes dos fretes,


Henrique Lage fundou, em 1934, a Conferência de Navegação de Cabotagem,
formada pelas empresas Lloyd Brasileiro, Comércio e Navegação, Carbonífera
Riograndense e as controladas por Henrique Lage. Mais tarde, a Conferência deu
origem ao “Syndicato de Armadores Nacionais”, atual SYNDARMA.
Em julho de 1941, portanto, em plena guerra, morreu Henrique Lages cujo
único herdeiro era sua esposa, de nacionalidade italiana. A Itália estava em guerra
com o Brasil. Isso precipitou que, em 1942, as empresas do grupo fossem
incorporadas ao patrimônio nacional e seus navios transferidos para o LB.
A 2º Grande Guerra e o pós-guerra
O transporte aquaviário sempre foi reconhecido como uma atividade
estratégica. Durante a Guerra, a preocupação com essa atividade se tornou mais
premente, exigindo, do Governo, a definição de uma política própria para o setor.
Portanto, em 1941 foi criada a Comissão de Marinha Mercante – CMM, com a
obrigação de formular a política para os setores de navegação e construção naval.
O fim do conflito em 1945 desacelerou a ação governamental no setor sem
que se tivesse implantado uma solução concreta. A renovação da frota privada
continuou sendo realizada com a importação de navios e, no Governo Dutra, ocorreu
a encomenda, no Japão, de uma série de navios-tanques, que deu origem, em 1950,
à Frota Nacional de Petroleiros (Fronape).

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