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Horta Escolar Dádivas Trocadas

Luana Messias1, Camila Braga2, Paola Stefanutti3, Edenilson Honig4, Soniete Oliveira5, Taiana Gallardo5

1
Mestre em Gestão de Alimentos e Bebidas pela Universidade Anhembi Morumbi, Bacharel em Gastronomia pela
UFRJ. Professora de Gastronomia do Instituto Federal do Paraná – IFPR campus Foz do Iguaçu. E-mail:
luana.messias@ifpr.edu.br.
2
Mestre em Agronomia (Horticultura) pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho – UNESP (FCA), Engenheira
Agrônoma pela UNIOESTE- MCR. Professora do curso Técnico em Agropecuária no CEEP Manoel Moreira Pena.
3
Doutora em Sociedade, Cultura e Fronteira. Professora de Gastronomia do Instituto Federal do Paraná – IFPR campus
Foz do Iguaçu.
4
Graduando em Agronomia pela UniAmérica-Centro Universitário. Técnico em Agropecuária no CEEP Manoel
Moreira Pena.
5
Graduanda em Tecnologia em Gastronomia pelo Instituto Federal do Paraná campus Foz do Iguaçu.

PALAVRAS-CHAVE: Gastronomia; Agricultura; Hospitalidade; Comensalidade; Pesquisa-ação.

INTRODUÇÃO produção que através da produção de hortaliças e frutas visam


O Instituto Federal do Paraná - IFPR campus Foz do Iguaçu complementar a alimentação escolar; e Hortas mistas que
abriga os cursos Técnico e Tecnologia em Gastronomia, sendo o possibilitam tanto desenvolver um plano pedagógico quanto
primeiro de nível técnico subsequente e o segundo de nível melhorar a nutrição dos escolares, sendo está uma prática
superior. Estes cursos possuem uma demanda por hortaliças em sustentável (1).
especial ervas aromáticas para suas aulas práticas de cozinhas Vale salientar que as hortas são resultado de um longo
nacionais e internacionais. Porém, observou-se que algumas processo de trocas, há milhares de anos grupos humanos
hortaliças eram difíceis de serem entregues pelo fornecedor de encontram-se com a finalidade de trocar mudas e sementes a fim
hortifrutis, em especial ervas que fazem parte da cultura alimentar de garantir a subsistência, diversificar a alimentação, mas também
de cozinhas internacionais e também as Plantas Alimentícias Não promover distinção social com a aquisição de espécimes raros (2).
Convencionais (PANCs). Além disso, verificou-se perdas das Desta forma, convém inserir o conceito de hospitalidade nesse
hortaliças e ervas pois eram entregues em porções maiores (no estudo.
caso de maços) do que a demanda ou já chegavam murchas ou Hospitalidade em sua forma arcaica refere-se ao sistema
machucadas do transporte e armazenamento inadequado. Como o das dádivas trocadas ou potlatch que eram momentos solenes no
campus dispõe de espaço com terra fértil para cultivar uma horta, qual grupos humanos da Polinésia, Melanésia e Noroeste
buscou-se o Colégio Agrícola CEEP Manoel Moreira Pena para Americano se reuniam para trocar coisas e estabelecer vínculos
propor uma parceria técnica inserida em um projeto de extensão sociais, isso antes do comércio e da moeda. Tal prática observada
na qual, o colégio agrícola orientaria os professores e alunos dos por Mauss (3) no Ensaio sobre a dádiva revela um sistema
cursos de Gastronomia acerca de técnicas agrícolas para complexo de trocas anterior ao comercial. As trocas tinham
instalação e manutenção de uma horta escolar (primeira fase do caráter voluntário-obrigatório, nas quais o anfitrião tinha a
projeto) e os docentes e discentes de Gastronomia fariam obrigação de dar alimentos, bebidas e acomodação para seu
treinamentos referentes à habilidades básicas de cozinha com os hóspede, este por sua vez tinha a obrigação de receber as
colaboradores que atuam no refeitório do Colégio Agrícola “dádivas” e, posteriormente, retribuir.
(segunda fase do projeto). Mauss (3) conclui que nossa moral e nossa vida ainda
Dito isto, a presente comunicação apresenta os resultados apresentam traços, heranças desse sistema arcaico onde dádiva,
iniciais da primeira fase do projeto de extensão “Horta Escolar obrigação e liberdade se misturavam. A teoria das três obrigações
Dádivas trocadas” que tem como objetivo geral promover dar-receber-retribuir de Mauss (3) ainda vigora, salvo as
hospitalidade e comensalidade através da instalação e manutenção proporções, no conceito contemporâneo de hospitalidade.
de uma horta escolar do tipo mista no IFPR campus Foz do Iguaçu Por conceito contemporâneo de hospitalidade entende-se
propiciando trocas de conhecimentos técnicos com o Colégio “a oferta de alimentos e bebidas e, ocasionalmente, acomodação
Agrícola CEEP Manoel Moreira Pena. O projeto ainda tem como para pessoas que não são membros regulares da casa. [...] A idéia
objetivos específicos: Incentivar o diálogo da Gastronomia com central do conceito envolve a partilha da própria casa e a provisão
outras áreas do conhecimento como a Agronomia; Fomentar a de terceiros” (4).
prática de trabalhos coletivos e cooperados entre docentes e Ao analisar a colocação de Brillat-Savarin (5) de que, ao
discentes do IFPR e do Colégio Agrícola CEEP Manoel Moreira receber um convidado em sua casa, o anfitrião torna-se
Pena; oportunizar momentos de encontros para doações e trocas responsável por sua felicidade, Telfer (4) demonstra que na
de mudas e sementes visando diversificar o repertório alimentar hospitalidade a incumbência do anfitrião é “algo mais do que
dos docentes e discentes envolvidos no projeto; e atender a alimentos, bebidas e abrigo: significa que ele deve procurar
demanda de ervas e hortaliças utilizadas nas aulas práticas dos alegrar um hóspede infeliz, divertir um outro entediado, cuidar de
cursos de Gastronomia. um terceiro adoentado” (4).
Inicialmente debruçamo-nos sobre o conceito de Horta que Além disso, Telfer (4) salienta que zelar pela segurança do
é um local onde são cultivadas hortaliças, plantas comestíveis que hóspede era um hábito importante, visto que “considerava-se o
se apresentam como folhas (cebolinha, salsa, couve, alface), flores anfitrião como alguém que assumia a obrigação solene de
(brócolis, couve-flor), frutos (pimentas, tomates, quiabo), assegurar que nenhum mal aconteceria ao seu hóspede enquanto
leguminosas (feijões), tubérculos (batata inglesa), raízes tuberosas ele estivesse sob seu teto” (4).
(cenouras, inhames, mandiocas) e rizomas (cúrcuma). Com isso, o IFPR Campus Foz do Iguaçu representado na
Existem diferentes tipos de hortas de acordo com sua figura dos discentes e docentes dos cursos de Gastronomia
finalidade. Hortas familiares ou domésticas são aquelas plantadas colocam-se no papel de anfitriões para com o Colégio Agrícola
para atender as necessidades de consumo diário de hortaliças por CEEP Manuel Moreira sendo nossos encontros pautados nos
uma família. Hortas comunitárias são aquelas conduzidas por conceitos arcaico e contemporâneo de hospitalidade. Como esses
grupos de pessoas que dividem as áreas de cultivo, o trabalho, as encontros também possuem como papel de fundo a oferta de
despesas e a produção. Hortas escolares são aquelas que estão alimentos e bebidas, concordou-se em inserir o conceito de
inseridas no espaço físico e no contexto escolar e podem comensalidade nesse estudo.
apresentar-se de três tipos: Hortas pedagógicas que têm por Comensalidade constitui uma forma de convivência
finalidade a realização de um programa educativo; Hortas de extrafamiliar que consagra a vizinhança. Ela está presente na
forma de distribuição e consumo ritual ou cerimonial de alimentos Com o desenvolvimento desse estudo foi possível a
em quase todas as sociedades, sendo a alimentação um promoção de hospitalidade e comensalidade através da instalação
componente importante nestes momentos, pois materializa um e manutenção da Horta Escolar Dádivas trocadas no IFPR campus
gesto de amizade. Acredita-se que a refeição ofertada para Foz do Iguaçu por meio de trocas de conhecimentos técnicos com
compartilhar carrega um pouco ou um pedaço de quem oferta (6). o Colégio Agrícola CEEP Manoel Moreira Pena. A ação de boas-
Para Boutaud (7) os alimentos oferecidos em partilha e os vindas realizada no Dia da árvore foi um exercício prático
comportamentos à mesa respondem a uma estrutura simbólica de relevante para a compreensão dos conceitos basilares desse
pertencimento, de identidade, de hábitos e de preferências estudo, os presentes sentiram-se acolhidos, compartilharam
alimentares compartilhados por um grupo. comidas e bebidas, algumas feitas por eles, atenderam ao pedido
Em uma sociedade cada vez mais individualista e hostil de doação de mudas e sementes. Em síntese, tornou-se um
faz-se necessário estimular atividades de cunho coletivo e momento memorável e trouxe um sentimento de pertencimento à
hospitaleiro e uma prática que envolve esses dois aspectos é a da Horta Escolar.
comensalidade, a partilha de alimentos e bebidas. Portanto, o Com a ação do Dia da Árvore, o projeto oportunizou um
projeto de extensão “Horta Escolar Dádivas trocadas” promove momento de encontro para a doação de mudas e sementes para a
encontros para fazer manejo e manutenção da horta escolar, para horta escolar, na qual conseguiu-se arrecadar uma diversidade de
discutir os conceitos apresentados, para doar e trocar mudas e ervas aromáticas, uma variedade de pimentas do gênero
sementes, sempre compartilhando comidas e bebidas. Capsicum, milho crioulo e Plantas Alimentícias Não
Convencionais (PANCs) como jambu e capuchinha. Planeja-se
MATERIAL E MÉTODOS uma nova ação visando as trocas, onde os participantes poderão
O método utilizado nesse estudo para coleta e interpretação levar sementes e mudas para trocar entre si e assim, diversificar
dos dados é a Pesquisa-ação. A escolha por este método justifica- seu repertório alimentar.
se pelo fato dele ser uma proposta que visa a socialização de
conhecimentos e habilidades, no qual há envolvimento entre Figura 1. Ação do Dia da Árvore.
pesquisadores e pesquisados, que nessa metodologia não é tido
como objeto de pesquisa, mas como sujeitos ativos que
contribuem com conhecimento e transformação da realidade em
que estão inseridos. Segundo Baldissera (8) a pesquisa-ação parte
de um projeto de ação social ou da solução de problemas coletivos
e está centrada no agir participativo e na ideologia de ação
coletiva, desta forma uma pesquisa pode ser qualificada de
pesquisa-ação quando há uma ação por parte das pessoas
envolvidas no processo investigativo.
A metodologia da pesquisa-ação constrói-se em três
momentos: momento investigativo, momento de tematização e
momento de programação/ação.
No momento investigativo, buscamos o Colégio Agrícola
CEEP Manoel Moreira Pena e propusemos uma parceria.
Realizamos uma pesquisa bibliográfica e construímos nosso
referencial teórico.
No momento de tematização, elaborou-se um programa
pedagógico, constituído por um conjunto de temas e Fonte: Acervo dos autores.
confeccionou-se um material didático.
No momento de problematização/ação, inicialmente, Os encontros semanais com os parceiros do Colégio
professores e alunos dos cursos de Gastronomia do IFPR e do Agrícola incentivaram o diálogo da Gastronomia com a
Colégio Agrícola CEEP Manoel Moreira Pena trabalharam no Agronomia, sendo momentos de muito aprendizado onde
planejamento e execução de um projeto para a Horta Escolar que professores e alunos ensinaram e aprenderam sobre sistema
envolveu a escolha dos locais onde seriam feitos os canteiros, alimentar, o caminho que o alimento percorre do campo até a
montagem dos canteiros, adubação do solo e plano de irrigação. mesa, sobre como montar uma horta, como tratar o solo, como
Deixando o espaço da horta preparado para o plantio. semear, como fazer mudas, que espécies interagem melhor,
Tomando como mote o dia 21 de setembro – Dia da Árvore, harmonização com ervas aromáticas, entre outros temas.
em que os indivíduos são encorajados a plantar árvores – As ações desta primeira fase do projeto de extensão veem
promovemos uma ação de Hospitalidade no IFPR campus Foz do fomentando a prática de trabalhos coletivos e cooperados entre
Iguaçu para alunos e professores dos cursos de Gastronomia que docentes, discentes e servidores do IFPR e do Colégio Agrícola
consistiu na recepção dos alunos na “volta às aulas” juntamente CEEP Manoel Moreira Pena, como pode-se observar com o
com uma campanha de doação de sementes e mudas. Visando planejamento e execução do projeto de instalação e manutenção
estimular experiências de comensalidade, ou seja, a partilha de da horta. Em breve, na segunda fase, as ações estarão voltadas
alimentos e bebidas entre os alunos, promovemos um potluck, para o refeitório do Colégio Agrícola.
evento em que cada convidado leva uma comida ou uma bebida
para compartilhar. Nessa oportunidade o projeto de extensão foi Figura 2. Professora agrônoma ensina aluno de gastronomia como
apresentado e os presentes foram convidados a participar. semear.
Passado esse momento festivo, sob orientação dos
membros do Colégio Agrícola, as mudas foram plantadas em um
dos espaços destinados para a horta e algumas sementes foram
postas para germinar. E iniciou-se as atividades de manejo e
manutenção da horta.
O projeto de extensão “Horta Escolar Dádivas trocadas”
ainda está em andamento com atividades diárias de manutenção
da horta, encontros semanais com os membros do Colégio
Agrícola para orientações sobre os cuidados com a horta e
encontros mensais para compartilhar conhecimentos sobre
cultivo, doar e trocar sementes e mudas e partilhar comidas e
bebidas.
A segunda fase do projeto de extensão será uma
ação/intervenção no Colégio Agrícola CEEP Manoel Moreira
Pena na qual professores e alunos dos cursos de Gastronomia
vinculados ao projeto farão treinamentos com os cozinheiros do
refeitório. Fonte: Acervo dos autores.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Observou-se uma mudança de postura dos alunos de A metodologia aplicada evidenciou a relevância de promover
Gastronomia com relação ao descarte de resíduos das aulas ações/intervenções educativas para transformar uma realidade e o
práticas. Eles passaram a dedicar mais atenção para a separação comportamento de uma comunidade.
do lixo, em especial o orgânico que voltou a ser destinado em Ainda há um longo caminho a percorrer e desafios para
parte para a compostagem. Algumas partes das hortaliças que enfrentar como: adquirir um sistema de irrigação automatizado e
antes eram descartadas passaram a ser usadas para fazer mudas. telas de sombreamento para proteção do sol excessivo durante o
Atitudes como essas, que partiram dos alunos após as verão.
intervenções demonstram que está sendo construído um novo
caminho de descobertas. REFERÊNCIAS
1. FERNANDES, M. C. A. Orientações para implantação e
CONCLUSÕES implementação da Horta Escolar. Caderno 2. Ministério da
Apresentamos aqui os resultados preliminares da primeira Educação. Brasília, 2007.
fase do projeto de extensão Horta Escolar Dádivas trocadas, isso 2. PELT, J. M. Especiarias & ervas aromáticas: História,
porque a pesquisa continua paralelamente as ações, visto que a botânica e culinária. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
realidade está em constante transformação. A partir dos resultados, 3. MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca
conclui-se que as ações empreendidas foram bem aceitas e nas sociedades nas sociedades arcaicas. Tradução de Paulo
assimiladas. Os participantes adquiriram consciência da importância Neves. 1 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 288pp
do diálogo entre Gastronomia e Agronomia, e de trabalhar de forma 4. TELFER, E. A filosofia da “hospitabilidade”. In: LASHLEY, C.;
coletiva e cooperada. MORRISON, A. (Orgs.) Em busca da hospitalidade: perspectivas
para um mundo globalizado.Tradução de Carlos David Szlak.
Figura 3. Professora de Gastronomia e aluno de Agronomia Barueri, SP: Manole, 2004. pp. 53-77. p.54.
plantam mudas na Horta Escolar Dádivas trocadas. 5. BRILLAT-SAVARIN. A fisiologia do gosto. Tradução Paulo
Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
6. CONTRERAS, J.; GRACIA, M.; Alimentação, sociedade e
cultura. Tradução:Mayra Fonseca e Barbara Atie Guidalli. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.
7. BOUTAUD, J. J. Comensalidade: compartilhar a mesa. In:
MONTANDON, Alain. (Org) O livro da hospitalidade: acolhida
do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos
Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011.
8. BALDISSERA, A. Pesquisa-ação: uma metodologia do
“conhecer” e do “agir” coletivo. In: Sociedade em debate, Pelotas,
7(2):5-25, Agosto/2001.

Fonte: Acervo dos autores.

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