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Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1993. [p. 107-181]. Resenhado por Silvana dos Santos Costa Oliveira
Sobre o autor: Tzvetan Todorov nasceu em Sófia, 1 de março de 1939 e faleceu em Paris, 7
de fevereiro de 2017, foi um filósofo e linguista búlgaro radicado em Paris, França, desde 1963.
Após completar seus estudos em Letras, frequenta os cursos de Filosofia da Linguagem de
Roland Barthes que foi seu orientador do doutorado e, posteriormente, seu colega de trabalho
na École Pratique des Hautes Études. Foi professor de outras universidades como da
Universidade de Yale e diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris (CNRS).
Dirigiu o Centro de Pesquisa sobre as Artes e a Linguagem da mesma cidade. Publicou um
número considerável de obras, que estão hoje traduzidas em vinte e cinco idiomas, além disso,
produziu uma obra considerada vasta na área de pesquisa linguística e teoria literária. O
pensamento de Todorov direciona-se, após seus primeiros trabalhos de crítica literária sobre
poesia eslava, para a filosofia da linguagem, numa visão estruturalista que a concebe como
parte da semiótica (saussuriana), fato que se deve aos seus estudos dirigidos por Roland
Barthes. A publicação de A Conquista da América, inicia sua transição do gênero “literatura e
teoria literária” para “a história dos pensamentos ou filosofia política”. Nessa obra Todorov
expõe suas pesquisas a respeito do conceito de alteridade, existente na relação de indivíduos
pertencentes a grupos sociais distintos, cujo tema central encontra justificativa na situação do
próprio autor, que é imigrante na França, um país onde supostamente a relação entre nacionais
e estrangeiros é historicamente marcada por um xenofobismo não declarado. Com a publicação
de “Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana (1989)”, rompe
definitivamente com o estruturalismo e a crítica literária, temas que o tornaram famoso e
reconhecido e aprofunda seu pensamento sobre a humanidade e a diversidade humana.
Racismo, racialismo
Para separar esses dois sentidos, adotar-se-á aqui a distinção, às vezes operada,
entre racismo, termo que designa o comportamento, e racialismo, reservado às
doutrinas. (idem)
Doutrina Racialista:
[...] racialismo é um movimento de ideias nascido na Europa ocidental, cujo
grande período vai de meados do século XVIII a meados do século XX.
(ibidem)
1. Existência das raças: [...] as raças são aqui assimiladas às espécies animais,
e afirma-se que há entre duas raças a mesma distância que entre o cavalo e o
jumento: não é bastante para impedir a fecundação natural, mas suficiente para
estabelecer uma fronteira que salta aos olhos de todos. (idem)
4. Hierarquia universal dos valores: [...] umas (raças) são superiores às outras,
o que implica uma hierarquia única de valores, de um padrão de avaliação com
o qual faz julgamentos universais. (p. 110, grifo nosso)
Racialismo e Cientificismo:
Diversos traços em comum indicam que a família espiritual do racialismo é o
cientificismo. [...] O cientificismo, pode-se dizer, é o iceberg e o racialismo é
sua ponta aparente. Hoje em dia as teorias racialistas não são bem aceitas; mas
a doutrina cientificista continua tão próspera quanto antes. (p. 111)
Formulação do racialismo
Francois Bernier, em 1684, emprega pela primeira vez a palavra “raça” em seu
sentido moderno, mas não trata da questão. (p. 113)
[...] “a cor depende muito do clima”, mas também de outras causas: “Uma das
principais é a alimentação (...); outra, que não deixa de produzir efeito, são os
hábitos ou maneiras de viver." (p. 118)
O ideal estético
O ideal estético de Buffon é, portanto, tão estreitamente etnocêntrico quanto seu
ideal ético e cultural; mas com ainda menos razões onde se apoiar. Os europeus
lhe servem de ponto fixo de comparação para estabelecer a distância que separa
os outros povos da perfeição. (p. 120)
O racialismo vulgar
Nesta seção o autor traz os pensamentos racialistas de Renan e Le Bon que concordam com a
existência de três raças e a hierarquização entre elas, na qual uma raça seria superior e estaria
“predestinada” a ser “civilizada” e dominar as demais (intermediárias - asiáticos e inferiores -
negros).
Renan:
A contribuição original de Renan refere-se, como se verá, à oposição entre as
“raças” ariana e semita. (p. 122)
Para Renan, a raça inferior é constituída pelos negros da África, pelos nativos
da Austrália e pelos índios da América (reunidos, portanto, em nome de sua
inferioridade cultural, não de traços físicos comuns). (ibidem)
Le Bon
Le Bon é partidário do poligenismo, e assimila as raças humanas às espécies
animais (o que Buffon recusava - com razão). “Baseando-se em critérios ana-
tómicos bem claros, como a cor da pele, a forma e a capacidade do crânio, foi
possível estabelecer que o gênero humano compreende várias espécies
claramente separadas e provavelmente de origens muito diferentes” (Lois, p. 8).
(p. 122)
O determinismo científico
O reino da ciência
Creio sempre que a razão, quer dizer, a ciência, conseguirá criar de novo a força,
quer dizer, o governo, na humanidade (L’ eau de jouvence , Préface, p. 441).
Isto não quer dizer apenas que a razão se tomará forte, mas também que o
governo deve se apoiar na ciência. Em outra ocasião Renan especifica um
pouco mais este pensamento: “A ciência é a alma de uma sociedade; pois a
ciência é a razão. (p. 136)
A moralidade superior
Segundo Gobineau, o comportamento dos homens é inteiramenle dependente
da raça a que pertencem e se transmite pelo sangue; a vontade do indivíduo nada
pode fazer. (p. 137)
Gobineau
Racialismo vulgar
A habilidade de Gobineau com as palavras e seu poder de, através delas, deixar subentendido
que era justificável a escravização, a inferiorização e até o extermínio de outras raças, pode ter
contribuído para a aceitação, divulgação e ressignificação de suas teorias “científicas” ao longo
dos anos.
[...] certas raças são passíveis de aperfeiçoamento, outras não. (p. 143)
As raças não são apenas diferentes; são, ademais, hierarquizadas, segundo uma
escala única: [...] As três grandes raças- negra (ou melaniana), amarela (ou
finlandesa) e branca, identificadas por marcas físicas como a carnação, o
sistema piloso, a forma do crânio e da fácies — são avaliadas, sempre com o
mesmo resultado, segundo três critérios, beleza, força física e capacidades
intelectuais. (idem, grifo nosso)
Raça e Civilização
Ideia/Noção de civilização em Gobineau
Por mais vagas que sejam essas evocações (mas as metáforas biológicas são
carregadas de um sentido pesado em Gobineau), pode-se ver que possuem um
traço comum, que permite aproximá-las dos três graus da sociedade
apresentados anteriormente: é que a mistura é preferível ao estado simples e
puro; a nação, como a civilização, consiste em uma absorção da
heterogeneidade; a estabilidade e a mobilidade, o macho e a fêmea, devem estar
simultaneamente presentes; e a própria raça branca, coroamento, como se sabe,
da espécie humana, é de fato um “meio justo”, consegue evitar os excessos das
raças negra (“feminina” demais) e amarela (“masculina” demais); ela é, pelo
menos no plano conceitual, uma mistura. (p. 146)
O que Gobineau propõe é uma teoria da história social; e seu postulado é que
deve julgar a qualidade de uma sociedade por sua capacidade de se integrar a
outras, de submeter absorvendo. Ao lado dessa primeira afirmação vem uma
segunda, ou seja, a de que a civilização é um efeito da raça, e apenas dela. Todos
os outros fatores que podem influenciá-la agem apenas na superfície; na
realidade, a qualidade de um povo é um fato resultante da raça” (Essai, p. 1168).
Correlativamente, a hierarquia das civilizações é rigorosamente paralela à das
raças. “A desigualdade das raças (...) basta para explicar todo o encadeamento
dos destinos dos povos (p. 138). É o que Gobineau chama de seu axioma”: [...]
Assim, o “ariano é superior aos outros homens, principalmente na medida de
sua inteligência e de sua energia” (p. 981), e “a raça germânica é dotada de toda
a energia da variedade ariana” (p. 1161). (p. 148)
Raça e história
“As raças atuais não conseguem perder seus traços principais a não ser em
consequência e pela força dos cruzamentos” (p. 268). (p. 148)
Com efeito, na ótica da raça, a mistura é uma degradação. Mais, até: toda
degradação é o efeito de uma mistura de sangues. É o que Gobineau chama de
sua “afirmação fundamental. “Os povos só degeneram em seguida e em
proporção às misturas que sofrem” (p. 345). (p.149)
Renan
Raças linguísticas
Em suas análises particulares procede sempre assim: para estudar a religião, por
exemplo, é preciso começar “pondo de lado" mais de metade da humanidade:
[...] Os povos civilizados, como se vê, formam uma espécie à parte. (p. 153)
Bem mais do que pelo sangue, os homens modernos são movidos “por essa
grande força superior às raças e destruidora das originalidades locais, que se
chama civilização!" (Histoire gene rale, p. 139; cf. "La société berbère", p. 570).
(p. 154)
A "raça linguística" é a porta que lhe permite fazer comunicar a raça e a língua.
Longe de evacuar o conceito de "raça", a obra de Renan reforça-o, porque é com
ele (e com alguns de seus contemporâneos) que “ariano" e "semita" deixam de
ser termos que servem para designar famílias de línguas, para se aplicar às
"raças", quer dizer, aos seres humanos. (p. 157)
O membro de uma raça, diz Renan, jamais escapa a seu império; a educação não
adianta muito. "Todos os progressos da ciência moderna levam, ao contrário, a
pensar cada raça como encerrada em um tipo que ela pode realizar ou não, mas
do qual não sairá" ("Le désert et le Soudan", p. 541). (idem)
Com efeito, todas as suas oposições podem ser reunidas em uma só, entre
raciocínio e fé, verdade e revelação, filosofia (ou ciência) e religião. “A pesquisa
da verdade, refletida, independente, severa, corajosa, em uma palavra,
filosófica, parece ter sido o destino dessa raça indo-europeia" (L’ Origine du
laugage. p. 98; cf. Histoire gênérale, p. 145, e L 'Avenir de lascience, p. 955):
(p. 158)
[...] O contrário, para os semitas: “É, por excelência, a raça das religiões,
destinada a dar-lhes nascimento e propagá-las (L’Origine du language, p. 97)
(p. 159). [...] “A língua ariana tinha uma grande superioridade, sobretudo no que
se refere à conjugação do verbo.” [...] A língua semita, ao contrário, no que se
refere ao verbo, tomou desde o início um partido defeituoso. (idem)
Se isso acontece com as línguas, a coisa é ainda mais verdadeira com as próprias
culturas. Os povos semíticos são sempre descritos negativamente, quer dizer,
pelo que lhes falta em comparação aos indo-europeus; [...] “Assim a raça
semítica é reconhecida quase unicamente por seus caracteres negativos: não tem
mitologia, epopeia, ciência, filosofia, ficção, artes plásticas, vida civil; em tudo,
ausência de complexidade, de matizes, sentimentos exclusivos de unidade"
(Histoire générale p. 155). (p. 160)
Eis que a superioridade da raça ariana sobre a raça semita se exprime em termos
rigorosamente paralelos aos que descrevem a superioridade da raça branca sobre
as outras raças — e se trata, num caso, de raças físicas, e no outro, de raças
linguísticas! Os arianos são para as outras raças brancas (quer dizer, os semitas
— judeus ou árabes), o que a raça branca é para as duas outras raças: o povo
destinado a se tomar senhor do mundo. (p. 161)
A fé na razão
Na verdade, o ideal de Renan não é ver triunfar a razão sobre a fé, mas provocar
sua reconciliação final. (p. 164)
Assim, a religião - que Renan assimila também à moral, e às vezes até mesmo
às doutrinas políticas, como o socialismo - jamais é apresentada como realmente
autônoma; mesmo no interior do domínio que e o seu, o da fé, ela é atacada pela
ciência. O que explica, talvez, melhor do que o próprio Renan porque ele
consagra seus esforços àquilo que dizia estimar tão pouco: a religião e seus
inventores, os semitas. (p. 164 e 165)
Os caminhos do racialismo
Raças históricas
Cientificismo e totalitarismo