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Repensando as
Américas
TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1993.
(p. 24) “Quais são os argumentos de Pascal? Ele diz: ‘há três
meios de crer: a razão, o costume, a inspiração. A religião
cristã, única a possuir a razão...’ (245): mas isto nada mais é
do que uma petição do princípio. Ou ainda: ‘Falsidades das
outras religiões. – elas não possuem testemunhos’ (592).
‘Maomé, não anunciado; Jesus Cristo, anunciado’ (599). A
religião cristã ‘é a única que sempre foi’ (605):
(...) O raciocínio de Pascal é circular, e nisso é exemplar do
espírito etnocêntrico: de início definem-se os valores absolutos
a partir de seus próprios valores pessoais, e finge-se em
seguida julgar seu próprio mundo com a ajuda desse falso
absoluto.
‘Nenhuma religião, a não ser a nossa, ensinou que o
homem nasce em pecado, nenhuma seita de
filósofos disse isso: nenhuma, portanto, disse a
verdade’ (606). A ‘verdade’ é definida pelo ‘nossa’, o
que não impede que essa ‘verdade’ venha em
seguida reforçar o prestígio do ‘nossa’, enfeitando-a
com suas belas cores! O universalismo de Pascal é
da espécie mais banal: a que consiste em identificar,
de maneira não crítica, seus valores com os valores;
em outras palavras, o etnocentrismo.” (p. 24)
(p. 25) “La Bruyère, por sua vez, tem consciência da
diversidade dos costumes, e segue Montaigne na
acolhida favorável reservada às diferenças. Todos
os que não se parecem conosco, chamamos de
bárbaros, o que é um grande erro; ora, nada seria
mais desejável do que ver as pessoas
‘abandonarem esse preconceito em favor de seus
costumes e suas maneiras, que, sem qualquer
discussão, não apenas lhes fazem pensar que são
os melhores de todos, mas quase lhes fazem decidir
que tudo o que não lhes é conforme é
desprezível’(‘Discours sur Théophraste’, p. 11).
(p.25) E está pronto a condenar o etnocentrismo
estreito dos outros: ‘O preconceito do país, junto ao
orgulho da nação, fazem-nos esquecer que a razão
vive em todos os climas e pensar que ela é justa em
todos os lugares onde há homens: não gostaríamos
de ser tratados assim por aqueles que chamamos
de bárbaros; e se existe em nós alguma barbárie,
consiste em se espantar de ver outros povos
raciocinar como nós’ (‘Des jugements’, 22, p. 351).
(p. 25) Bárbaros são os que crêem que os outros, a
sua volta, são bárbaros. Todos os homens são
iguais, mas nem todos o sabem; alguns se crêem
superiores aos outros, e é precisamente nisso que
são inferiores; portanto, nem todos os homens são
iguais. Como se vê, essa definição não deixa de
colocar alguns problemas lógicos, já que o fato de
observar que certos povos se crêem superiores
quando, na verdade, são inferiores, leva-me a
enunciar um julgamento de gênero dos que
condeno:
(p. 25) Os outros são inferiores; seria preciso
que a constatação desse tipo de
inferioridade fosse explicitamente
distanciada dos comportamentos visados por
essa mesma constatação. A partir daí,não se
teria nada a comentar de tal programa, se
não fosse essa fórmula final, ‘raciocinar
como nós’.
O geral pelo particular
Racismo e racionalismo
(p. 108) “A doutrina racialista, que nos
preocupará aqui em primeiro lugar, pode ser
apresentada como um conjunto coerente de
proposições, que se encontram todas no ‘tipo
ideal’ ou versão clássica da doutrina, podendo
algumas estar ausentes em certas versões
marginais ou ‘revisionistas’. Essas proposições
podem ser reduzidas a cinco”
1 – A existência das raças;
2 – A continuidade entre físico e moral;
3 – A ação do grupo sobre o indivíduo;
4 – Hierarquia universal dos valores;
5 – A política baseada no saber:
(p. 110) “As proposições de 1 a 4, enumeradas até
aqui, apresentam-se como uma descrição do
mundo, como constatações de fato. Aí se funda uma
conclusão, que forma a quinta e última proposição
de doutrina, a saber, que se deve desenvolver uma
política que ponha o mundo em harmonia com a
descrição precedente.
(p. 110) Tendo estabelecido os ‘fatos’, o
racialista tira deles um julgamento moral e
um ideal político. Assim, a submissão das
raças inferiores, ou mesmo sua eliminação,
pode ser justificada pelo saber acumulado a
respeito das raças. É aqui que o racialismo
junta-se ao racismo: a teoria dá lugar a uma
prática.”
(p. 111) “Diversos traços em comum
indicam que a família espiritual do racialismo
é o cientificismo.”
Formulação do racialismo