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Série II
32 | 2018
Fraturas sociais e educativas: Desafios para a
sociologia da educação
Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/sociologico/2098
DOI: 10.4000/sociologico.2098
ISSN: 2182-7427
Editora
CICS.NOVA - Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa
Edição impressa
Paginação: 59-69
ISSN: 0872-8380
Refêrencia eletrónica
Bruno Dionísio, Leonor Lima Torres e Mariana Gaio Alves, « A sociologia da educação em Portugal :
Perspetivas de futuro », Forum Sociológico [Online], 32 | 2018, posto online no dia 16 julho 2018,
consultado o 23 agosto 2019. URL : http://journals.openedition.org/sociologico/2098 ; DOI : 10.4000/
sociologico.2098
© CICS.NOVA
A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL 59
Bruno Dionísio1
Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA
de Lisboa, Portugal
Resumo
Abstract
Prospecting the future of the sociology of education requires examining the past and present of this
VFLHQWL¿F¿HOG%DVHGRQWKLVDVVXPSWLRQWKLVDUWLFOHSUHVHQWVWKHUHVXOWVRIDFRQWHQWDQDO\VLVRI
WHQLQWHUYLHZVZLWKVRFLRORJLVWVRIHGXFDWLRQRIGLIIHUHQWJHQHUDWLRQVDQGLQVWLWXWLRQDODI¿OLDWLRQV
This analysis is complemented by studies on the evolution of the sociology of education carried
out by Portuguese authors, allowing the exploration of the three constitutive dimensions of the
VFLHQWL¿F¿HOGWHDFKLQJUHVHDUFKDQGVRFLRHGXFDWLRQDOLQWHUYHQWLRQ
Sociológico
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Quadro 1 CorpusHPStULFRHSHU¿OGRVHQWUHYLVWDGRV
Filiação institucional e
Publicação
Entrevistados Entrevistador Áreas de formação FDWHJRULDSUR¿VVLRQDO
da entrevista
(à data da entrevista)
Licínio Lima Newsletter n.º 5 José Augusto Licenciatura em Ensino de Português-Inglês Instituto de Educação da Universidade
(Lima, E1) – março 2011 Palhares (1981) do Minho
Doutoramento em Educação, área
de conhecimento em Organização e Professor Catedrático
Administração Escolar (1991)
Sérgio Grácio Newsletter n.º 6 Ana Matias Licenciatura em Sociologia (1970) Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
(Grácio, E2) – julho 2011 Diogo Doutoramento em Sociologia da Educação da Universidade Nova de Lisboa
(1992)
Professor Aposentado
Bruno Dionísio Newsletter n.º 7 Pedro Abran- Licenciatura em Sociologia (2001) Escola Superior de Educação de
(Dionísio, E3) – outubro 2011 tes Doutoramento em Sociologia (2010) Portalegre
Professor Adjunto
Telmo Caria Newsletter n.º 8 José Augusto Licenciatura em Sociologia (1984) Universidade de Trás-os-Montes e Alto
(Caria, E4) – janeiro 2012 Palhares Doutoramento em Sociologia da Educação Douro
(1987)
Professor Catedrático
6R¿D0DUTXHV Newsletter n.º 10 Pedro Abran- Licenciatura em Ciências da Educação (2001) Faculdade de Psicologia e Ciências de
da Silva – outubro 2012 tes Doutoramento em Ciências de Educação Educação da Universidade do Porto
(Silva, E5) (2008)
Professora Auxiliar
Carlos Alberto Newsletter n.º 11 José Augusto Licenciado em Sociologia (1980) Instituto de Educação da Universidade
Gomes – janeiro 2013 Palhares Doutoramento em Sociologia da Educação do Minho
(Gomes, E6) (1998)
Professor Auxiliar
Maria Manuel Newsletter n.º 12 Ana Matias Licenciatura em Sociologia (1982) Instituto de Ciências Sociais da
Vieira – junho 2013 Diogo Doutoramento em Sociologia (1998) Universidade de Lisboa
(Vieira, E7)
Investigadora
Almerindo Jane- Newsletter n.º 14 Leonor Lima Licenciatura em Ciências Políticas e Sociais Instituto de Educação da Universidade
la Afonso – janeiro 2015 Torres (1980) do Minho
(Afonso, E8) Doutoramento em Sociologia (1997)
Professor Associado
Teresa Seabra Newsletter n.º 15 Mariana Gaio Licenciatura em Sociologia (1989) ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa
(Seabra, E9) – outubro 2015 Alves Doutoramento em Sociologia (2008)
Professora Auxiliar
José Manuel Re- Jornal de Sociolo- Bruno Dionísio Licenciatura em Sociologia (1983) Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
sende gia da Educação, Doutoramento em Sociologia (2001) da Universidade Nova de Lisboa
(Resende, E10) n.º 0 – maio 2017
Professor Associado com Agregação
Fonte: elaboração própria.
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temáticas das desigualdades sociais perante a Em segundo lugar, sublinhe-se que alguns
educação, da multiculturalidade e da intercul- entrevistados sugerem que estudar sociologia da
turalidade, dos próprios professores enquanto educação implica, ainda, desenvolver o espírito
JUXSRSUR¿VVLRQDOPDVVREUHWXGRWDOYH]SDUD crítico sobre a escola e a sala de aula, bem como
as suas práticas e atitudes educativas. sobre as práticas educativas nesses contextos, o que
consideram da maior importância. Neste sentido,
Todavia, essa centralidade (ou hegemonia, como entende-se o estudo da sociologia da educação como
também é apelidada pelos entrevistados) da escola um contributo não apenas para a compreensão, mas
QmRVLJQL¿FDTXHWHPiWLFDVUHODWLYDVDIRUPDVSUR- também para o questionamento crítico das realidades
cessos e contextos não-escolares estejam ausentes educativas que se deseja que suscite a mudança
do ensino da sociologia da educação. Expressões de perspetivas, de atitudes e eventualmente até
como “intersecções entre a escola e outras institui- GH SUiWLFDV 7UDWDVH D¿QDO GH UHFRQKHFHU FRPR
ções educativas [...] e temáticas de educação não- inerente à própria sociologia a adoção “em perma-
-formal” (Silva, E5) ou “o não-escolar é um mundo QrQFLD GH XPDDWLWXGHGHUHÀH[LYLGDGHDXWRFUtWLFD´
a descobrir!” (Gomes, E6) ou “desescolarização da (Pinto, 2007, p. 108).
sociologia da educação” (Seabra, E9) ou ainda “olhar Globalmente, a análise deste conjunto de entre-
SDUDXPPRGRGHTXDOL¿FDomRGDVSHVVRDVDSDUWLU vistas parece evidenciar que o ensino da sociologia da
da escola e do desenvolvimentos da escolarização, HGXFDomRVHHQFRQWUDQXPDIDVHGHUHFRQ¿JXUDomR
mas olhando também para a inserção dessas cate- dos respetivos espaços institucionais, na medida em
gorias noutros espaços para além da escolarização” que se assiste a um declínio nos cursos de formação
(Resende, E10) revelam como, na perspetiva singu- de professores que coexiste com a continuidade
lar de cada um destes entrevistados, se evidencia da disciplina nos cursos de sociologia e com a sua
a presença de contextos e processo educativos inclusão no âmbito de outras ofertas formativas
escolares e não-escolares no ensino da sociologia (não exclusivamente direcionadas a professores
da educação. Aliás, no plano do ensino, Lima (E1) ou a sociólogos). Nestas condições, perspetivar o
nota que “hoje, há um certo desenvolvimento, ao futuro do ensino da sociologia da educação requer
ponto de a sociologia da educação se desdobrar em TXHVHHYLGHQFLHPRVGHVD¿RVUHODFLRQDGRVFRPD
‘sociologia da educação e políticas educativas’, em VXD UHFRQ¿JXUDomR HP HVSDoRV LQVWLWXFLRQDLV QRV
‘sociologia da educação não-escolar’, em ‘sociologia quais a mesma se articula com outras áreas de
da educação e da formação’”. especialização da própria sociologia e com outras
A existência de uma pluralidade de temáticas disciplinas para além da sociologia. As ideias de que
presentes no ensino da sociologia da educação importa “não olhar para a sociologia da educação
relaciona-se, estreitamente, com o modo como nas como uma área disciplinar fechada sobre si própria
últimas décadas se tem assistido ao aumento do (apesar da sua autonomia relativa)” (Resende, E10)
número de pesquisas sociológicas desenvolvidas e, e de que é importante “estabelecer um permanente
simultaneamente, articula-se com o alargamento dos diálogo quer com a matriz sociológica mais vasta quer
objetos de estudo para além da instituição escolar. com outras ciências sociais” (Vieira, E7) assumem
Porém, na perspetiva de alguns entrevistados, a hoje uma relevância redobrada tendo em conta a
opção pela pluralidade de temáticas emerge “a partir UHFRQ¿JXUDomRGRVHVSDoRVLQVWLWXFLRQDLVFRQWHQGR
também daquelas que são preocupações educativas um potencial de enriquecimento da pluralidade e
contemporâneas que atravessam as vidas dos/as profundidade de temáticas e perspetivas teórico-
nossos/as estudantes” (Silva, E5). Ou seja, “são -conceptuais consideradas no ensino de sociologia
PDWpULDVTXHHQWUDPSRUXPODGRSRUVR¿VWLFDomR GD HGXFDomR 2 HQIUHQWDPHQWR GHVVHV GHVD¿RV
teórica, académica, conceptual [...] mas também exige que se repensem quais são e podem ser os
entram por uma agenda política, social, cultural contributos do ensino da sociologia da educação,
HWF SRU XPD VRFLHGDGH TXH VH YDL FRPSOH[L¿FDU equacionando o desenvolvimento de práticas de
muitíssimo” (Lima, E1). ensino que continuem a valorizar os contributos
3RU¿PFRQVLGHUDQGRDSHUVSHWLYDGRVHQWUH- da disciplina na formação dos alunos do ensino
vistados sobre os contributos, para os alunos, do superior no futuro.
ensino da sociologia da educação nas universidades
e politécnicos, pretendemos destrinçar dois aspetos. $LQYHVWLJDomRHPVRFLRORJLDGDHGXFDomR
Primeiramente, note-se que é transversal aos entre-
vistados, bem como muito frequente e valorizada, A investigação desenvolvida em Portugal no
a referência a aspetos como “compreender” e/ou campo da sociologia da educação tem sido objeto
“explicar” as dinâmicas escolares e educativas que de variadas análises, que vêm recenseando os prin-
resultam num enriquecimento da formação, seja cipais objetos, contributos teóricos e os enfoques
GRV SURIHVVRUHV VHMD GH RXWURV SUR¿VVLRQDLV TXH metodológicos (cf. Abrantes, 2004; 2010; Afonso,
estudem sociologia da educação. 2001; 2005; 2009; Stoer, 1990, 1992; Stoer e
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Afonso, 1999; Torres e Palhares, 2010; 2014) Com mais evidência a partir da década de
adotados ao longo das várias conjunturas históricas 1990, o desenvolvimento da sociologia da educa-
e institucionais que marcaram a expansão deste ção, inicialmente impulsionado pela expansão da
FDPSRFLHQWt¿FR$ULTXH]DHDH[DXVWLYLGDGHGHVWHV IRUPDomRGHSURIHVVRUHVTXHVHYHUL¿FRXQRSHUtRGR
mapeamentos teóricos e metodológicos dispensam pós-revolução, percorre duas vias disciplinares que
qualquer exercício de metassíntese, não só pela sua ora se aproximam, ora se distanciam: uma inscrita
redundância analítica, como pela desadequação à na sociologia e outra nas ciências da educação
QDWXUH]DGDDERUGDJHPUHÀH[LYDTXHSUHWHQGHPRV (Abrantes, 2004). A criação de cursos de graduação
desenvolver. Todavia, nesta abordagem projetiva de interface com a sociologia (educação, animação
do futuro da sociologia da educação, torna-se fun- cultural, entre outros) e a multiplicação da oferta
damental compreender a sua trajetória histórica formativa pós-graduada ocorrida num período
para, a partir dela, “imaginar” sociologicamente marcado pela expansão do ensino superior induziu
novos horizontes e alternativas de desenvolvi- a abertura a novos objetos de pesquisa, quer para
mento. Nesta breve incursão retrospetiva, guiada GDUFRQWDGRVQRYRVGHVD¿RVFRORFDGRVSHORVSHU¿V
pela voz dos entrevistados, uma primeira tendência formativos, quer para acompanhar as já visíveis
emerge como central: a sobredeterminação da LQÀXrQFLDVGDVDJHQGDVSROtWLFDVLQWHUQDFLRQDLV$
agenda de pesquisa pela agenda política (nacional amplitude investigativa que se abre propicia a mobi-
e internacional), que, aliás, constitui também um lização de múltiplos contributos disciplinares que se
fator condicionador do desenvolvimento do ensino cruzam neste panorama, uns mais estreitamente
da sociologia da educação, bem como das diversas ¿OLDGRV j VRFLRORJLD RXWURV PDUFDGRV VREUHWXGR
formas de intervenção socioeducativa. pelas abordagens inscritas nas ciências da educação.
No tocante à investigação, é notória, numa Embora se constate um deslocamento da escala de
primeira fase de emergência da sociologia da edu- observação para o nível mega, focada na análise das
cação, o interesse pelas abordagens macroana- políticas educativas de âmbito global e nos temas da
líticas, focadas essencialmente nas dinâmicas de globalização, mundialização, europeização, e no papel
funcionamento do sistema educativo, na década das organizações internacionais, simultaneamente,
de 1970, e, de forma mais acentuada, nas políticas LQWHQVL¿FDVHRLQWHUHVVHSHODVDERUGDJHQVPDFURH
educativas, na década de 1980. Impulsionada pela meso, agora voltadas para as questões da avaliação
UHYROXomR GHPRFUiWLFD D D¿UPDomR GD VRFLRORJLD educacional e para as esferas do ensino superior.
em Portugal encontra um contexto propício à sua Nas últimas décadas deste século assistiu-se a
expansão: a criação das Universidades Novas e das XPDVLJQL¿FDWLYDGLYHUVL¿FDomRWHPiWLFDIRPHQWDGD
Escolas Superiores de Educação, a par do desen- não só pelo aumento de pesquisas desenvolvidas
volvimento do modelo integrado de formação de no âmbito académico como pelo alargamento dos
professores, que contemplava nos planos curricu- objetos de estudo para fora da instituição escolar. O
lares a área da sociologia da educação, embora sob incremento de políticas de educação de adultos, o
diferentes designações, tal como sublinha Licínio aumento da escolaridade obrigatória para 12 anos, a
Lima: “A própria expressão sociologia da educação implementação da escola a tempo inteiro, a aposta
é uma expressão relativamente rara. [...] Não é nos programas TEIP e a transferência de competên-
uma expressão que surja com frequência” (E1). FLDVSDUDRSRGHUORFDOFRQ¿JXUDPDSHQDVDOJXPDV
No plano político-administrativo, a implementação medidas políticas que condicionaram as incidências
progressiva da “gestão democrática” nas escolas e investigativas. O facto de alguns destes programas
o processo de Reforma Global do Sistema Educa- terem estimulado um acréscimo de projetos de
tivo, espoletado com a publicação da Lei de Bases investigação, ora por encomenda, ora enquadradas
do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86), constituíram HP¿QDQFLDPHQWRVS~EOLFRVHRXSULYDGRV QDFLRQDLV
PDUFRV LPSRUWDQWHV QD GH¿QLomR GDV SULRULGDGHV e internacionais), contribuiu para a ampliação dos
investigativas. Por exemplo, os primeiros trabalhos enfoques e para a própria visibilidade social desta
sociológicos produzidos neste período incidiram área de conhecimento. Como bem observa Maria
VREUH SUREOHPiWLFDV TXH UHÀHWLDP DV SUHRFXSD- 0DQXHO9LHLUD ( DSDUGDFRQWUDomRYHUL¿FDGD
ções dominantes da formação de professores, tais nos cursos de formação de professores, que veem
FRPRRVLQGLFDOLVPRHRSUR¿VVLRQDOLVPRGRFHQWHD a componente sociológica reduzida nos seus planos
interação nos contextos pedagógicos, o (in)sucesso de estudo (Afonso, E8; Lima, E1), as abordagens
e o currículo escolares, a escola de massas. Já na sociológicas da educação ganham outro vigor no
década de 1980, o interesse volta-se para o papel contexto da formação avançada
do Estado e das políticas educativas, lançando as
bases de uma abordagem focada na “sociologia das para onde se tem deslocado a “especialização
políticas educativas” (Afonso, 2009, p. 67), que nas disciplinar” (em teses de mestrado, doutora-
décadas seguintes se fortaleceu ao alargar o seu mento ou projetos de pós-doutoramento),
horizonte aos contextos internacionais. quer do desenvolvimento de pesquisa cien-
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a ação e a construção quotidiana da ordem discussão, que não é nem nova nem ultrapassada,
escolar (Resende, E10), mas igualmente pode conduzir-nos a uma miríade de frentes: as
a exploração de novas articulações entre condições de produção, disseminação e apropriação
HVFDODV GH REVHUYDomR D¿JXUDVH XPD do conhecimento, os modos singulares de o
estratégia heuristicamente pertinente. O sociólogo se envolver, os sentidos da utilidade quer
aprofundamento das mesoabordagens, internamente ao campo (objetos que se engrandecem
por exemplo, poderá abrir novos rumos de HGHVTXDOL¿FDPQRVWULOKRVGDVDJHQGDVFLHQWt¿FDV
pesquisa, uma vez que exige um olhar a políticas e mediáticas) quer externamente (enquanto
partir de dentro (organização, contexto), SUR¿VVLRQDLVGRVRFLDOQRVSHUFXUVRVGHD¿UPDomR
mas simultaneamente capaz de buscar do seu ofício)... Discutir a intervenção implica,
articulações entre as dimensões macros- pois, um movimento de sentido duplo sobre o que
sistémicas e as micro-unidades de análise. VLJQL¿FDID]HUVRFLRORJLDGDHGXFDomRSRUXPODGR
A própria complexidade da vida escolar e intervir no mundo educativo, por outro.
(em termos de novos públicos, estrutura Este debate não é exclusivo de uma sociologia
organizacional, tempo e intensidade de da educação portuguesa que está entrando na idade
permanência) exige um olhar que vá além adulta. Lá fora, ele é igualmente premente e estende-
do “ângulo instrumental de aquisição de -se a outros campos disciplinares. Bernard Lahire,
conhecimentos para a preparação de um por exemplo, dirigiu um trabalho (justamente no
IXWXURSUR¿VVLRQDORXFtYLFR´ 5HVHQGH( DQRGDPRUWHGH3LHUUH%RXUGLHX HPTXHGHVD¿DYD
e da mera lógica aplicativa de instrumentos alguns reputados sociólogos franceses da atualidade
estandardizados. a responder à questão provocadora: “para que serve
iv) Do ponto de vista político-institucional, a sociologia?” (Lahire, 2002). Onze anos volvidos,
RV GHVD¿RV SRGHP VHU FRORFDGRV D GRLV François Dubet desenvolve um exercício similar mas
níveis: por um lado, a criatividade teórica deslocando o foco da utilidade da sociologia para a
e metodológica advinda dos olhares inter- utilidade do sociólogo: “para que serve verdadeira-
disciplinares exigirá uma cultura institucio- PHQWHXPVRFLyORJR"´ 'XEHW 1HVVDUHÀH[mR
nal e académica alicerçada na “liberdade 'XEHWRSWDSRUXPHVWLORQDUUDWLYRDXWRELRJUi¿FR
FLHQWt¿FDDEHUWDjGHVFREHUWDVXEPHWLGD com base na ideia de que uma sociologia útil deve
à crítica dos pares, mas desvinculada ser uma sociologia encarnada: uma “sociologia em
GH ¿GHOLGDGHV SDUDGLJPiWLFDV LPSRVWDV´ carne viva”, que “existe para os cidadãos” (Amândio,
(Vieira, E7); por outro lado, num contexto Abrantes e Lopes, 2016), uma sociologia pública
fortemente marcado pela mercadorização (Burawoy, 2005).
da ciência e da técnica e pela subordina- Situando em Pierre Bourdieu (contribuir para
ção a “critérios de utilidade mercantil ou a denúncia crítica dos mecanismos de dominação),
a lógicas de rentabilidade pragmática”, a em Raymond Boudon (contribuir para aumentar a
FRPXQLGDGH FLHQWt¿FD GHYHUi LQYHVWLU QD racionalidade social e individual) e em Alain Touraine
alteração das “conceções dominantes de (contribuir para elevar o nível de consciência e de
utilidade e de relevância” (Afonso, E8), engajamento dos atores nos movimentos sociais) as
EHP FRPR QD GH¿QLomR FODUD GH ³OLPLWHV três vias da tradição francesa recente no que toca
GHUD]RDELOLGDGHFLHQWt¿FD´ 9LHLUD( QD aos modos úteis de o sociólogo intervir na realidade
aceitação e desenvolvimento de pesquisas. social, Dubet, não obstante a sua herança tourainiana
Por exemplo, a pressão para a produtividade TXHQmRUHQHJD HQDOWHFHRGHVD¿RGRSOXUDOLVPR
tem impedido o desenvolvimento de pesqui- que, partindo das sociologias disponíveis, seja capaz
sas eminentemente qualitativas e de cariz de evitar as aporias quer do entendimento da vida
HWQRJUi¿FRIUHTXHQWHPHQWHLQFRPSDWtYHLV social como uma dominação total quer dissolvendo a
com a dimensão temporal exigida (Caria, vida social numa microssociologia (Dubet, 2011, p.
E4; Gomes, E6). 151). O sociólogo seria assim pluralmente útil: seja
quando é crítico, quando mostra que a sociedade
+RUL]RQWHVGHLQWHUYHQomRGRVVRFLyORJRV não é o que crê ser, quando aconselha, ou quando
GDHGXFDomR “apenas” produz ciência “pura”. Essa utilidade plural
HQIUDTXHFHULD GH FHUWR PRGR R GXHOR LQÀDPDGR
Os horizontes de atuação de um sociólogo da entre os partidários de uma “sociologia social” e
educação não se esgotam nas duas camadas de os partidários de uma “sociologia experimental”
que acabámos de dar conta: ensino e investigação. – para usar as designações adotadas por Lahire
Mas como equacionar o debate em torno da ideia (2002, p. 43).
– por vezes nebulosa, porosa e controversa – de Contudo, ao longo do livro, não deixa de ser
intervenção? Se “intervir” e “intervencionar” não são explícita a primazia dada por Dubet a uma sociolo-
apenas uma questão de morfologia gramatical, a JLDTXHSHUPDQHoD¿HOPHQWHOLJDGDDRVSUREOHPDV
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e de comunicação que possam chegar próximo das A escola tem uma relação cronicamente
DXGLrQFLDVJHUDLVRXPDLVHVSHFt¿FDV´ 6LOYD( ambivalente, quiçá bipolar, com a sociologia. O
A luta pelo reconhecimento público e pela contrário também não será menos verdadeiro.
D¿UPDomRSUR¿VVLRQDOQmRpH[FOXVLYDGRVRFLyORJR Desocultar a “caixa negra” inquieta; desconstruir
da educação. Se, como bem sinaliza Sérgio Grácio abala rotinas; dessacralizar rui os alicerces do
(E2), “os principais concorrentes no espaço escolar santuário escolar. Como observa Teresa Seabra
são os psicólogos e os assistentes sociais [...] reti- (E9), “o tópico da igualdade de oportunidades é,
rando espaço à intervenção dos sociólogos”, quer em muitos contextos, perturbador e incómodo”. O
RVSVLFyORJRVTXHUJOREDOPHQWHRV³SUR¿VVLRQDLVGR compromisso histórico da sociologia da educação
social” (Vieira e Dionísio, 2012) estão sujeitos às com as grandes bandeiras políticas da modernidade
GL¿FXOGDGHVGHD¿UPDomRGDVLQJXODULGDGHGRVVHXV educativa é evidente. Das promessas que essas
ofícios e aos percursos ziguezagueantes de reconhe- bandeiras ergueram, umas cumpriram-se, outras
cimento da sua utilidade dentro de um “santuário metamorfosearam-se, enfraquecendo os termos
escolar” que frequentemente os captura ou testa em que a crítica sociológica se sustentava desde
os seus limites éticos e deontológicos. os anos 1960. Isso acentua a necessidade de
Mas os tempos que correm parecem dar recomposição da crítica e de se “repensar os ideais
alguns indícios de que esta escola (já) não é para da justiça educativa” (Derouet, 2005) à medida
sociólogos. Como diagnostica Abrantes (2017), que a “preferência pelas desigualdades” (Dubet,
os problemas educativos parecem sofrer de “uma 2014) obriga a refundar os laços de solidariedade
economização no topo e de uma psicologização na no mundo educativo.
base, em ambos os casos atomizando os atores e Se, hoje, a “sociologia dos grandes indi-
negligenciando o peso das estruturas e das dinâmicas cadores” é útil para compreender, numa perspe-
sociais, a importância das interações, das culturas, tiva comparada, as grandes dinâmicas educa-
das desigualdades”. Ora, por um lado, essa “psicolo- WLYDVQXPXQLYHUVRJOREDOL]DGRHODQmRpVX¿FLHQWH
gização na base” pode agudizar a patologização dos SDUD GDU FRQWD QXPD SHUVSHWLYD HWQRJUi¿FD
fenómenos educativos através de uma intervenção das “artes de fazer o comum” (Resende, E10)
hipersingularizada, geradora de condições inóspitas numa escola singularizada. Como remata João
ao trabalho para o sociólogo da educação que resiste Sebastião,
à conversão do seu ofício num laboratório clínico.
Por outro lado, a “economização no topo” interfere a sociologia da educação só se continuará a
QDVSUySULDVFRQGLo}HVGHH[HUFtFLRSUR¿VVLRQDOHQD desenvolver se conseguir manter o seu foco
luta pela credibilidade da sociologia que será tanto nos processos sociais complexos que hoje se
maior quanto mais for capaz de “impor limites de desenvolvem nas escolas portuguesas e [se]
UD]RDELOLGDGH FLHQWt¿FD HP WHUPRV GH SUD]RV GH compreender como estes estabelecem liga-
realização, de desenhos metodológicos, de liberdade ções com os processos sociais mais amplos.
para expressão de resultados” (Vieira, E7). A dupla Em particular há uma efetiva necessidade de
LQMXQomRjH¿FiFLD ³FOtQLFD´H³HFRQyPLFD´ QXP “regressar” às escolas, à compreensão dos
mundo governado pela urgência no tratamento dos SURFHVVRVHGXFDWLYRVHGRVGHVD¿RVTXHKRMH
problemas, parece, pois, não ser compatível com se lhes colocam, assim como renovar a capa-
um “exame calmo dos factos de sociedade” (Quéré, cidade de intervenção dos sociólogos nesses
2002, p. 79). processos. (Sebastião, 2017, p. 8)
Porém, esta atmosfera mais ou menos adversa
não curto-circuita a possibilidade de se descortinarem $¿UPDUDLQWHUYHQomRGRVRFLyORJRGDHGXFDomR
outros horizontes para a intervenção. Grácio (E2) no quadro de uma escola singularizada, à escala
considera que uma auscultação mais precisa sobre a individual, só é uma heresia se não se olhar para o
atividade dos sociólogos na escola, alargada a outros singularismo como uma “forma inédita de consciência
campos de exercício como as autarquias e institui- social de si próprio” e, por isso mesmo, uma “fábrica
ções centrais ou locais de educação e formação, formidável de exigência igualitária” (Martuccelli,
ajudaria a mapear “possibilidades de intervenção 2008). Longe dos dourados anos 1960/70, outros
QmRH[SORUDGDVRXLQVX¿FLHQWHPHQWHH[SORUDGDV´$ horizontes da intervenção se vislumbram. Parafra-
“monitorização permanente do sistema de ensino e a seando Dubet (2011, p. 100), se já não é possível
avaliação da implementação de políticas educativas” GH¿QLU R TXH p D ERD HVFROD GHYHPRV HVIRUoDU-
(Vieira, E7) continuam a ser um campo fértil de -nos por pensar o que será uma escola boa para
possibilidades, além da exploração de novas frentes, as pessoas. Nessa perspetiva, não só esta ainda é
FRPRD¿JXUDGR³VRFLyORJRPHGLDGRU´ 5HVHQGH uma escola para sociólogos como, porventura, a
E10), por exemplo, no quadro da reorganização dos sua intervenção nunca foi tão útil.
territórios escolares, como é o caso dos designados
mega-agrupamentos.
Sociológico
FORUM
Abrantes, P. (2017). 30 anos de sociologia da educação Pinto, J. M. (2007). ,QGDJDomR FLHQWt¿FD DSUHQGL-
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