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DESEJO E CORPOREIDADE: O MAL-ESTAR NAS PRÁTICAS DE

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Jairo Carioca de Oliveira1


INTRODUÇÃO

A expressão "educação inclusiva" tem sido amplamente utilizada no discurso


educacional brasileiro como sinônimo de "educação especial", que visa atender alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação
(BRASIL, 2008)2. No entanto, esses termos representam conceitos distintos e suas práticas
estão interdependentes nas relações educacionais.
A ideia de inclusão deve ser ampliada para repensar as práticas de educação
especial e a relação do corpo com a identidade. As atividades que envolvem a expressão
corporal geram polêmicas no espaço escolar, pois a cultura mercadológica impõe padrões
que buscam afirmar uma identidade específica, alterando a experiência corporal dos
indivíduos. Esse comportamento heterocisnormativo compulsório causa fenômenos de
hibridização vividos em múltiplas performances cotidianas (BUTLER, 2013; 2015)3.
Este sistema afeta a educação, tornando-a mais complexa no tratamento dado à
corporeidade negra de adolescentes não cisgêneros no cotidiano escolar. Os processos de
ensino se comprometem em reproduzir comportamentos heterocisnormativos, deixando
corpos fora de alcance. A corporeidade negra de adolescentes não cisgêneros, tomada por
sentimentos de inadequação e angústia, mantém-nos em estados rígidos de sofrimento
mental.
Para lidar com essa complexidade, a Educação e a Psicanálise estabeleceram um
diálogo. Desde 1913, no texto "Múltiple Interés del Psicoanálisis" 4, Freud já tinha interesse
na Pedagogia e seus contornos educacionais, pois nessa relação havia afetividade oriunda
da dimensão sexual. Ele ressaltava a importância de esclarecer aos educadores sobre o
desenvolvimento da corporeidade do adolescente, aproveitando a ambivalência afetiva no

1
Mestrando em Educação pelo PPGEduc/UFRRJ atua como psicanalista desenvolvendo pesquisa na
interface entre psicanálise e feminismo – estudos de gênero no Laboratório de Educação, Gênero e
Sexualidades da UFRRJ.
2
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial (SEESP). Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
3
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira Lopes.
O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 151-172.
4
FREUD, S (1913). Múltiple interés del psicoanálisis. Obras Completas, vol. LXXV. Disponível em: <
https://drive.google.com/file/d/1MoaBfNbEvOnNIOXDZZon8lyyakKW4mZc/view> Acessado em:
15/02/2023

1
trânsito da figura professor-aluno para manejar os processos de ensinagem (PEDROZA,
2010)5. Embora Freud não tenha escrito sobre a educação e a corporeidade negra, seu
pensamento pode contribuir para repensar as práticas educacionais inclusivas e especiais,
considerando a diversidade das identidades e a relação do corpo com a aprendizagem.
O corpo humano pode ser considerado um veículo expressivo do nosso ser no
mundo, uma vez que a nossa posição na sociedade é mediada pelo espaço e pelo tempo. A
diversidade das representações corporais evidencia a multiplicidade de identidades que
coexistem na sociedade. Entretanto, a cultura mercadológica impõe padrões estereotipados
que reforçam identidades específicas e excluem grupos étnicos, de classe e de gênero,
gerando um estranhamento étnico-racial que também é refletido no espaço escolar.
A cultura mercadológica é onipresente na sociedade contemporânea e molda a
experiência corporal dos indivíduos desde a infância, inclusive no ambiente escolar. Isso
pode levar a uma dissimulação da sexualidade e a uma alienação das pulsões vitais,
conforme observado por Pedroza (2010) e Kupfer6 (1992). Nesse contexto, a Educação
aliada à psicanálise pode oferecer uma abordagem que busca manejar a relação do
adolescente com o corpo, instalando o princípio da realidade, que subordina a
subjetividade ao princípio do prazer e delimita a passagem de pura satisfação das pulsões.
Assim, a linguagem mediada pode marcar a entrada do adolescente no universo simbólico
e permitir a simbolização das relações afetivas em seu corpo (ARMANDO, 1974) 7.
Contudo, é preciso ter cautela para evitar sobreposições indevidas entre a
Pedagogia e a Psicanálise, já que cada uma dessas áreas possui suas próprias funções e
metodologias. É necessário buscar coordenadas assíncronas para delimitar os campos,
respeitando os limites de cada um e permitindo a coabitação de suas operações.
Embora o adolescente seja assujeitado pela Educação e pelo ensino, ele também é
um sujeito de análise no setting analítico, conforme argumenta Melanie Klein (1997) 8.
Assim, o analista não deve se posicionar como educador ou professor, mas sim como um
suporte que permite ao adolescente dizer não à demanda de identificação e reivindicar sua
autonomia em relação ao Outro.

5
PEDROZA, Maria Regina Lúcia. Psicanálise e Educação: análise das práticas pedagógicas e formação do
professor. Revista Psic. da Ed., São Paulo, 30, 1º sem. de 2010, pp. 81-96.
ressignificação cultural? Scielo.br. Nº 21, Set/Out/Nov/Dez 2002. Disponível em: <
6
KUPFER, Maria Cristina. Freud e a Educação. O mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1992.
7
ARMANDO. Antonello. Freud et l’éducation. Paris, Les Editions E.S.F. 1974
8
KLEIN, Melanie. A Psicanálise de Crianças. Editora Imago. 1997

2
As atitudes dos professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem são
influenciadas tanto pelo desejo quanto pela corporeidade. Com relação ao desejo,
recomenda-se que ambos cultivem uma postura desejante, baseada no respeito e na
expressão dos desejos, o que pode gerar prazer compartilhado no corpo durante a
aprendizagem. No entanto, em relação à corporeidade, muitas vezes ocorrem conflitos
devido às expectativas em torno de um modelo corporal ideal. Essas expectativas podem
ser especialmente opressivas para os alunos negros, que podem sofrer discriminação e
piadas por causa de seu cabelo, por exemplo, mesmo que as mães se esforcem para cuidar
dos fios de seus filhos (SILVA, 2016, p. 3)9.
Isso significa que a corporeidade não pode ser objetificada de forma alguma. Na
verdade, o corpo deve ser visto como uma entidade que se relaciona consigo mesmo e com
o mundo ao seu redor, como defendido por Assman (1995) 10 em seu livro "Paradigmas
Educacionais na Corporeidade".
É fundamental refletir sobre os diversos significados de inclusão em escolas
brasileiras. Para isso, é necessário examinar documentos oficiais sobre o tema "educação
inclusiva - educação especial" e questionar as práticas e os conceitos de "inclusão" por
meio da leitura e interpretação das Teorias Queer, em especial aquelas atribuídas a Butler
(2013; 2015), a fim de repensar o ambiente escolar.
A educação pode contribuir significativamente para o desenvolvimento de uma
corporeidade negra não cisgênero entre adolescentes. Ao considerar o lugar que o corpo
ocupa na escola, é possível que a instituição de ensino exerça um papel importante no
desenvolvimento da corporeidade negra não cisgênero e, consequentemente, na educação
sexual dos alunos.

9
SILVA, Kátia Karoline Ferreira. Corporeidade negra: reflexões da cor da pele e do cabelo afro no espaço
escolar. Anais VIII FIPED... Campina Grande: Realize Editora, 2016. Disponível em:
<https://www.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/25134>. Acesso em: 05/03/2023
10
ASSMAN, H. Paradigmas educacionais na corporeidade. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 1995.

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