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Efeitos Biológicos das Radiações

Físico-Química

Marcelo Freitas
Professor Doutor do Departamento de Biofísica
Grupo Interdisciplinar de Ciências Exatas em Saúde – GRICES
Níveis de Organização Estrutural -Mamíferos
2

Cel. Muscular Lisa Moléculas

Nível Celular Átomos


Células são constituídas por
moléculas
Nível Químico 1
Átomos combinam para
formar moléculas
Tecido
Muscular
Liso

3 Nível Tecidual Coração


Tecidos são constituídos por Sistema
células semelhantes Cardiovascular
Vasos

Tecido
Epitelial

Tecido Vasos
Conjuntivo Sanguíneos
(órgão)
Tecido 6 Nível do Organismo
Muscular O organismo de mamíferos é
Liso constituído Por muitos
sistemas
4
Nível de Órgãos 5 Nível dos Sistemas de órgãos
Órgão são constituídos por Os sistema são constituídos por órgãos
diferentes tipos de tecidos que funcionam em conjunto
Introdução
• Quando a radiação passa através de uma célula, ela
pode:
• não depositar nenhuma energia e sair dela;
• depositar energia e causar danos, os quais podem ser:
 reparados corretamente, e tudo fica como antes;
 não reparados ou mal-reparados; neste caso as
células podem ou não morrer:
o doses baixas (poucas células podem morrer e os efeitos são,
em geral, não observáveis a curto prazo) e doses altas
(grande número de células pode morrer, a ponto de causar
modificação no funcionamento do órgão ou tecido);
o células danificadas – continuam se multiplicando (podem
dar origem a um câncer)
Energia Depositada (tipo de Radiação) por
Unidade de Comprimento

  = 0.01

 =1

  = 20
Introdução
Porque uma quantidade muito pequena de energia (na forma de radiação
ionizante – dose de radiação) comparável à energia fornecida ao corpo por
uma pequena quantidade de alimentos pode produzir efeitos fatais nos seres
humanos?

energia
equivalente

𝑒𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑎 𝐽
dose de radiação (letal)  E=100kcal
𝑚𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑘𝑔
Introdução
Porque uma quantidade muito pequena de energia (na forma de radiação
ionizante – dose de radiação) comparável à energia fornecida ao corpo por
uma pequena quantidade de alimentos pode produzir efeitos fatais nos seres
humanos?

energia
equivalente

𝑒𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑎 𝐽
dose de radiação (letal)  E=100kcal
𝑚𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑘𝑔

Deposição de energia em locais extremamente estratégicos e específicos do


corpo: moléculas de DNA (ácido desoxirribonucleico) – principal constituinte
dos cromossomos do núcleo das células.
Estágios de Ação
Interação da radiação com qualquer átomo ou
mólecula do corpo (como DNA ou H20), segue uma
sequência de eventos – estágios:
• estágio físico: duração 10-15s, ionizações e as excitações dos
átomos que constituem as moléculas;
• estágio físico-químico: duração 10-6s, quebra das ligações
químicas da molécula – consequência da ionização;
• estágio químico: duração poucos segundos, fragmentos da
molécula se ligam a outras moléculas;
• estágio biológico: duração dias, semanas ou anos, surgem
efeitos bioquímicos ou fisiológicos que produzem alterações
morfológicas e/ou funcionais dos órgãos.
Classificação dos Efeitos Biológicos
• Mecanismo de ação: direto (DNA) ou
indireto (𝐻2 𝑂)
• Natureza: reações teciduais, antes
chamados de efeitos determinísticos
(grande quantidade de células morrem) ou
efeitos estocásticos (células danificadas –
não reparadas ou mal-reparadas)
Classificação dos
Efeitos Biológicos
• Mecanismo
– Direto : radiação age diretamente sobre a
molécula de DNA (danificando material
genético) - ~30%
– Indireto: moléculas de água (𝐻2 𝑂) (65% em
massa do corpo humano) sofre radiólise  são
quebradas. Subprodutos são radicais livres
extremamente reativos e que atacam outras
moléculas importantes do corpo - ~70%
Mecanismos de Ação da Radiação
Mólecula DNA
• Portadora de informação genética;
• Modelo (1953): Crick & Watson (Nobel em
1962) – difração de raios X feitas por Rosalind
Franklin;
• Duas fitas (hélices) antiparalelas, formadas por
sequências de grupos açúcar (desoxirribose) e
fosfato;
• Hélices são interconectadas por pares de grupos
de bases nitrogenadas (“degrau de uma
escada”), que por sua vez são ligadas por pontes
de hidrogênio;
• Bases nitrogenadas: purinas (adenina A e
guanina G) e as pirimidinas (timina T e citosina
C) – pares T-A (2 pontes hidrogênio) e C-G (3
pontes de hidrogênio);
Mecanismo Direto: Mólecula DNA
• DNA – alvo da radiação para efeitos radiobiológicos;
• Define-se mutação qualquer alteração permanente na
molécula de DNA
• Toda e qualquer mutação que interfira no número ou na
estrutura dos cromossomos de uma célula – mutação
cromossômica ou aberração cromossômica;
• Qualidades da radiação (, β, fótons X e ) influenciam a
natureza dos danos;
• Organismos vivos possuem mecanismos de reparo dos danos
causados pela radiação;
• Danos: mudança de uma base; perda de uma base; quebras
das pontes de H; quebra de 1 fita; quebras de 2 fitas; ligação
cruzada (dentro hélice 1 DNA, entre 2 DNA, 1 DNA e 1 proteína)
Mecanismo Direto: Mólecula DNA

Vários exemplos de danos no DNA


Mecanismo Direto: Mólecula DNA
• Cromossomos dos núcleos das células constituem principalmente de uma
longa molécula de DNA e de proteínas associadas (histonas)
• Estrutura globular formada pelas histonas e DNA constitui o nucleossomo:
variam de forma e comprimento (46 nos seres humanos – 23 pares)

radiação induz aberrações


estruturais nos cromossomos

rad. ionizante pode quebrar cada um dos


braços – fragmentos podem unir-se de
diferentes modos (acêntricos, anéis e
inversões, etc.)

(Quebras nas duas fitas DNA – lesões + importantes


na produção de aberração cromossômica)
Dosimetria Biológica  contagem de aberração
cromossômica nas células
Mecanismo Direto: Mólecula DNA

acêntrico

anel

translocação

dicêntrico
acêntrico
Mecanismo Direto: Mólecula DNA
• Exposição do organismo à radiação ionizante desencadeia uma
série de reações, que podem resultar na indução de mutações
em seu material genético ou até a morte celular do organismo;
• Se todo o corpo de um mamífero for irradiado com raios X com
dose absorvida de 1 Gy a 2 Gy (alta dose de radiação), ocorrerão
de mil a duas mil alterações de bases, 500 a mil quebras de uma
fita e 40 quebras de duas fitas de cromossomos em um única
célula desse mamífero;
• Grande maioria das quebras de duas fitas são reparadas dentro
de 24h após a irradiação, mas ao redor de 25% dos reparos são
feitos incorretamente;
• Acredita-se que o erro no reparo, principalmente de quebra de
duas fitas da molécula de DNA, seja a principal causa de morte
celular e indução de efeitos mutagênicos e cancerígenos;
Mecanismo Indireto
• Mecanismo indireto de produção de dano biológico – molécula
de água irradiada com radiação ionizante (R.I.) sofre radiólise
(quebra por radiação);
• Estágios:
a) ionização da molécula de água: H2O + R.I.  H2O+ + e-
b) íon positivo dissocia-se imediatamente: H2O+  H+ + OH
c) e- associa-se a uma molécula de água: e- + H2O  H2O-
d) produto H2O- dissocia-se imediatamente: H2O-  H + OH-
• Radicais livres (H e OH) – moléculas ou átomos neutros com
um elétron desemparelhado na sua última camada eletrônica –
reagem com outras moléculas – caso partículas α (radicais livres
se formam próximos e recombinam-se): peróxido de hidrogênio
(água oxigenada): agente oxidante poderoso – ataca moléculas
importantes, como DNA.
Classificação dos Efeitos Biológicos
• Natureza
– reações teciduais: gravidade do efeito é função da dose/taxa
de dose de radiação (limiar de dose), morte celular em
grande número (resultante da falência reprodutiva, necrose e
apoptose), afetam a pessoa irradiada (efeitos somáticos):
• reações teciduais imediatas;
• reações teciduais tardias.

– efeitos estocásticos: são probabilísticos (probabilidade 


com  dose) – alteram as células normais (qualquer dose de
radiação – mesmo baixa: radiação ambiental ou obtenção de
imagem médica com radiação ionizante):
• efeito cancerígeno (células somáticas – pessoa irradiada);
• efeito hereditário (células germinativas [espermatozoide e óvulo] –
descendentes da pessoa irradiada).
Reações Teciduais - Morte Celular
• Falência Reprodutuva – incapacidade das células se reproduzirem
– razão: danos irreparáveis RI – perda instrução para divisão;
– células que se dividem rapidamente - ex: pele, medula óssea e da
mucosa (trato gastrintestinal);
– importante quando meta é destruir células malignas - radioterapia;
• Necrose – agente externo tóxico: RI (calor, falta O2, etc.) – mitocôndrias
são danificadas – núcleo não sofre alterações significativas;
– célula incha e acaba por romper a membrana (falta controle fluido -
balanço de íons) – liberando conteúdo celular;
– Causa inflamação – macrófagos do sistema imune;
• Apoptose (ou morte celular programada ou suicídio coletivo) – ocorre
espontaneamente – morte (benéfica) para organismo sobreviver
e continuar funcionando ;
– Envolve o gene p-53, mas quando danificado – faz surgir o câncer com
o tempo;
– Estudos recentes associam apoptose com doses baixas e necrose com
doses altas.
Reações Teciduais Imediatas
• Surgem após algumas horas ou mesmo semanas, se o
limiar de dose for ultrapassado – em geral são do tipo
inflamatório (alteração da permeabilidade celular e
liberação histaminas);
• Exemplos:
– eritema (queimadura) da pele;
– mucosite – inflamação da mucosa de revestimento do
trato gastrintestinal (principalmente boca);
– escamação da epiderme.
Reações Teciduais Imediatas
Lesão provocada por Radioterapia

Foto: Prof. Everardo Carneiro – Unicamp


Reações Teciduais Tardias
• Surgem após vários meses ou mesmo alguns
anos – chegando a 10 anos;
• Em alguns tecidos, diferentes tipos de danos
surgem com diferentes tempos de latência
• Tecidos mais radiossensíveis – testículos, ovários,
cristalino e medula óssea de adultos humanos;
• São, em parte, devidos à lenta taxa de reposição
das células;
• Podem ocorrer em procedimentos
intervencionistas com técnicas guiadas por
fluoroscopia (raios X).
Reações Teciduais

Procedimentos Radiologia Intervencionista – Proteção Adequada


Reações Teciduais
 Médicos e Equipe - Procedimentos e Dispositivos de Proteção

Óculos plumbíferos com


proteção lateral

Cristalino  radiosensibilidade
Reações Teciduais
opacificação do cristalino de médicos e equipe
(b)
clínica em procedimentos intervencionistas
(Br J Radiol. (1998) Jul;71-847:728-33)

(a) (c)

(d) (e)
(B) Medicina nuclear:
contaminação pele 18F

Paciente submetido (mesmo dia) a 2 angioplastias + 1


angiografia

(a) 6-8 semanas depois dos procedimentos;


(b) 16-21 semanas;
(c) 18-21 meses – necrose;
(C) Tomografia (d) Zoom da imagem (c);
Computadorizada (e) Enxerto de pele.
Efeitos Estocásticos
• Qualquer dose de radiação - diferentemente
das reações teciduais, geralmente detectadas
com doses altas e acima de um limiar;
• Probabilidade de ocorrência é proporcional a
dose (modelo linear sem limiar – LNT):
– Probabilidade baixa para doses baixas
– Acima de 100mGy – probabilidade proporcional a
dose
• Probabilístico - não aparecem em todas as
pessoas;
Efeitos Estocásticos - Cancerígenos
• não há limiar de dose para indução dano DNA que resulte
em câncer – até dose ambiental pode causar câncer;
• não há relação de gravidade entre dose e o câncer 
reações teciduais;
• quanto maior for a dose, maior será a probabilidade de
efeitos estocásticos;
• sempre tardios (ex: leucemia – tempo de latência médio 8
anos) – risco maior quanto menos idade;
• fontes de informação – sobreviventes de Hiroshima e
Nagasaki, pacientes submetidos à radioterapia e expostos
para fins diagnósticos, trabalhadores ocupacionalmente
expostos e a população que morava nas vizinhanças de
Chernobyl à época do acidente nesse reator;
• Tecidos mais radiossensíveis à indução de câncer: tireoide
infantil, mama feminina, medula óssea;
Efeitos Estocásticos - Hereditários
• Resultados de pesquisa sobreviventes de
Hiroshima e Nagasaki – mostram que NÃO HÁ
evidências de que a exposição dos pais à
radiação causa aumento de doenças hereditárias
nos descendentes;
• Experimentos com animais mostram forte
evidência de que a radiação causa efeitos
hereditários – prudente continuar a incluir esse
efeito no cálculo do fator de risco;
• Risco de indução de doenças hereditárias foi
superestimado no passado;
Indução de outras Doenças  Câncer
• Dose altas (1Sv) - Doenças cardíacas,
respiratórias, digestivas e derrames cerebrais;

• Casos na radioterapia para tratamento de


câncer ( dose total de 10-40Gy, fracionada);
Resultados recentes Pesquisa
Efeitos Biológicos
• Efeito Bystander:
– modificações que ocorrem em uma célula quando somente sua
vizinha é atingida por uma partícula de RI;
– mecanismo ainda não é conhecido, mas acredita-se que células
danificadas transmitem mensagens (químicas – radical livre,
proteínas [sist imunológico] citoquinas) às células não expostas
(células bystander);
• Instabilidade genômica (células em cultura):
– Aumento da taxa de aberrações cromossômicas, mutações
gênicas e apoptose, que persistem durante muitos ciclos
celulares após irradiação (células atingidas e células bystander);
• Resposta Adaptativa:
– Evidencia que dose baixa prévia, da ordem de mGy (exame de CT,
p.ex.), reduz os efeitos de dose alta aplicada horas depois
(resistência) – contradiz ideia anterior de que os efeitos
resultantes de múltiplas exposições eram aditivamente
acumulativos.
Hormesis
• Do grego (hormaein) – significa estimular;
• Alguns cientistas acreditam que RI em doses
baixas (?) é benéfica à saúde – efeito hormético:
– Aumento tempo de vida, estímulo ao sistema
imunológico, aumento no crescimento e fertilidade de
plantas e animais, redução na frequência de câncer
• Similar a outros processos na farmacologia e
toxicologia (antibióticos, radiação UV – síntese de
vitamina D, vitaminas, etc.);
• Grande polêmica e atualmente os organismos
internacionais de proteção radiológica não
aceitam essa teoria.
Resumo
• DNA – alvo da radiação para efeitos radiobiológicos;
• Estágios de ação da radiação ionizante;
• Classificação dos efeitos biológicos: mecanismo (direto –
DNA) e indireto (H20); natureza (reações teciduais e efeitos
estocásticos);
• Reações teciduais: morte celular - reações teciduais
imediatas e/ou reações teciduais tardias;
• Efeitos estocásticos: efeito cancerígeno e efeito hereditário;
• Estudos recentes: efeitos bystander, instabilidade genômica
e resposta adaptativa;
• Hormesis.

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