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Faculdade da Terra e Ambiente

Mestrado em Gestão de Riscos Ambientais

Área temática: TEORIA E DIMENSÃO SOCIAL DO RISCO

Riscos e desafios da Urbanização em Moçambique


Docente: José Guambe
Ciro Novidade
Engenheiro Agrónomo
cironovidade@yahoo.com
Junho, 2023

Resumo
A urbanização reflecte o crescimento das cidades, tanto em população quanto em
extensão territorial. É o processo em que as zonas rurais transformam-se em espaços
urbanos, decorrente do crescimento populacional aliado à natalidade, como também à
migração populacional do tipo campo-cidade que, quando ocorre de forma intensa e
acelerada, é chamada de “êxodo rural." Ao longo do tempo, vivem cada vez mais pessoas
nas cidades moçambicanas, o que acarreta uma crescente demanda por serviços e infra-
estruturas públicas para poder satisfazer-se as diversas necessidades das pessoas. Tais
são a provisão de serviços de saneamento do meio, saúde, educação, água potável,
energia, telecomunicações, rede viária, dentre outros.

Ora, este processo de urbanização resulta, comumente, de assentamentos informais,


levando a que os serviços básicos e as infra-estruturas públicas sejam providenciados
posteriormente à ocupação territorial. Ademais, a falta de ordenamento territorial traz
como consequências a ocupação de áreas impróprias para a construção, a deficiente
circulação pelos bairros, a dificuldade na gestão dos resíduos sólidos, além da falta da
reserva de espaços para infra-estruturas como unidades sanitárias, escolas, mercados,
parques e jardins, etc.

Nesta senda, pode-se concluir que a urbanização em Moçambique ocorre, na


generalidade, de forma desordenada, o que constitui um risco social e ambiental para as
comunidades envolvidas, na medida em que seus residentes tornam-se vulneráveis ao
impacto de eventos climáticos, assim como do fraco acesso a infra-estruturas e aos
serviços básicos indispensáveis para uma qualidade de vida aceitável. Pretende-se, com
o presente trabalho, de índole qualitativo, fazer uma abordagem aos desafios das
estruturas municipais e governamentais, em Moçambique, face aos riscos socio-
ambientais a que as zonas de expansão das cidades têm estado susceptíveis.

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Abstract

Urbanization refers to the growth of cities, both in population and in territorial extension. It
is the process in which rural areas are transformed into urban spaces, due to population
growth combined with birth rates, as well as rural-city population migration, which, when
intense and accelerated, is called “rural exodus”. "

Over time, more and more people live in Mozambican cities, which leads to a growing
demand for services and public infrastructure to be able to support the diverse needs of
people. Such are the provision of sanitation services, health, education, drinking water,
energy, telecommunications, road network, among others.

The aforementioned urbanization process commonly results from informal settlements,


leading to basic services and public infrastructure being provided after territorial
occupation. In addition, the lack of territorial organization has consequences such as
occupation of areas unsuitable for construction, poor circulation through neighborhoods,
difficulty in managing solid waste, in addition to the lack of reservation of spaces for
infrastructure such as health units, schools, markets, parks and gardens, etc. In this
regard, it can be concluded that urbanization in Mozambique generally occurs in a
disorderly manner, which constitutes a social and environmental risk for the communities
involved, as their residents become affected by the impact of climatic events, as well as
well as poor access to infrastructure and essential basic services for an acceptable quality
of life. The aim of this work, of a qualitative nature, is to approach the challenges of
municipal and governmental structures in Mozambique, in view of the socio-environmental
risks to which the expansion zones of cities have been subject.

INTRODUÇÃO

Nas sociedades contemporâneas de todo o mundo a urbanização é um fenómeno


complexo, principalmente do ponto de vista social, ou seja, do bem-estar ou da qualidade
de vida da população urbana. Em Moçambique, a maioria dos assentamentos que
caracterizam a expansão das cidades assumem um perfil informal, o que contribui para a
degradação dos padrões de vida das pessoas (Omar, et al., 2023). Este desordenamento
territorial pode, portanto, estar aliado à inexistência de bairros atalhoados e devidamente
infra-estruturados, de forma a acomodar os anseios por habitação e por uma vida
condigna pelos diferentes segmentos da população, com destaque para a juventude.

Ora, indo a fundo sobre esta temática, pode-se depreender que, ou os governos e
municípios não dispõem de planos-directores de ordenamento territorial ou, existindo, os
mesmos não estão a ser devidamente implementados, provavelmente devido à fraca

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coordenação inter-institucional e à exiguidade orçamental para uma execução cabal dos
planos de estrutura, assim como para o fomento da habitação, o que nos remete a
suspeitar que as políticas de habitação não sejam inclusivas, favorecendo as minorias
com maior robustez financeira, em detrimento da maioria, com um quadro orçamental
apertado.

Subjacente a estes assentamentos informais está o perigo das pessoas ou entidades


fixarem as suas residências ou infra-estruturas em locais impróprios para construção,
bem como de dispô-las de tal forma que fiquem mais vulneráveis ao risco dos eventos
climáticos e da privação do acesso aos serviços básicos.

Neste contexto, foram formuladas quatro (4) questões de pesquisa, de acordo com o
quadro abaixo.

Tabela no 1: Questões de pesquisa

RAÍZ DO
PROBLEMA PORQUE PORQUE PORQUE PROBLEMA
Fraca
coordenação
inter-institucional Os planos Não existem A maioria dos
Falta de políticas e exiguidade directores/de bairros novos
de habitação orçamental para estrutura, parcelados e assentamentos
inclusivas a execução cabal existindo, não infra-estruturados são informais
dos planos estão a ser
directores do devidamente
ordenamento implementados
territorial, assim
como para o
fomento da
habitação

Entende-se por solo urbano, a área compreendida dentro do perímetro dos municípios,
das vilas e povoações legalmente instituídas (Omar et al., 2023).

O presente artigo visa trazer uma abordagem e análise do processo de urbanização em


Moçambique, enfatizando não só os riscos socio-ambientais dele decorrente, mas
principalmente os constrangimentos e desafios prementes, dos governos e edilidades
municipais, sem relegar o imprescindível papel da entidade responsável pela promoção
da habitação - o Fundo do Fomento da Habitação.

Sendo o escopo central da pesquisa perceber a questão sobre quais as principais causas
do crescimento desordenado das cidades moçambicanas, os objectivos específicos da
pesquisa são os seguintes:

 Descrever os factores determinantes da expansão urbana

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 Analisar os riscos sociais e ambientais dos assentamentos informais
 Identificar os instrumentos regulatórios existentes do ordenamento territorial
e os desafios da sua implementação efectiva, dentro do quadro legal
moçambicano

Do ponto de vista de abordagem metodológica, a presente pesquisa, de acordo com a


categorização de FONTELLES et al. (2009), é do tipo qualitativo, pois faz uma aborgadem
sobre os riscos ambientais e sociais associados aos processos de urbanização das
cidades moçambicanas, mediante interpretações e paralelismos, sem ter-se em conta
aspectos estatísticos. Segundo a objectividade, a pesquisa é exploratória, buscando
subsídios, não apenas para determinar a relação existente entre os factos, mas,
igualmente para explicar os factores determinantes para a ocorrência dos fenómenos, ou
seja, visa explicar o “porquê” das coisas. Em termos de procedimentos técnicos, trata-se
de uma revisão bibliográfica, considerando que sua base é a análise de material já
publicado, para compor a fundamentação teórica a partir da avaliação sistemática de
livros, documentos, textos, mapas, fotos, manuscritos, entre outros, como também
procura colectar dados que permitam responder às questões da pesquisa, com o
objectivo de compreender os mais diferentes aspectos da problemática dos
assentamentos informais (FONTELLES et al., 2009).
Nesta senda, o trabalho compôs-se das seguintes etapas: a) Pesquisa e colecta de
dados; b) Organização dos dados colectados; c) Análise comparativa dos dados; d)
Avaliação conclusiva e prognóstica dos resultados.

Quadro Conceptual do Risco

Os conceitos associados aos diversos conteúdos dos processos de análise e avaliação


de riscos foram, ao longo dos tempos, e continuam sendo objecto de estudo e discussão
científica um pouco por todo o mundo. Alguns dos termos utilizados enfermam, por vezes,
de diferentes perspectivas de interpretação e de tradução, e nem sempre fáceis de dirimir
quando os objectivos de análise são condicionados por determinados enquadramentos
institucionais.

Assim, Julião et. al. (2009) definiu perigo como qualquer processo ou acção susceptível
de causar danos ou prejuízos identificados. A incidência espacial, isto é, a predisposição
natural de determinado local, em ser afectado por um perigo de certa severidade
(potencial do perigo causar danos) é definido, segundo a mesma fonte, como
susceptibilidade. Desta forma, conhecido o perigo, a sua severidade e a susceptibilidade,
pode-se estimar a perigosidade – probabilidade de ocorrência de um perigo de
determinado potencial e um certo lugar. Por seu turno, vulnerabilidade é vista na
qualidade do nível de perda percentual latente de um elemento exposto. Os elementos
expostos (população, estruturas, actividades económicas, etc.) podem ser estratégicos,
ou seja, aqueles de vital importância para a utilidade pública. Entretanto, a perigosidade
só se reveste de importância se houver elementos expostos, cuja valoração combinada
com a sua vulnerabilidade reflecte a consequência ou impacto (prejuízo) do perigo. E, o

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produto deste potencial prejuízo pela perigosidade seria, finalmente, o que chamaríamos
de risco.
Estudos indicam duas abordagens em relação ao risco, nomeadamente a objectivista,
que encara o risco num sentido probabilístico (matemático), e a subjectivista, a qual
define que o risco só existe a partir das interacções sociais (Lieber & Romanolieber,
2002). Ainda de acordo com estes pesquisadores, o risco é, também, analisado no prisma
individual e colectivo, dando-se primazia a este, visto que a maior parte das avaliações do
risco tem em vista o planejamento prevenção e mitigação.

Lourenço & Amaro, em 2018, definiram as tipologias de riscos que, de forma sumária
pode-se agrupá-las em três principais categorias:
 Riscos naturais
Aqueles resultantes de fenómenos naturais, podendo ser geológicos, climáticos,
hidrológicos, geomorfológicos e biológicos;

 Antrópicos
Que dizem respeito a fenómenos que causam danos em resultado da intervenção
do ser Homem, podendo ser agrupados nos seguintes dois subtipos: tecnológicos
e sociais;
 Riscos Mistos
Os que derivam tanto de condições naturais, como de acções antrópicas.

O Surgimento das Cidades em Moçambique

As primeiras formas de povoamento que se pode considerar como cidades em


Moçambique – pelos aglomerados populacionais e pelas suas funções administrativas e
ou comerciais diferentes das aldeias rurais – eram capitais de estados ou centros
comerciais (Baia, 2011). Citam-se a capital do Estado do Zimbabwe, a capital de Gaza e
dos Estados do Mataca e dos Mutapas. Segundo esta fonte, diversos centros comerciais
permanentes foram constituídos através do contacto comercial com os árabes: Chibuene
(em Vilanculos, ao sul de Moçambique), Sofala (no centro de Moçambique), Ilha de
Moçambique e, provavelmente, Somana na baía de Nacala, na província de Nampula e
Querimba e a ilha de Vamizi, ao sul da província de Cabo Delgado. Trata-se de cidades
anteriores à chegada dos portugueses em Moçambique, nas quais os comerciantes locais
estabeleciam seus empórios de ligação com lugares distantes e onde residiam com suas
famílias.

No início do século XX, de acordo com Baia (2011), começam a eclodir cidades
nitidamente marcadas pela presença colonial portuguesa: edificadas para os europeus,
as novas cidades são portos de escoamento de produtos de exportação e lugares da
administração colonial portuguesa. Para o caso de Moçambique, o municipalismo
português foi introduzido entre 1762 e 1764 em sete povoações (Inhambane, Sofala,

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Sena, Tete, Quelimane, Moçambique e Ibo). Em 1818, a capital na Ilha de Moçambique
foi elevada à categoria de ‘cidade’. Tinha nessa altura cerca de 5.000 habitantes.

Baia (2011) refere ainda que as cidades oriundas da implantação colonial portuguesa em
Moçambique caracterizam-se pela coexistência de duas áreas: uma que albergava
população de origem europeia e asiática, com um traçado geométrico que indicava
preocupações com o planeamento urbano e; outra, não planeada e com infra-estruturas
precárias, onde os africanos viviam como mão-de-obra necessária para os trabalhos de
construção civil, para os carregamentos no porto, para os trabalhos domésticos, entre
outros.

O estudo da urbanização nos países em vias de desenvolvimento, como Moçambique,


requer uma análise da constituição do processo de dependência para com os países
desenvolvidos – um processo inerente ao modo de produção capitalista, pois a
dependência resulta, segundo Castells (1979), da expansão do modo de produção
capitalista em que distintas formações sociais cumprem funções diferentes e possuem
características peculiares correspondentes a essas funções e a sua forma de articulação.

Deste modo, o desenvolvimento do modo de produção capitalista e o incremento no ritmo


da industrialização vão influenciando a configuração social e espacial das sociedades
dominadas. Trata-se, antes, do impacto do processo de industrialização através de uma
relação de dependência específica. O ritmo e as formas do crescimento das cidades nos
países “dependentes”, que é o caso de Moçambique, espelham a articulação das
relações económicas e políticas – relações de dominação colonial, capitalista-comercial,
imperialista e financeira. A urbanização, enquanto momento de ocidentalização em
Moçambique tem seu início com a colonização portuguesa. A cidade do tipo europeu é
constituída antes, como centro administrativo, uma centralidade que sustentava a
conquista e o controle territorial, em função das estratégias de dominação que visavam
garantir a acumulação de capital, por parte da metrópole, no quadro de uma economia
mercantil, mas com uma componente racial fundamentada na exclusão da população
africana: a urbanização se realizava num movimento de exclusão do negro (Castells,
1979).

Depois da independência da dominação portuguesa, em 1975, a nova constituição de


Moçambique instituiu a igualdade social fundamentada em princípios socialistas, contudo,
a prática social mostra como é lento o reconhecimento dessa igualdade entre dirigentes
(políticos e administrativos) e dirigidos (homens e mulheres comuns), pobres e ricos,
homens e mulheres, negros e brancos. A hierarquia social é reproduzida através da
mobilização de recursos de diverso tipo (políticos, económicos, culturais etc.), utilizando-
se das estruturas e relações características da sociedade pré-colonial, colonial e
capitalista moderna. A cidade é o lugar onde essa reprodução ocorre de modo
exacerbado. Nela o Estado socialista, através das instituições municipais, amplia a
reprodução da hierarquia social, mesclando antigas áreas rurais aos limites

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administrativos da cidade. Assim, produz-se um espaço urbano que estrategicamente
garante não apenas a reprodução das relações sociais, mas e, fundamentalmente, a
acumulação de riqueza nos moldes da economia mercantil colonial, num contexto
dominado por uma economia especificamente capitalista, embora dependente.

Neste contexto, o Estado deve aparecer como elemento mediador da produção do


espaço urbano, criando condições para a acumulação do capital e para reprodução das
relações sociais. Assim, a compreensão do urbano em Moçambique passa pelo
reconhecimento das articulações entre o Estado, a cidade e o espaço. A urbanização em
Moçambique prossegue segundo uma lógica assimilacionista e integradora, juntando
diversidades e procurando conciliar urbanidade e ruralidade, como forma de resistir às
dependências impostas pela mundialização dos processos socio-económicos.

As Condicionantes do Crescimento Urbano

É a partir da década de 1990 que tem lugar o crescimento explosivo das periferias
urbanas em Moçambique, sem o equitativo acompanhamento em termos de infra-
estruturas e serviços urbanos (Araújo, 2003). É quando surgiu, no País, a cidade do tipo
neoliberal, diferente do tipo ocidental, que tipificou os tempos anteriores, marcado pela
desregulação das políticas públicas e pelo recuo em grande medida, dos investimentos
públicos.

O neoliberalismo é o que caracteriza os processos de urbanização nos dias de hoje,


disseminando os condomínios para os que têm maior poder aquisitivo, que fortalecem
pequenos negócios no interior dos bairros, que marcam a extensão territorial numa ou
mais direcções, além dos limites das vilas ou cidades municipais. Não há limites
territoriais, mas sim, conurbação (Maloa, 2016).

É, maioritariamente, um processo marcado pela auto-construção, ramificado de acordo


com a possibilidade de acesso à terra urbana (Viana, 2010). Trata-se da periferização
urbana que lembra-nos, em parte, o sistema colonial, mas igualmente traduz a ideia de
incapacidade financeira do Governo poder materializar alguns objectivos plasmados na
Constituição da República, de forma a se construir uma sociedade de justiça social.

Note-se que a estrutura citadina herdada do colono permanece quase intacta, com vias
asfaltadas e maior concentração de infra-estruturas e serviços urbanos, um tecido
ortogonal em constante renovação. Paralelamente, a periferia cresce extensivamente,
marcada pela pobreza, ausência da execução e fiscalização dos princípios de
ordenamento do uso do solo, ou seja, pela informalidade e deterioração das condições
básicas de habitabilidade.

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Assim, a periferia tornou-se o único refúgio para milhares de pessoas de baixa renda, no
período neoliberal, cerca de 75 % do crescimento demográfico das cidades africanas é
determinado pelo crescimento natural, isto é, pela diferença entre a natalidade
(fecundidade) e a mortalidade (Hansine & Arnaldo, 2019, citando Ezeh et al., 2010). Em
1950, somente 29,6 % da população mundial era considerada urbana; em 2014, mais da
metade, isto é, 53,6 % da população mundial vivia em áreas urbanas. Para 2030,
projecta-se que 60 % da população mundial viverá em espaços urbanos, podendo em
2050 atingir 66,4 %. No passado, a maior parte deste crescimento foi liderada pelos
países economicamente mais avançados. Porém, estima-se que 90% do crescimento
urbano global actual e nas próximas décadas tem tido e terá lugar particularmente na
Ásia e África, portanto em países economicamente menos avançados, dos quais
Moçambique é parte integrante.

Entretanto, estas transformações urbanas que decorrem do aumento demográfico são o


reflexo de vários factores, como sejam, além do crescimento natural da população, as
oportunidades e os vários serviços oferecidos pelos centros urbanos, com destaque para
o emprego, a saúde e educação (Maloa, 2016). A guerra civil dos 16 anos contribuiu
muito para estes assentamento informais, através do êxodo rural, sendo que, as
calamidades naturais (secas, cheias e ciclones) não devem ser relegadas, como parte
dos factores que favorecem o êxodo rural.

Os Riscos associados ao Processo de Urbanização em Moçambique

Estimativas indicam que dos 801 590 km 2 da área total do País, somente cerca de 5000
km2 correspondem à superfície urbana, ou seja, 0,6 % da superfície total do País. Por
outro lado, das 23 cidades moçambicanas, 13 estão situadas em territórios
ecologicamente sensíveis, tais como planícies fluviais e litorais. Em termos demográficos,
existe uma grande variabilidade entre elas, porém, a sua população tem vindo a aumentar
exponencialmente, sendo que dentre as cidades com densidades mais elevadas,
destacam-se Maputo e Matola, com mais e 2000 habitantes por km 2. As mais baixas
densidades observam-se em Maxixe e Inhambane, com cerca de 500 habitantes por km 2
(Maloa, 2016).

De acordo com McNamara (1983), o principal obstáculo ao desenvolvimento dos países


do Sul Global1 é a elevada taxa de crescimento demográfico pelos impactos adversos que
resultam da concentração da população sem que sejam criadas as condições
necessárias para uma vida decente.
1
Sul global é um termo utilizado em estudos pós-coloniais e transnacionais que
pode referir-se tanto ao terceiro mundo como ao conjunto de países em
desenvolvimento. Também pode incluir as regiões mais pobres (em geral ao sul) de
países ricos (do norte). O sul global é um termo que estende o conceito de país em

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via de desenvolvimento. Habitualmente refere-se a todos aqueles países que têm
uma história interconectada de colonialismo, neocolonialismo e uma estrutura social
e econômica com grandes desigualdades em padrões de vida, esperança de
vida ou acesso a recursos (Sul global – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org).

O aumento da densidade demográfica nas cidades moçambicanas, conforme já se


referiu, não tem sido acompanhado por um planeamento urbano sistemático. Em geral, o
planeamento urbano é uma prática pouco comum nas cidades do Sul Global (Maloa,
2016, citando Cohen, 2004, 2006 e Dyson, 2011).

Como corolário, foram elencados no quadro abaixo, alguns problemas observados no


quotidiano que, de certa forma, podem constituir perigos com riscos iminentes.

Tabela 1: Riscos iminentes das zonas de expansão urbana de Moçambique

Perigo Susceptibilidade Elementos expostos Risco


Formas de uso e gestão Difícil acesso ao atendimento
do solo urbano tendentes à saúde, o funcionamento do
a aumentar as sistema de transporte público,
desigualdades aos serviços de colecta de
socioeconómicas e Zonas suburbanas População suburbana resíduos sólidos,
espaciais policiamento, iluminação
pública, entre outras carências
básicas
 Poluição sonora
Desconforto pessoal e familiar
 Destruição e
contaminação de Aumento das calamidades
ecossistemas naturais e maior
 Poluição da água vulnerabilidade destas
e do solo populações a estes
fenómenos
Consumismo urbano,
com o uso de recursos
naturais, em particular os Aumento no índice de
energéticos, em grande Zonas suburbanas População suburbana calamidades naturais
escala e peri-urbanas e peri-urbana
Produção crescente de Aumento de doenças
resíduos sólidos e de causadas por contaminação
águas residuais sem o ambiental
devido sistema de
esgotos
Aumento da violência e
conflitos de terra. Desconforto pessoal e familiar
Construção em zonas Ocorrência de Inundações,
impróprias para afectando pessoas e bens, em
construção (propensas à períodos chuvosos.
inundação e/ou com
potencial agrícola)

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Sendo Moçambique um
país propenso à
ocorrência de fenómenos
hidrológicos e
atmosféricos intensos,
tais como ciclones e Os centros urbanos População do litoral, Agrangência por
inundações, situados no litoral com destaque para a eventos climáticos
especialmente, à subida suburbana e peri- adversos
do nível médio das águas urbana
do mar, devido às
mudanças climáticas, o
aumento da população
urbana implica o
aumento de pessoas e
infra-estruturas expostas
ao risco de eventos
naturais extremos
Fonte: Novidade, Ciro (2023)

De referir que estas previsões de possíveis eventos adversos (riscos), têm a sua base
factos já acontecidos em diversos locais, confrontados com a bibliografia. Porém, há
ainda que se buscar aquilo que seriam as percepções destas comunidades, em relação a
estes possíveis riscos.

Com efeito, o rápido crescimento urbano em Moçambique e o aumento da densidade


populacional a ele associado está a produzir efeitos nefastos ao ambiente, sendo que as
medidas de contenção ainda não se fazem sentir, visto não haver ainda, medidas de
gestão urbanas eficientes. A título de exemplo, na gestão de resíduos sólidos os aterros a
céu aberto são a forma comum de tratamento dos mesmos, assim como nas águas
residuais nas cidades moçambicanas, as mesmas são comumente descarregadas em
terrenos baldios ou directamente em águas superficiais e no mar, sem tratamento prévio
(Banco Mundial, 2010).

O rápido crescimento urbano e o aumento da densidade demográfica urbana pressupõem


o aumento da quantidade de resíduos sólidos e de águas residuais, pelo que, não
havendo medidas eficazes de gestão urbana, as consequências para o ambiente podem
ser catastróficas. Os ciclones Idai, Kenneth e Freddy, que assolaram a costa
moçambicana mostraram a vulnerabilidade das cidades moçambicanas ao causarem
danos avultados em cidades costeiras.

Em termos económicos, igualmente o acelerado crescimento urbano em Moçambique


não foi acompanhado do desenvolvimento de indústrias e do estabelecimento de um
sector terciário decente, do ponto de vista de oferta de postos de emprego e geração de
receitas fiscais. O sector de serviços, que concentra a maior fasquia da mão-de-obra
urbana, é dominado por iniciativas privadas de sobrevivência. Desta forma, não obstante
o sector ser dinâmico, é complexo e amiúde designado de informal por se organizar à

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margem das instituições do Estado ou mesmo em directa competição com o Estado
(Maloa, 2016).

Ora, quer sejam serviços vitais como o transporte, água, educação e saúde, quer sejam
serviços não vitais, os actores locais organizam-se de maneira estruturada para
providenciar os serviços de que os cidadãos necessitam, sendo esta, uma resposta à
limitada capacidade do Estado em providenciar serviços básicos. Portanto, o sector
terciário é maioritariamente auto-regulado, o que resulta, geralmente, em condições de
emprego precárias.

Outro desafio refere-se à segurança alimentar urbana. O rápido crescimento demográfico


das cidades tem levado à conversão de áreas outrora destinadas ao cultivo de alimentos,
em áreas residenciais, levando à insegurança alimentar e nutricional, considerando que o
aumento demográfico implica também uma maior demanda por alimentos.

Matule (2016), propõe cinco zonas para zoneamento ambiental (áreas prioritárias) no
Município da Matola, nomeadamente: (i) a Zona Conservação Total; (ii) a Zona de
Conservação de Uso Sustentável; (iii) a Zona de Expansão urbana; (iv) a Z)ona de
Controle Ambiental e (V) a Zona Recuperação. Esta proposta de zoneamento ambiental,
pode servir de um instrumento de gestão municipal que possa limitar o crescimento
urbano e salvaguardar as qualidades ecológicas e ambientais do Município e fomentar o
seu uso sustentável, assim como auxiliar o processo de licenciamento ambiental de
actividades económicas.

A Outra Face da Urbanização

O crescimento demográfico seria uma potencial ferramenta para dinamizar a economia


moçambicana se intervenções concretas no domínio das políticas económicas e sociais
forem levadas a cabo sistematicamente. Arnaldo & Hansine (2015) referem que o
planeamento urbano é um instrumento fundamental para tirar vantagens do crescimento
demográfico urbano, salvaguardando o direito à participação activa dos cidadãos na
construção de uma cidade que responda às aspirações colectivas dos seus habitantes.

Ora, apesar dos progressos na autarcização em Moçambique, a participação dos


cidadãos na construção das cidades, segundo as suas aspirações, ainda é ofuscada
pelas estratégias de governação urbana, especialmente no planeamento urbano (Banco
Mundial, 2010).

Portanto, por meio deste instrumento o rápido crescimento urbano e o rápido crescimento
demográfico urbano podem ser convertidos em vantagens económicas e sociais
associadas à transição urbana. De acordo com Montgomery et al. (2013), a transição
urbana se refere a mudanças que ocorrem quando a sociedade deixa de ser

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caracterizada pelo domínio de assentamentos maioritariamente dispersos nos quais a
agricultura é a actividade económica dominante e passa a ser dominada por
assentamentos concentrados, isto é, cidades nas quais as principais actividades
económicas são a indústria e os serviços.

Os aglomerados populacionais facilitam a circulação e a partilha de conhecimento e


informação, assim como facilitam o provimento dos vários serviços básicos, tornando-se
pontos atractivos pelas oportunidades que oferecem para a educação e emprego.
Quando o crescimento urbano, especialmente o crescimento demográfico urbano, tem
lugar num contexto de fraca capacidade institucional para desenvolver e executar
iniciativas de planeamento urbano de forma sistemática, as vantagens dos
assentamentos concentrados convertem-se em dilemas urbanos.

Estudos da geografia regional indicam que o desenvolvimento socio-económico dos


países está intimamente associado ao crescimento e desenvolvimento das cidades, pois
estas são os pólos que norteiam o desenvolvimento, de tal forma que, se
sistematicamente planeadas, as cidades moçambicanas podem converter a crescente
densidade demográfica em mercados laborais dinâmicos e centros de consumo activos,
gerando resultados positivos para a economia nacional (Omar, et al., 2023).

O financiamento da urbanização será uma ferramenta central no processo de


desenvolvimento urbano. Financiar infra-estruturas sociais, físicas e serviços urbanos,
significa ter consciência urbana, além de contribuir para a construção do património da
nação e de investir no futuro do país.

Quadro Legal no Ordenamento Territorial em Moçambique

Melhorar a qualidade de vida urbana constitui umas das principais prioridades do


Governo, no âmbito das políticas de desenvolvimento urbano. É neste contexto a Lei n°
19/ 1997, de 1 de Outubro (Lei de Terras) revela sua importância por garantir acesso e
segurança de posse de terra, tanto de moçambicanos como dos investidores nacionais e
estrangeiros, no sentido de enquadrar o país à nova conjuntura política, económica e
social (Omar, et al., 2023).

Entretanto, há que destacar, nesta lei, dois aspectos que merecem destaque (artigo 12):

 O primeiro ponto refere que o direito à posse da terra é garantido às pessoas


singulares e comunidades locais, segundo as normas e práticas costumeiras,
desde que não contrariem a Constituição da República
 O segundo ponto menciona que a terra pode também ser adquirida mediante sua
ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, a utilizam há pelo
menos dez anos. Neste contexto, pode-se aferir que os processos migratórios que

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se deram após a guerra civil condicionaram a ocupação espontânea do solo
urbano e a formação de assentamentos informais, principalmente nas capitais do
país.

O ordenamento urbano inclui um conjunto de documentos, como o Regulamento do solo


urbano (Decreto 60/2006), a Lei de Ordenamento do Territorial e o decreto 19/2007, que
visam a organizar as intervenções do Estado. Com a descentralização da governação,
assistiu-se a uma reviravolta legislativa, com a promulgação de instrumentos normativos
como a Lei 8/2003 de 19 de Maio, que estabelece competências e regras do
funcionamento dos órgãos Locais do Estado, destacando o papel das Boletim GeoÁfrica,
v. 2, n. 5, p. 37-52, jan.- mar. 2023 42, Autarquias.

No respeitante à urbanização, o Decreto 23/2008, de 1 de Julho, que aprova o novo


Regulamento da Lei de Ordenamento do Território, apresenta as atribuições dos
diferentes níveis de intervenção no território entre eles Nacional, Provincial, Distrital e
Autárquico (Moçambique, 2008). Pode-se considerar que a competência das autarquias
como órgãos competentes na gestão urbana imediata e pontual, surge como resposta ao
intenso processo de expansão, transformação e ocupação do solo urbano, que foi por
muito tempo administrado de centralizado. Assim, a este nível, o progresso da área
urbana responde a um conjunto de intervenções reguladas por vários instrumentos de
Ordenamento Territorial como: Plano de Estrutura urbana (PEU), Plano Geral de
Urbanização (PGU), Plano Parcial de Urbanização (PPU) e Plano de Pormenor (PP)
(Moçambique, 2008).

A base desta definição é o Decreto n°20/2015 ,de 4 de Setembro, que aprova as normas
e critérios de classificação dos distritos e zonas urbanas, classificando cidades e zonas
urbanas em níveis: A (1.250.000 hab.), B (500.000 hab.), C (250.000 hab.) e D (100.000
hab.). O grau de desenvolvimento económico, social e cultural que elas apresentam, que
inclui critérios como, finanças públicas, indústria, comércio, serviços, turismo e lazer,
saúde, água e energia, educação, urbanização, saneamento do meio, transportes e
comunicações, justiça, segurança e ordem pública, vias de acesso, cultura e desporto, é
também considerado (MOÇAMBIQUE, 2015).

 Descrever os factores determinantes da expansão urbana


 Analisar os riscos sociais e ambientais dos assentamentos informais
 Identificar os instrumentos regulatórios existentes do ordenamento territorial
e os desafios da sua implementação efectiva, dentro do quadro legal
moçambicano

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Conclusões

Compulsados os factos atinentes à matéria de pesquisa, chegou-se às inferências de que


a expansão das cidades e vilas moçambicanas não obedecem aos planos de
ordenamento urbano e, daí decorrem uma série de perigos, do ponto de vista ambiental,
social e económico, sobre os quais as estruturas municipais e governamentais ainda não
estão a lograr sucesso na sua gestão.

As zonas periféricas surgem como zonas de expansão das cidades, cujos moradores têm
dependências económicas e sociais com as “zonas de cimento”, sendo caracterizadas
por assentamentos informais, de difícil circulação interna e, por coinseguinte, sujeitas a
fracas ou inexistentes serviços básicos.

Existem vários e diversos instrumentos regulatórios do ordenamento territorial, porém


nenhum deles está a ser implementado com eficácia, daí que, a presente pesquisa se
reserva a tentar compreender, futuramenrte, quais os constrangimentos que as estruturas
de governação têm enfrentado.

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