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CONCILIAÇÃO DE CONTOS

RELIGIÓSOS/MITOLOGICOS
ATRAVÉS DA COSMOGONIA
ANTROPOSÓFICA
A PARTIR DE UMA ANÁLISE
ARTISTICA.
Trabalho de conclusão do curso de Pedagogia Waldorf – Jaguariúna 2022

POR QUE ISTO É UM TEMA?


A conciliação de contos religiosos/mitológicos através da cosmogonia antroposófica a partir
de uma análise artística é um tema de trabalho de conclusão de curso, pois, para mim, é uma
questão pessoal e existencial.
A medida em que fui me interessando por arte e me reconhecendo como artista, um duvida
foi brotando em minha alma: como uma obra criada há anos pode dialogar com a minha existência
no presente?
A princípio, para objeto de estudo, busquei biografia de músicos que admiro e que já
haviam morrido, como por exemplo, Ian Curtis, Kurt Cobain, Tim Maia e Jim Morrison. Porém,
suas músicas pareciam conter algo de tão verdadeiro e belo que sobreviviam ao tempo e a moda. De
modo que suas obras eram vivas diante de mim. Contemplando o fenômeno da arte conter algo vivo
e resistente ao tempo busquei pesquisar expressões artísticas ao longo da história que possuíssem tal
vitalidade.
Das artes contemporâneas e modernas, passei brevemente pelos contos de fadas e pela arte
plástica renascentista até me encontrar com as tragédias da mitologia grega, com os livros religiosos
judaico-cristãos, com as mitologias nórdicas, egípcias e dos povos originários. Ali encontrei uma
força vital tão grande que foi capaz de sobreviver séculos e milênios. Como se os criadores dessas
obras possuíssem um conhecimento tão profundo da natureza humana que as civilizações
contemporâneas ainda as consideram como atuais e influentes.
Então, aquela dúvida se modificou: Por que as mitologias e os contos religiosos sobrevivem
há tanto tempo e ainda possuem um frescor contemporâneo que continua a inspirar a arte, a ciência
e a religião através das eras? O que as torna atemporal? E a medida em que me aprofundava em tais
mitologias/contos religiosos, mais se evidenciava, que elas próprias tinham algo em comum, tanto
em suas formas finais, quanto as questões e explicações do mundo físico-espiritual.
PARA ONDE ESTE TEMA ME CONDUZIU?
A primeira premissa foi contemplar os contos mitológicos e religiosos como obras de arte e
analisadas como tal.
Partindo do princípio da teoria de cognição exposta e elaborada por Steiner, dois mundos
distintos podem ser vislumbrados no processo cognitivo. De um lado temos um mundo que nos foi
dado, cheio de informações que captamos através das percepções sensoriais. Do outro, existe um
mundo que temos que conquistar, onde, através do pensar, encontramos leis que se encobrem e
atuam por de trás das manifestações físicas. Por exemplo, uma pessoa caminha no Sitio das Fontes e
ao se deparar com uma orquídea, para para observa-la. A planta irá entregar para a pessoa diversas
informações; quais são suas cores, seus odores, sua textura, sua temperatura etc. Então, a mesma
pessoa continua andando e agora se depara com uma mangueira com novas cores, odores etc.
diferentes da orquídea. E ao pensar, ela poderá encontrar pensamentos que liguem a orquídea com a
mangueira. Poderá encontrar leis e conceitos que regem em ambas.
Porém, entre o corpo, que caminha até a planta e a árvore e recebe suas informações
sensoriais, e o espirito, que organiza a vida pensamental capaz de encontrar e formar leis e
conceitos, vive a alma. Nela existe uma parcela da individualização terrestre, cheia de simpatias e
antipatias que dizem a respeito ao mundo interno e não ao mundo externo. Ou seja, a pessoa do
exemplo, tem preferencias pessoais. Ela pode gostar mais do tom de amarelo da flor da orquídea do
que os tons verde-escuros das folhas da mangueira, e isso diz respeito a pessoa e não a qualidade do
amarelo da flor de orquídea ou dos tons verde escuro das folhas da mangueira.
Esse processo cognitivo também pode ser aplicado na analise artística. Ao observarmos
qualquer obra de arte, receberemos, de imediato, algo dado, as informações sensoriais. Essas
informações sensoriais englobam a esfera estética da obra. Já, os pensamentos não manifestos
sensorialmente de imediato, as ideias, a linguagem, a intensão, a execução (as técnicas) pertencem a
esfera do conceito da obra. E entre a polaridade da estética e do conceito vive a alma do artista e a
alma daquele que recebe a arte, ambas cheias de preferências pessoais, influenciadas pelas suas
vivencias, pelas suas hereditariedades, pelos seus meios, pelo povo e pelo tempo em que está imersa
em sua existência terrestre.
Sob a ótica da Antroposofia, é possível ver um mapa da evolução cósmica que a
humanidade participa; subdividida por encarnações planetárias, por eras e por épocas culturais. Na
repartição atual, vivemos no que é chamado de Quinta Era ou Era Pós-Atlântica, que é dividida em
sete “pequenas” épocas culturais. Sendo, Antiga Índia, a primeira, Antiga Pérsia, a segunda,
Egito/Caldeia/Babilônia, a terceira, Grécia/Roma, a quarta e franco-anglo-germânica a quinta, em
que nos encontramos hoje, e mais duas por vir.
Através da ótica antroposófica também é possível, observar a História sob uma
correspondência entre a biografia de um humano e a biografia de toda humanidade. Ou seja, existe
fases na biografia do desenvolvimento de uma pessoa que são uma espécie de repetição com
similares de fases em que a humanidade, como um todo, passou em alguma época. Seguindo essa
linha de pensamento, em cada época cultural, assim como em cada fase ou septênio de uma pessoa,
temos um desenvolvimento e um processo cognitivo com uma meta especifica daquele tempo. Um
exemplo básico, em algum momento da evolução da humanidade foi necessário atingir a
verticalidade para sua evolução posterior. O mesmo se dá com um recém-nascido, que tem como
meta evolutiva, numa fase especifica da vida, a conquista do andar, numa espécie de repetição
modificada do que já foi alcançado pela cultura humana. Agora, outro ponto a ser levado em
consideração. Conforme o desenvolvimento da criança, seu processo cognitivo de aprendizado
também se modifica e se desenvolve. A criança do primeiro septênio que aprende por imitação e
imaginações se difere a uma criança do terceiro septênio que aprende através de conceitos e ideias.
Portanto é possível observar, através de uma contemplação imaginativa, que assim como em cada
septênio um humano tem metas e processos cognitivos que se desenvolvem através do tempo, em
cada época cultural isso também ocorre. Em outras palavras, em cada época cultural, a humanidade
teve uma meta evolutiva sobre o seu desenvolvimento corpóreo e supra sensorial; e em cada época,
para se alcançar essa meta, os processos cognitivos e a consciência da humanidade, de uma maneira
geral, foram se modificando e evoluindo devido essas condições evolutivas. Assim como acontece
em um ser humano individual, ao longo de sua vida.
Agora vejamos dois contos de épocas culturais diferentes, o mito egípcio de Set e Osíris e o
mito grego de Dionísio, como Steiner os descreve em seu “Cristianismo como fato místico”:
“Osíris havia-se tornado paulatinamente uma das divindades mais importantes, tendo sua
imagem substituído as de outros deuses existentes em vários setores do povo. Em torno de Osíris e
sua esposa Isis, formou-se um significativo círculo de mitos. Osíris era o filho do Deus Solar; seu
irmão era Tífon-Set, e sua irmã, Isis. Tendo Osíris casado com sua irmã e com ela reinado sobre o
Egito, Tífon, o irmão mal-intencionado, pensou em como destruí-lo. Mandou fazer um caixão, cujo
comprimento era igual ao de Osíris. Durante um banquete, esse caixão foi oferecido de presente a
quem nele entrasse e coubesse com exatidão. Ninguém, exceto Osíris, o conseguiu. Quando ele se
deitou ali dentro, Tífon e seus sequazes se precipitaram sobre ele, trancaram o caixão e o jogaram
no Nilo. Inteirada da horrível noticia, Isis percorreu toda a região em busca do cadáver do marido.
Quando encontrou, Tífon apoderou-se dele novamente, despedaçando-o em catorze fragmentos, que
foram espalhados nas várias regiões do pais. Vários túmulos de Osíris foram construídos no Egito.
Aqui e ali, em muitos lugares, deviam ser sepultados partes do deus. O próprio Osíris, porem,
ressurgiu das trevas e venceu Tífon. Um raio seu caiu sobre Isis que concebeu e deu à luz a um
filho, Hórus. ” [...] “Daí o significado mais profundo do mito de Osíris, que se torna um paradigma
para quem queira despertar o Eterno na alma. Osíris foi morto e despedaçado por Tífon. A esposa
Isis, depois de cuidar dos fragmentos do cadáver, recebe de Osiris um raio de sua luz e do
nascimento a Hórus, que assume as tarefas terrenas de Osíris, qual um segundo Osiris ainda
imperfeito, mas progredindo para o Osisris verdadeiro. [...] A natureza inferior (Tífon) matou nele a
superior. O amor (Isis) tem de guardar os pedaços do corpo para permitir o nascimento da parcela
superior, a alma eterna (Hórus), capaz de progredir até tornar-se um Osíris”
“Dionísio é o filho de Zeus e de uma mãe mortal, Semele. Zeus arranca a criança ainda
imatura do corpo da mãe, morta por um raio, e a coloca no próprio flanco até o momento de nascer.
Hera, a mãe divina, incita os titãs contra Dionísio. Eles despedaçam a criança, mas Palas Atenas
salva o coração ainda palpitante e o leva a Zeus. Este gera o filho pela segunda vez. Justamente
neste mito se vê um processo que se desenrola no mais íntimo da alma humana; e quem falasse
como sacerdote egípcio que instrui Sólon sobre a essência de um mito diria o seguinte: ‘parece uma
fabula o que relatam em teu pais – que Dionísio, filho de um deus e de uma mulher mortal, foi
despedaçado e veio a renascer. Porém o lado verdadeiro disso é o nascimento do Divino, e seus
destinos estão na própria alma humana. O Divino se une a alma terrena temporal. Assim que esse
elemento divino, dionisíaco se movimenta, a alma sente um violento desejo por sua verdadeira
forma espiritual. A consciência, simbolizada por Hera, sente ciúmes pelo fato de o Divino nascer da
consciência superior. Ela incita a natureza inferior do homem (os titãs). O filho de Deus, ainda
imaturo, é despedaçado. Assim, ele existe no homem como ciência sensorial e racional segmentada.
Mas caso exista no homem algo da sabedoria superior (Zeus) em quantidade suficiente para atuar,
ela cuidará da criança imatura, que voltará a nascer qual um segundo filho divino (Dionísio)”.
Quando analisado a estética desses dois contos, pode aparentar conflitos. Porém, ao
tomarmos como luz, a explanação de Steiner sobre a sabedoria dos mitos, poderemos observar que
existe uma espécie de fio condutor, uma verdade eterna profunda, atemporal, que fica coberta pelos
símbolos escolhidos tanto pelos egípcios quanto pelos gregos, cada um conforme suas
características culturais e temporais. Essa verdade eterna permanece contida no conceito das obras
religiosas/mitológicas. O fio condutor se apresenta como a realidade espiritual. Steiner diz mais em
seu “Cristianismo como fato místico”: “o que importa aí não pode ser o âmbito sensório real, e isto
é compreensível quando os verdadeiros processos sensórios reais são relatados apenas para ilustrar
uma evolução espiritual”. Como foi o caso nos dois contos.
Dada a explicação sobre a analise artística e a evolução humana sob a ótica antroposófica;
conclui-se que cada conto religioso/mitológico são apenas raios de uma mesma circunferência. São
roupagem estéticas diferentes da mesma história universal na dimensão espiritual. Cada roupagem
(estética) é diferente, pois surgiu em épocas culturais diferentes, em povos diferentes, que são
repletos de almas individuais, presas em suas preferências pessoais, influenciadas pela sua
hereditariedade, pelo seu meio, pelo seu povo e pela sua época evolutiva. Cada manifestação
estética de contos religiosos/mitológicos nasceu em condições anímicas, geográficas e em tempos
diferentes, em metas evolutivas e processos cognitivos diferentes. Assim ganhando signos próprios
e exclusivos, fortemente enraizada nas tradições locais. Mas os conceitos espirituais por de trás dos
contos religiosos/mitológicos são procedentes de uma mesma corrente espiritual, de um único
mundo espiritual universal, que não pertence a uma exclusiva religião específica, mas que recebe
diferentes estéticas ao longo do decorrer da evolução da humanidade.

ONDE CHEGUEI?
RESSURREIÇÃO DE SOFIA
“O tempo de regeneração intelectual e de transformação social chegará, estamos certos disto. Vários
presságios já o anunciam. Quando a Ciência souber e a Religião puder, o Homem agirá com nova
energia. A Arte da vida e todas as artes só poderão renascer por meio de sua harmonia.” (Édouard
Schuré)

Agradeço a todos que passaram por minha biografia, que de uma forma ou de outra contribuíram
indiretamente com a obra. Mas, em especial aos professores Peter Biekarck, Vanda Elisa de Farias
Raulino e Luciana Pinheiro e aos grandes mestres que já se foram, porém seus legados permanecem
e reverberam no presente, Hilma Af Klint, Dr. Rudolf Steiner, Edouard Schouré, Ron Asheton e J.
R. R. Tolkien.

0.
introdução
Ao se deparar com o conteúdo da Ressurreição de Sofia algumas perguntas podem surgir na
consciência do leitor. Qual é a verdadeira intenção deste livro? Quando e aonde as histórias se
passam? Por que ler isto? Existe algum significado mais profundo no que foi escrito? Muitos vão
dizer que ela não passa de devaneios e fantasias e carecem de uma lógica racional. Poderão dizer
que a história em si é uma tentativa de alegoria, assim como faziam os velhos alquimistas. Outros
ainda poderão dizer que ela está para acontecer. Mas afinal, qual a importância disso? Pelas
imagens ou pela poesia em si? Ou pelo desejo imperativo de um eco errante e porque as histórias do
passado se fazem presentes no futuro. Pois, bem verdade, onde a Ressurreição de Sofia não ocorre
em alguma parte de nossas almas?
Bem, foquemos agora aos fatos materiais. Em 1903, a Companhia de Jesus, precisando de
fundos, decidiu, discretamente, vender parte de uma extensa coleção de livros e manuscritos que
possuíam; as oferecendo para a Biblioteca do Vaticano. Porém, 30 volumes dessa coleção jesuíta
foram misteriosamente vendidos para um polaco-lituano chamado Wilfrid Michael Voynich.
Voynich havia sido um revolucionário polonês. Em 1887, foi preso e sentenciado a cumprir
trabalho forçado após uma falha tentativa de salvar companheiros da forca. Em 1890, ele escapou
da prisão, na Sibéria, e conseguiu se refugiar em Londres. Continuou atuando como revolucionário
anti czarista durante mais cinco anos, até se aposentar. Em 1898, Voynich decidiu abrir uma livraria
de livros antigos e raros. Neste meio ficou famoso por contar muita sorte para encontrar raridades.
Talvez fosse sua técnica ou seus contatos. Eis que, em 1912, ele consegue comprar esses 30
volumes. O que mais lhe chamou a atenção, dentro da recente aquisição, era um diferente
manuscrito, cheio de estranhas gravuras medievais de plantas, corpos celestes desconhecidos,
anatomia humana, e escrito numa língua que nunca vira ou ouvira falar antes. Vou me referir a esse
manuscrito como o Livro.
Voynich passou três anos fazendo pesquisa sobre o Livro. Teve frustrantes jornadas para
decifra-lo. Em 1915, levou o Livro ao público, atraindo muitos curiosos, estudiosos de criptografia,
simbolismo e línguas arcaicas, que ficaram extremamente intrigados em desvendar o real conteúdo
do livro. Meu tataravô era um desses. Ele saiu de sua terra natal, então Reino Austro-húngaro, e
apesar da guerra, teve força de vontade suficiente para encontrar raras e propicias condições que o
fizessem conseguir chegar até Londres e se encontrar com Voynich, antes de voltar definitivamente
para Nova York, seu refúgio da guerra que acabando se tornando seu lar até o fim de sua vida. No
encontro, simpatizaram tanto um com o outro, a ponto de Voynich deixa-lo fotografar e copiar as
páginas do Livro, para que pudesse voltar ao seu lar e continuar com seus estudos e pesquisas.
Quando meu tataravô retornou em sua casa, descobriu que toda as dispensas e custos da viagem e a
triste situação da guerra arruinaram as finanças da família. Devido essa dificuldade financeira, todos
eles embarcam, um ano depois, para São Paulo buscando melhores oportunidades. Durante a
viagem, no meio do Atlântico, ele teve um sonho ou uma espécie de visão: teria uma filha no Brasil,
e ela teria três filhos, o filho do meio teria três filhos também, e o seu bisneto do meio também teria
três filhos e o filho do meio seria capaz de compreender o Livro. Assim, ele guardou, muito bem
guardado, as fotografias e cópias, as deixando de herança, que passou dele para minha bisa, para
meu avô, para meu pai, que as me deu quando fiz vinte e um anos, em 2015. E foi assim que eu tive
contato com o Livro.
Depois de 1915, Voynich percebeu que pessoas mais capacitadas do que ele em criptologia
e outras áreas estavam se ocupando com sua interpretação, então passou a pesquisar sobre a origem
do Livro. Voynich descobriu duas coisas importantes. O nome de Jacobus Horcicky de Tepenecz,
revelado por luz ultravioleta em uma das primeiras páginas e uma carta de Jan Marek Marci
endereçada para Athanasius Kircher que dizia:
“Reverendo e Distinto Senhor, Pai em Cristo:
Este livro, legado a mim por um amigo íntimo, eu lhe destino, meu querido Athanasius. Assim que
ele chegou a minha posse estava convencido de que não poderia ser lido por ninguém, exceto você.
O ex-proprietário deste livro pediu sua opinião por carta, copiando e enviando uma parte do livro a
partir da qual ele acreditava que você seria capaz de ler o restante, mas na época ele se recusou a
enviar o livro em si. Para sua decifração, ele dedicou um trabalho inabalável, como é evidente nas
tentativas dele, que lhe envio com o livro, e ele renunciou à esperança apenas com a vida. Mas seu
trabalho foi em vão, pois esfinges como essa obedecem a ninguém, a não ser seu mestre, Kricher.
Aceite agora esse sinal, como é e há muito tempo, da minha afeição por você, e arrebente suas
barras, se houver alguma, com seu sucesso habitual.
O dr. Raphael, um professor de língua boêmia de Fernando III, então rei da Boemia, me disse que o
referido livro pertencia ao Imperador Rodolfo II e que ele pagou cerca de 600 ducados pelo livro.
Pois acreditava seu autor ser Roger Bacon, o Inglês. Neste ponto, suspendo julgamento; cabe a você
definir para nós que opinião devemos adotar sobre isso, a cujo favor e bondade eu sem reservas me
comprometo e permaneço.
Ao comando de sua reverencia, Joannes Marcus Marci de Cronland
Praga, 19 de agosto de 1666”
É a partir destas descobertas de Voynich que tomei como ponto de partida da minha própria
pesquisa. Não cabe, nesta introdução, discutir métodos cognitivos ou métodos de pesquisa, nem
entrar em debate sobre os valores e dogmas das verdades que circulam atualmente entre o
conhecimento acadêmico, artístico e religioso. A minha intenção é somente apresentar os resultados
sobre a origem e o conteúdo do Livro sob o ponto de vista das minhas vivencias com a pesquisa.
Em geral, não imaginamos o quão diferente era o modo de pensar dos detentores de
conhecimento ao longo da humanidade ocidental comparado com os de hoje. Entre 800 e 1000 d.C,
as concepções sobre o ser humano eram exclusivamente espirituais, de uma maneira concreta e
inegável. Ainda no século X era possível encontrar sábios que falavam de seres espirituais como se
fala de pessoas possíveis de se encontrar e conversar. Para muitos sacerdotes não havia dúvida que
em determinado momento da missa era possível vislumbrar a realidade manifesta dos anjos,
arcanjos, arqueus. Esses sábios sabiam que tal conhecimento estava desaparecendo da consciência
comum dos humanos e poderia se perder quase completamente a relação direta com essas entidades
espirituais. Na Idade Média, haviam despretensiosas pessoas vivendo isoladas em simplicidade, que
não se reuniam oficialmente com grupos de discípulos à sua volta, nem tinham locais especiais para
se encontrarem, e sim permitiam as circunstâncias do destino guiar o encontro com seus discípulos.
Por volta do século XII, muitos jovens sentiam um impulso por um novo conhecimento
sagrado, capaz de conecta-los com os mundos espirituais, com Deus e suas obras divinas. Devido as
condições da época, um jovem com tais aspirações encontrava com seu mestre aparentemente
devido a um acaso. É preciso ressaltar que devido as circunstancias existenciais daquele tempo, esse
tipo de aprendizado ainda não podia acontecer através de livros, só através de uma pessoa para
outra.
Já no final do século, em algum lugar pela Europa Central, um jovem de vinte e cinco anos,
nobre, estudioso sobre as origens do Universo e investigador da verdade, enquanto caminhava pelas
florestas, atormentado com suas questões, encontrou um eremita peculiar, mais velho, coletando
ervas entre as arvores. Conversaram e filosofaram sobre o sentido das coisas até o Sol raiar e se
despedirem. No dia seguinte se encontraram novamente e a mesma coisa aconteceu. No dia
seguinte, também. O velho sentiu que poderia ajudá-lo na jornada que aspirava, tornando-se seu
mestre e instrutor. O jovem, agora discípulo, confessou as ânsias de sua alma. De como desejava
que conseguisse fazer seu olhar penetrar o mundo espiritual. Disse que deveria perceber as divinas
entidades espirituais, os criadores do Universo, atuando por trás de suas magnificas obras, os
processos da natureza. Sentia que não podia avançar esses obstáculos. Então o Mestre respondeu:
- Como tens olhos e ouvidos, use-os para observar a Natureza, veja a cor e ouça os sons
com seu coração aberto, assim sentirá o espiritual desabrochar.
- Mas quando a cor chega em meus olhos sinto-a empalecida. E quando o som chega aos
meus ouvidos sinto-os congelados. Penso que meus sentidos me impedem de ver e ouvir o
verdadeiro espiritual da Natureza.
- Portanto, sinta que aí há, também, uma revelação religiosa. Pois nela se manifesta como
Deus e seus agentes vem formando o mundo. Se manifesta a vinda do Cristo a um corpo humano e
suas consequências com a evolução dos tempos. Lhe pergunto, o que a Natureza não pode te dar
que não pode ser dado pela revelação?
- Eu sinto que é impossível religar, em mim, o que existe na Natureza, se ela nada me
revela. Até sinto a força do meu coração dialogar com a revelação, por mais que eu não entenda seu
caráter religioso puro (não no sentido constitucional).
- Vivemos em um corpo caído no pecado, que não foi concebido no ambiente terrestre, foi
adaptado a ele. Estamos presos numa gaiola, e suas grades são os sentidos e sentimentos que não
conseguem penetrar nem na Natureza, nem na Revelação, apenas perceber a matéria. Porém, se for
de teu agrado, lhe darei a oportunidade de se desprender dessas amaras e ter a chance de observar,
por si só, a Natureza e a Revelação sob a luz que vem dos altos divinos. No solstício de inverno
iremos até o cume daquela montanha – Disse o mestre apontando para o horizonte.
No dia combinado, no topo da montanha, eles só enxergavam um mar de nuvens, nada da
superfície terrestre. Estavam desvinculados das distrações e agitações que ocorriam lá em baixo.
Cobertos por uma atmosfera matinal o mestre falou sobre as amplidões cósmicas, das distancias do
universo enquanto o discípulo olhava para céu e se questionava o sentido de ficar entregue as
alturas da Natureza.
Ficaram lá por muito tempo, até que, o estado de alma do discípulo começou a mudar.
Sentia-se como se tudo o que já tinha vivenciado na existência terrestre não passava de um sonho.
Estava rodeado pela nevoa flutuante e pelas nuvens que estendiam a amplidão celestial. Era como
se lá em cima ele estivesse desperto. Tão desperto que passou a reparar em fendas e rochas que não
havia notado antes. Eram belas e cintilantes mesmo tendo um aspecto milenar, cheias de texturas,
camadas e buracos, causados pela erosão. Numa destas fendas recém descobertas ele se assustou
com uma estranha impressão ao ver uma criança de dez anos. Reconheceu a si mesmo na infância.
Se julgava diante do espirito de sua juventude. E com a condução do mestre, realizou-se uma
conversa. Nela, o discípulo sentia seu raciocínio maduro se transformando em representações
mentais infantis. Sentia o espirito lhe doando um certo frescor. Conversaram sobre o Genesis e a
encarnação do Cristo. A experiência foi marcante, inesquecível. O espirito, então, desapareceu. E
algo muito fecundo surgiu no íntimo do discípulo, que disse ao seu mestre:
- Sinto que agora percebo que o espirito da juventude impera na Revelação. Quando
retirado, longe da Terra, às alturas, se manifesta a verdade de Revelação, com o auxílio da força da
infância, que ressurge. Na situação que estamos não podemos vislumbrar as obras dos deuses
através da perfeição da Natureza, por isso Deus deu ao homem a Revelação!
No dia do Solstício de Verão, o mestre e seu discípulo partiram em uma nova jornada.
Desta vez estavam caminhando rumo a uma caverna, cujas fendas estreitas iam até profundas minas
subterrâneas. A consciência do discípulo despertava e aconteceu um drama parecido com o que teve
quando esteva nas alturas. Sentia que tudo o que vivenciara na Terra passava em sua frente como
um sonho. Ainda que estivesse acabado de entrar, podia sentir uma vida pulsante vindo das
profundezas da Terra. À medida em que começaram a conversar, o discípulo sentiu uma ligação
com essa vida submersa da superfície. Então, de uma estalagmite, apareceu um ancião. O discípulo
demorou algum tempo para compreender que o ancião era sua própria velhice futura. Houve mais
uma conversa entre o mestre, o discípulo, e seu espirito do futuro. Porém, da conversa, algo
diferente surgiu na consciência do discípulo, ele passou a se sentir mais presente, sentir sua própria
organização física, a vitalidade circulando no seu sangue, atravessando as veias e artérias, podia
sentir os diferentes órgãos cumprindo diferentes funções atuando como um todo em seu corpo.
Pensou em como o mundo externo era contido e reproduzido em menor escala no corpo humano.
Os minerais do solo, as raízes, as folhas, as flores, os frutos, os animais, os astros, o Universo estava
contido nele. Sentia o mundo material, que sua existência estava inserida, criando e destruindo,
transformando e formando substancias. Sentia seu Eu em seu corpo. Após o ancião desaparecer, no
caminho de volta, o discípulo pôde concluir:
- Agora me sinto pertencente a Terra e a essa encarnação. A essência invisível contida na
Natureza manifesta a obra Divina nos mais diversos processos.
- Mas, tenha certeza, – respondeu o mestre – a Terra atual e o humano dos tempos de hoje
não são compatíveis. Por isso precisamos ir acima da Terra para ter a Revelação através do espirito
da juventude. E para os abismos abaixo da superfície, no fundo da Terra para ter a revelação da
Natureza. E a sabedoria consiste em conseguir iluminar as profundezas com a luz que cultivou no
alto. Não deixe de perceber, no seu interior, o que se encontra acima e abaixo do ser humano
terrestre. No equilíbrio é que se tem a possibilidade de encontrar, dentro de si, com a mesma força
criadora de Deus, o Cristo.
O mesmo impulso do conhecimento transmitido neste, aparentemente, simples encontro,
perdurou por séculos. A partir dele, as buscas do conhecimento religioso-teológico-filosófico e
espiritual passaram a ter uma tendência para a autoconsciência, de encontrar em si, sua própria
trajetória equilibrada para o divino. Tal acontecimento sujeitou, as pessoas, depois do século XIII a
encontrar o conhecimento através do pensar humano. Em contrapartida, nesta mesma época, o
charlatonismo e o verdadeiro conhecimento espiritual andavam numa linha tênue. Ao mesmo passo
que surgiam novidades e descobertas através do pensar, também através dele, surgiu novos truques
e artimanhas, das mais sensacionalistas e imorais. Os ávidos pelos conhecimentos divinos travavam
muitas batalhas internas para descobrir como encontrar os caminhos corretos. Eles não buscavam
mais os Centros de Mistérios, Antigos Templos, Santuários ou qualquer outra instituição, que estava
em decadência, e sim locais aquecidos pela devoção de pessoas que compartilhavam a busca do
verdadeiro conhecimento do humano e do Cosmo.
Um desses locais era uma simples casa, onde se encontravam sete pessoas. Eles formavam
uma comunidade do conhecimento, uma fraternidade de alma rumo ao espiritual universal. E essa
comunidade conservava o impulso da autoconsciência e aplicavam o valor real da fraternidade.
Sentiam que a meta da evolução da humanidade estava relacionada com a liberdade, por isso o laço
entre os humanos e Deus iria se romper por completo se não vivessem em uma vida de irmandade,
onde um realmente dependesse do outro. Eles buscaram ajustar e exercitar suas almas para que
pudessem conhecer as verdades espirituais. Em um dos encontros, estavam fazendo um exercício de
meditação guiada por uma oração. Durante a atividade, suas consciências e todo o intelecto foram
entregues a um novo estado psíquico-devocional, proporcionado pela atmosfera anímica coletiva de
devoção e fé que o pequeno círculo reunido cultivava. Então, diante deles um ser apareceu. Não era
um ser de carne e osso e ele se comunicava diretamente através de suas almas e espíritos. Ele não
havia sido conjurado ou chamado por forças mediúnicas (o que teria sido considerado pecaminoso),
só foi possível a aparição mediante o forte estado anímico gerado pela comunhão das almas. Este
ser espiritual humano havia se maravilhado, tendo se atraído perante o poder meditativo-devocional,
se manifestando em sua livre vontade. Ele se revelou sendo o mesmo mestre que havia guiado o
discípulo no final do século XII.
- Sei que ainda não estão preparados, mas aqui estou, entre vocês. É chegado o tempo em
que os verdadeiros iniciados das antigas ordens não andarão mais entre os humanos por um período
da existência terrestre. Só retornarão quando emergir o tempo da luz do Arcanjo Micael. Revelo a
vocês que o interior do ser humano se modificou e pode encontrar o caminho para a existência
divina se a alma se comportar de forma correta. Como estão se esforçando. Mas, esse entendimento
será fortemente reprimido na Terra para que o espirito possa verbalizar com a alma humana dos
novos tempos. Portanto, permaneçam cultivando a força da Imaginação Verdadeira conjunta que
assim poderei lhes conduzir aos Segredos dos Grandes Mistérios.
Três dos presentes estavam realmente destinados a estabelecer dali em diante uma ligação
com o mundo espiritual através do esforço em atingir o estado de alma devocional meditativo. Em
encontros posteriores, passou a ocorrer, recorrentemente, algo inusitado. Por um período de tempo,
eles reluziam um semblante luminoso magnifico, como se seus olhos fossem estrelas brilhantes.
Durante esses períodos eles anotavam revelações simbólicas, imagens que continham o que eles
deviam saber sobre o mundo espiritual. E, depois da experiência eles diziam:
- Nós andamos entre as Hierarquias Sagradas e os espíritos além dos sete planetas e o
zodíaco. Lá encontramos os antigos mestres do saber espiritual. Mas nós mesmos não conseguimos
traduzir as imagens que desenhamos.
Em contraponto, os outros quatros presentes eram os que conseguiam reproduzir os
símbolos na linguagem comum através do que vivenciavam na luminosidade solar do brilho no
semblante de seus irmãos. Eles o fizeram e assim se desenvolveu uma espécie de filosofia, de
teologia e cosmogonia, uma espécie de medicina alquímica baseada nas forças zodiacais e uma
agricultura sagrada. Os sete irmãos da vida viviam em colaboração e dependência reciproca, os três
obtinham as imagens e os quatro conseguiam lê-las. Eles registraram todo esse conhecimento e a
compartilhavam com a fraternidade que passou a expandir em novos ramos.
O impulso da fraternidade fluiu pela vida espiritual da Europa em diversos grupos como
uma nova tradição de valores. Experiências como essas eram possíveis em inúmeros círculos
pequenos entre os séculos XIII e XV. Dessas experiências, da obtenção e leitura dos símbolos do
mundo espiritual, se originou muito do que surgiu na literatura médica e teológica que temos
acesso. Muita coisa de espécie semelhante foi revelada aos humanos neste período.
Porém, em alguns lugares, aqueles que deveriam traduzir o que foi revelado não possuía o
esforço e disciplina de alma, o que prejudicava a fidelidade das traduções. Certas coisas redigidas
naquela época, até hoje, possuem um caráter sombrio, obscuro e charlatonesco. Algo parecido
também acontecia com aqueles que recebiam as imagens. Elas se tornavam cada vez mais inquietos,
pois a consciência comum não atingia o mundo de onde os mistérios vinham. O que abria, ainda
mais, a margem para fraudes e charlatanismo. Se tornou difícil discernir entre o verdadeiro
conhecimento espiritual trazido pelas fraternidades e o falso conhecimento dos charlatões. Como
não se chegava as fontes das revelações simbólicas, não se sabia da qualidade delas. Além de que
alguns tinham medo do estado psíquico daqueles que mergulhavam nos mundos superiores e do
conhecimento que traziam os tradutores. E isso foi o bastante para esse tipo de conhecimento e
prática serem rejeitadas e perseguidas pela Santa Inquisição.
Apesar dos perigos, a fraternidade resistia secretamente em muitos lugares, principalmente
na atual Alemanha. Na metade do século XV, em um castelo, perto da velha estrada que termina em
Colônia, acontecia um encontro da fraternidade. Naquela nova espécie de culto, diante de um altar
estavam seis pessoas que diziam:
- Chegou a hora, este é o momento em que o conhecimento das estrelas será sacrificado!
Seremos responsáveis pelas terras férteis e inférteis, pelos rios e oceanos, pelas nuvens e pela luz,
pelo fogo que habita em mim e em meus irmãos. Seremos responsáveis pelas montanhas e florestas,
pelas plantas e suas flores, pelas nossas bebidas e alimentos, por todo o reino animal. Pela nossa
comunidade, pelos humanos presentes! Agora, sentiremos responsáveis por todos os humanos da
história da humanidade. É a hora do abandono, descemos profundamente na matéria, extrapolamos
o pecado original. O conhecimento superior se recolherá até sua ressureição no final do século IXX
para que a humanidade possa usar seu livre arbítrio para encontrar o que os deuses destinaram com
ela e para ela no passado!
A sétima pessoa, que observava toda a cena, se chamava Raul Giaveta Croy. Raul havia
nascido no noroeste do Reino da Normandia em 1426, mas logo que nasceu, seus pais fugiram da
guerra para Colônia, na Alemanha, onde seu pai tinha família. Seu pai era um grande comerciante e
desejava que seu filho trilhasse o mesmo caminho. Porém, Raul se mostrou mais propenso aos
estudos e dos quinze aos dezoito estudou na Universidade de Colônia. Tinha a intensão de estudar
direito e filosofia, mas tomou gosto pela literatura, e se descobriu escritor. Era um erudito
apaixonado pelo conhecido. Dizia buscar a verdade verdadeira que se escondia por trás das
tradições e valores da época. Inspirado nesta situação escreveu dois livros de sátiras cômicas que no
fundo questionavam os valores feudais e quase apresentava um caráter humanista do Renascimento.
Em 1447, ganhou um pouco de notoriedade depois de escrever uma prosa sobre um padre preso em
um castelo misterioso durante a Peste. No mesmo ano passou a frequentar os encontros da
fraternidade na Alemanha Central. Por sorte, seus irmãos de vida tinham alguns desenhos originais
dos primeiros encontros já descritos e muitos manuscritos em alemão sobre as traduções dos
símbolos. Dedicou seu tempo integral a fraternidade, estudando e pesquisando, até seu último
encontro em 1450. Aquele discurso diante do altar fora muito poderoso. As palavras haviam
causado muitas marcas em sua alma e lhe inspirado todo um novo Universo. Ele entrou em um
conflito interno, pois não sabia o quão responsável era por suas ações, quanto mais ser responsável
pela humanidade toda. Sentia uma forte pressão ao pensar aquilo. Então, no final de 1450, tomou
uma decisão encontrar a si próprio, embarcou numa viagem, financiada pelo seu rico avô paterno,
com quem compartilhava seus interesses em conhecimentos do espirito, durante 4 longos anos.
Caminhou durante dois meses, de Colônia até Veneza. De Veneza navegou até Corfu, de onde
partiu para conhecer o Templo de Apolo em Delfos. Voltou para Corfu e foi até Antioquia, para
poder visitar Chipre. Depois da visita foi até Alexandria, e no Egito, foi até a antiga cidade de
Mênfis. De lá, ele seguiu a rota marítima mulçumana parando em Trípoli, Líbia e Mádia, Tunísia,
até chegar em Palermo. De Palermo foi até Crotona. Depois de um tempo foi rumo ao norte e
navegou até Nápoles e enfim desembarcou em Genova, onde ficou um mês até ir para Lyon,
encerrando sua viagem. Se apaixonou por Lyon e por Isabel Laurent Moreau, com quem se casou e
teve 3 filhos e 3 filhas. Como Lyon que era um dos centros europeus de atividade literária, se sentia
maravilhado e no lugar certo. Depois da viagem, não publicou mais nada e passou a trabalhar como
editor. Não publicou mais, mas ainda escrevia. Sentia uma missão existencial dentro de si.
Precisava escrever uma história contendo tudo o que tinha aprendido com a fraternidade e com suas
viagens. Projeto que só terminou em 1486, quando tinha sessenta anos. Porém, como alguns de seus
poemas cômicos já haviam sido confiscados e censurados em alguns lugares da França, decidiu
esconder a prosa recém escrita, chamada Ressureição de Sofia. Temendo o pior da Inquisição e não
querendo ser queimado e caçado como os valdenses decidiu fazer o caminho inverso da
fraternidade. Ele transformou Ressureição de Sofia, que continha a linguagem usual numa
linguagem imagética alquímica, inspirada nos símbolos anímico-espirituais que tanto havia
estudado. Ou seja, da codificação da Ressureição de Sofia em símbolos nasceu o Livro. Raul
Giaveta Croy morreu três anos depois, em 1489. Mas antes, em seu leito, fez um pedido a sua
amada esposa:
- Isabel, a minha hora de desencarnar deste corpo se aproxima. Eu posso sentir o anjo da
morte se aproximando em passos gentis. Mas ainda me resta uma missão na Terra, e temo que não
poderei realiza-la, por isso preciso contar contigo. Alguns dias depois de eu morrer, um jovem a
caminho da Espanha, usará a senha da fraternidade procurando por mim. A ele, somente a ele,
entregue o Livro. Ele não estará esperando por isso, acredito que nem saberá o que fazer, mas
insista que ele leve o Livro para a sua jornada. Não chore, meu amor. A morte vem para todos. Nós
ainda nos encontraremos.
Isabel, no fundo, se questionava da sanidade de Raul em seus últimos momentos de vida,
mas no final aconteceu o que previra e ela fez exatamente o que foi pedido. O jovem guerreiro
estava indo lutar guerra da Reconquista e passou em Lyon no caminho, pois teve um sonho com
Arcanjo Miguel dizendo que precisava conhecer um escritor que já frequentava a fraternidade.
Infelizmente o jovem foi morto em combate em Granada. O paradeiro do Livro, entre a morte do
guerreiro até 1499, é desconhecido.
Após a vitória dos católicos, o Cardial Jimenez de Cisnero deu a infeliz ordem de queimar
certa de cinco mil manuscritos e uma biblioteca que ficava em Granada. Antes da queima, um frade
encontrou um manuscrito que tinha uma aparência europeia e acreditava que era um livro
importante. Alegou ao seu superior que era um livro alquímico sobre medicina e que seria
facilmente decifrado por ele. Assim o Cardial deixou o frade ficar com o Livro. Sete anos depois,
em 1506, o frade morreu e deixou secretamente o livro de herança para seu afilhado, que o havia
tentado ajudar nas interpretações. O afilhado tinha 14 anos quando isso aconteceu, mas já nessa
idade não se importava tanto com os enigmas do Livro e percorreu sua carreira de ourives. Depois
de anos, enquanto trabalhava com o auxílio de seu neto mais novo, viu como ele, apesar de muito
jovem, se dedicava e se interessava pelo oficio, aquilo lhe encheu de um sentimento de que o garoto
faria coisas extraordinárias. Quando morreu em 1555, deixou toda sua herança para o seu admirado
neto, incluindo o Livro. O neto, ficou completamente intrigado com ele, dedicando muito da sua
vida naquele mistério. Apesar de não o decifrar, as horas frustradas de investigação lhe rederam
muitas ideias ao longo dos anos. Em 1567, o neto, então já adulto, alquimista e artista, começou sua
obra sobre como a consciência humana se modificou após a vinda do Cristo. Obra que só ficou
completa em 1576. Querendo divulga-la e buscar patrocínio ele partiu rumo ao leste, mais
precisamente para onde hoje é Praga. Em 1579, o neto conseguiu se encontrar com Rodolfo II,
recém imperador do Santo Império Romano, um entusiasta em artes e nas ciências dos mundos
invisíveis. Lá o Imperador questiona sobre as inspirações de seus escritos e o neto cita a história do
Livro. Rodolfo ficou desesperado ao ouvir a resposta e ficou muito ansioso para vê-lo, pois
acreditava que o Livro só poderia ter sido escrito pelo célebre Roger Bacon. Assim ordenou que o
neto o visitasse no dia seguinte, e que o trouxesse. Porém, ao chegar na estalagem, onde estava
hospedado, foi confundido por um traidor foragido e acabou sendo brutalmente morto a pauladas e
facadas. O Imperador, ao descobrir o ocorrido, pediu que seus súditos o trouxessem o Livro e
enviasse 2 kg de ouro para a família do neto alquimista, assassinado aos 33 anos.
Rodolfo II só morreu em 1612, porém em 1607 ficou seriamente doente, sendo salvo e
curado pelo farmacêutico e químico Jacobs Horcicky. Assim, em agradecimento lhe entregou o
titulo “de Tepenec”, referente ao castelo Tepenec. Jacobs também participava na educação de
teologia, botânica e estudos da Natureza do Sacro Império. Durante o reinado, Rodolfo pediu a
Jacobs que o emprestasse dinheiro e em troca receberia as terras de Melník. Quando o Imperador
morreu, Jacobs exigiu como restante do pagamento do seu empréstimo a Rodolfo, o Livro, cujo
acreditava conter um grande conhecimento sobre botânica. Jacobs, durante as guerras religiosas,
defendeu o lado católico, sendo administrador do Castelo de Melnik, mas foi preso em 1620 quando
protestantes conquistaram a cidade. Foi trocado com um prisioneiro protestante (Jessenius), e então
viveu exilado até voltar a Melnik após a Revolta de Boêmia. Em 1621, durante um passeio a cavalo,
deixava sua mente viajar sobre qual seria a origem e o conteúdo do Livro, e distraído com seus
próprios pensamentos se acidentou, caindo do cavalo e ficando muito ferido. Devido ao grave
ferimento, no ano seguinte, mudou-se, aos cuidados dos Jesuitas, para o Colégio Clementinum, em
Praga. Logo no dia em que chegou conheceu George Baresch, alquimista e colecionador de
antiguidades. O checo George estava lá, durante aquela semana, para resgatar suas memorias de
formação, pois já faziam 20 anos que havia se formado ali. George e Jacobs compartilhavam muitos
interesses em comum, e a simpatia entre os dois fez Jacobs lhe contar sobre o Livro. Horas após a
separação dos dois, Jacob morreu, deixando suas terras de Melnik e 50mil moedas de ouro ao
Colégio Jesuita. Para George Baresch, surpreendentemente, lhe confiou o Livro.
George dedicou sua vida tentando decifrar o Livro, buscou incessantemente conhecimentos
gerais que pudessem ajuda-lo neste mistério. Em 1636, leu Podromus Coptussive Aegyptacus, livro
do Jesuita Athanasius Kircher decifrando hieróglifos egípcios. No ano seguinte, George escreveu
uma carta para Athanasius com a cópia de alguns fragmentos do livro, e suas conclusões baseado no
que entendeu do seu Podromus Coptus. A carta foi enviada através do matemático Theodorus
Moretus, porém ela foi perdida e nunca entregue. Dois anos depois Theodorus a encontrou, e
George o deixou ler. Os mistérios na carta inspiraram o matemático a finalizar sua obra “Tratados
Matemáticos”.
Em 1639, George escreve novamente para Kircher. Nesta carta ele apresenta uma visão de
que o livro representa a Sciencia Egipicia e suas ligações com botânica. A segunda carta só é
entregue e lida por Kircher em 1641. Este lhe respondeu pedindo o livro todo, mas George, ao ler a
resposta, nem se preocupou em responder, pois não iria empresta-lo. Kircher, por sua vez, ao se
confrontar com aqueles fragmentos de enigma sente um forte impulso para retomar seus estudos
sobre Egiptologia.
Alguns anos depois que George conheceu Jacobs, ele fez uma outra forte amizade com
Johannes Marcus Marci, com quem também continha longas discussões filosóficas. Em um dos
encontros George contou a Johannes sobre o Livro e seus longos esforços e estudos para entende-lo.
Os encontros influenciaram um a obra do outro. Então, quando George morreu, em 1662, deixou o
livro a Marcus Marci, no ano em que se tornou o Reitor da Universidade de Praga. Apesar do
estudo do Livro lhe render insights para os primeiros rascunhos de Othosophia seu filosofia
impulsus universalis, achou que não podia tirar mais proveito dele. Por isso, em 1666, ele envia o
Livro para Kircher junto com aquela carta já apresentada.
Kircher, o jesuíta alemão, era um verdadeiro homem da Renascença, talentoso estudioso em
diversas áreas, publicando dezenas de livros. O próprio disse que falhou em decifra-lo, porém as
investigações do Livro e suas meditações sobre ele, lhe renderam muitas ideias para suas obras de
1666 até sua última. Athanasius, durante muitos anos de sua vida trabalhou na Biblioteca do
Vaticano. Então, após sua morte em 1680, deixou toda sua correspondência e coleção de livros
pessoais para o Colégio Romano. E por lá o Livro permaneceu esquecido.
Até que em 1870 as tropas de Victor Emmanuel II da Itália tomaram a cidade de Roma. O
novo Reino da Itália confiscou as posses da Igreja, incluindo suas bibliotecas. Os jesuítas, para
preservar os livros e manuscritos, os transferiu-os às pressas para bibliotecas pessoais, sendo isentas
de confisco. E numa das remessas foi ao jesuíta belga General Superior Peter Jan Beckx e logo em
seguida foi encaminhada, para a vila de Mondragone, situada sobre uma colina rodeada por castelos
e vilas, perto de Roma. Lugar comprado pelos jesuítas em 1866 para abrigar o QG do Colégio de
Glisliere. Onde o livro permaneceu até 1912, quando os 30 volumes da biblioteca foram vendidos
para Voynich.
A continuação da história do Livro já foi contada. O que resta, agora, é contar a
Ressureição de Sofia.
Porém, antes, devo esclarecer alguns pontos. O livro foi escrito por Raul Croy que sofreu
influência de diversas culturas e línguas, e hoje, não temos como saber exatamente quais foram as
palavras escolhidas pelo autor. Temos apenas acesso aos símbolos que ele fez, no Livro, para
criptografar a Ressurreição de Sofia. A partir dos conceitos destes símbolos, eu traduzi a obra para
Português brasileiro. Portanto, a linguagem usada por mim, um brasileiro do litoral paulista, carrega
termos relacionados a comportamentos de comunicação exclusivos de um brasileiro contemporâneo
do litoral paulista. Ou seja, a maneira em que você está prestes a ler a Ressurreição, por mais que eu
tenha me afastado da obra, carregará vícios linguísticos e culturais do seu tradutor e não do seu
autor.
Por muito tempo, durante a tradução, uma dúvida pairava sobre minha alma, algo que eu
não tinha vivenciado ainda na minha experiencia como artista. Uma grande preocupação em como
contar a história, após descobri-la. Ao passo que a história ia se revelando ela não parecia estar
numa linha cronológica. Deveria eu me interferir em sua estética e conceito? Para facilitar o
entendimento do leitor? Até agora, confesso que há infinitas maneiras de se contar essa história, e
talvez a que eu tenha escolhido não seja a melhor, porém tentei me manter o mais fiel do que pude
compreender e estou seguro que esse era o caminho que tinha que seguir para que pudesse parir este
trabalho.
O livro possui três linhas narrativas escritas por P: a trajetória dos sábios e o destino da
comunidade, que conta da partida dos sábios rumo ao sudeste, buscando o território mais ao leste do
continente, e como se deu seu desenvolvimento. O encontro de Micael e Sofia, onde é revelado a
cosmogonia e outros enigmas. E a ressurreição de Sofia, que conta a história dela e dos personagens
cujos destinos trançam o desenrolar de sua trajetória.

Yuri Galvão Cetra


1.
o encontro na baixa esfera ou o encontro após a partida dos Sábios da ilha da Ponte Brilhante ou
prólogo no inferno
- Por que me convidou? – Disse rapidamente a voz aguda, fria e seca, vinda da esquerda.
- Boa noite meu bom e velho companheiro, fico alegre que tenha me prestado esta visita.
Sejas bem recebido ao meu lar. Quanto tempo que não nos encontrávamos, hein? – Disse a outra
voz, da direita, de forma elaborada e cordial. Essa voz soava mais quente e continha uma beleza
insuportável e inexplicavelmente terrível.
- Diga logo o que quer, sei que por de traz desse palavreado ludibriante tem intenções
escondidas. Tenho mais o que fazer! – Exclamou a voz fria.
- Sim, sim, mas acho que isso vai lhe interessar... Estava sobrevoando as nuvens cobertas
pelas belas cores do entardecer, sobre o Mar Cintilante que resplandece a dança dos ventos
simpáticos, admirando as belezas que já não são como as conhecia no passado...
- Conte-me logo o que me interessa!
- E encontrei um povo cheio de maravilhas e sabedorias, eles possuem um poder ainda
bruto, com condições favoráveis ao berço da Nova Aurora. – Continuou a voz mais agradável,
como se não tivesse sido interrompido. – Eles gozam o que o resto da Ordem dos Sábios lhe
presentearam, é verdade, sim..., mas a desconhecem como verdadeira liberdade. São perfeitos para a
Profecia se realizar... É... Sinto que os tempos estão mudando... – disse a última frase de maneira
triste. Porém a outra voz deixou escapar um suspiro de entusiasmo e emendou, tentando disfarçar:
- Agora entendo por que me chamou. Já havia esquecido em como você ainda pode me ser
útil. Os Sábios ainda vivem entre o povo? – Finalmente a voz da esquerda demonstrou algum
sentimento, mas aquilo soou horripilante.
- Não, querido príncipe.
- Guarde para ti, este título que lhe pertence, junto com esta coroa. – Resmungou com tons
e gestos de menosprezo e indiferença.
- Os Sábios se estabeleceram numa ilha mais ao Sul e deixaram uma Comunidade, na antiga
ilha da Ponte da Serpente Brilhante, é ali onde os fatos se consumarão. – Completou a voz da
direita, não parecendo ofendido com o tom do comentário, e sim orgulhoso.
- Te agradeço. Agora devo me adiantar, estarei mais ocupado do que nunca. A minha hora é
agora, não há mais o esperar, o futuro almejado finalmente acaba de se antecipar!
- Já sabe o que irá fazer?
- Sei! Venham meus queridos servos! Eu os convoco! Fiquem diante de mim que lhes
concederei um poder a cada, para que me sirvam, dominem e governem em meu nome até eu
chegar. A ti, dou os poderes da ganância. A ti, os poderes da mentira. A ti, os poderes do
materialismo. A ti, os poderes do esquecimento. A ti, os poderes da unilateralidade. A ti, os poderes
do medo. E a ti, por fim, lhe entrego o maior dos meus poderes, da inteligência cega e lógica! Agora
vão e encontrem meu futuro Assessor no meio da Comunidade! Vocês o ajudarão a recrutar meu
futuro exército de corpos ocos de espírito. Mas, se alertem! A maioria não poderá vê-los, pois só
confiam em seus sentidos comuns, porém, outros poucos poderão percebê-los em seus sonhos e
através de sinais. Com esses, tomem cuidado. Vocês deverão inspirar palavras e ideias nas mentes e
corações daqueles tomados pelas sombras e corromper aqueles que estão cultivados pela luz através
de pequenas incitações em pequenas ações cotidianas. Vocês serão criadores e criaturas de seus
pecados. De vocês, meus serviçais, eles tirarão as forças para ignorar e desprezar os reinos
invisíveis.

2.
o nascimento da Sofia ou prologo no céu
Um anjo plantou em sua alma a força, pois ela teria que agir com perseverança. A ciranda
de arcanjos lhe doou a coragem, pois ela teria que agir mesmo cercada de medo e angústias. E vindo
das distancias mais distantes, dos confins dos tempos, os arqueus, junto com Arcanjo Micael, lhe
doaram a luz da nova sabedoria, que é alicerçada na autoconsciência. Á Sofia foi concedida o
Destino, e com ele, seu espírito foi encarnar novamente na Terra.
3.
a chegada na ilha
Trinta e cinco anos depois, Sofia descia a Última Serra da Cordilheira seguindo a Rota do
Nascer do Sol. Seu corpo pesava e seus músculos queimavam de exaustão. Se sentia imersa num
pesadelo interminável. Como se tudo o que já aprendera tivesse caído em desuso, permanecendo
sozinha, com seus sentimentos vagando em trevas aterrorizantes, em paranoias predatórias. Todos
os últimos acontecimentos eram irreversíveis. “Apesar da capacidade da criação, o tempo destrói
tudo” concluiu.
Ia na direção sudeste adentrando a Floresta dos Antepassados pelo antigo caminho dos
Andarilhos. Estava tão atormentada que nem se deu a oportunidade de contemplar as maravilhosas
cachoeiras lendárias que a vista do caminho proporcionava. O medo a fazia reviver as tragédias.
Sofia não queria morrer. Se questionou sobre a existência e intervenção divina. Seu estado anímico
melhorou um pouco após receber a inesperada visita de uma onça pintada durante uma noite, que de
certa forma muito se assemelhava a ela.
Logo ao nascer do Sol, em meio as antigas árvores, Sofia passou a ser misteriosamente
perseguida por quatro cobras. De repente, pensou ouvir a voz de Q lhe dizendo para alimentar e
banhar as serpentes de tempos em tempos. Porém, ao tentar, sentiu a perversidade das cobras o que
a fez fugir. Correndo, novamente pensou ouvir a voz de Q, mas agora lhe dizendo que doze
assassinos estão em sua busca. Sofia não conseguia entender, até que um estalo quebrou o silencio e
ela pôde ver um vulto se escondendo nas folhas altas. Durante a perseguição, mais uma vez pensou
ouvir Q, agora lhe anunciando que mais um assassino se aproximava para lhe cortar a cabeça com a
espada. Se Sofia não se abaixasse na hora que o pensamento lhe atingiu, o golpe seria fatal.
Prosseguindo na fuga, conseguiu despistá-los, até suas pernas a guiaram a Aldeia Amla, a qual
conhecia desde sua adolescência. Mas diferente de como se lembrava, estava completamente
deserta. Assim que se deu conta do fato, ouviu Q revelar que ladrões estavam na iminência de pilhar
o que havia restado da aldeia. Continuou sua fuga rumo ao sul, chegando nas margens do Rio
Divisor. Não se sentindo segura na margem em que estava, faz um cesto de palha, madeira e folhas.
Navegou enquanto pássaros voam e cantavam no céu do entardecer. As águas a levaram até a Ilha
dos Sábios.

4.
as lembranças na aldeia Amla
Os pais de Sofia tinham o costume de ir à aldeia Amla na festa da Primavera. Se lembrou
da vez que foram lá, justamente no dia da festa, aos seus doze anos. Os pais dela a perderam de
vista. Só foram a encontrar três dias depois, no lar da Sacerdotisa Anciã. Estava sentada entre os
mais sábios da aldeia, enquanto contava uma história sobre a Imperadora Una. Essa fora a
penúltima vez que estivera ali.
A última visita foi quando tinha catorze anos, no dia em que seus pais revelaram não serem
seus pais biológicos, e sim seus padrinhos, grandes amigos dos seus pais que haviam sidos
assassinados. A princípio ela achou que se tratava de uma alucinação causada por uma febre. Os
dois estavam muito doentes há mais de um ano. Sofia foi correndo até aldeia em busca da ajuda da
Sacerdotisa Anciã. A Anciã ficou preocupada e foi ajudar Sofia e seus pais. No caminho, Sofia
pode perceber que a Anciã parecia compreender, em silencio, a trama que estava se desenrolando.
Ao chegar em casa, Sofia encontrou tudo revirado e seus pais desaparecidos. Ainda se
lembrava das últimas palavras que ouviu da Anciã. “Coragem! Por mais que vejamos as sombras,
nossas lagrimas hão de secar! Por pior que possa lhe parecer o destino, atrevo me dizer que ainda há
de considerar as maiores desgraças como mensageira de um proposito maior, digo até que um dia
poderá encontrar uma beleza mais profunda nela. E, bem verdade, todos neste mundo carregam seus
pesares. Enfim, o momento chegou e você corre grande perigo, vamos voltar para aldeia que eu lhe
contarei tudo que sei, farei o que puder para te ajudar.” Mas Sofia recusou. Não sabia em o que
acreditar, só queria ficar sozinha com seu luto, a ideia de andar novamente para aldeia e ficar lá,
vivendo como uma órfã ou servente lhe dava náuseas. Uma tremedeira tomou conta de seu corpo,
estava acabada, fisicamente e emocionalmente, porém, reuniu forças para gritar e sair correndo para
as profundezas da floresta, deixando a curandeira sozinha em seu antigo lar. Por que isso tinha
acontecido com eles? O que eles fizeram para merecer esse fim trágico? Por que isso estava
acontecendo justamente com ela? Uma raiva confusa e triste borbulhava dentro de si.
Esse foi o último dia em que viram a Anciã, que desapareceu tão estranhamente quanto os
pais (padrinhos) de Sofia. O povo da aldeia concluiu que a culpada do desaparecimento da
Sacerdotisa era Sofia. Sofia, então, viveu como foragida na Floresta dos Antepassados. Aprendendo
a viver sozinha, enfrentando todos os desafios que tal ato solitário exige. Até que, com vinte um
anos teve um sonho, montou a sua mochila e partiu para a Grande Cidade em busca de respostas
sobre o seu passado.

5.
o sonho com vinte e um anos
Sofia estava diante de um portão de barras ferro com um emblema de dois dragões
mordendo uma lua de prata opaca, que mais parecia uma maçã. O portão estava aberto e Sofia
entrou. Uma estranha floresta rodeava e cercava a mansão. Caminhou até encontrar uma carruagem
abandonada, puxada por dois cavalos. Quando foi conduzir a carruagem percebeu que um dos
cavalos era manso e dócil, mas o outro era bravo e rebelde. O cavalo bravo aproveitava qualquer
obstáculo no caminho para incomodar o outro e desafiar Sofia. Com muito esforço, pouco
progrediu, mas conseguiu avistar a mansão aparecendo ao fundo. Nisso o cavalo bravo ficou mais
difícil de ser controlado, e a carruagem não conseguia seguir em linha reta, o cavalo fazia com que
ela ficasse dando voltas em si mesma. Conseguiu avançar quando fazia com que o cavalo bom
permanecesse em controle, mas isso durava pouco. Toda a dificuldade com o cavalo a irritou tanto
que pulou da carruagem e continuou com as próprias pernas. No caminho, podia jurar que entre
todas as arvores haviam pessoas escondidas e em alguns relances acreditava reconhecer algumas
faces camufladas entre as folhagens. Ao passo que chegava mais perto da mansão podia ouvir um
canto macabro pedindo poder e riqueza em oferta a sacrifícios.
Uma tempestade explodia no céu. Sofia finalmente alcançou a porta de entrada da mansão.
Entrou e pelos corredores seguiu o som do canto nefasto. Um corredor a levou até uma espécie de
anfiteatro obscuro. No palco estava um trono, que emanava uma fumaça densa e fétida. Na frente
do trono estava o que Sofia julgava ser o Magister-condutor, usando trajes pretos, com o emblema
dos dragões em vermelho. Ao redor dele tinham vinte e quatro cadeiras, nos quais estavam sentados
vinte e quatro líderes, vestidos com trajes vermelhos, com o emblema bordado em preto. Todos
usavam coroas e máscaras de sangue. Diante do trono havia seis tochas acessas e em sua volta, em
cada um dos seus lados quatro lados estavam os quatro sacrifícios deitados, vivos, presos e
inofensivos com suas bocas e membros amarrados. O primeiro era um leão, o segundo era um
touro, o terceiro era uma jovem e o quarto era um águia. A angústia escravizava qualquer
sentimento e o desespero tomava os pensamentos de Sofia. Ao fundo, os vinte e quatro começaram
a entoar um novo cântico:
- Ó Nosso Senhor, Todo Poderoso, que és e que eras! Nós te damos graça porque tu tens
usado o teu grande poder e começaste a reinar! – O Mestre colocou sua capa e estendeu um fino
tapete redondo, gravado com símbolos geométricos e com palavras desenhadas em uma escrita
indecifrável. Depois ele se aproximou dos sacrifícios, agachando. Sacou uma espada. Sofia podia
ver que recitava algo, mas não conseguia decifrar o que. Então em um movimento rápido, sacou
uma pequena espada e deu um golpe certeiro cortando o pescoço do leão. Sofia estava incrédula.
Ele fez o mesmo processo com os outros. Só a jovem que tentou reagir, se debatendo em vão. E as
vozes continuavam a cantar:
- Os pagãos estão muito furiosos porque já chegou o momento de mostrares a tua ira e a
hora de os vivos serem julgados! – Enquanto isso o Mestre desenhou, com o sangue dos sacrifícios,
algo no chão, símbolos parecidos com as letras daquele estranho alfabeto. Com todo o cuidado do
mundo, abriu um antigo livro, e começou a chicotear os símbolos de sangue.
- Chegou o momento de recompensar os teus servos, os mais importantes, e o povo que lhe
te teme em medo e ignorância! – Dizia o canto, que se mesclava com o som de gritos agoniantes
que vinham dos estalos do chicote. Conforme o Mestre batia com mais força, mais intenso ficava o
canto e os gritos.
- CHEGOU O MOMENTO DE DESTRUÍRES OS QUE DIZEM QUE SALVAM AS
PESSOAS NA TERRA! - Então, no ápice da intensidade, as tochas se apagaram. O Mestre fez os
sinais da conjuração com sua espada ensanguentada, pronunciou:
- O poder para governar o mundo pertence agora a nós! Que somos seus servos, seus
escolhidos! Reinaremos contigo para todo o sempre! Grão-Mestre, se torne visível, se manifeste! Eu
lhe invoco! BIBIT RAPATON PESSANOS KALDONAI, CONJURO VOS PER OMNE DEOS,
QUI VOS CACODEAMONS SITIS, ADESTE MALES SPIRITUS, HEIJUS, MAGNO
MAGISTER VOS CITÍSSIME CITAT!
As tochas se acenderam e os sacrifícios não estavam mais lá. Aos poucos se desfez a nuvem
de fumaça, que envolvia o trono, e dela surgiu uma criatura com suas poderosas armaduras e armas
sujas de uma terra suja. Sofia percebeu que ele possuía uma autoridade maior do que o antigo
monstro que havia surgido do mar nas lendas dos tempos Antigos. Ao vê-lo, Sofia teve uma visão:
Este, forçaria a Terra e todos nela a adorar o antigo monstro. Faria coisas espantosas, faria cair fogo
do céu sobre a Terra. Ele enganaria todos os povos da Terra, criaria falsos ídolos, e daria a vida a
eles, para que pudessem matar os que não o adorassem. Quando voltou a si, sentiu seu espírito lhe
doando forças para sair correndo da mansão. Tinha que fazer algo, avisar alguém que pudesse
combatê-los. Ao sair da mansão, desesperada, uma grande multidão já estava lá fora, olhando
fixamente para ela. Sofia pôde sentir a atenção e os olhos da massa cravarem nela. Então gritou o
mais alto que pode sobre a Verdade, gritou sobre todo o ocorrido que tinha acabado de testemunhar.
Poucas pessoas puderam ouvi-la, pois, a Besta estendia um véu de influência sobre o discernimento
da massa. Aquelas pessoas não conseguiam pensar por conta própria e entender o que estava sendo
dito. Sofia sentiu o ódio exalando da massa de pessoas. Suas testas estavam marcadas, assim como
as mãos direitas. A massa, enraivecida, começou a avançar, pronta para despedaçá-la. E, de repente,
como é possível no mundo dos sonhos, num piscar de olhos, Sofia se viu em um novo cenário, no
topo de um morro rodeado pela vastidão do mar.
A tempestade continuava e rugia para o oceano. O vento criava as ondas gigantescas e
carregava os estrondos dos trovões. A chuva molhava seu corpo e o medo encharcava seus ossos. Se
sentia presa, sendo castigado pelo seu destino. A escuridão era quebrada pelos raios que caiam dos
céus, e assim podia ver seu desespero iluminado. Apesar da vertigem causada pela altura, que
alimentava sua paranoia de cair, iniciou a escalada de descida. Ao chegar na base do morro, Sofia
avistou uma caverna e lá se abrigou. Em meio a escuridão, percebeu uma chama no fundo,
brilhando como uma estrela, lhe atraindo. Era uma pequena fogueira, ardendo e iluminando o que as
sombras escondiam. Numa das paredes da caverna, entre a oscilação da luz, ela viu seus medos e
preocupações, sua raiva e seu ódio escancarados. Pensamentos apareceram golpeando o controle de
sua mente, nem parecendo ser elaborados por ela, mas que de maneira estranha se identificava.
“Qual é minha verdadeira missão na Terra? Como agir pelo amor de Cristo com os ditadores do
Diabo, que fabricam mentiras, idolatram a dor e roubam nossas riquezas, exploram e matam as
individualidades? Uma revolução é necessária, mas o extremismo vale milhares de mortes
inocentes, o povo tem de ser novamente manipulado? Como dar a liberdade para aqueles que
querem ser a pior versão de si, que espalham o ódio, que lavam as mãos numa torneira de sangue,
que impõem a nova escravidão e constroem um novo império, que oprime e separa a humanidade?
Qual é a verdadeira justiça que dá forças para superar as minhas antipatias? O que podia fazer no
meio do caos, da podridão, de tanta hipocrisia, tanto orgulho, tanta arrogância, tanta presunção,
tanta cólera, tanta rudeza, tanta ignorância, tanta ira, tanta preguiça, tanto egoísmo, tanta vaidade,
tanto preconceitos, tanto rancor?” Sentia sua alma pesada como uma doença cheia de sofrimentos,
mas não queria sucumbir a ela. Sentia saudades, tinha medo de morrer. Seu peito estava pesado, sua
cabeça latejava, sua respiração ficou ofegante e na fogueira só restava brasas.
No fogo, Sofia viu que o amor é uma semente, o que faz bem para o mundo é cada um
encontrar, em si, uma moral cheia de dedicação, entrega, carinho, respeito e união, que só a ação
ideal, guiada pelo sentimento de comunhão em autoconsciência e escolha é capaz de transformar. O
calor alimentou sua fé e num ato de coragem saiu da caverna. Não enxergava nada, mas pressentia
um longo caminho em sua frente. Sem sentir segurança alguma na existência começou a caminhar.
Andou pelas sombras até chegar num portal. Ao atravessá-lo viu o Sol nascendo no horizonte e
iluminando uma fonte de diamante. Ela jorrava a água mais cristalina que Sofia já tinha visto. Ela
bebeu daquela água e conseguiu senti-la expulsando todo seu temor e incerteza. Sentia uma calma
em suas emoções e pensamentos, se sentiu banhada por uma sabedoria que lhe dava forças para
encarar o futuro. “Nada terá valor se nos faltar coragem”.
6.
o encontro na entrada
Do outro lado da margem, Sofia estava diante de um portão protegido por uma muralha
composta de arvores e rochas, a vegetação e o relevo formavam uma parede impenetrável. Leu
“loco et tempore” gravado no portão. Ela chamou por alguém e ficou esperando, mas não obteve
resposta.
Então, quando foi tentar abrir o portão sozinha, um ser se revelou em sua frente. Tinha a
maravilhosa forma dos gêneros feminino e masculino em seus traços que expressavam uma
sensualidade ingenuamente espontânea. Seu rosto, revelava a eternidade e a juventude. Sua beleza
era alegre e temerária e irradiava uma sabedoria ancestral. Sofia podia pressentir uma força
poderosa sob sua presença. Uma antiga entidade de antigos tempos, mantida reservada, longe de
toda transformação do ódio e julgamento humano.
- Quem é você? Você é real?
- Isto não vem ao caso.
- Como eu posso confiar em você?
- Do mesmo jeito que julgas tua realidade.
- Como você se chama?
- Quem, afinal, realmente conhece o verdadeiro nome do seu espírito? Venho até ti para lhe
dizer, ó Rosa-Peregrina: que teus passos sejam guiados para conseguir cumprir a Lei através das
sendas tortuosas deste confuso e perigoso labirinto que se apresenta a tua frente. Muitos aqui jazem,
entre os mais ousados aos mais cautelosos. Aguardes o auxílio prometido do Verbo, buscando a
autoconsciência, e que tua arte consista em tua devoção. Pois, para que a travessia seja segura deves
sinceramente cultivar a Fé, com um coração puro e sem artimanhas. É impossível alcançá-lo com
um salto, e sem desvios também não. Ainda há a possibilidade de fugir, mas devo alertá-la de que a
cólera e o declino se aproximam e a porta ficará cada vez mais estreita. Se continuar, não perca de
vista tua própria luz, e assim verás o Templo e quando chegares, saberá o que fazer.

7.
as primeiras experiencias no labirinto
Quando o portão se fechou as suas costas, Sofia se sentiu tão claustrofóbica que o
pensamento em fugir gritou em sua mente. As paredes do labirinto eram continuações da muralha e
sabia que seu objetivo, chegar ao Templo, residia no centro.
Sofia, na busca para encontrar seu caminho, se deparou com uma florada de orquídeas.
Sofia viu que as flores tinham seis pétalas, três externas seguiam um padrão em suas formas; e das
três pétalas internas, duas seguiam outro padrão e uma era diferente. Cinco dessas pétalas, as três de
um padrão e as outras duas de outro padrão, possuíam uma cor rosa esbranquiçada. Já a pétala
diferente, o rosa esbranquiçado, que partia do seu centro, transitava para amarelo e, em seu fim,
para roxo. A pétala diferente era mais aveludada que as outras, que pareciam mais emborrachadas.
Então, sentiu o ardor de seu perfume, forte e chamativo.
Depois, Sofia, se deparou diante uma florada de rosas. Viu suas pétalas volumosas,
seguindo um padrão de cinco. Elas possuíam a cor rosa carmim e mais esbranquiçado em sua base,
o seu miolo era amarelo. A sua textura lembrava seda. E seu perfume era sutil e delicado.
Pelos caminhos desconhecidos do labirinto, Sofia voltou a se encontrar diante da florada de
orquídea no tronco de uma arvore. Imersa numa maravilhosa simpatia com suas cores bondosas. As
pétalas e seu espiral. A paixão lhe arrebatava quando sentia o aroma cintilante que dança na levada
do vendo, lhe trazendo uma gostosa alegria.
Novamente, Sofia, se viu diante das rosas. Uma expressão do segredo divino. Os espinhos
lhe arrepiavam e as cores lhe seduziam. Ah, o perfume nobre, como gostava. O aconchego das
pétalas, a força viva nas folhas. Resistindo sob o solo floresce a gota de sangue.
Sofia, então, parou para se esforçar a pensar. As impressões sensoriais e a forma da
orquídea e da rosa eram completamente diferentes. Mas, se deu conta que as duas, sob aspecto de
plantas, tinham muito em comum. As duas, de certa forma, estavam sujeitas as leis biológicas do
reino vegetal. Elas possuíam raiz, folhas e flores; usavam os mesmos métodos, cada uma de sua
forma para suceder na reprodução, alimentação e outras funções vitais.
8.
o conto dos Sábios sobre seus distantes antepassados
Os Andarilhos, agora restando apenas os Sábios e os doze casais, deixaram o Vale da Vista,
onde era possível ver a península estendida, e continuaram rumo ao Leste, com o mar à esquerda e a
Cordilheira à direita. Encontraram a trilha e seguiram nela. A trilha subia até o topo mais alto da
Cordilheira, levando à um caminho entre duas montanhas gigantescas e magnificas, que pareciam
ser de mármore, diferente de todas que já haviam visto desde o início de suas jornadas. Em cada
uma havia um ser esculpido, da base ao topo, do mesmo tamanho da montanha. As esculturas eram
seres híbridos, com características humanas e animalescas. O da direita não havia pés, tinha asas de
aves e possuía uma glamorosa coroa em sua cabeça. O da esquerda tinha pernas e chifres parecidos
com um bode ou de uma vaca. O da direita acenava com as mãos para cima, já o da esquerda, para
baixo. Mesmo já em estado de ruína, era nítido a magnitude daquela obra. Os casais, não
acreditando ser real, perguntaram:
- Se nossos olhos não nos enganam, há dois deuses esculpidos nessas montanhas, o que
significa isso? Quem pôde fazer algo assim?
- Seus olhos estão certos, porém eles não conseguiram ver que há três deuses representados
aqui. O caminho do meio, a passagem entre essas duas criaturas gigantescas, representa um outro
deus, que ainda não havia se manifestado na Terra em sua plenitude naquela época, mesmo assim,
poderoso, simples e belo, o deus do poder da justiça e equilíbrio espiritual. Mas agora não é hora de
falarmos deles.
- Aqui era uma das entradas de um antigo Império, de um povo de um tempo remoto,
quando os Espíritos de Una estavam se exilando do solo terrestre. Este é um dos poucos registros
que ainda sobrevivem às provas do tempo e da memória visível dos homens. Se chamavam de
Quarta Raça ou os Vermelhos, eram descendentes diretos dos Primeiros Humanos. São nossos
distantes antepassados. Logo nos primórdios da existência terrena dos humanos, há milênios de
anos, esse povo se destacou perante a selvageria comum que acontecia na Terra naquela época.
Desenvolveram sentimentos até então desconhecidos para a humanidade. Ainda possuíam fortes
traços de uma alma coletiva e o líder sempre era posto à prova, tendo que saber se impor, nos
momentos precisos, de maneira, cada vez mais, forte e criativa. Desde o início cultuaram os
animais, primeiro foram as vacas e touros, depois os felinos e então as águias. Isto explica o porquê
de retrataram seres espirituais como vemos entalhadas de maneira extraordinária nestas montanhas.
Possuíam uma relação muito intima com a Natureza, numa espécie de consciência onírica. O mundo
ainda compartilhava sua memória com eles, e assim se tornaram extremamente poderosos. Foram
os verdadeiros Guardiões dos Segredos das Vontades do Mundo. Porém, logo, descobriram o
orgulho, pois herdavam e cultivavam lembranças de antigas disputas de seus antepassados através
do sangue e assim os Segredos se tornaram perigosos. Com um poder inimaginável para os tempos
atuais, edificaram, talvez, o primeiro Império que a humanidade viu. Educavam os filhos do
Império segundo as mesmas tradições, desenvolviam neles os dons mais ligados ao instinto, não
procuravam tornar a inteligência desperta e sim apresentar aspectos da vida em imagens. Nessas
condições, a experiência pessoal foi, cada vez mais, ganhando maior importância. Nesta era, os
primeiros Sábios, que recebiam, das alturas, a iluminação e sabedoria das leis eternas da evolução,
foram obrigados a ensinar seus conhecimentos para o Imperador, para seus generais e sua corte. O
Império, a partir daí, tinha em suas mãos um poder imenso, colossal. O povo se dedicava e se
entregava completamente ao Imperador, que possuía a mais alta veneração. A personalidade dele e
de seus mais próximos cresceram junto com o poder, e cada vez mais queriam provar o seu valor,
sentir que valiam algo. Começaram a usar as suas forças para serviço próprio. O orgulho havia
florido e seus frutos eram um puro egoísmo de abuso do poder. Eles manipulavam os domínios das
forças vitais, criavam florestas como seus jardins, remodelavam os relevos apenas para agradar suas
vistas e necessidades. Usurparam um grande poder da Natureza para colocar à serviço pessoal.
Assim seguiu, séculos passaram, e seus descendentes continuaram com o mesmo comportamento,
abusavam das forças de seus domínios, para satisfazer desejos e instintos. Até que um dia a
Natureza, não aguentando mais ser abusada, se vingou daquela pretensão, arrogância, altivez,
presunção, orgulho, vaidade e egoísmo humano. Enormes catástrofes abateram aquele povo, os
levando a quase completa aniquilação. Milhões morreram. Choveu por anos, sem cessar. As águas
torrenciais trouxeram a ruína de construções milenares. Devastaram e inundaram o glorioso
Império. Montanhas viraram ilhas, planícies foram cobertas pelo oceano expandido, os rios
aumentaram e remodelaram toda a região. Essa ação destruidora só pôde ser contida quando alguns
dos remanescentes desenvolveram, dentro de si próprios, uma força superior, a força mental.
Aprenderam a usar o pensamento lógico para refrear desejos egoístas. Foram além da simples
recordação do passado e da comparação das diferentes experiências, como antes. Desenvolveram o
raciocínio, criando leis morais capazes renunciar de determinados prazeres. Passaram a ouvir uma
voz interior capaz de combater o desejo de se entregar a selvageria da satisfação de seus instintos,
mas ainda não capaz de destruir as exigências da personalidade. Ao adquirir a força mental perdeu-
se o domínio dos Segredos das Vontades do Mundo e ganhou-se a capacidade de manuseio das
forças minerais. Os que dominaram a força mental, uns partiram para o Oeste e fundaram o Reino
do Extremo Oeste e outros para as Terras Desconhecidas das Tradições. Os sobreviventes que ainda
tentaram viver segundo a antiga cultura decadente ficaram destinados a fraqueza e a nostalgia.
Alguns desses remanescentes podem ser encontrados em esparsas aldeias no litoral sul, no coração
da Grande Floresta Ancestral e nas ilhas que nós vimos no Vale da Vista... Sabem, a história é
escrita em estradas que se cruzam e se refletem. – responderam os Sábios. – Enfim, este marco
indica que estamos no caminho certo, seguiremos a Rota do Nascer do Sol, atravessaremos a antiga
Floresta desses Antepassados e finalmente chegaremos na Ilha da Ponte Brilhante.

9.
experiências de reflexão no labirinto
Sofia observava com compaixão a semente que estava em sua mão. A semente tinha uma
forma elíptica. Era dividida em duas horizontalmente, assim como uma concha fechada. Sua
superfície lisa era marrom acinzentado. Sofia refletiu. “Nesta semente existe uma planta latente,
caso seja plantada na terra. A força da terra e da luz fará o que represento mentalmente. Caso, aqui,
estivesse uma cópia física idêntica da semente, a força da terra e da luz não poderia extrair nada da
planta. Algo invisível, contente na semente, mais tarde poderá se tornar, da semente, uma planta
visível sensorialmente. Graças ao meu pensar posso anunciar o invisível que se tornará visível.”
Sofia observou um dente de leão já em estado de pleno desenvolvimento, prestes a secar.
Pensou que já vinha o tempo em que ela pereceria. “Tudo o que vejo deixará de existir. Vi, também,
suas sementes voando ao baile do vento. A planta produziu o que virá a ser novas plantas. O dente
de leão, sensorialmente e futuramente, não existirá mais. Porém, a ideia latente na produção das
sementes me ensina que a planta não desaparecerá no nada. Nada existe que não posso enxergar
com os olhos.”
Sofia, então concluiu. “É chegada a hora de não se deixar levar por medo ou desanimo
nestas situações de receio. Tirarei o véu que cobre a vista espiritual. Precisarei conservar em mim a
calma e a segurança nas difíceis encruzilhadas que ainda estão por vir. Terei de criar uma forte
confiança nos poderes da existência. Pois, em realidade, meu próprio mundo de sentimentos e
pensamentos se encontram alicerçado os mais elevados mistérios do universo. Eu apenas não os
percebi em plena consciência, com meu próprio suor em liberdade prática, até agora.”

10.
o conto do Sábio R
Quando os Andarilhos chegaram no Oásis olharam para trás e viram luzes ao longo da
margem do Rio da Salvação. Aquilo gerou uma sensação nostálgica entre eles, por isso ali foi
batizado de Oásis da Despedida. Era um lugar contrastante com o deserto seco e pouco habitado,
pois era cheio de água e vida. Coletaram milhões de frutas das árvores sagradas e partiram.
Chegaram em um istmo, uma passarela de terra ligando dois continentes e cercada pelo mar. Na
metade dela, já conseguiam enxergar uma cordilheira se estendendo no meio do horizonte e
dividindo o caminho em dois. Em uma noite fresca, no centro do acampamento, os Andarilhos
compartilhavam uma grande fogueira, que lançava uma fina fumaça dançante no ar.
- Qual caminho iremos tomar? Para a esquerda ou para a direita? – Perguntaram os chefes
das tribos.
- Será que vocês já se esqueceram da Tradição e da nossa origem? O Oeste já está povoado!
Viemos de lá. Há muito tempo, no reino do Extremo Oeste, o primeiro ramo dos nossos
antepassados... – Ao começar a história, as chamas pareciam entender e ilustrar as falas dos Sábios
para aqueles que se sentavam longe e não podiam ouvi-los – Lar de planícies verdes, de rios
melancólicos, de lagos cobertos por brumas. Onde se ouvia o grito dos animais, o mugido dos
búfalos e o galope das manadas. Profetas primitivos se organizaram e criaram o Colégio Central.
No início faziam apenas o bem, auxiliavam e cuidavam do povo, mas foram inevitáveis a corrupção
do poder, praticando enormes hipocrisias em nome da instituição. Queriam o controle do reino a
qualquer custo. Quando a ganância acabou com a inspiração, tentaram reinar pelo medo. Exigiam
sacrifícios humanos e fizeram disso o instrumento de ensino e prática do seu culto. Acreditavam
que os sacrificados eram mensageiros que trocavam favores no Mundo Invisível. Assim, passaram a
dominar o reino e governavam segundo as ambições e paixões pessoais, em superstição e
ferocidade, usando os sacrifícios como uma cruel ferramenta de tirania. Em cima de sangue
sacrificado cantavam os sinistros sacerdotes.
- Entre os destinados ao sacerdócio estava R. Desde cedo, demonstrava um interesse para o
conhecimento das virtudes das plantas e para o estudo dos astros e suas manifestações. Parecia
adivinhar o futuro e lembrar o passado. Era doce e grave, e sua alma meditativa, que abrigava um
profundo e grandioso espírito, se revoltava contra aquele culto sanguinário. Sua sabedoria era um
contraste com a insanidade regente do Colégio Central, que em seus cultos clamavam maldições e
proferiam oráculos em êxtase e delírio. O povo chamava R de “aquele que sabe” e “o mensageiro da
paz”. O seu mestre, sabendo do seu destino o enviou para conhecer a Tradição das terras de Além-
Mar, onde as estrelas são estranhas. Viveu entre as plantações de arroz inundadas e o cenário das
Altas Montanhas. Graças a sua modéstia, foi iniciado na sabedoria da fé, que seguia as leis do
Mestre B, cujo nascimento fora anunciado por um elefante branco celeste, que desceu dos céus para
revelar a Rainha M, mãe de B, que ela daria à luz a um homem divino capaz de unir, numa intima
aliança, a vitalidade de todos os seres ao amor e à harmonia.
- Voltando ao seu lar, R se abismou ao ver o quanto o culto dos sacrifícios havia se
propagado, levando orgulho, ambição, arrogância e superstição ao seu povo. Viu a perdição entre
seus irmãos. Enquanto isso, uma horrível doença se propagou naquela região. Ela destruía o sangue,
cobria o corpo de manchas escuras, o hálito se tornava fétido, os membros inchavam e expurgavam
úlceras latejantes. Onde havia humanos, havia o odor da morte. R, atormentado, procurava um meio
de salvação. Frustrado com suas tentativas falhas, meditou na floresta sobre os males que atingia
seu lar. Após horas de meditação, ouviu uma forte voz dizendo seu nome. Era um ser majestoso,
vestido com uma roupa branca e carregando uma bengala, à qual se entrelaçava uma serpente.
Pegou R pela mão e o levou até uma árvore. Tirou uma foice de ouro da sua manta e cravou no seu
tronco. Quando retirou a foice, uma seiva escorreu. “Eis o remédio que procura” disse e
desapareceu. Nisso, R pareceu despertar, não sabia o que havia acontecido, mas sentia seu coração
reconfortado. Com a seiva R preparou um remédio, curando e erradicando a doença que destruía o
corpo de seu povo. Ganhou tanto prestígio com sua descoberta do elixir que foi eleito mestre do
Colégio Geral. Na liderança ordenou que acabassem os sacrifícios humanos. A notícia percorreu
todo o mundo daquela época. Muitos apoiavam a ala do culto dos sacrifícios e tomaram aquilo
como sacrilégio. Muitos, também, apoiavam a ala de R e estes celebraram. A população ficou cada
vez mais dividida e uma guerra passou a ser iminente. Diante dessa proporção violenta, R hesitou,
acreditava que um conflito seria uma autodestruição, pois agravaria a outra doença que corroía seu
povo, as doenças da alma. Meditando sobre como lidar com a situação teve uma visão:
- Nuvens carregadas traziam uma tempestade, cobrindo as montanhas e agitando as
florestas. Sobre um rochedo, viu uma sacerdotisa presa se esperneando enquanto um guerreiro se
preparava para abatê-la. R interveio no último instante. Nisso, as nuvens se abriram, dando espaço
para um clarão. Na luz estava aquele ser majestoso, vestido de branco, mais belo e iluminado do
que no último encontro. Percebeu que o rochedo havia se transformado num altar e, em cima dele,
um homem carregava a tocha do Fogo Sagrado e uma mulher a Taça da Vida e do Amor. Os dois,
esposo e esposa divinos, se transfiguraram em um só espírito. Depois, o ser explicou o sentido das
constelações e como ler a linguagem dos astros e das estrelas que revelam os sinais do destino da
humanidade. “Oh, belo espírito de luz, quanta sabedoria! Agora só me atrevo a perguntar quem és
tu?” perguntou R. “Sou o Regente da Inteligência Solar. Você espalhará minha luz sobre a terra.
Agora vá, segue o teu caminho!” disse o ser, dirigindo a mão para o Oriente.
- R anunciou ao seu povo que instituiria o culto do Sol, com os sacrifícios humanos
abolidos e para isso precisava do máximo de pessoas corajosas possível, pois iriam conquistar terras
inexploradas. Ele e sua legião de seguidores iniciaram uma migração, fazendo de toda a Terra o seu
lar, espalhando a sabedoria solar. R morreu depois de muitos anos andando e seus discípulos
continuaram a peregrinação por cinco séculos, mas depois despertarem para a arte da agricultura e
do domínio dos animais, aos poucos, foram se estabelecendo em diversas regiões, como por
exemplo, no nosso antigo lar ou nessa região a nossa direita, no Oeste, que ainda hoje é habitada
por mulheres místicas, que conhecem a cura de todos os males e dominam a arte da dança
hipnótica, e por fortes guerreiros, de baixa estatura, com barbas e cabelos longos, que veneram e
adoram seus cavalos e vacas... Seguiremos para esquerda. Rumo ao Leste! – disseram os Sábios.

11.
mudanças de hábito e comportamento de Sofia
Sofia criou o hábito de fazer alongamentos, exercícios, corridas. Também adquiriu a rotina
de se exercitar seu pensar e sentir de maneira saudável. Não porque se sentia obrigada, mas por
vontade genuína. Seus pensamentos se tornaram mais claros e calmos, se dispunha para que
cultivasse vivencias e sentimentos seguros. Enfrentava os sentimentos exagerados de excitação ao
fantástico, ao nervosismo, ao fanatismo, a exaltação, á unilateralidade nos seus julgamentos. Se
focava na Verdade e não em suas opiniões prediletas.
Sentia que a vida existente e pulsante era uma grande unidade, a qual ela fazia parte.
Corresponsável por tudo o que acontece. Devia desenvolver a observação de sua mais intima
profundeza.
Acreditava que a vida de sentimentos e pensamentos era tão importante quanto suas ações e
por isso devia ser auto conscientizar dela. Elevar a pureza a mais boa conduta.
Fazia questão de sempre resgatar na sua consciência que a realidade do ser humana é expressa no
interior. Essa expressão é ouvida através da alma honesta que explora o conhecimento com
sabedoria. Assim, se desenvolvera num ponto de apoio entre o coração aberto ao mundo exterior e a
firmeza e perseverança no mundo interior.
O comportamento de Sofia no labirinto mudou. Tomava as decisões com determinação,
mas atenta ao constatar um erro. Cada decisão é uma força. E uma força sincera é sublime ao êxito
do objetivo. E o sucesso de um ato de cobiça não possui qualquer valor moral. O amor é o melhor
guia de uma ação, de um sentimento, de um pensamento. Sofia se satisfazia mais pelas causas de
suas pequenas ações do que em realmente chegar mais próxima ao Templo.
Sofia percebeu em como sua gratidão permeava suas lembranças, recordou de todos que
haviam lhe ajudado, lhe dado forças, estendido a mão e tomado seus problemas como os delas.
Então, se deu conta que tudo o que aconteceu na sua vida havia a levado para este momento, para
essa circunstância e situação. E só do fato de ainda estar viva, a própria existência em si, era um
presente de todo o Cosmo.
Cada nova condição, que o labirinto lhe surpreendia, exigia uma nova compreensão da vida.
E para suceder nesse desafio precisava estar com a calma interior alcançada.

12.
a partida dos Andarilhos
Algo havia acontecido na Terra, os Sábios podiam perceber isso. As terras que antigamente
eram verdes, férteis e úmidas, agora se encontravam secas e mortas. O deserto cada vez mais se
aproximava, e um dia atingiria toda a região. O mar cada vez mais avançava e antigos morros já
começavam a se transformar em ilhas. Cientes, os Sábios observavam os astros todas as noites,
lendo seus movimentos. Na manhã em que o Sol nasceu na constelação de Peixes eles disseram
“este é o sinal, é chegada a hora”. Chamaram todos os treze chefes das tribos locais para uma
reunião. Estavam numa encruzilhada. Em pouco tempo o que restava do rio ia sumir e as árvores
desaparecer, a maioria dos animais já haviam ido embora, era preciso achar um novo lar para
sobreviverem. Apenas um dos chefes se recusou a ouvir os Sábios, alegando que isso não passava
de uma má fase, que a terra de seus ancestrais nunca iria ser tomada pelas areias assassinas ou pelas
águas traiçoeiras e tentar atravessá-las que era a sentença de morte, ele e sua tribo ficariam. Os
outros doze chefes escutaram os Sábios, juntaram todos os suprimentos de suas tribos e partiram
rumo ao Grande Deserto, o mesmo que haviam temido o avanço por tanto tempo. “Hoje partimos
juntos, somos um novo povo e pela Tradição seremos conhecidos como os Andarilhos” disseram os
Sábios.
Partiram dominados pelo sentimento de desbravar o desconhecido. Uma das vistas que
adoravam era a do fim da tarde, quando o Sol dourado deixava a areia laranja e o céu azul ia se
transformando em tons avermelhados até o céu noturno aparecer, lindo e estrelado, cheio de uma
esperança que preenchia o coração daquele povo, os ajudando a combater o frio assassino da noite e
as alucinações e a sede do calor do dia. Vagaram pelas difíceis dunas, com suas tempestades que
cegavam, espalhando um medo coletivo, e com sua areia fofa que desacelerava os passos. Passaram
pelas saleiras formadas há milhares de anos, eram tão brancas que machucavam os olhos e tão
silenciosas que machucavam os ouvidos. Atravessaram terrenos de rochas duras e pequenos
pedregulhos soltos e escorregadios. Escalaram montanhas solitárias enquanto sentiam o vento
barulhento soprar do Noroeste em suas costas, trazendo o cheiro do mar e a lembrança de seus
antigos lares. Além dos Andarilhos e seus animais, o deserto era o lar de pequenos arbustos e alguns
cactos, de alguns lagartos, cobras, escorpiões e pequenos insetos que mal eram vistos. Até que um
dia os dozes chefes tribais convocaram uma reunião com os Sábios. “Escutamos a suas palavras,
pudemos enxergar e sentir o perigo e partimos todos juntos como um povo. Quarenta ciclos solares
(anos) já se passaram desde que iniciamos nossa andada pelo Grande Deserto, muitos já morreram e
muitos já nasceram. Mas, agora, tememos os dias que virão, pois, as provisões já estão chegando ao
fim” eles disseram. Os Sábios responderam “Mantenham a fé! Sejamos gratos, então, pela comida
que ainda temos hoje. Os dias difíceis continuarão até alcançarmos o topo do monte mais alto do
deserto, e lá teremos a visão da salvação” apontando para uma sombra no horizonte. Ao chegarem
na base do monte, os chefes convocaram outra reunião com os Sábios, e disseram “Escutamos a
suas palavras, pudemos enxergar e sentir o perigo, e partimos todos juntos como um povo. Quarenta
ciclos solares já se passaram desde que iniciamos nossa andada pelo Grande Deserto, muitos já
morreram e muitos já nasceram. Mas agora os dias nos perturbam, pois, a fome já mata nossas
crianças, nossos idosos e nossos animais”. Os Sábios responderam “Mantenham a fé! Sejamos
gratos com o pouco de saúde que ainda nos resta. Os dias difíceis continuarão até atingirmos o topo
deste monte, e lá teremos a visão da salvação”. Os doze chefes e os Sábios levaram três dias e três
noites para alcançar o topo do monte, ali, os chefes disseram “Escutamos a suas palavras, pudemos
enxergar e sentir o perigo, e partimos todos juntos como um povo. Quarenta ciclos solares já se
passaram desde que iniciamos nossa andada pelo Grande Deserto, muitos já morreram e muitos já
nasceram. Mas, agora o tempo nos desespera e queremos saber o que irá acontecer conosco!”. O Sol
estava escaldante e majestoso, brilhando no alto do céu. A paisagem continuava a mesma, estavam
cercados por um oceano árido, tão quente que era possível ver o calor exalando do chão.
“Mantenham a fé! Os dias difíceis acabaram quando atingimos esse topo e aqui teremos a visão da
salvação. Mas como dia ainda não acabou, tenhamos paciência e vamos contemplar o fim do dia,
que já nos alegrou tanto” responderam os Sábios. Aquela resposta não agradou muito os chefes.
Eles tinham muitas preocupações, sentiam que não podiam se dar ao luxo ficar contemplando o Sol
se pôr enquanto seu povo morria desesperado e com fome. Estavam há tanto tempo naquela jornada
que a esperança já quase se apagara de seus corações. Porém, como sempre respeitaram e
acreditaram nos Sábios, sabiam que aquele pedido continha algum significado mais profundo e
fizeram o que foi pedido. Viram o Sol sumir no horizonte com suas cores maravilhosas e quando se
viraram para o Leste, viram a reluzente Lua cheia nascer, e com ela, a visão da Salvação.

13.
a caminho das terras férteis
Como numa chama vermelha escura, Sofia enxergou parte de seu passado:
Ela estava escondida atrás de um grande caixote. Essa era seu passatempo noturno. A
tripulação achava que ela tinha desembarcado junto com Q e P na semana passada. Só o capitão,
que era o aliado dos Sábios, sabia que ela ainda estava no navio. Ele havia ordenado que ficasse em
sua cabine o dia todo e só saísse de lá ao anoitecer, e, escondida, para sua própria segurança.
- Ainda bem que amanhã chegaremos à Cidadela. – Disse o marinheiro velho.
- Como eu amei conhecer Crotón. Tomara que conheça Cidadela do Templo seja tão
maravilhoso como lá. – Falou o outro marinheiro, o mais jovem.
- Não vá dizer isso quando desembarcarmos em Sybarimque, na volta. – Comentou o
terceiro marinheiro.
- Por quê? Na Cidade vizinha de Crotón?
- Você nunca viajou antes né?
- Não.
- Você tem muito aprender.
- Então me ensine.
- Segundo as lendas, há muito tempo, – contava o marinheiro mais experiente – o maior
músico e poeta de Crotón, Arioniam, decidiu participar de uma competição artística em uma cidade
peninsular Malum, a mais rica. Para chegar lá, contratou um navio barimque, para levá-lo. Como
era de se esperar Arioniam ganhou a competição e recebeu uma enorme quantia de ouro como
premiação. Na viagem de volta, os barimquinos resolveram que era mais interessante matá-lo e
rouba-lo do que receber o pagamento acordado. Quando eles contaram para Arioniam dos seus
planos, ele pediu para que pelo menos o deixassem cantar e tocar sua lira, e se deixassem, ele
próprio se jogaria nas águas profundas do mar. Os barimquinos aceitaram de imediato, pois além de
conseguirem o dinheiro ainda poderiam ouvir o tão famoso canto. Arioniam entoou um hino para o
Deus Solar, o deus dos poetas, e à medida que cantava, vários golfinhos foram se aproximando. Ao
terminar, Arioniam pulou do navio, como havia combinado, mas ele não se afogou, pois ele caiu
sobre os golfinhos, que lhe conduziram até a Cidade Nova, sem que os marinheiros percebessem
que havia se salvado. De lá, prosseguiu por terra, e para chegar em Crotón teve que passar por
Sybarimque. Ao chegar lá, foi chamado pelo rei Periander, o senhor das abelhas, que não acreditou
na história dita por Arioniam, alegando que era invenção mandou prendê-lo. Porém, no mesmo dia,
os marinheiros chegaram, e quando foram chamados pelo rei disseram que Arioniam tinha ficado
tão extasiado com Malum que permanecerá lá. O rei, percebendo a mentira, mandou executar os
marinheiros e libertar Arioniam.
- E o que está história tem a ver com o que eu falei?
- Depois disso, a rivalidade entre as duas grandes cidades aflorou. Eles se odeiam e
disputam tudo, uma quer ser maior e melhor que a outra em qualquer área. Claro que os
barimquinos falam que a história não foi bem assim, mas se quer um conselho meu, tome cuidado
com eles. Eles sabem ser trapaceiros quando lhe convém.
- É um bom conselho, e deixo dar mais um, para nós três, na verdade. É melhor encerar o
papo e continuar nosso trabalho, ainda temos muito o que fazer.
Os três marinheiros foram embora e deixaram Sofia sozinha. Enquanto ouvia as conversas
se distraia, mas quando ficava completamente sozinha sentia que sangrava em silencio, era como se
as feridas de sua alma a fizessem ancorar a sua força de vontade. A treva vinha e se alimentava de
seus pensamentos e sentimento de medo. Não conseguia mais resgatar as boas lembranças. Não
sabia como se encaixava em toda essa encruzilhada. Não entendia como poderia combater o
Inimigo. Sentia uma incompreensão inexplicável. Em alguns momentos sentia raiva de si, vítima da
situação que não tinha controle. Olhou para a noite estrelada e pensou na amplidão das forças do
Universo e se sentiu insignificante. Sentia que nada fazia sentido e se questionava se a morte não
poderia ser um presente. Então ela sentiu o cheiro agradável do oceano. Sentiu uma leve brisa
refrescante deliciosa soprando seus cabelos. A lua estava nascendo novamente e seu brilho reluzia
no mar. Sofia ficou encarando o pouco reflexo da lua enquanto deixava seus pensamentos vagarem
por mares da inconsciência. Até que tomou um susto, pois se viu na água, mais bonita, jovial,
reluzente e nobre do que imaginava que fosse, parecia uma rainha coroada e se ouviu dizendo:
- Ó Sofia, conheça a si mesma e sinta-me! Você caiu dos mundos espirituais ao reino livre
da Terra. No meio do caos terrestre, continua procurando a própria identidade e agora eu me
apresento, como o seu prêmio e destino. Eu, que te doei a sua vontade. Sempre foi assim, desde o
primórdio. Através do forte senso de identidade, com a satisfação da própria existência! – Sua voz
que vinha da água era suave e melodiosa, que o só o som já promovia um encantamento gracioso.
No começo Sofia ficou tão maravilhada que não conseguia nem se conscientizar quais palavras
eram ditas, pois estava mais dominada pela sonoridade daquela voz. Pareceu que todas as outras
vozes perto dela pareciam rudes e grosseiras, e só de lembrá-las acendia um estranho ódio em seu
coração.
- Eu sei o quanto seu íntimo sofre e grita numa revolta. O quanto você sente falta da sua
infância, quando as coisas eram boas e belas, e a natureza do universo era una contigo. Tudo era
mais fácil e as dores eram menos sofridas. Sei como a nostalgia lhe faz sangrar. Sei que dentro de ti
existe um vazio existencial que te faz questionar todas estas novidades. Sei que secretamente deseja
os Tesouros da Humanidade. Sei que não compreender, as suas razões escondidas, só aumenta uma
angústia que já existe há muito tempo em sua alma. Sei que no fundo você pressente sua
importância e como está ligada a uma determinada importante função no grande Drama dos
Mistérios. Mas em contrapeso você se sente isolada, sozinha, como se o mundo inteiro lhe
oprimisse e não a entendesse. E se você realmente é a personalidade capaz de combater o Inimigo?
E se não for capaz, determinando a ruína de todos? Como você irá combatê-lo com tantas questões
que lhe afligem? Você tem as forças suficientes? O que P e Q quiseram dizer com aquilo tudo? Será
que a morte de seus pais tem alguma coisa a ver com o que está passando?
- Você sabe, todas essas preocupações não existem, esse mundo, a matéria, tudo morre, é
tudo transitório, de nada se leva dessa ilusão do mundo material! Esqueça a Terra, mergulhe na dor
e no sofrimento! Viva os prazeres enquanto ainda há tempo! Lembre-se das maravilhas do seu
passando, quando andava pela natureza e sua alma se enchia como que sobrevoando o Cosmo.
Resgate aquela felicidade que você já sentira nos tempos passados. Deixe seu lado selvagem tomar
conta de você. Esqueça sua sobriedade. Se entregue as paixões e aos desejos, viva neles, se alimente
deles e então encontrará a luz que tanto busca para te tirar dessa solidão maldita. Compartilhe e viva
a inconsciência com outros! Se dedique aos passatempos, consuma, voe por cima de si própria. Por
que encher sua cabeça com essas questões? Sim...sinta. O sentimentalismo pode te guiar. Você sabe
do seu poder, aproveite dele, provoque o seu orgulho que ele conquistará esse mundo de trevas,
acredite na sua importância e jamais se critique. Pouco importa essa história de inimigos e
profecias, o que importa é a história que você fizer. Olha para mim! Os outros reinos onde está
colocado a humanidade e que foram fundados pelos deuses e espíritos antigos, esses reinos
envelheceram. Você pode ajudar a fundar um novo reino, eu te darei toda a beleza e magnificência
dos Reinos Antigos se ingressares nos meus domínios. Mas deve deixar Deus e me aceitar! Olhe a
beleza do mundo terreno ser ampliada as maravilhas e gozos da sua alma, de suas satisfações e
conquistas. Olhe a beleza da expansão que seu coração terá se entregando as alturas. Esses prazeres
serão todos seus se se unir a mim. Por meio daquilo que eu sou capaz de te dar, se me aceitar, não
vai precisar daquilo de que agora precisas por ter encarnado num corpo humano. Esse corpo te julga
e te obriga a se acorrentar as leis terrenas. Eu posso fazer com que se eleve. Se me aceitar vou suprir
as consequências da antiga queda e nada te acontecerá! - Sofia sentiu um caloroso prazer ao
entender o que seu lindo reflexo estava falando. Ela parecia sábia e razoável, o que despertava um
desejo de parecer sábia também, seguindo o que a voz dizia. Ficou cativada e seduzida. Mesmo
depois de seu reflexo desaparecer e se silenciar, Sofia sentia as palavras continuarem ressoando,
sussurrando em seu ouvido e incitando-a. Sofia sentia impossível recusar os pedidos e comandos,
era tentador abdicar de tudo.
14.
a história do sábio H
Como num passe de mágica da luz da lua, surgiu um oásis, a direita deles e um rio que
alimentava uma vasta vegetação, a esquerda. “Aqui será conhecido como o Monte da Visão”
disseram os Sábios enquanto os chefes choravam lágrimas de alegria e comemoravam dançando.
Acácias verdes, cheias de espinhos e galhos distorcidos, que traziam sombras, passaram a ser
constantes na paisagem. O calor do dia e o frio da noite passaram a ser mais amenos e o clima se
tornou mais agradável. Milhares de palmeiras e distintas árvores, diversos tipos de ervas
comestíveis e aromáticas, que perfumavam o ar junto com flores selvagens, uma espécie de trigo e
plantas aquáticas cresciam e viviam nas margens do Rio. Além das poucas sobreviventes cabras e
carneiros dos Andarilhos, gazelas, raposas, chacais, roedores compartilhavam a grama. Milhões de
insetos zumbiam, gozando daquela abundância. Havia aves no ar, cantando nos galhos das arvores,
caçando na beira do rio, enquanto peixes, crocodilos, tartarugas e hipopótamos nadavam naquelas
águas refrescantes e cristalinas. Ao chegaram no Rio, os Sábios e os chefes tribais se encontraram.
“Aqui será conhecido como o Rio da Salvação e essa região será meu lar” disse um dos sete Sábios.
“Estamos encantados por este lugar, algo me diz que também devo ficar, criar raízes e fortuna”
disse um dos chefes. Logo em seguida mais cinco chefes tribais disseram o mesmo. Os Andarilhos
continuaram na sua andada deixando as seis tribos e o Sábio H.
Depois da despedida, H exclamou para os que haviam ficado “Aqui é o nosso novo lar, as
Terras Férteis, e aqui prosperaremos! Seremos conhecidos pela Tradição como as tribos do Norte, e
aqui imperaremos!”. Exploraram o Rio da Salvação até a sua foz. Antes do rio desembocar no mar
ele se dividia em dois formando um delta. Ali, H construiu o primeiro Santuário e a primeira cidade
dos Andarilhos, batizada de a Cidadela do Templo, onde se edificou a capital das tribos do Norte.
Iniciaram uma exploração rumo a nascente do Rio da Salvação, construindo cidades e vilas por
onde passavam. Á medida que avançavam a vegetação ficava mais densa e um barulho, uma
espécie de rosnado, ia ficando mais alto. Até descobrirem um grande paredão com uma catarata,
que alimentava o rio e rugia com a força imponente de suas águas. Demorou muitos dias até que os
batedores dos povos do Norte pudessem alcançar o seu topo. Um planalto se estendia, coberto por
uma floresta de árvores gigantes de aparência milenar. Era o lar dos povos do Extremo Nordeste.
Assim, H partiu com comitiva a fim de fazer contato com eles.
H se encontrou com o Imperador dos povos do Extremo Nordeste. Era um homem alto e
forte. Dava para sentir sua imposição só pela sua presença. Estava vestido de um tecido bordado
com ouro e muitas joias preciosas cintilantes, assim como sua coroa e seus anéis. Conversaram
profundamente sobre os mais diversos temas, e acabaram forjando uma amizade entre eles e uma
aliança entre seus povos. H ficou lá por sete anos, com sua comitiva.
Estudou toda a Tradição deles. Eram poderosos pela resistência física, pela energia
passional e pela capacidade de dedicação. Quando era necessário o Imperador, que também era o
Sacerdote Supremo, usava da força e do terror para governar. Possuíam uma indústria bem
adiantada, comparada com a dos Andarilhos, eram mestres na arte de manejar massas de pedras
colossais e de fundir metais em imensas fornalhas. Sua cultura dizia que a humanidade havia sido
criada no Céu pelos Deuses e um dragão enciumado roubou os Primeiros Humanos dos Céu e os
jogou naquela região. Depois da Queda, os, ainda muito primitivos, Primeiros Humanos,
descobriram que possuíam dentro de suas almas uma chama alimentada pelo amor, assim como
todos os humanos de todas as épocas. A partir desse amor puderam povoar os quatro cantos do
mundo, e por isso, todos os humanos são descendentes deles. Ensinaram que os Primeiros Humanos
foram os primeiros a ficar eretos e se reconhecerem e se lembrarem como humanos. Foram os
fundadores do princípio de sociedade e civilização quando os gigantes e sáurios, agora extintos,
perseguiam os humanos, que se reuniram e escolheram o mais inteligente e o mais forte como seu
líder, e aqueles incapazes de lutar, formaram um Conselho. Foram, também, os primeiros a
descobrir a força da Palavra e da comunicação quando dois guerreiros de duas tribos rivais
discutiam e lutavam uma mulher interveio, com seus olhos em chamas e sua voz de comando
gritou, com palavras ofegantes, que as tribos eram irmãs e não deveriam lutar entre si, assombrados
por aquela força, os guerreiros se reconciliaram. Alegavam que as suas mulheres foram as primeiras
sacerdotisas, que percebiam, entendiam e profetizavam cantos rítmicos da Natureza e seus homens
foram os primeiros caçadores e os primeiros a modificar a Natureza. H visitou o palco das primeiras
guerras, das primeiras tréguas e dos primeiros comércios da humanidade. Aprendeu sobre os
antigos Dias Gloriosos, quando conquistaram o mundo com a ciência de suas armas de ferro e
armaduras de bronze e com a suas artes de fundir metais e de fixar ideias por meio de sinais em
escrituras sagradas. Depois aprendeu sobre a Ruína, criada e alimentada pela ganância, que trouxe a
ruina aquela Era e provocou a disporá do que restará daquele povo. Frequentou as reuniões anuais
das tribos, em que elas se encontram para discutir questões políticas, celebrar festivais religiosos e
para compartilhar invenções, conhecimento e tecnologias. Ouviu atentamente os hinos sobre um
deus solar que ao ver a Lua sem brilho desejou iluminá-la, chegando se deparou com um dragão
branco, que estava morando lá, o mesmo causador da Queda. Desde então eles lutam na Lua e vão
continuar até o fim dos tempos. Quando ela some do céu é porque o dragão está ganhando, quando
está cheia e irradiante é porque o deus solar está ganhando. E no dia em que a Lua nascer vermelha
e continuar vermelha até se pôr é o sinal que um dos dois ganhou e o vitorioso vai liderar a
humanidade rumo as Últimas Eras. H aprendeu muito sobre aquele antigo povo, mas foi só no
último ano de sua estadia em que os Anciões realmente lhe ensinaram um segredo ancestral.
Aprendeu o que restou dos Segredos das Vontades do Mundo. Era um poder antes glorioso e agora
pouco conhecido, considerado até mesmo mágico, que era bem mais antigo, devastador e perigoso
do que o diferente poder conhecido entre os Sábios, o poder do pensar. H satisfeito e grato pelo
povo do Extremo Nordeste, voltou para sua capital.
Certo dia, após ter refletido sobre a origem das coisas, adormeceu. Sentiu a gravidade, em
seu corpo, pesando para baixo e a luz, em seu espírito, fluindo para o alto. Um ser imenso apareceu
e disse “Sou a inteligência soberana, o Regente Solar, e sei que desejas contemplar a origem dos
seres”. H sentiu-se inundado por um calor delicioso. Como ondas, passavam imagens encantadoras
da evolução de todos os seres e o fantástico drama dos deuses. H viu o filho do Deus Solar sendo
traído pelo seu próprio irmão, o deus do Deserto. Desde que se casara com sua irmã, e se
consolidaram como os deuses das Terras Férteis, o invejoso Deus do Deserto passou a bolar um
plano para destruí-los e conquistar o idolatrado trono de Deus da Terras Férteis. Ordenou um caixão
com as medidas do filho do Deus Solar, feito de ouro brilhante por fora, e terra por dentro. Durante
um banquete entre os Deuses, um servo do Deus do Deserto, disfarçado, ofereceu o luxuoso caixão
para quem coubesse nele. Todos tentaram, mas obviamente, ninguém coube, até que o filho do
Deus Solar, não desconfiando de nada entrou no caixão. Assim que ele se deitou, o Deus do deserto
e seus comparsas trancaram o caixão e fugiram com ele. Ao chegarem no Rio da Salvação, eles
despedaçaram o caixão e o Deus em quatro pedaços os jogando no rio. Quando a esposa do filho do
Deus Solar, a Mãe da Vida soube da notícia, ela vasculhou toda a região em busca do cadáver do
marido. Quando finalmente encontrou os quatro pedaços, no delta, recebe um raio dos céus, e dele,
dá à luz ao neto do Deus Solar, que enfrenta e derrota o usurpador do Deus do Deserto, assumindo
as funções terrestres de seu pai, já que este se tornou o juiz Supremo no Reino dos mortos, o único
capaz de enxergar o passado e o futuro e dar o veredicto se o coração do falecido é tão leve quanto
uma pena.
Porém, repentinamente, trevas assustadoras de formas irregulares desceram sobre ele.
Mergulhou num caos úmido, pegajoso e distorcido, cheio de fumaça e ruídos constantes. Quando
controlou seu medo, uma voz se elevou do abismo. Era o grito da luz. Logo, um fogo o empurrou
das profundezas ganhando as alturas. Dava para ver o espaço, o caos clareava o abismo, ouvia coros
de astros ressoarem e a voz da luz preenchia o infinito. O fogo se transformou em ar, que o levou
até o meio do mar. O ar se transformou nas ondas do oceano que o levaram até uma pedra, no cume
de uma montanha. Era uma noite nua e sombria. Sentia seus membros pesados. “Ergue os olhos e
olha!” Voltou a dizer o imenso ser. H viu o espaço infinito, e nele, os setes céus estrelados
envolvendo sete esferas luminosas. Em cada esfera girava um planeta, uma energia, uma luz
volitiva e um ser espiritual diferente. Enquanto H, deslumbrado, contemplava aqueles majestosos
movimentos, almas e espíritos transitavam, desencarnando e encarnando pelo Tempo e pelo Espaço.
Quando despertou, imediatamente, transformou seu Santuário no Templo do Sol.
Perguntado o porquê disso ele respondeu “nenhum de meus pensamentos poderia conceber o que
vivenciei, nem qualquer linguagem poderia defini-la. O que é invisível, sem forma, incorporal, não
pode ser apreendido pelos nossos sentidos comuns, o que é eterno não consegue ser medido pelas
regras do tempo e do espaço. Não encontro palavras para traduzir a visão que me faz estremecer.
Reformar esse templo é como tentar transformá-la em uma imagem da vida universal. Mas o que eu
vivi só vou realmente compreender quando sua causa me for revelada após atravessar o umbral da
morte”. Usou seus conhecimentos para ensinar seus discípulos a serem grandes mestres, para educar
os primeiros Imperadores do Norte e para erguer incríveis e majestosos templos, santuários, cidades
e esculturas. No Templo do Sol, ensinou sua sabedoria sobre as leis universais, escrevendo e
pintando segredos sobre a doutrina do Fogo e do Verbo da luz até o fim de sua vida. A Cidade do
Templo foi, por muito tempo uma verdadeira cidadela da ciência sagrada, uma escola para profetas
e sábios, um refúgio e laboratório das mais nobres tradições da humanidade.

15.
as memórias nas terras férteis
Reviver suas memorias fazia com que Sofia sentisse entrando em um sonho delicioso. Nas
Terras Férteis o tempo corria de outra maneira, em outro ritmo. O ar era mais pesado e cheio de
odores predominantes. O calor era sufocante. As diversas e fortes cores das vestimentas
impregnavam as suas lembranças. Tudo reluzia e exalava beleza. A Cidadela do Templo havia uma
espécie de encantamento, assim que chegou já perdera sua noção de tempo e espaço. Dos primeiros
meses só tinha flashs de memória, mas ainda se lembrava do fardo sentimento de vazio que
consumia sua alma naquela época de perdição, prazer e autodestruição.
Lembrava que tentou fugir e camuflar esse sentimento, mas quanto mais fazia isso mais ele
se apoderava de seus pensamentos, sentimentos e ações. Durante um período desconhecido por
Sofia, ela se sentiu embriagada pelos seus próprios demônios, e decidiu inconscientemente se
entregar aos prazeres para não os encarar. Ela não pensava mais em sua missão e nos perigos de sua
existência. Somente se divertiu com o povo sofrido da exploração e com nobres ricos e abastados.
Apostou, jogou cartas e jogos de tabuleiros, principalmente uma espécie de xadrez, com ambas as
camadas sociais. Tomou chá de flor roxa que fazia as cores mudarem. Entrou nas cabanas de
fumaça densa e saiu risonha, cansada e faminta. Provou o vinho de flor, capaz de afastar as
lagrimas, a dor e a raiva. Participou de banquetes e festas intermináveis que duravam dias, regadas a
pães, vinho, cerveja, carne de caça, de aves e de peixes, marinada e grelhadas, ovos, favas, lentilhas,
sopas, arroz com berinjelas e pimentões verdes, figos, tâmaras, maçãs, romãs, tremoços, doces de
frutas, de raízes fritas, pudins, bolos. Estava dedicada ao entretenimento, as apostas, as drogas, as
distrações e as paixões ardentes. Vivia em estase, e como um animal ia de um instinto prazeroso a
outro. Como num sonho em que se esquece das consequências e só se age pela emoção. Queria
mais, queria o excesso, queria extrapolar, ir além do extremo, se entregar apaixonadamente ao
prazer e a loucura. Sofia devorou os prazeres e continuou faminta, bebeu de ilusões e continuou
sedenta.
Se o começo da estadia de Sofia na Cidadela do Templo foi como um sonho, depois foi se
tornando um pesadelo. Mal conseguia sair da cama. Sofia sofreu de fortes inflamações, nasceram
diversos furúnculos, terçóis e feridas que expurgavam pus e sangue. Se sentia cansada, suava frio,
seu estomago revirado, sofria de ânsia de vomito, não conseguia comer. A dor e o sofrimento
atormentavam sua alma e seu corpo ficava tremulo até os ossos. Estava apreensiva, não conseguia
se lembrar com quem, de fato, conversara nos últimos tempos. Havia conhecido tantas pessoas, era
possível ter soltado alguma informação valiosa e a qualquer momento iriam lhe capturar. As
memorias que lembrava possuíam um caráter de comportamento autodestrutivo e Sofia se
questionava se elas já eram irreversíveis ou não. Sentia vergonha quando se lembrava dos toques
maliciosos que permitia, vindo de suas recentes e breves paixões de um dia. Sentia culpa quando se
lembrava de quão intoxicada e inconsequente sua consciência estava vagando. Era impossível
descansar tranquilamente, qualquer ruído a fazia despertar numa descarga de paranoia nas suas
entranhas. Teve momentos que desejou a morte como uma forma de escapar de seu trágico destino,
não tinha fé em nenhuma outra saída, não encontrava outra possibilidade. Sentia uma forte
contradição, tinha horas que sentia que nada do que havia vivido tinha importância, porém
continuava se sentindo mal e querendo fazer algo para seu bem, para sua melhora, mas não
conseguia, não encontrava forças. Sentia ondas de raiva de si, de uma maneira estranha e nova. Não
se sentia suficiente, não conquistara nada substancial sobre sua origem desde que partira de sua
terra natal. Tinha mais informações, mas ainda se sentia perdida e sem respostas. Em alguns
momentos se sentia uma idiota por acreditar na história de dois desconhecidos, só porque sentiu que
podia confiar neles, nada daquilo podia ser real. Mas e se fosse verdade? Talvez não quisesse
encarar. Não podia fugir do que era, do que acreditava, mesmo se não quisesse mais acreditar e
desejasse ser outra pessoa. Todos os pensamentos e sentimentos reprimidos, disfarçados, se
manifestavam nos sintomas que seu corpo sofria. Em meio as alucinações causadas pela febre, ela
teve uma visão:

16.
a visão de Sofia na Cidadela do Templo
A chave dele lhe era concebida por meio do sofrimento. Ela sentia a vaidade escorrendo
pelos dedos à medida que o portão se abria e revelava uma escada. Ao subi-la, se encontrou num
templo nas alturas da Terra. Lá estavam uma cobra, uma aranha e um rei de ouro.
- O que é mais maravilhoso do que o ouro? – perguntou a aranha.
- A luz – respondeu o rei.
- E o que é mais confortante do que a luz? – perguntou a cobra.
- A fala – respondeu o rei.
- Por que vem agora que já temos luz e ouro? – perguntou a cobra.
- Porque tenho que iluminar a escuridão. – respondeu o rei.
- Meu império vai acabar? – perguntou a aranha.
- Tarde ou nunca. – respondeu o rei.
- Quantos segredos sabe? – perguntou a cobra.
- Três. – respondeu o rei.
- Qual é o mais importante? – perguntou a aranha.
- O manifesto – respondeu o rei.
- Vai revelá-lo a nós? – perguntou a cobra.
- Logo que eu souber o quarto – disse o rei.
- Eu sei o quarto – disse Sofia atraindo a atenção dos três, que até então não haviam lhe
percebido presente ali. Ela foi até o rei e cochichou em seu ouvido.
- A hora chegou! – gritou o rei em uma voz poderosa que ressoou por todo o templo,
fazendo a cobra fugir para o leste e a aranha para o oeste. Então ele se voltou para Sofia e disse –
Previsto nos antigos contos de mistérios, forças adversas surgiram para contribuir com a
continuação. O total declive, o juízo final são os presságios sombrios constantes no gênio humano,
são presentes desde o reconhecimento do beijo da morte. Para o amadurecimento de minha co-
criação as forças adversas se rebelaram das condições da Providência. Mas a humanidade, por medo
e desejo egoísta ainda não entendeu o sofrimento impotente da cruz e a alegria luminosa da
ressureição. Pois no ato de sacrifício a pureza foi recuperada, vos tornando deuses cientes da
própria imagem e semelhança, dando oportunidade de salvação e redenção, possibilitando a
capacidade de aprender com monstros internos em atitudes harmoniosas. O drama cósmico
demanda por atitudes equilibradas entre impulsos excessivos que cada Eu leva a um desfecho
favorável. Assim as perguntas eternas ficam de portas abertas para respostas.
- De onde vim? O que sou? Para onde vou? No que posso me tornar? – indagou Sofia.

17.
visita ao Templo do Sol
As ruas estavam lotadas, foi então que se deu conta que era finalmente o começo da Festa
do Sol. No primeiro dia de cerimonia todos caminhavam rumo ao Santuário, cantando um hino em
homenagem ao Sol. A luz do Astro Central parecia lhe aquecer mais do que o normal e parecia
trazer o despertar de uma nova consciência para Sofia, que também partiu em direção ao Santuário.
Ele era rodeado por muros altos cujas sombras se perdiam nas câmaras subterrâneas e escondidas.
Sofia ficou maravilhada com o portão, que mais parecia um portal. Ao atravessá-lo chegou no
gigantesco quintal da parte exterior do templo, onde todos se reuniam e dividiam alimentos. Os
pilares da majestosa construção eram pintados com cenas maravilhosas. Reluziam, em suas cores
douradas, uma história que continham os segredos do mundo das estrelas e das conquistas e origem
daquele povo em uma língua desconhecida por Sofia. No cair da tarde, o banquete acabou e parte
dele era entregue aos sacerdotes, servos e discípulos do templo, como oferenda. O Sol começou a se
por exatamente atrás do Santuário. No céu parecia que as cores rosa, laranja e vermelha duelavam
com os tons azuis da noite que subiam do horizonte leste. Todos, de repente, ficaram em silêncio,
pois o Grande Sacerdote descia as centenas de degraus entonando um canto que dizia:
- A humanidade abandonou o reino divino em seu nascimento. A nossa missão é
reencontrar o caminho de volta, mediante a força que o Deus criador colocou em nossos corações.
Ele carregava, aparentemente com muito cuidado e esforço, um triangulo de outro do
tamanho de seu tronco. Quando desceu todos os degraus ele cavou um buraco na terra arenosa e
enterrou o triangulo, exatamente no momento em que a noite preencheu o céu. Então todos
partiram, ainda em silencio, de volta para suas casas. Parecia que todos estavam de luto. Durante
três dias ninguém saiu de casa. Todos respeitavam esse culto, os forasteiros, os nobres, a realeza e
todos os seus servos, o povo em todas as classes hierárquicas. No fim da terceira noite, antes da
aurora do solstício de inverno todos voltaram aos jardins do Santuário. Junto com o nascer do Sol.
Lá, o Grande Sacerdote desenterrou o triangulo de ouro. Comemoraram e as festividades
continuaram. Sofia ficou encantada e intrigada com o ritual inteiro, sabia que havia um significado
mais profundo nos atos do Grande Sacerdote além do que seus olhos puderam perceber.
Se lembrou de um boato que ouvira em suas festanças. Que no Santuário viviam magos e
mestres da ciência divina, que estudavam o livro das instruções do espírito na travessia dos mares
celestes após a morte, que conheciam a purificação do fogo solar, sobre o julgamento da alma.
Em meio à multidão Sofia foi ao encontro do Grande Sacerdote que conversava com o
povo. Sofia esperou impacientemente sua hora de encontrá-lo em meio ao mar de gente. Quando
finalmente chegou a oportunidade pode olhá-lo de perto. Ele tinha um porte majestoso, uma
fisionomia tranquila, olhos pretos que sentia penetrar o amago de sua essência, como se sua alma
entregasse seus segredos a ele. No momento que ficou realmente perto dele ela cochichou em seu
ouvido o código dos Sábios.

18.
a iniciação no Templo do Sol
Sofia passou os dias fazendo os trabalhos braçais. Sua obrigação era varrer. Enquanto
varria, ouvia os hinos ecoarem nas paredes. Os hinários eram os únicos sons que ouvia, pois fora
ordenada a fazer todas suas obrigações em extremo silencio. Assim seguiu sua rotina ao passar dos
meses, até que um dia dois servos a conduziram até o Portal Escondido.
- O Portal não foi aberto, você ainda pode desistir. Pois se quiser mesmo atravessá-lo, não
tenha esperança de regressar. – disse um dos servos. Sofia afirmou com a cabeça que continuaria.
O portão dava em um grande salão arrematado pela escuridão. Ao atravessá-lo Sofia ouviu
o outro servo dizendo antes de fechar a porta:
- Os que secretamente ambicionam a ciência e o poder, aqui, perdem suas mentes. – Sofia
ouviu essa frase ecoar pelas trevas por sete vezes, com intervalos, cada vez, maiores.
Seus olhos demoraram um tempo para se adaptarem a escuridão. Estava em um grande
salão escuro, só conseguia ver, bem ao fundo, uma pequena chama queimando e emitindo um
clarão. Caminhou através da escuridão e se aproximando da chama, Sofia percebeu que ela
iluminava um caminho entre várias estatuas de seres com corpo de homem e cabeça de animais,
como leões, touros, aves, serpentes. A chama vinha de uma lamparina acesa, posicionada em uma
parede, no meio de uma múmia e um esqueleto humano, que se encaravam. Abaixo dela havia um
buraco. Preciso avançar, deduziu Sofia, pegando a lamparina e entrando no buraco. Ele dava a
entrada para um longo corredor muito apertado que aos poucos foi forçando Sofia a quase rastejar.
Qual a intenção disso? Ela pensava. Então, para piorar, o corredor passou a se inclinar para baixo
até se tornar uma rampa, uma espécie de funil. O coração de Sofia acelerou. Estava diante de um
abismo. Ao ver o precipício, se aterrorizou. A vertigem fez com que seus joelhos enfraqueceram e
suas mãos, que agarravam a lamparina firmemente, tremessem. Sofia não sabia o que fazer, só sabia
que era impossível subir a rampa de volta. Precisava continuar, mas por onde? A única fonte de luz
era da pequena lamparina. Sua mão tremia tanto que dificultava a iluminação. O desespero
ameaçava tomar conta. Num lance súbito, enxergou algo reluzindo. Sofia respirou fundo e se
controlou para clarear uma fenda a sua direita. Por dentro de uma rocha havia sido escavado uma
escada de ferro em espiral. Era sua salvação. Ao subir, os joelhos de Sofia desabaram. Foi tomada
pela sensação de alívio e exaustão após o pico de adrenalina. Enquanto sua respiração voltava ao
normal Sofia olhava ao seu redor e ficou maravilhada com o que via. A escada terminava em uma
galeria, com enormes figuras femininas esculpidas como pilares de sustentação, na mão de cada
uma havia lâmpadas de cristais iluminando as paredes, que irradiavam lindas pinturas em vermelho,
amarelo e laranja, as cores reluziam vivas e fortes.
Sofia ficou observando de perto as pinturas nas paredes da galeria. Elas tinham milhares de
anos, e ainda reluziam glória e poder. Tudo era muito enigmático. As cores, as formas, a aura do
lugar. Passou horas contemplando-as e finalmente percebeu que havia três portas entre as pinturas.
Uma na parede direita, outra na esquerda e outra na frente. “Vou escolher a do meio” pensou. Leu
ao abrir a porta “a morte só assusta os fracos”. A porta dava para uma abóboda, estreita e longa,
onde havia uma fornalha acesa. Sofia se assustou, sentindo a adrenalina e o sangue voltarem a
circular em suas veias. “Prosseguir é praticamente suicídio!” pensou Sofia se voltando para trás.
Sofia sentiu um frio na espinha ao ver que a porta estava trancada. Enfrentado tudo o que tinha
passado para estar até ali, só restou reunir sua coragem e seguir em frente. Logo nos primeiros
movimentos avançando, pôde perceber que as chamas não passavam de uma ilusão de ótica e no
meio da fornalha havia uma pequena passarela, que lhe permitiu correr até uma nova câmara.
Era uma câmara revestida de marfim, fazendo com que o piso ficasse escorregadio. Sofia
escorregou logo de cara, e caiu em uma água gelada, morta, escura, malcheirosa e profunda, não
dava pé. Sofia tentou, o mais rápido que pode, se levantar e sair dali, mas ficava escorregando para
dentro novamente. Quanto mais tentava sair, mais aflita ficava, e mais nojo sentia. Como sair dali?
Estava fixa neste pensamento. Quanto mais tempo passava, mais enjoada e com frio Sofia ficava.
Não conseguia encontrar uma maneira de sair dali. Então, de repente, teve um insight, a pergunta
não era como sair dali, e sim, como continuar avançando. Assim, só lhe restava uma resposta:
mergulhando. Respirou fundo e se afundou na água viscosa e asquerosa. Encontrou um túnel
submerso. Voltou a superfície, recuperou seu folego e mergulhou para atravessar o túnel.
Quando Sofia alcançou uma espécie de fonte, estava quase desmaiando. Como era bom
poder respirar novamente. Sofia se encontrava na fonte no meio do pátio central e lá estavam dois
servos lhe esperando, os mesmo que haviam a levado ao Portal. Eles a conduziram a um quarto
subterrâneo. Lá, eles a limparam com líquidos aromáticos e ervas recém-colhidas e a colocaram em
um leito macio, que era iluminado por uma lâmpada de bronze pendurada no teto.
- Descanse e espere pelo Sacerdote.
Sofia começou a reparar o quão cansada estava e o quão desgastante foram aquelas provas.
Sentia seus músculos doloridos. Mas sua mente não parava de reviver a experiencia. O que havia
acontecido? A realidade não parecia tão real. Lembrou das pinturas, a que mais havia lhe chamado a
atenção era a de um jovem musculoso olhando para cima, armado de uma lança, uma espada
reluzente e um escudo vermelho, duelando com um monstro que lembrava uma mistura monstruosa
de um javali, um touro e um dragão. Aquela imagem estava impregnada em sua imaginação. Será
que ilustrava o hino dos povos do extremo norte sobre o Deus Solar lutando com o dragão na lua?
Ou talvez ilustrasse o neto do Deus Solar, nascido com o raio divino para combater o Deus do
Deserto. Começou a se sentir sonolenta e passou a ouvir um vago som. Uma música vinha do fundo
do quarto. Sofia se sentiu envolta em um calor onírico.
Ela se viu novamente, na mesma aparência de quando se viu refletida no mar. Maravilhosa,
tentadora e com uma coroa esplendida. O reflexo se aproximou em passos lentos, trazendo uma
taça. Sofia cruzou as mãos sobre seu peito quando sentiu uma forte indecisão, não sabia se sentia
medo ou alegria.
- Você está com medo de mim bela Sofia? Eu te trago o troféu da vitória, só assim poderá
esquecer de seus fardos, bebendo a taça da ventura.
Sofia hesitou. Podia se apaixonar olhando aquele olhar lindo e suplicante. Queria tocar
naquelas mãos, e aconchegar seus lábios naquela taça. Sentia um desejo ardente e atraente. Será que
ao beber se sentiria preenchida, até que enfim? Um prazer instantâneo no meio de um poço de
frustação? Porém, resgatou a imagem do jovem triunfando sobre o monstro, o que lhe deu forças
para tomar uma decisão.
- Ó! Como me tenta e eu me agrado, mas quando deixo teus prazeres me conduzirem, eu
mais me sinto tua serva, e escapa a minha liberdade. Os olhos da luz reluziram sobre minha alma e
posso sentir meu verdadeiro espírito triunfante. Sei que as sombras sempre vão me perseguir e terei
de conviver com elas. Só que eu também sei que através da dor e do sofrimento tenho a chance de
purificá-las na beleza. Nelas posso encontrar a luz, a verdadeira luz, não a ilusória que você me
oferece. Sou especial, assim como todos os humanos têm a capacidade de ser, se se conectarem
consigo mesmos. Você me faz voar pela inconsciência, num sonho confortável, numa fantasia
errônea. Agora desejo subir as alturas das artes do espírito e do conhecimento. – Ao terminar de
falar, Sofia derramou a taça e dominou a tentação.
Neste momento, acordou com doze sacerdotes, vestidos nos seus clássicos trajes branco, em
sua volta, segurando tochas acesas. Havia dormido por três dias seguidos. Eles a levaram para o
fundo do templo. Lá Sofia ficou incrédula ao ver uma estátua colossal da mesma Deusa da frente do
Portal. Mas essa era feita em um metal fundido vermelho, carregava uma rosa de ouro no busto e
usava uma tiara com doze raios, acolhendo, nos braços, o neto do Sol. Diante da estátua estava o
Grande Sacerdote. Ele recebeu Sofia com terríveis ameaças e a fez pronunciar o juramento de
submissão e de segredo. Na presença dos sacerdotes, Sofia fez as promessas diante da Deusa. E
elevada acima de si mesma, iniciada nos mistérios da Terras Férteis, pôde ter a chance de penetrar
em uma esfera da verdade.
19.
os anos no Templo da Cidadela
Os sacerdotes acreditavam que o único jeito de possuir a verdade é se ela se tornar tão
intima que se torne quase um ato espontâneo da alma. Durante o intenso trabalho de assimilação,
Sofia fora deixada sozinha consigo mesma. Os mestres e outros sacerdotes não a ajudavam em
nenhuma tarefam e muitas vezes pareciam tratá-la com frieza e indiferença. Assim o tempo foi
passando. O Grande Sacerdote a vigiava com atenção e a submetia a regras inflexíveis, exigindo
dela absoluta obediência. Ele não a revelava nada além de certos limites. Diante das inquietações e
perguntas de Sofia ele respondia: “Trabalha e espera”. Sofia, então, se mergulhava em profunda
revolta, sentia amargos arrependimentos, terríveis suspeitas. Teria se tornado escrava de impostores
audaciosos, conhecedores da magia nefasta, que subjugavam sua vontade para um infame final?
Sentia que a verdade fugia e os deuses a abandonavam. Estava só e se sentia prisioneira do templo.
Até que Sofia começou a ter pesadelos com uma figura enigmática. Ele lhe dizia sempre:
“Eu sou a Dúvida?”, não parecia amigável, parecia que ele queria a dilacerá-la na areia ardente do
deserto. Porém, após a agitação dos pesadelos, vinham horas de calma e um pressentimento divino.
Em uma dessas horas de calma, um pensamento lhe veio ao encontro. Compreendeu o sentido
simbólico das provas que atravessara no passado. O poço sombrio era menos obscuro do que a
insondável verdade. O fogo que atravessara era menos temível do que as paixões que ardiam sua
carne. A água gelada e tenebrosa era menos fria do que a dúvida em que sua alma naufragava e se
atormentada nas horas más.
Sofia sempre voltava para uma das salas do Templo, na qual se estendiam pinturas sagradas
semelhantes a quais vira na noite da prova. As imagens se entreviam no limiar da arte oculta, pois
elas próprias eram a teologia, mas era preciso a iniciação para realmente entendê-las. Depois
daquela noite nenhum dos sacerdotes tornara a falar delas. Permitiam somente passear e meditar
sobre aqueles símbolos. Sofia, assim, passava longas horas solitárias. Através da contemplação
daquelas figuras gravadas pela Eternidade a verdade se infiltrava em seu coração. No silêncio
experimentava o profundo mergulho em si e depois uma espécie de desligamento com o mundo,
como se pairasse acima das coisas.
- Quando me será permitido alcançar a rosa da Deusa e vislumbrar a luz de Deus? - Certo
dia, perguntou para o Grande Sacerdote.
- Isso não depende de mim, a verdade não se entrega. E sim buscada em si mesma, só assim
pode ser encontrada. A flor precisa ter uma raiz forte para poder desabrochar. Não apresse o
despertar da flor divina. Se vier, virá na hora certa. Agora vá trabalhar e ore!
Sofia, então, se voltou aos estudos e as meditações com uma estranha alegria tristonha.
Sentindo o encanto severo e suave da solidão passar como um sopro divino, correram os meses, os
anos. As paixões que lhe haviam assediado se desfizeram como nuvens e os pensamentos
incômodos agora pareciam eternos parceiros. O que Sofia vivenciava nestes momentos de clareza
era uma superação do seu eu terrestre e um reluzir de um eu mais puramente humano. Com esse
sentimento crescendo, a revolta, os desejos ardentes, o arrependimento se desvaiam. Uma espécie
de se abandonar em si mesma e deixar espaço para a verdade resplandecer. Em sua oração dizia:
- Óh Deusa! Permita que minha alma não seja mais a lágrima que carrega em teus olhos
envergonhados. Deixa que meus pensamentos subam em sua direção para que possa sentir teu
perfume vindo de tua direção. Eis-me aqui, pronta para tal sacrifício!
E um dia, quando terminou, em êxtase, viu o Grande Sacerdote envolto de raios de Sol. Ele
parecia ler todos seus pensamentos, via com nitidez o drama que se desenrolava internamente dela.
Ele lhe disse:
- Filha, sinto que a hora se aproxima. Sei que você já sente a verdade da vida divina
florescendo no fundo de seu ser. És digna a pureza de coração, amor pela verdade e força da
renúncia. Mas ninguém vê a luz de Deus sem a morte e a ressurreição. Não tenha medo, você já é
uma de nossas irmãs. Me acompanhe. – Durante o crepúsculo, o Grande Sacerdote acompanhado de
outros sacerdotes, empunhavam tochas e conduziam Sofia a baixa cripta sustentada por quatro
pilares que surgiam de esfinges. No centro, Sofia enxergou um sarcófago de mármore aberto. –
Nenhum corpo escapa da morte, toda alma está destinada ao seu destino e todo espírito à
ressurreição. Deite-se no sarcófago e espera a luz. Hoje você atravessará o portal do Terror e
alcançara os umbrais dos Sacerdotes!
Deitada no sarcófago, o Grande Sacerdote estendeu a mão para abençoá-la. Em silencio e
sozinha, Sofia ainda podia enxergar uma pequena lâmpada que iluminava o chão com sua luz
incerta. Viu as quatro esfinges, com patas traseiras de touro, patas dianteiras de leão, asas de águia e
rosto de humano, sustentavam as colunas que alicerçavam a cripta. Então, ouviu um baixo e velado
coro de vozes profundas. Era um canto de sepultura. Ao seu final, a lâmpada lançou um rajado
clarão e depois se extinguiu por inteira. Sofia estava só nas trevas, o frio fúnebre lhe tomava e
congelava todos seus membros. A dolorosa sensação mortal aumentava até Sofia cair num estado de
consciência letárgico.
Sua vida desfilava diante dela como algo irreal, tornando sua consciência, ainda com
resquícios terrestres, vaga e difusa. Até que atinge o êxtase e vê, bem longe, um ponto brilhante,
imperceptível no fundo escuro das trevas. O ponto se aproximou de Sofia, aumentando e se
transmutando numa estrela de cinco pontas, que irradiava todas as cores do arco-íris que combatiam
a imensa escuridão. Então, a estrela era um Sol que jorrava luz do seu centro incandescente. Seria
isso um truque dos mestres? Seria o invisível se tornando visível? De qualquer forma, sentia o
pressagio da esperança. Então, em seu lugar, surgiu um botão de flor, que desabrochou na noite. Era
uma flor que não continha matéria, mas era perceptível para sua alma. A flor se abriu em uma rosa
branca, cujas pétalas tremulavam em seu cálice inflamado. E, de repente, a flor se evapora numa
nuvem de perfume. Pelo êxtase, Sofia sentia inundada em um sopro quente e acariciante. A nuvem,
então, se condensou numa figura humana. Um véu transparente lhe envolvia e seu corpo brilhava.
Segurava um rolo de papiro, e delicadamente, se inclinou sob o tumulo onde Sofia estava deitada e
disse:
- Eu sou teu espírito divino, e este é o livro de tuas existências. Aqui contém as marcas de
tuas vidas passadas e as oportunidades de teu futuro. Um dia você o conhecerá. Agora tu me
conheces.
Enquanto falava, Sofia percebia a ternura em seus olhos, a face angélica, a promessa
inefável, a revelação do impalpável. Até que tudo se desfez. Sentiu uma dilaceração violenta,
precipitada em seu corpo como um cadáver. Ao voltar a consciência do estado de letargia, sentia um
peso em seu cérebro, espinhos em seus pulmões, um formigamento em seus músculos. E de pé,
diante dela, estava o Grande Sacerdote acompanhado dos mais altos sacerdotes, proclamando:
- Pois, assim, ressurreta. Celebrarás conosco no banquete dos Iniciados e contará tua
própria viagem na luz.
20.
conclusões de Sofia sobre as Terras Férteis antes de partir
Depois de sua iniciação, Sofia começou a reparar nas coisas de uma maneira nova, sua
rotina, os costumes, as dinâmicas sociais, políticas e econômicas. Parecia que seu poder de
observação estava mais preciso, ou pelo menos, mais claro. Diagnosticou que a alma dos sacerdotes
atuais já havia perdido uma grande parte das faculdades que tinham as histórias dos primeiros
sacerdotes. Pesquisavam no mundo dos sentidos as manifestações do plano espiritual. Foi assim que
nasceu as ciências humanas das Terras Férteis. Pelas descobertas, pode surgir meios culturais,
através de um trabalho, a técnica do trabalho artístico, como instrumento e meio para as potencias
espirituais se revelassem. Para a Tradição local, a Terra era um campo de trabalho e perante as
faculdades intelectuais rudimentares deveria se transformar de tal modo que se provasse o caráter
do poder humano.
A Tradição local surgiu no interior do Templo, germinada e cultivada como cultura por H.
Pela sua assimilação dos mistérios do Extremo Nordeste, ele encontrou um caminho para conduzir
as tribos que lhe acompanharam e que viraram a ser o povo das Terras Férteis. Eles reconheciam as
leis espirituais, mas só conseguiam enxergar diretamente esse mundo de maneira limitada. Sabiam
que o humano, após a morte, vivia num mundo de espíritos, que era manifesto no mundo sensorial.
H havia dito “Se o sacerdote atuar na Terra, segundo as intenções das mais elevadas potencias
espirituais solares, poderá se reunir a essas entidades no em seu estado incorpóreo após a ceifada da
morte. Se trabalharem com a luz solar na Terra, alcançarão o Sol no Céus dos Deuses”. H ensinou
ao sacerdócio que estudando as leis das reproduções sensoriais era possível contemplar os
arquétipos provenientes do mundo dos espíritos. Valorizavam a estrela, porém, sabiam que nela
havia um espírito estrelar. Apenas os servos do templo que adquiriam esses profundos ensinamentos
sobre o mundo não-sensorial e sua influência no mundo sensorial. E assim Sofia percebia um
abismo entre o conhecimento do templo e as crenças errôneas do povo.
Lá realmente era uma fortaleza do conhecimento. O sacerdócio tinha uma posição muito
alto dentro da sociedade das Terras Férteis, só ficando abaixo do Imperador, mas que por sua vez
era educado e iniciado no Templo do Sol, uma tradição seguida desde suas fundações. Porém, o
atual Imperador das Terras Férteis, o Sésram, mesmo tendo sido aluno do Grande Sacerdote e o
tendo como Chefe do Conselho Real, tinham muitas discordâncias. Uma delas era sobre a
Campanha do Oeste. Sésram dizia que só estava fazendo politicagem, que não havia emoção nas
tarefas administrativas, que precisava honrar as conquistas dos seus antepassados. Até que decidiu
que era a hora de partir ruma a sua glória, mesmo contrariado pelo conselho e realeza. O Grande
Sacerdote, com receio de deixar Sofia na Cidadela sem a adequada guarnição, fez questão de levá-la
consigo na Campanha de Sésram.

21.
a nova vida no labirinto
Anos haviam se passado e para Sofia o mais prudente foi construir uma cabana, sair para
explorar e voltar para ela. Nesta época transformações ocorreram em sua vida onírica.
Por mais que sempre tivera sonhos impactantes e visões, no dia a dia seus sonhos eram
confusos e arbitrários. Agora, porém, assumiram um caráter mais regular. Agora conseguia
discernir leis, causas e efeitos, pois, o conteúdo dos sonhos também se modificou. Mergulhava em
num novo mundo, de uma maneira nova, desconhecida a ela. Conseguia exercer observações desse
novo mundo.
Sua maneira de pensar também mudou. Sentia que seu eu era um instrumento do seu Eu
Superior. “Eu levo meu corpo até a porta. Este conceito é lógico, e deve me manter no firme chão
do mundo sensorial. Continuo a apreciar o cheiro das flores, as cores do céu, o dourado do pôr do
Sol, o gosto dos alimentos. A luz deve irradiar de meu coração ao meu pensar. Através do manejo
de meu coração o Eu Superior pode se fazer o seu instrumento.”

22.
história do Sábio O
Deixaram a Passarela da Dúvida, como ficou chamado o istmo, com o mar a esquerda e a
cordilheira à direita. A terreno foi ficando mais íngreme e mais áspero. Não havia mais praias, só
penhascos e falésias, que mais pareciam portas para o abismo. Um frio agudo passou a aumentar,
tanto nos dias como nas noites. Andaram por campos e começaram a sentir um cheiro de floresta
fresca. Isso os alegrou, mas logo perceberam que um rio os separava da floresta. “Existe uma
grande força nas águas geradas nos topos dessa antiga Cordilheira. Tomem cuidado!” Disseram os
Sábios enquanto procuraram um banco de areia que deixasse o rio raso suficiente para atravessarem
(Vau Perigoso, como ficou chamado a passagem). As montanhas da Cordilheira lhe davam uma
sensação estranha, pareciam observar com desaprovação seus passos, com o tempo essa sensação se
transformou em um sentimento de antipatia, tinham a impressão de que a qualquer momento
sofreriam algum golpe. Porém, tudo melhorou quando entraram na floresta de árvores com troncos
que só tinham galhos em suas copas, além de carvalhos, oliveiras, pinheiros e lindos ciprestes
contorcidos. Era úmida e cheia de um musgo verde escuro e esponjoso, que cobria as rochas e as
bases das árvores. Insetos, lagartos, serpentes, víboras, toupeiras, coelhos, lebres, javalis, veados,
cabras, ursos, camundongos, lobos, doninhas e gatos selvagens povoavam os esconderijos que o
solo proporcionava. Outros insetos, águias, cegonhas, rouxinóis e faisões compartilhavam o ar
úmido. Na floresta, em meio a sua fina nevoa do amanhecer, acharam um caminho por um vale que
descia da Cordilheira. Na descida do vale puderam ver uma península cheia de montanhas, com
cachoeiras, cascatas e grutas escondidas, todas cobertas pela floresta até ser recortada por praias e
enseadas estendidas ao mar que cercava sete ilhas no horizonte. Aquela cena aqueceu demais o
coração do mais novo dos Sábios, O, que disse “como essa natureza cultiva tanto o belo? Eu não
sei, meu coração arde por essa resposta! Vou viver aqui e encontrá-la!” Ouvindo isso, os chefes
restantes se declararam apaixonados por aquela vista e também queriam explorar a região. Os
Sábios disseram que a missão deles era outra, e ainda estava longe de estar completa, precisavam
continuar. Apenas doze casais, que não pertenciam a nenhuma tribo, disseram que seguiriam com
os Sábios. Todos se despediram e os chefes e O foram explorar as novas terras descobertas, se
autoproclamando os Peninsulares. Ergueram dez grandes cidades e pequenos vilarejos ao longo do
litoral leste da península e entre as montanhas. Cada cidade era independente, possuindo uma vida
diferente, com sua própria teologia, religião e organização social.
O era dotado de uma maravilhosa força de sedução, seus olhos eram profundos, exalavam
força, magia e doçura, seu coração era nobre e seus pensamentos, amorosos. Ele iniciou o culto de
Júpiter, em uma cidade das montanhas e dois cultos ao Sol no litoral, em uma cidade no norte da
península. Com sua lira de sete cordas ele envolvia todo o universo. Foi o ancestral de toda poesia e
toda música dos Peninsulares. Cantava com uma voz que se ouvia todos os cantos da natureza,
desde o som das raízes crescendo até os suspiros do vento, do movimento das ondas ao cintilar do
fogo. Ensinava, aos seus ouvintes, a história dos deuses, principalmente do filho do deus da
Inteligência.
- Certa vez, o deus da Inteligência vem a Terra e se apaixona por uma humana mortal. Ele a
convida para viver no Reino dos Deuses, mas ela nega, alegando que não podia deixar a sua amada
pátria natal, a terra Peninsular. Revoltado e magoado, o deus volta ao seu lar no alto da Cordilheira,
e num excesso de fúria provoca tempestades de raio na Terra. Um deles atinge a mulher, que fica
gravemente ferida e clama pelo Deus. Ele chega em seu leito e ela diz, antes de morrer, estar
gravida dele. Arrasado e arrependido, ele tira a criança prematura do corpo da mãe e o leva para seu
Reino. Cria seu filho com tremendo amor, atenção e dedicação. Ao ver isso, a deusa da Consciência
passa a nutrir um grande ciúme daquele filho. Um dia, o filho da Inteligência, já jovem,
contemplava os abismos dos céus e se viu refletido, sua própria imagem estava estendendo-lhe os
braços. Apaixonado pelo belo fantasma, o seu amoroso duplo, se precipita para abraçá-lo. A
imagem sempre fugia e o filho continuou seguindo-o, até chegarem no fundo de um abismo. Lá,
encontrou e foi atraído por uma virgem divina. Era uma armadilha da deusa, movida por seus
sentimentos maldosos, incita os Bárbaros a atacar o filho enquanto estivesse distraído com aquela
ilusão. Tomados pela selvageria do ciúme, do ódio, da dor, do medo e do amor, investiram contra
ele e o despedaçaram. Queimaram o que sobrou de seu corpo e, ainda por cima, enterram seu o
coração. O deus da inteligência, ao saber disso, lança uma poderosa e destruidora chuva de raios na
Terra, que arrasa os Bárbaros. A deusa do Amor, porém, ao saber de toda a história sente-se
agoniada e sai em busca do coração enterrado. Após muito procurar, ela finalmente consegue
resgatar o coração do filho, que ainda palpitava, e entrega ao seu pai. Ele traz o coração para si e,
com seu amor, poder e sabedoria, consegue dar à luz ao seu filho, que nasce pela segunda vez.
No começo as cidades independentes vivam em harmonia, mas em algumas delas uma
ambição nasceu. O culto lunar, que ficava nas florestas, começou a ganhar muitos seguidores e seu
domínio começou a se exceder cruelmente sobre outras cidades. O, o único que tinha forças perante
a ameaça crescente, convocou uma reunião geral com todo os governantes e sacerdotes
peninsulares. O Mestre Lunar só concordou em participar se todos fossem até os seus domínios. Lá,
O e ele se desentenderam em questões sobre domínio de influência e liberdade e nada foi acordado,
apenas aumentando ainda mais a tensão entre as cidades. Mas ir para aquelas terras não foi de todo
mal para O, pois lá conheceu uma serviçal do templo. Era a bela E, que também caiu em seus
encantos. Eles se transbordaram em um vivido amor caloroso. O, apaixonado, cantava e recitava.
Todos paravam para ouvir aqueles versos românticos.
“A dor esfumaça os significados. Símbolos, dos mais obscuros, se contraem nas profundezas de
minha alma. O medo, o temor e o pecado se expressavam em meus pesadelos. Mas, acima, o Sol,
que tanto brilha, iluminou a amada E.
Na floresta de árvores secas e cheirosas pétalas caídas no chão, que dá a voz aos espíritos pelo
vento. No momento em que meu coração a viu, me senti mergulhado nos Mistérios da Origem
manifestos naqueles olhos cor de ébano. Encontrei a musa que perfuma a noite celeste, que guia ao
belo, que inspira existências futuras e passadas, que em seu coração carrega as lágrimas dos céus,
como pedras preciosas, e sua magia as transforma nos sorrisos que alegram a terra.
Assim como as estrelas explodem e seguem iluminando os diversos universos, morro em meu amor
e renasço dentro do dela!”
O Mestre Lunar, ao saber do casal, sentiu um furioso amor possessivo, maléfico por E e ao
mesmo tempo uma inveja fria e perversa de O. Ele queria dominá-la e consumir a sua pureza. Um
dia ofereceu-lhe uma taça de vinho, dizendo a ela que se bebesse conheceria a ciência da química
dos seres vivos e descobriria a arte das ervas mágicas. Curiosa, sem desconfiar de uma trapaça,
bebeu e ninguém soube o que aconteceu com ela. O ficou consumido pela preocupação do
desaparecimento de sua amada e de como lidar com a situação dos cultos lunares. Caminhava cego,
preso em seus próprios temores. Quando se deu conta, caminhava entre arbustos, num prado cheio
de plantas venenosas. Em torno, podia sentir o ar dos bosques sombrios onde ocorriam cultos
lunares. Pouco adiante viu uma mulher. Não reconheceu de imediato, mas era E. Ela parecia não o
ver, e soltava pequenos risos horripilantes e estranhos suspiros. O coração de O só ficou mais
apertado, tentava falar com ela e ela não respondia. Começou a andar, mesmo indecisa em seus
passos, e O a seguiu. Com um gesto, ela indicou uma gruta. Ao se aproximar, percebeu um ser lá
dentro. Era o Mestre Lunar. O estremeceu ao perceber que seus pensamentos mais sinistros estavam
certos, e E só podia já estar fria e morta. Aquilo lhe afligiu tanto que saiu correndo em lagrimas, e
procurou a alma de sua amada em cada centímetro da grande península. Depois de muito procurar,
encontrou uma fenda, no noroeste da península, atrás da cadeia de montanhas, que levava até os
lagos de fogo, responsáveis em aquecer o interior da Terra. Lá dentro, sua respiração ficou
ofegante, sua voz sumiu da garganta. Já tinha ouvido histórias daquelas profundezas, onde poucos
conseguiam sair vivos ou lúcidos. Cansado, deitou-se em uma rocha. Ainda tinha resquícios de
medo em sua alma quando um sono mágico fechou suas pálpebras. Um trovão subterrâneo abalou
as profundezas, expelindo uma densa fumaça, fogo e lava, o fazendo suar frio. Tentou resistir a um
sentimento que o consumia, mas não conseguiu, seu cérebro foi vencido, e sua vontade ficou
impotente. Sentiu o mesmo pavor do afogado engolindo água, isso provocou uma convulsão que o
levou a inconsciência. Tinha atravessado para a dimensão dos mortos. Lá, finalmente, encontrou a
alma vagante de sua amada e juraram amor um ao outro. Porém, sofreu muito ao saber que ela não
podia voltar ao mundo dos vivos, lhe restou prometer se reencontrarem nessa dimensão. Para isso
acontecer O deveria ser tão puro quanto E fora, só assim conseguiria manter sua consciência mesmo
depois da morte e poderiam ficar juntos novamente, para toda a eternidade.
Depois dessa experiência, O voltou para a cidade do culto de Júpiter. Chegando, descobriu
que os lunares haviam levantado um exército, que já marchava para atacar o templo. Entre os seus
discípulos estavam governantes, que queriam saber como iriam lidar com aquela ameaça. O,
aparentava estar mais sábio e mais sóbrio que o normal, disse firmemente “não são com armas que
lutam os deuses, são com palavras”, abalando e intrigando todos que o ouviram. Na calada da noite,
O partiu sozinho e se infiltrou nos acampamentos do exército, apenas com sua lira e seu cetro
empunhado. Ao nascer do Sol, ele proclamou cantando com a melodia da sua lira, seus poemas
épicos banhados pela sua sabedoria enquanto os soldados despertavam. O exército inteiro ficou
encantado com ele, os seus movimentos, com o cetro, eram precisos, e sua voz acompanhava as
notas da lira de maneira tão perfeita, que uma espécie de fascínio e perigo pairava no ar. Não
podiam acreditar que aquele homem maravilhoso e charmoso, sábio e corajoso poderia ser inimigo
de alguém, muito menos deles. O Mestre Lunar, vendo que o canto de O era maior que qualquer
magia que pudesse conjurar e que sua influência sobre o exército escorria nas próprias mãos, num
ataque de loucura, o esfaqueia e o rasga enquanto este ainda cantava. O corpo de O ficou ali,
destruído, mas seu espírito estava mais revigorado e livre do que nunca, partindo para, finalmente,
viver com sua amada E até o fim dos tempos. O exército, ao ver aquela cena macabra, prenderam o
Mestre Lunar, seu antigo líder, que acabou morrendo louco, fraco e cansado no exilio, depois de
muito tempo. No meio daquele cenário caótico, convocaram uma nova reunião com todas as tribos
peninsulares. E em nome de O, iniciam uma trégua entre as cidades, que durou por anos e os
fizeram prosperar nas mais diversas áreas da ciência, arte e teologia.

23.
o primeiro sonho na Península
Na chama azul esverdeada Sofia reviveu mais uma vez seu passado, no auge de seus vinte e
oito anos:
A neblina durava por semanas, e esse clima parecia contribuir para que ficasse mais
enclausurada em si. Até que nas vésperas de chegarem nas Cidades da Península Sofia saiu da sua
cabana no meio do frio da madrugada e se viu nos limites de uma floresta peninsular, em um lugar
sombrio, com pouca luz, que vinha da lua minguante. Ao fundo havia uma montanha e nela uma
estrada que se dirigia ao seu topo, e lá, no pico, uma cidade cercada por muros medievais se
levantava entre as rochas que pareciam homens encobertos por um casaco longo. As arvores
começaram a secar e chão ficou levemente mais iluminado. Ao fundo Sofia viu uma figura se
aproximando. Era um cavaleiro montado, a fraca luz passou a reluzir sua armadura metálica, a sua
longa lança e sua espada na cintura. Seu cavalo vinha a passos calmos, com uma expressão de
nobreza. Sofia teve certeza dessa impressão quando conseguiu reparar nos acessórios da montaria, a
sela e o arreamento possuíam finos detalhes em ouros e pequenas pedras preciosas. Quando o
Cavaleiro se aproximava de Sofia, ela tomou um susto. Um latido cortou o silencio e um cachorro
saiu das trevas, passando correndo entre ela e o Cavaleiro, que parou de andar e ficou olhando
diretamente para Sofia. Durante o susto, Sofia reparou num crânio humano, perto de seus pés.
Sentiu um frio da espinha e no mesmo momento um zumbido estourou em seus ouvidos. A medida
em que o zumbido ficava mais alto, seus músculos ficavam mais rígidos e doloridos. E quando se
deu conta, havia mais duas figuras junto ao Cavaleiro, uma também estava montada e a outra não.
Um medo agarrou Sofia, que teve vontade de fugir correndo, mas seus músculos não correspondiam
a sua vontade, o que contribuía para o medo lhe tomar por inteira. Era a Morte e a Besta que
estavam ao lado do Cavaleiro. A Morte estava montada em um cavalo selvagem. Estava trajada por
um manto branco e limpo. Na sua mão direita ele trazia uma ampulheta já na metade do tempo. Em
seu pescoço uma cobra se enrolava amigavelmente. Seu rosto tinha feições de cadáver antes da
putrefação e possuía uma fina e longa barba branca. E sob o que restava de cabelo, uma coroa cheia
de triângulos pontudos brilhava. Na coroa outra cobra se enrolava como se ali fosse seu lar. Ao seu
lado estava a Besta. Ela estava atrás do Cavaleiro, e Sofia não conseguiu a ver direito. Apenas que
tinha patas similares ao dos cavalos e estava coberta por um manto com alguns desgastes feitos pelo
tempo, mas que ainda possuíam uma estampa rica em detalhes e beleza, diferente de seu rosto. Seu
rosto era horripilante. Parecia um bode deformado, com mais chifres que o normal, tinha um
focinho longo e pelado, que escorria saliva. Seus olhos era um abismo, uma janela para o nada, com
expressões mais frias que Sofia já vira. A Morte e a Besta pareciam só estar ali, juntas, por causa do
cavaleiro. Sofia sentia que havia alguma relação entre as duas, mas não conseguia discernir se era
uma relação amigável ou se eram inimigos que se respeitavam. O cachorro voltou a latir e então
Sofia acordou assustada e se sentindo insignificante.
Estava diante de si mesma, olhava direto para seus olhos.
- Sei o que está te perturbando. Então ouça, bem simples é o que digo, é tudo verdadeiro!
Se apegue apenas a sua opinião, o que importa o que aqueles que você deixou pensam? Sua opinião
vale mais do que do mundo, então lute e se imponha por ela. Olhe suas cores, sinta seus gostos,
sinta suas texturas, sinta seus aromas, ouça seus sons! Pegue seus tesouros guarde-os bem para si.
Só há um jeito de perceber o mundo. Perceba-o com frieza, exclusivamente pela lógica material. Se
você não enraizar seus pés nó chão, só mentiras e fantasias encontrará neste caminho. O universal
morreu e a individualidade caminha ao seu auge. As estrelas não passam de gases de luz que são
ferramentas operadas sistematicamente dentro do mecanismo cósmico. E o homem não passa de
uma máquina semelhante, um animal que teve a sorte de evoluir. As leis da matéria que ditam a
vida. E o povo? Não passam de uma massa que precisa ser dominada e controlada para reinar a
ordem da força e da inteligência. Os sentimentos só atrapalham a verdadeira razão. Não existe
sentido existencial, somos filhos do acaso no espaço gélido, o humano é uma aberração, um animal
mutante do Universo, que vive numa esfera com recursos naturais limitados, enquanto vaga pela
imensidão insignificante. O que está aqui é para ser conquistado pelo mais forte, não existe nada
antes e depois da morte. A verdade só existe pelo que seus sentidos percebem. Tema a morte, seja
rígida, não se desperdice com baboseiras, só existe o espaço e o tempo você deve adiantar. Saiba, a
humanidade não tem meta alguma.
- Através de mim tu escapará do espírito e encontrará a luz. Te protegerei do medo e de
minha solidez entenderá a força da verdade do chão seguro. Os espíritos maus turvam sua visão e
desejam te arrancar a vitória dos sentidos. Através de minha elaboração poderá ver a beleza em
densa clareza. Só eu posso te conduzir ao verdadeiro Homem. Sempre estive contigo, me enxergue
com os olhos de teu corpo, em beleza orgulhosa, em glória de revelação.

24.
A peça de teatro
Os povos das cidades peninsulares também tinham a origem dos Andarilhos, e foram
povoando a península em pequenas cidadelas, porém, com o passar do tempo, apesar das diferenças,
as cidades cultuavam uma língua, uma religião una e polifacetada e uma consciência nacional em
comum. As cidades não eram tão grandes a ponto de seus cidadãos não se conhecerem de vista e
não tomarem parte ativa na administração, porém não tão pequenas a ponto de não poderem se
sustentarem. Durante o quarto século, após suas formações, os povos do oeste, que viviam nas
montanhas, invadiram as terras peninsulares, e as pequenas cidades se mobilizaram comovidos com
essa consciência nacional, se organizaram com um exército único. Depois de 56 anos de conflitos,
finalmente, conseguiram expelir os invasores por completo. Porém, depois disso, as cidades
peninsulares caíram numa terrível guerra civil, cada cidade reivindicava seu direito de controlar o
exército. A guerra perdurou por quarenta e dois anos e demorou mais vinte anos para as cidades
finalmente voltarem a prosperar. No sexto século as cidades iniciaram suas expansões e chegaram
até a terra entre as montanhas.
A vida cultural das cidades peninsulares era invejável, havia as dimensões dos templos das
primeiras cidades, porém sua beleza era inigualável, as proporções eram perfeitas, as esculturas
continham as formas dos músculos, mas o teatro era o auge de sua arte. As performances eram
viscerais e os enredos, mais ainda. Logo quando a caravana que Sofia viajava chegou na capital das
penínsulas do norte, o chefe da caravana nos levou para a Praça Central. No meio dela havia uma
construção monumental, recém-construída, e uma multidão entrava nela. Era uma arena a céu
aberto, a arquibancada era em forma de meia lua, interrompida por um enorme paredão, onde ficava
a área dos artistas. No centro havia um palco, onde os atos aconteciam. Sofia sentia sua alma vibrar
de novo, a viagem tinha sido bem difícil, ela pressentia algo mágico e maravilhoso naquele lugar no
meio do caos e tragédia que habitavam sua alma. O espetáculo estava para começar.
A história se passava nos primeiros anos das cidades peninsulares em num monte entre as
cidades de Palacios e Luxurias, onde um bebê palaciano é deixado para morrer. Após um dia, um
pastor luxuriano, a serviço se seu rei, levava seu gado para pastar na região, e encontra aquela pobre
criança largada para a morte. O coração do pastor fica comovido, e por um ato de piedade leva o
bebê consigo. Ele o leva para reportar ao seu rei, o Rei de Luxurias. O Rei, que não conseguia ter
filhos, havia ido no Oraculo de Vênus, e lá, lhe disseram que mesmo não conseguindo procriar, os
deuses lhe enviariam um filho. Então quando o pastor trouxe a criança, ele acreditou que ele era o
presente divino, que herdaria seu Reino. Os anos foram passando e aquele bebê se tornou um belo
jovem. Até que um dia ouviu o Rei dizendo que ele era, na verdade, filho dos deuses com a terra de
Luxurias. Com o passar dos anos, uma questão começou a lhe perturbar, se ele era filho adotivo ou
legitimo do Rei, até que decide ir até o Oraculo do Sol descobrir sua verdadeira origem. Porém, lá,
ao invés de uma revelação, uma terrível profecia foi-lhe dita, que seu destino era matar o pai e se
casar com sua própria mãe. Aquilo o assombrou tanto que ele abandona o Reino de Luxurias.
Enquanto andava pelas cidades próximas, em uma de suas viagens encontra um velho homem, com
sua comitiva, também viajando. O velho homem e sua comitiva discutem com o jovem rapaz por
causa de uma fogueira acessa. Aquilo irritou demais a sua mente já perturbada e em um ataque de
cólera mata o viajante e sua comitiva, apenas um homem escapa com vida. Segue perambulando
perdido entre as cidades até chegar nos portões da entrada de Palacios. Na entrada do portão
principal ele se depara com um ser, com pernas de touro, corpo de leão, asas de águia e um rosto
feminino, que lhe diz que a cidade está em ruinas, pois o rei tinha sido assassinado misteriosamente
e só quem resolvesse o seu enigma poderia ascender como o novo Rei e salvar o reino de Palacios.
O jovem diz que pode esclarecer o enigma, mas o ser lhe avisa que se errar, morrerá. "Que
criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?" o ser diz. O rapaz
leva alguns minutos pensando e então responde “quando eu era bebê engatinhava com quatro
apoios, hoje ando apoiado com minhas duas pernas e quando envelhecer precisarei de uma bengala,
mais um apoio. Logo essa criatura é o ser humano!”. Resolvendo a questão da esfinge, é recebido
como herói em Palacios e declarado como novo Rei por Creonte, o irmão da rainha, casando-a com
o novo rei. Quinze anos após a coroação, o rei e a rainha, abolindo a lei em que o primogênito real
deveria ser deixado para morrer como sacrifício aos deuses e já com dois filhos e uma filha,
recebem a notícia que uma peste aflige Palacios e mandam Creonte em busca de respostas no
Oraculo do Sol. Lá lhe dizem que para salvar a cidade é preciso achar e julgar o assassino do antigo
Rei. O Rei, ao saber, diz aos palacianos que irá encontrar e banir o maldito assassino. Iniciam uma
investigação para encontrá-lo, e chamam o velho mestre cego para contribuir. Este após ouvir os
fatos diz ao Rei que o assassino está mais perto do que ele imagina. Assim a profecia do Oraculo
volta a lhe assombrar e atormentar. Até que chegam duas pessoas no Reino, um mensageiro,
anunciando a morte do Rei de Luxurias, seu pai adotivo e outro, o único sobrevivente do massacre
da comitiva, alegando que o novo rei era quem havia assassinado o antigo rei e seus companheiros
de viagem. A verdade vem as claras, e as profecias já haviam sido realizadas através da fuga delas
próprias. A rainha palaciana, por fim, se suicida e o novo rei fura seus próprios olhos.

25.
a escola de Orador
Saímos da capital do norte e foram rumo ao litoral a cavalo. Em uma colina um complexo
de templos e acomodações, jardins e ginásios, brilhava, entre os ciprestes, oliveiras e praia. Orador
tinha grande prestígio por muitas cidades peninsulares, que haviam lhe cedido aquele espaço com
intuito de sua escola ser ativa na transformação e evolução da famosa cultura peninsular. Orador era
muito exigente quanto a admissão de novos membros. Disse que aceitaria Sofia passasse pelas
provas como qualquer outro. Na mesma tarde, eu me despedi de Sofia com o coração e espírito
pesados e voltei para cumprir meus deveres.
No início do dia seguinte, os noviços foram reunidos no ginásio. Diferente dos outros
ginásios peninsulares, dos outros Centros, em outras cidades, não se ouvia gritos ou exibições
musculares. Todos procediam com amabilidade, nos arremessos de discos, dardos, saltos, corridas
ou na luta ancestral, que mais parecia uma dança. Orador proibira a luta corporal, pois alegava que
nesta atividade florescia o orgulho com a força e com a agilidade, que a amizade não poderia se
iniciar enquanto rolavam engalfinhados como animais selvagens. Ele dizia que o ódio nos torna
inferiores a um adversário qualquer.
Abriu-se, então, um espaço para os recém-chegados manifestarem suas opiniões, para
serem discutidas livremente. Todos se apresentaram e se sentiram contentes por serem ouvidos e
sob interesse. Enquanto os noviços falavam, os altos mestres observavam-nos, sem contrariá-los, e
o Orador observa atentamente os gestos e palavras. Ele dava muita atenção a maneiras de andar e de
rir, pois dizia que o riso manifesta o caráter de maneira clara. Era um perito na arte de ler a alma
através da fisionomia. Passaram alguns meses e as provas aconteceram.
Certo dia, Sofia foi mandada passar a noite sozinha numa caverna, nas proximidades da
cidade, onde se dizia viver monstros e aparições. Sofia suportou e enfrentou a solidão e a noite
fúnebre. A coragem, por mais que nem sempre consciente, já era manifesta nos fundamentos de seu
ser, o difícil foi enfrentar seus demônios da culpa, dor, do luto, do sofrimento e das más lembranças.
Sofia reencontrou, breve como uma faísca, com a esperança em sua vontade de conhecer a verdade
sobre sua origem e destino. Cumprira essa prova com êxito.
No dia seguinte foi tirada da cama e jogada numa cela triste e gelada. Dentro da cela,
haviam deixado uma pedra de ardósia e uma ordem para descobrir o significado de uma
circunferência interna inscrita em um cubo, cujo estava também inscrito em um triangulo inscrito
numa circunferência exterior. Lá ficou refletindo sobre a imagem, durante doze horas, apenas com
um vaso com água e um pão seco ao seu dispor. Depois levaram-na a uma sala, onde reencontrou os
outros noviços com um grupo de pessoas os zombavam-nos sem piedade (a mando dos mestres),
enquanto pareciam uns réus, abatidos e famintos. Alguns deixavam-se levam pela irritabilidade da
fome, outros humilhados pelos comentários sarcásticos, outros já estavam cansados de tanto esforço
feito para compreender o enigma, alguns choravam de raiva, outros retribuíam as maneiras
ofensivas, outros jogavam suas ardósias aos mestres que só ficavam observando suas reações,
amaldiçoando-os junto com os discípulos e a escola. Até que Orador, calmo, e disse aos que não
haviam suportado a prova do amor-próprio que não voltassem mais a escola onde os princípios de
alicerçavam as virtudes da amizade e o respeito aos mestres. Muitos foram embora envergonhados e
raivosos, um deles estava completamente possesso. Os poucos que suportaram os ataques com
firmeza, responderam as provocações com reflexões justas e espirituosas. Sofia foi uma das poucas
pessoas que resistiram a mais este teste.

26.
a vida na escola
Assim começava a época de preparação. Antes de começar os estudos levaram Sofia e os
mais novos discípulos a uma estátua feminina envolta em um longo véu, com um dedo nos lábios,
denominada a Musa do silêncio. E assim, durante as lições todos eram submetidos por um silencio
absoluto, sem apresentar qualquer objeção ao mestre, nem discutir o ensino. Os dias durante a
preparação de dois anos se passavam assim:
Acordava e saia ao Sol, recitando os Versos Dourados do Templo em sua homenagem,
executando um belo bailado sagrado, dançava com os seus companheiros como o Sol dança pela
Via Láctea. Então começava o Ritual de Limpeza regulamentares, a Escola era muito severa sobre
higiene corporal e seguiam com severa disciplina os costumes de limpeza. Iam ao templo central,
em completo silencio. No bosque sagrado, agrupavam-se em torno de um dos mestres e prosseguia
a lição à sombra das árvores ou dos pórticos.
Começaram falando sobre sentimentos naturais, dos primeiros deveres sociais do humano
ao se prendar na existência, mostrando a sua relação e harmonia com as leis universais, com
analogias e concordâncias ao mundo universal. Sobre os princípios masculino e feminino, que
existe em cada alma e como os deuses também possuíam características paternas e maternas, e a
importância da família no mundo físico, sobre o amor por eles e deles se revelava que os pais não
são dados por acaso, mas escolhidos por fortuna ou necessidade. Ensinavam sobre a importância da
afinidade de um amigo, diziam que um amigo é um outro eu-mesmo e que deveria lhe honrar como
se honra uma divindade. Os ensinamentos tinham um caráter moral preparatório. Ensinavam sobre
as potencias da música e do número; o mestre dizia que os números continham os segredos dos
mundos, sendo Deus a harmonia universal. Os sete sagrado da evolução, construído sobre os sete
planetas visíveis, os sete graus da consciência, aos sete modos da existência, reproduzidos em todas
as esferas da vida material e espiritual desde a menor até a maior. Sofia sentia as melodias de que
dava harmonia a sua alma para ela vibrar ao sopro da verdade. Diziam que os bons espíritos
preferem se aproximar da terra sob irradiação do Sol, ao passo que os maus espíritos se espalhavam
na atmosfera quando vem a noite.
Ao meio-dia dirigia-se uma prece aos heróis antepassados e os antigos gênios benevolentes.
Depois tinham uma frugal refeição, geralmente, de pão, mel e azeitonas. A tarde era empregada em
exercícios ginásticos ou artísticos, depois a prática de exercícios matemáticos, à meditação e a um
trabalho mental sobre a lição de manhã. Depois faziam uma prece coletiva no pátio, cantando um
hino a Deus e seus filhos, Jupiter Celeste, Vênus Providencia e a Lua protetora dos mortos. Durante
as preces um incenso queimava ao ar livre. A noite os noviços liam contos comentados pelos metres
e faziam a refeição noturna.

27.
o dia de ouro
Era um belo dia, depois de anos, um “dia de ouro” como diziam os já mestres, o dia em que
Orador recebia um noviço em sua morada no interior da habitação e solenemente o admitia no
número dos discípulos e este era o dia de Sofia. Foram ao jardim fechado, lá era circular e no seu
interior viam-se nove musas de mármore. No centro havia uma outra estatua, sob um véu, solene e
misteriosa, com a mão esquerda protegia uma vela e com a direita apontava para o céu, era a deusa
do coração, a guardiã da sabedoria divina. Aquele jardim era um pequeno santuário. Então Orador
disse:
- Abra os olhos da alma e contemple a sublime e imaterial beleza das musas. Ouçam o fogo
da Deusa do coração que nos dá melodia, movimento, ritmo. Mergulhe-se nas chamas e percebam o
Fogo Central do Universo, o Grande espírito universal, expandir-vos com ele em suas
manifestações visíveis.
Sofia se sentia afastada do mundo das formas e suas realidades sensórias, enquanto recebia
aquelas palavras, se afastava também do tempo e espaço. Sentia levada até a unidade celestial. O
que Orador chamava de Uno, o mantenedor do caos e harmonia, o ser por trás da vontade, o
infinito, o ponto. A posse dessa interna verdade não se realizou em um só dia. Foram necessários
anos de exercício para a concordância, tão difícil, entre inteligência e vontade.
A longa revelação consistiu em uma exposição completa e racional da doutrina, desde o
início até o término da evolução universal, incluindo o destino e a finalidade suprema da Psique.
Eram desvendados os signos da álgebra do mundo divino nos algoritmos, nas figuras geométricas,
nas figurações humanas proporcionais. Orador ensinou a matemática sagrada, transcendente e mais
viva do que a comum e profana. O número não se resumia a quantidade abstrata, era a virtude
intrínseca e ativa no humano e do Deus, fonte da harmonia universal diferente dos algarismos
quantitativos, o triangulo expresso no mundo físico representa um triangulo e não o triangulo
primordial. A ciência dos números era a das forças vivas, das faculdades divinas em ação, no
mundo, no homem, no macrocosmo, no microcosmo. Penetrando-as, distinguindo-as, explicando-
lhes a ação, Orador elaborava uma teogonia racional. Fornecia os princípios de todas ciências, que
mostrava a unidade e o encadeamento das ciências da natureza.
Sofia passou a estudar a natureza, buscando penetrar em suas cores e formas e descobrir
seus segredos em lugares livres, onde podia iluminá-los com o Sol de sua nova inteligência. Fazia
seus próprios estudos e discutia com os discípulos e mestres. A busca pelo entendimento da origem
do mundo e da alma humana através da arte. Nas terras férteis tinha sentido o Divino, agora queria
entendê-lo. Estudava lógica, harmonia estética, definição e razão.

28.
mais ensinamentos de Orador
Passado mais tempo, Orador levou Sofia, cujo apreço era grande, e alguns mestres para a
praia. E a noite, sob as estrelas e falou sobre cosmogonia e psicologia. Ele tinha o costume de
chamar sacerdotes ou sacerdotisas de outras cidades peninsulares para confirmar seus ensinamentos
através de suas próprias experiencias. Desta vez era uma sacerdotisa vinda dos limites dos domínios
peninsulares. Ela contou de seu sonho recorrente:
- Eu despertei no sonho em um vazio com sons caóticos, tomado pelas trevas, então
aterrorizada, comecei a sentir um calor que me acalmava. Esse calor foi se intensificando até se
tornar uma esfera de fogo pulsante. O fogo explodia em chamas. De dentro dela surgiu um homem
entre 56 e 63 anos, com barbas e cabelo brancos e da esfera ele retirou um gigantesco transferidor e
começou a construir esferas dentro de uma esfera de luz. Então ele olhou no olho da sacerdotisa e
disse “O uno não é confinado por quaisquer limites. Os céus dos céus não lhe abarcam” lentamente
olhou para o transferidor e para ela novamente e voltou a dizer “E deste modo se combinam. Aqui o
Trabalho, e ali, o Repouso”. - Orador ouviu atentamente com sua calma usual e disse:
- A evolução material e a espiritual do mundo são dois movimentos inversos, apesar de
paralelos e concordantes. Um explica-se pelo outro. Ambos explicam o mundo. Mediante a
evolução material, Deus manifesta-se na matéria pela alma do mundo que elabora. A evolução
espiritual representa a elaboração da consciência nas moradas individuais, suas tentativas de
alcançar o espírito divino de quem elas emanam, através do ciclo da vida. Do ponto de vista
terrestre, a explicação racional do mundo deve começar pela evolução material. Vendo o trabalho
do Espírito Universal na matéria, prosseguindo o desenvolvimento das moradas individuais, essa
explicação conduz ao ponto de vista espiritual, fazendo-nos passar do lado de fora para o lado de
dentro das coisas, do avesso do mundo para o direito. O Fogo Primordial é a expressão da Vontade
primordial, as lagrimas de saturno, pai da cosmogonia humana e dos elementos naturais e divinos.
O céu com todas as estrelas é apenas a forma transitória da alma do mundo, da Grande Maia, que
concentra a matéria esparsa nos espaços infinitos, dissolvendo-a depois, disparando-a sob forma de
fluido cósmico imponderável. Cada turbilhão solar possui uma parcela dessa alma universal,
evoluindo em seu seio, durante milhões de séculos, com força de impulsão e medidas especiais.
Elas emanam de uma ordem imutável, superior, assim como de uma evolução material anterior, ou
seja, de um sistema solar extinto. Essas potências invisíveis, algumas absolutamente imortais
dirigem a formação desse mundo. As outras aguardam sua eclosão no sono cósmico, ou no sonho
divino, para entrarem nas gerações visíveis segundo sua posição na lei eterna. Os planetas são filhos
da alma do Sol. Cada um dotado de uma alma semiconsciente, tendo seus caráteres distintos, sua
função particular, sendo expressão diversa do pensamento cósmico divino.
- Sob o ponto de vista da autoconsciência se encontra no cume da evolução terrena, com
seus poderes cognitivos e criativos, graças a sua origem espiritual nos mundos do além. A
cosmogonia do mundo visível levamos à história da Terra. A história da Terra conduz-nos ao
mistério da alma humana. Que uma vez desperta a sua consciência, a alma, se transforma no mais
admirável espetáculo celeste para ela mesma. Mas esta consciência é apenas a superfície iluminada
do seu ser, onde ela pressente abismos obscuros e insondáveis. “Conhecendo-te a ti mesmo,
conhecerás o universo e a resposta dos deuses”. A imortalidade da alma, um sopro transitório, um
germe flutuante, um pássaro levado pelos ventos, voando de existência a existência. Após tantos
naufrágios, no decurso de milhões de anos, a alma torna-se filha de Deus e reconhecerá o céu como
pátria. Como um inseto de asas, ora verme no solo, ora borboleta no céu. Essa é a origem da Psiqué
humana.
Então, se aproximando de Sofia, a contemplou com seus versos:
- Não deixe que o sono tome seus olhos sem antes repassar o que fizeste e o que não fizeste.
Diante do mal, enfrente-o, domine-o. Diante do bem, cultivas. Creia nas virtudes divinas, pois elas
auxiliam o destino. A Estrela Sagrada, cujo é o símbolo da escola, imensa e pura expõem as gênesis
da natureza. As forças zodiacais astrais asseguram aquelas obras que a ti pertence, pois já as
começaste. Pela luz verdadeira estará em solo seguro. Se agraciada, aprenderás que semelhante em
todos os lugares a natureza esclarece seus deveres e direitos a ponte de teu coração se desapegar aos
vãos desejos. Vislumbrará a liberdade e os males que consomem os humanos em vossas escolhas,
sem ver a própria infelicidade ao buscar externamente o que portam internamente. Tu conheces as
forças adversas. Clame por Deus! Cabe a ti, como entidade divina, discernir o erro e a verdade. A
natureza lhes serve. Tu que a penetraste, Sofia, sábia e irradiante. Observe as leis distinguindo
precisamente o que em tua alma é temível. Deixando reinar, sobre o corpo, a inteligência que te
eleva. No seio dos imortais, tu mesmo sejas uma deusa.
Assim Sofia atingiu o ápice da iniciação dos mistérios peninsulares, capaz de realizar sua
inteligência, virtude do coração e limpeza do corpo. Dotada de um espírito científico era capaz de
formular conceitos complexos.
Sofia nesta época também encontrou o amor de sua vida, mas isso não cabe ao andamento
da história.

29.
conclusões das Terras Peninsulares
Condições totalmente diversas existiam ali em relação as Terras Férteis, ou qualquer outro
lugar onde já estivera. As tribos andarilhas, que ali se formaram como espécie de nação, eram
originarias das mais diferentes regiões do mundo antigo. Existiam oráculos de diferentes astros, e
eram como que uma continuação de tradições antigos dos povos vermelhos. Havia pessoas que
ainda mantinham em suas almas resquícios da antiga clarividência, enquanto outros podiam
estimulá-la e contemplá-la nos oráculos. Nesta situação, os peninsulares continham em si a chama
impulsionaria para criar e expressar na realidade sensorial o belo que vislumbravam na realidade
espiritual como tesouro de sabedoria; principalmente pelas vias misteriosas dos poetas, artistas e
pensadores. Seus templos eram a casa do espírito.
Porém, de sua origem, como povo peninsular sob influência do Sábio O, até a visita de
Sofia, o obscurecimento referente ao mundo dos espíritos após a morte, atingia seu ápice. Durante a
existência na Terra, eles cultivavam ao máximo a realidade física-sensorial, a ponto de a
consciência cultural comum condenar uma existência após a morte. A designando como algo
sombrio. Dirigindo seus olhares apenas as imagens sensoriais, e não vislumbrando os arquétipos
espirituais.

30.
situação da Escola na política peninsular durante a estadia de Sofia
A política pública de Crotón se baseava bastante em uma Assembleia Aberto, com
discussões nas praças, a cada nove dias, cujo os temas eram de interesse a todos os moradores. Ali
decidiam suas questões. Havia relativamente poucos cargos fixos. A Assembleia tomava uma
decisão, então se voluntariava, ou se sorteava um grupo de pessoas para a tarefa, pois, segundo a
democracia crotonense é um governo de iguais, portanto, qualquer um sorteado teria a capacidade
necessárias de desenvolver suas funções públicas. Em casos de acusações jurídicas, um júri de 501
pessoas era sorteado. A Assembleia tratava de assuntos de guerra e paz, assuntos políticos, mas
parte razoável das discussões girava em torno da religião e suas celebrações e organização de
eventos.
Cada vez mais que a Escola formava alunos brilhantes mais notoriedade ganhava, e Orador
era mais prestigiado na política local. Devido a este prestígio, ele acabou se envolvendo cada vez
mais na política pública, externa a escola. Ele e seus alunos acabaram criando, espontaneamente,
um poder cientifico, onde os poderes legislativos e executivos os consultavam antes de tomar ações.
Orador e seus alunos viraram uma espécie de Conselho de ordem política, cientifica e religiosa.
A princípio, o raio de influência do Conselho atingia apenas Crotón, mas perante o
florescimento cientifico, cultural e tecnológico da cidade, outros magistrados ou até mesmo
governadores ou reis de outras Cidades Estado que não praticavam a democracia iam ao encontro
do Conselho em busca de orientação. Tal influência de Orador, um grande caráter, além de provocar
admiração, também provocava inveja das mais terríveis e despertava o ódio dos mais violentos. A
fagulha para explosão desses sentimentos negativos veio de sua cidade rival.
Em Sybarimque houve uma revolta aristocrática. Quinhentos democratas tiveram que fugir
os barimquinos passaram por Crotón. O novo Governo de Sybarimque pediu a extradição dos
fugitivos. Temendo a cólera e desencadear de problemas maiores, o Magistrado atual ia atender o
pedido, se Orador não intervisse e recusasse a entrega dos refugiados aos seus implacáveis
inimigos. Assim Symbarimque declarou guerra à Crotón.
O comandante do exército de Crotón foi Eversor, um discípulo muito estimado. Ele
conseguiu derrotar o exército barimquino em suas próprias técnicas, graças a sua inteligência e
conhecimento sobre a natureza da alma humana, e como agir perante o comportamento colérico de
seus rivais. Eversor, realizado sua vitória sobre o exército, ordenou que voltassem a Crotón, mas
uma boa parte de seus generais contestou a ordem. Eles queriam tomar a Symbarimque. Por mais
que Eversor tenha tentado persuadi-los dessa ideia, não conseguiu refrear as paixões covardes de
um exército vitorioso, atiçados por antigas rivalidades, excitados com aquela guerra injusta.
Symbarimque foi tomada, saqueada, destruída, transformada em deserto, o que contrariava todos os
princípios da Escola. O povo de Crotón passou a exigir a divisão das terras conquistadas. O
Conselho, depois do fracasso moral, debatia em como se redimir perante aquela atrocidade.
Então, em um dia de Assembleia, Cilo pediu a palavra em meio ao povo:
- Começamos uma guerra que veio ao confronto de nossa democracia, veio enfrentar os
valores que cultivamos em Crotón, os mesmos que aquela Escola de Orador diz ter. Nós que
colocamos Eversor como comandante, foi a nossa liberdade que conquistou Symbarimque. Porém,
temo dizer que nossa própria democracia corre sérios riscos. Que poder é esse concedido ao
Conselho, que convoca guerra e toma posses só para si? Aposto que planejam ampliar os seus
domínios. Enquanto sangramos lado a lado com inimigos externos, os inimigos internos se
aproveitavam. Uma nova aristocracia está acontecendo aqui e agora, diante nossos olhos! VEJAM!
Despertem a respeito desses misteriosos que dizem saber mais que nós, o povo! Olhem a posição de
superioridade que eles se colocam, nos julgando, tomando as terras que conquistamos com nosso
sangue e suor, usurpando da liberdade que concedemos a eles. Em troca de quê? Somos tão capazes
quanto eles! Ou eles pensam que são maiores que Crotón, maior que as Terras Peninsulares? Os
segredos daquela Escola não passam de segredos aristocráticos. Seremos como aqueles bárbaros do
oeste que matam a liberdade do povo para o prazer de um soberano ou seremos como nossos
vizinhos oprimidos pelos poucos elitistas que se concentram no poder? Ou será que meus irmãos
Crotoneses conseguirão vencer seus inimigos internos? – O povo ficou cego pelas belas palavras. A
potência do discurso foi tanta que até a outra de reunião da Assembleia a Escola, Orador e seus
discípulos tiveram de encarar uma onda de ódio e hostilidade crescente.
Cilo estava na mesma seleção de candidatos que Sofia, sete anos antes. Mas diferente dela,
Orador não o aceitou, devido a sua exigência se tratando da admissão. Orador vislumbrou um
incendio em sua aura. Naquela rejeição Cilo tornou-se um inimigo rancoroso. Usava todo seu
talento em prol de uma vingança. Seu desprezo pela Escola e Orador já era conhecida por todos,
mas finalmente o povo conseguia entender suas palavras. Falava de maneira eloquente, mesmo em
intensidade fervorosa e apaixonada. Durante os nove dias até a próxima Assembleia, Cilo conseguiu
financiamento e recrutou centenas de arruaceiros. Conseguiu apoio de grande parte dos generais que
discordaram das ordens de Eversor e grande parte do povo, contaminada pelos seus discursos o
apoiavam. Quando a Assembleia voltou a se reunir, Cilo subiu na trina e disse:
- Quem é esse Orador que se auto intitula Grão Mestre? Quem realmente é esse a quem
obedecem a suas ordens cegamente? Quem é aquele que basta dizer algo para que todos seus
lacaios, ou “discípulos”, digam “ele disse” ou “assim que ordenou”? Do que se faz aquela estranha
amizade tão unida se não o desprezo pelo povo, e pelo que julgam, nossa ignorância. Eles têm
coragem de dizer as palavras do antigo poeta “O príncipe deve ser o pastor de seu povo”. Então, o
povo, nós, irmãos, somos um mero vil rebanho? A existência da Escola e o Conselho é uma
conspiração permanente contra os direitos populares. Enquanto não forem destruídas não haverá
liberdade em nossa democracia!
- Os chamem para que se justifiquem perante a Assembleia! – uma voz solitária surgiu
meio ao povo.
- Orador nos tirou o direito de dar as palavras finais sobre nossos próprios negócios. Com
que direito eles solicitaram que fossem ouvidos hoje? Eles não nos consultaram quando nos
despojaram dos nossos direitos. Pois bem, agora é nossa vez de decidirmos sem lhes dar atenção! –
respondeu Cilo com altivez. Seguido de muitos aplausos. O povo se exaltava e era incitado cada vez
mais.
Então, naquela noite, enquanto Orador e mais quarenta dos principais membros da Escola,
incluindo Sofia, estavam jantando na casa de Eversor. Um tribuno popular e arruaceiros, cercaram a
escola, ateando fogo nos prédios e soltando uma carnificina sobre os discípulos e serventes. A
multidão enfurecida destruiu a Escola fogo abaixo, os que não morreram queimados foram
trucidados. Apenas Sofia e alguns discípulos mais jovens e mais velhos, sob os comandos de
Orador conseguiram fugir através de uma passagem secreta. Enfim, a Escola fora incendiado até
ruinas, o Conselho destruído e seus sobreviventes dispersados. Seu conhecimento e suas práticas
foram proibidos e expulsos de Crotón.
Sofia, então, só tinha em mente fugir para a Ilha dos Sábios.

31.
encontro com Sofia
A minha história com Sofia começou em um dia de primavera em que o sol raiava,
iluminando os prédios exuberantes da Grande Cidade, esquentando suas ruas, que exalavam a
fedentina particular dali; uma mistura de cheiro de gente com temperos exóticos. A luz acordava os
pedreiros, os comerciantes, os vigias e dava boa noite para os boêmios, os trabalhadores noturnos,
os suicidas subversivos. A agitação nascia novamente. Podia ser ouvido o barulho dos transportes,
dos mendigos, dos ricos, dos sevandijas, dos estudantes se intensificar. Todo dia a Cidade atraia
mais pessoas, que chegavam de diferentes lugares, alguns procurando ganhar dinheiro e outros para
gastá-lo. No centro da Cidade é onde acontecia as atividades comerciais, no Mercado Central. O
mercado era distribuído em uma rua que iniciava desde a base da cadeia de morros, que cortava a
Grande Cidade, e desembocava na orla da Praia. Ao longo dela, centenas, quem sabe até milhares,
de barracas vendendo os mais distintos produtos, desde industriais, a caseiros manufaturados. No
meio de toda a gritaria dos vendedores e dos ambulantes, encontrei Q atras de mim na rua. Fiquei
desconfiada que ele estava me seguindo ou espionando, estávamos numa época ruim do
relacionamento, mas, na verdade, nossos mestres haviam resignado missões a nós, e chegamos a
caminhos que se encontraram. Porém, o que não sabíamos era que o caminho de Sofia também se
encontraria com o nosso. Em meio à multidão, um tumulto acontecia, o que era já relativamente
normal, pois, na época estava voltando as prisões políticas, e Q, impulsivo e com fome de justiça,
foi se envolver na confusão.
Não conhecíamos ela, mas compartilhávamos um sentimento de familiaridade. Sofia estava
sendo presa por dois homens-máquina. Quando me dei conta Q estava embolado no chão com um
deles, então, meus olhos encontraram o de Sofia, e naquele instante parecia que nossos pensamentos
eram o mesmo. Trombamos o outro homem-máquina e disparamos sentido a praia. Fugimos em
meio ao caos rotineiro do Mercado Central, entre os produtos, os ambulantes, os comerciantes, os
clientes. Alguns nos ajudavam na fuga, já outros sinalizavam aos guardas e homens-máquinas
recém-chegados a nossa direção. Quando estávamos atingindo o final da rua, nos encontramos com
Q, como não tínhamos muito tempo para decisões, levamos Sofia conosco, mesmo sem nem ao
menos saber seu nome.
Nos camuflamos no meio das milhares de pessoas e veículos que transitavam pela Estrada da
Barriga. Seguimos sentido o Porto do Fim da Enseada, a fim de voltarmos para ilha com algum de
nossos barcos. A vista era bela com a praia e o mar azul esverdeado a nossa esquerda, contrastando
com o caos estético da sujeira, vielas mal construídas, construções cinzas, da Cidade. O caminho
estava estranho, normalmente, numa situação de confronto e fuga, eles faziam vários bloqueios,
mas a estrada parecia livre, como uma armadilha. Caminhamos durante algumas horas sem
problemas.
O Porto do Fim da Enseada ficava numa longa península que protegia o final da enseada
das ondas do mar. Já no final da Estrada se via infinitas docas, nas quais estavam atracados diversos
barcos de passeio, navios de turismo e de importação (já que o porto de exportação ficava no norte
da ilha, na Região da Asa). Do lado oeste do morro ficava uma grande zona residencial, mas cheia
de hotéis, bares, bordeis, estalagens. Entramos escondidos pela aérea de embarque da doca e quase
demos de cara com uma barricada de homens-máquina. Estavam fechando as saídas e a noite
começaria a caçada. O Sol já dava sinais de que começaria sua descida pelo horizonte, então só
restou um refúgio para nós, o Morro do Casamento dos Mares.

32.
a noite no Morro
Os tons do final de tarde já tomavam o céu e a Lua já começava a reluzir seu brilho. O
morro ficava entre duas praias, na maré baixa, um corredor de areia dava passagem até ele, porém,
na maré alta, os mares se encontravam e se abraçavam, se mesclando, completando o contorno, o
transformando numa ilha protegida. Nos apressamos e chegamos antes da passarela de areia sumir.
Ainda estávamos bem tensos e escalamos até o topo para ter uma melhor visão. Assim, enxergamos
um pelotão de homens máquina, que nos caçava, na areia, esperando a passarela ressurgir.
Tínhamos algumas horas até a mare secar e estávamos protegidos por algumas horas. Ali é um solo
sagrado, as tradições a consideram um lugar magico, lar de espíritos guardiões e de espíritos
refugiados que ainda não estão prontos para a travessia nos Mares da Inconsciência. Eles não se
atreveriam invadir.
Ali, finalmente, nos apresentamos e nos conhecemos melhor. Sofia estava diante de meus
olhos, ali, pura em sua confusão, cheia de dúvidas. “Quem são vocês? A Ordem dos Sábios? Ela
realmente ainda existe e vocês fazem parte dela? Quem são os sem espírito? O que que está
acontecendo?” Mesmo assim, demonstrando muita gratidão pelo seu resgate. Conversamos muito, e
ela contou partes importantes da sua infância até chegar na explicação de como havia chegado até
aquela situação:
- Eu fui para a Cidade, pois é o lugar onde eu nasci, fui para lá tentar entender a minha
história. Estava em êxtase, maravilhada com as construções altas e imponentes. Porém, algo já me
incomodava desde meus primeiros passos depois da magnifica Ponte Brilhante. Me senti sendo
perseguida por olhares vorazes e mesmo assim continuei. Quando cheguei no Mercado ouvi uma
voz fria, aguda e estranhamente familiar dizendo que eu era o alvo. Depois de ouvir isso fiquei
paralisada de medo e quando me dei conta já estava sendo atacada pelos homens-máquina. Fiquei
desesperada, pois quando eu tinha catorze anos um deles me caçou e por pouco não me capturou. E
eu ainda desconfio que outros deles raptaram meus padrinhos e a velha curandeira da aldeia Amla.
Então me veio à mente: a profecia.
Não saberia dizer ao certo, dificilmente os caminhos se cruzam desta maneira. Acreditava
que nosso encontro havia algo maior do que o acaso, mas tudo ainda não estava claro para mim.
Não sabia o real proposito deste estranho encontro entre eu, Sofia e Q; e temia falar mais do que
realmente compreendia. O fato é que o Mestre Hak estava perturbado com seus sonhos e não
conseguia tocar sua famosa harpa. Ele me disse que algo aconteceria, em breve, na Grande Cidade e
antigas profecias poderiam ressurgir. Lendas e profecias tão antigas quanto a própria ordem. Por
isso eu deveria ir à Cidade e observar se algo incomum estava acontecendo. Há algum tempo
Mestre Hak estava tendo pesadelos com uma balança que nunca entrava em equilíbrio. Certo dia
ficou frustrado por errar algumas notas e parou de tocar. Então, espontaneamente, o vi recitar um
antigo cântico, não entendi direito, mas era mais ou menos sobre a primeira deusa, a pura sabedoria,
filha do silêncio e da profundidade. Ela, um dia, se apaixonou pela própria luz o que fez com que
caísse em seus abismos, cheio de caos e desespero. Lá, de seus pensamentos e sentimentos
nasceram os mais variados seres, demônios, seres da natureza e seres celestiais, que povoaram o
Cosmo e construíram a Terra. Isolada, vendo o seu destino e o mundo imperfeito que criara se
sentiu envergonhada e chorou aos prantos, lamentando pelo poderoso espírito Solar. Até que um dia
Cristo, lhe presenteia com os tesouros da humanidade, a coroa de espinhos, os pregos da cruz e o
cálice da última ceia para sua ressureição.
Mas o que isso tinha a ver com a profecia ou com Sofia, não conseguiria elaborar de
maneira mais profunda, ainda era uma intuição embrionária.
Pois, bem, quando o Mestre Hak terminou, eu perguntei sobre o maravilhoso conto. Ele me
respondeu se tratar de uma antiga profecia, e que talvez seus sonhos fossem sobre a Deusa da
Sabedoria. Imediatamente ele me enviou para a Grande Cidade, sem maiores explicações.
Eu não sabia o que dizia exatamente a profecia. Só algo em mim me alertava que Sofia
estava envolvida, assim como eu e Q também estávamos. A guerra nos Mundos Ocultos já estava
acontecendo e a batalha mais importante já estava sendo travado na Terra. Desconfiava que o mal já
havia se materializado e rondando, era uma sensação. No fundo do meu coração já era anunciado
que Sofia era o alvo, assim como as trevas queriam a Deusa para sempre nas profundezas do
abismo. Era estranho, mas tudo o que eu havia estudado e aprendido me indicava essas explicações
como uma verdade revelada.
Este era o propósito de nós termos nos encontrado ali. Viemos por estradas distintas, mas
fomos destinados a nos encontrar ali, imersos por circunstâncias externas. Nos encontramos na
Cidade, por acaso, como pode parecer, levados por missões aparentemente diversas. Porém,
acredito que isso já havia sido traçado por tramas superiores, além de nossas compreensões naquele
momento. Quais eram as chances de ter encontrado meu ex-namorado, que morava na mesma ilha
que eu, há centenas de quilômetros? Quais as chances de justo nós, discípulos dos Sábios estarmos
presentes bem quando Sofia estava sendo raptada? Quais as chances da minha intuição ter ligado o
que ouvi do meu professor Mestre Hak com ela? O clima era estranho, parecia que estávamos ali
para encontrarmos uma solução para o perigo que percorre o mundo contemporâneo.
No sonho do Mestre Hak, a balança pesava para esquerda, para o lado de Mefistófeles. Os
sinais eram claros. Nós pudermos ver as condições da Cidade, completamente entregue aos
demônios, destruída, corrompida, doente e ainda assim produtiva como nunca. A Grande Cidade é
cheia de maravilhas e ao mesmo tempo cheia de injustiças. Onde há existência há repressão. Eu já
havia percebido isso há muito tempo. Esse tipo de vida não é saudável, doenças sociais e físicas se
espalham e proliferam.
Quando contei isso para Sofia e Q, ela retrucou, dizendo que não sabia quem era
Mefistófeles, então, respondi:
- Você já deve ter ouvido sobre ele talvez com outro nome, pois ele sempre rondou, como
uma sombra, as velhas lendas. Alguns o chamam de Lorde das Trevas, um dos governantes da
esfera do submundo. Ele despreza os Espíritos Criadores e quer tomar a evolução dos humanos só
para si, numa evolução em seu favor. Ele já fez algumas investidas, mas agora, acredito, que
começa a hora de seu maior ataque, de sua ascensão. Acredito que isso também faça parte da
profecia. Por isso a preocupação dos Sábios. Sabe, sempre, após uma derrota e uma pausa, o mal
toma outra forma e cresce novamente à sua gloria. Os sinais indicam que a Era de Mefistófeles está
se firmando. Seus planos ainda estão amadurecendo, e ele ainda não está em sua força plena. Será
muito difícil combatê-lo, ainda mais se ele permanecer nas sombras da inconsciência dos humanos,
quanto menos pessoas forem conscientes de sua presença melhor para ele. Mas você sentiu a sua
presença ele que te sussurrou gelidamente. Se ele já está encarnado e anda entre nós ainda é uma
questão que me mantem aflita. Sei que para ele ainda falta algo, algo que lhe dê força e sabedoria
para derrotar todas as resistências, que surgirão, quebrar todas as defesas e para cobrir
completamente a Terra com sua nova onda de escuridão. Por isso ainda está sendo cauteloso, ainda
não se revelou e ainda não é a hora de exibir toda sua força. Ele nos subestima, acha que você não
encontrará nenhuma ajuda sincera, que qualquer um que souber do seu potencial e poder irá tentar
manipulá-la à sua vontade, e isso lhe denunciaria, o avisando que é a hora apropriada para sua
investida.
- Minha cabeça está confusa e meus membros estão paralisados e silenciados. – Lembro das
palavras de Sofia. – O medo estende uma mão enorme, como uma nuvem que me envolve. Meu
coração revela a verdade de suas palavras, mas também revela o medo que me faz tremer da cabeça
aos membros! Por que isso está acontecendo na nossa época? Sempre senti que era responsável por
algo, talvez apenas pela minha própria existência, mas não responsável por um fardo tão pesado e
perigoso. Eu não sei se eu quero a responsabilidade de receber os tesouros da humanidade. Onde
buscarei coragem para encarar e seguir meu destino? Agradeço o esforço e pelas lindas palavras que
vocês me presentearam. São muitos sinais ao mesmo tempo, os de esperança e os de desespero!
Mas temo que os sinais de esperanças são apenas uma espécie de ilusão de minha natureza, para me
convencer quando muitas desgraças me atingem, de que o melhor ainda pode estar por vir? O medo
me assombra, mas minha intuição de viver fala mais alto agora, vamos por aqui!
A coragem pode ser encontrada em lugares improváveis. Tínhamos uma esperança esquisita
e tínhamos que decidir o que fazer com o tempo que nos fora dado. E acreditem esse tempo já
estava acabando, a maré quase havia se secado por completo.

33.
continuação da fuga
Assim como a Terra é iluminada pelo Sol, a intuição de Sofia nos levou até um pequeno
barco perdido que parecia estar apenas esperando por nós. Em minha cabeça só fez sentido ser um
bote esquecido pelos antigos Sábios que moraram lá há muito tempo e a utilizavam para voltar para
ilha em situações como aquela de maré alta. Ou, talvez pertencesse a algum pescador. Enfim, o fato
é que o bote estava lá e nós conseguimos ganhar tempo sobre os homem-máquina.
O plano era voltar o mais rápido possível para a Ilha dos Sábios, mas sentia que era muito
arriscado levar Sofia com a gente. Primeiro, tínhamos que chegar até na Vila dos Pescadores, no
extremo Norte da Ilha do Sol Nascente, e conseguir um barco mais apropriado.
Estávamos no bote a remos, mas mal era necessário, seguíamos a correnteza que ia rumo ao
norte. O Sol tinha acabado de nascer no horizonte do oceano, que espelhava o vermelho do céu.
Sofia ficou encantada com o fenômeno colorido que acontecia no céu e no mar. Depois olhou para
sua esquerda, vendo no horizonte o paredão da cordilheira envolvendo a paisagem. Ficou
contemplando a costa, cheia de pedras e morros estranhamente com formato de pirâmide.
Então, o clima pareceu mudar do nada. Uma tempestade estranha e incomum nos cercarva.
Nuvens carregadas desciam da cordilheira, do horizonte um vento violento agitava o mar e trazia
mais nuvens que encobriram o Sol. Aquilo não me pareceu normal. Não íamos conseguir atracar
antes da tempestade chegar.
A chuva gelada caia com força. Raios e trovões explodiam no céu. As ondas crespas
cresciam rapidamente até que uma, realmente grande, engoliu o bote. Fomos jogados contra as
pedras. As pequenas correntes feitas pelas ondas que atingiam as pedras produziam pequenos
redemoinhos. Q foi o único que conseguiu se prender numa pedra e chegar em um local a salvo.
Porém, eu e Sofia havíamos sidos engolidas pelos redemoinhos. Lutávamos por um pouco de
oxigênio. Q, por sua vez, voltou para nos resgatar, quando estava prestes a desmaiar.
Nos abrigamos em uma caverna. Ficamos encolhidos e trêmulos. A chuva apertava e talvez
fosse apenas o vento passando pelas rachaduras da entrada da caverna, mas o som se pareia com
gritos agudos, seguidos por gargalhadas alucinantes, que alimentavam o incomodo que já
sentíamos.
Descansamos o suficiente após o susto e aproveitamos o costume dos habitantes de não
saírem de cara nos dias de extrema chuva para partir rumo a Vila dos Pescadores. Lá, usamos a
palavra-chave, frase utilizada pelos Sábios, desde a antiguidade para se identificarem entre aliados,
para encontrar o chefe da vila. Não fomos totalmente sinceros com nossa situação, sentia que
corríamos grande perigo, mas indiquei a urgência da nossa fuga, e da importância de voltarmos para
Ilha dos Sábios através de uma rota segura. O único barco disposto a zarpar na tempestade era um
pesqueiro, cujo capitão era um homem de confiança.
Mas, minha paranoia era maior que qualquer confiança. Eu tinha certeza de que estávamos,
nós três, eu, Sofia e Q, vivem algo muito superior que nossas existências. Que muitos destinos
estavam ligados aos acontecimentos das decisões que nós três tomássemos naquele momento.
Embarcamos sem dar muitas respostas e informações, e a tripulação pareceu não se incomodar com
nossa presença. Debatemos o que seria melhor fazer. Até que chegamos com um plano. Seria muito
arriscado Sofia voltar conosco para Ilha, havia muitos perigos no caminho, além de levá-la conosco
era uma atitude obvia da nossa parte, que com certeza nossos inimigos estariam contando com isso.
Eu e Q iriamos desembarcar em Crotón e seguiríamos na Rota dos Andarilhos até a Ilha dos Sábios
para informá-los como as coisas estavam se revelando. Enquanto Sofia seguiria até o destino de
comercio do pesqueiro, a Cidadela do Templo nas Terras Férteis. O Mestre do Grande Santuário da
Cidadela havia sido iniciado pelos Sábios, portanto, com a palavra-chave, ele daria ajuda e
segurança a Sofia. Eu a avisei que ela teria que tomar muito cuidado quando sozinha e com outras
pessoas. Não era prudente que comentasse qualquer coisa sobre sua jornada com pessoa qualquer.
Uma das maiores artimanhas de Mefistófeles é a traição, motivada por uma falsa sensação de poder.

34.
retorno a ilha dos sábios
- Você acha que o plano vai dar certo? – perguntou Q.
- Até agora deu. – Respondi.
- É isso que me incomoda, achei que seria mais difícil.
- Também estive pensando nisso. Se não estamos sendo perseguidos, acredito que já saibam
que Sofia não está mais conosco.
- E eles vão deixar a gente contar para os Sábios o que sabemos?
- Essa pergunta me intriga desde que desembarcamos. Talvez julguem que a força dos
Sábios é incapaz de ajudar Sofia ou julguem que nós não sabemos o que realmente está
acontecendo.
- Eu espero que seja a última opção. O que você acha?
- Sinceramente, eu não sei. Mas que eles sabem que os dados foram lançados, isso eu tenho
certeza.
- Será que eles já sabem para onde ela fugiu? Eles vão investir em persegui-la?
- Talvez saiba, mas duvido que já vá se revelar, deve estar elaborando planos mais
complexos. E o que nós iremos fazer? Eu não sei.
- Amanhã estaremos em casa, depois de tanto esforço. E já que iniciamos esta jornada,
temos que ir até o fim, eu, você e a Sofia. O destino nos escolheu. Claro que isso pode significar
que a gente, eu e você, podemos ficar juntos ou não. Podemos perder um do outro. Pode ser o fim
dos Sábios e um triste fim para a humanidade. Podemos perder nossas mentes com tantos problemas
e ameaças. Podemos ficar presos e isolados. Vai ser um teste para a nossa força de vontade, e apesar
de todas as chances contrarias nós vamos conseguir, alcançaremos conquistas além das nossas
imaginações. Eu acredito, não só porque eu tenho que acreditar, é porque eu cultivo a esperança.
Estaremos sozinhos, mas unidos. Estamos com Deus e seus companheiros, que aquecem o fogo dos
espíritos em nossas almas. Essa é a luta que devemos lutar! A luta de Micael contra o dragão. –
disse Q com razão. Ele apagou a fogueira para eu dormir enquanto ele fazia o primeiro turno da
vigia.
No meu turno algo interessante aconteceu. Q acordou ofegante e desnorteado. Disse que
havia tido um pesadelo e acordara com um sentimento de preocupação. Então, contou seu sonho:
- Estava diante de uma larga escadaria, iluminada por tochas. Conforme subia os degraus,
via doze colunas gigantes, e nelas estavam esculpidas várias gravuras de batalhas. As colunas
sustentavam um magnifico e majestoso Santuário construído com pedras calcarias e de areia. Ao
entrar no templo principal, olhei para cima e vi que o teto possuía o céu e estrelas de cinco pontas.
Percebi que em um dos sete templos do Santuário estava acontecendo uma cerimônia sepulcral.
Atravessei o salão ouvindo o canto fúnebre até chegar na parte de trás do Santuário, onde encontrei
um grande buraco se revelou. No meio da escuridão um ponto de luz surgiu e fui ao seu encontro.
Quando estava chegando perto, percebi que estava no deserto e a luz vinha da lamparina carregada
por um ser misterioso, que não conseguia enxergar direito. Ele trazia três camelo e me disse
“Atravessará o deserto com três, mas atravessar a montanha, só dois conseguirão” entregando os
membros de uma caveira. Passei a ouvir gritos de desespero e sofrimento, gritos por clemencia,
sons de uma batalha entre dois exércitos. Explosões de fogo passaram a iluminar o deserto. Nuvens
com formato de seres demoníacos saiam das chamas descontroladas e das nuvens surgiu uma onda
de sangue, que me encobriu.
Andamos da encosta da Serra até chegar no Rio Divisório, que desembocava na Ilha dos
Sábios. Q construiu um bote improvisado capaz de nos sustentar. Chegamos na Ilha ao anoitecer e o
Mestre Hak e a Mestra Rá estavam esperando no portão da entrada do labirinto. Nos perguntaram o
que havia acontecido, voltamos muito depois do previsto. Então, contamos os últimos
acontecimentos:
-... Seguimos viagem até a Crotón e lá nós nos separamos. Sofia continuou no barco rumo a
Cidadela do Templo. Seguimos longe da estrada principal até chegar nas Montanhas Esculpidas, de
lá, fomos pela Rota dos Andarilhos para descer a Serra até um pouco antes da Ponte Brilhante.
Então, só viajamos nas encostas da Serra, apenas na sobra do pôr do sol e ao anoitecer. Só hoje de
manhã que alcançamos o rio. Achamos que era mais seguro, caso tivesse alguma emboscada ou
olhares maliciosos. A viagem demorou mais do que eu havia calculado, pois tomamos todas as
medidas de precaução possíveis.
- Confio na força, sabedoria e poder que vocês possuem. As coisas simples são
extraordinárias. Foi muito importante e significante suas ações e pensamentos para o futuro da
humanidade. Mas agora é a hora de irem dormir e durmam com suas perguntas, conversaremos
mais sobre tudo isso. – disse a Mestra Rá
- Só preciso fazer mais algumas perguntas, ela acreditou em vocês? Vocês acreditaram
nela? – Perguntou o Mestre Hak.
Passados sete anos, Q retornou a ter o mesmo sonho da mesma noite antes de chegarmos na
Ilha. No dia seguinte, o sonho aconteceu de novo. E no dia seguinte também. No quarto, o pesadelo
recorrente aconteceu mais uma vez, porém, no final, diferente das outras vezes, Sofia gritava por
socorro, meio a chamas e sangue.
A dúvida me corroía. Sofia estava mesmo em perigo? Os anos protegida na Ilha, me
fizeram insensível. Havia deixado que a história de Sofia se desenrolasse sem minha ajuda, pois
jugava que ela devia enfrentar seu próprio destino sem interferência, só assim poderia combater o
Inimigo. Mas precisava agir, e contaria com a ajuda de Q.

35.
na corte de Farsishah
No longo corredor que levava a corte de Farsishah, o Conselheiro Chefe andava a passos
largos. A notícia que havia recebido era tão inquietante que ele nem conseguia contemplar os lindos
adornos no teto, que sempre gostava de parar e contemplá-los. Desta vez era diferente. Precisava
contar ao Imperador as novidades o mais rápido possível. Sua mente viajava por armadilhas cheias
de paranoias, mas diante da porta de ouro, que levava a sala da corte, respirou fundo e entrou sem
demonstrar qualquer sinal de suas terríveis preocupações. O Conselheiro caminhou calmamente em
direção ao trono, enquanto todos da corte nem pareciam ter notado sua presenta, pois,
aparentemente, estavam ouvindo os cantos da conquista das tribos do Norte sob os feitos de
Farsishah.
Após Farsishah ouvir a notícia cochichada em seu ouvido, fez um movimento com a mão
fazendo com que houvesse silêncio. Só neste instante que o Conselheiro notou o estrangeiro entre
os acentos de honra da corte, pois o Imperador lhe dirigia a palavra:
- Caro Mestre Forasteiro, a hora chegou em que preciso lhe responder sobre nossa aliança.
– Após a fala, Farsishah olhou para um ponto fixo e parecia estar revendo seus próprios
pensamentos. Nisso, uma tensão pesou o ar da corte. Essa decisão tinha o peso de toda uma nação.
Se a escolha fosse a errada a consequência acarretaria a todos que estavam ali presentes. Então,
voltou a falar. – Ontem eu estive entre os deuses e o Conquistador do Reino dos Céus, Muhset me
relembrou a bela canção que começa com “a lua crescente surgiu e as trevas deram origem à Terra,
e o brilho deu origem às estrelas”.
- Muhset nasceu quando o céu ainda era feito de ferro e foi gerado a partir da luta entre
Ibramuk, o deus da Morte e Annu, o deus da Fertilidade. Ibramuk arranca um pedaço do sexo Annu,
que lança uma maldição sob Ibramuk, prometendo que das sementes de seu sangue surgiriam o deus
capaz de derrotá-lo e depô-lo. Muhset cumpriu o seu destino e destronou Ibramuk como deus dos
deuses. Porém, o demônio Aknayulli, a terrível serpente de duas cabeças e aliada de Ibramuk nada
gostou do que havia acontecido e planejou sua vingança. Conhecido por ser traiçoeiro, Aknayulli
esperou escondido perto ao grande trono do deus dos deuses. E na primeira oportunidade, de
descuido de Muhset, ela lhe arrancou um olho. Com esse olho, Aknayulli criou a Terra, para poder
educar humanos, criados pelo avô de Ibramuk, a sua maneira, longe da ordem dos deuses. Porém,
Muhset, vendo a corrupção da obra de seus antepassados, decide fazer um ritual. Ele arrancou parte
de seu crânio, parte de seu coração e parte de seus membros, para dar a vida a Ilisuttah, o primeiro
Rei da Dinastia da Terras do Oeste, do qual linhagem, eu faço parte. Ilisuttah fora criado com o
propósito de conquistar e instaurar a ordem divina na Terra, não deixando com que os humanos
caiassem nas armadilhas de Aknayulli. Ilisuttah era o Rei. Seus filhos, familiares e soldados eram
todos unidos e abençoados pela força de Muhset. Onde quer que fosse em campanha, subjugava
seus inimigos com suas espadas de metais celestes e expandia o ensinamento divino. Com ele o
Reino do Oeste cresceu e prosperou. Porém, enquanto envelhecia, viu como seus filhos, criados
como cegos nas abundancias de suas conquistas, eram fracos demais a corrupção de Aknayulli, e
decidiu deixar Ilisrum, seu neto, como herdeiro. Ilisrum fez excursões conquistando e anexando
novas terras ao Novo Império, que ia do Norte ao Extremo Oeste até o limite com o mar. Após
Ilisrum, o Reino mergulhou numa profunda paz, que durou por gerações, até que meu pai,
Amuilulippus, quando assumiu o trono, foi inspirado por Muhset durante a Eclipse e partiu rumo ao
Sudeste, em busca de novas conquistas. A campanha foi um sucesso e ele retornou com terras,
riquezas e o novo conhecimento da escrita.
- Saiba você, meu amigo, venho de uma linhagem de grandes Reis que descendem
diretamente do Deus Muhset, O Conquistador do Reino dos Céus. Meu destino é muito claro.
Acabo de receber do meu Conselheiro Chefe que aqueles restos de Andarilhos começaram a
movimentar seus exércitos e é chegada a hora de honrar aqueles que governaram antes de mim.
Minha decisão é a guerra!

36.
a batalha entre Farsishah e Sesram
- Você confia no Mestre Forasteiro? – Perguntou Farsishah.
- Se você realmente quer minha humilde opinião, a responsabilidade do meu cargo me
obriga a mais sincera das palavras, mesmo que não seja do seu feitio. Pois, saiba que não sou a
favor da guerra, nunca fui e nunca serei. – Respondeu o Conselheiro Chefe. Os dois eram os únicos
que restavam na tenda usada para o Conselho de Guerra, ainda sentados na mesa que continha
inúmeros mapas e objetos para ilustrar o território e a distribuição de suas tropas, que foram usados
para montar a estratégia na longa reunião que havia se encerrado a pouco tempo. Agora sozinhos, o
Conselheiro Chefe podia ser sincero, mas vendo uma leve alteração de raiva, no rosto de Farsishah,
tratou de se adiantar. - Porém, vista as circunstâncias e a inevitabilidade do confronto só nos resta
esse caminho... Não, não confio em tal estrangeiro, mas o conhecimento concebido por ele, creio
ser a melhor estratégia. Usando as ferramentas aprendidas com ele, sim, podemos subordinar e
influenciar nossos inimigos.
- Não ia parecer fraqueza, um descendente dos deuses usar tais artimanhas? – Perguntou o
Imperador, sendo sincero de suas preocupações com a única pessoa que confiava.
- Jamais Magnifico Imperador, acredito que os deuses andam favorecendo a força da
inteligência sobre a força bruta.
- Contanto que eu saia vencedor e honre minha linhagem.
Os dois foram interrompidos por um general que trazia as novidades da linha de frente:
- Perdoe-me a interrupção Minha Magnifica Majestade. É urgente! Trago o relatório de um
batedor que encontrou os Nômades do Deserto. Eles disseram que foram capturados e interrogados.
Deram a pista falsa que seu exército estava a uma semana de distância. Assim os inimigos
apressaram o passo rumo ao campo ao norte de Shedak. Eles também enviaram os Nômades para
avisar o Governante de Shedak que em duas noites vão estar no portão da cidade e se encontrassem
de portas abertas poupariam a vida de todos.
- Me pergunto o porquê de duas noites. – Disse o Conselheiro.
- Deve ser o tempo que levará para ele reunir todas suas tropas. – Respondeu o General.
- General, mande imediatamente mil de nossos veículos para Shedak. – Ordenou Farsishah
- Sob qual ordem?
- Atacar e atrasar as tropas restantes.
Passados horas da ordem dada o Imperador reuniu todos os seus Generais.
- Ainda não temos notícias dos veículos?
- Desculpe Minha Magnifica Majestade, nós não soubemos de mais nada, desde que
avistaram uma divisão de infantaria e avançaram.
- Será que foram derrotadas? – Perguntou um dos Generais. O que foi o suficiente para um
ataque de fúria de Farsishah.
- COMO OUSAR DESACREDITAR DE MEU EXÉRCITO CEDIDO POR MUHSET, O
CONQUISTADOR? VOCÊ NÃO PASSA DE UM COVARDE E NÃO TEMOS ESPAÇO PARA
ISSO! – Os Generais e o Conselheiro Chefe se olhavam assustados, apesar de já terem presenciado
cenas como essa outras vezes, enquanto Farsishah dava a ordem em gestos para seus guardas
deceparem o general. - CHEGOU O MOMENTO DA GLÓRIA! ATRAVESSAREMOS O RIO
DE SHEDAK E MARCHAREMOS RUMO AO INIMIGO! ASSIM COMO NOSSOS
ANTEPASSADOS FIZERAM, HOJE É O DIA QUE HORAREMO-OS! É AGORA QUE
COMEÇA A NOSSA HISTÓRIA DE CONQUISTA. REUNAM AS TROPAS! VAMOS!
AVANTE!
Aconteceu como o ordenado. Farsishah atravessou o rio de Shedak e marchou rumo ao
acampamento de seus inimigos. Porém, prestes a conquistarem o santuário que ficava no coração do
acampamento, onde estava a corte inimiga em suposta segurança, as tropas de Sesram que ainda
não haviam chego, chegaram e um banho de sangue se instaurou sobre a batalha. Os dois lados
sofreram baixas violentas e recuaram numa trégua velada após horas de frenesi. No dia seguinte,
Farsishah e seu exército marcharam até as margens leste do rio de Shedak e de frente para os
portões da cidade viram as tropas inimigas. Ali, numa demonstração de poder e coragem, os seus
inimigos, puniram os que haviam fugido nas batalhas do dia anterior com a morte. Ao ver isso o
Conselheiro Chefe cochichou no ouvido do Imperador:
- O plano está dando certo e as previsões do Forasteiro não nos enganou. Faremos como o
traçado. É a hora de pedir a trégua. Eles estão enfraquecidos. Essa exibição só pode ser desespero.
Deixaremos que partam em paz, mas assim que retornarem a suas terras terrão a indigesta notícia
que todos os territórios ocupados em sua campanha foram libertos por nós, pois atacaremos de
forma sorrateira e veloz, sem oferecer chances.
- Só pararemos quando Conquistarmos a Cidadela! – disse Farsishah.
Tudo ocorreu como o plano de Farsishah, do Conselheiro Chefe e do forasteiro. Porém, o
que eles não sabiam era que naquele exato momento a capital do Império do Oeste era conquistada
e saqueada pelas subestimadas tribos do Norte.

37.
reencontro nas Terras Férteis
Sofia, agora segura e protegia, sem nenhum perigo iminente após a batalha de Shedak,
estava vendo uma absurda demonstração de poder de Sesram. Ele ordenara a morte dos próprios
soldados que fugiram durante a batalha. Não entendia como alguém que tinha sido educado
segundo o Grande Sacerdote poderia agir daquela maneira. E o Mestre não parecia estar tão
inconformado tanto quanto ela. Sofia pensou “a arte da estratégia só é bela para aquele que não
estão morrendo ou lutando”.
Sesram deixou uma guarnição na cidade recém conquistada e já voltou para sua capital.
Marchava como um grande conquistador, mas Sofia sabia que de vitoriosa a campanha nada tinha.
Os espólios e terras mal pagariam os custos da guerra e isso parecia obvio a muitos, porém, era
velado.
Sofia já havia compartilhado inúmeras graças e alegrias com aquele povo, mas ela não se
sentia em casa, muito menos nessa campanha sem sentido aos seus olhos. E nos últimos tempos
esse sentimento começou a ganhar mais espaço e atenção. Algo lhe dizia, em seu íntimo, que estava
desconfortável, e sua vida e missão não estava progredindo. Claro que aprendera muito entre os
Mestres e os Sacerdotes, só que já era chegada a hora de fazer algo novo. Quando retornassem a
Cidadela.
Após, meses de retorno, finalmente passavam pelo Monte da Visão, quando viram uma
densa e poderosa sombra de fumaça, que vinha da direção do Templo. O batedor voltou estado de
choque, mal conseguia falar, avisando que tropas desconhecidas invadiram pelo cais e estavam
ocupando a Cidadela, já haviam ateado fogo no Santuário e já dominavam a Fortaleza. Logo em
seguida, outro batedor apareceu dizendo que o exército de Farsishah estava pronto para atacar a
retaguarda. O exército de Sesram entrou em desbando com as notícias e com a cena de seus lares
em chamas, foram engolidos pelo caos e a desordem se instaurou. Sofia saiu correndo com o
Grande Sacerdote rumo a Cidadela, meio à confusão, esbarroes e pessoas morrendo pisoteadas. O
templo estava sendo atacado por seres que Sofia reconheceu, homens-máquina. O que Sofia mais
temia estava acontecendo. Havia sangue por todos os cantos, entre os cadáveres, rostos conhecidos.
Em uma das ruelas estavam três homens-máquina na espreita, avançando sobre eles. O Grande
Sacerdote ficou na frente de Sofia, e a protegendo tomou uma facada na boca do estomago. Sofia
indefesa tentou recuar. No momento do golpe de um dos outros assaltantes, Sofia reagiu. Os dois se
embolaram no chão, lutando pela posse da faca. O homem-máquina, que estava de pé, vendo o
confronto se desenrolar no chão, foi dar o golpe fatal. Q impediu. Rápido e habilidoso, Q enfrentou
os homens-máquina, que fugiram pedindo reforços. Não tínhamos muito tempo. Tínhamos que
fugir. Novamente. Mais uma vez nos encontramos num momento chave, e um momento de fuga.
Sofia foi ao leito do seu Mestre, dizendo entre as lágrimas que escorriam:
- Desculpa, a culpa toda é minha. Eu trouxe a ruína para o antigo Santuário, local onde
tenho tanto carinho e respeito. Eu sou o mau agouro.
- Minha criança, não chore, não se pode fugir do próprio carma. – respondeu o Mestre, no
seu último suspiro. Sofia estava em prantos, oscilando entre culpa, fúria e medo.
Então, ouvimos passos, marchando e se aproximando. Não havia tempo para reflexões,
luto, enterros ou despedidas.

38.
a caravana
Sofia estava devastada e passou a se isolar, cada vez mais. Ficava relembrando da cena do
Templo, primeiro sentiu muita culpa de crer ter provocado aquilo, pois sabia que os homens
maquina estava procurando-a, depois passou a sentir raiva, que ia ganhando forças. Queria
vingança, queria destruir o Império de Inimigo, desgraçou todos da Cidadela, por deixar tudo aquilo
acontecer. Sentia que devia queimar o passado e se preocupar com o futuro. Aquela chama da raiva
passou, mas deixou espaço para o medo começar a agir. O medo começou a infectar seus
pensamentos e sentimentos, pouco a pouco, ao longo dos dias.
Fugimos o mais depressa possível. Chegamos no Oasis da Despedida junto com as notícias
da Cidadela. Lá, só restavam duas caravanas, uma rumo ao extremo nordeste, que ia passar pela
Cidadela e agora estavam tramando um novo rumo para alcançar o destino; e outra indo para as
terras peninsulares. O mais seguro era ir para as terras peninsulares. Tínhamos que fugir se esconder
outra vez, e a Escola de Orador seria um bom refúgio.
A princípio, Fortuno, o líder da caravana estava desconfiado. Acreditava que nós estávamos
envolvidos com os acontecimentos na Cidadela. Alegamos que éramos viajantes da Grande Cidade,
pretendíamos ficar nas Terras Férteis, mas as circunstâncias nos levaram a fugir de lá, e visitar,
então, o lar do famoso Orador. Nisso, Fortuno levantou a sobrancelha e disse:
- Se vocês pretendem mesmo visitar os Irmãos dos Número, como eu os chamo
carinhosamente, não seria de todo mal comprovar essa informação desvendando a famosa charada
daqueles que conhecida na Escola. Como o quatro se transforma em dez?
Eu não conseguia achar uma explicação racional além de contas complexas demais para ser
a resposta certa. Q não fazia ideia. Mas, Sofia, respondeu:
- Somando um, dois, três e quatro. – Fortuno abriu um sorriso e falou:
- Me desculpem, são tempos estranhos e minha desconfiança não tem a intenção de ofende-
los. Vamos partir, tenho uma tenda sobrando para vocês usarem.
Tudo ocorreu bem, até passarmos pelo Vau Perigoso e Fortuno receber a notícia. Reuniu
todos e apresentou a questão:
- Acabo de ficar sabendo que um esquadrão dos invasores da Cidadela estão nos
perseguindo em busca de espólios. – Nós três sabíamos que a busca era por Sofia. - Ainda estamos
com alguns dias de distância, mas talvez não o suficiente para chegarmos em terras seguras da
Península. Então, hei a questão. Podemos pegar um atalho pelas montanhas e com certeza
chegaremos nas Terras Peninsulares antes de nossos perseguidores, porém, correremos o risco de
sofrermos de ter que pagar “um pedágio” aos povos selvagens da montanha. Ou vamos pela estrada
principal e correremos o risco do saque de soldados violentos. Cabe a nós votarmos e decidirmos.
Nós três fizemos parte da maioria. Fomos pelo atalho. Durante o caminho, sentíamos as
Montanhas nos observando, dia e noite. Até que, na última noite antes de chegarmos nas Terras
Peninsulares sofremos um ataque dos povos da Montanha. Nenhum pertence foi roubado, mas,
dezoito pessoas pagaram com suas vidas protegendo a Caravana. Alguns foram raptados, outros
foram mortos. Entre os mortos estava Q, que lutou para nos proteger, mais uma vez. E de novo, não
havia tempo para despedidas.
Até chegarmos na capital das Terras Peninsulares fomos tomadas por um luto que nos
alcançava como uma sombra cheia de medo, nenhum horizonte se encontrava em nossas frentes.
Sentíamos que para alcançar qualquer tipo de refúgio de nossas dores bastava nos desviar de nossos
deveres e deixar a batalha contra o Inimigo para outros, nos desviando do nosso trágico e triste
destino.
Depois de deixar Sofia em segurança na Escola, parti numa missão para me despedir
adequadamente de Q, nem que me custasse a própria vida. Felizmente, pude cremar o seu corpo, e
só consegui me despedir dele quando levei suas cinzas para a Ilha dos Sábios.

39.
encontro de Sofia com elementais.
A imaginação, para Sofia durante seus anos de labirinto, era uma vivencia anímica real, na
qual ela mesma participava fortemente. Quanto mais era consciente de si, mais buscava
imaginações com o mínimo de caráter subjetivo. Teve que aprender a controlar seus desejos e
conceitos pessoais, para que uma verdadeira imagem pudesse surgir em seu íntimo. Uma espécie de
nova consciência estava despertando como um sonho, mas não em um sonho ordinário, mas numa
realidade onírica na qual podia dominar e controlar.
Pela inspiração, chegava à voz do universo, o canto da natureza. Vinha como lampejos na
forma de pensamentos e sentimentos, e não por meios gramaticais ou racionais.
A partir da intuição, ou de um insight, Sofia se sentia una com o universo ao redor,
percebendo sua infinidade de tons de diversidade.
Entregue a luz e as flores, Sofia estava entregue ao espanto e ao prazer quando percebeu
uma voz vindo das rochas e raízes:
- Volta pra chão. Você não é uma fada, enraíze-se! Todos temos uma tarefa. Trabalhamos
de e para a terra. Preste atenção nisso! – quando Sofia reagiu as palavras, a voz indagou – Então,
você me vê? Estanho... os humanos só têm tempo para se chatear e xingarem as coisas e as pessoas
alheias. Isso demanda tanto esforço que mal têm tempo para se dedicarem a se alegrar. É necessário
celebrar, as festas de lembranças como luzes do paraíso. Talvez, assim, cuidassem e colaborariam
com a terra. Vocês nada oferecem, só tiram! Do jeito que anda, só diminui seu tempo de vida. Os
humanos não estão a tratando com juízo. Eles mal percebem a luta que é travada nos mundos
espirituais. Estão cegos a ela, enquanto ela se desenrola dentro de vocês! Quando nos percebem
logo pensam “como tirar proveito disso”. Será que você pode mesmo perder a coragem, quando o ar
ainda dança e faz desabrochar as flores?
- Sou muito mais velha do que você pode pensar! – disse o vento. – Levamos pensamentos,
além de nuvens e pólen! Os bons e os maus, os complicados e os simples. Pois, bem, os humanos se
deslocam do novo para o velho, e os pensamentos do velho para o novo. Isso precisa ser assim. Os
humanos também conseguem nos poluir com seus pensamentos opacos e sem vida! Se você me
olhar de um lado sou o ar, em outro lado, sou a luz.
- Eu movo a força do crescimento. – disse a água. – Pensa em espírito!
- Receba, amando, a força de vontade dos deuses! – disse o fogo, por fim.

40.
encontro com o guardião
Durante uma noite, no labirinto, Sofia se deparou com um horripilante e fantasmagórico
ser. Precisou de toda a sua presença de espirito e confiança em seu caminho cognitivo para encara-
lo.
- Poderes que desconhecia, se apoderavam de ti. Agora veja que sua existência é
consequência pelas boas e má ações de vidas passadas. Sob sua influência alicerçou-se teu caráter,
através de seus pensamentos e experiencias de vida. O destino são as escolhas que chegaram a ti, e
o carma são as consequências dela. Essas forças se afrouxarão de ti. O trabalho que fizeram em ti,
tu mesma terás de fazer agora. Vários golpes duros já lhe afligiram. E eles são frutos da sua força,
de tuas ações passadas, teus pensamentos e sentimentos mais secretos. Tal poder do destino te
trouxe aqui. Minha forma, é uma representação desse seu Eu verdadeiro, portador do carma e do
destino. Olha estas feridas, teu espírito pode vê-los. Portanto, doravante o trabalho de suas próprias
mãos encontrarás minha ressureição luminosa.
- O limite é estruturado por cada um dos sentimentos de temor que ainda sobrevivem em ti,
por cada um dos medos e receios de assumir por plena responsabilidade seus atos, sentimentos e
pensamentos. Enquanto não encarar a ti mesma, e assumir as rédeas do seu destino, só encontrará e
tropeçará em ilusões. Só quando sentir-te livre do medo e plena para assumir as mais altas
responsabilidades encontrará o caminho.
- Caso alcance o Templo, conseguirá conhecer seres de natureza supressensorial. Não se
esqueça, agora que me vistes, terás que assumir o dever de transformar-me.
41.
chegada no Templo e encontro com Micael.
Passados sete anos no labirinto, Sofia alcançou seu objetivo, o Templo dos Sábios. Ele era
redondo e possuía cortinas vermelhas, o chão era preto e branco e não parecia precisar de luz
elétrica ou fogo, ele tinha uma espécie de luz própria. Havia três grandes pinturas no altar. A
primeira ilustrava o caminho da Terra para o Sol. A segunda ilustrava o caminho do Sol para Terra.
E o terceiro ilustrava a unidade e suas facetas sob quatro arquétipos. Sofia, então, meditou diante as
Pinturas do Altar.
Diante dela estava um ser com um manto branco que cobria uma armadura dourada. Tinha
asas cheias de olhos. Trazia consigo uma balança e uma espada em formato de cruz, que oras
parecia de fogo, oras de luz, oras de um cristal azul vindo do espaço sideral.
- Como se chamas? – perguntou Sofia.
- Quem realmente sabe o nome de seu verdadeiro Eterno? Sou o guardião da Sabedoria
Cósmica, o guia do deserto, o arauto de Cristo, o inimigo dos Dragões.
- E porque você não me ajudou antes? – perguntou Sofia.
– Só posso aparecer a partir do seu próprio esforço em liberdade. Nada mais podia fazer
além de aguardar-te. Vi-te enquanto vagueavas, e não me interferi. Mas o tempo chegou para nós
nos encontrarmos, minha querida mãe e filha – respondeu Micael.
- Porque eu sofro tanto?
– A dor e o sofrimento, e a morte são remédios para a cura da alma, porém, a alma da
consciência é um vazio, que exclama algo verdadeiro, do fundo do coração, que preencha a
existência com um sentido a partir de um esforço espontâneo pessoal verdadeiro. E esse processo de
encontrar esse vazio e o processo de preencher com esse esforço é extremamente sofrido, porem
essa tragédia, que acarreta os humanos de hoje, não deixa de ser bela. Necessita ter coragem, pois
muitas vezes o sofrimento não passa de um desejo não realizado ou atendido.
- Como eu combato o inimigo?
- O soldado obedece a ordens inconscientemente, já o guerreiro sabe que lutando por uma
causa e isso o permite contemplar a raiva e o medo em sua luta.
- Para que estamos aqui?
- A princípio para te lembrar que o oposto do medo é o amor, e não coragem; a polaridade
do amor é o medo, e não o ódio. Dia e noite contigo estou, sempre ao teu lado a encorajar teu forte
coração quando pensas como ouro.
- Como estou aqui?
- Pelo jeito que preencheste teu Eu de Verdade Universal. Assim possibilitando ser a
melhor versão possível de si, em autoconhecimento, num desenvolvimento moral. A evolução do
cosmo age no alicerce da consciência, enquanto a Terra é a mãe da humanidade e os humanos
vivem em sua placenta.
- Isto não é fácil, nem constante.
- Ver-se-á que é muito difícil discernir quais as propriedades que cada coisa possui na
realidade. Eu já viajei muitas vezes para os lugares e tempos mais longínquos da Terra, eu vi o que
poucos viram, eu vi a infância dos santos e dos gênios, eu vi o conhecimento ser destruído diversas
vezes, eu vi os muitos prisioneiros na e da cruz exalarem o poder e a glória do pecado, eu vi o
derramamento do sangue de Cristo, eu vi mártires desconhecidos serem assassinados, eu vi
julgamentos unilaterais, eu vi o choro da humanidade.
- Quais são os espíritos bons e os espíritos maus?
- Os espíritos em si não são bons nem maus, nem mesmo os demônios; cada ser espiritual é
permeado por uma força e a maneira que o homem utiliza essas forças é que determina a moral
dele. Não existe mais a dualidade do bom e mau, de certa forma. E sim 3 forças, a da expansão, a da
contração e a do equilíbrio, a qual eu sou o guardião, o caminho que leva ao Regente Solar – Micael
continuou:
- O Regente Solar veio a Terra e depois do Gólgota passou a morar no centro do planeta e
para a humanidade o encontrar deve escavar pelas sombras de si, até encontrar a luz que vai
irradiar, do centro da Terra, até os confins do Universo Celestial.
- Dessa maneira, o Mistério de sua vinda e morte divide a humanidade em duas. Antes, a
descida, então a reviravolta da subida. Alguns seres são contra a meta da evolução humana. E tudo
dependerá de como a humanidade se comporta na condução de seu futuro. Glória como Homens-
Espíritos ou escravos da Oitava Esfera.

42.
sobre a natureza da humanidade cósmica
- O que sou? - perguntou Sofia.
- O Ser do humano se manifesta dividido em muitas almas, corpos e espíritos, tal como a
luz se manifesta em muitas cores do arco-íris.
- Assim como o mundo dado sensorial, o mundo conquistado das ideias, e o mundo real.
Assim como a arte, a forma e o conceito. Assim é a tríade humana: o corpo em si é expresso no
sistema metabólico-motor, a alma no corpo é expressa no sistema rítmico-respiratório e o espirito
no corpo é expresso no sistema neurossensorial; o corpo na alma é expresso pela vontade e ação, a
alma em si é expressa no sentir e o espirito na alma é expresso no pensar; o corpo no espirito é
expresso no estado de consciência semelhante ao sono, a alma no espirito é expressa na consciência
onírica e o espirito em si é expresso no estado de consciência de vigília.
- O mundo é a totalidade de tudo que há. Formado pelo céu e inferno para a Terra. Porém,
seu sentido é apropriadamente identificado como humanidade. Assim como o universo se formou
de quatro elementos, assim o humano se compõe de quatro humores. A vida da semente perante a
pedra, a vontade do animal perante a planta, a autoconsciência humana perante si mesma. A
matéria, a energia, a vontade e o ser. A estabilidade, a razão e o contato com a realidade da vida, do
outono, do reino mineral, do melancólico, da terra; a intelectualidade e sociabilidade da luz, da
primavera, do reino animal, do sanguíneo, do ar; a combustão, a impulsividade, a iniciativa, o
entusiasmo, a expressividade do calor, do verão, do reino humano, do colérico, do fogo; a
sensibilidade, a empatia dos processos químicos, do inverno, do reino vegetal, do fleumático, da
água.

43.
sobre a cosmogonia.
- De onde vim? – perguntou Sofia.
- Vamos aos Arquivistas que eu te mostrarei.

43.0
a balada que antecede
Quando a nossa realidade ainda nem se quer existia, uma guerra era travada.
Os senhores das Trevas, de nomes impronunciáveis, avançavam e invadiam os territórios de
luz dos Antigos Deuses. A guerra durou eras, até que a escuridão e o caos foram se instaurando,
levando consigo uma eterna escuridão cósmica.
Apesar da derrota dos Antigos Deuses, ainda havia esperança, a recém-nascida do silencio e
da profundidade, princesa Una. Encarregada de uma responsabilidade do tamanho do Universo.
Na última batalha decisiva, chamada de Duelo dos Destinos, a princesa teve para si a
missão de fugir às escondidas dos agentes das Trevas. E, sob a Profecia, na hora certa, iria repovoar
os seres celestes e criar os Novos Reis-Verbo. Quando o Império dos Antigos Deuses foi
aniquilado, a princesa já se encontrava no limiar desse Antigo Mundo.
Durante a eterna escuridão cósmica, a princesa concentrou-se todas as forças em si própria.
Em um único ponto. E pelo nada, vagou.
Passados sete eternidades, suas forças atingiram a maturidade e com ela a necessidade de se
expandir. De seu renascimento, o silêncio e a profundidade retiraram dela os três Reis Espíritos. O
Rei da Verdade, o Rei do Belo e o Rei do Bom. E juntos começaram a dar à luz a um novo
Universo.
A essência da Princesa Una e, consequentemente, dos três Reis era o mais puro e intenso do
que hoje denominamos de amor. Essa essência era o fruto sagrado cultivado pelos Antigos Deuses.
Dessa essência os três Reis araram o vazio e ali plantaram partes de si. Foi, assim, gerado a primeira
linha de novos seres celestiais, os Diligeres. Porém, o vazio e o caos ainda reinavam no Antigo
Universo.
Os Diligeres, nascido do amor, partiram para mobilizar um exército capaz de enfrentar os
Senhores das Trevas. Depois de muitas lutas, com baixas significativas em ambos os lados, houve a
Ruína das Trevas, na chamada Colisão de Galáxias. Ao contrário do exército dos Senhores das
Trevas, que lutavam por ganância ou por medo, o exército de Una lutava pelo amor que requer o
bom combate.
Nas ruínas dos Antigos Deuses nasceram os Concentios. Eles harmonizaram o que restava
das Antigas Obras. Reformaram o Antigo Templo, para ali, fazerem a cerimônia do nascimento do
Novo Universo, o novo Reino.
Na cerimônia, da vontade de Una, nasceram os Voluntias, que traziam a Coroa Cósmica.
Pela benção dos três Reis, Una foi coroada e transformada em Rainha, possibilitando a criação dos
Novos Reis-Verbo.

43.1
a Primeira Sede Planetária.
A primeira era do Reinado de Una começou com uma explosão de calor, a vontade
manifesta dos Voluntias.
Desse calor se formou a Primeira Sede Planetária, para a criação dos novos Reis-Verbo. Os
Voluntias sacrificaram parte de si próprios para servir de molde ao Primeiro Corpo dos novos Reis-
Verbo. Porém, eram necessárias outras qualidades que atuassem na co-criação.
A Rainha Una, forjou uma espada de fogo e deu ao líder dos Voluntias, Flamma. Ele
construiu o Templo dos Tempos, abrigando os novos Arquivistas e a Fortaleza Uterina, abrigando o
molde dos novos Reis-Verbo. Feito isso, saiu com a missão de encontrar as novas faculdades para
os Reis-Verbo.
No reino de Famulus, conquistou a tiara da Sabedoria através da matemática e geometria.
No reino de Vox, conquistou a lira do Movimento através do frio e do aquecimento. No reino de
Architectur, conquistou as ferramentas do Limite (um compasso, uma régua e um martelo) através
do prêmio ao combater com um terrível monstro remanescente dos senhores das Trevas.
Realizada suas missões, Flamma retornou a Fortaleza Uterina da Primeira Sede. A Rainha
Una, esperava com sua corte de Diligeres, Concentios, Voluntias e os três Reis Espíritos. Todos
formavam um círculo, e no centro estava o molde dos novos Reis-Verbo. Flamma, entregou a Una
suas conquistas. Rainha Una, então, gerou a segunda linha de seres celestiais, os Peritias, seres da
sabedoria, os Motus, seres do movimento e os Vias, seres da forma. Então, os Vias colocaram no
molde a tiara, a lira e as ferramentas. Nisso, do molde, despertaram novos seres celestiais, os
Personalis. Os Diligeres, então, sacrificaram parte de si para o nascimento de outros seres celestiais,
os Natus Ignis, que enterraram doze tributos de chama no molde. Os Concentios, então,
sacrificaram parte de si para o nascimento de outros seres celestiais, os Natus Annoltatios, que
organizaram e regularam os tributos, e preparando uma oferenda cantaram os sons siderais. Os
Personalis, então, fazem com que as oferendas fossem absorvidas pelo molde. Os Voluntias, assim,
fizeram nascer no molde o Primeiro Germe Espiritual.
Os Três Reis Espíritos e a Rainha Una, os Diligeres, os Concentios e os Voluntias
emanaram um calor luminoso para a cerimônia do Crepúsculo a Aurora, com a intenção de proteger
a sub consciência dos novos Reis-Verbo da pequena Noite Cósmica.
E assim se encerrou a primeira era do Reinado de Una.

43.2
a Segunda Sede Planetária
A segunda era do Reino de Una se iniciou com uma explosão de luz e ar.
Dessa luz e desse ar gasoso se formou a Segunda Sede Planetária para a vida dos novos
Reis-Verbo. Os Peritias emanaram parte de si próprios para servir de molde ao Segundo Corpo dos
novos Reis-Verbo. Porém, eram necessárias outras qualidades que atuassem na co-criação.
Os Peritias construíram uma nova Fortaleza Uterina para proteção dos molde dos novos
Reis-Verbo. Com o molde ficaram os Peritias, os Motus, os Vias, os Personalis, os Natus Ignis e os
Natus Annoltatios. Os Peritias organizaram os seres celestiais de tal forma que todos conseguissem
cumprir suas funções de melhor maneira.
Aos Motus foi destinado que ensinassem a luz e o ar a dançar. Aos Vias foi destinado que
criassem a semente da Árvore da Vida. Aos Personalis foi destinado que reconhecessem as
profundezas refletidas em si. E depois, doassem tais conhecimentos ao molde dos novos Reis-
Verbo.
Do meio para o final da segunda era do Reinado, os Natus Ignis moraram na Primeiro
Corpo do molde, até despertarem. Despertos, foi destinado que plantassem e cuidassem da Árvore
da Vida, no centro da Fortaleza Uterina. Os Natus, então, com a ajuda da iluminação dos Diligeres,
prepararam o plantio e se lembrando da estadia no Primeiro Corpo, como um lugar gelado e
solitários, criam as Chamas do Abrigo, que oferecem aos novos Reis-Verbo.
Uma comitiva de Concentios, então, foi até a Segunda Sede Planetária para trabalharem
com os Natus Annoltatios. Os Concentios observaram o que havia sido oferecido aos novos Reis-
Verbo e reconstruíram a Fortaleza Uterina para que os Reis-Verbo tivessem capacidade de aceitar
as ofertas. Os Natus Annoltatios, contemplando a Fortaleza reformada, criaram imagens de
sabedoria dentro de si. Os Natus Annoltatios, então, começaram a musicalizar o espaço, fazendo
com que os tributos fossem organizados de tal forma que os Natus Annoltatios pudeseem se abdicar
das imagens de sabedoria, as doando aos novos Reis-Verbo. Nesse momento, o molde começou a
ganhar vida e um movimento rudimentar. Vendo esse feito, os Peritias jorraram uma atmosfera
alicerçando a sabedoria nos movimentos do molde, que, ora se sentindo à vontade, expandia, ora se
sentindo desconfortável, contraia. Com a conquista da vida, a reformada Fortaleza Uterina, os
Concentios fizeram nascer no molde o Segundo Germe Espiritual.
A Segunda Sede Planetária exalou uma luz tão poderosa, que trouxe os Três Reis Espíritos
e a Rainha Una, os Diligeres, os Concentios e os Voluntias para a cerimônia do Crepusculo a
Aurora, com a intenção de proteger a consciência de sono dos novos Reis-Verbo na segunda
pequena Noite Cósmica.
E assim se encerrou a segunda era do Reinado de Una.

43.3
a Terceira Sede Planetária
A terceira era do Reino de Una se iniciou com uma explosão aquosa.
Dessa massa úmida se formou a Terceira Sede Planetária para a astralidade dos novos Reis-
Verbo. Os Motus emanaram parte de si próprios para servir de molde ao Terceiro Corpo dos novos
Reis-Verbo. Porém, eram necessárias outras qualidades que atuassem na co-criação.
Aos Motus, foi destinado a criação o mundo dos sonhos e dos pesadelos através de seus
prazeres e desprazeres. Aos Vias, então, foi destinado plasmarem o desejo, a cobiça e os instintos,
assim, fazendo a divisão da morada dos seres celestiais. E depois, doassem tais conhecimentos ao
molde dos novos Reis-Verbo.
Os Motos, então perceberam que os Corpos precisavam se adequar para suportar os
tributos. Aos Personalis, então, foi destinado a construção de estrelas através do nascimento das
forças zodiacais. Aos Natus Ignis, então, foi destinado a construção de processos para a existência
dos Reis-Verbo em seu ambiente. Aos Natus Annoltutios, então, ao despertarem, foi destinado a
construção de um abrigo de três andares, cada qual, com quatro janelas. Depois de ofertarem as
novas conquistas aos moldes dos Corpos a Batalha da Rebelião se iniciou.
Durante as realizações dos Motus, Vias, Personalis, Natus Ignis e Natus Annoltutios, uma
comitiva foi para a Morada das Altas Hierarquias, lar de Una e sua corte. Dentre essa comitiva
estava um ser celestial chamado Iluminado, que ficou encantado com tamanha magnitude, beleza,
glória e poder do Trono de Una e da Espada de Flamma. Iluminado, então, passou a invejar,
fazendo do Trono e da Espada sua obsessão. Tinha o mais profundo e secreto desejo de governar o
Universo Espiritual e ser o Regente da Liberdade dos novos Reis-Verbo. Isso, porém, lhe rendeu
uma mancha no peito e não conseguindo mais esconder, roubou a espada de Flamma. Iluminado,
assim, voltou para a Terceira Sede Planetária e sob a posse da Espada levantou um exército de seres
celestiais que também possuíam tal encantamento de poder. O exército de Iluminado invadiu e
tomou conta da Fortaleza Uterina, fazendo com que a Rainha Una, também levantasse um exército
para combater a Rebelião. Iluminado, assim, declarou Guerra ao Reinado. Una, então, temendo o
cuidado do molde dos novos Reis-Verbo, propôs um acordo de guerra com Iluminado, que
privilegiasse apenas a evolução dos novos Reis-Verbo, enquanto a Guerra continuasse. Em acordo,
então, Iluminado e Una criaram o Pai da Morte, que ora levava o molde dos novos Reis-Verbo aos
cuidados das Altas Hierarquias, ora levava o molde para os cuidados de Iluminado e seus rebeldes.
E para proteger, exclusivamente, o molde, foi criado três guardiões, o espirito da águia, o espirito
do leão e o espirito do touro. Quando nos cuidados dos Rebeldes, Iluminado incentivava a vida
interior do molde através de canções que exaltavam a Grande Aurora dos Antigos Deuses. Quando
nos cuidados das Altas Hierarquias, era entregue a melodias exterior da Fortaleza, feita pelos
Peritias que envolvia o molde. E assim a Guerra seguiu. Progressivamente, os Rebeldes foram
dominados pelas Altas Hierarquias, tendo, então, de se submeterem de modo com que suas funções
se ajustassem as matrizes das Altas Hierarquias, ao quais, passo a passo foram se subordinando
novamente. Na derrota iminente, Iluminado escondeu a espada de Flamma antes da Última Batalha
da Terceira Sede Planetária. Derrotado, Iluminado foi condenado a ficar preso nas Profundezas das
Aguas Sombrias, enquanto uma serpente lhe devoraria até a eternidade.
Após a resolução da Guerra, os Personalis, os Natus Ignis e os Natus Annoltatios emanaram
cores que preencheram toda a Fortaleza Uterina reconquistada. Os Diligeres, então, fizeram nascer
no molde o Terceiro Germe Espiritual. E os Concentios, os Voluntias, os Peritias, os Três Reis
Espírito e Rainha Una fizeram a Cerimônia do Crepúsculo a Aurora, com a intenção de proteger a
consciência onírica dos novos Reis-Verbo na terceira pequena Noite Cósmica.
E assim se encerrou a terceira era do Reinado de Una.
43.4
a Quarta Sede Planetária, a Terra
A quarta era do Reino de Una se iniciou com uma explosão de matérias físicas.
Dessa massa solida se formou a Quarta Sede Planetária, a Terra, para a independência dos
novos Reis-Verbo, os humanos. Os Vias emanaram parte de si próprios para servir de molde ao
Quarto Coro dos novos Reis-Verbo. Porém, eram necessárias outras qualidades que atuassem na co-
criação.
Os Motus e os Peritias, vieram das Altas Hierarquias para plantarem as sementes da parte
superior do Quarto Corpo. Aos Natus Ignis, então, foi destinado que pegassem o resíduo do molde
do Terceiro Corpo e o interiorizassem, a princípio sem forma alguma até aparecessem em forma de
pensamentos e depois em forma de sentimento até os Natus Ignis externalizassem uma nova
categoria de aliados, o Reino Animal. Aos Natus Annoltatios, então, foi destinado que pegassem o
resíduo do molde do Segundo Corpo e o interiorizassem, a princípio sem forma alguma até
aparecessem em forma de pensamentos e depois em forma de sentimento até os Natus Annoltatios
externalizassem uma nova categoria de aliados, o Reino Vegetal. Aos Vias, então, foi destinado que
pegassem o resíduo do molde do Primeiro Corpo e o interiorizassem, a princípio sem forma alguma
até aparecessem em forma de pensamentos e depois em forma de sentimento até os Vias
externalizassem uma nova categoria de aliados, o Reino Mineral. Então, da, e, para a matéria os
Personalis criaram os mantenedores da vida e da forma, com seus superiores, servos e ajudantes. Do
e para o liquido os Natus Ignis criam os mantenedores do som e da química, com seus superiores,
servos e ajudantes. Do e para o ar os Natus Annoltatios criam os mantenedores da luz e do ar, com
seus superiores, servos e ajudantes. Do e para o calor, os mantenedores do calor e da transformação,
com seus superiores, servos e ajudantes, vêm da morada das Altas Hierarquias e se ofereceram para
ajudar.
Na Glória dos Antigos Deuses, o pai da Una era o Deus Regente do Universo Celeste, e seu
irmão, ainda um Deus da luz, acreditava que ele não era capaz de sustentar esse cargo. Então, num
impulso maligno, seu tio, foi a um lugar inóspito pelos Antigos Deuses de Luz, o Desconhecido. Lá
aprendeu os conhecimentos das forças adversas através da escuridão, e só assim ficou forte o
suficiente para enfrentar seu irmão e usurpar o cargo de Regente do Universo Celeste. O preço do
conhecimento foi pago com horríveis deformações provindas da inveja escondida que tinha pelo
irmão. Com sua força renovada, com novas armaduras de trevas reluzentes, que espalhavam medo e
mentiras empenhou a Guerra e a invasão aos territórios de luz dos Antigos Deuses. O tio de Una
venceu a Guerra e conquistou aquele Antigo Universo por completo, se declarando o Deus Regente
do Caos Cósmico, trazendo a Eterna Escuridão Cósmica. Porém, o tio de Una sabia que enquanto a
Princesa, sua sobrinha, não fosse aniquilada, ela seria um risco ao seu trono. Num momento de fúria
nasceu seu primeiro filho, o Estranho, Imperador da opressão, da mentira, da maldade e da feiura;
no mesmo momento em que nascia os Três Reis Espíritos de Una, prontos pra empreenderem contra
o caos. Assim, também aconteceu quando os Diligeres nasceram; no mesmo momento nascia o
Filho das Trevas, herdando suas deformações, sua frieza, sua inteligência e seu poder sobre as
forças adversas. Após a derrota das Trevas, Estranho e o Filho das Trevas recolheram os restos de
armadura e armas de seu pai e foram novamente ao Desconhecido. Lá, juntos, restauraram as armas
e armaduras como parte de uma Vingança. O Estranho, então, se tornou o Senhor do Desconhecido
e o Filho das Trevas se tornou o Senhor das Trevas. Estranho ficou no Desconhecido, esperando,
enquanto o Senhor das Trevas, ou Mefistófeles, passou a viver onde a Luz e a Ordem ainda não
haviam sido reconquistados. Até ficar sabendo sobre a Revolta de Iluminado, ou Lúcifer e ver uma
chance de começar sua Vingança. O Senhor das Trevas, então, observou todo o desenrolar da
Revolta, e foi salvar Iluminado de seu eterno castigo o levando ao Desconhecido. Lá construíram,
com Estranho uma coroa com dez lindas pedras coloridas, porem opacas, fazendo Iluminado se
tornar no Principe da Luz Sombria. Pouco tempo após o início dos trabalhos da Quarta Sede
Planetária, Iluminado recuperou a Espada de Flamma e iniciou uma nova invasão a Quarta Sede.
Enquanto, Iluminado invadia a Terra, e os seres celestiais se mobilizavam para conte-lo, o Senhor
das Trevas invadiu a morada das Altas Hierarquias, matando e desmembrando sua prima Rainha
Una em sete pedaços.
Após a morte e desmembração de Una, os Três Reis Espíritos convocam Soles, o líder dos
Via, para recolher os sete pedaços. Numa cerimônia, os Três Reis Espíritos se uniram com Soles, se
transformando no Grande Rei Espirito Regente, que foi analisar os sete pedaços: o primeiro
continha uma parte, o segundo, duas partes; o terceiro, três; o quarto, quatro; o quinto, sete; o sexto,
dez; e o sétimo, doze. Com o segundo pedaço, que continha dois firmamentos, o Grande Rei
Regente, com a ajuda de Vias, colocou uma parte para alicerçar o firmamento da morada das Altas
Hierarquias, com leis que pudessem se desenvolver e evoluir, e a outra parte para alicerçar o
firmamento da morada dos Reis-Verbo, seus reinos aliados e seus espíritos mantenedores da
natureza, com leis que pudessem se desenvolver e evoluir. Com o sétimo pedaço, que continha doze
qualidades, o Grande Rei Regente, com a ajuda de Personalis, reconstruiram a muralha de estrelas,
e entregaram cada parte do sétimo pedaço as doze forças zodiacais. Com o terceiro pedaço, que
continha 3 mundos, o Grande Rei Regente, com a ajuda e doação de Diligeres, Conceitios e
Voluntias criaram a Realidade do Querer. Com a ajuda e doação de Peritias, Motus e Vias criaram a
Realidade do Sentir. Com a ajuda e doação de Personalis, Natus Ignis e Natus Annoltatios criaram a
Realidade do Pensar. Com o quarto pedaço, que continha o fogo e o calor, a luz e o ar, a água e o
som, e a matéria e forma que haviam explodido no início das Eras dos Reinados de Una, o Grande
Rei Regente, com a ajuda dos mantenedores da natureza, criou os elementos, cada qual com seus
caminhos e poderes. Os Personalis, então, através da imagem, entregaram aos Reis-Verbo a Alma
Externa. Os Natus Ignis, então, através do som, entregaram aos Reis-Verbo a Alma Intermediaria.
Os Nattus Annoltatios, então, através da luz, entregaram aos Reis-Verbo a Alma Interior, que se
ligava com seu Quarto Corpo. Assim, o terceiro reino aliado inferior pode habitar a Terra, trazendo
tudo que a matéria pode construir, o solo, os minerais, os grãos, os cristais, as montanhas, morros
planaltos, etc. e ali jazem. Assim, o segundo reino aliado inferior pôde habitar a Terra, trazendo as
sementes, as raízes, as folhas, as flores, e os frutos e ali vivem e vivendo crescem. E assim, o
primeiro reino aliado inferior pode habitar a Terra, trazendo os animais sesseis e os insetos, as aves
e os mamíferos e lá viviam e vivendo sentem. Com o quinto pedaço, que continha sete metais, cada
um de uma cor, o Grande Rei Regente, com a ajuda de Voluntias, com o metal azul (chumbo)
expelem Saturno da Terra. Com a ajuda de Peritias, com o metal laranja (estanho) expelem Jupiter
da Terra. Com a ajuda de Motus, com o metal vermelho (ferro) expelem Marte da Terra. Com a
ajuda de Vias, com o metal dourado e brando (ouro) expelem Sol da Terra. Com a ajuda dos
Personalis, com seu metal verde (cobre) expelem Vênus da Terra. Com a ajuda de Natus Ignis, com
o metal amarelo (mercúrio) expelem Mercúrio da Terra. Com a ajuda de Natus Annoltatios, com o
metal roxo (prata) expelem Lua da Terra. Com o sexto pedaço, que continham dez relíquias ou
tesouros, o Grande Rei Regente os espalhou na Terra para ajudar os seres celestes e Reis-Verbo que
ainda habitavam lá.
A Invasão de Iluminado e seu exército de seguidores levaram consigo uma densidade de
trevas, uma força adversa. Devido essa densidade, os seres celestiais que viviam ainda na Terra, não
conseguiram mais evoluir neste novo ambiente, triste e desolado, que estava se tornando. Assim,
partiram sete comitiva aos Astros recém criados, antes de partirem, definitivamente, a Morada das
Altas Hierarquias. Junto com os seres celestiais, partiram também, as almas de muitos Reis-Verbo,
que também não estavam conseguindo evoluir. Sete Natus Ignis, então, são destinados a protegerem
a comitiva que partiu da Terra. Vendo a movimentação, Iluminado enviou sete servos para atacarem
os Natus Ignis e as comitivas, enquanto ele mesmo partiu para o Sol.
Para Lua, Natus Ignis Gabriel foi destinado e através de seus sonhos, sua capacidade de
conservar, reproduzir, controlar e espelhar superou os perigos da superficialidade derrotando
Belfegor. Para Mercúrio, Natus Ignis Rafael foi destinado e através de sua flexibilidade, sua
orientação de movimento, sua capacidade de comunicação, inovação e geração de ideias superou os
perigos de criar o caos derrotando Leviatã. Para Vênus, Natus Ignis Anael foi destinado e através de
sua beleza, sua capacidade de cuidar, acolher, apoiar, se organizar e criar condições para ideias se
transformarem em ações superou os perigos de aceitação sem crítica e da antipatia derrotando
Asmodeus. Para Marte, Natus Ignis Samael foi destinado e através de sua agressividade, sua
capacidade de iniciativa, de empreender, falar, planejar e implementar, impulsionar e resistir
superou os perigos do domínio pela força e a destruição derrotando Azazel. Para Jupiter, Natus
Ignis Zacariel foi destinado e através de sua dominância, sua ordem, sua forma de pensar, sua
estratégia e formulação superou o dogmatismo derrotando Samyaza. Para Saturno, Natus Ignis
Orifiel foi destinado e através de seu espirito questionador, sua capacidade de foco, de pesquisar, de
direcionamento superou a perda de senso de realidade e a rigidez derrotando Behemoth. Para o Sol,
Natus Ignis Micael foi destinado e através de sua capacidade harmonizadora, de equidade, de
integração, de trazer luz e calor, de equilibrar os opostos superou o orgulho, a arrogância derrotando
Iluminado, que cai na Quarta Sede Planetária. Assim, os seres celestiais foram a Morada das Altas
Hierarquias e as almas dos Reis-Verbo se abrigaram nos Astros.
Após sua queda, Iluminado encontrou com as Últimas Almas que ainda suportavam a
tristeza e densidade das trevas. Porém, elas tinham dificuldade de encarnarem num Primeiro Corpo
capaz de suportar aquela existência terrena. Quando as Últimas Almas foram também partir,
Iluminado, então, as incita, dizendo que a Quarta Sede foi criada para os Reis-Verbo e ali eles
deveriam viver, e não fugir segundo as Ordens de Una. Se assim fosse feito, os Reis-Verbo não
passariam de Reis-Escravos, toda a Intensão Divina seria uma hipocrisia, eles não seriam os seres
do amor e da liberdade. Disse que ele era capaz de desperta-los a consciência ao Bem e ao Mal.
Iluminado possibilitou um novo corpo para o Reis-Verbos agissem como os próprios Deuses,
segundo suas escolhas. E assim, abrindo espaço na alma de todos os Reis-Verbos que encarnassem
na Quarta Sede Planetária, para que ele e o Senhor das Trevas pudessem atuar.
No momento em que Iluminado concedeu aos Reis-Verbo o novo corpo, o Grande Rei
Regente percebeu que as batalhas nos astros foram vencidas, mas as forças adversas haviam
vencido a batalha crucial, na Quarta Sede. Os Vias, assim, foram destinados a doarem o primeiro
pedaço de Una no Quarto Corpo dos Reis-Verbo, capacitando-os ao espirito auto-pensante. Nesta
situação, os Reis-Verbo passaram a despertar com uma consciência polar, do seu corpo e do seu
pedaço divino. E quando os primeiros Reis-Verbo despertaram, os que haviam se refugiado,
começaram a voltar para a Quarta Sede Planetária, e no fluxo de almas, Una ressuscita com o poder
da existência da unidade. Nasce, assim, o Senhor da Morte, para mediar a existência terrena e a
existência na Morada das Altas Hierarquias, no cerne do espirito de Una.
E assim se iniciou a primeira era do Império de Una e dos Reinos Humanos.

44.
sobre o espirito pós mortem
- Pra onde vamos? – perguntou Sofia.
- A morte é como o irmão mais velho do sono. Assim, como só chegastes aqui hoje, pela
soma de seus esforços de ontem, assim também é com as múltiplas encarnações. Ao acordar, você
reencontra os efeitos de suas causas passadas, ao nascer, você também reencontra os efeitos de suas
causas passadas. As vivências do passado criaram as precondições para aquilo que tem de fazer
hoje! Suas ações de ontem são o seu destino de hoje. A associação de uma entidade com os
resultados de suas ações, pensamentos e sentimentos é a universal lei do carma. A atividade que se
tornou destino é carma. O espírito humano só pode viver no ambiente que criou por suas ações
correspondentes a ele próprio.
- Se hoje você estivesse esquecido o que vivenciou nos dias anteriores, você seria outra
Sofia. É a memória que te possibilita o reatamento de suas atividades passadas. Tal memoria
aglutina as consequências do teu agir, ela une o seu agir lógico de hoje ao seu agir logico de ontem.
E caso só dependesse da lógica, você realmente poderia iniciar uma nova vida a cada amanhecer,
mas a memória guarda o que te prende ao Destino.
- Cada despertar, de vida ou de vigília, tu reencontras teu corpo, que durante teu sono, ficou
obediente as leis físicas/orgânicas. Reencontras a ti mesmo, teu espirito humano, que é o mesmo de
ontem e possui os mesmos dons da ação racional de ontem. E reencontras tudo o que os dias
anteriores fizeram em ti, na tua memória.
- Numa nova reencarnação o espirito humano, o elemento eterno, se abriga num organismo
corpóreo físico sujeito as leis naturais exteriores. Corpo e Espirito se situam polares e entre ambos
está a Alma, guardando a memória do Destino, fazendo com que o espirito possa aparecer, na nova
encarnação, como aquilo que a vida anterior fez dele. O espirito é eterno, o corpo nasce e morre
segundo as leis do mundo físico e a alma os une sempre, tecendo o destino a parir das ações,
pensamentos e sentimentos.
- Agora vamos acompanhar um espirito em seu processo post-mortem!
E a luz chamou sua alma, num caloroso conforto. Por volta de três dias a alma, com o
espirito, vagou pela Terra, enquanto se desligava do corpo. Então pôde subir a Lua, onde percebeu,
agora, o fluxo de idas e vindas das encarnações. Lá, vivencia novamente sua vida terrestre, com
todos os erros e acertos, sem poder nada mudar, mergulhado numa terrível, dolorosa e escancarada
recapitulação real dos acontecidos, e não mais vista pelo seu ponto de vista. Sentia uma dor na
alma, pior do que qualquer dor física, ansiava os prazeres ardentemente, mas não encontrava os
órgãos corpóreos para realiza-los. A dor queimava tudo o que possuía de mais grosseiro, de mais
egoístico, começando a eliminar as inclinações do mundo físico. E viu o estado tenebroso em que
algumas almas sombrias e espíritos perdidos ali se encontram. Os prazeres sensoriais se tornavam
numa dolorosa ilusão. Então a queima atinge a atmosfera da alma que conservava os seus desejos.
Em virtude da impossibilidade de suas satisfações, o fogo purificador as extinguem gradativamente.
Então, pôde ver a dor dos suicidas, pois todos os prazeres e desprazeres, em vida, se fixam na alma,
como identidade do corpo em si, e são destruídas, sem misericórdia, e assim a alma, purificada nas
chamas divinas, começa a ver sua verdadeira essência e pode continuar sua jornada.
Em Mercúrio chega à luz anímica. A luz irradiada é a simpatia, que possibilita a relação
com o mundo ambiente. E nesta simpatia a alma se purifica de toda a falta de amor e compaixão, a
falta de moral a serviço do próximo e a falta de movimento. Viu as almas que realmente carecem de
uma longa purificação serem condenadas a solidão servindo as forças da doença e da morte, e as,
que em vida se prendiam na comodidade, servindo os espíritos do impedimento. Com a
insatisfação, de não realizar os impulsos egoísticos voltados ao mundo físico, purificada e curada,
pela simpatia, a alma, então mais leve, pode continuar sua jornada.
E assim chega em Vênus e é iluminada pelo amor cósmico. Lá vem à tona o que a alma, na
vida terrestre, tinha de dom da admiração e da veneração, a capacidade de criar um espaço interno
para algo maior e mais elevado que si. E são purificadas as parcelas das almas sedentas de
atividade, que mesmo não trazendo o caráter egoístico, ainda tem seus motivos na satisfação
sensorial. Viu as almas que, em vida, não aprenderam a capacidade de amar, e, lá, nada percebem
além do ódio e da raiva que viveram. Por fim, a alma purificada, se liberta das suas últimas
inclinações voltadas para o mundo físico sensível. O materialismo é destruído e as almas passam a
ver a verdadeira realidade. A alma absorvida no seu mundo, liberta o seu núcleo, o espirito, das
cadeias. E com o espirito ascendendo ao seu ambiente, começa a se encerrar o peso da missão
terrena da alma e seus resíduos terrestres.
Então o espirito, o eu, chega ao Portal do Sol, onde reina a unidade e suas entidades, e
encontra o senhor dos Carmas, o Sol da Terra, dono da Justiça do destino humano, redentor das
almas. A alma que deixou nos astros anteriores quase tudo o que foi determinante para sua
existência terrena, agora chega num mundo de luz e calor espiritual, onde a humanidade se junta
como um todo, superando o egoísmo. O Eu é espiritual, e agora pode viver em seu elemento
próprio, e vê seus critérios morais que floresceram no seu antigo coração. O espirito é aquecido,
iluminado, curado, nutrido e encontra a paz numa pureza capaz de atravessar o Portal do Sol.
Chegando em Marte ouve a Fala dos Deuses na harmonia das esferas, ressoando como uma
música espiritual. Viu os arquétipos das formas físicas, o arcabouço básico do mundo dos espíritos,
como se fosse o solo firme que alicerça a Terra. E numa unidade perfeita, viu os arquétipos da vida
como um mar de elemento fluido que percorre e circula através de suas pulsações. A vida fluida,
formada por uma substância espiritual. Viu os arquétipos de tudo o que é anímico, numa atmosfera
aérea, mais sutil e tênue que as outras duas, onde corresponde aos sofrimentos e alegrias das
criaturas nos outros mundos, como uma suave brisa que se manifesta o anelo de uma alma humana,
e como um vento possante e tempestuoso, um arroubo de paixão. Com as trovoadas tempestuosas
com relâmpagos faiscantes e rimbombar de trovões que expressam as paixões provocadas pelas
batalhas na Terra. Então viu as entidades criadoras, que regem os arquétipos das três regiões a
baixo, ordenando e agrupando. E pode entrar no puro mundo dos espíritos, onde as coisas
transitórias se manifestam ao seu eterno fundamento primordial, onde reside as criações humanas,
tudo o que se desenvolveu de conquistas cientificas, ideias e formas artísticas e descobertas de
técnicas, produz seus frutos culturais nesta região. Ali o Eu entrega os interesses que transcenderam
o âmbito restrito de sua vida pessoal, passada, em direção a unidade humana.
Ascendendo, chega em Júpiter e encontra os guardiões das imagens cósmicas. Num
ambiente como nuvens que, em movimento, se juntam e se transformam em novas, o eu consciente
encontra os Pensamentos dos Deuses. As entidades são sabedorias, que se entrelaçam e se unificam.
Lá o eu entrega suas capacidades de compreender pensamentos humanos, e reluz o potencial
espiritual da mente humana. Assim o verdadeiro eu, viaja pelo puro lar dos espíritos, expandindo-se
livremente por todas as direções e vislumbra o reino das intenções e fins cósmicos. Viu o mérito e a
dor dos carmas daqueles que buscaram, na Terra, o alinhamento com o espirito através de uma
vibrante vida de pensamentos ou de um amor sábio e operoso e daqueles que viveram apenas sob o
aspecto transitório, embriagado nas circunstâncias cotidianas. E o puro espirito do eu olha em
retrospectiva para a memória do passado e sente que tudo o que vivenciou foi absorvido nas
intenções a serem realizadas nas próximas encarnações, como um lampejo de uma visão profética.
Então, o puro eu continua a procura à sua verdadeira pátria e ascende mais, até Saturno. Lá,
alcança a Memória dos Deuses, e vive na memória cósmica e encontra a avaliação moral das
memórias pessoais da vida terrena e o que foi adequado à verdadeira essência do Universo. E então
se ocupa digerindo internamente o que aconteceu antes e encontra o próprio núcleo vital em si,
assim como os núcleos vitais que permanecem nas profundezas inconscientes das manifestações no
mundo físico, anímico e espiritual. Vai-se perdendo a consciência de si e entrando numa
consciência do Uno, que lhe permite, não se ver, mas, sim, outras coisas se tornam visíveis, capazes
de impossibilitar qualquer forma de julgar.
Assim, o eu, se impregna na inconsciência própria ao alcançar a vida unitária da
consciência de Deus na Morada das Altas Hierarquias, e lá permanece. Até que os astros se alinhem
com as constelações zodiacais, tornando capaz que o novo eu volte a despertar para mais uma
missão em uma consciência própria num corpo terrestre. Aceitando seu carma, seus mestres de
aprendizado e seus pais começa sua nova jornada de volta à Terra. Na descida, em cada astro
recolhe, das constelações, as inclinações do novo revestimento da alma, do fruto transformado das
sementes deixadas pela antiga personalidade anímica. Então, na Terra, a vida volta a se iniciar.

45.
questões sobre reencarnação
- Mas se, de acordo com a lei da reencarnação, a individualidade humana possui
predisposições e habilidades, como se explica os talentos transmitidos pela hereditariedade?
- O fato de se possuir algum sentido bem desenvolvido, seja ele visual, auditivo, palatável,
pode ser um presente hereditário de seus antepassados por terem adquiridos tais propriedades.
Porém, como o humano herdado se comporta em seu rigor e precisão de sua vida imaginativa, a
autenticidade de sua memória, seu senso moral, suas habilidades cognitivas permanecem encerradas
em sua individualidade.
- Como um espirito humano extremamente desenvolvido pode renascer em uma criança
desamparada e não desenvolvida?
- O musico deve esperar até que o seu instrumento esteja construído para poder reproduzir
suas ideias musicais. Assim, o espirito e a alma, permanecem adormecidos até que as forças do
mundo físico tenham órgãos corpóreos desenvolvidos a ponto de poder se expressar em suas
faculdades. A infância existe para estabelecer harmonia entre as antigas e as novas condições.
- E o caso de humanos que nascem com deficiências e doenças físicas ou mentais?
- Não se pode dizer que um destino foi exclusivamente gerado a partir de uma espécie de
castigo ou condenação! Deve-se refletir sobre como as vidas passadas, prepararam hoje o
desenvolvimento de forças que serão necessárias e originarias a um futuro. Pois, entre a morte e um
novo nascimentos, se pode elaborar em si todas as horrorosas experiências opressivas, como o
repudio, o desamor humano para então renascer como um verdadeiro gênio da beneficência.

46.
versos de Sofia sobre o encontro com Micael
“Do aconchego do Universo, cercado pela calorosa luz volitiva dos abraços de seres
celestiais, à queda ao sofrimento da solitária escuridão que separa si às percepções fragmentadas do
mundo. A serviço do Eu, mas acorrentado as glórias e fracassos hereditários, ao sangue das paixões,
loucuras e vícios; acorrentado ao meio assim como o ar molda as asas e a água forma as nadadeiras.
Entre a névoa, opaca da neblina, e as nuvens, que refletem as cores da luz, se sente as vozes
da sede da existência: um dragão tentador, em meio a riqueza dos enganados, ilude a alma aos
sentidos sensoriais, ao avanço do futuro, à imagem em que o homem mata os deuses e cria para si o
Império do Enfermo, pela escravidão do intelecto morto e frio, que deturpa e corrompe a história,
que congela o Verbo em escritas mal interpretadas; um dragão sedutor, maravilhado pela própria
beleza, ilude a alma ao êxtase inconsciente, à lembrança da juventude, à imagem em que o humano
inveja os deuses e quer, para si, o Reino Divino, pelos pensamentos que inflam o egoísmo, que
desprezam o destino coletivo da Terra.
Do sacrifício, sobre os pecados de irmãos sanguinários entre o fatalismo da mecanização
dos pensamentos, da indiferença dos sentimentos e na animalização das ações, o Sol da
autoconsciência resplandece, entregando a força do verdadeiro e do bom à espada que alimenta o
esforço perante o erro e o mau e possibilita o amor e a liberdade na missão existencial para cada
personalidade poder voltar ao aconchego do Eu Sou Universal.
Assim o poder do dragão contraído pelas riquezas enfermas do medo e da mentira, e o
poder do dragão expansivo pelo exagero dos prazeres, desejos e paixões, das fugas e das distrações
são combatidos e dominados pelas almas que ascendem ao Arcanjo através do amor que acende a
vontade das forças criativas e transformadoras da ciência e da arte, purificadas pela luz.”

47.
a história da Grande Cidade
Há cerca de 523 anos os Andarilhos, que eram formados pelos Sábios e por doze famílias,
viram de longe a luz resplandecer nos arcos majestosos da Ponte Brilhante, edificados nas pedras
vermelhas e verdes, amarelas e douradas, com esmeraldas cintilantes. “Esta ilha já foi chamada de
Passagem Estreita e de Lar dos Caranguejos, mas nós chamaremos de Ilha do Nascer do Sol, pois é
o ponto mais ao leste que conseguiremos atingir!” Disseram os Sábios ao atravessarem a ponte. A
ilha, além de ser coberta pela Floresta dos Ancestrais, era repleta de rios e mangues. Como ela tinha
formato de uma espécie de criatura, com asa, boca, membro inferior e superior e calda, foi fácil
batizarem as regiões, que permanecem com o mesmo nome até hoje. Os doze casais, se
estabeleceram no centro, na região do coração. Já os Sábios foram em busca de um morro, na região
dos membros inferiores, lar de antigos anciões da Quarta Raça. O morro em que nós nos
refugiamos.
Durante sete anos, os Sábios, iam ao centro, ajudar a estruturam uma comunidade com os
doze casais. Eles aprendiam imitando os movimentos dos Sábios, eram influenciados e englobados
pelos seus sentimentos e pensamentos. Construíram abrigos, aprenderam trabalhos manuais,
transformando a natureza em roupa, ferramentas, utensílios. Aprenderam como cultivar,
harmoniosamente, os reinos mineral, animal e vegetal locais, segundo as leis dos astros celestes, das
estações, e das forças espirituais. E assim, durante sete anos, gozaram da bondade do mundo.
Depois os Sábios passaram a ensinar-lhes através de vivencias, os faziam observar e comtemplar,
com o coração, a Natureza e em seguida relatar os fenômenos observados, no dia seguinte,
discutiam sobre como aquilo poderia ser explicado e aprendido. Passaram a venerar a história da
Tradição Humana e as ciências do mundo, como a matemática, o direto e as leis, a ginastica, a
história, a química, as línguas, a física, a partir da autoridade dos Sábios, que compartilhavam e
doavam seus conhecimentos e sabedoria através da arte. E assim, durante sete anos, gozaram da
beleza do mundo. Então, finalmente, os Sábios puderam ensinar através do amor universal que reina
na essência da Natureza externa e interna dos humanos, explicaram o porquê da ciência da vida
deve conter arte e a arte da vida deve conter ciência. Relevaram que a humanidade é uma grande
irmandade e que em cada individualidade há uma missão especifica, que se relaciona com a meta
coletiva daquela época e da humanidade como um todo, mas que isso ainda estava despertando na
consciência comum dos humanos. E assim, durante sete anos, gozaram da verdade do mundo.
Após os vinte e um anos passados de ensinamento e estabelecimentos os Sábios, por terem
cumprido seus objetivos, deixaram a Comunidade da Ilha do Nascer do Sol e se exilaram ao Sul,
aonde moro, numa ilha redonda entre a foz de um rio, chamado de Rio da Transição, e o mar do
Leste. Quando os Sábios partiram, a Comunidade já tinha cento e quarenta e quatro habitantes, que
conviviam em paz. Cada família se firmou em uma região da ilha, uma nas mandíbulas, outras na
asa, outra no pescoço, nos membros, na calda. A região do coração e a Praia Central era um local
comum, o Centro da Comunidade, onde as famílias se encontravam para discutir questões coletivas,
fazer comercio, consumir arte ou apenas para encontrar bons amigos, hoje, o que restou dela se
transformou no Mercado Central. Todos trabalhavam, cada qual com suas faculdades e virtudes, se
entregavam ao trabalho, pois este era escolhido pela aptidão, amor e dedicação, visando o bem
comunitário e uma satisfação existencial. Alguns produziam mercadorias e as comercializavam,
outros dispunham de seus serviços. A riqueza monetária não parava de circular, não se concentrava,
e os lucros excedentes era doado para manter os professores, os curandeiros e médicos e os
produtores de cultura, os cientistas, artistas e religiosos, não no sentido atual, mas com uma
conotação sacerdotal pura. Todos eram iguais perante a lei dos Sábios e do senso geral, todos
tinham as mesmas oportunidades, direitos e deveres de se desenvolverem segundo suas
personalidades. Portanto eram livres para serem quem quisessem, cada qual cultuando Deus à sua
maneira e ideias, com rituais próprios. Vivam em verdadeira fraternidade, igualdade e liberdade.
Então algum desequilíbrio aconteceu. Talvez aí que Mefistófeles tenha iniciado sua nova
manifestação na Terra. Ainda não sei dizer o que realmente aconteceu. O organismo social da Ilha
do Nascer do Sol passou a adoecer, as individualidades tornaram-se cada vez mais egoísta, mais
inclinadas ao medo e ao prazer instantâneo. Dentre toda a população acredito que havia vinte e
cinco pessoas que se destacavam pelo egoísmo. Eram sensíveis a esse desequilíbrio, que os
inspirava no mais profundo subconsciente. Até que um deles, o futuro Mestre, emergiu essas forças
às luzes de sua consciência de vigília e descobriu a origem da ciência Mefistofélica e decidiu
compartilha-la com os outros vinte e quatro simpatizantes. Se comunicam por códigos e se
cumprimentam por sinais. Sempre vestem mascaras nos encontros organizados pelo Mestre,
ninguém além dele sabe a verdadeira identidade dos outros. Se chamaram de Assessores, ou pelo
menos é assim que eu os chamo. Acreditam que Mefisto e seus vassalos lhe presenteavam com a
liberdade de dominarem a Terra. Iniciaram dominando a Comunidade. Os Assessores se infiltraram,
as escondidas, nas mais diversas estruturas sociais. A meta deles era prender as pessoas no próprio
egoísmo, distancia-las do fogo espiritual interior, dos seus semelhantes, da Natureza, do mundo, e
assim reinar segundo as leis do Grão-Mestre Mefistófeles.
Durante as reuniões, foram aprendendo as ciências que vinha dele. A que mais lhe
chamaram a atenção e deram mais importância era a ciência de manipular outro humano, plantando
pensamentos e desejos em seu subconsciente.
Descobriram que fenômenos inconscientes desempenham um grande papel na vida
orgânica, nas funções emocionais e intelectuais, e que a vida consciente representa apenas uma
pequena parcela se comparada com a vida psíquica inconsciente, lar dos verdadeiros motivos da
maioria das ações cotidianas e que é fortemente influenciada pelo meio e pela hereditariedade.
Nesta ciência, aprenderam sobre a influência que um grupo de pessoas exerce sobre uma
individualidade, seja qual for a ligação e intenção que as torne um grupo. Um indivíduo, sob
determinadas condições, é capaz de abrir mão da sua autoconsciência para se adequar as vontades,
por mais conflitantes e contraditórias que sejam, de uma consciência coletiva. Mesmo essa estrutura
psíquica se desenvolvendo de maneira diversa em cada pessoa, ela tem um ponto em comum, inibir
as personalidades individuais e um fundamento inconsciente, semelhantes a todos, se ativa e lhes
direciona, dando lhes novas qualidades e defeitos, envolvendo suas consciências em um só estado
semelhante à de hipnose ou de sonho, em que o sentimento se torna ação de imediato, sem qualquer
ponderação pessoal de ética ou moral. Instintos que seriam refreados, se estando sozinho, afloram
através do caráter anônimo e irresponsável do grupo, dando-lhes uma sensação de poder invencível
e de onipotência. Os Assessores aprenderam sobre as qualidades psíquicas grupais da humanidade,
confirmaram que nela a individualidade e o discernimento consciente desaparecem, que impera,
exclusivamente, uma nova personalidade inconsciente e coletiva, que segue a orientação de pensar,
sentir e querer por meio de sugestões, ordens ou pelo contagio, agindo imediatamente, não seguindo
ideias próprias, mas externas. O grupo de pessoas, ou a massa, é impulsiva, instável, irritável e
imprevisível, deseja apaixonadamente e não suporta qualquer obstáculo à realização de suas
vontades. Ela pensa por imagens, seus sentimentos são sempre simples e muito exagerados, não
conhecem a dúvida nem a incerteza, só a antipatia, crueldade, brutalidade, destruição, ódio e
instintos, que dormiam como restos dos tempos mais selvagens, são despertos e livres. Sabiam que
a massa está sempre sujeita ao poder das palavras ditas com devoção, seja para provocar terríveis
tempestades ou imensas calmarias, a massa recua da realidade diante dessa magia. Estavam certos
que basta um grupo de animais ou de humanos estarem reunidos para procurarem, instintivamente,
entre eles, uma autoridade, um chefe, que se nomeie seu senhor, para se subordinarem. A massa por
possuir espontaneidade, ferocidade, entusiasmo e violência, se atrai por líderes com essas mesmas
qualidades, pois, inconscientemente, necessita teme-los, ser dominada e reprimida. No entanto, este
líder tem que, por suas qualidades pessoais, estar intensamente fascinado por sua própria fé e
possuir uma vontade forte e imponente para despertar a massa desprovida de vontade e fé, tem que
agir sobre ela pintando imagens forte e exageradas, repetir sempre o mesmo tipo de discurso. A
massa exige a imagem de força e violência de seus heróis. Esses líderes se tornaram as marionetes
dos Assessores.
Os primeiros foram os Senhores de Negócios. Os Assessores se infiltraram nesse meio e
foram os contaminando aos poucos, incitando-os à cobiça. Os Senhores passaram a se sentir mais
poderosos e importantes que o resto da população. Ganharam um novo sentimento de autoridade,
deixando-os capazes de tomar o que queriam pelas próprias mãos, embasados na lei da natureza
animalesca, na lei do mais forte. Passaram a desviar e concentrar o dinheiro que circulava tão
organicamente e saudável, e consequentemente, ganharam mais poder de ação. Instalaram uma zona
industrial no coração da ilha, defendida pela cadeia de morros. Usando a recente ciência física de
Mefisto, construíram novas tecnologias, fabricas e máquinas. Começaram a produzir em largas
escalas. A fabricação era efetuada pelas novas máquinas e o humano passou a ser seu servo, pois
sua função era apenas mantê-la operando. Não precisavam de uma mão de obra qualificada, podiam
substituir qualquer operário sem problema. Uma nova época de prosperidade econômica havia
iniciado, surgiram novas industrias e empresas, a concorrência, então, as incentivava a produzir ao
menor custo possível. Como os preços das matérias primas, das instalações, das maquinas e das
despesas gerais serem geralmente fixas, o jeito de diminuir os custos foi abaixar o valor da mão de
obra e do trabalho, o transformando num produto a ser negociado, muitas vezes muito inferior ao
valor das mercadorias produzidas. Os Senhores de Negócio ficaram numa posição mais opressora
ao operário, isso lhe permitia pressiona-los e comprimir os salários e expandir as jornadas de
trabalho à medida em que à procura de emprego no mercado de trabalho aumentava. A vida
econômica ganhou tanta importância que ditava a vida moral e jurídica através da voz dos Senhores
sob vontade oculta dos assessores. A saúde, a alimentação, a educação e a cultura se tornaram um
novo negócio lucrativo. O lucro satisfazia as necessidades mais primitivas das almas da
Comunidade. O acumulo de capital passou a ser reinvestido sem qualquer conotação ou relação
humana, despersonalizando o humano em números. À busca pelo dinheiro e pela felicidade material
se tornou a meta principal da existência.
Depois os Assessores investiram sobre o Governo. O que era associativo passou a ser
estatal ou privado. Eles dominaram os cargos públicos, e só empregavam seus simpatizantes ou
manipuláveis. Conquistaram o Governo, sem ninguém ter a mínima noção do que realmente
acontecia. Uns estavam acomodados com os novos tempos e novos produtos, refugiados em seus
medos e alegrias, outros estavam cansados demais perante o trabalho de sustentar os novos tempos
e produzir os novos produtos, para participarem das antigas reuniões e serem ativos no novo
Governo. A vida jurídica ficou à mercê dos interesses secretos dos Assessores e dos poderosos
Senhores de Negócios. O Estado passou a suprimir os eus da população, ganhando um caráter de
egotismo, criando uma consciência própria e uma autovalorização. À medida em que o culto ao
Estado crescia, nascia um novo desejo na população, o de assumir pequenos poderes e regalias, de
mandar à sua própria autoridade. O Estado ganhou um caráter absoluto, racional e burocrático.
Passou a dedicar atenção especial as engrenagens secretas da nova economia. Os Assessores e suas
marionetes abusavam do poder para conseguir medidas e leis que lhes proporcionarem vantagens,
imunes de punições. O Estado dizia que funcionava para o bem, ordem e felicidade comum, mas na
realidade, era focado em acumular dinheiro e visar o bem-estar material daqueles que já faziam
parte de seu esquema. A vida jurídica em vez de se inspirar em impulsos de equidade e justiça, veio
a tornar-se mero produto da máquina estatal, desumana, antissocial e distante da realidade das ruas.
Os ensinamentos dos Sábios foram caindo em esquecimento, tomadas como fantasias e
antigas lendas. As antigas Tradições pareciam conter poucos dos valores recém-nascidos. Os
sacerdotes que ainda as tinham em suas memorias, as registraram em escritas. Os Assessores
também se infiltraram nos Cultos até transforma-los em grandes bancos secretos, agiotando o
dinheiro doado que tanto recebiam. Esses sacerdotes ficaram tão poderosos que também viraram
marionetes do Assessores. Pregavam interpretações dos Escritos dos Sábios conforme lhe
agradassem e beneficiassem, se importando mais com a nova política do que com a Verdade.
Transformaram os Cultos em rígidas normas e dogmas e quem não as seguissem sofreria para
sempre nos mundos invisíveis depois da morte. Um medo incompreensível começou a rondar no ar
e contaminar a população, que se submeteu as ordens e ao controle dos sacerdotes em prol de um
falso sentimento de segurança e paz. A vida cultural continuou a ser invadida. Os interesses
humanos sucumbiram à pressão da vida econômica. A arte foi padronizada em pequenos moldes e
tratada como mercadoria, tinha como nova função exclusiva entreter a massa. Os meios de
comunicação eram dominados pelos Assessores e suas marionetes. Monopolizando os conteúdos e
os métodos de produção, empobreceram a cultura, sujeitando o povo a uma passividade através de
suas obras vazias, pré-digeridas e pré-empacotadas. As marionetes, ainda, embarreiravam os mais
pobres de bens culturais mais elaborados, por discriminação e pelo custo proibitivo das novas artes.
No meio dos pensadores, instalaram a ciência mefistofélica, criaram uma nova razão, estruturaram o
mundo somente segundo a força racional, fragmentada, mecânica, fria e egocêntrica, que muitas
vezes é incapaz de chegar num consenso geral. Cegaram as antigas faculdades humanas, só
acreditando naquilo que era visto, medido, pesado e quantificado. A Educação se tornou
negacionista, exclusivamente lógica e massificadora, ela nega o corpo e as vontades individuais;
nega os sentimentos e sensações, não ensinando a lidar com as emoções fundamentais; nega o
agora, se ensinava através de prazos, visando sempre futuro; nega o conflito, não se debatia, se
ensinava apenas um ponto de vista, que diziam ser verdadeiro e provado; nega a transformação
pessoal, não se ensina as ferramentas básicas para existência, como culinária, construção, trabalhos
manuais, apenas ensina conceitos frigidos sobre as mais diversas matérias, muitas vezes teorias não
práticas. Por fim, as antigas famílias, clãs, tribos da Comunidade passaram a se dissolver, não havia
mais como viver segundo as antigas Tradições, a maioria da população passou a migrar e se
aglomerar ao redor do Centro, onde o mercado disparou. E assim, nasceu a Grande Cidade.
A Grande Cidade tornou-se segmentada. No topo, os Assessores governam às escondidas.
Abaixo deles vêm alguns Senhores de Negócios, alguns administradores públicos e alguns poucos
sacerdotes. Eles acreditam, fielmente, estarem no topo e se denominam a Classe Alta, que não passa
de 5% da população. Em seguida vem a Classe do Meio, a maioria, feita por funcionários
governamentais, prestadores de serviço, poucos aposentados e pequenos comerciantes e
empresários que se sentiam poderosos. Eles sonham e idolatram tanto a Classe Alta, em fazer parte
dela, que a defende com unhas e dentes. E por fim vem a Classe Baixa, os pobres, que são a mão de
obra em geral, quase tão populosa e sonhadora quanto a Classe do Meio.
As Classes inferiores, consumidas em seus próprios demônios e no domínio invisível dos
Assessores, acreditam no discurso do progresso e de mérito dito pela classe Alta. Eles deixaram de
ter pensamentos originais, fieis a suas realidades, lutam contra a empatia agindo como selvagens,
brigando entre si. A Grande Cidade funciona como uma grande indústria, produz riqueza e
privilégios para os Assessores e a classe Alta, pequenos confortos prazerosos para a maioria e
pobreza e miséria para a parte restante e tão grande quanto os que recebiam pequenas doses de
privilégios. O trabalho dos Assessores foi tão bem feito que o povo é dominado por um fatalismo,
aceitam as condições que a cidade produz, sentem que é o único jeito possível de se existir.
E depois de tudo, todos os habitantes da Ilha do Nascer do Sol parecem ter esquecidos da
Tradição dos Sábios, como se nada tivesse acontecido, mas as antigas árvores, as montanhas, os
mares e os céus lamentavam seus antigos moradores que lhe tratavam com tremenda beleza e
respeito.

48.
o retorno de Sofia a Grande Cidade
Sofia ao sair do Templo da Ilha dos Sábios, foi rumo a Grande Cidade, em sua mente, como
sua salvadora, heroína. Ao atravessar a Ponte Brilhante, já ficou consciente dos recentes
acontecimentos que se passavam lá, observou, de forma discreta, a população da Grande Cidade.
A realidade brutal, cruel e sádica era escancarada a todos, aos oprimidos supressão e aos
opressores fatalismo. A Cidade estava cercada por estupros, violência, assédios, assassinatos,
racismo, homofobia e machismo ao extremo. Crimes não resolvidos, doentes sem tratamento,
amputados jogados as margens. Cenas deploráveis e desesperançosas.
Sofia observou as crianças. Eram extremamente sensíveis. Sem controle de emoções, riam e
choram demasiadamente. Cheias de medos e fobias e com falta de veneração e devoção. Sempre em
estado de alerta. Crianças solitárias, inibidas, inseguras, com medo de se movimentar,
descoordenadas, sem impulsos volitivos, quase depressivas, ancoradas, pesadas. Crianças pálidas,
não saudáveis, sem vitalidade, inquietas e desconfortáveis.
Era nítido o descaso humano sobre as coisas que realmente importam, de alguma forma,
para uma evolução individual libertária na evolução coletiva.
Então, Sofia deslumbrou como seria se ela sentasse aos tronos do Inimigo. Faria o Império,
do que julgava ser verdadeiro, bom e belo. Mas, para implementar suas mudanças teria que
continuar tratando o povo como uma massa, pelo menos até caçar todos os assessores e suas
marionetes, fazendo de seus inimigos um exemplo público. Usaria toda a força corrompida da
Grande Cidade, para fazer o que achasse certo.
Essa visão assustou Sofia, ela não poderia ser a heroína salvadora da Cidade. Cada
indivíduo deveria achar o poder de ressurreição em si mesmo, por conta própria. Só assim o
organismo social poderia despertar de maneira saudável. Assim, Sofia saiu pelas ruas cantando para
todos:
“Era uma vez, um belo e triste quintal de margaridas. Belo, pois ali vivia as mais lindas margaridas,
de todas as cores imagináveis. Triste, pois nenhum inseto ia até aquelas margaridas solitárias,
acompanhadas apenas de suas maravilhosas cores e seus aromas deliciosos. As margaridas, todas as
noites, lamentavam para o vento o quanto queriam brincar com os insetos e conhecer as famosas
borboletas. Numa noite, três lagartas ouviram esse lamento e ficaram tão comovidas com o canto
das margaridas que decidiram ir até o quintal. Juntaram toda a coragem que tinham e partiram.
Assim que chegaram, escolheram um canto seguro para entrarem em seus casulos e ali
permaneceram. A primeira lagarta, toda noite que ouvia o canto das margaridas ficava excitada e
ansiosa, queria logo virar uma borboleta e se exibir para aquelas pobres flores. Até que um dia não
aguentou mais esperar e saiu do seu casulo antes de suas asas estarem bem formadas e acabou
morrendo ao tentar voar. A segunda, toda noite que ouvia o canto das margaridas ficava com medo,
queria ter todo o tempo possível para desenvolver perfeitamente cada mínimo detalhe de suas asas,
para beleza satisfazer todas aquelas pobres flores. Ela esperou, esperou, esperou tanto até se julgar
pronta, que nunca conseguiu sair do casulo e morreu lá dentro, solitária. Já a terceira lagarta, toda
noite que ouvia o canto das margaridas sentia um desejo ardente de voar entre aquelas belas flores.
Esperou pacientemente, e no momento em que sentiu que suas asas estavam prontas para voar, saiu
de seu casulo. Ela se contentou com suas belas e simples formas, voando ao encontro das
margaridas.”

49.
o Manifesto de Sofia
Devido ao seu Canto, Sofia foi retida por homens-máquina e presa nas masmorras do QG,
que ficava na boca da Ilha. Lá, Sofia sofreu diversas torturas, dos homens-maquinas malignos, das
marionetes poderosas e dos assessores secretos. Por fim, recebeu a visita do próprio Grão Mestre
dos assessores, para mostrar seus triunfos sobre ela, havia instigado, financiado e arquitetado a
campanha de Sesram e o contragolpe de Farsishah, havia financiado e incentivado a revolta de Cilo.
Todos eram peças de seu jogo.
Se passados vinte e oito dias de tortura Sofia foi levada ao público para seu julgamento.
Aconteceu no Centro Comercial da Cidade, na Grande Praça. Sofia ficou presa em uma pira de
madeira e palha, enquanto a população e os juízes, com sede de sangue, ficaram em sua volta. Sofia
foi julgada por ser inimiga publica em causar desordem com seu Canto blasfemo pelas ruas da
Cidade e condenada pelas palavras que sentenciou.
A massa não podia ver o Inimigo ao lado de Sofia, só conseguiam enxergar o ódio
irracional que sentiam por ela, por um incomodo de sua presença luminosa. Então, Sofia discursou:
- Já é obvio a zombaria e o escárnio ignorante da bolha dos incultos de mente fechada, que
não refletem sobre a verdadeira evolução humana, expressa em suas diversas gloriosas correntes
pensamentais e culturais; se o orgulho e a vaidade dos cientistas e religiosos, que não enxergam e
nem se propõem a enxergar um novo ponto de acordo, prevalecerem, eles também não entenderão o
que digo. Pois, na Terra impera a ignorância dos religiosos, a fé incondicional exclusiva no
materialismo dos cientistas e a indisciplina da democracia. As forças adversas a evolução e a nova
revolução sempre encontram novos jeitos de iludir aqueles que estão inconscientes de suas origens.
Tais forças nunca se manifestaram tão claramente como na hostilidade que divide aqueles que ainda
se opõem a elas.
- O fato é, as crianças que agora brincam serão os pais dos nossos verdadeiros juízes.
- Se sua alma realmente está em sintonia com a evolução da humanidade, se você possui a
sensibilidade com a vida tal qual o poeta da verdade, então, contemplando o sofrimento que jorra ao
nosso redor, vendo nossos semelhantes morrendo de fome, presenciando os corpos que jazem pelo
trabalho, ouvindo os gritos de dor dos reprimidos e assassinados pelos preconceitos estruturais e os
de prazer das orgias dos vitoriosos, que clamam heroísmo através da covardia de uma astucia
desprezível, você não há de ser neutro. Caso você busque o belo, o sublime, o bom, a verdade, o ser
humano, a justiça, a liberdade, a igualdade e a fraternidade, o próprio espirito do sentido se revelará
na luz daqueles que lutam pelos oprimidos.
- Além do falso arco-íris há as trevas que acompanham não só a multidão de assassinos da
espécie. Cegos confortáveis nunca irão abrir mão de suas certezas, pois esperam a morte para
entender a vida. São protagonistas de uma história ditada por outros, aceitam rótulos e padrões que
contribuem para que mentiras contadas afoguem as verdades observadas. Molhados pelo sofrimento
dos Céus, uma eternidade de rostos inexpressivos e sentimentos reprimidos olham para o Sol, a Lua,
a culpa e para o isolamento com olhos incapazes de compreender além do bem, do mal e de tudo
que há entre a Terra e o infinito. Solitários, mas não sós. Apostando em chances do destino,
trocando a fome por soluções. Decifrando cicatrizes de seres que não encaram a si mesmas.
- Se nos alicerçamos em um mundo puramente ideal, ingerimos uma arte e alimentos
artificiais, então como enxergar a realidade material e o espiritual nela própria?
- Atualmente, diante de um fenômeno o eu humano se sente em ruptura com o mundo. Ele
percebe, diante sua consciência de vigília individual personalíssima, através dos seus sentidos, a
realidade material-sensível, porém a essência e os conceitos inseridos em tal fenômeno não lhe é
dado assim como a realidade material nos é entregue através do nosso olfato, paladar, tato, etc e
pela nossa observação. Nestas circunstâncias existenciais do nosso tempo, o humano se encontra
solitário, desconhecendo sua própria essência, e tentando se religar ao universo, procura religiões ou
dogmas místicos. Mas elas continuam a separa-lo de tudo e todos. Oras chega numa religião que
promove uma falsa espiritualidade promovida pela fé cega que não alcança o próprio ser, fazendo-o
agir inconscientemente, fugindo de si e com medo de se encarar e encarar os fatos da realidade
material, o excluindo não só do mundo, como de si mesmo. Ora encontra religiões unilaterais, que
crê apenas em um ponto de vista, excluindo os outros tantos livros sagrados presentes na história da
humanidade e ignora a conciliação entre elas, promovendo apenas o ódio e o conflito, separando a
humanidade em pequenas facções. Ora encontra religiões influenciada pelo materialismo que ou
preferem que o espiritual desça ao terrestre em vez de aspirar o humano ao espiritual através de um
trabalho em si, buscando elevar seus valores sociais, morais, éticos e cognitivos por esforço próprio
em liberdade. Ou até encontra instituições religiosos ou místicas que preferem até mesmo negar o
espirito e empreender na dominação e doutrinação de almas pelo seu poder terreno. Então, esse
humano contemporâneo ainda se sente isolado nos abismos de sua personalidade, e direciona sua
atenção ao intelecto. Porém, na vida intelectual encontra grupos partidários e unilaterais, que se
apoiam em uma mesma base cognitiva construída só na razão material-sensorial sem nenhum calor
humano em seus pensamentos, assim, dois pontos de vistas aparentemente opostos são baseados na
mesma estruturação lógica e por mais longo que seja o conflito entre eles, nunca chegarão a uma
conciliação, pois os dois estão encobertos pelo mesmo intelecto lógico racional ideal, que carece
das mesmas falhas cognitivas estruturais apesar de apresentarem uma polaridade em sua
apresentação estética final no campo ideal; e suas execuções, mesmo as vias com métodos e
caráteres mais humanos que eticamente são superiores a selvageria que é instaurada pela a ditadura
do capital anônimo disfarçada de democracia, apresentam falhas na compreensão do ser humano
espiritual e suas necessidades existenciais como ponto de partida. Na ciência, instalada nas
universidades, também não ocorre o religar, toda segmentada e especifica que seu discernimento é
quase tão dogmático e conservador quanto a Inquisição, vedando carreiras e publicações ao seu
index. O que outrora fora uma força inovadora para evolução do humano a sua independência
pessoal, hoje, seu conservadorismo, dificulta a evolução do humano rumo ao seu religar com o
mundo, a natureza, com seus semelhantes e consigo. Essa ciência separatista é fruto de um método
pensamental que mais se importa com a hipótese do que com o fenômeno observado em si, é fruto
de um frio emprego do intelecto que se concentra na matéria, em leis matérias e aspectos materiais
da vida. Ela nega e ridiculariza qualquer realidade anímico-espiritual; a começar pela concepção da
natureza humana, que é reduzida a fenômenos físicos e idealiza uma máquina expressa em um
animal evoluído, que não apresenta mistérios e pode ser compreendida apenas pelo seu intelecto
frio, através da mecânica, reduzindo tudo a números e mecanismos. Possui o dom do intelecto que
lhe faculta ter do mundo uma compreensão unilateral, embora suficiente para transforma-lo numa
máquina de produção e perdendo a essência que o religa com o mundo. Criando para si um reino
artificial, explorando os reinos mineral, vegetal e animal. Isso aflui para outros domínios da vida,
principalmente no modelo de educação tradicional obsoleto e prejudicial, que só se importa com a
antecipação intelectual e esquece da educação emocional e volitiva, de suas faculdades e
importâncias na sobrevivência da vida humana realmente pratica e cotidiana. Então, o humano
contemporâneo olha para a sociedade, em busca de se religar com seus semelhantes, e enxerga uma
doença global contaminada pelo fatalismo, com ações extremamente animalizadas, pensamentos
pré-formados, massificados e mecanizados e que não conseguem sentir nada além de indiferença.
Vê o abuso ao meio ambiente e dos recursos minerais, ao nosso lar, vê a devastação do solo, as
toxinas nos alimentos e as florestas em chamas, vê a perversão sobre os animais escravizados, vê a
miséria, a fome, os suicídios, vê isso tudo sendo permitido pela liberdade da vida econômica caótica
e sem planos ou pensamentos de retorno social, que se utiliza do anonimato do capital ao anonimato
de seu principal produtor: o trabalhador, cujo seu trabalho é reduzido em mera mercadoria e não em
realização existencial, assim tudo se transforma a um negócio, com o lucro ditando as indústrias da
doença, da morte, da fome, da ignorância, que sob tal influencia contamina as artes e a educação a
formarem massas de consumidores e de mão de obra especializada, através de maneiras obsoletas e
prejudiciais ao que a existência humana necessita nos tempos atuais e futuros, suprindo o florescer
das individualidades plurais. Devido a essas condições, as consequências se apresentam, também,
na vida jurídica governamental que na prática material se torna fraterna entre aqueles que já estão
no poder pseudo-democrático, tendo como função servir os agentes da vida econômica liberal.
Assim, o Governo sofreu um processo de morte, não ligando para a vida, e tornou-se uma
superpotência desumana e alienada dos cidadãos, seja pelo anonimato dos números que os definem
e os expões, seja pela neoditadura de um indivíduo carismático, mas totalmente desligado das
necessidades da realidade existencial social contemporânea. Sabe-se, para os que já vivenciaram a
rua, que o Governo se transformou em uma máquina anônima de promulgar e aplicar ordens não
constitucionais que funcionam para benefício próprio dos interesses daqueles que governam e
lucram com tal governança. Desolado, o humano contemporâneo cai num vazio em que nada faz
sentido e nada se conecta com seu íntimo, assim sendo atraído por ideias niilistas, nacionalistas, em
fanatismos, em entusiasmos excessivo, a intolerância, a idolatria dos triunfos empolgantes da falsa
ciência e suas técnicas, pelo poder sugestivo exercido pelos indústria da comunicação de massa
através do ódio e mentiras, ou pelo vício de muitos passatempos e ludibriado pelas propagandas que
são carregados de prazeres instantâneos. Antigamente, o homem se sentia entidade espiritual
inserido num mundo igualmente espiritual, e seu anseio consistia em conhecer tal mundo e
harmonizar-se com ele na realidade sensorial-material, porém, esse sentimento lhe brotava na alma
sem esforço de liberdade ou autoconsciência existencial-individual-moral-ético-cognitivo. Hoje, o
humano em ruptura do mundo, através de um processo cognitivo contemporâneo alicerçado na
observação contemplativa imparcial com a alma aberta, como um cálice de receptáculo, em
liberdade plena de autoconsciência ao observar os próprios sentimentos e pensamentos e suas
influencias, sem premissas, inclusive físico-fenomenológicas, é capaz de, através de seu eu, em
atividade e esforço pensante, vislumbrar e discernir o que é objetivo e o que é subjetivo e seus
pontos de harmonia através de manifestações no palco do pensar, capazes de superar os obstáculos
entre o objeto e o sujeito, entre a matéria e o espirito, entre fenômeno e pensamento, entre eu e o
mundo.
- É chegada a hora de nos reconectarmos, a partir das forças emanadas do espirito que rege
nossa época. Entrarmos em comunhão ao compartilharmos o privilégio do amor na mesma
vibração, frequência e intenção em nossas ações, sentimentos e pensamentos em altos ideais
práticos individuais e coletivos. Anuncio a nova aurora, onde os verdadeiros tesouros da
humanidade residem dentro de cada um.
- O ponto de partida da mudança começa em si mesmo. E o sinal desses tempos já são
claros aos olhos daqueles corações que enxergam. O declínio e destruição das práticas
neoimperialistas contemporâneas são iminentes e vai caber como nos comportamos agora para que
nossos sucessores terem meios suficientes para a reconstrução. Vivemos no clímax do declínio do
intelecto morto e na ressurreição da maneira de se pensar o pensar. Enfrentar esta terrível realidade
faz parte do destino de toda a humanidade, estamos entre o fracasso, nos levando ao caminho
distorcido de nossa missão como gênero humano, e a evolução rumo a glória de um mundo prático
com a liberdade, a fraternidade e a igualdade nos lugares saudáveis a humanidade. É necessário
expandirmos a consciência para a nossa natureza além das impressões sensoriais e do livre arbítrio
proveniente dela. Encarar a solidão, o abandono, a crise dos nossos tempos, pois aí estão as forças
para a nova esperança que poderá conduzir a vida a nova aurora do humanismo prático.
- Como buscar a melhor versão de si nesta vida, nesta encarnação?
- Numa verdadeira revolução no âmbito do pensar! Há uma emergência perante a
humanidade, de renovar, com grande sabedoria, transformar e aperfeiçoar as novas artes e ciências,
para que a própria humanidade possa se reconhecer, agora por esforço próprio, elevando sua
nobreza e dignidade, que o microcosmo corresponde ao sacro macrocosmo e por onde se alcança o
conhecimento de sua natureza.
- É iminentemente necessário que as pessoas se reúnam e iniciem a construção de um novo
lugar alicerçado no amor, na compaixão, no respeito e dedicação; a cidade atual não proporciona
espaço para a mudança. Assim, as pessoas poderão se conscientizar de seu eu personalíssimo e
procurar conhecer a realidade espiritual que vive em seu próprio eu capaz de transformar e elevar
seus membros inferiores. Onde as pessoas terão as condições de assumir suas responsabilidades
existenciais, tendo as forças para quebrar a corrente de vítima, agressor e salvador, tal como já fui
acorrentada. Um lugar onde é possível aceitar seu carma e lutar para transforma-lo em algo melhor.
- Imaginem um lugar consolidado na aspiração da verdade através da confiança e do
verdadeiro amor ao ser humano. Apesar de o ambiente possa nada ter valor, se não for edificado na
genuína força da alma de cada indivíduo. O amor ao próximo se expandirá à toda existência. Jamais
o destruir pelo simples destruir, a mão estendida para a destruição deverá ser capaz de promover
nova vida. Não devemos assistir paralisados ao mal se alastrar, mas encontrar os meios na qual as
oportunidades do mal podem ser subvertidas em um bem maior. Combateremos o mau criando o
bom. Imaginem a fraternidade ditando a vida econômica, onde os bancos buscariam o bem estar de
seus clientes e seriam transparentes na aplicação de juros em instituições que necessitam de ajuda
para a execução de retorno social. Um lugar onde se entende que vivemos no solo da Terra, lar de
Lúcifer, Cristo e Mefistófeles, e ela merece ser bem tratada, necessita de uma adubação orgânica
que vivifique o solo, em que cada fazenda é pensada na pratica como um organismo vivo e
encarado que pode funcionar em harmonia com o todo que está inserido tanto numa realidade
material quanto espiritual, num diálogo e troca entre consumidor e produtor nascerão muitas
cooperativas agrícolas com caráter baseado no altruísmo e não na máxima exploração pelo lucro
visando o alimento como um simples produto inserido num mercado. Um lugar não inspirado em
antigas leis, mas nascido na vida política com base na real igualdade jurídica entre as pessoas.
Precisamos de uma configuração nova, uma neocriação da vida espiritual. Temos de ter consciência
de estar diante dessa nova criação da vida espiritual, tratando-se compreender algo tendo como
ponto de partida a alma humana livre individual e respeitando suas responsabilidades, seus direitos
e deveres coletivos. Necessitamos de toda atividade artística possível. A arte com intenções boas,
belas a sua maneira e verdadeiras com os ideais, a realidade e as inspirações do artista, ajuda na
purificação dos sentimentos. Nossas crianças precisam da arte para desenvolver a base de sua vida
social quando adultos.
- Um lugar onde seria manifesto a possibilidade de cada um de nós podermos sublimar
nossos sentimentos através de uma verdadeira devoção e interesse pelo seu igual. Um lugar
cultivado pela tolerância, livre de intolerantes; pelo esforço interno de silenciar nossos pensamentos
e acolher outro pensamento. Onde é possível superar a antipatia e a simpatia exagerada, buscando o
equilíbrio em nossos próprios sentimentos. Um lugar onde a autoconsciência digere o querer, a
atividades e os talentos se tornam trabalhos no lugar certo, sendo o poder dessa grande comunidade.
O amor verdadeiro possibilita carregar o universo em nossos corações.
- Neste momento, apesar dessas palavras aparentarem fracas, assim como poderosas
sementes aos olhos que não enxergam o infinito, perante a maldade que percorre a vida cotidiana
que dificulta, covardemente, a visão, de se reconhecer como um ser espiritual, daqueles que
sangram no dia a dia ou que ludibriam alto ideias espirituais, totalmente ignorante com a realidade
material, a aqueles que gozam com a sobra dos privilégios da classe dominante. Era isso que eu
queria dizer antes de minha condenação.
Então, o carrasco jogou um produto químico na pira e ateou fogo em Sofia.

50.
prólogo e o prenuncio da guerra de todos contra todos
Sofia morreu queimada, engolida pelas chamas que exalavam uma densa e pesada fumaça
escura, mas ao queima-la exalaram uma fumaça transparente e dançante. Naquele fim de tarde que
se transformou numa noite chuvosa, os Assessores e o Inimigo acharam que haviam realizado a
profecia e ninguém mais se oporia ao Novo Império. Mas, em meio ao ódio e o desprezo, o Canto e
o Manifesto de Sofia, fez com que doze pessoas despertassem pra realidade. Cada uma dessas
pessoas tinha uma qualidade majoritária em sua personalidade. Um tinha a qualidade da obediência,
o outro da pureza, da docilidade, da fidelidade, da ponderação, da atenção, da vergonha, da
humildade, da perseverança, da compaixão, da paciência e do amor sublime.
Os doze novos discípulos, inspirados em Sofia, construíram sete comunidades no
continente, fora da Ilha e da Grande Cidade. A medida em que os anos foram passando as pessoas
da cidade foram descobrindo, através de experiências internas, os ensinamentos de Sofia e foram
migrando para as novas comunidades continentais. Muitos foram visando a educação de seus filhos,
para educa-los num ambiente imerso numa liberdade saudável.
Bem no começo, insulares e continentais viviam em tolerância, pois muito ainda possuíam
ligações na Ilha. Mas, a situação chamou a atenção do Inimigo e de seus Assessores quando quase
metade da população já estava polarizada. Metade era simpatizante dos discípulos e a outra metade
era a favor do Novo Império. E assim, se passou o tempo, e conforme as novas comunidades e o
Novo Império expandiam, a tensão entre eles também aumentava. E em minha própria visão,
prevejo, que em cerca de 5400 anos essa polaridade prevalecerá como algo “instintivo” a raça
humana completa como um todo e então culminará a Guerra de todos contra todos.

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