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GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história.

São Paulo: Companhia das Letras,


1989, p. 143-180.
P.14 SINAIS: RAÍZES DE UM PARADIGNMA INDICIÁRIO
3 -O objetivo do autor nesse capítulo é a tentativa, como o mesmo coloca, de mostrar como no fim
do séc. XIX surgiu nas ciências humanas um modelo epistemológico que não recebeu atenção.
Ginzburg diz que a análise do mesmo talvez ajude a sair da contraposição entre “racionalismo” e
“irracionalismo”.
1.
p.144 -Ginzburg salienta uma série de artigos sobre pinturas italianas que propunham um novo método
para a atribuição de quadros antigos. Esse método consistia em observar em quadros suspeitos de
cópias não características grandiosas, como o sorriso da Monalisa por ex., mas sim os detalhes
pormenores, como a orelha específica que fazia Botticelli, algo que só poderia ter sido pelo autor,
impossível de reproduzir exatamente.
Apesar da eficiência, o método de Morelli (citado acima) foi muito criticado e julgado mecânico,
positivista e caiu em descrédito.
p.145 -Wind é quem resgata os trabalhos de Morelli, notando neles um exemplo de atitude moderna que
leva a apreciar os pormenores.
-Wind aproxima o método indiciário de Morelli, ao resgatar detalhes de orelhas e dedos dos
pintores, que era atribuído a Sherlock Holmes.
p.146 “(...) a personalidade deve ser procurada onde o esforço pessoal é menos intenso. Mas sobre
este ponto a psicologia moderna estaria certamente do lado de Morelli: os nossos pequenos
gestos inconscientes revelam o nosso caráter mais do que qualquer atitude formal,
cuidadosamente preparada por nós”.
p.147 -Freud acreditava que o método de Morelli estava estreitamente ligado a técnica da psicanálise
médica, já que esse tinha o hábito de penetrar no oculto através de elementos despercebidos.
p.148 -A declaração de Freud acerca da influência de Morelli em sua vida antes mesmos da descoberta
da psicanálise revela o lugar especial que o historiador possuí na história da formação da
psicanálise.
-Freud destaca dois momentos em que tem contato com as obras de Morelli. A primeira é datável
hipoteticamente no ano de 1895, ano que Freud e Breuer publicam Estudos sobre a histeria, ou
em 1896 quando Freud usa pela primeira vez o termo psicanálise.
p.149 -O segundo encontro pode ser datável com uma maior precisão devido ao nome de Ivan
Lermolieff, que teve seu verdadeiro nome aparente em 1883, nos ensaios citados por Ginzburg. É
provável que tenha conhecido a identidade do pseudônimo de Morelli por acaso em setembro de
1898.
-O que atrai Freud a Morelli é justamente o método interpretativo centrado nos resíduos, dados
marginais, pormenores e reveladores.
p.150 Para Freud essas características consideradas sem importância forneciam a chave para acessas aos
produtos mais elevados do espírito humano.
-Ginzburg fez uma analogia entre os métodos de Morelli, Sherlock Holmes e Freud. Mas, o autor
indaga, como se explica essa tripla analogia? Ele salienta que a primeira vista a resposta parece
simples, já que Freud era médico, Morelli se formou em medicina, e Conan Doyle (autor de
Sherlock) havia sido médico antes de se tornar escritor. Ou seja, nos 3 casos temos o modelo da
semiótica médica: a disciplina que permite diagnosticar doenças inacessíveis a observação direta
na base de sintomas superficiais que eram irrelevantes as vezes aos olhos leigos.
p.151 -No fim do séc. XIX, especialmente na década de 1870-1880 começa-se a afirmar nas ciências
humanas o paradigma indiciário baseado na semiótica.
2.
-Ginzburg inicia esse subtópico falando acerca do homem ter sido caçador e ter aprendido a
reconstruir as formas e movimentos da presas invisíveis em pequenos detalhes. Por gerações
repassaram esse aprendizado através de pinturas e fábulas.
p.152 -Ele conta a fábula de 3 irmãos que são acusados de roubo, mas que podem demonstrar como
através de indícios mínimos, ao descrever o cavalo, puderam reconstruir o aspecto de um animal.
O que caracteriza esse saber é a capacidade de a partir de dados negligenciáveis, remontar a uma
realidade complexa.
-Ginzburg destaca o paradigma venatório e o implícito nos textos divinatórios mesopotâmicos.
p.153 -A principal diferença entre adivinhação e decifração é que o primeiro se volta para o futuro e o
segundo para o passado. É certo que o contexto social era diferente, podemos notar como a escrita
modelou a arte divinatória mesopotâmica, ao passo que durante a escrita cuneiforme elementos
pictográficos e fonéticos continuaram a coexistir.
p.154 -A semiótica está incluída dentro de uma constelação de disciplinas de aspecto singular, pode ficar
tentada a contrapor as pseudociências como a arte divinatória e direito e/ou medicina.
-Podemos falar de paradigma indiciário ou divinatório dirigido para o passado, presente ou futuro.
O último tinha a arte divinatória em sentido próprio, nos 3 tinha a semiótica médica, diagnostica e
prognóstica, na primeira tinha a jurisprudência.
Mas, por trás desse paradigma podemos ver o gesto do caçados agachado na lama escrutando as
pistas da presa.
p.155 -Na Grécia, com disciplinas como a historiografia e a filologia, conjuntamente a uma nova
autonomia social e epistemológica permitiu que os homens fossem submetidos a uma investigação
sem preconceitos, que excluía inicialmente a intervenção divina. Isso caracterizou a cultura da
polis.
Essa “virada” na perspectiva foi desempenhada pelo papel do paradigma semiótico ou indiciário,
algo evidente na medicina hipocrática.
-A insistência indiciária da medicina se inspirava na contraposição entre imediatez do
conhecimento divino e conjeturalidade do humano.
-Já no séc. V a.C. começa a manifestar a polêmica contra a incerteza da medicina.
p.156 -A polêmica se dá pela relação entre médico e paciente, onde o primeiro pode controlar o poder e
o saber.
-A ciência galileana (de Galileu) tinha uma natureza diversa, abarcando o lema escolástico do que
é individual não se pode falar. Ao empregar matemática e o método experimental chegou a
quantificação e repetição dos fenômenos.
-No séc. XVIII a utilização de métodos do conhecimento antiquário dentro da historiografia
trouxe luz as origens indiciárias da mesma oculta durante sécs.
-A história se manteve dentro das ciências sociais como uma ciência ligada ao concreto.
p.157 -Dentro dessa perspectiva, o historiador é comparável ao médico ao passo que utiliza de métodos
para analisar o mal específico, e assim como do médico, o conhecimento histórico é indireto,
indiciário, conjectural.
-A filologia constituiu um caso sob certos aspectos. Seu objeto de constitui através de uma seleção
de elementos que sejam pertinentes, e esse acontecimento interno da disciplina foi escondido pela
invenção da escrita e da imprensa.
A crítica textual nasce depois do surgimento da escrita, com a transcrição de poemas homéricos, e
se consolida depois do surgimento da imprensa.
p.158 -Inicialmente havia uma noção abstrata de texto, algo que explica o motivo da crítica textual ter
em si potencialidade de desenvolvimento no sentido científico durante o séc. XX.
-A crítica só levava em questão os elementos reprodutíveis do texto, acabando por evitar o
principal obstáculo presente nas ciências humanas, a qualidade.
-Para Galileu o texto é uma entidade profunda e invisível, que será reconstruída além dos dados
sensíveis.
p.159 -Ginzburg destaca um médico chamado Giulio Mancini, ateu com extraordinárias capacidades
diagnósticas e extorquia os clientes.
Um pressuposto comum a ele era que de um quadro e uma cópia sua existia uma diferença
ineliminável.
p.160 -Mancini não servia enquanto conhecedor dos métodos da crítica textual.
-O primeiro problema colocado por ele era a datação das pinturas, dizendo ser necessário adquirir
uma prática na cognição da pintura referente a seu tempo. Essa cogniçãi se refere aos métodos
elaborados por Leone Allacci, um bibliotecário.
-Ele colocava o nexo entre a pintura e a escrita em uma escala microscópica, individual.
p.161 -Nos últimos anos aconteceram tentativas de submeter a análise escritas individuais.
-Mancini observava que é possível remontar das “operações” as “impressões” da alma que tem
raízes nas propriedades individuais, dos corpos singulares.
-Mancini se desinteressou pela reconstrução da personalidade dos escritores, remontando ao
caráter escrito ao caráter psicológico. Ele se manteve no pressuposta da diversidade, inimitável
das escritas individuais, isolando as pinturas nesses momentos.
p.162 -O paralelo sugerido é entre o ato de escrever e de pintar, sugerido por Mancini, ressaltando
termos como desenvoltura, traços, volteios, insistência na velocidade. Em geral, a importância
atribuída pelo médico aos elementos ornamentais demonstra uma reflexão profunda acerca das
características dos modelos de escrita predominantes na Itália entre os sécs. XVI e XVII.
-O estudo da escrita dos caracteres mostrava que a identificação da mão do mestre deveria ser
procura na obra.
-Em 1620 a palavra caracteres volta em sentido analógico nos textos do fundador da física
moderna e dos iniciadores da paleografia, grafologia e conhecimento.
p.163 -O verdadeiro obstáculo da aplicação do paradigma de Galileu era a centralidade maior ou menor
do elemento individual em cada disciplina. Quanto mais traços individuais eram considerados
pertinentes, mais se esvaía a possibilidade de um conhecimento científico rigoroso.
-Sendo assim, havia dois caminhos: sacrificar o conhecimento do elemento individual ou elaborar
um paradigma diferente, baseado no conhecimento científico do individual. O primeiro caminho
foi tomado pelas ciências naturais e posteriormente pelas ciências humanas, isso porque a
tendência em apagar os traços individuais de um determinado objeto é proporcional à distância
emocional do observador.
p.164 -O conhecimento individualizante é antropocêntrico, etnocêntrico e especificado.
-Animais, minerais ou plantas podem ser considerados numa perspectiva individualizante.
-Durante o séc. XVII a influência do paradigma galileano tendia a subordinar o estudo de
fenômenos anormais a pesquisa sobre a norma, adivinhação, ao conhecimento generalizante da
natureza.
p.165 -Houve uma tentativa de empregar a metodologia matemática para análise dos fatos humanos.
Entretanto, as ciências humanas permaneceram ancoradas no método qualitativo.
p.166 -A “incerteza” da medicina se resume a duas razões: não bastava catalogar todas as doenças, pois
em cada indivíduo se manifesta de uma forma diferente; o conhecimento das doenças era indireto,
indiciário. Nas discussões dessas incertezas da medicina já estavam formulados os futuros nós
epistemológicos das ciências humanas.
-Apesar das objeções referentes ao plano metodológico a medicina se mantinha uma ciência
reconhecida no meio social.
p.167 -No corpo de saberes locais, a cultura escrita tentava dar tempo a uma formulação verbal precisa.
S tratava de formulações desbotadas e empobrecidas.
-Ao longo do séc. XVIII ocorre mudança na situação, pois a burguesia se apropria de grande parte
do saber, intensificando o processo de aculturação. O símbolo dessa ofensiva é a Encyclopédie,
mas, Ginzburg destaca a necessidade de analisar os episódios insignificantes e reveladores.
p.168 -A remota origem do paradigma indiciário é a fábula ou conto oriental dos 3 irmãos, capazes de
descrever um animal que nunca viram.
-Zadig – primeiro conto de Peregrinação de Voltaire. O autor reelabora esse conto, e Zadig
consegue descrever minuciosamente pistas sobre um terreno através do trabalho mental, parecido
com o que os irmãos haviam feito.
p.169 -Zadig se tornou simbólico a ponto de Thomas Huxley em 1880 definir o “método de Zadig”, que
reunia história, arqueologia, geologia, astronomia física e paleontologia, disciplinas permeadas
pela diacronia, não poderiam não se voltar para o paradigma indiciário ou divinatório, descartando
o paradigma galileano.
“(...) quando as causas não são reproduzíveis, só resta inferi-las a partir dos efeitos”.
p.170 3.
-No início do séc. XVIII René Dubos classifica em ordem decrescente de inconfiabilidade a
medicina, o conhecimento e a identificação das escritas.
-Ginzburg compara todo o levantamento que fez até o momento a um tapete, que vai sendo
composto por fios. Esse tapete seria o paradigma indiciário.
-Entre os sécs. XVIII e XIX a constelação das disciplinas indiciárias modifica, isso com o
aparecimento das ciências humanas, pois aparecem novos astros, como a frenologia,
paleontologia, e sobretudo, a medicina, que se modifica.
p.171 -Aparece uma metáfora da “anatomia da sociedade”, empregada por Marx também. Ela exprime
ua aspiração ao conhecimento sistemático.
-Ginzburg salienta que há diferenças entre analisar rastros de campo, como pegadas, fezes, etc., e
analisar escritas, pinturas ou discursos.
Morelli propunha buscar no interior de um sistema de signos culturalmente condicionados aqueles
que tinham a involuntariedade dos sintomas, as miudezas materiais.
-Todas as sociedades percebem a necessidade de distinguir seus componentes, mas a forma de
enfrentar essa necessidade varia conforme tempo e local.
p.172 -Existe, primeiramente, o nome, e quanto mais complexo é o meio social, mais o nome parece
insuficiente para circunscrever a identidade dos indivíduos.
-Durante séculos as diferentes sociedades europeias não sentiram a necessidade de criar métodos
seguros que comprovassem a identidade.
-O aparecimento da produção capitalista e suas relações provocaram uma transformação ligada ao
novo conceito de sociedade, legislação, algo que aumentou o número de denúncias e o valor das
penas.
p.173 -A criminalização da luta de classes veio acompanhada pela construção de um sistema carcerário
fundamentado em detenção por longo prazo, mas o cárcere produz criminosos. Para identificar os
reincidentes era necessário provar que o indivíduo já havia sido condenado e que ele era mesmo
aquele que já sofrera condenação.
p.174 -Nesse momento surge o método do “retrato falado”. Esse método era complicado devido a
diferentes características impassíveis de identificação.
-Em 1888 surge o método de impressão digital.
p.175 -Na Ásia também havia um interesse pelas linhas da pele da mão. O costume na China era
imprimir as cartas e documentos com uma ponta de dedo borrada em tinta ou piche.
p.176 -Nos grandes centros europeus havia um desejo de identificar os nativos das colônias e outros
países, já que eram todos iguais entre si. Houve até tentativas de identificação racial através das
impressões digitais.
p.177 -O paradigma indiciário utilizado para abarcar formas de controle social sutis e minuciosas pode
se converter em um instrumento para dissolver névoas da ideologia que obscurecem a estrutura
social.
“(...) se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem
decifrá-la”.
p.178 -O paradigma poderia ser rigoroso? A orientação qualitativa e antiantropocêntrica das ciências
naturais colocou as ciências humanas no dilema de assumir estatuto científico frágil ou assumir
um estatuto científico forte, mas que chegasse a resultados de pouca relevância.
p.179 -A intuição baixa está conectada aos sentidos, nada tem a ver com a intuição supra-sensível do
irracionalismo presente no séc. XIX e XX, é difundida mundialmente sem limites geográficos,
históricos, sexuais ou de classe.

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