Você está na página 1de 16

MINISTÉRIO PÚBLICO DO

ESTADO DE MINAS GERAIS

REVISTA JURÍDICA

UNIJUS

ISSN 1518-8280

R. Jur. UNIJUS Uberaba MG V.7 N.1 p. 1-246 Nov. 2004


1
Universidade de Uberaba
Reitor
Dr. Marcelo Palmério

Vice-Reitora Pró-Reitor de Ensino Superior


Profa. Elsie Barbosa Profa. Inara Barbosa Pena Elias

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Diretor do Curso de Direito


Prof. José Bento Alves Prof. Carlos Roberto Marsiglia de Figueiredo

Ministério Público do Estado de Minas Gerais


Núcleo de Estudos Jurídicos de Uberaba
Coordenadora: Sandra Maria da Silva
Promotora de Justiça

REVISTA JURÍDICA UNIJUS


Produção da Universidade de Uberaba em parceria com o Ministério Público do Estado de
Minas Gerais (Núcleo de Estudos Jurídicos de Uberaba). Editoração e publicação pela
UNIUBE. Periodicidade semestral.

Os trabalhos apresentados exprimem conceitos da responsabilidade dos seus autores, coin-


cidentes ou não, com os pontos de vista da coordenação da Revista.
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte.

Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central da UNIUBE

Revista Jurídica UNIJUS / Universidade de Uberaba, Ministério Públi-


co do Estado de Minas Gerais. – Vol. 1, n.1 (1998)- . – Uberaba,
MG: UNIUBE, 1998-
v.

ISSN 1518-8280
1. Direito. I. Universidade de Uberaba. II. Ministério Público do Estado de
Minas Gerais.
CDD: 340

2
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO
OBJETIVA E O NEXO DE
CAUSALIDADE NO DIREITO
PENAL
Cláudia Aparecida Salge1

EMENTA:
As inúmeras falhas na utilização da teoria da equivalência dos antecedentes adotada
pelo art. 13, caput, do Código Penal, levam à reflexão acerca do problema do nexo de
causalidade no âmbito do Direito Penal. Sobre o tema, a teoria da imputação objetiva
enceta aspectos relevantes, que merecem um estudo mais acurado, a fim de promover
soluções adequadas às situações fáticas não alcançadas pela denominada teoria da
conditio sine qual non.

Sumário
1 - Do posicionamento do nexo de causalidade no ofendido. 4.3 – Do resultado situado no âmbito
conceito analítico de crime. 2 - A teoria da equiva- do risco provocado pela conduta. 4.4 – Da posi-
lência dos antecedentes e o método da eliminação ção Günther Jakobs. 5 – Da aplicação da teoria da
hipotética. 3 – Dos fundamentos históricos da imputação objetiva. 5.1 – Da análise crítica da
teoria da imputação objetiva. 4 – Da moderna teoria da imputação objetiva. 5.2 – Das conseqü-
teoria da imputação objetiva. 4.1 – Da criação de ências da aplicação da imputação objetiva in con-
um risco proibido. 4.2 – Do consentimento do creto.

1. Do posicionamento do nexo de
adotada pelo Código Penal Brasileiro, deve
causalidade no conceito analítico de crime ser direcionada ao dano efetivo ao bem
O crime, sob o aspecto analítico, jurídico protegido pela norma penal, nos
pode ser fragmentado em três estratos casos de delitos dolosos, ou para a causação
distintos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade, de um resultado danoso, nas hipóteses de
que são indispensáveis para que o fato tenha delitos culposos.
repercussão na seara do Direito Penal. Na Em obediência ao princípio da
realidade, o crime existe como um todo, como legalidade, preconizado pela Constituição
um fato único; apenas para efeito didático Federal Brasileira (art. 5o, inciso XXXIX) e
faz-se necessário o seccionamento do delito, pelo Código Penal (art. 1o), a descrição
a fim de facilitar o reconhecimento do fato hipotética de uma conduta considerada
humano passível de responsabilização criminosa constitui o fato típico, o qual,
criminal. segundo DAMÁSIO E. DE JESUS, se
Considerado, de maneira singela, decompõe nos seguintes elementos: a)
como fato humano que lesa ou expõe a perigo conduta humana (dolosa ou culposa); b)
de lesão bens jurídicos penalmente tutelados, resultado; c) o nexo de causalidade material
o crime pressupõe uma conduta comissiva entre a conduta comissiva e o resultado; d)
(ação) ou omissiva (omissão). Por sua vez, a enquadramento do fato material (conduta,
conduta humana, sob o prisma da teoria resultado e nexo causal) a uma norma penal
finalista elaborada por HANS WELZEL e incriminadora (tipicidade).
1Juíza Federal Substituta da 2a Vara da Subseção Judiciária de Uberaba. Docente da Universidade de Uberaba, no Curso de Direito,
nas disciplinas Teoria Geral do Direito Penal I e II, no período de Agosto/2003 a Julho/2004.

35
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

Como elemento primário do fato evento e valoração desse nexo em relação


típico, a conduta, para a teoria finalista da ao Direito”.2
ação, trata da ação ou omissão humana, Consoante a teoria da conditio sine
consciente e dirigida a uma determinada qua non (equivalência dos antecedentes),
finalidade, ou seja, o resultado. que considera como causa a ação sem a qual
Encarado como objetivo precípuo o resultado não teria ocorrido, para a
da conduta, o resultado pode ser analisado verificação do nexo de causalidade faz-se
tanto sob o aspecto da teoria naturalística, necessária a utilização do método de
considerado como uma modificação do eliminação hipotética elaborado por Thyrén.
mundo exterior provocada pelo Esse método impõe que, para se aferir se um
comportamento humano; ou sob o aspecto fator é causa de um resultado, basta,
da teoria jurídica, em que se tem a afetação mentalmente, de forma objetiva (sem qualquer
de um interesse protegido pela norma penal, valoração), excluí-lo da cadeia causal; se, com
como, por exemplo, a vida, o patrimônio, a sua exclusão, o resultado ainda teria sido
honra, dentre outros. Nesta última análise, produzido, não pode ser considerado causa;
todos os delitos possuem resultado, ao contrário, se, com sua exclusão, o resultado
inclusive os crimes denominados formais, desaparece, tal fator deve ser considerado
que não exigem a ocorrência do resultado causa.
naturalístico, e os de mera conduta, que não Suponhamos que, arrimados nas
possuem resultado sob o aspecto físico. lições de DAMÁSIO E. DE JESUS, “A tenha
O vínculo que liga um resultado a matado B. O fato típico do homicídio possui
uma conduta é conhecido como nexo de uma série de condutas antecedentes, como
causalidade, ou nexo causal, que se traduz a fabricação do revólver, sua aquisição pelo
em um elemento objetivo do tipo penal. Para comerciante, a compra pelo agente etc.
a responsabilização do agente, é Excluindo-se, p. ex., a fabricação da arma,
imprescindível a verificação do nexo de o resultado não teria ocorrido. Logo, o
causalidade entre o resultado e o seu fabrico da arma é considerado causa”.3
comportamento, sem o que não há que se Ora, não há plausibilidade nenhuma
falar em fato típico. em se atribuir ao fabricante ou ao comerciante
de armas de fogo a responsabilidade pelos
2. A Teoria da equivalência dos atos ilícitos praticados com os aludidos
artefatos, posto que esse raciocínio poderia
antecedentes e o método da eliminação
levar, inclusive, à absurda responsabilização
hipotética dos pais do assassino, pela sua concepção,
Para tratar da questão atinente ao mediante um inocente ato de amor.
nexo de causalidade, que nos interessa mais A principal crítica levantada pelos
especificamente neste estudo, o Código estudiosos do Direito no tocante à aplicação
Penal Brasileiro adotou, em seu art. 13, caput, da teoria da equivalência dos antecedentes é
a teoria da equivalência dos antecedentes, exatamente neste sentido, ou seja, a operação
cuja finalidade, segundo PAULO JOSÉ DA denominada regressus ad infinitum, segundo
COSTA JÚNIOR, é a de regular “os dois a qual se inserem na cadeia causal indivíduos
momentos da atividade do julgador: que não contribuíram efetivamente para a
verificação do elo causal entre conduta- ocorrência do resultado, como no exemplo

2
Do nexo causal, São Paulo, Malheiros Ed., 1996, p. 102, lembrado por MIGUEL REALE JÚNIOR, Teoria do Delito, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1998, p. 178, n. 2.4; citado por DAMÁSIO E. DE JESUS, in Imputação Objetiva, Ed. Saraiva, 2a edição,
2002, p. 6.
3 In ob. cit., p. 6/7.

36
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

supramencionado, o fabricante e o Apresenta-se, portanto, a teoria da


comerciante da arma utilizada para a prática equivalência dos antecedentes incapaz de
criminosa. Esses indivíduos somente são solucionar questões complexas que povoam
excluídos da responsabilidade penal pelo fato o mundo jurídico atual, tais como a dupla
delituoso em face da aplicação do nexo causalidade alternativa (autoria colateral); a
normativo, qual seja, mediante a verificação dupla causalidade concomitante (em que
da existência ou não de dolo ou culpa stricto nenhuma das condutas, sozinha, poderia
sensu em suas condutas, operação esta que provocar o resultado, mas somadas atingem
se efetua após a constatação do nexo o desiderato final); na hipótese em que o
objetivo. Ausente um dos elementos resultado ocorreria de qualquer modo (p. ex.,
subjetivos da conduta (intencionalidade), o médico que desliga os aparelhos que
afasta-se a responsabilidade criminal, mantêm vivo um paciente terminal, com danos
evitando, assim, os absurdos jurídicos de cerebrais irreversíveis, acelerando a sua
chegar-se, até mesmo, a responsabilizar os morte); os desvios dos cursos causais (p.
pais do criminoso, assim como o fabricante ex., o ladrão principiante, trêmulo e inseguro
de automóveis pelos delitos culposos no que aponta um estilete para a vítima, um
trânsito. homenzarrão, e anuncia o assalto; a vítima se
Na realidade, percebe-se que a teoria apavora, sofre um enfarto e morre). Todas
da equivalência dos antecedentes se essas situações, bem lembradas por
constitui em mera constatação objetiva do EDILSON MOUGENOT BONFIM e
liame existente entre o resultado e as suas FERNANDO CAPEZ4 , não conseguem ser
respectivas causas, sendo que esse vínculo solucionadas com a utilização do art. 13,
se fundamenta exclusivamente no campo das caput, do CP, requerendo a evolução do
ciências físicas, como um raciocínio pensamento jurídico no tocante ao nexo de
matemático, relacionado às ciências exatas, causalidade.
flagrantemente destoante da intencionalidade
da conduta que requer a teoria finalista da 3. Dos fundamentos históricos da teoria da
ação elaborada por WELZEL e adotada pelo
imputação objetiva
Código Penal Brasileiro.
Diante das constantes e justificadas
Ademais, a teoria adotada pelo art.
críticas apontadas pelos estudiosos em
13, caput, do Código Penal, por estabelecer
relação ao absolutismo caracterizado pela
uma relação meramente física entre a conduta
utilização da conditio sine qua non, na
e o resultado, deixa de regular os
Alemanha, logo após a Segunda Grande
denominados crimes formais e de mera
Guerra Mundial, foram lançadas as primeiras
conduta, que independem da provocação de
bases da teoria da imputação objetiva, cuja
um resultado naturalístico.
finalidade era a de substituir o nexo causal
Denota-se claramente que a teoria
puramente material pela relação jurídica
da conditio sine qua non possui um elo
(normativa) entre a conduta e o resultado.5
profundo com a teoria naturalista ou causal
O que se pretende, portanto, com a teoria da
da ação, que exige, apenas, para a
imputação objetiva é, na realidade, abandonar
configuração da responsabilização penal, o
a relação de causalidade, como único vínculo
vínculo objetivo entre a conduta do agente e
entre a ação e o resultado, e passar analisar o
o resultado, olvidando o elemento intencional
nexo causal também sob o aspecto jurídico.
da ação.
Cumpre, todavia, lembrar que os

4
Direito Penal – Parte Geral, São Paulo, Ed. Saraiva, 2004, p. 340/341.
5 JESÚS, Damásio E. de, in ob. cit., p. 23.

37
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

pilares fundamentais da teoria da imputação movimentos através de suas decisões. Por


objetiva vêm de tempos remotos, eis que, já sua vez, essa capacidade encontra os seus
na obra de PLATÃO, “A República”, é limites nos princípios que regem a conduta
possível vislumbrar nuances relacionadas à humana, uma vez que o homem, ao integrar a
matéria em comento. Na referida obra, o natureza, pode intervir nos processos causais
aspecto positivo das leis torna-se relevante e conduzi-los de acordo com suas próprias
na oportunidade que a lei deve exercer, intenções. Pufendorf utilizou-se de duas
especialmente no âmbito penal, uma função expressões, a saber: a imputativitas e a
imperativa, função esta que se relaciona, sob imputatio. A primeira (imputativitas)
o ponto de vista filosófico, com o início da significa que a ação pertencerá ao agente
noção de imputação (a lei como definidora quando representar a sua livre
da imputabilidade do ato). A imputação, então, autodeterminação (consciência e vontade);
passa a ter uma idéia de produção de algo de enquanto que a segunda (imputatio) refere-
acordo com determinada norma.6 se às operações judiciais realizadas para
ARISTÓTELES, por sua vez, comprovar a ocorrência dos elementos que
desenvolveu com maior clareza os princípios compõem a imputativitas e para proceder à
da imputação, tomando como cerne as valoração do evento. A valoração do ocorrido
categorias ontológicas (estrutura da ação demanda a distinção dos entia physica, que
humana). Segundo o seu raciocínio, uma se relacionam aos objetos de natureza física,
conduta somente pode ser imputável se regidos pela lei natural, dos entia moralia,
estiver no âmbito de controle de seu autor, que pertencem ao mundo da cultura,
do qual se poderia esperar um comportamento conferindo direção e sentido às ações livres
diverso. É o que denomina de “liberdade do homem, ao estabelecer critérios para
natural” ou “livre determinação de agir”. ajustar a liberdade de ação (juízo de
Somente os atos que estão sob o domínio da valoração).8
vontade podem ser suscetíveis de No início do século XIX, GEORG
imputação.7 HEGEL elaborou um princípio que serviu de
SAMUEL PUFENDORF, em fundamento para a moderna teoria da
seqüência aos trabalhos de Aristóteles, imputação objetiva, ao afirmar que um fato
reelaborou a doutrina de imputação sobre as somente pode ser imputado como
bases já lançadas. Os estudos por ele responsabilidade da vontade de seu autor. A
empreendidos levaram a um conceito de dominação da vontade é pressuposto para a
imputação, que pela primeira vez surgia na imputação, e o juízo de imputação trata de
ciência do Direito Penal, ao afirmar que um juízo teleológico e não causal. 9 A
apenas os resultados que dependam da inovação trazida por Hegel, em relação à
vontade humana ou que sejam domináveis doutrina desenvolvida por Pufendorf, é no
por ela podem ser imputáveis ao homem como sentido de que a imputação não se sobrepõe
obra sua. Os principais fundamentos de sua à responsabilidade, não se confundindo com
teoria são no sentido de que o homem, como a culpabilidade, ao contrário do que afirmava
ser racional, diferente dos demais animais, é este último, que entendia a ação como
capaz de dominar e dirigir os seus vontade livre realizada por um sujeito
6 PRADO, Luiz Régis e CARVALHO, Erika Mendes de, in Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, São Paulo, Ed. RT, 2002,

p. 18.
7
MORALES, Diego Medina, Derecho y Libertad. La teoria de la imputabilidad em Aristóteles. Cuadernos de Política Criminal,
n. 55, p. 134 e ss.; apud Luiz Régis Prado, in ob. cit., p. 19/20.
8 WELZEL, Hans, La dottrina giusnaturalistica di Samuel Pufendorf. Um contribut alla storia delle idee dei secoli XVII e XVIII, p.

119 e ss., citado por Luiz Regis Prado, in ob. cit. P. 21/22.
9
HEGEL, Georg, Princípios da filosofia do direito, p. 110; apud Luiz Régis Prado, in ob. cit., p. 27/30.

38
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

imputável. A deficiência encontrada no Honig, é saber se o sujeito possuía condições


conceito de Hegel reside nos delitos de, com seu comportamento, realizar ou evitar
culposos, cujos resultados não se encontram o resultado, afastando, por conseguinte, os
no âmbito da vontade do agente. eventos produzidos fortuitamente (requer
Em direção oposta aos estudos de previsibilidade e direção da vontade humana).
Aristóteles, Punfendorf e Hegel, surge a
doutrina de KARL LARENZ, que defende a 4. Da moderna teoria da imputação objetiva
tese de que o critério fundamental para atribuir Com o avanço dos estudos
um fato a alguém se encontra no denominado elaborados em torno da teoria da imputação
“juízo de imputação”, explicando que a objetiva, chegou-se, no início da década de
imputação corresponde à tentativa de 70, a uma concepção moderna sobre a
delimitar um fato próprio de um matéria, elaborada por CLAUS ROXIN.
acontecimento puramente fortuito, servindo Fundamentando suas conclusões em
meramente para determinar se o critérios normativos para responsabilização
acontecimento é obra ou não do sujeito.10 de delitos materiais (dolosos e culposos),
Larenz busca, com sua teoria baseada em Roxin pretendia contribuir para a
aspectos objetivos, englobar, além dos fatos reformulação da teoria da imputação objetiva
conhecidos e desejados pelo sujeito desvinculada do dogma causal. A partir de
(dolosos), também os que poderiam ser, mas então, formulou-se o princípio do risco,
não foram, abarcados por sua vontade segundo o qual, para aferir a
(culposos). Para Larenz, a imputação se responsabilidade do agente pelo resultado,
subsume na possibilidade de previsão e o importante é verificar se a conduta criou ou
domínio dos cursos causais, e é designada não um risco juridicamente relevante de lesão
objetiva porque a mencionada possibilidade típica de um bem jurídico penalmente
de previsão não é considerada com base na tutelado.12
capacidade e na ciência do sujeito ativo, in Sustenta Roxin que somente é
concreto, mas consoante um critério geral e imputável ao agente o resultado que pode
objetivo, o do “homem inteligente e ser finalmente previsto e dirigido por sua
prudente” (homem comum). vontade, pugnando pela realização de um
Atualmente, na Espanha e curso causal dominável pelo elemento
Alemanha, a doutrina da imputação objetiva volitivo, em perfeita consonância com a teoria
procura elaborar critérios normativos, cuja finalista da ação. A vontade, portanto, seria
finalidade precípua é a de atribuir determinado dirigida à criação de um risco juridicamente
resultado a uma conduta ativa ou omissiva. relevante a um bem jurídico protegido pela
RICHARD HONIG é considerado o precursor norma penal.
desse pensamento jurídico, justificando a Partindo-se da premissa de que a
imputação objetiva não como imputação do teoria da imputação objetiva requer a criação
comportamento, mas sim como imputação do de um risco juridicamente desaprovado,
resultado. Para Honig, não se trata de aferir a colige-se que, para a existência de um fato
causalidade, mas de atribuir-lhe valor, sendo, típico, fazem-se necessários os seguintes
portanto, imputáveis os resultados que requisitos: a) conduta criadora de um risco
podem ser finalmente vislumbrados por seu para a ocorrência do resultado, e este risco
autor (finalidade objetiva).11 A relevância para deve ser proibido; b) o resultado naturalístico
a imputação objetiva, sob os critérios de deve se encontrar no âmbito do risco
10
MELIÁ, Cancio e GONZÁLEZ, Suárez, apud Luiz Regis Prado, in ob. cit., p. 30/31.
11
Citado por Luiz Régis Prado, in ob. cit., p. 34/35.
12
Idem, p. 64.
39
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

provocado pela conduta. ou permitido, não há como se lhe imputar tal


resultado. Ao contrário, se o autor, com sua
4.1. Da criação de um risco proibido conduta, tiver provocado um risco
Como seres humanos integrantes de juridicamente proibido ou, ainda, se tiver
uma coletividade, todos nós corremos, aumentado o risco permitido, então o
diariamente, riscos, que podem ou não resultado poderá ser-lhe imputado.
provocar algum dano a bens jurídicos A teor dos ensinamentos de
protegidos pelo Direito Penal. Entretanto, o GÜNTHER JAKOBS, a mera causação do
risco ensejador da imputação objetiva de um resultado, mesmo na modalidade dolosa, não
resultado ao seu autor não trata de qualquer é suficiente para aferir a imputação ao agente,
risco, excluindo-se do âmbito da norma penal eis que, se “o Direito Penal tivesse por fim
os denominados riscos permitidos ou eliminar todo e qualquer risco resultante
tolerados pelo convívio social. do contato social, mediante a prevenção
Riscos toleráveis são os aceitos geral e especial (previsão in abstracto e
socialmente como normais e inerentes ao aplicação efetiva da sanção penal), a
desenvolvimento da coletividade, tais como sociedade ficaria completamente
os veículos automotores que, embora paralisada”.14
perigosos se manejados de maneira Aqui se estabelece uma íntima
inadequada, são necessários ao transporte ligação entre a teoria da imputação objetiva e
de pessoas e objetos essenciais à sociedade. o princípio da adequação social, elaborado
Não se pode, assim, atribuir ao fabricante de por WELZEL, tomando-se por base a
veículos a responsabilidade pelos acidentes circunstância de que um fato socialmente
e mortes provocadas pelo mau uso dos adequado corresponde a um comportamento
automóveis, pois tais infortúnios se permitido e tolerado, não correspondendo a
consideram riscos tolerados. Sopesando, no um risco proibido, o que leva à atipicidade da
caso em exame, os benefícios advindos com conduta adotada pelo agente.
o uso dos automóveis e os perigos trazidos O que fundamenta a aceitação social
com sua utilização, num critério de custo- de determinadas condutas é o fato de se tratar
benefício, a sociedade é quem deve decidir de uma relação denominada “contatos
pela tolerabilidade dos riscos, assumindo-os sociais”, em que cada um dos envolvidos
como imprescindíveis ao conseqüente espera do outro o cumprimento de seu papel
progresso, ou pela assunção de menos social. Distanciando-se de seu papel social,
perigo, mas com estagnação da evolução o agente engendra um risco proibido, não
social. tolerado pela ordem jurídica.
Entrementes, segundo EDILSON Por outro lado, há que se verificar
MOUGENOT BONFIM e FERNANDO que as relações sociais se fundamentam no
CAPEZ, “o que deve ser feito é cobrar de princípio da confiança, em que cada um dos
cada um de acordo com o papel social que membros da sociedade, ao adotar condutas
representa, cujos limites serão estabelecidos em conformidade com as regras jurídicas de
pela aspiração geral dos membros da comportamento, mantendo-se em seu papel
coletividade”.13 social, possui o direito de esperar do outro
Se o autor, embora tendo provocado que proceda da mesma forma. Sob esse
um resultado lesivo, se tiver conduzido de aspecto, ninguém é obrigado a fiscalizar o
maneira a criar uma situação de risco tolerável comportamento alheio, a fim de eliminar
quaisquer riscos de lesão, cabendo a cada
13 In ob. cit., p. 352
14 Apud Edilson M. Bonfim e Fernando Capez, in ob. cit., p. 354.
40
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

um a responsabilidade por suas próprias necessariamente abranger a lesão, sendo


condutas. É o que se depreende do exemplo suficiente que o titular do bem jurídico,
mencionado por EDILSON BONFIM e consciente do perigo, consinta na adoção,
CAPEZ: “o médico confia que o auxiliar vá por parte do agente, de um comportamento
lhe passar um bisturi esterilizado; se isso contrário às normas do dever de cuidado.
não ocorre e o paciente morre por infecção, Retorna-se, assim, ao cálculo do custo-
o cirurgião não criou um risco proibido, e benefício, em que o ofendido é capaz de
não responderá, assim, pelo resultado”.15 sopesar os riscos e os benefícios advindos
com a conduta do agente, optando pela
4.2. Do consentimento do ofendido situação de perigo.
Impende considerar, ainda, que a Nessa linha de raciocínio, ao
aquiescência do titular do bem jurídico mencionarem o exemplo lembrado por
ofendido em participar do evento danoso, ANTÔNIO LUIS CHAVES DE CAMARGO,
aderindo ao comportamento do agente, é in Imputação Objetiva, EDILSON BONFIM e
capaz de afastar a imputação objetiva do FERNANDO CAPEZ estabelecem em que
resultado. situações pode-se considerar o
Ao contrário do posicionamento consentimento do ofendido como causa de
adotado pela doutrina tradicional, que exclusão do risco proibido, a saber: “O
enfrenta a questão do consentimento do Tribunal Supremo alemão, no ano de 1984,
ofendido como causa supralegal de exclusão num denominado caso de seringa, absolveu
da ilicitude, atuando sobre o segundo o autor de um crime culposo, porque havia
elemento do crime, a teoria da imputação cedido heroína a um viciado, que a injetou,
objetiva trabalha a matéria no âmbito do causando-lhe a morte. Ficou patenteado que
próprio tipo penal, tornando atípica a a heroína tem um risco intrínseco que é do
conduta do agente, por considerar que o conhecimento da vítima e esta se colocou em
resultado se origina de um risco permitido. perigo, afastando a imputação do autor que
Ante o consentimento válido do lhe cedeu a droga para ser injetada”.17
ofendido, a ação passa a se desenvolver sob Para alguns autores, como
a égide de um risco perfeitamente tolerado SCHAFFSTEIN, não importa se o bem
pela sociedade, como representação do livre- jurídico se encontra ou não dentro da esfera
arbítrio no contexto social, sendo incapaz de de disponibilidade de seu titular, uma vez que
lesar o bem jurídico penalmente tutelado. Tal este não está consentindo na lesão em si
raciocínio se justifica pelo fato de que, mesma, mas somente na situação criadora do
segundo HIRSCH, “todo aquele que risco. Neste sentido, é possível a
concorda com um comportamento perigoso disponibilidade da vida humana, consoante
assume conscientemente o risco de uma lesão, a citação de MANUEL DA COSTA
eliminando a antinormatividade da conduta ANDRADE.18
do outro que, devidamente autorizado pelo Há que se falar, inclusive, em
interessado, realizou a conduta perigosa, a situações nas quais a vítima deixa de adotar
qual acabou por provocar a lesão a bem as cautelas devidas de autoproteção e, com
jurídico”.16 seu comportamento descuidado, coloca-se
Para o fim de afastar a proibição do em circunstâncias de perigo, afastando a
risco, o consentimento do ofendido não deve responsabilidade do autor da conduta pelo
resultado provocado. É o caso citado por
15
In, ob. cit., p. 357/358.
16 Apud Edilson M. Bonfim e Fernando Capez, in ob. cit., p. 359/360.
17
Idem, p. 361.
18
In Consentimento e acordo em Direito Penal, cit. Por Edilson Bonfim e Fernando Capez, in ob. cit., p. 359.

41
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

EDILSON BONFIM e CAPEZ, em que um exaustivamente exemplos de situações em


lutador de judô, ainda não recuperado de uma que ocorre a ruptura do nexo causal em razão
lesão na vértebra, insiste em participar de uma dessas interferências, citando, ainda,
competição e ao receber um golpe normal de GÜNTHER JAKOBS, ao creditar o resultado
seu adversário, sofre uma queda e vem a ao “infortúnio da vítima” ou “mala suerte”.
falecer em virtude das lesões sofridas.19 Não O Professor DAMÁSIO menciona, ainda, um
há, portanto, que se falar em exemplo fornecido por MANUEL CANCIO
responsabilização penal do autor do golpe, MELIÁ, em que “um motorista, conduzindo
que não criou e nem incrementou nenhum um caminhão por uma rodovia, recolhe uma
risco anormal para a vítima. jovem que estava fazendo autostop,
Urge assinalar, ademais, que, se o propondo-lhe relações sexuais. A moça se
autor se comportou de forma a reduzir o risco nega. Ele insiste. Ela lhe pede que estacione
de lesão, acaba por adotar um o veículo, caso contrário vai jogar-se para
comportamento em conformidade com a fora do caminhão em movimento. Ele se nega.
norma, o que leva à atipicidade de sua Ela abre a porta e se lança no asfalto, ferindo-
conduta. É o que ocorre, portanto, com o se gravemente” 20 , sendo a hipótese
agente que afasta uma pedra, que foi correspondente a fatos reais.
arremessada em direção à cabeça da vítima, As soluções possíveis são
projetando-a para o braço, diminuindo, com apresentadas por MANUEL CANCIO
seu comportamento, a gravidade da lesão à MELIÁ, que traça as seguintes
integridade física do ofendido. Nesse caso, recomendações, citadas por DAMÁSIO DE
o agente não responde pela lesão, eis que a JESUS: a) na situação em que o
sua ação protegeu o bem jurídico tutelado comportamento da vítima se constitui em
pela norma penal. reação grosseira ante a conduta do motorista,
que não colocava em risco sério a nenhum
4.3. Do resultado situado no âmbito do bem jurídico a ela pertencente, o agente não
responde pelas lesões; b) ao contrário, se a
risco provocado pela conduta
conduta do motorista gerou uma situação de
Em que pese à existência da
iminente risco sexual à vítima, ocorre a
provocação de um risco proibido, para a
imputação objetiva do resultado ao agente.
configuração da imputação objetiva é
Neste sentido, é possível a adoção
inexorável que o resultado naturalístico se
do pensamento de CLAUS ROXIN, ao afirmar
encontre dentro da linha de desdobramento
que a imputação objetiva vai além da
causal da conduta adotada pelo agente,
atribuição do resultado naturalístico à
estando sob o seu domínio causal.
conduta, buscando estabelecer os requisitos
Não se admitem, em sede de
para unir o resultado jurídico (lesão ou perigo
imputação objetiva, os denominados desvios
de lesão ao bem jurídico) ao comportamento
causais, considerados como interferências
do agente, com a aferição da violação do
não previstas no desenvolvimento da cadeia
interesse tutelado pela norma penal, o que
de causalidade, rompendo o nexo e a
pode ser aplicado tanto nos crimes materiais
responsabilização do agente pelo resultado
(com resultado naturalístico), como nos
físico.
formais e de mera conduta, os quais, embora
DAMÁSIO E. DE JESUS, referindo-
dispensem o resultado físico, possuem
se à questão como “âmbito ou extensão da
resultado normativo.
tutela penal” ou “alcance do tipo”, fornece
Mediante a constatação da criação,
19
In ob. cit., p. 361.
20
In ob. cit., p. 91.

42
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

por parte do agente, de uma situação de risco Sob este prisma, a imputação
proibido, bem como de uma afetação do bem objetiva passa a consistir na interpretação
jurídico tutelado pela norma penal situado de um comportamento, sendo definida com
no âmbito do risco provocado pelo base em critérios eminentemente objetivos,
comportamento, apura-se a existência de considerando-se que apenas os
imputação objetiva. Somente depois é que comportamentos perigosos ex ante podem
se passa à segunda fase da apuração do nexo ser penalmente valorados. As normas
de causalidade, a partir do que se verifica a funcionam como modelos ou, consoante a
presença de dolo ou culpa na conduta do designação de Jakobs, “standards” de
agente (nexo normativo). comportamento que servem para orientar as
É forçoso, assim, concluir que a condutas dos membros da sociedade, e a
teoria da imputação objetiva passa a valoração das condutas se faz mediante a
significar o enquadramento da conduta ao análise do cumprimento ou não por parte do
tipo legal, sob o aspecto objetivo (V. GOMEZ sujeito do seu papel social. O conteúdo
BENITEZ, Causalidad, imputación objetiva axiológico dos comportamentos depende, em
y delitos cualificados por el resultado, apud qualquer hipótese, da finalidade atribuída ao
EDILSON BONFIM e FERNANDO Direito Penal em um determinado contexto
CAPEZ).21 social, e não de categorias pré-jurídicas.
A finalidade principal da imputação
4.4. Da posição de Günther Jakobs objetiva do comportamento consiste em
Dentre os estudiosos da moderna imputar ao respectivo agente os desvios de
teoria da imputação objetiva, GÜNTHER sua atuação com relação às expectativas que
JAKOBS adota um posicionamento peculiar, se inserem ao portador de um papel social.
entendendo-a como uma teoria do tipo Isso quer dizer que não interessam as
objetivo. No contexto elaborado por Jakobs, capacidades pessoais de quem atua, mas sim
o Direito Penal se ocupa da interação das as capacidades (em potencial) do portador
relações sociais, concebendo o injusto como de um papel, cuja acepção se resume em um
expressão de sentido (perturbação social) sistema de posições delimitadas de maneira
incompatível com a norma.22 Neste aspecto, normativa, ocupadas por indivíduos aos
só é possível determinar a conexão entre uma quais Jakobs denomina “intercambiáveis”. 23
conduta não permitida e o seu respectivo No primeiro nível da análise, ou seja,
resultado se a hipótese se configurar uma acerca da imputação de comportamentos,
modificação planificada do mundo, isto é, Jakobs propõe quatro critérios básicos, a
como algo planejado pelo agente. saber: a) o risco permitido (estado normal de
A partir da dogmática de Jakobs, o interação social, respeitados os limites
princípio específico da imputação objetiva individuais de liberdade estatuídos
consiste na ordenação normativa do mundo, coletivamente); b) o princípio da confiança;
fundado em relações de competência, em que c) a proibição de regresso (limitadora do
a representação de cada comportamento âmbito de participação punível a teor da
depende de seu contexto social, ou seja, imputação objetiva com base em critérios
torna-se mister traçar os limites entre as objetivo-normativos); e d) a competência da
condutas socialmente adequadas e os vítima.
comportamentos reprovados pelo meio Quanto à imputação do resultado,
social. que corresponde ao segundo estrato de sua
21 In ob. cit., p. 365.
22
Apud Luiz Regis Prado, in ob. cit, p. 109.
23
JAKOBS, Günther, A imputação objetiva no Direito Penal, Trad. André Luis Callegari, RT., 2000, p. 20.

43
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

análise, Jakobs não obteve o mesmo êxito ROXIN, por seu turno, observa que
experimentado no primeiro nível de seus a teoria de Jakobs (funcionalismo sistêmico)
estudos. A sua definição de risco corresponde parte de um pressuposto básico, qual seja, o
ao conjunto de condições explicativas de um de que as sociedades devem estar
acontecimento, o que visa vincular a organizadas funcionalmente. Se tal desiderato
realização de riscos ao nível de imputação do se concretiza na realidade, a função do
comportamento. Por sua vez, a função que Direito Penal se encontra claramente definida.
todo sistema de imputação penal deve Ao contrário, nas sociedades estruturadas
cumprir na sociedade é no sentido de de modo disfuncional, a missão do Direito
possibilitar a orientação no mundo social, Penal deve ser estabelecida.
organizando e garantindo que cada um de
seus membros adote comportamentos 5. Da aplicação da teoria da imputação
essenciais.24 objetiva
Jakobs pugna, ainda, por uma
Para DAMÁSIO E. DE JESUS,
concepção extensiva de autoria,
“imputação objetiva significa atribuir a
considerando que tanto autores quanto
alguém a realização de uma conduta criadora
partícipes se apresentam como criadores de
de um relevante risco juridicamente proibido
uma mesma unidade de sentido, adotando
e a produção de um resultado jurídico”.27
um critério quantitativo e não qualificativo,
Segundo, ainda, o renomado
posto que a responsabilidade de todos os
Professor, no futuro, a teoria da imputação
intervenientes no fato delituoso seria
objetiva poderá ser aplicada em todos os tipos
idêntica.25
de delitos, sejam dolosos ou culposos, e de
Sinteticamente, pode-se concluir
qualquer natureza (materiais, formais ou de
que a relevância jurídico-penal de um
mera conduta). Todavia, ressalta que, na
comportamento, sob o enfoque de Jakobs,
atualidade, a imputação objetiva é utilizada
manifesta-se através do denominado “tipo
pela doutrina e pela jurisprudência estrangeira
objetivo”, expressando uma vertente objetiva
apenas em relação aos delitos de ação e
do injusto mediante a constatação de uma
resultado.
perturbação social.
A opinião do Professor Damásio
Sérias críticas se insurgiram em
traduz-se na adequação da teoria da
relação à teoria da imputação objetiva como
imputação objetiva para solucionar problemas
teoria do tipo objetivo, erigida por Jakobs, e
relativos a: a) crimes contra as relações de
dentre as mais contundentes se destaca a
consumo, em que se constata a
argumentação de que seu fundamento
responsabilidade penal pelo produto, o livre
teórico se estabelece na teoria do sistema
comércio e a criação de risco juridicamente
social. HANS HIRSCH, um estudioso cético
proibido recaindo sobre bens jurídicos do
com relação à questão da fundamentação da
consumidor, dentre outros; b) crimes de
culpabilidade sobre fins preventivos gerais,
trânsito: bem jurídico, direção normal e
como pretende Jakobs, salienta que “dentro
anormal em estado de embriaguez, direção
dessa concepção, a pena estaria a serviço do
normal sem habilitação legal, “racha” com
‘exercício de fidelidade ao Direito’, ou seja,
resultado de morte ou lesões corporais,
teria como fim a chamada prevenção geral
participação da vítima como excludente da
positiva”.26
24
Idem, p. 113.
25
JAKOBS, Günther, Prólogo à obra La imputación objetiva em Derecho Penal, p. 11, apud Luiz Régis Prado, in ob. cit., p. 112.
26 HIRSCH, Hans Joachim, El desarrollo de la dogmática penal después de Welzel, Obras completas, t. I, p 28-29, apud Luiz Régis
Prado, in ob. cit, p. 120.
27
In ob. cit., p. 34.

44
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

tipicidade; c) armas de fogo: princípio da desobediência ao princípio da legalidade (lex


ofensividade, guarda e posse sem registro certa).
no âmbito da residência particular; d) A teoria da imputação objetiva, para
transmissão de doenças, como a AIDS; e) os críticos, atribui uma excessiva relevância
crimes de tóxicos: objetividade jurídica, ao desvalor do resultado, ocupando,
princípio da ofensividade, fornecimento de inclusive, o espaço destinado ao dolo. O que
entorpecente com resultado letal (overdose), se argumenta a propósito é que, estando o
porte e posse de droga para o próprio dolo presente na conduta como elemento
consumo; f) delitos relativos à atividade subjetivo implícito, e conseqüentemente
médico-cirúrgica: problemas concernentes ao inserido no tipo penal, a sua ausência já
dever de cuidado, limites da liberdade conduz à atipicidade da conduta, não
científica do médico, consentimento do havendo necessidade de se recorrer à
paciente ou de seus familiares, erro médico, imputação objetiva para excluir a tipicidade
erro profissional; g) crimes contra as relações do fato. Diante de tal raciocínio, é possível
de trabalho: responsabilidade penal do inferir que a consideração da ausência do
empregador (segurança do trabalho); h) dolo resolve determinados problemas que a
delitos ocorridos nas dependências teoria da imputação objetiva remete ao
carcerárias: responsabilidade dos agentes terreno do risco, como ocorre nos
penitenciários em relação aos detentos; i) denominados perigos normais da vida
responsabilidade hospitalar (infecções social.29
hospitalares); j) crimes tributários provocados Faltariam, também, na teoria da
por conduta criadora de risco relevante e imputação objetiva, conceitos adequados ao
juridicamente desaprovado no interior da crime culposo, posto que a imputação
empresa; l) violência policial; m) crimes objetiva não fez mais do que, ao mencionar a
comuns contra a honra (tipos penais denominada “criação de risco juridicamente
definidos no Código Penal e na Lei de proibido”, adotar o critério da “inobservância
Imprensa).28 do dever de cuidado objetivo necessário”, o
que corresponde ao elemento normativo da
5.1. Da análise crítica da teoria da figura típica do delito na modalidade culposa.
imputação objetiva Por fim, assinala-se que a conversão
do risco em resultado jurídico é questão
Conforme se depreende da
relacionada à ilicitude e não à tipicidade, eis
concepção finalista, assim como dos
que a afetação jurídica do bem protegido pela
doutrinadores clássicos, a teoria da
norma penal, através da lesão ou ameaça de
imputação objetiva apresenta pontos
lesão, é matéria afeta à ilicitude do fato, e
críticos, que obstam a sua utilização prática,
não ao tipo penal.
merecendo um estudo mais profícuo, a fim de
Diante das críticas formuladas, os
sanar as suas deficiências.
defensores da teoria da imputação objetiva
Segundo a corrente doutrinária
insurgiram-se contra os argumentos
divergente, a teoria da imputação objetiva
ventilados em seu desfavor, primeiramente,
carece de determinação de conceitos, tais
no que concerne à ausência de conceitos
como o “risco desaprovado”, “realização de
claros e precisos. Neste ponto, aduzem que
risco” e “fim” ou “âmbito de proteção”, o
expressões como “risco permitido”, “risco
que fere o garantismo penal, por
proibido ou juridicamente desaprovado”,
28In ob. cit., p. 157/158.
29
FRISCH, Wolfgang, Tipo penal e imputación objetiva, Madrid, Colex, 1995, p. 64, apud Damásio E. de Jesus, in ob. cit., p. 158/
159.

45
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

“âmbito de proteção da norma”, revelam, na estudos de MANUEL A. ABANTO


realidade, os elementos normativos do tipo, VÁSQUEZ, CARLOS SUÁREZ GONZÁLEZ
como já adotado pela doutrina clássica e e MANUEL CANCIO MELIÁ, inserem-se
finalista (“mulher honesta”, inúmeras vantagens com a aplicação da teoria
“fraudulentamente”, “indevidamente”, da imputação objetiva.
dentre outros). Ressaltam estes estudiosos Inicialmente, enfatiza que o dogma
que o dolo do tipo jamais recebeu tratamento de causalidade (teoria da equivalência dos
uniforme, alertando que a culpa stricto sensu antecedentes) utilizado pelo Código Penal
(inobservância do cuidado objetivo) cuida abarca somente os denominados delitos
de um conceito aberto, que necessita de uma materiais, que possuem um resultado
valoração a ser apreciada pelo julgador, naturalístico, deixando de regular os crimes
mediante a comparação entre a provável formais e de mera conduta. Ao contrário, a
atuação do chamado “homem médio” na imputação objetiva, por estar relacionada à
mesma situação fática em que se encontra o ocorrência de um resultado jurídico (lesão ou
autor do fato delitivo. exposição de perigo a lesão a bem jurídico
Afastam, em seguida, a alegação de protegido pela norma penal), é passível de
que a teoria da imputação objetiva estaria aplicação em qualquer espécie de delitos,
ocupando o espaço do dolo, esclarecendo porquanto todos possuem resultado
que a imputação objetiva não cuida normativo.
especificamente do dolo, bastando a Outro aspecto a ser objeto de crítica
representação do sujeito ativo em relação à no tocante à relação de causalidade material
situação concreta para o fim de se enquadrar se apresenta quando a questão se refere à
a conduta provocadora do risco juridicamente tentativa e aos crimes omissivos, aos quais
proibido em determinado tipo penal. A os conceitos atuais não se encontram
verificação da presença ou não do dolo resta adequados, posto que se ocupam apenas de
postergada, portanto. um vínculo causal entre a conduta do agente
Refutam a idéia de que toda afetação e o resultado material. Por outro lado, a
jurídica pertence à ilicitude, posto que, se imputação objetiva pode ser amplamente
assim fosse, a simples criação do risco utilizada no âmbito dos delitos consumados
tornaria típica qualquer conduta, mesmo que ou tentados, comissivos ou omissivos (em
se tratasse de risco permitido, livrando o que não existe ação positivamente
agente da persecução penal somente quando considerada, mas apenas um “deixar de agir”
da análise do segundo elemento integrante quando lhe era devido). Servem, ainda, as
do crime (ilicitude). Assim, condutas regras da imputação objetiva para regular a
socialmente aceitas, tais como furar as ocorrência dos delitos culposos, bem como
orelhas, fazer uma tatuagem, as práticas a matéria atinente ao concurso de pessoas,
desportivas, dentre tantas, seriam mais especificamente, a participação.
consideradas típicas, demandando a A aplicação da teoria da imputação
constatação da ilicitude para serem objetiva possibilita que, ausente o nexo de
consideradas crimes ou não. causalidade material, o fato seja considerado
atípico, impedindo, dessa forma, a
5.2. Das conseqüências da aplicação da instauração desnecessária de um inquérito
policial e o conseqüente ajuizamento da ação
imputação objetiva in concreto
penal, o que traria inúmeros benefícios à
Consoante os ensinamentos do
Polícia e aos órgãos do Poder Judiciário,
Professor DAMÁSIO 30 , arrimado nos
desonerando-os de procedimentos e
30
In ob. cit., p. 160.

46
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

diligências dispensáveis. forma de ampliação da punibilidade, cujo


Argumenta, ainda, o Professor alcance seria ainda maior do que a criticada
DAMÁSIO, no que tange a questões tais causalidade. Uma das críticas mais
como o risco permitido, o consentimento e a contundentes formuladas por LUIZ RÉGIS
participação do ofendido (ações a próprio PRADO é no sentido da utilização do critério
risco), a violência esportiva, as intervenções instituído por GÜNTHER JAKOBS, ao
médicas e cirúrgicas, os ofendículos, as quais estabelecer que o que confere sentido social
na doutrina clássica possuem solução na a um comportamento é a função
seara do exercício regular de direito ou de concretamente desempenhada pelo indivíduo
causa excludente da ilicitude, que são no meio social.32 Pondera que, na conduta,
consideradas pela imputação objetiva como não se pode prescindir do elemento
situações de atipicidade da conduta, cognitivo, pois o que modifica a valoração
liberando o agente prima facie. de um comportamento é precipuamente o
Registre-se que a imputação conhecimento, de maneira que o dolo
objetiva permite que somente as condutas (consciência e vontade) é o elemento que
que, ex ante, se mostram perigosas sejam atribui um sentido social a uma ação.
consideradas desvaloradas perante o Direito Abstraindo-se de críticas e
Penal, ao contrário do que ocorre com relação argumentos favoráveis à aplicação da teoria
à doutrina clássica, em que essa apreciação é da imputação objetiva, certo é que, como
levada a efeito em momento posterior (ex qualquer teoria na esfera do Direito Penal,
post). enseja o desenvolvimento de novos estudos
Por fim, salienta DAMÁSIO que a no sentido de adequar os seus conceitos e
adoção da imputação objetiva não significa institutos ao ordenamento jurídico brasileiro
que a teoria finalista da ação, desenvolvida antes de sua efetiva utilização.
por WELZEL, esteja relegada ao Não se pode abandonar o finalismo,
esquecimento, sustentando que ambas consoante o entendimento do Professor
podem perfeitamente coexistir, uma vez que DAMÁSIO, porque o Direito Penal lida com
muitas regras, métodos e critérios da comportamentos humanos, e, como tal, não
imputação objetiva possuem fundamentação há como relegar a segundo plano o elemento
no finalismo, como é o caso da inobservância subjetivo da conduta, qual seja, o dolo
do dever de cuidado objetivo, que equivale à (conhecimento e vontade) e a culpa stricto
realização de conduta criadora de um risco sensu (previsibilidade e ausência de dever
juridicamente desaprovado. de cuidado objetivo na causação de um
LUIZ RÉGIS PRADO, por sua vez, resultado danoso).
aduz que , “por fixar os seus critérios apenas Ademais, cumpre ressaltar que,
no âmbito do tipo objetivo -, a exemplo da conforme se extrai das lições de LUIZ RÉGIS
concepção causal da ação”31 , a imputação PRADO, não se vislumbra coerência ao
objetiva não logra aferir o sentido social do admitir que, por exemplo, um taxista que leva
fato submetido à sua apreciação, haja vista o seu cliente a um banco, sem ter ciência de
que, somente após constatar a realização do que ele irá promover um assalto, receba o
tipo objetivo, preocupa-se em investigar a mesmo tratamento penal que um outro taxista
presença ou não do elemento subjetivo do que conduz o seu cliente até uma instituição
tipo, ou seja, do dolo. bancária, tendo conhecimento de suas
Alerta o renomado autor que a intenções criminosas.33
imputação objetiva poderia servir como uma Criticando a postura de JAKOBS,
31
In ob. cit., p. 159.
32
In ob. cit., p. 160.

47
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O
NEXO DE CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL

LUIZ RÉGIS PRADO afirma que, no exemplo adotada pelo art. 13, caput, do Código Penal,
supracitado, em que pese ambos os taxistas é ineficaz para solucionar várias modalidades
estejam cumprindo as suas respectivas de crimes, em especial os delitos formais, de
funções normativas (papel social), os seus mera conduta, os omissivos, os tentados,
comportamentos devem sofrer tratamento dentre outros, reclamando uma premente
distinto, uma vez que “o sentido social de mudança na matéria relacionada ao nexo de
uma conduta depende, fundamentalmente, da causalidade na seara criminal.
concorrência de dois fatores, a saber: em Resta concluir que o Direito Penal
primeiro lugar, o sujeito, fazendo uso de sua encontra-se em constante evolução, a fim de
capacidade intelectual, deve ter aceitado o acompanhar o desenvolvimento do ser
possível sentido que os elementos objetivos- humano e de seu meio social, e, por este
causais apresentam no mundo físico; em motivo, a teoria da imputação objetiva não
segundo lugar, deve ter apreendido o sentido deve ser olvidada, mas, sim, aprimorada, para
ético-social do ato e, através de suas a sua adaptação ao ordenamento jurídico
capacidades volitivas externas, dirigido sua vigente e adequação de seus institutos, com
ação nesse sentido” (Luis Gracia Martin, vistas a auxiliar a Ciência Penal no
Proyeto Docente y de Investigación en cumprimento de seu papel primordial, qual
Derecho Penal, p. 245).34 seja, o de regular o comportamento do homem,
Outrossim, é forçoso reconhecer como forma de controle social.
que a teoria da equivalência das condições,

6. Bibliografia
BONFIM, Edilson Mougenot e CAPEZ, Fernando. Direito Penal – Parte Geral, Ed. Saraiva,
2004, São Paulo.
JAKOBS, Günther. A Imputação Objetiva no Direito Penal, Tradução de André Luís
Callegari; Ed. RT, 2000, São Paulo.
JESUS, Damásio E. Imputação Objetiva, Ed. Saraiva, 2a edição, 2002, São Paulo.
PRADO, Luiz Régis e CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da Imputação Objetiva do
Resultado – Uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. RT, 2002, São Paulo.

33
In ob. cit., p. 160.
34
In ob. cit., p. 162.

48

Você também pode gostar