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REVISTA JURÍDICA
UNIJUS
ISSN 1518-8280
ISSN 1518-8280
1. Direito. I. Universidade de Uberaba. II. Ministério Público do Estado de
Minas Gerais.
CDD: 340
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A TEORIA DA IMPUTAÇÃO
OBJETIVA E O NEXO DE
CAUSALIDADE NO DIREITO
PENAL
Cláudia Aparecida Salge1
EMENTA:
As inúmeras falhas na utilização da teoria da equivalência dos antecedentes adotada
pelo art. 13, caput, do Código Penal, levam à reflexão acerca do problema do nexo de
causalidade no âmbito do Direito Penal. Sobre o tema, a teoria da imputação objetiva
enceta aspectos relevantes, que merecem um estudo mais acurado, a fim de promover
soluções adequadas às situações fáticas não alcançadas pela denominada teoria da
conditio sine qual non.
Sumário
1 - Do posicionamento do nexo de causalidade no ofendido. 4.3 – Do resultado situado no âmbito
conceito analítico de crime. 2 - A teoria da equiva- do risco provocado pela conduta. 4.4 – Da posi-
lência dos antecedentes e o método da eliminação ção Günther Jakobs. 5 – Da aplicação da teoria da
hipotética. 3 – Dos fundamentos históricos da imputação objetiva. 5.1 – Da análise crítica da
teoria da imputação objetiva. 4 – Da moderna teoria da imputação objetiva. 5.2 – Das conseqü-
teoria da imputação objetiva. 4.1 – Da criação de ências da aplicação da imputação objetiva in con-
um risco proibido. 4.2 – Do consentimento do creto.
1. Do posicionamento do nexo de
adotada pelo Código Penal Brasileiro, deve
causalidade no conceito analítico de crime ser direcionada ao dano efetivo ao bem
O crime, sob o aspecto analítico, jurídico protegido pela norma penal, nos
pode ser fragmentado em três estratos casos de delitos dolosos, ou para a causação
distintos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade, de um resultado danoso, nas hipóteses de
que são indispensáveis para que o fato tenha delitos culposos.
repercussão na seara do Direito Penal. Na Em obediência ao princípio da
realidade, o crime existe como um todo, como legalidade, preconizado pela Constituição
um fato único; apenas para efeito didático Federal Brasileira (art. 5o, inciso XXXIX) e
faz-se necessário o seccionamento do delito, pelo Código Penal (art. 1o), a descrição
a fim de facilitar o reconhecimento do fato hipotética de uma conduta considerada
humano passível de responsabilização criminosa constitui o fato típico, o qual,
criminal. segundo DAMÁSIO E. DE JESUS, se
Considerado, de maneira singela, decompõe nos seguintes elementos: a)
como fato humano que lesa ou expõe a perigo conduta humana (dolosa ou culposa); b)
de lesão bens jurídicos penalmente tutelados, resultado; c) o nexo de causalidade material
o crime pressupõe uma conduta comissiva entre a conduta comissiva e o resultado; d)
(ação) ou omissiva (omissão). Por sua vez, a enquadramento do fato material (conduta,
conduta humana, sob o prisma da teoria resultado e nexo causal) a uma norma penal
finalista elaborada por HANS WELZEL e incriminadora (tipicidade).
1Juíza Federal Substituta da 2a Vara da Subseção Judiciária de Uberaba. Docente da Universidade de Uberaba, no Curso de Direito,
nas disciplinas Teoria Geral do Direito Penal I e II, no período de Agosto/2003 a Julho/2004.
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Do nexo causal, São Paulo, Malheiros Ed., 1996, p. 102, lembrado por MIGUEL REALE JÚNIOR, Teoria do Delito, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1998, p. 178, n. 2.4; citado por DAMÁSIO E. DE JESUS, in Imputação Objetiva, Ed. Saraiva, 2a edição,
2002, p. 6.
3 In ob. cit., p. 6/7.
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4
Direito Penal – Parte Geral, São Paulo, Ed. Saraiva, 2004, p. 340/341.
5 JESÚS, Damásio E. de, in ob. cit., p. 23.
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p. 18.
7
MORALES, Diego Medina, Derecho y Libertad. La teoria de la imputabilidad em Aristóteles. Cuadernos de Política Criminal,
n. 55, p. 134 e ss.; apud Luiz Régis Prado, in ob. cit., p. 19/20.
8 WELZEL, Hans, La dottrina giusnaturalistica di Samuel Pufendorf. Um contribut alla storia delle idee dei secoli XVII e XVIII, p.
119 e ss., citado por Luiz Regis Prado, in ob. cit. P. 21/22.
9
HEGEL, Georg, Princípios da filosofia do direito, p. 110; apud Luiz Régis Prado, in ob. cit., p. 27/30.
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por parte do agente, de uma situação de risco Sob este prisma, a imputação
proibido, bem como de uma afetação do bem objetiva passa a consistir na interpretação
jurídico tutelado pela norma penal situado de um comportamento, sendo definida com
no âmbito do risco provocado pelo base em critérios eminentemente objetivos,
comportamento, apura-se a existência de considerando-se que apenas os
imputação objetiva. Somente depois é que comportamentos perigosos ex ante podem
se passa à segunda fase da apuração do nexo ser penalmente valorados. As normas
de causalidade, a partir do que se verifica a funcionam como modelos ou, consoante a
presença de dolo ou culpa na conduta do designação de Jakobs, “standards” de
agente (nexo normativo). comportamento que servem para orientar as
É forçoso, assim, concluir que a condutas dos membros da sociedade, e a
teoria da imputação objetiva passa a valoração das condutas se faz mediante a
significar o enquadramento da conduta ao análise do cumprimento ou não por parte do
tipo legal, sob o aspecto objetivo (V. GOMEZ sujeito do seu papel social. O conteúdo
BENITEZ, Causalidad, imputación objetiva axiológico dos comportamentos depende, em
y delitos cualificados por el resultado, apud qualquer hipótese, da finalidade atribuída ao
EDILSON BONFIM e FERNANDO Direito Penal em um determinado contexto
CAPEZ).21 social, e não de categorias pré-jurídicas.
A finalidade principal da imputação
4.4. Da posição de Günther Jakobs objetiva do comportamento consiste em
Dentre os estudiosos da moderna imputar ao respectivo agente os desvios de
teoria da imputação objetiva, GÜNTHER sua atuação com relação às expectativas que
JAKOBS adota um posicionamento peculiar, se inserem ao portador de um papel social.
entendendo-a como uma teoria do tipo Isso quer dizer que não interessam as
objetivo. No contexto elaborado por Jakobs, capacidades pessoais de quem atua, mas sim
o Direito Penal se ocupa da interação das as capacidades (em potencial) do portador
relações sociais, concebendo o injusto como de um papel, cuja acepção se resume em um
expressão de sentido (perturbação social) sistema de posições delimitadas de maneira
incompatível com a norma.22 Neste aspecto, normativa, ocupadas por indivíduos aos
só é possível determinar a conexão entre uma quais Jakobs denomina “intercambiáveis”. 23
conduta não permitida e o seu respectivo No primeiro nível da análise, ou seja,
resultado se a hipótese se configurar uma acerca da imputação de comportamentos,
modificação planificada do mundo, isto é, Jakobs propõe quatro critérios básicos, a
como algo planejado pelo agente. saber: a) o risco permitido (estado normal de
A partir da dogmática de Jakobs, o interação social, respeitados os limites
princípio específico da imputação objetiva individuais de liberdade estatuídos
consiste na ordenação normativa do mundo, coletivamente); b) o princípio da confiança;
fundado em relações de competência, em que c) a proibição de regresso (limitadora do
a representação de cada comportamento âmbito de participação punível a teor da
depende de seu contexto social, ou seja, imputação objetiva com base em critérios
torna-se mister traçar os limites entre as objetivo-normativos); e d) a competência da
condutas socialmente adequadas e os vítima.
comportamentos reprovados pelo meio Quanto à imputação do resultado,
social. que corresponde ao segundo estrato de sua
21 In ob. cit., p. 365.
22
Apud Luiz Regis Prado, in ob. cit, p. 109.
23
JAKOBS, Günther, A imputação objetiva no Direito Penal, Trad. André Luis Callegari, RT., 2000, p. 20.
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análise, Jakobs não obteve o mesmo êxito ROXIN, por seu turno, observa que
experimentado no primeiro nível de seus a teoria de Jakobs (funcionalismo sistêmico)
estudos. A sua definição de risco corresponde parte de um pressuposto básico, qual seja, o
ao conjunto de condições explicativas de um de que as sociedades devem estar
acontecimento, o que visa vincular a organizadas funcionalmente. Se tal desiderato
realização de riscos ao nível de imputação do se concretiza na realidade, a função do
comportamento. Por sua vez, a função que Direito Penal se encontra claramente definida.
todo sistema de imputação penal deve Ao contrário, nas sociedades estruturadas
cumprir na sociedade é no sentido de de modo disfuncional, a missão do Direito
possibilitar a orientação no mundo social, Penal deve ser estabelecida.
organizando e garantindo que cada um de
seus membros adote comportamentos 5. Da aplicação da teoria da imputação
essenciais.24 objetiva
Jakobs pugna, ainda, por uma
Para DAMÁSIO E. DE JESUS,
concepção extensiva de autoria,
“imputação objetiva significa atribuir a
considerando que tanto autores quanto
alguém a realização de uma conduta criadora
partícipes se apresentam como criadores de
de um relevante risco juridicamente proibido
uma mesma unidade de sentido, adotando
e a produção de um resultado jurídico”.27
um critério quantitativo e não qualificativo,
Segundo, ainda, o renomado
posto que a responsabilidade de todos os
Professor, no futuro, a teoria da imputação
intervenientes no fato delituoso seria
objetiva poderá ser aplicada em todos os tipos
idêntica.25
de delitos, sejam dolosos ou culposos, e de
Sinteticamente, pode-se concluir
qualquer natureza (materiais, formais ou de
que a relevância jurídico-penal de um
mera conduta). Todavia, ressalta que, na
comportamento, sob o enfoque de Jakobs,
atualidade, a imputação objetiva é utilizada
manifesta-se através do denominado “tipo
pela doutrina e pela jurisprudência estrangeira
objetivo”, expressando uma vertente objetiva
apenas em relação aos delitos de ação e
do injusto mediante a constatação de uma
resultado.
perturbação social.
A opinião do Professor Damásio
Sérias críticas se insurgiram em
traduz-se na adequação da teoria da
relação à teoria da imputação objetiva como
imputação objetiva para solucionar problemas
teoria do tipo objetivo, erigida por Jakobs, e
relativos a: a) crimes contra as relações de
dentre as mais contundentes se destaca a
consumo, em que se constata a
argumentação de que seu fundamento
responsabilidade penal pelo produto, o livre
teórico se estabelece na teoria do sistema
comércio e a criação de risco juridicamente
social. HANS HIRSCH, um estudioso cético
proibido recaindo sobre bens jurídicos do
com relação à questão da fundamentação da
consumidor, dentre outros; b) crimes de
culpabilidade sobre fins preventivos gerais,
trânsito: bem jurídico, direção normal e
como pretende Jakobs, salienta que “dentro
anormal em estado de embriaguez, direção
dessa concepção, a pena estaria a serviço do
normal sem habilitação legal, “racha” com
‘exercício de fidelidade ao Direito’, ou seja,
resultado de morte ou lesões corporais,
teria como fim a chamada prevenção geral
participação da vítima como excludente da
positiva”.26
24
Idem, p. 113.
25
JAKOBS, Günther, Prólogo à obra La imputación objetiva em Derecho Penal, p. 11, apud Luiz Régis Prado, in ob. cit., p. 112.
26 HIRSCH, Hans Joachim, El desarrollo de la dogmática penal después de Welzel, Obras completas, t. I, p 28-29, apud Luiz Régis
Prado, in ob. cit, p. 120.
27
In ob. cit., p. 34.
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LUIZ RÉGIS PRADO afirma que, no exemplo adotada pelo art. 13, caput, do Código Penal,
supracitado, em que pese ambos os taxistas é ineficaz para solucionar várias modalidades
estejam cumprindo as suas respectivas de crimes, em especial os delitos formais, de
funções normativas (papel social), os seus mera conduta, os omissivos, os tentados,
comportamentos devem sofrer tratamento dentre outros, reclamando uma premente
distinto, uma vez que “o sentido social de mudança na matéria relacionada ao nexo de
uma conduta depende, fundamentalmente, da causalidade na seara criminal.
concorrência de dois fatores, a saber: em Resta concluir que o Direito Penal
primeiro lugar, o sujeito, fazendo uso de sua encontra-se em constante evolução, a fim de
capacidade intelectual, deve ter aceitado o acompanhar o desenvolvimento do ser
possível sentido que os elementos objetivos- humano e de seu meio social, e, por este
causais apresentam no mundo físico; em motivo, a teoria da imputação objetiva não
segundo lugar, deve ter apreendido o sentido deve ser olvidada, mas, sim, aprimorada, para
ético-social do ato e, através de suas a sua adaptação ao ordenamento jurídico
capacidades volitivas externas, dirigido sua vigente e adequação de seus institutos, com
ação nesse sentido” (Luis Gracia Martin, vistas a auxiliar a Ciência Penal no
Proyeto Docente y de Investigación en cumprimento de seu papel primordial, qual
Derecho Penal, p. 245).34 seja, o de regular o comportamento do homem,
Outrossim, é forçoso reconhecer como forma de controle social.
que a teoria da equivalência das condições,
6. Bibliografia
BONFIM, Edilson Mougenot e CAPEZ, Fernando. Direito Penal – Parte Geral, Ed. Saraiva,
2004, São Paulo.
JAKOBS, Günther. A Imputação Objetiva no Direito Penal, Tradução de André Luís
Callegari; Ed. RT, 2000, São Paulo.
JESUS, Damásio E. Imputação Objetiva, Ed. Saraiva, 2a edição, 2002, São Paulo.
PRADO, Luiz Régis e CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da Imputação Objetiva do
Resultado – Uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. RT, 2002, São Paulo.
33
In ob. cit., p. 160.
34
In ob. cit., p. 162.
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