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CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado
I – Da conduta nos crimes tributários. O elemento do tipo
Sabe‐se que, em sede de direito penal, não se fala em responsabilidade de
pessoa jurídica, quando muito, em sede de direito penal ambiental, pode‐se falar nessa
responsabilidade, no âmbito dos ditames constitucionais(artigo 225 da Constituição Federal).1
Tal responsabilidade se atrita com o princípio da presunção da inocência que
exige do Estado‐acusação o ônus de provar a ocorrência da conduta ilícita e da culpabilidade
do agente.
O responsável pela empresa tem a obrigação de não se omitir, de administrar
e fiscalizar a pessoa jurídica da qual o agente detém o poder e gerência.
De nada valia ter a defesa do gerente, do diretor da empresa, se ele se omite
de fiscalizar e acompanhar os livros da empresa, as anotações no livro contábil.
Tem o acusado o ônus de demonstrar que não foi autor do fato criminoso que
se imputa como crime tributário e ainda de demonstrar que os fatos apresentados pela
acusação não se passaram como apresentados na denúncia ou que agiu diante da presença de
causa, legal ou extralegal, que exima a sua culpabilidade.
À acusação fica o ônus da prova da conduta ilícita do acusado, imputada na
denúncia.
1
O Anteprojeto do Código Penal trará hipótese de artigo 41 com possibilidade de
responsabilidade penal pelas pessoas jurídicas por atos praticados contra a administração
pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente, nos casos em que a
infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão
colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
1
Para explicar a culpabilidade, surgiram as teorias psicológica, normativa(que
exige a noção por parte do agente de consciência e reprovação do ato) e a teoria finalista que
põe o dolo como elemento do tipo o retirando da culpabilidade, para onde ficam a
imputabilidade, a exigibilidade conforme ao dever. Excluem a culpabilidade.: a
inimputabilidade, o erro, a coação irresistível, a obediência hierárquica.
Se praticou o crime, sua responsabilidade persiste, dentro do domínio do
fato(artigo 29 do Código Penal), seja por comissão, seja por omissão(artigo 13, § 2º, do Código
Penal).
Crime comissivo é o que consiste em praticar um fato que a lei proíbe.
Crime omissivo é o que consiste em omitir um fato que a lei ordena(crime de
dever).
Há os crimes comissivos por omissão(omissivos impróprios) que consiste em
produzir, por meio de omissão, um resultado definido na lei como crime. Falta o agente com o
dever legal de agir. É o caso da mãe que deixa morrer um filho, privando‐o de alimento. De um
policial que sabe que alguém vai ou está matando alguém e nada toma em termos de
providências. Do salva‐vidas que sabe que alguém está se afogando e nada faz. Aqui o crime é
comissivo, sendo a causa uma omissão.
Teremos ainda nos crimes tributários crimes materiais e crimes formais. Os
materiais(crimes de resultado) são aqueles que somente se tornam perfeitos com a realização
do resultado fixado como característico do tipo legal. Formais são aqueles em que não há
pretender destacar do comportamento do sujeito um resultado a ser tomado em consideração
pelo direito.
Aos tipos penais tributários, pois, se aplica para o direito penal, o principio da
legalidade cerrada, da tipicidade. Crime é todo fato antijurídico e típico.
Poderemos ter crimes comuns ou crimes próprios, na esfera do direito penal
tributário.
Estamos diante de crimes dolosos, seja por dolo direto ou eventual. Dolo
direto é o dolo propriamente dito em que concorrem a previsão e a vontade. Há dolo eventual
quando o agente prevê como provável, e não apenas como possível, o resultado. Nesta o
agente prevê o resultado apenas como provável e possível, mas apesar de prevê‐lo, age,
aceitando o risco de produzi‐lo.
II – DO concurso de agentes
2
Tem o autor o domínio do fato, a disponibilidade da decisão sobre a
consumação ou desistência do delito.
Afasta‐se o direito penal, com a adoção da teoria finalista(artigo 29 do Código
Penal) do critério material‐objetivo(a diferença entre autor e partícipe deve ser pesquisada sob
o prisma da diferença de eficiência ou relevância causal das respectivas condutas,
diferenciando‐se causa de condição2, lembrando que causa é tudo que pode modificar o
resultado do mundo exterior); . critério subjetivo, onde a distinção entre autor e partícipe
residiria em que o primeiro atua como vontade de autor e deseja a ação como própria,
enquanto o segundo atua com vontade de participe(instigador ou cúmplice), e deseja a ação
como alheia e ainda do critério formal‐objetivo(seria autor aquele que realizasse a ação
executiva).3 .
Afastamo‐nos do critério formal‐objetivo, que não apanha no tipo penal,
situações como a autoria mediata ou ainda a pessoa que ordena ou paga o assassino de
alguém sem executá‐lo. Para essa corrente, autor é aquele que pratica a conduta típica inscrita
na lei; ou seja, aquele que realiza a ação executiva.
O que nos interessa na coautoria é quem detenha o domínio do fato, fora disso
estaremos no campo da participação(cumplicidade, instigação).
Por certo, nos crimes omissivos, crimes de dever, abandona‐se o critério do
domínio do fato para verificar a preponderância da violação do dever para identificar quem é
coautor.
Não se fala em coautoria, nos crimes: culposos4, omissivos, de mão‐própria5.
Autor imediato não é autor. É autor imediato que é usado como instrumento,
induzido em erro por alguém. Como tal não comete crime a enfermeira que ministra ao
paciente, a ordem de um médico, um medicamento, por um médico, que objetiva matar um
paciente.
Por sua vez, nos delitos omissivos a instigação será a dissuasão.
2
A doutrina aponta três teorias a respeito da relação de causalidade, a saber: da equivalência das
condições, segundo a qual quaisquer das condutas que compõem a totalidade dos antecedentes é causa
do resultado; da causalidade adequada, que considera causa do evento apenas a ação ou omissão do
agente apta ou idônea a gerar o resultado(censura‐se por misturar causalidade e culpabilidade) e, por
fim, da imputação objetiva, pela qual, para que uma conduta seja considerada causa do resultado é
preciso que o agente tenha com sua ação ou omissão criado um risco não tolerado nem permitido ao
bem jurídico ou que o resultado não fosse ocorrer de qualquer forma ou que a vítima não tenha
contribuído com sua atitude irresponsável ou dado seu consentimento do resultado..
3
No Brasil, a teoria tem apoio em: Anibal Bruno, Mirabete, Doti, assim como na Alemanha, em Mezger,
Von Liszt, Sauer, e na Itália, em Antolisei.
4
Para Nelson Hungria(Comentários ao código penal, 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1977, volume I,
tomo II, pág. 420). Damásio de Jesus, Mirabete(Manual de direito penal, São Paulo, Atlas, volume I, pág.
224), há a possibilidade de concurso de agentes nos crimes culposos.
5
É o caso do crime de falso testemunho.
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III – Da má exposição do fato na denúncia de crime tributário, envolvendo vários autores e
partícipes
A má exposição de denúncia, em crimes tributários, que envolvem crimes
societários, pode levar a inépcia ou absolvição sumária.
Levo em conta o que foi decidido no AgRg no RHC 25452/AC, Relator Ministro
Celso Limongi, onde se disse que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, na denúncia, a descrição das condutas nos
denominados crimes societários, não necessita cumprir todos os rigores do artigo 41 do
Código de Processo Penal, devendo‐se firmar pelas peculiaridades da atividade coletiva da
empresa. Mas isso não significa que se deva aceitar descrição genérica baseada
exclusivamente na posição hierárquica dos envolvidos no comando da empresa, sendo
necessário a subjetivação do ato e do agente do crime.
Necessário, outrossim, que ela apresente um liame na atuação dos
agentes.(HC 118746/SC, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe de 1º de agosto de 2011).
No entanto, ser acionista ou membro da direção da empresa, por si só, não é
crime.
A denúncia deve estabelecer o vinculo do administrador ao ato ilícito que está
sendo imputado, na forma do artigo 41 do Código de Processo Penal.
Caso contrário, irá impedir ou inviabilizar a defesa.
Exemplifica‐se com o disposto no crime do artigo 1º, parágrafo único, da Lei
8.137/90, onde se exige prova de que o diretor recebeu a intimação para o cumprimento que é
requisito essencial do tipo para se identificar que ele incidiu em desobediência.
Denúncia que exclui o vínculo subjetivo da conduta é inepta.
De outra sorte, há casos em que fica patente a falta de autoria ou a
inexistência de materialidade na conduta do agente. É caso de absolvição sumária.
IV – Da desistência voluntária e do arrependimento eficaz. A desistência posterior
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Prevê o artigo 15 do Código Penal as hipóteses de desistência voluntária e
arrependimento eficaz: ¨O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou
impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.¨
Estamos no que a doutrina chama de tentativa abandonada.
A desistência deve ser voluntária, ainda que não seja espontânea.
No arrependimento eficaz há hipótese de inadequação típica da tentativa,
após ter esgotado os meios de que dispunha para a prática do crime, o agente arrepende‐se e
evita que o resultado ocorra. Como tal o arrependimento deve ser voluntário, sendo
necessário e imprescindível que sua iniciativa seja coroada de êxito, mas, respondendo pelos
atos já praticados, pelos resultados já ocorridos.
Lembre‐se que no momento em que o agente passa da fronteira dos atos
preparatórios e passa a execução pode cair na tentativa perfeita(crime falho, se realiza todos
os atos executórios e falha) ou ainda se é impedido por força estranha e sua execução não se
completa.
Vejamos o caso de supressão ou de redução do tributo. Aqui o pagamento do
tributo, de forma integral, após a fraude é caso de desistência voluntária, impedindo a prática
do crime de sonegação fiscal com a confecção de nota fiscal calçada.
Para Maximiliano Führer6 não há arrependimento eficaz no crime de
sonegação fiscal, pois após o prazo para o pagamento o crime já estará consumado.
Isso porque havendo prazo para pagar a conduta não se completa.
Pergunta‐se se: Há, nos crimes tributários, o arrependimento posterior, artigo
16 do Código Penal, que ocorre quando, nos chamados crimes não violentos, sem ameaça, o
agente, antes do recebimento da denuncia, vem a reparar o dano ou restituir a coisa, de forma
voluntária, quando há diminuição de pena prevista?
Ora, se o agente paga após a denúncia, o que há é extinção da punibilidade
pelo pagamento.
6
Führer, Maximiliano Roberto Ernesto. Curso de Direito Penal Tributário brasileiro, São Paulo,
Malheiros, pág. 64.
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V – Do erro do tipo. Do erro de proibição
Há erro do tipo se o agente sem ter noção ou saber o que faz pratica conduta
ilícita. Aqui se exclui o dolo, elemento do tipo.
No erro do tipo, o agente se engana sobre um elemento do tipo. O individuo
pega a mala alheia idêntica a sua, entendendo que lhe pertence. O agente dá um tiro numa
pessoa, mas entende que está dando tiro num manequim de loja, semelhante a uma pessoa.
Diverso é o erro de proibição onde o indivíduo se engana sobre a consciência
da antijuridicidade da conduta, ignorando que o fato seria contrário ao direito.
Se o erro for inevitável, haveria isenção da pena. Ser for evitável, haverá
diminuição da pena(de um sexto a um terço, artigo 21, segunda parte do Código Penal). Sendo
evitável, poderia o agente ter a consciência da ilicitude do fato.
O erro sobre conceito, extensão do tributo, seria considerado erro do tipo.
No âmbito dos crimes contra a ordem tributária pode‐se dizer que o erro do
tipo é situado nas questões de direito tributário como as de saber se determinado tributo deve
ser calculado desta ou daquela forma, como esta ou aquela base de cálculo ou alíquota, de
saber se numa venda ao consumidor é obrigatória uma nota fiscal ou se outra simplificada.
Por sua vez, o erro residente nas questões de saber se determinados fatos
configuram ou não o tipo penal ou se determinada norma definidora do tipo penal tem
determinado alcance, é erro de proibição, por envolver questões de direito penal.
Leia‐se, a propósito, o que disse o Ministro Marco Aurélio, no julgamento do
HC 72.534 – 8, Informativo STF n. 29, onde se fez nítida distinção entre a fraude, que
pressupõe vontade livre e consciente e o mero erro do tipo, envolvendo erro em matéria
tributária.
Costuma‐se lembrar, como exemplo, caso de erro de proibição nos crimes
contra a ordem tributária, em que um turista estrangeiro, que, no Brasil, ao praticar um
negócio que seja fato gerador de um tributo, e que não incide em seu pais, deixa de pagar o
tributo. Há um erro de proibição indireto, que envolve discriminante putativa, se o
empresário, à beira da falência, deixa de fazer recolhimento de contribuição previdenciária,
para pagar empregados, imaginando que estaria passando por um estado de necessidade
putativo. Tal exemplo estaria alcançado pela chamada teoria extremada da culpabilidade, que
vê, inclusive, o erro sobre os pressupostos da discriminante putativa, como erro de proibição.
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Necessário fazer a distinção entre erro sobre os pressupostos fáticos de uma
causa de exclusão de ilicitude (erro do tipo, que ocorre, por exemplo, quando alguém agride
penalmente um mendigo, achando que, em local perigoso, ele iria lhe roubar); erro quanto a
existência ou limites da excludente, quando o erro é de proibição. No erro quanto a existência
da excludente, há uma discriminante putativa, envolvendo erro de proibição, quando, por
exemplo, alguém julgando que a legislação permite eutanásia autoriza a morte de um
paciente, crendo haver lei vigente sobre tal. Há erro sobre os limites da causa excludente de
ilicitude, quando alguém, julgando que tem sua honra ferida, crê estar em legítima defesa,
sabedor da agressão a sua honorabilidade, e mata o que considera seu ofensor (evidente
excesso, como a chamada legítima defesa da honra). Há um erro quanto aos pressupostos da
discriminante putativa, se o agente encontra um inimigo que o jurou de morte, e que faz um
movimento suspeito de que vai sacar contra si uma arma, e desfere contra ele um tiro
(legitima defesa putativa).
Além do estado de necessidade justificante, que fica no terreno da exclusão da
ilicitude, tem‐se o estado de necessidade exculpante quando sacrifica‐se um bem de valor
igual ou maior para proteger um bem de valor igual ou menor. É o caso dos náufragos que
brigam entre si para ter acesso a uma tábua e ainda do homem que ao prosseguir o ladrão,
que está roubando seu carro, o mata para ter acesso ao bem que foi roubado.
VI – Causas de exclusão da culpabilidade
Na coação irresistível atua sem culpabilidade o que comete o crime sob coação
irresistível ou em obediência a ordem, não manifestadamente ilegal de superior hierárquico. A
culpabilidade se desloca do executor do fato para o autor da coação ou da ordem e este que
deverá responder pelo resultado punível.
A coação irresistível é a que resulta do emprego da violência física, sendo a
situação do coagido a de simples instrumento.
A doutrina, com Anibal Bruno7, considera casos próprios de coação em que a
culpabilidade resulta ausente, por falta de imputabilidade. Existe na vis compulsiva em que se
pode realizar por meio físico, ou por meio moral, na ameaça, que por via psíquica chega ao
mesmo resultado.
A ameaça pode constituir coação irresistível que exclui a culpabilidade, pois o
temor de um dano compele o coato à prática do crime.
É preciso que a ordem não seja manifestadamente ilegal.
7
Bruno, Anibal. Direito Penal, Parte Geral, Tomo II, 3ª edição, pág. 170.
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Por outro lado, não se pode considerar um ato juridicamente reprovável
quando praticado em circunstâncias tais que tornam não exigível uma conduta conforme o
direito.
Podem ser aplicados aos crimes tributários os institutos da coação irresistível
(veja‐se o caso de organização criminosa que compele o dirigente de empresa a cometer
crimes contra a ordem tributária) e da inexibilidade de conduta diversa. Aliás, os tribunais,
aplicando a analogia in bonam partem têm desenvolvido tal instituto, exculpante extralegal,
que deve ser visto com rigor.
Será o caso de deixar de pagar salários para evitar a insolvência.
A comprovação da exculpante extralegal há de ser rigorosa. Não se prestam
meros depoimentos ou ainda dados de dificuldades financeiras normais em casos da
conjuntura econômica.
Há de ser juntada prova pericial a denotar que a conduta escolhida pelo réu
era a única, diante das dificuldades econômicas, da situação da empresa, que o levasse a
prática do ilícito societário.
No julgamento do ACR 8075, Relator Desembargador Francisco Barros Dias,
DJe de 9 de junho de 2011, pág. 359, ficou consignado que a gravidade da crise experimentada
pela empresa pode ser avaliada: pela relação de inúmeras ações executivas ajuizadas contra o
réu e a empresa por ele administrada; pelo rol de ações reclamatórias trabalhistas ajuizadas e
das conciliações realizadas pela empresa; pelos depoimentos dos réus e da testemunha
arrolada pela defesa; pelos relatórios contábeis contendo o rol de contas a pagar no período
de exigibilidade do débito fiscal que ensejou a condenação do acusado.
VII – Excludentes de ilicitude
Consoante o artigo 23 do Código Penal não há crime quando o agente pratica o
crime em: estado de necessidade, em legítima defesa e em estrito cumprimento do dever legal
ou no exercício regular de direito.
O estado de necessidade consiste na atuação típica do agente para salvar de
perigo atual ou iminente, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir‐se
(artigo 24 do Código Penal). A valoração do bem deve ser inferior ou igual ao bem preservado.
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A teor do artigo 24 do Código Penal são pressupostos do estado de
necessidade: perigo atual não provocado pela vontade do agente; bem jurídico do agente ou
de terceiro ameaçado; inexigibilidade da sacrifício do bem jurídico ameaçado; inexistência de
dever legal de enfrentar o perito; conhecimento da situação de perigo. É o caso das lesões
corporais praticadas por uma pessoa em outra, fugindo de incêndio; o atropelamento de um
pedestre quando de se foge de um assalto.
Fala‐se em estado de necessidade ofensivo, se o titular do bem jurídico
preterido não é o criador do perigo. Por sua vez, o estado de necessidade defensivo ocorre se
o criador de perigo é o titular do bem jurídico.
A legítima defesa consiste no uso moderado dos meios necessários para repelir
injusta agressão humana, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem(artigo 25 do Código
Penal). A legítima defesa se dá com relação a pessoas e quando envolve animais tem‐se o
estado de necessidade.
São pressupostos de legítima defesa: a agressão injusta que esteja em curso ou
na iminência de ocorrer; a repulsa, utilizando‐se meios necessários; a moderação do uso dos
meios de defesa; o conhecimento da agressão e da consciência de sua atualidade ou
iminência. É o caso de alguém que fere alguém para se defender de injusta agressão,
defendendo‐se de forma moderada.
O exercício regular do direito consiste no uso não abusivo das faculdades
conferidas ao agente pela lei.
VIII – Concurso de crimes
Especificamente nos crimes tributários tem‐se a aplicação do concurso formal,
do concurso material e ainda da continuidade delitiva.
No concurso material há a soma de pena diante do somatório de várias
condutas. No concurso formal (uma ação ou omissão, pratica‐se mais de um crime), se houver
desígnios diversos haverá somatório de penas (concurso formal heterogêneo).
Faço tal distinção uma vez que no concurso formal, quando há uma única
conduta, se há vários desígnios, ele é imperfeito, levando a soma de penas (HC 139.592/RJ,
Relator Ministro Jorge Mussi, Dje de 28 de abril de 2011).
No crime continuado aplica‐se a teoria objetiva, sendo as circunstâncias de
tempo, lugar e modo, permissíveis da ficção de um só crime, sendo delitos da mesma espécie.
Como tal é importante a aplicação do instituto nos chamados crimes contra a ordem tributária,
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como é o caso do artigo 1º I, da Lei 8.137/90, quando o Tribunal Regional Federal da 5º Região
reconheceu sua aplicação por um período de 2 (dois) anos de continuidade delituosa.
IX – Da extinção da punibilidade.
Nesse caso, tem‐se a aplicação do artigo 107 do Código Penal, onde destaco o
pagamento integral do débito como a causa mais importante da extinção da punibilidade(Lei
10.684, de 30 de maio de 2003).
O pagamento integral não é o único tipo de extinção do crédito tributário.
Existem outros: prescrição, decadência, compensação, transação, remissão, conversão de
depósito em renda, pagamento antecipado e homologação do lançamento, consignação em
pagamento, decisão administrativa irreformável, decisão judicial passado em julgado e dação
em pagamento de bens imóveis.
X – Princípio da insignificância.
O Supremo Tribunal Federal tem determinado o trancamento de ações penais
por delito fiscal quando o valor envolvido é inferior ao montante de legal, sob fundamento da
ausência de justa causa(HC 92.438 – PR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, j. 19 de agosto de
2008).
Digo isso porque a Fazenda Pública da União estabelece um valor mínimo para
o ajuizamento da ação de execução fiscal, sendo arquivados, sem baixa na distribuição, os
autos de execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União ou por ela
cobrados, de valor consolidado igual ou inferior ao estabelecido no artigo 20 da Lei
10.522/2002, no valor de R$10.000,00, do que se lê da redação dada pela Lei 11.033/2004.
XI – Da condição objetiva de punibilidade. O lançamento tributário.
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Para Bettiol8 a condição de punibilidade é elemento externo do crime que o
condiciona.
De toda forma as condições de punibilidade são sempre de ordem externa, são
elementos extrínsecos ao fato previsto pela lei como crime e se referem ao próprio fato ou ao
crime. Diversa é a condição de procedibilidade que diz respeito ao andamento da ação
penal(exemplo: a ação penal pública condicionada somente poderá ser ajuizada após a
apresentação de representação pelo ofendido, nos casos de crime contra honra de servidor
público).
No caso dos crimes tributários, há uma condição objetiva de punibilidade: o
lançamento.
Com o lançamento pode‐se falar em concretude do crédito tributário.
O lançamento um ato administrativo vinculado.
Há três espécies de lançamento:
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Bettiol, Giuseppe. Direito Penal, pág. 241 a 243.
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Há autores que entendem que inexiste lançamento em certos tributos. Seria o
caso do ICMS e IPI. Haveria a ocorrência do fator gerador, após o pagamento sem que se
pudesse falar em lançamento.
A autoridade administrativa conferiria a eficácia do pagamento e homologaria
o pagamento. Data vênia, o lançamento está presente através do lançamento por
homologação.
Para oferecimento da denúncia em crimes tributários é necessária a presença
da condição objetiva de punibilidade, que é o lançamento.
É caso de habeas corpus para trancar ação penal que se inicia sem o
lançamento. Aliás, cabe habeas corpus em caso de denúncia que se fulcra em procedimento
fiscal nulo.
Consoante a súmula vinculante 24 não se tipifica crime material contra ordem
tributária, previsto no § 1º , incisos I e IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do
tributo.
Sem o lançamento definitivo não há crédito tributário, razão pela qual fala‐se
em princípio do serenamento da instância administrativa.
Na redação do artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, que modificou o regime
anterior previsto no artigo 34 da Lei 9.239/95, no que tange aos artigos 1º e 2º da Lei 8.137, de
27 de dezembro de 1990, e aos artigos 168 – A e 337 – A do Decreto‐Lei 2848, de 7 de
dezembro de 1940, o pagamento integral do tributo e acessórios passou a extinguir a
punibilidade mesmo que realizado depois da denúncia e até mesmo após o trânsito em julgado
da sentença penal condenatória.
XII – Da suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
O parcelamento é a forma de suspensão de exigibilidade do crédito tributário.
Soma‐se ele: ao depósito integral do valor do tributo, moratória, reclamações
e recursos no processo tributário administrativo, concessão de liminar em mandado de
segurança, concessão de tutela antecipada.
O artigo 9º da Lei 10.684/2003 impõe a suspensão da pretensão punitiva
durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes
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estiver incluída no regime de parcelamento, suspendendo a pretensão penal e o curso da
prescrição penal(§ 1º). Só o pagamento integral do débito extingue a punibilidade.
Ajuizada ação penal caso o réu estiver sob o regime de parcelamento o
caminho será a impetração de habeas corpus com o objetivo de suspender a pretensão penal.
Descumprido o parcelamento a ação penal terá prosseguimento.
Caso haja concurso material, envolvendo outros crimes, esses outros crimes,
não terão a proteção similar. Somente o crime de sonegação fiscal, cujo montante tributário é
objeto de parcelamento, será objeto de suspensão.
XIII – DOS CRIMES EM ESPÉCIE .
a) crime previsto no artigo 1º da Lei 8.137/90.
Prescreve o artigo 1º da Lei 8.137/90 que constitui crime contra a ordem
tributária suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as
seguintes condutas:
Contribuição social é tributo, como são os impostos e taxas e ainda as
contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios.
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Aplica‐se o princípio da especialidade, com relação a crime onde se estipule
falsidade e finalisticamente ganho fraudulento.
As falsidades descritas são crime meio para o delito fiscal.
Os previstos no artigo 1º, incisos I a IV são materiais.
O caso do inciso I do artigo 1º é idêntico aquele do inciso I do artigo 2º com a
diferença de que o primeiro é de resultado, sendo necessária a prova de prejuízo. Incide o
artigo 1º, I, da Lei 8.137/90 se há redução ou supressão do tributo.
Mister analisar o caso do inciso IV do artigo 1º(crime de ação múltipla).
Parece‐nos que a expressão, por se envolver responsabilidade objetiva, seria inconstitucional,
pois não há dolo presumido(artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal). Tal dispositivo é por sua
natureza fora do razoável por incongruente.
Listo os autores que entendem que a expressão que deva saber constitui‐se
em dolo eventual: Delmanto, Nucci, Costa e Silva, Basileu Garcia, Paulo José da Costa Júnior,
Damásio de Jesus, Maximiliano Führer. Para Heleno Fragoso, Nelson Hungria, Mirabete,
estaríamos numa conduta culposa.
Para que haja previsão de modalidade culposa mister se faz que a lei diga
expressamente. Por essa razão descarto a possibilidade do tipo penal em tela ser culposo.
Entende‐se que a expressão deva saber não indica elemento subjetivo da
conduta, mas, sim, um elemento normativo do tipo. Poder‐se‐ia dizer que estamos na fórmula
da presunção, sendo caso de inconstitucionalidade da norma. Não se pode condenar
penalmente por conduta presumida.
O crime previsto no inciso V, do artigo 1º, é omissivo.
Nos crimes previstos nos incisos I a IV, haverá tentativa, se antes de vencer o
prazo para pagamento o agente for flagrado para fiscalização cometendo uma das condutas‐
meio do artigo 1º, nesses incisos.
b) crime previsto no artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.137/90.
Trata‐se de crime de desobediência e se consuma com a não apresentação dos
documentos reclamados pela autoridade, no prazo estipulado, após regular notificação.
Assim a falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 dias,
caracteriza a infração prevista no artigo 1º, inciso V. Ora, sabe‐se que no sistema jurídico
brasileiro, dentro da linha das Convenções Internacionais, o réu não é obrigado a se
autoincriminar. Veja‐se o que diz a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Observo,
pois, esse caráter de inconstitucionalidade material no artigo citado. Sabe‐se que tal postura,
que obriga alguém a produzir prova contra si é afrontosa ao disposto no artigo 5º, LXIII da
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Constituição Federal e ainda ao artigo 8º, § 2º, ¨g¨, do Pacto de José da Costa Rica, que tem
estatura constitucional, à luz da Emenda Constitucional n. 45. No caso em tela é nítida a
conduta abusiva. O agente, que desempenha mister que leve a ter acesso a documentos, é
intimado pessoalmente da exigência e do prazo para cumprimento e é obrigado a entregar a
documentação ou informação exigida. É compelido a coligir prova contra si. É crime de mão
própria. Vencido o prazo dado pela lei o delito se consumaria. Sendo delito de desobediência
contra a administração não se extinguiria pelo mero pagamento.
O uso de documento falso junto a receita federal para tentar comprovar
regularidade na informação apresentada não é hipótese de crime autônomo com relação ao
de sonegação. Fala‐se em consunção, como se lê no julgamento do HC 111.843/MT, Relatora
para o acórdão a Ministra Thereza de A. Moura, DJe de 3 de novembro de 2010:
Sendo assim, pago o tributo, há extinção da punibilidade.
c) Crime de declaração falsa ou omissa(artigo 2º, inciso I, Lei 8.137/90).
É crime comum de natureza formal, pois ao contrário do disposto no artigo 1º
da Lei 8.137/90, não se exige o prejuízo. O crime de fazer declaração falsa ou omitir declaração
sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, exige meio hábil para tal.
15
Tem‐se o exemplo de declaração falsa à Receita Federal de despesas médicas
que inexistem para obter dedução de imposto de renda.
Exige‐se o dolo.
Essa declaração falsa há de ser feita em documento.
Aplica‐se aqui o principio da especialidade no concurso aparente de normas.
Sabe‐se que a lei penal ao se referir a documento, considera‐o em sentido
restrito. Assim será toda a peça escrita que condensa graficamente o pensamento de alguém,
podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de significação ou relevância
jurídica, como ensinou Ruy Cardoso de Tucunduva.9
O documento, na lição de Nelson Hungria10, é a base principal da fé pública, o
indispensável apoio das relações jurídicas.
Distingue‐se a falsidade material da falsidade ideológica(artigo 299 do Código
Penal)., porque a primeira se refere à forma e a segunda ao conteúdo do documento. Na
falsidade material existe uma alteração, é forjado ou criado documento falso no todo ou em
parte.
É crime de menor potencial ofensivo, podendo ser tratado à luz da Lei
9.099/95(artigo 89) e da Lei 10.259/02, pois a pena é de 6 meses a 2 anos.
Pago o tributo está extinta a punibilidade.
d) Crime de depósito infiel tributário(artigo 2º, II, da Lei 8.137/90).
Aqui se trata de conduta do substituto ou responsável tributário que recebe o
tributo do contribuinte de fato, como no caso do comerciante em relação ao ICMS e não
efetuou o recolhimento respectivo. Apanha o dispositivo o depositário infiel. Fala‐se: deixar de
recolher, no prazo legal, valor do tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na
qualidade de sujeito passivo da obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
Como tal o dispositivo é inconstitucional, pois cria sanção para obrigação de
depósito em afronta à Constituição Federal e a Pacto Internacional com força de emenda
constitucional.
Sabe‐se que o Supremo Tribunal Federal entendeu que não há mais
possibilidade de prisão de depositário infiel, após a edição do Pacto de São José da Costa Rica
(HCs 87.585 e 98.893). É verdadeira hipótese de prisão por dívida, o que é repudiado em nosso
ordenamento constitucional.
9
TUCUNDUVA, Ruy Cardoso de. Breves considerações sobre o documento, RJTJESP 17/22‐5.
10
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense, volume IX, pág.
249‐250.
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e) Crime de avanço em parcela dedutível ou deduzida(artigo 2º, III, da Lei 8.137/90).
Aqui o crime é exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte
beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de
contribuição como incentivo fiscal.
O beneficiário é pessoa que goza de incentivo fiscal.
A parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição é valor do
incentivo fiscal que será subtraído do tributo a pagar.
O crime tipifica hipótese de desvio de incentivo fiscal em beneficio de
operador de instituição financeira ou do próprio contribuinte. Desvio esse que pode ser total
ou parcial.
Exige‐se o dolo específico, consistente em exigir, pagar ou receber, para si ou
para o contribuinte.
É crime de menor potencial ofensivo, podendo ser objeto de suspensão
condicional do processo ou de transação.
f) Crime de desvio de incentivo(artigo 2º, IV, da Lei 8.137/90).
O tipo incrimina o contribuinte beneficiado que não aplica ou aplica em
finalidade ou modo diverso previsto no estatuto concessivo, o valor total ou parcial do
incentivo fiscal recebido.
A doutrina costuma dar o seguinte exemplo: o beneficiado pela concessão de
metade do ICMS para a aquisição de máquinas de produção para mercadorias destinadas à
exportação, desvia o recurso para adquirir um imóvel para si ou o deixa rendendo juros na sua
conta.
A posterior aplicação integral do valor corrigido na finalidade integral equivale
a pagamento e extingue a punibilidade.
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É crime de menor potencial ofensivo, face a pena aplicada, detenção de 6
meses a dois anos e multa, podendo ser objeto de suspensão condicional do processo e
transação.
g) Crime de programa de contabilidade paralela(artigo 2º, V, da Lei 8.137/90).
É o crime do ¨caixa‐dois¨. Nesse ilícito alguém faz uso ou propaga a existência
de programa de informática ou contabilidade paralela, diversa da exigida pela lei, ocultando‐se
da fiscalização tributária.
É crime doloso, que exige dolo genérico.
Ainda esse crime é tratado como crime de menor potencial ofensivo, diante da
pena que lhe é aplicada.
h) Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento de interesse fiscal(artigo 3º,
I, da Lei 8.137/90).
É crime próprio cometido pelo funcionário público, que sonega, inutiliza, livro
oficial, processo administrativo, qualquer documento relevante para a arrecadação do tributo.
O crime material que exige o dolo genérico.
Por sua gravidade, tendo pena de 3(três) a 8(oito) anos de reclusão e multa,
não é considerado crime de menor potencial ofensivo.
I) crime de concussão e corrupção passiva tributária(artigo 3º, II, da Lei 8.137/90).
É delito funcional, onde se reúnem num tipo, na lei extravagante, as condutas
da concussão e da corrupção passiva.
Como crime próprio a conduta exige: exigir, solicitar, receber ou aceitar para si
ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu
exercício, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa ou vantagem para
deixar de lançar ou cobrar tributo ou cobrá‐los parcialmente.
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Admite‐se a participação.
Pune‐se o fato do agente usar o acesso da máquina administrativa como
instrumento de ameaça para alcançar fim indevido ou ilícito em prejuízo da administração.
O particular que oferecer propina incide nas regras da corrupção ativa, artigo
333 do Código Penal.
J) crime de advocacia administrativa tributária(artigo 3º, III, da Lei 8.137/90)
É, por certo, crime próprio cometido por funcionário público.
Há os que entendem que o crime somente pode ser cometido por funcionário
da Administração Fazendária. Essa a posição de William Wanderley Jorge11.
Data vênia o tipo não faz qualquer indicação nesse sentido.
Poderá o agente praticar o ilícito, seja de forma direta ou por interposta
pessoa.
Há um interesse particular que é defendido, de forma indevida, perante a
Administração Tributária, onde o agente vale‐se da qualidade de funcionário para assim agir.
Tal pode se dar de forma expressa ou dissimulada.
Aplica‐se a qualificadora prevista no artigo 327, § 2º, do Código Penal,
aumentando‐se a pena da terça parte quando os autores dos crimes previstos forem
ocupantes de cargos em comissão ou função de direção ou assessoramento de órgão da
administração.
l) redução fraudulenta na Lei Rouanet – Lei 8.313/91
A lei citada permite às pessoas físicas e jurídicas a opção de aplicar parcelas do
imposto de renda a titulo de doações e patrocínios para projetos culturais, mediante
condições.
A fraude constitui crime previsto no artigo 40 da Lei 8.313/91. Sendo assim é
necessária a fraude combinada com a redução do imposto.
11
Jorge, Wiliam Wanderley. Curso de Direito Penal Tributário, Campinas, Millennium, 2007, pag. 453.
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O crime exige dolo genérico e que permite a tentativa.
É crime de menor potencial ofensivo.
O crime se aproxima dos já examinados no artigo 2º III, da Lei 8.137/90 e ainda
do mesmo artigo, no inciso IV.
o) contrabando e descaminho(artigo 334 do Código Penal).
Contrabando é importar ou exportar mercadoria proibida.
Descaminho é fraude aduaneira consistente na frustração, no todo ou em
parte, do pagamento do tributo pela entrada ou saída da mercadoria.
O termo proibido refere‐se a aplicação de norma penal em branco que exige
aplicação através de outros dispositivos legais.
Os impostos mencionados são: para importação, os impostos de importação,
ICMS e IPI., sendo o fato gerador a entrada da mercadoria. Na exportação, o imposto de
exportação.
A ação penal somente poderá ser ajuizada após o lançamento definitivo.
São crimes de menor potencial ofensivo, cabendo aplicação do artigo 89 da Lei
9.099/95 para efeito de suspensão condicional do processo.
Discute‐se a incidência do dispositivo penal nas hipóteses em que o agente,
não procurando se desviar das barreiras alfandegárias e tampouco se utilizando de fraudes
para diminuir o valor dos bens adquiridos no exterior(notas ideologicamente falsas) não se
dirige, de forma espontânea, à autoridade aduaneira para declarar o excesso da cota de
isenção sobre a aquisição de bens no estrangeiro que componham a sua bagagem. Para
Delmanto12 haveria apenas um delito fiscal. A isso se aplica que, geralmente, tais fatos
envolvem situações onde os valores são de pouca expressão econômica dos tributos. A esse
propósito, trago à colação excelente estudo da matéria de Walter Nunes da Silva Junior13
quando discute sobre as operações policiais realizadas em ônibus de turismo que já tenham
sido liberados pelas barreiras alfandegárias.
12
Delmanto, Celso e outros. Código Penal Comentado, 6ª edição, São Paulo, Renovar, pág. 675.
13
Nunes da Silva Jr. Walter. A descaracterização do crime de descaminho embasado apenas na
inexistência de comprovação do recolhimento do imposto de importação, RT 706/438.
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A pena é dobrada(artigo 334, § 3º, do Código Penal) se o crime é realizado por
meio de transporte aéreo clandestino. É o que disse Francisco de Assis Toledo.14
O artigo 334, § 1º, do Código Penal apresenta casos outros de contrabando e
descaminho ou equiparados.
Certo que a Lei 9.426/06 criou a figura da receptação qualificada pela atividade
comercial ou industrial que se amolda as condutas descritas. Se não houver atividade
comercial ou industrial, de forma habitual, o tipo será o do artigo 180, caput, e § 3º, do Código
Penal.
Por sua vez, pune‐se quem adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou
alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência
estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que
sabe serem falsos(artigo 334, § 1º, ¨d¨). No conflito aparente de normas tal hipótese prevalece
sobre a do artigo 180, § 1º, do Código Penal, pelo principio da especialização.
O pagamento integral determina a extinção da punibilidade(artigo 9º, § 2º, da
Lei 10.684/2003).
Ainda há falar na extinção da punibilidade pela prescrição. Essa forma de
extinção da punibilidade, que é prejudicial de mérito, prejudica, se ocorre com relação aos
delitos de contrabando ou descaminho, prejudica a imputação do crime‐meio eventualmente
praticado, como o uso de documento público(artigo 297 e 304 do CP).
Por fim, necessário acrescentar que o artigo 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro,
Lei 9.613/98, na linha da Convenção de Viena, que foi assinada pelo Brasil, descreve a lavagem
de dinheiro, como aquele em que se oculta ou dissimula a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos e valores provenientes, inclusive,
dentre outros crimes, de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção. Aqui se tem o contrabando como crime antecedente, sendo a lavagem de
dinheiro crime acessório, pois deve existir um crime anterior.
14
Assis Toledo, Francisco. Descaminho, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 24, pág. 8.
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