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Agradeço,
Ao Professor Doutor Nuno Grande, pelo seu acompanhamento cuidado, pela sua disponibilidade e pelo seu apoio
constante.
Ao Doutor Manuel Pizarro, Vereador do Pelouro da Habitação e Acção Social, pelo interesse demonstrado, pelo
tempo e informação partilhada.
Ao LahbSocial, em especial ao Professor Fernando Matos Rodrigues, pela colaboração e material facultado;
Ao Eng. José António Ferreira, do Gabinete de Estudos e Planeamento da DomusSocial, que se mostrou sempre
disponível para me receber e me actualizar sobre os desenvolvimentos dos projectos;
Ao meu Pai, pela sua força; Aos dois, por me apoiarem e acompanharem sempre;
Ao Jota, aos meus irmãos e a todos os amigos que estiveram presentes e me acompanharam neste momento, um
imenso obrigada pela amizade e paciência que têm para me aturar;
Aos habitantes da Ilha da Bela Vista, e tantas outras Ilhas, por possibilitarem a invasão dos seus espaços e tão
amavelmente partilharem as suas histórias;
5
Resumo
Consequência de um enorme aumento demográfico na cidade do Porto, sur-
gem longos e estreitos corredores que dão, geralmente, a única fachada a pe-
quenas casas de um só piso, edificadas frequentemente com matéria-prima
fraca, a estes agrupamentos de fogos chamamos Ilhas.
Estes núcleos vieram dar alojamento à população rural que chegava à cidade
já sobrelotada, multiplicando-se rapidamente por serem considerados investi-
mentos de baixo risco, envolverem escassos recursos e ainda darem um novo
uso aos longos terrenos vazios nas traseiras das casas burguesas, terrenos com
fraco valor imobiliário. Tudo isto permitia aos seus proprietários cobrar rendas
baixas, transformando as Ilhas no abrigo das classes trabalhadoras mais po-
bres.
Este tipo de habitar tinha, no entanto, grandes problemas de salubridade que
iam desde a sobreocupação dos pequenos fogos à fraca ventilação do espaço
que era apenas de um modo geral feita pela única frente das casas.
Assim com mais de um século de existência em que estes espaços foram alvo
de contínuas acções, de um modo geral com o propósito da sua erradicação,
chegam aos dias de hoje aproximadamente mil Ilhas, muitas das quais se en-
contram em mau estado de conservação, representando por isso um problema
que merece ser estudado.
Com a análise desenvolvida procura-se perceber a evolução destes espaços,
entender a forma como marcam a cidade de hoje, bem como a forma como a
cidade do Porto lidou e lida com as Ilhas.
Palavras-Chave:
Ilhas do Porto| Habitação Social | Habitação popular | Políticas de Habitação
7
Abstract
“Ilhas” is the name given to the clusters created by the long and narrow corri-
dors that create the only facade of the small one floored houses, they appear in
Oporto as consequence of an enormous demographic growth in the city.
These complexes gave lodging to the rural population that arrived to the al-
ready overcrowded city. Being a low risk investment that involved very little
resources and gave new use to the long empty lands in the back of the bour-
geois houses this type of construction expanded all through the city. Having
these fields little market value it was possible for the proprietor to charge low
incomes, making the “Ilhas” the shelter of the lower working classes.
Similarly to other types of working classes houses, the “Ilhas” had many sani-
tary problems. Having a single front and being that front faced to the narrow
corridor it was only natural that these places had ventilation and insolation
problems, turning these clusters into dark and unhealthy places, focus of se-
veral diseases.
With more than a century of existence this spaces where continually object
of actions that mainly had as directive the demolition and extinction of these
spaces. Today the city counts almost a thousand “Ilhas”, most of them being in
bad condition making them a problem worth of some attention.
With the analyses presented here one tries to understand the history of these
places, how they are part of the contemporary city and how Porto has dealt
and is dealing with the “Ilhas.”
Key-words:
Oporto “Ilhas”| Social Housing | Popular Housing| Housing Polices
9
Sumário
AGRADECIMENTOS....................................................................................................................3
Resumo......................................................................................................................................5
Abstract.....................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................13
1.2 BARCELONA.................................................................................................................................. 29
1.3 PARIS........................................................................................................................................... 33
1.4 BERLIM......................................................................................................................................... 43
CONCLUSÃO:.........................................................................................................................163
Bibliografia............................................................................................................................169
Artigos.............................................................................................................................................. 171
Índice de Imagens.................................................................................................................173
“A man’s house is his castle
— et domus sua cuique est tutissimum refugium.”
INTRODUÇÃO
Em meados do século XIX, deu-se na cidade do Porto um enorme aumento demográfico, con-
sequência de grande crise na agricultura e do desenvolvimento Industrial no país entre outras
causas que serão mais desenvolvidas posteriormente.
Esta população, geralmente de origem rural, terá procurado abrigo no núcleo histórico da ci-
dade, que se encontrava ainda, maioritariamente, dentro dos limites da muralha fernandina.
Apesar das obras de expansão da cidade iniciadas, pelos Almadas, no final do século XVIII, o
Porto não se encontrava preparado para receber tal aumento de população geralmente po-
bre, e que vinha para a cidade trabalhar na indústria, pelo que teria baixo rendimento.
Rapidamente a cidade intramuros fica lotada, a burguesia muda-se para zonas mais livres da
cidade onde podia evitar a sobreocupação dos espaços e contacto próximo com esta popula-
ção, que considerava baixo nível.
À falta de espaço para crescer, a cidade dentro de muralhas passa a desenvolver-se vertical-
mente, tornando as ruas já estreitas mais sombrias e insalubres, acabando a situação por se
tornar insustentável.
É assim neste cenário de sobrelotação humana da cidade murada que se começa a invadir
o interior dos quarteirões da cidade em expansão. Nascem as Ilhas do Porto. Estas, são de
um modo geral construídas para albergar a classe operária e outros trabalhadores da cidade.
As Ilhas encontram-se, por norma, nas traseiras das habitações burguesas do XIX, que defi-
nem a largura dos estreitos e profundos lotes da cidade. Estas acabam assim por funcionar
como estratégia de ocupação do interior dos quarteirões, e dão uso e rentabilidade a espaços
de baixo valor imobiliário. O baixo custo que a edificação destes espaços pedia, reflexo da
fraca qualidade na construção e do grande aproveitamento do solo, rapidamente mostrou
ser um investimento seguro para os seus promotores, visto existir uma enorme procura de
habitações de rendas baixas, por parte da população recém-chegada à cidade e com poucos
recursos.
Estas acabam, assim, por se tornar num tipo de habitação operária, básica e social, ainda que
privada. É com estas premissas que se inicia neste trabalho uma reflexão sobre estes espa-
ços, e sobre como, ao fim de século e meio de existência, estes integram e são integrados na
cidade de hoje.
1. A EUROPA PÓS-REVOLUÇÃO
INDUSTRIAL: HABITAÇÃO OPERÁRIA
Chama-se Revolução Industrial a todo o processo que se desenrolou entre 1760 e meados
do século XIX, período caracterizado pela modificação total dos processos de transformação,
produção, fabrico. A produção tradicional e artesanal foi sendo substituída pela produção
industrial, com a introdução da máquina no quotidiano do homem. O mundo mudou, o que
até agora era um processo lento e demorado, com pouca produção e caras mercadorias,
passaria a ser produzido em série, com um preço mais baixo e o homem começa aos poucos
a ser substituído pela máquina.
Esta revolução teve como ponto de origem o Reino Unido. Este tinha já sido o palco do apa-
recimento da manufactura, e é neste período também o local onde se assistiu a um maior
desenvolvimento desses novos meios de produção. Será também neste mesmo cenário, o
Reino Unido, que mais rapidamente a sociedade sentirá as vantagens e desvantagens desta
nova forma de produção ainda em desenvolvimento, a indústria.
“ The history of the proletariat in England begins with the second half of the last centu-
ry, with the invention of the steam-engine and of machinery for working cotton. These
inventions gave rise, as is well known, to an industrial revolution, a revolution which
altered the whole civil society; one, the historical importance of which is only now be-
ginning to be recognized. England is the classic soil of this transformation, which was
all the mightier, the more silently it proceeded; and England is, therefore, the classic
land of its chief product also, the proletariat.” 2
Até aqui os artesãos trabalhavam geralmente sozinhos, por vezes organizados também em
pequenos grupos que separavam diferentes etapas de execução. Frequentemente o traba-
lho era inteiramente manual, tendo, quando muito, o auxílio de instrumentos rudimentares
aos quais os artesãos chamavam máquinas, mas não passariam de ferramentas básicas de
trabalho. O artesão era responsável por todo o processo de produção, desde a obtenção da
matéria-prima até à venda do produto final. O seu trabalho era geralmente executado em
pequenas oficinas que muito frequentemente se encontravam na casa do próprio artífice.
Os artesãos viviam normalmente em ambientes rurais, na proximidade de uma cidade, onde
vendiam os seus artefactos quando terminados. Viviam do seu trabalho e viviam bem.
“ Because the home market was almost the only one, and the crushing power of com-
petition that came later, with the conquest of foreign markets and the extension of
trade, did not yet press upon wages.” 3
Engels4 deixa claro que o artesão vivia em boas condições, trabalhava, e ia vendendo o que
produzia sem a pressão da concorrência, que mais tarde apareceria. Arrendava a sua casa,
2 ENGELS, Fridriech; The Condition of the working-class in England 1844; manybook.net; 2005; Pág. 8
3 Idem; Ibidem; Pág. 9
4 Fridriech Engels, filosofo-politico, com pensamento revolucionário, braço direito de Karl Marx no
desenvolvimento e criação do Socialismo Cientifico, ou Marxismo, foi assim um grande estudioso e defensor das
classes trabalhadoras, deixando grandes testemunhos de análise social da época em que viveu. Como sequência
da sua ida para Manchester a trabalho, escreve a obra The Condition of the working-class in England 1844, onde
revela o seu grande choque com as condições de viva que vivem na capital industrial do mundo.
18
que por ser numa zona rural tinha espaço e condições dignas. Geralmente possuía um espaço
exterior onde plantava uma pequena horta nas suas horas livres, que eram tantas quantas
ele quisesse, uma vez que trabalhava por conta própria. Este pequeno terreno providencia-
va-lhe algum tipo de sustento. Respeitava o seu senhorio, a quem pedia conselhos, quando
surgia alguma disputa. Era, como Engels diz, homem de moral, vivia uma vida moral, seguia
os bons princípios, e temia acima de tudo a ira de Deus. Vivia confortavelmente, não traba-
lhava horas extra, e apenas fazia o que queria, trabalhava o seu jardim quando lhe apetecia,
e recebia o que precisava para continuar a sua vida confortavelmente. Raramente sabia ler e
escrever; vivia assim inocente na sua ignorância. Na introdução do seu livro The Condition of
the working-class in England, de 1844, Engels não nos faz este retrato do artesão de forma a
enaltecer o seu estilo de vida, de certa maneira Engels parece dividido entre o bom e o mau
da situação em que os artsãos viviam, por um lado “ficavam um grau acima na sociedade do
que o operário Inglês de hoje em dia” 5 (hoje referindo-se ao ano de 1844), por outro lado,
alguma coisa teria que acontecer para que os acordasse do seu estado quase vegetativo (in-
telectualmente).
“They were comfortable in their silent vegetation, and but for the industrial revolution
they would never have emerged from this existence, which, cosily romantic as it was,
was nevertheless not worthy of human beings. In truth, they were not human beings;
they were merely toiling machines in the service of the few aristocrats who had guided
history down to that time.” 6
5 Tradução de “Stood one step higher in society the English workman of to-day”; ENGELS, Fridriech; The
Condition of the working-class in England 1844; manybook.net; 2005 Pág. 10
6 Idem; Ibidem; Pág. 9
7 Tradução de, “The industrial revolution has simply carried this out to its logical end by making the
workers machines pure and simple” ENGELS, Fridriech; The Condition of the working-class in England 1844;
manybook.net; 2005; Pág 10
19
Uma das primeiras mudanças foi a divisão dos trabalhos, consequência da invenção de
spinning Jenny, por volta de 1764, criação de James Hargreaves, fiador, ainda um projecto
bastante rústico. Esta era manipulada por uma pessoa apenas e movia perto de 18 rodas de
fiar. Pela primeira vez passou a existir mais fio do que poderia ser tecido. O salário dos tece-
lões aumentou e o preço da matéria (o fio) desceu já que o custo da mão-de-obra diminuiu
também. O tecelão passou a dedicar todo o seu tempo ao tear, deixando de lado a agricultura.
A par destes desenvolvimentos surgem novos métodos e máquinas para a produção agrícola.
Os pequenos proprietários, não querendo investir nos novos métodos, foram ultrapassados
rapidamente pelos grandes proprietários e investidores, já que conseguiam mais produtos de
formas mais baratas. Arruinados, os pequenos proprietários vêem-se obrigados a vender os
seus terrenos, acabando por, geralmente, passar de proprietários a trabalhadores agrícolas.8
A indústria continuou a crescer, novas máquinas foram criadas, contribuindo para o cresci-
mento da indústria. Estas máquinas procuravam, por vezes, ultrapassar as antigas, outras
completar todo o processo de produção Industrial.9 Pequenos armazéns começaram a agru-
par várias máquinas, criando assim pequenas fábricas, que foram gradualmente aumentan-
do. Rapidamente Inglaterra passou a dominar os mercados internacionais.10 Surgiram assim
as primeiras indústrias.
Estes novos métodos foram “exportados” para os outros países, mas sempre com algum atra-
so de modo que a riqueza de Inglaterra foi sempre aumentando, bem como a sua classe ope-
rária. Foi o fim de qualquer resquício de estabilidade para esta classe.
O aparecimento de algumas indústrias promovia por vezes a existência de outras, como acon-
teceu no caso do aparecimento da máquina a vapor que elevou a procura e a produção do
ferro que, por sua vez, fez aumentar a indústria mineira em busca desse minério. Como ge-
ralmente o ferro era fundido com o uso de carvão, a busca deste último aumentou também
exponencialmente. Assim, as indústrias cresciam a par do capitalismo, o grande problema
deste sistema é que todas as indústrias dependem das outras, quando uma entrava em crise
todas as outras a seguiam.
Muitas das cidades, onde as diferentes indústrias se instalaram, sofreram grandes migrações
de população de origem rural, em busca de trabalho e habitação. Por vezes a própria fábrica
está na origem da cidade, uma grande fábrica instala-se numa pequena localidade, onde os
terrenos são baratos; grande número de trabalhadores da fábrica migram para esta zona,
ocupando todas as habitações disponíveis a preço acessível; e rapidamente a existência de
uma concentração de pessoas chama a atenção de pequenos serviços, padarias e mercados;
outras indústrias vão, por vezes, agregar-se à existente e, assim, uma pequena vila rapida-
mente se torna numa pequena cidade.
Por vezes o proprietário da fábrica promovia a construção de habitações para os seus operá-
rios o que lhes viria tirar qualquer controlo na sua vida, uma vez que os seus senhorios seriam
também os seus patrões. Qualquer ideia de desafio por parte do operário contra o patrão
poder-se-ia reflectir na falta de tecto sobre toda a sua família. Assim estes não eram escravos,
mas viviam impotentes, completamente manipulados pelos seus patrões.
«The well-disposed is important(…) Both shared the need to have docile people in their
houses, people who would give no trouble, behave quietly and look respectable, and,
8 ENGELS, Fridriech; The Condition of the working-class in England 1844; manybook.net; 2005;
9 Idem; Ibidem; Pág. 10-11
10 Idem; Ibidem; Pág. 5
20
Com tudo isto, é fácil perceber como surge o problema da habitação nas cidades, principal-
mente sentido pela mais recente classe de trabalhadores fabris, por ser a que menos recursos
possui.
“… people regard each other only as useful objects; each exploits the other, and the
end of it all is, that the stronger treads the weaker under foot, and that the powerful
few, the capitalists seize everything for themselves, while to the weak many, the poor
scarcely a bare existence remains.” 12
É importante perceber que o problema surge não apenas da falta de habitações suficientes
(estas poderiam facilmente ser edificadas), mas acima de tudo, da ganância do homem capi-
talista. As habitações para as classes mais baixas não teriam lucros altos pelo que não seriam
vistas como bons investimentos, pelo que, estas habitações não eram edificadas. Isto reflec-
te-se no facto de, normalmente, a população mais pobre viver nas zonas mais antigas da
cidade, onde as casas se empilham, e as ruas são mais estreitas, usam-se antigas habitações
das classes mais altas, onde geralmente pouca ou nenhuma intervenção existe há muitos
anos. Quando tal acontecia, era frequente estas não serem ocupadas por fogo, mas antes por
divisão, onde o habitual é uma família inteira ocupar um único quarto.13
A baixa burguesia seria a principal investidora neste tipo de habitações para as classes po-
bres, quer no aluguer das antigas casas, quer na construção de novos blocos. Os poucos
recursos necessários representavam baixo risco, uma vez que existia mais procura do que
oferta. Por terem fundos limitados, e de forma a garantirem lucros mais rápidos, poupavam
nos materiais e qualidade geral da construção.
“Such arrangements naturally resulted in skimped materials even to the extent that the
collapse of new-built houses was not at all infrequent.” 14
Possivelmente como consequência de ter sido palco principal dos avanços da indústria, o
Reino Unido é dos primeiros países a sentir as grandes mudanças desta reestruturação da
sociedade. Apesar do estado de apatia quase total em que o antigo artesão se encontrava, o
operário passa a ser encarado como máquina, acabando por ser completamente desumani-
zado. Não terá sido, contudo o único local em que tal facto se vem a verificar.
Todos os países, à medida que foram sendo industrializados, sentiram, mais tarde ou mais
cedo, as consequências dessa industrialização. Sendo que o aspecto que mais nos importa
desenvolver é a habitação, ou antes, a falta dela para as classes trabalhadoras de cada nação.
Cada cidade industrial terá reagido de uma maneira diferente, perante o aparecimento deste
problema decorrente da revolução social e urbana que então se inicia.
A habitação do operário tem as mais diferentes formas. Por vezes são pequenos cottages, tão
típicos no Reino Unido, que evoluíram para as pequenas e insalubres back-to-back houses.
Outras vezes são usados os edifícios que as classes mais abastadas já não consideram dignos
do seu estatuto, por serem pequenos, velhos, por precisarem de intervenções que conside-
11 GAULDIE, Enid; Cruel Habitations: A history of the Working-Class Housing 1780-1918, 1974; Pág. 63
12 ENGELS, Fridriech; The Condition of the working-class in England 1844; manyook.net; 2005; Pág. 18
13 GAULDIE, Enid; Cruel Habitations: A history of the Working-Class Housing 1780-1918, 1974; Pág. 93
14 Idem; Ibidem; Pág. 93
22
“ The houses are occupied from cellar to garret, filthy within and without, and their
appearance is such that no human being could possibly wish to live in them. But all this
is nothing in comparison with the dwellings in the narrow courts and alleys between
the streets, entered by covered passages between the houses, in which the filth and
tottering ruin surpass all description. ” 15
Estas zonas da cidade estariam lotadas, sobrelotadas. Veja-se outro exemplo ainda em Lon-
dres, nas zonas de Whitechapel e Bethnal Green, conhecidas zonas operárias, que teriam
índices demográficos altíssimos, (note-se que em apenas 365 metros quadrados chegava a
haver cerca de 12.000 habitantes, em apenas 1400 casas). 16 Donde podemos depreender que
tal feito era apenas conseguido em detrimento das condições de vida dos seus habitantes.
Em Inglaterra, segundo Engels nos transmite, a generalidade das grandes cidades tem bairros
operários idênticos. Geralmente, pequenas casas, com um ou dois andares (cottages) for-
15 ENGELS, Fridriech; The Condition of the working-class in England 1844; manybook.net; 2005; Pág.19
16 Idem; Ibidem; Pág. 25
24
“During an investigation,“ (…) “, many rows of houses were found to have been built
over shallow drains covered only by the boards of the ground floor.” 18
Assim, pode-se concluir que as desvantagens que estes procedimentos teriam nas vidas de
quem aqui veio habitar seriam muitas. Por terem apenas uma única fachada, a ventilação dos
fogos era pouca ou nenhuma, situação que seria ainda agravada pela escassez de espaços
exteriores entre as diferentes fileiras de casas que tornavam a rua ou beco num sítio quase
tão pouco salubre como o interior das casas. Geralmente uma latrina servia uma fileira inteira
de casas e, estas raramente recebiam algum tipo de manutenção.
Segundo um estudo realizado em Manchester, por Newsholme’s Vital Statistics, num bairro
composto por 50% de casas deste tipo, a mortalidade era 11% superior à de outros bairros.19
Estas casas, organizadas back-to-back, e side-to-side, são talvez as que melhor representam
as habitações dos trabalhadores de Leeds, Manchester, Birmingham e Liverpool, entre muitas
outras.
As suas dimensões variavam, dependendo do tamanho do terreno adquirido, do seu preço
e das posses do seu promotor, bem como das do público que procurava albergar. Muitas ve-
zes, as casas que formavam a linha de frente da rua principal eram mais espaçosas e nobres,
quanto mais para o interior do bairro, mais pobres eram os materiais de construção, mais
estreitas e escuras as vielas, e menor o espaço ocupado por cada fogo.20 As ruas interiores
destes quarteirões não eram minimamente tratadas, o motivo é simples: das ruas, os senho-
rios não extrairiam qualquer tipo de lucro, pelo que viam o investimento nas mesmas como
perda de receita desnecessária. Os seus construtores pouco mais investiam do que o que era
estritamente necessário, muitas vezes consequência das escassas posses que tinham. O pou-
co investimento que este tipo de habitação exigia, aliado á enorme procura de casa, fazia com
que a pequena burguesia visse nestas habitações baratas um investimento seguro.
17 ENGELS, Fridriech; The Condition of the working-class in England 1844; manybook.net; 2005; Pág.19
18 Idem; Ibidem; Pág. 24
19 DYOS, Harold James; WOLF, Michael; The Victorian City: Images and Realities; 2nd Edition 1999; Pág.
22
20 BENEVOLO, Leonardo; História da Cidade; Edição Perspectiva; São Paulo; 1999; Pág. 567
26
Figura 8 - Vista Aérea de Hulme, na periferia de Manches- Figura 9 - Planta de Bairros Periféricos Ingleses
ter, e o intenso aproveitamento de solo no bairro operário segundo os regulamentos de 1875
edificado no inicio do século XX.
Figura 10 - Quarry hill, Leeds em 1901 Figura 11 - Quarteirões de casas back-to-back, em Eldon Street,
Leeds, s.d.
Figura 12 - Back-to-Back Houses, nas traseiras de George Street em Figura 13 - Beco de St. Peter Street em
Leeds, s.d 1901
27
families was, especially in the first half of the century, shoddily built, on insecure foun-
dations, of materials not even adequate for keeping out the rain. In some cases new
estates were built on sites still heaving with refuse, lightly cemented over to provide a
surface which, if temporarily flat and dry, soon split to produce settlement cracks, rising
damp, and unpleasant smells such arrangements naturally resulted in skimped materi-
als even to the extent that the collapse of new-built houses was not at all infrequent.” 21
Em Leeds, onde os primeiros cottages construídos back-to-back terão sido erguidos por volta
de 1786, e apesar de desde o início do século XX existirem leis que proíbem a edificação deste
tipo de habitações, estas foram edificadas até 1837, ao abrigo de uma cláusula que permitia
a sua edificação em ruas para onde já existisse aprovação.22
O exterior destas casas em Leeds não excederia, em média, os 4.57 x 4.57 metros, (15x15ft),
seriam compostas por uma cave, uma cozinha ou uma pequena zona de preparação de ali-
mentos e um quarto pequeno no sótão. Já em Liverpool, as dimensões destes espaços seriam
substancialmente mais reduzidas, chegando por vezes a ter de frente apenas 3 metros e, ge-
ralmente, não ultrapassando os 4, sendo compostas por um porão, uma sala no rés-do-chão,
e dois quartos no piso superior. Em Birmingham as casas seriam ligeiramente mais espaçosas,
e teriam mais um piso.23
Um pouco por toda a Inglaterra surgem também outras tipologias, como são exemplo os
Courts, de que a classe operária vai ser a principal ocupante. Uma das cidades em que esta
forma de habitação de trabalhadores esteve bastante presente foi também Liverpool, cidade
mercantil, que cresceu devido ao desenvolvimento do seu porto, que se encontrava numa
localização estratégica, num ponto central entre a Irlanda, Escócia e Gales, tornando-se por
tanto num dos principais interpostos comerciais internos do Reino Unido. Apesar desta ti-
pologia ter sido vastamente usada na habitação da classe operária, será importante ter em
mente que a sua existência era já comum na habitação das classes mais pobres em Liverpool,
mesmo antes da abertura das primeiras indústrias da cidade. Não terá sido, por isso uma
criação da industrialização.
Os Courts eram geralmente organizados por um pequeno espaço central e variariam entre
os 6 e os 9 metros (20-30ft) de comprimento e os 2,75 e os 4,5 metros (6-15ft) de largura.24
O acesso ao pátio era feito pelo que aparentava ser uma porta normal, esta iria contudo ter
directamente ao interior do pátio.25 Esta passagem era geralmente estreita e coberta. Por
cima encontrava-se o edifício de frente de rua, que teria uma área maior nos pisos que so-
brepunham a entrada, e assim daria à rua principal uma aparência mais regular e contínua.
Em torno deste pequeno pátio eram construídas duas filas de edifícios, que perfaziam 6 a
8 casas, com até quatro pisos. Cada bloco era ocupado por várias famílias, sendo que estas
normalmente ocupavam apenas um ou dois quartos de cada habitação. Estes edifícios seriam
construídos colados às traseiras das habitações que formavam o Court adjacente. Em alguns,
mas raros casos, estes Courts têm duas entradas, uma de cada lado, permitindo uma melhor
ventilação do espaço. Estes casos seriam contudo as excepções, sendo que geralmente o
21 GAULDIE, Enid; Cruel Habitations: A history of the Working-Class Housing 1780-1918, 1974; Pág. 93
22 FRASER, DEREK; A History of Modern Leeds; 1980, Manchester; Pág. 107
23 GAULDIE, Enid; Cruel Habitations: A history of the Working-Class Housing 1780-1918, 1974; Pág. 95
24 DUNCAN, W.H; Report on the Sanitary State of the Labouring Classes in the Town of Liverpool; in: Poor
Law Commissioners; Local Reports on the Sanitary Condition of the Labouring Population of England - Printed by
W. Clowes and Sons; London; 1842; Pág.284
25 TWISLETON, Edward; Ibidem; Pág. 151
28
«The higher density of inhabitants made possible by high building, however, combined
with the meanness of lavatory and tap provision to make tenement living less comfort-
able than it might been.”28
Na Escócia, bem como Barcelona e Paris, as pessoas sobrepunham-se umas as outras, como
os pisos das suas casas.
1.2 BARCELONA
Este tipo de habitação colectiva permitia que a densidade populacional se tornasse mais
intensa, sendo o aumento desta densidade agravado pelo facto de os espaços de banho e
latrinas, serem tão tanto ou mais escassas que os dos Courts e casas Back-to-back.
Segundo os dados estatísticos de 184229, de um total de 186.214 pessoas que viviam em Bar-
celona, apenas 29.009 viveriam extramuros, podendo assim perceber-se que o espaço intra-
muros estariam sobrelotado com a restante população que perfazia um total de 157.205 ha-
bitantes. A densidade demográfica intramuros seria de cerca 13,50 m2 por pessoa, sem ruas
sem praças, espaços públicos, enquanto no seu exterior rondaria os 600m2 por habitante.
Apesar da elevada taxa de mortalidade das grandes cidades europeias, Barcelona teria uma
taxa de mortalidade mais elevada, o que é reflexo claro das condições de vida que existiam. A
esperança média de vida nesta época variava escandalosamente com a diferença das classes.
No estudo para o Ensanche de Barcelona, Ildefonso Cerdà verifica uma diferença de quase
20 anos na média de vida entre os homens de classes ricas para os das classes mais pobres,
Figura 15 - Modelo típico das, casas edificadas em Bar- Figura 16 - Classe 4, encontravam-se geralmente em
celona, Classe 3, encontravam-se geralmente em ruas ruas com largura de 2, 5 a 3 metros.
com largura de 3 a 4 metros
Figura 17 - Proposta de Josep Fontseré i Mestre para a Figura 18 - Proposta Vencedora do concurso para
Expansão de Barcelona, 1959 a Expansão de Barcelona, por Antoni Rovira i Trias,
1859
“!Abajo las murallas!, porque asi convenia à la salud publica y à su porvenir moral y
material, hubiera tenido la prevision de preparar los trabajos para el dia en que se rea-
lizase tan deseado derribo. ” 33
Este plano surge como forma de expansão da cidade, numa altura em que a indústria se ins-
talava e começava a invadir Barcelona, procurava, entre outros aspectos expandir a cidade e
reforçar os meios de comunicação entre Barcelona e pequenas aldeias próximas, e dar me-
lhores condições de vida às classes trabalhadoras, começando pela habitação. Cerdà defen-
dia que, independentemente das classes, existiriam alguns requisitos mínimos que deveriam
ser respeitados: um mínimo de espaço, divisões, ventilação, permitindo assim uma vida mais
salubre e mais confortável.
“Esta idea de ciudad higiénica y funcional deberia permitir –según Cerdà – una condi-
Assim, este plano era dominado por uma forte descaracterização das diferentes classes so-
ciais. Ele previa alturas mínimas de pisos, para que as divisões fossem amplas e arejadas,
bem como dimensões também mínimas das ruas, que deveriam estar organizadas de for-
ma ortogonal, o cheio e vazio estariam perfeitamente proporcionados, de forma a tornar o
espaço da rua, que até aqui na cidade intramuros seria tão insalubre como as sobrelotadas
casas, num espaço percorrível e também saudável, prevendo que num quarteirão, apenas
50% do espaço fosse edificado. Quando a justaposição das casas fechasse o quarteirão o seu
espaço interior seria como uma extensão do edifício, servindo para o uso dos vários habitan-
tes. Ainda assim, segundo o Anteprojecto, as manzanas deveriam evitar ser fechadas, já que
um espaço encerrado é sempre menos ventilado do que um aberto, sendo por isso menos
salubre. Assim os quarteirões deviam ser preferencialmente abertos para que os seus jardins
tivessem uma boa ventilação, renovação do ar, e entrada de luz. Em 1859 o Plano Cerdà é
aprovado, e assim acaba por ser edificado o Eixample, que traduzido do catalão seria a Exten-
são da cidade. Esta área seria quase duas vezes o tamanho de intramuros, e acabou por ser
largamente habitada pela classe burguesa, apesar dos diversos estudos realizados por Cerdà
para a utilização destes quarteirões novos da cidade para habitação operária.
Neste plano, o urbanista terá fortes influências do projecto Haussmaniano realizado em Pa-
ris, no Segundo Império, onde a situação seria tão má ou pior que a de Barcelona, as cons-
tantes revoluções, lutas entre liberais e monarquistas, destruíam a capital, que continuou a
desenvolver-se e a crescer sem qualquer tipo de estruturas para tal.
1.3 PARIS
A habitação em Paris no início do século XIX teria apenas dois ou três andares com longas e
estreitas ruas. Terá sido no primeiro quartel do século que a cidade antiga terá atingido to-
dos os seus limites, os poucos espaços, pequenos pátios foram preenchidos por oficinas ou
verdadeiras colmeias humanas e, como noutras cidades, quando o espaço horizontal estava
já completamente lotado, a cidade cresceu verticalmente, rompendo com a até então a uni-
dade e beleza da cidade parisiense da idade média.35
” Paris compte 500 000 personnes en 1800. Un million en 1846, 2 millions en 1879 ; en
trois quarts de siecle, la capitale quadruple ainsi le nombre de ses habitants.”36
34 BUSQUETS, Joan; Bercelona, La construcción urbanística de una ciudad compacta; Ediciones del
Serbal, Barcelona; 2004 ; Pág.131
35 JORDAN, David; Transforming Paris; Transforming Paris: The Life and Labours of Baron Haussman; Pág.
95
36 NOIRIEL, Gérald ; Les Ouvriers dans la societé française, XIX- XX Siécle, Èditions du Seuil, 1986, Pág. 26
34
“ They considered the relationships between workers and bosses as between individu-
als, a moral question in which the state should not intervene.” 37
“ L’habitat lui-même est bâti selon des logiques privées dans un but de spéculation im-
mobilière, en l’absence de toute intervention de l’État’. ” 38
Paris seria composto até à reforma de Haussmann por doze bairros, que estariam então so-
brelotados. Os terrenos mais próximos, na periferia de Paris, começam a ser procurados por
pequenos investidores que compram pequenas porções de terra para a construção de habi-
tação, não por motivos sociais, mas antes, porque a procura significava lucro e, pretendiam
retomar todo o investimento feito de forma rápida e segura, rentabilizando os pequenos
lotes o máximo possível.
“ A Belleville par exemple, des petits bourgeols acquièrent d’étroites parcelles rurales
pour les lotir, cherchant à rentabiliser le plus possible l’espace disponible. Ils construisent
de petits logements, destinés aux ouvriers et aux artisans, dans des immeubles de piètre
qualité donnant sur de minuscules cours, souvent sans lumière.” 39
Assim como a generalidade das cidades industriais, Paris tinha todas as condições para o
desenvolvimento de doenças, e epidemias, como tal, foi palco de mais de uns milhares de
mortes no que foi o segundo surto de cólera entre 1826-1841.
Paralelamente, geravam-se na cidade constantes revoltas, que devido à pequena dimensão
das ruas não eram fáceis de controlar, já que a polícia não tinha rápido nem fácil acesso aos
locais onde estas se desencadeavam. O Imperador queria pôr fim a estas revoltas por uma
questão de segurança própria, contudo Haussman procurou ir mais além, resolvendo tam-
bém, com o seu plano, alguns problemas sociais da cidade.40
Napoleão III terá concluído que a “cidade sofria de um aneurisma do coração”, e estaria bem
no centro, o órgão decrépito, sem grandes artérias que lá chegassem.41 Assim, inspirado pelas
37 JORDAN, David; Transforming Paris; Transforming Paris: The Life and Labours of Baron Haussman; The
Free Press, New York, 1995; Pág.95
38 CLERVAL, Anne; Paris sans le peuple: La gentrification de la capitale ; Éditions La Découverte ; Paris ;
2013. Disponivél em <http://books.google.pt> Acesso a 9 de Jun. 2015
39 Idem; Ibidem;
40 CHOAY, Françoise; The Modern City: Planning in the Nineteenth Century; George Brazillei; New York;
1969; Pág. 15
41 JORDAN, David; Transforming Paris; Transforming Paris: The Life and Labours of Baron Haussman; The
Free Press, New York, 1995; Pág. 37
36
Figura 23 - Demolições para abertura da Avenida da Ópera, Fotografia de Coll Viollet, 1878
“ Haussmann’s most serious error was to destroy irrevocably the tightly woven and
diversified fabric of the Île-de-la-Cité, whose new blocks of giant buildings condemned
it to death.” 42
Em várias outras cidades grandes planos como este, cheios de demolições, terão surgido.
Apesar disso, tal plano terá vingado melhor em Paris, que teria a seu favor duas leis, a de
1840, sobre a expropriação, criada para facilitar a expansão dos caminhos-de-ferro, bem
como a lei sanitária de 1850 que previa a demolição das habitações consideradas insalubres,
e ainda o decreto do Senado de 1852,43 que permitia ao poder executivo deliberar sobre os
terrenos a serem expropriados. Este conjunto de leis e decreto facilitava a demolição, e con-
sequentemente, a realização do plano de Haussman.
“A nova cidade, por feia e incómoda que seja é aceite como modelo universal porque
não tem alternativas.”44
Segundo Leonardo Benévolo, esta cidade “sobrepõe-se à cidade mais antiga, e tende a des-
trui-la”45, o que sobrevive dessa cidade são os grandes edifícios que ficam de pé, preservados
quase como se de museus se tratassem, e usados como inspiração, como modelos para os
novos edifícios burgueses.
As largas ruas abertas teriam fachadas idênticas e baseadas nos elementos clássicos, linhas
horizontais, varandas geralmente contínuas de um edifício para o outro, dando assim a toda
a cidade uma regularidade e fluidez monumental. O interior destes seria normalmente or-
ganizado de uma forma quase hierárquica. No rés-do-chão, como sempre, ficaria a loja, no
piso seguinte existiria o mezanino. Onde os tectos não seriam muito altos e o espaço seria
42 CHOAY, Françoise; The Modern City: Planning in the Nineteenth Century; George Brazillei; New York;
1969; Pág. 19
43 BENEVOLO, Leonardo; A cidade na História da Europa; Editorial Presença; Lisboa; 1995; Pág. 189
44 BENEVOLO, Leonardo; História da Cidade; Edição Perspectiva; São Paulo; 1999; Pág. 589
45 BENEVOLO, Leonardo; A cidade na História da Europa; Editorial Presença; Lisboa; 1995; Pág. 197
38
Figura 26 - Gravura de Edmund Texier, 1852 Figura 27 - Fachada e Corte dos novos edifícios de Paris, 1855
Figura 30 - Vista do Interior do Familistério de Guise, Figura 31 - La Cité Napoleão, fotografia do pátio
Jean- Baptiste Godin coberto
“Les locataires de ces Cités auront des logements sains, bien aéres et sourtout à prix
au-dessous de ceux qu’ils paient pour une seule chambre dans les maisons insalu-
bres.” 50
“ Le médecin observa qu’il n‘y avait pas de vacances, pas de loyers impayés, pas d’epi-
démies lors même que le quartier étant atteint, que l’asile d’enfants était plein, que le
lavoir ne désemplissait pas. Quant aux logements, on les trouvait très bons, «spacieux»
même, eu égard aux standards de l’époque qui, rappelons-le, étaient d’une chambre
unique pour les familles ouvrières. ” 51
A sociedade capitalista não deixou contudo que esta vingasse. Rapidamente apareceram crí-
ticas aos modos de vida: a separação da criança, que ficaria no infantário, e da mãe, que sairia
para o trabalho, não terá sido vista com bons olhos, assim como os grandes agrupamentos de
trabalhadores, que poderiam tentar organizar-se, ter ideias revolucionárias que a sociedade
capitalista não teria interesse em deixar explorar.
A verdade é que por esta altura, em Inglaterra já se haviam formado vários grupos de operá-
rios que procuravam lutar pelos seus direitos, e começava a desenvolver-se a ideia de “Clas-
ses Laboreuses, Classes Dangereuses”52. A intenção seria passar a imagem de que todos os
que pertenciam às classes trabalhadoras seriam perigosos, criminosos, enfermos, imorais,
mas a verdade é que se procurava abafar o movimento operário que começava nesta altura a
despoletar um pouco por todas as zonas industriais.
1.4 BERLIM
As cidades com desenvolvimento industrial mais tardio, como foi o caso da cidade do Porto e
Berlim poderiam ter beneficiado com a observação do que acontecia nas cidades mais avan-
çadas, mas a verdade é que tal, normalmente, não se verificava.
O crescimento demográfico de Berlim terá começado na segunda década do século XIX, sen-
do no último quartel do mesmo século que este se terá tornado mais significativo, uma vez
que a sua população terá quintuplicado, atingindo mais de 2.5 milhões de habitantes no final
do século. A verdade seria que até aos últimos 20 anos do século XIX, Berlim era considerada
uma cidade provinciana, e desactualizada.53
“ Even in the early 1880’s, foreign visitors commented on how provincial and back-
wards Berlin was.” 54
53 BODENSCHATZ, Harald; Berlin Urban Design, A Brief History of a European City; DOM Publishers;
Berlin; 2013; Pág.
54 HESSLER, Martina; Berlins Culture of Change around 1900; in Urban Modernity: Cultural Innovation in
the Second Industrial Revolution; The MIT Press; Massachusetts; 2010; Pág. 170
55 Senate Department for Urban Development and Environment www.stadtentwicklung.berlin.de/
44
O primeiro plano de expansão extra-muros que não terá passado do papel, terá surgido por
volta 1830, e exprimiu a grande vontade que Berlim tinha de se tornar uma grande cidade
industrial.
Foi, no entanto, apenas em 1862 que terá sido criado o plano com maior relevância para
a cidade de Berlim, o Plano Hobrecht, que procurava equilibrar a segregação das classes.
Hobrecht no seu plano defendia a criação de blocos, em que todas as classes convivessem,
promovendo assim de certa forma uma proximidade entre as diferentes classes e, conse-
quentemente, troca de conhecimentos.
“From all that which will come out as comfortable relations between so differently so-
cialized people it allows the giver to ennoble himself on the situation. In between the
extremes of the social classes the poor from the second to fourth story will be nurtured
by the cultural life of the civil servants, artists, professors and teachers. This will come
out as beneficial to the society even when it would only be that the latter would have a
daily silent example in their sight of those which were mixed among them. ”
Este plano terá surgido pouco tempo depois dos já falados planos de Paris e Barcelona, e terá
sido influenciado pelos mesmos, à semelhança do Plano Cerdà, o Plano Hobrecht, seria um
plano de expansão da cidade e não de reconstrução urbana como o Plano de Haussman. Ape-
sar de ser um plano de expansão o plano de Berlim não se baseava num esquema geográfico,
este seguia a forma de anel. 56
O plano seria bastante esquemático, procurava dividir a cidade em largas parcelas de terreno
que podiam ser quase inteiramente construídas, o plano teria contudo pontos orientado-
res que deveriam ser seguidos e tidos em conta. Algumas destas indicações seriam que os
edifícios não deveriam ter mais de 20 metros de altura e teriam um máximo de seis pisos e
uma cave destinada à arrumação. Todas as habitações deveriam ter, pela frente ou por uma
travessa nas traseiras, um acesso, com pelo menos 5.35 metros, de forma a permitir que bri-
gadas de incêndio pudessem entrar. 57
A fachada principal seria geralmente contínua e reservada para habitações mais nobres, à
semelhança do que acontecia nos Courts no Reino Unido, e no interior encontravam-se as
habitações mais económicas.
O plano fez de Berlim o maior Mietskasernenstad, maior cidade de aluguer barracas/ caser-
nas. Com este plano, Hobrecht pretendia que a cidade pudesse ser habitada por até 1 milhão
de habitantes.
Um outro factor muito importante do plano, era o facto deste procurar também criar um
novo sistema de esgotos, de forma a que a cidade se tornasse mais limpa e saudável. O
sistema aplicado por Hobrecht viria a ser muito conhecido e copiado por diversas cidades
Europeias. As ideias base viriam dos planos de Paris e Londres. Assim, após o estudo cuidado
dos sistemas de esgotos doutras grandes cidades europeias, Hobrecht criou o seu próprio sis-
tema, estudando cuidadosamente a topografia da cidade, dividiu-a em 13 distritos, existindo
em cada um deles uma estação de bombagem, onde os esgotos desaguavam e de onde eram
bombeados para terrenos agrícolas que se encontravam nos arredores da cidade.
O plano procurava assentar na ideia de Saúde Pública, que hoje pode parecer uma ideia bas-
56 BODENSCHATZ, Harald; Berlin Urban Design, A Brief History of a European City; DOM Publishers; Ber-
lin; 2013, Pág.35-36
57 BODENSCHATZ, Harald; Berlin Urban Design, A Brief History of a European City; DOM Publishers; Ber-
lin; 2013 Pág. 36
45
tante óbvia, mas na altura estaria ainda apenas em desenvolvimento. Hobrecht procurou re-
solver com o seu plano dois grandes problemas da cidade e sociedade: por um lado procurou
acabar com os problemas sociais da cidade em crescimento, dos quais o primeiro aspecto a
chamar atenção seria a falta de habitação, por outro lado procurou resolvê-lo de maneira a
que a cidade se tornasse saudável. Terá sido um plano inovador por incluir no plano urbano o
sistema de esgotos, considerando que um não pode evoluir sem o outro.58
É pertinente perceber que todo este processo foi demorado, e foi longamente estudado, já
que estiveram vários interesses políticos e burgueses em causa. Proprietários não tinham
interesse em pagar as contas que viriam do novo sistema de esgotos, e os donos de terrenos
não queriam perder o acesso fácil ao fertilizante. Rodulf Virchow, interessado na medicina
social59 e político influente, acreditava que as decisões não deviam ser tomadas de acordo em
interesses políticos, mas antes em estudos cientificamente provados e conseguiu que a câ-
mara aprovasse o plano Hobrecht.60 Esta posição é notável, por colocar de lado os interesses
políticos, em favor dos interesses sociais, numa Europa que ainda maioritariamente respon-
dia apenas a interesses burgueses, em detrimento de um bem comum e viria a influenciar o
pensamento da sociedade Berlinense num curto espaço de tempo.
“Within a very short time period, Berlin became an essentially modern city, in which
science and technology would play a pivotal role in the economy, in politics, in creating
urban infrastructures, and in everyday life.” 61
No final do século, Berlim seria por excelência a cidade das ciências e tecnologias e, como tal,
seria uma cidade nova. Da antiga poucos sinais existiriam. Largas ruas haviam sido abertas,
destruindo as pequenas e tortuosas ruas medievais, bairros inteiros demolidos e reconstrui-
dos de formas modernas, usando novos materiais.62
Voltando a atenção para a questão da habitação, apesar das ideias de Hobrecht terem pre-
missas interessantes e correctas do ponto de vista teórico-social, do ponto de vista formal
não terá resolvido o problema da habitação da classe trabalhadora, uma vez que a alta den-
sidade com que estas eram construídas não permitia a boa ventilação dos espaços mais pe-
quenos e pobres.
Este plano foi durante as décadas seguintes objecto constante de críticas já que seria o res-
ponsável pelos pátios exíguos e pela densidade excessiva de edifícios e habitantes, vindo a
cidade a senti-la nos períodos que se seguiram e que se reflectiam nas más condições de
higiene da população. 63
Isto terá levado a população a fugir para a periferia próxima cuja distância havia sido encur-
tada devido às recentes linhas férreas, surgindo assim as primeiras Kolonien de Berlim, geral-
mente ocupadas por classes mais altas.
58 HESSLER, Martina; Berlins Culture of Change around 1900; in Urban Modernity: Cultural Innovation in
the Second Industrial Revolution; The MIT Press; Massachusetts; 2010; Pág. 176-177
59 Medicina social seria a ciência que estuda o impacto que condições sociais e económicas para a saúde,
e procura criar novas condições que tornem a sociedade mais saudável.
60 HESSLER, Martina; Berlins Culture of Change around 1900; in Urban Modernity: Cultural Innovation in
the Second Industrial Revolution; The MIT Press; Massachusetts; 2010; Pág.178
61 HESSLER, Martina; Berlins Culture of Change around 1900; in Urban Modernity: Cultural Innovation in
the Second Industrial Revolution; The MIT Press; Massachusetts; 2010; Pág. 168
62 Idem; Ibidem; Pág. 180
63 BODENSCHATZ, Harald; Berlin Urban Design, A Brief History of a European City; DOM Publishers; Ber-
lin; 2013, Pág. 35-36
46
“the overcoming of technical and economic aspects must not be separated in terms of
time form artistic aspects, both have to be tackled at the same time.”
A ideia seria de que apenas um projecto bem estruturado multidisciplinarmente poderia re-
solver os problemas das grandes cidades. Os resultados da Wettbewerb Groß-Berlin exposto
em 1910, favoreceram as propostas mais práticas, complementadas por informações mais
técnicas, em detrimento das teóricas.
Uma das propostas com mais impacto visual, a de Bruno Schimtz, ficou em apenas quarto
lugar, apesar de ter sido a que mais impacto teve num “futuro Berlim”, já que algumas ideias
suas vão reflectir-se nas propostas de Albert Speer em 1937.66 Esta proposta de Schimtz,
Figura 41 - Proposta de Bruno Schimtz, Groß-Berlin 1910 Figura 42 - Joseph Brix, para Groß-Berlin, 1910
“ What-ever may have been the causes which have operated in the past, and are op-
erating now, to draw the people into the cities, those causes may all be summed up as
‘atractions’,and it is obvious, therefore, that no remedy can possibly be effective which
will not present to the people, or at least to considerable portions of them, greater ‘at-
tractions’ than our cities now possess, so that the force of the old ‘attractions’ shall be
overcome by the force of new ‘attractions’ which are created.” 68
Assim se a cidade fosse um iman gigante, as pessoas seriam as agulhas atraídas pelo mesmo,
o que Howard tenta criar na sua proposta é um equilíbrio entre 3 imans que seriam Cidade,
Campo e Cidade Campo. O resultado seria uma Cidade Jardim, com um número máximo de
50,000 habitantes, esta estaria em perfeita harmonia, seria organizada com sistema radial de
circulação com largas vias, que se justapunham a largos cinturões verdes. Estas seriam auto-
-suficientes e quando atingissem o seu limite uma nova cidade jardim satélite seria criada,
ficando ligada à cidade original por diversos meios de transporte e assim continuaria a expan-
são da Cidade Jardim. A infra-estrutura de cada cidade permitiria que a população a vivesse
com os benefícios e a pureza do campo, dando a quem vive no campo outras oportunidades
para além de trabalhar na agricultura.
Este projecto utópico, influenciou fortemente a forma de pensar a cidade, foi posto em prá-
tica e evoluiu ao longo do século XX. Apesar de uma forma geral, a ideia quando posta em
prática ter sido um sucesso, surge o problema que já existiria no século anterior, falta de
investimento por parte dos empreendedores, e os seus resultados não chamaram suficiente-
49-51
67 BODENSCHATZ, Harald; Berlin Urban Design, A Brief History of a European City; DOM Publishers; Ber-
lin; 2013, Pág. 50
68 HOWARD, Ebenezer; Garden Cities of To-morow; Faber Editions; 1970; Pág.41-49
50
Figura 44 - Capa do Livro “Garden Cities of To- Figura 45 - Diagrama da expansão das cidades jardins,
morrow de Ebenezer Howard, 1902 de Ebenezer Howard, 1902
“In the short period between the end of the First World War and Hitler’s rise to power,
an internationally recognised solution to the problems of the tenement-housing city
was built: a series of well-planned suburban social housing estates”71
“Il tentativo di riprendere la residenza come fattore determinante, come fatto urbano
tipico nella forma della città, viene ripreso nella costruzione delle Siedlungen operaie
negli anni seguenti la prima guerra mondiale.”73
69 FISCHER, Theodor; Die Stadt der Zukunft – Gartenstad; Leipzi; 1912; http://www.cloud-cuckoo.net/
openarchive/Autoren/FritschT/Fritsch1912.htm
70 WHYTE, Boyd; FRISB, David; Metropolis Berlin: 1880-1940; University of California Press; 2012; Pág.49-
51
71 BODENSCHATZ, Harald; Berlin Urban Design, A Brief History of a European City; DOM Publishers; Ber-
lin; 2013, Pág.
72 Idem; Ibidem; Pág. 57
73 ROSSI, Aldo; L’architettura della Città; CittàStudi Edizioni; Torino; 2006; Pág. 85
52
“…dado corpo a uma nova forma de pensar a cidade e a habitação operária enquanto
expressão de uma regra, enquanto manifesto de uma incómoda contradição polariza-
da pela realidade em decomposição e pelo alcance palpável, embora fragmentário, de
focos de racionalidade “infiltrados” no modo de produção capitalista.”75
As Siedlungen dos Racionalistas, segundo Aldo Rossi, caracterizam-se por serem estruturas
independentes entre si e da rua, perdendo-se a noção tradicional de quarteirão. A sua forma
requer uma divisão totalmente livre do solo, dando grande importância à orientação solar
e áreas verdes, permitindo que os edifícios respirassem em vez de se sobreporem uns aos
outros como acontecia no desenvolvimento urbano típico do século XIX.76
Influenciados também pelos princípios do movimento Arbeitsrat für Kunst, iniciado no fim da
grande guerra, que no seu manifesto afirmava que “a arte e o povo devem formar uma enti-
dade. A arte não será mais um luxo para poucos, será desfrutada e vivenciada pelas grandes
multidões. O objectivo é a aliança das artes sob a égide de uma grande arquitectura”77, mos-
trando uma grande vontade de que a habitação e a boa arquitectura chegassem a todos. Os
princípios deste movimento anteciparam a teoria que viria a reflectir-se na Bauhaus, poucos
anos mais tarde.
Terá sido no contexto do Pós Primeira Guerra, que Martin Wagner fundou o GEHAG, Coopera-
tiva de habitação de Berlin, em 1924, do qual Bruno Taut é nomeado arquitecto chefe. Martin
Wagner, fortemente influenciado pelo Fordismo e Taylorismo, considerava a construção das
Siedlung impossível de conseguir se por trás não existisse todo um processo de racionaliza-
ção.
Wagner procurou criar uma forma de construir em série, aplicando assim a lógica industrial
na construção, de forma a reduzir o custo da obra, que consequentemente baixaria as ren-
das, e libertaria o centro. Uma das grandes preocupações de Taut era evitar que a pré-fabri-
cação das peças desse à obra um carácter demasiado estático. Estes complexos, como já foi
mencionado, serviriam de exemplo e base para o desenvolvimento da teoria da arquitectura
moderna, o uso da cor serviria por vezes para evitar a monotonia do bairro.
Dois dos exemplos mais conhecidos desta nova forma de construir são a Hufeisensiedlung,
de 1925, e a Onkel Toms Hütte, de 1926. Estas serviram a Taut e Wagner como meio de expe-
rimentação, uma forma de aplicar uma nova e económica técnica de construção. O GEHAG
terá sido responsável pela edificação de milhares de habitações, sendo o maior responsável
por grande parte das edificações durante a república de Wiemar.
74 HUE, Nobert; in WITTENVERG, Stella; Cuatro Siedlugen Berlinesas en La Republica de Weimar: Britz,
Onkel Toms Hütte, Siemensstadt, Weisse Stadt; Pág. 9
75 BANDEIRINHA, José António; O processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974 - Coimbra : Im-
prensa da Universidade; 2007; Pág. 249
76 ROSSI, Aldo; L’architettura della Città; CittàStudi Edizioni; Torino; 2006; Pág. 92
77 FRAMPTON,Keneth; História Crítica da Arquitectura Moderna; Martins Fontes; 2000; Pág. 141
78 HUE, Nobert; in WITTENVERG, Stella; Cuatro Siedlugen Berlinesas en La Republica de Weimar: Britz,
Onkel Toms Hütte, Siemensstadt, Weisse Stadt; Pág. 9
54
Aquando da exposição da Deutscher Werkbund em 1927, Die Wohnung, o Apartamento, pro-
curava ilustrar os desenvolvimentos da arquitectura e construção, na habitação, 17 arquitec-
tos apresentaram as suas propostas de arquitectura acessível, sendo que a de Taut terá sido
a mais despojada, e económica. Taut acabaria então a ser, por excelência, o Arquitecto do
Proletariado.
Um ano mais tarde fundou-se o CIAM onde a temática da habitação foi vastamente estudada
e explorada a ideia de Habitação Mínima para a existência.
Será na busca de construções económicas e salubres que os arquitectos procuram perceber
quais seriam as condições de existência mínima do Homem, a célula, questão que será deba-
tida nas décadas que se seguiram, nos Congressos Internacionais da Arquitectura Moderna,
os CIAM, e mais tarde pelo Team X continuando por grande parte do século.
Apesar dos esforços, as rendas para as habitações continuam a ser demasiado elevadas para
as classes trabalhadoras, pelo que terão sido ocupadas por uma classe média baixa. Harald
Bodenschatz refere que este modelo terá sido espalhado por toda a Europa, como modelo
de habitação social suburbano por ter uma qualidade mais elevada do que a generalidade
dos projectos de habitação social do Pós-Segunda Guerra Mundial. O GEHAG marca contudo
o interesse do Estado em resolver o problema da Habitação das classes menos abastadas.79
79 BODENSCHATZ, Harald; Berlin Urban Design, A Brief History of a European City; DOM Publishers; Ber-
lin; 2013, Pág. 57
Figura 52 - Largo do Limoeiro - Pátio do Carrasco, Armando Serôdo, 1968
57
…«de um modo geral pode-se dizer que no litoral do Algarve a habitação do traba-
lhador, se não é confortavel, é todavia salubre. O uso de a pequeno trecho caiarem as
casas não pode deixar de ter uma boa influencia na hygiene da habitação. A este uso,
porém, que imprime um aspecto agradavel à casa lança uma nota alegre na paisagem,
não correspondendo ao cuidado asseio especial. A habitação nos districtos do norte é
mais caracteristica, especialmente nos de Viseu e Villa Real. Aqui ao contrário do que
sucede no Algarve, falta a cal e abunda a madeira...»81
Torna-se assim fácil de perceber que as madeiras do Norte rapidamente apodrecem, com
as águas das chuvas e a falta de tratamento, a falta de luz solar tornaria os espaços húmidos
quase inabitáveis. No Sul, pelo contrário, a escassez de aberturas permitia espaços frescos no
Verão e a alvenaria permitia espaços secos no Inverno.
No relatório de 1905 sobre as habitações operárias, António de Azevedo, higienista portu-
guês, chega a afirmar que “povoações existem que em nada deixam a desejar a muitas al-
deias da mais selvagem Africa”82, situação que se reflecte também em Lisboa e no Porto.
Quando se deu em Portugal o segundo momento de desenvolvimento industrial (o momento
de maior impacto na sociedade do país), em meados do século XIX, alguns dos países já se
encontravam num momento de reflexão sobre as condições das habitações da classe ope-
rária. (No caso do Reino Unido existiria já o Sanitary Report, que terá levado a criação do
Public Health Act em 184883. Esta preocupação terá rapidamente surgido também noutros
países como por exemplo em Franca, que evoluiu e se manifestou nas reformas higienistas
como a de Haussman em Paris). Contudo as ideias habitacionais que se importaram, a par da
industrialização tardia, terão sido desactualizadas, e frequentemente idênticas às de alguns
dos exemplos já enunciados no capítulo anterior.
Em Portugal, a habitação do operário manteve quase sempre um carácter rural, como se ve-
80 AZEVEDO, António; Habitações Operárias em Portugal: Relatório; Coimbra; Impressão da Universidade;
1905; Pág.2
81 Idem; Ibidem; Pág. 2
82 Idem; Ibidem; Pág.3
83 Public Health Act em 1848, este procurava conceder melhores condições sanitarias aos habitantes das
cidades mais populosas, através de um melhor fornecimento de agua, um melhoramentos da redes de esgos-
tos, para o qual terá sido criada uma regulamentação e um serviço que procurava impor a prática dessas novas
permissas, que consideradas essenciais para a sobrevivencia da populaçao das grands cidades.
58
rifica principalmente nos espaços comuns da Ilhas portuenses e dos Pátios lisboetas84, onde
proliferam casas térreas, unifamiliares, com um espaço comum exterior.
Em Lisboa, até meados do século XIX, a população mantinha-se mais ou menos estável, sen-
do aproximadamente de 170 mil habitantes, contudo terá sofrido um enorme crescimento
desde então até ao final do século, quando a cidade passaria a ter aproximadamente 350 mil
habitantes.85 À semelhança de outras metrópoles europeias, como Londres, París e Barcelo-
na, a falta de infra-estruturas levou inicialmente a uma sobre ocupação das zonas antigas da
cidade, que passavam a ser habitadas quase exclusivamente por classes menos abastadas.
Alfama terá sido uma das zonas mais afectada, sendo a mais habitada da cidade:
… «Quem se aventura pelo labyrinto de suas travessas, muitas d’ellas com pouco mais
e 2 metros de largura, arrisca-se a ficar perdido. Na maior parte d’essas travessas de
becos, o sol parece até que tem medo de entrar. É que os prédios, que se erguem de um
e outro lado, pretendem ir até elle - tão altos são!
Se entrâmos é bem pouco edificante o espectáculo, são dois, são três compartimentos
ao todo, e o menage é constituído por 6 e 7 pessoas! Que desalinho, que falta de ordem
e de asseio em toda a casa! Irmãos de ambos os sexos, o pai, a mãe dormem n’um só
quarto»... 86
Vendo a sobrelotação das zonas antigas da cidade, alguns senhorios tratam de construir e
alugar casas, de fraca qualidade, construídas nas traseiras de edifícios. Estas preenchem an-
tigos terrenos rurais que se situavam na proximidade de novas indústrias, estavam, por isso,
nos interiores de antigos palácios e conventos de ordens extintas, que se encontravam aban-
donados e passavam também a ser alugados quarto a quarto. A todo este tipo de intervenção
se chama Pátio, que assume as mais variadas formas, já que aproveita os espaços residuais já
existentes. 87 Encontram-se, Pátios com casas de um só piso, cercados de edifícios com vários
pisos, com pouca exposição e ventilação, ou ruínas de antigas casas senhoriais levemente
recuperadas, à semelhança das Mietskasernen de Hobretch caracterizadas por uma intensa
ocupação do solo. Têm os mais variados acessos, podendo estar dissimulados numa fachada
da rua, ou nas traseiras de um quarteirão.
Ainda que normalmente estes aproveitem edificados rurais e espaços residuais já pré-exis-
tentes, encontram-se alguns construídos de raiz, sendo geralmente confundidos com Vilas.
Estas (as Vilas) surgem apenas no final do século, já como consequência do Inquérito Indus-
trial, que terá ilustrado as péssimas condições em que viviam as classes trabalhadoras do
84 PEREIRA, Nuno Teotónio; Pátios e Vilas de Lisboa: a promoção privado do alojamento operário; in
Análise Social, vol. XXIX (127), 1994 (3º); Página 511
85 RODRIGUES, Teresa; Nascer e Morrer na Lisboa Oitocentista; Edições Cosmo; Lisboa; 1995; Pág. 48
86 SANTA-RITA; Guilherme; Habitações do Operário e Classes Menos Abastadas: Questões Sociais/Zé
Ninguém; Lisboa; Tip. Da Gazeta de Portugal; 1891; Página 78
87 PEREIRA, Nuno Teotónio; Pátios e Vilas de Lisboa: a promoção privado do alojamento operário; in
Análise Social, vol. XXIX (127), 1994 (3º); Página 511
88 PRADO, Ângelo de Sárrea; Ruiz, António J. Mimoso; Inquérito ao Pátios de Lisboa (1902); Lisboa; 1903;
Página 5
59
país, inquérito este iniciado no ano de 1881, promovido pelo governo de Fontes Pereira de
Melo. Este inquérito surge como um primeiro momento de reflexão sobre as habitações pre-
cárias em Portugal, e reflexo de uma crescente preocupação higienista em Portugal. 89
As Vilas, ao contrário do que acontece com os Pátios, são de forma geral construções de raiz,
edificadas já com o propósito de servirem a população das indústrias. As primeiras Vilas a
serem edificadas procuravam seguir um modelo adequado à vida familiar e salubre. Como
grande parte da habitação em Portugal, eram empreendimentos de iniciativas privadas. Al-
guns dos investidores procuraram então dar melhores condições à classe trabalhadora de
Lisboa. Rapidamente estes modelos adequados sofreram diminuição dos espaços, acabando
por perder os padrões originais, transformando as Vilas em parcos locais tão pouco saudáveis
como os Pátios.
As Vilas em Lisboa estão normalmente associadas às indústrias, encontram-se assim em zo-
nas fabris. A sua edificação está muitas vezes relacionada com o desejo do dono da indústria
em promover habitação para os seus operários, estando por isso associadas às novas zonas
de expansão da cidade oitocentista, onde as indústrias teriam melhores condições para se
instalar. Estas encontravam-se também por vezes em zonas beneficiadas pelas vias de trans-
portes, que se encontravam ainda em desenvolvimento, sendo por isso afectadas as mais
variadas zonas como: Alcântara, Campolide, Graça, Xabregas, entre outras…90
Tipicamente os Pátios têm uma relação com a rua semelhante à das Ilhas, os seus acessos
eram dissimulados na estrutura urbana já existente. Isto nem sempre se verifica em relação
às Vilas, estas apresentam as mais variadas formas de acesso, bem como as mais diferentes
formas de implantação, estando caracterizadas no ensaio de Nuno Teotónio Pereira.
Assim, segundo Teotónio Pereira, temos as “Vilas em Correnteza”, que seguiam em contínuo,
geralmente com 3 a 4 pisos. Este tipo de Vila formava, portanto, uma rua, poderia ter uma
variante tipo “Chalet Inglês”, que teria as 4 fachadas livres, geralmente encontrava-se em
zonas onde a segregação era tal que a frente de rua já não teria grande valor imobiliário, pelo
que se optava por construir mais habitação para as classes pobres.
Existiam também as “Vilas que formam pátios”, neste tipo existia uma exploração intensiva
do solo, formando um maior número de fogos, onde as habitações se organizavam em torno
de um pátio central, mais estreito e alongado tipo corredor (tendo neste caso uma aparência
muito idêntica à das Ilhas), outras vezes mais quadrangular e espaçoso, ocupando geralmen-
te todo o perímetro do lote. Nuno Teotónio Pereira refere esta forma como sendo a mais
generalizada da vila.
As “Vilas construídas atrás de prédios”, numa situação idêntica à dos Courts do Reino Unido,
(que se escondem nas traseiras de fachadas contínuas), mas também com uma relação di-
recta com as Ilhas (que se encontram nas traseiras das casas burguesas). À semelhança das
Ilhas, esta tipologia representa uma segregação de classes dentro do próprio lote. Na frente
de rua, o prédio destinado à pequena burguesia, ou uma classe média baixa, no interior as
habitações para operários, o acesso ao interior da Vila é feito das mais diversas maneiras,
sendo que, sem excepção, teria uma entrada sempre separada da do prédio de frente de Rua.
Um outro grupo seria o de” Vilas que formam ruas”, geralmente nas zonas próximas ao aces-
89 PEREIRA, Nuno Teotónio; Pátios e Vilas de Lisboa: a promoção privado do alojamento operário; in
Análise Social, vol. XXIX (127), 1994 (3º); Página 511
90 PEREIRA, Nuno Teotónio; Pátios e Vilas de Lisboa: a promoção privado do alojamento operário; in
Análise Social, vol. XXIX (127), 1994 (3º); Página 511
60
91 PEREIRA, Nuno Teotónio; Pátios e Vilas de Lisboa: a promoção privado do alojamento operário; in
Análise Social, vol. XXIX (127), 1994 (3º); Página 512 a 521
92 NUNES SILVA, Carlos; Mercado e políticas públicas em Portugal: a questão da habitação em Portugal;
in Análise Social vol. XXIX (127), 1994 (3º);Pág. 658
62
93 NUNES SILVA, Carlos; Mercado e políticas públicas em Portugal: a questão da habitação em Portugal;
in Análise Social vol. XXIX (127), 1994 (3º);Pág. 658
94 Idem; Ibidem; Pág. 658
95 Idem; Ibidem; Pág. 659
96 Idem; Ibidem; Pág. 660
97 DUARTE, Carlos dos Santos; in PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-
1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013; Pág. 194
64
Figura 65 - Vista Aérea da construção do Bairro de Alvalade, Augusto Abreu Nunes, 1953
Figura 66 - Plano de Urbanização da Zona Sul da Avenida Alferes Malheiro, Projecto de Guilherme Faria da Costa, 1945
65
os valores tradicionais como a família, o Estado procurava prevenir amotinamentos, como os
que teriam acontecido já um pouco por toda a Europa, e ter mais controlo sobre a população.
Neste projecto das Casas Económicas estaria prevista a edificação de perto de 10 000 fogos,
ainda que o Porto e Lisboa tenham sido os grandes protagonistas deste programa, este tam-
bém se terá estendido a algumas outras capitais distritais. Surgem, então, bairros como o
da Ajuda e Encarnação em Lisboa, edificados no seguimento deste programa e seguindo os
princípios da publicação de Raul Lino, “ A Casa Portuguesa”.98
Em 1933, esta ideia é mais uma vez resgatada pelo Estado Novo, quando o governo redefiniu
parâmetros de intervenção Estatal na criação de habitações para os seus trabalhadores. Este
destinava-se essencialmente aos sócios das instituições de Previdência, funcionários públicos
(trabalhadores do Estado - civis e militares), deixando de lado mais uma vez as classes insol-
ventes. Para dar resposta a este problema, o Estado iniciou um programa de realojamento
das famílias residentes em bairros clandestinos, o das Casas Desmontáveis, que terá focado
a Câmara de Lisboa. Este programa terá mais tarde evoluído para o Programa de Casas para
Famílias Pobres.
Ainda assim, o resultado destas acções terá ficado mais uma vez longe de resolver o pro-
blema habitacional que se vivia no país, sendo isto apenas consciencializado aquando do 1º
Congresso Nacional de Arquitectura, no ano de 1948. Neste congresso foram tecidas diversas
críticas às escolhas do Regime, contudo, salienta-se uma: “Não se confundam casas baratas
com Casas Económicas”99 sendo que só uma delas poderia ser acedida pelas classes traba-
lhadoras. As “Casas Económicas“ que se andavam a construir tinham rendas impraticáveis
para quem realmente precisava delas, e um dos factores mais importantes para isso era o
espaço urbano necessário para edificação de moradias unifamiliares com jardim, que teriam
um aproveitamento de solo mínimo. Propôs-se por isso, como solução, uma grande mudança
de estratégia, mais especificamente a construção multifamiliar em altura, que deveria ser
integrada num plano racional e urbano. Este seguiria todos os princípios que asseguram as
condições mínimas de habitabilidade, com espaços arejados e verdes100, contudo, estas pro-
postas chocavam com os ideais do Estado Novo, o qual terá oferecido às grande resistência
às implementações.
A “revolução” na forma de pensar a habitação social em Portugal terá começado em 1944
quando a CML aprovou a construção do Bairro de Alvalade, com cerca de 230 hectares, que
viria albergar 45 000 pessoas. O bairro seria composto por blocos de habitação colectiva,
onde se procurava conjugar a tradicional ideia de cidade portuguesa, com os novos princí-
pios do urbanismo moderno, que já vinham a ser desenvolvidos no resto da Europa desde o
início dos anos 30. Cria-se assim um compromisso entre o urbanismo das vias principais e os
interiores dos quarteirões que, ao contrário do que acontece na típica casa portuguesa (que
se fecha sobre si mesma), são desprivatizados, procurando criar uma ligação destes espaços
à cidade.101
A grande dimensão deste empreendimento acabou por se revelar de forma negativa para a
cidade. À medida que o número de fogos aumentava no bairro, aumentava também o nú-
mero de barracas levantadas na sua periferia para abrigar os trabalhadores que chegavam às
Figura 67 - Plano Geral do Bairro de Olivais-Sul, Casas de Renda Figura 68 - Fotografia do Bloco F, Bairro
Económica da FCP-HE, I plano do GTH, 1966 Olivais-Sul
Figura 69 - Plano Geral do Bairro de Olivais-Sul, Casas de Renda Figura 70 - Fotografia dos Olivais-Norte
Económica da FCP-HE, I plano do GTH, 1966 Nuno Teotónio Pereira
Figura 71 - 1º Plano Geral do Bairro de Ramalde, Porto, Projecto de Figura 72 - Bairro de Ramalde, de Fer-
Fernando Távora, Habitações Económicas - FCP nando Tavora
Figura 73 - Bairro de Barcelos, Perspectiva do anteprojecto, Nuno Te- Figura 74 - Bairro Barcelos, Projecto de
otónio Pereira, 1959, FCP - HE Nuno Teotónio Pereira s, FCP -, HE
67
dezenas à cidade para responder às necessidades de uma obra desta envergadura. 102
Dois anos mais tarde, em 1946, surgem as Habitações Económicas (HE) da Federação da Caixa
de Previdência. Estas estiveram em funcionamento por duas décadas e foram fundamentais
na revolução da política habitacional de Portugal. Mais tarde terão degenerado para o Fundo
de Fomento da Habitação (FFH).
Estas Habitações Económicas procuraram qualificar a habitação social do país, lideradas entre
outros por Nuno Teotónio Pereira, João Braula Reis e Alcino Soutinho, participaram na cons-
trução dos mais variados bairros como os dos Olivais, em Lisboa, ou o de Ramalde no Porto.
Por motivos práticos e económicos, as HE por vezes recorreram a projectos-tipo que seriam
rapidamente adaptados aos diferentes terrenos (geralmente cedidos pelo município) que
nem sempre teriam as condições ideais para receberem estas novas estruturas. A aplicação
destes projectos acabou por ser criticada, uma vez que a repetição exaustiva dos blocos cria-
va uma monotonia geral dos complexos edificados103, problema com que Bruno Taut se havia
já deparado e a que terá respondido, no início dos anos 20, nas concepções dos Siedlungen.
Apesar dos esforços e dos investimentos públicos, as acções da primeira metade do século,
face ao problema da habitação, seriam claramente insuficientes, visto que haviam sido edifi-
cados perto de 16 000 fogos sociais, número pouco significativo perante as necessidades do
país, que só em Lisboa e no Porto precisaria de mais de 72 000 fogos para que a erradicação
dos bairros de lata de Lisboa e das insalubres Ilhas do Porto. Importa perceber que destes 16
000 fogos, muitos haviam sido atribuídos a trabalhadores do Estado, resultando que poucos
se destinaram às populações mais pobres, que seriam as que de mais ajuda precisavam.104
Com a criação das HE constroem-se nos anos 50 mais de 11 000 habitações, 105 as suas inter-
venções visavam responder positivamente a uma política social de habitação e tinham em
conta diversos estudos cuidadosos que não se limitavam apenas aos interiores das habita-
ções. Existia uma preocupação com o todo, com a integração urbana dos blocos edificados,
que quando comparada com as iniciativas privadas (geralmente edificadas de forma pouco
cuidada e raramente com preocupações com a integração do complexo no espaço urbano da
cidade), evidenciava uma grande melhoria.
As HE procuravam conjugar o ambiente urbano e a habitação. Assim, em vez destas serem
consideradas como disciplinas distintas, são vistas como complementares, revolucionando
a forma de pensar a habitação social em Portugal. A ideia de integração dos complexos na
cidade seria fulcral para o projecto, uma vez que ajudava a promover uma melhor integração
das pessoas nessa mesma cidade, beneficiando de forma positiva aqueles que iriam habitar
os espaços construídos pelas HE.
Ainda assim, a generalidade dos órgãos do Estado, como já foi referido, demonstrou uma
grande resistência à aplicação deste novos princípios e ideias de habitação social, sendo esse
um dos grandes factores para a lenta evolução que estas tiveram no país, acabando, por
se tornar necessária a intervenção dos municípios que procuraram assumir os encargos das
urbanizações destes bairros sociais. Surge, deste modo, paralelamente ao programa das HE,
em 1956, o Plano de Salubrização das Ilhas do Porto, integrado no Plano de Melhoramentos
da Cidade. Este resultou na criação de pequenos núcleos habitacionais espalhados um pouco
No mesmo ano da criação das HE, 1946, surge também o Laboratório Nacional de Engenharia
Civil, que nasce de uma consciencialização nacional das fragilidades que se viviam na constru-
ção em Portugal. Aparece, de certa forma, como consequência directa dos acontecimentos
do plano internacional, onde no pós-guerra se procuravam maneiras eficazes e económicas
de reconstruir as cidades devastadas, maneiras que rapidamente colocassem um tecto sobre
as populações que haviam perdido as suas casas e famílias.107 Assim, e ainda que Portugal se
tenha mantido fora da Segunda Grande Guerra, sabia-se que Portugal precisava de resolver
problemas idênticos, que se vinham a agravar desde o início do século.
Surge portanto em Portugal o LNEC, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, à semelhança
do que terá acontecido no resto da Europa, onde se criam laboratórios mistos ou de Esta-
do que procuram resolver questões urbanísticas e construtivas, laboratórios como o British
Research Station, ou o Centre Scientifique et Techinque Du Bâtiment e Swedish Council for
Building.
Num período inicial, o LNEC esteve dirigido para a resolução de questões de controlo de
grandes obras públicas, surgindo apenas nos anos 60 uma fase mais interessante para o labo-
ratório a que Nuno Portas se refere como de “observação crítica”.108
No LNEC acreditava-se que o estudo exaustivo dos diferentes temas propostos pelo labora-
tório influenciaria de maneira positiva os programas, regulamentos e as políticas que seriam
adoptadas pelo Estado.
Os estudos do LNEC procuravam, então, ir mais além, procuravam sempre ir de encontro a
um grande plano em que cada parte funcionasse com o todo em perfeita harmonia, sendo a
interdisciplinaridade essencial para que se conseguisse obter resultados positivos.
Na questão da habitação, inicialmente, existe uma preocupação especial com a organização
interna do fogo, mas logo surgem questões quanto à durabilidade dos mínimos habitáveis e
dos modelos familiares da vida urbana, que estavam em constante mudança. Rapidamente
se começa a estudar para além do fogo, procura-se perceber a durabilidade funcional deste,
os custos de produção, organização dos edifícios colectivos, densidade de ocupação de terre-
no ideal, nascendo assim um conceito de “Habitação Evolutiva”.109
Neste processo de racionalização da habitação o LNEC expande a sua pesquisa para as for-
mas urbanísticas, procurando respostas no passado português, como foi o caso do estudo
Figura 77 - Esquema de relações dos factores que condicionam o uso da casa e que a devem definir,
LNEC, 1977
Figura 78 - Esquemas com diferentes tipos de Ocupações possíveis, em lotes estreitos, médio e quadrados, LNEC,
1971
Figura 80 - Capa do Relato Final Figura 81 - Capa do Relatório de Figura 82 - Plano Intercalar de
do Colóquio sobre Politica de Execução do III plano de Fomento, Fomento 1965-1967
Habitação, 1969 1968
Figura 83 - Quinta da Fonsecas, Quinta da Calçada, projecto de Raul Hestnes Ferreira, Alçado, 1975
Figura 84 - Quinta da Fonsecas, Quinta da Figura 85 - Quinta da Fonsecas, Quinta da Calçada, Fotografia
Calçada, Estudo da Implantação, 1975 de José Pedro Cortes, 2014
Figura 86 - Esquema topográfico, Quinta do Bacalhau, 1979 Figura 88 - Quinta do Bacalhau, Alçados
73
O FFH seria responsável pela aquisição de terrenos e sua urbanização, construção das casas,
fiscalização da sua construção e seu arrendamento. Cabia-lhe também a função de coordenar
a distribuição de subsídios e dar assistência às câmaras municipais, sempre que necessário.
À semelhança do que teria acontecido ao longo dos anos nos planos de maior envergadura,
como no caso de Alvalade e dos Olivais em Lisboa e dos Bairros Camarários do Porto, as obras
realizadas pelo FFH procuravam a criação do espaço urbano como forma de integração social,
articulando duas disciplinas que até então seriam geralmente independentes uma da outra:
a política de gestão dos solos e a edificação de casas. Desejava-se desta forma que os seus
empreendimentos gerassem uma urbanização que oferecesse algo mais aos residentes, mais
do que casas, procuravam criar toda uma estrutura de equipamentos e serviços de forma a
garantir que toda a população encontrasse, a uma curta distância da sua residência, serviços
essenciais à sua vida.
A breve existência do FFH no plano das políticas habitacionais do país (aproximadamente 13
anos) não impediu a instituição de marcar profundamente o país. O FFH terá ficado respon-
sável por todas as funções relacionadas com a habitação do Ministério das Obras Públicas
e, também, encarregue do património do Fundo das Casas Económicas que acabou por ser
extinto.
Integrado no âmbito do FFH é importante não esquecer a Operação SAAL, iniciada no Verão
de 1974, com um despacho de Nuno Portas, na altura Secretário de Estado da Habitação do
governo provisório. A operação que surge no pós-25 de Abril, quando o país está em pleno
processo de modernização económica e acima de tudo social, onde a habitação assume gran-
de papel nas mudanças que ocorrem entre esses dois sectores, mas onde, acima de tudo, se
criam mudanças na forma de ver, pensar e construir a cidade.
O SAAL teria então como principal função acabar com a habitação precária, mostrava tam-
bém grande vontade de revolucionar o sistema urbano, explorando o direito do povo à cida-
de, independentemente da sua classe social, procurando com isto evitar o desenraizamento
da população, tentando nas suas intervenções, sempre que possível, manter a população na
sua zona de vida quotidiana.
A Operação SAAL dividia-se em brigadas técnicas, coordenadas por arquitectos responsáveis
pelas obras, que fariam o levantamento e estudo exaustivo do terreno, das necessidades de
quem ia habitar os espaços e da sua vontade. Em conjunto com as associações de moradores,
as brigadas e o arquitecto iam elaborando o projecto.
A operação terá procurado “em termos económicos, um investimento parcial de recursos
monetários das populações abrangidas nos custos da nova construção habitacional”117, sendo
que o Estado assegurava o investimento financeiro das diversas operações, principalmente
da parte urbana. Em contrapartida, os moradores participariam com parte dos encargos das
habitações.
Foi um momento importante, que fez ressaltar o papel social e político do arquitecto. A ope-
Figura 89 - Planta da 2ª Fase da Cooperativa dos, Arquitectos, Projecto de Manuel Correia Fernandes
Figura 90 - Sache, 2ºFase, Projecto de Manuel Correia Figura 91 - Fotografia Sache, 1ª fase em Ramalde,
Fernandes Projecto de Manuel Correia Fernandes
Figura 94 - Bairro Da Malagueira, Projecto de Habitação Evolutiva, Plantas e Alçados, Projecto de Álvaro Siza,
1978
75
ração terá tido o seu fim nem dois anos (1974-1976) depois de ter iniciado a sua acção.
Aquando da interrupção do seu processo estariam em construção 2 259 fogos, e previa-se
que a construção de 5 741 se iniciasse até ao fim do primeiro trimestre de 1977. 118
Foi um período fundamental para relembrar o problema das Ilhas e, acima de tudo, para
repensar o papel que estas têm na cidade. Pela primeira vez elas não são encaradas como
mancha negra da cidade. Foi um momento em que existiu uma vontade de assumir a sua exis-
tência, de as expor ao meio urbano como parte da cidade, e não como pontos ou elementos
isolados dentro da cidade.
O FFH terá sido extinto em 1982, sendo no seu seguimento criado em 1984 o Instituto de
Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE).
O IGAPHE ficou responsável pelo património habitacional do FFH com a função de o conser-
var, o gerir e, como o próprio nome diz, de o alienar. Deveria também servir de apoio técnico
às autarquias e promotoras de habitação social. O apoio técnico às autarquias seria funda-
mental, já que se caminhava para uma descentralização das políticas de habitação, ficando
estas cada vez mais a cargo dos municípios e menos do Estado.
No ano de 2002, o IGAPHE funde-se com o INH, Instituto Nacional de Habitação, como forma
de economia de meios, uma vez que o IGAPHE havia vendido grande parte do seu patrimó-
nio, deixaria de fazer sentido a existência dos dois organismos. O Estado terá apoiado, e in-
centivado até, a venda desse património, promovendo a compra de casa própria, facilitando
o crédito. Aquando dessa reorganização, o INH passa a chamar-se Instituto da Habitação e
Reabilitação Urbana (IHRU) que se encontra ainda hoje em funcionamento.
O IGAPHE, com participação das câmaras, procedeu à venda das habitações, para tal, gera-
ram-se condições de crédito, promovendo a compra de casa própria, política que passou a ser
encorajada pelo Estado desde a alteração do regime da propriedade horizontal.119 Esta altera-
ção, formada em Outubro de 1955, veio transformar a economia Portuguesa, já que permite
que unidades independentes de um mesmo edifício, ou condomínio, possam pertencer a
diferentes proprietários, possibilitando que a classe média deixasse de viver em regime de
arrendamento, para passar a ser proprietária. Desde então, foram surgindo apoios e incenti-
vos do Estado para a compra de casa própria.
Hoje o património do actual IHRU estará reduzido a cerca de 1/3 do seu património original
(39 197 para 12 559), cerca de 10 213 fogos foram vendidos aos ocupantes e os restantes
16 435 atribuídos às autarquias.120
Importa também falar do cooperativismo português, já que no final do século XX representa
uma nova forma de encarar a habitação com um carácter social.
Apesar das primeiras cooperativas em Portugal terem surgido logo no início do século, terão
até ao último quartel do século XX representado uma pequena parte da habitação edificada.
Segundo António Baptista Coelho estas terão tido o seu período de ouro entre 1974 e 1984,
por ter sido o decénio em que grande parte das cooperativas foram formadas.
À semelhança do SAAL, as cooperativas, surgem num período de agitação politica e económi-
118 BANDEIRINHA, José António; O processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974 - Coimbra : Im-
prensa da Universidade; 2007; Pág. 14
119 MENDES; Maria Clara; in BARROS, Carlos Pestana (coor.); A Habitação e a reintegração social em Portu-
gal; Lisboa: Editora Vulgata; 1997
120 CET-ISCTE/IRIC-UPORTO/A. MATEUS ASSOCIADOS; Contributos para o Plano Estratégico de habitação
2008/2013 – Documento Políticas de Habitação; 2007; Pág. 51
76
Figura 95 - Cooperativa Tripeira, Projecto de Noé Diniz Figura 96 - Cooperativa Santo Ildefonso, Projecto de
de 1984, Matosinhos Alfredo Resende em 1982, Porto
Figura 97 - Cooperativa Tripeira, Projecto de Noé Diniz Figura 98 - Cooperativa o Lar Familiar, Projecto de
em 1984, Matosinhos Mário Bonito de 1955, Porto
77
ca, pós revolução de Abril quando o país, a população, a forma de pensar habitação e urba-
nismo mudam. A difusão deste tipo de promoção foi apenas possível pela existência de uma
política habitacional mais liberal do que aquela que se tinha vindo a desenvolver até então,
tendo sido as cooperativas fortemente apoiadas pelo Secretário de Estado da Habitação dos
3 primeiros governos provisórios, Nuno Portas.121
Nestes anos de ouro, foram constituídas aproximadamente 400 cooperativas, sendo que,
quase 10 anos depois, metade delas ainda se encontrava activa. As cooperativas foram pro-
motoras, num primeiro momento, até 1980, de perto de 18 000 fogos, geralmente em regime
de propriedade colectiva, em que as cooperativas seriam responsáveis pelos mesmos até os
cooperadores liquidarem a divida, momento em que a propriedade lhes seria transmitida.122
Com o fim do FFH, em 1982, e a redução dos apoios estatais, dá-se um período de quebra
da construção de cooperativas. Num segundo momento, no final da década, as cooperativas
promovem a realização de 55 000 fogos, sendo que, grande parte destes são apenas conse-
guidos com pedido individualizado de empréstimos à banca.123
Procurou-se, assim, com o auxílio de várias entidades, lançar as iniciativas cooperativistas
(que eram movimentos autónomos) por todo o país, de forma a fazer chegar as cooperativas
a todos os locais onde existisse um défice habitacional.
Uma das características mais interessantes que as cooperativas exploram é a criação de com-
plexos habitacionais que não abrangiam apenas um grupo social,124 acreditando-se que inte-
grar implicava misturar; uma realidade bem diferente daquela que até aqui se tinha vivido
no país, onde os bairros sociais abrigavam apenas classes insolventes que acabam por entrar
numa espiral de exclusão e “guetização” desses espaços.125
Havia uma certa proximidade com a vontade do futuro habitante que se reflectia nos fogos, e
numa uma grande afinidade das habitações com a dinâmica familiar dos seus ocupantes. De
um modo geral, as cooperativas costumavam ainda revelar qualidade arquitectónica.
São criadas as Cooperativas de Habitação Económica, constituídas em grande parte entre
1976 e 1978, que contam com o apoio técnico financeiro do FFH.126 Estas terão rapidamente
sido agregadas à Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).
Algumas destas cooperativas seriam antigas associações de moradores surgidas no processo
SAAL e que, com o encerramento deste, se transformaram em cooperativas, continuando,
ainda assim, a receber apoios do FFH até à sua dissolução em 1982.
O movimento cooperativista teve numa fase inicial uma grande notabilidade em Lisboa, con-
tudo terá sido na área do grande Porto que este proliferou, sendo Matosinhos um “polo
incontornável do cooperativismo habitacional em Portugal.”127
O INH, criado em 1986, terá surgido como um meio para que o Estado pudesse intervir finan-
ceiramente no sector habitacional, particularmente na construção e apoio à habitação social.
Com a criação do IGAPHE e INH estabeleceu-se um regime de coordenação que procurava
que o poder estatal e o municipal cooperassem, algo que se vinha a preparar desde 1978
121 COELHO, António Baptista; in PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-
1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013; Pág. 134
122 Idem; Ibidem; Pág. 138
123 Idem; Ibidem; Pág.138
124 Idem; Ibidem; Pág.
125 PORTAS, Nuno; Ibidem; Pág. 107
126 COELHO, António Baptista; Ibidem ; Pág.137
127 COELHO, António Baptista; Ibidem; Pág. 137
78
com o 1º Governo constitucional em que se criaram condições para os serviços habitacionais
se transferirem para os municípios. A autarquia passaria então a tratar da administração,
gestão, conservação, bem como da distribuição dos fogos edificados com os fundos públicos.
Desde de que se deu esta descentralização dos serviços habitacionais para os municípios,
as políticas de habitação do país sofreram uma quebra de promoção enorme. Ainda assim,
alguns municípios tiveram mais atenção às carências habitacionais da sua população que
outros.
Em 1993 surge o PER, Programa Especial de Realojamento, o seu objectivo seria erradicar
as barracas habitadas por perto de 50 000 famílias de Lisboa e Porto, bem como resolver a
sobrelotação dos edifícios, que se estimava ser um problema de aproximadamente 300 000
fogos. O PER procurava ainda controlar o crescimento da construção clandestina que teria
representado 40% da construção nova do país nas duas décadas anteriores.128 Este era cons-
tituído por uma equipe multidisciplinar que se procurava articular com uma gestão local dos
bairros, o programa seria financiado parcialmente pelo IGAPHE e pelo INH.129
Este programa foi responsável pela construção de 31 000 fogos num intervalo de aproxi-
madamente 12 anos (1993-2005), contudo a quantidade não terá sempre acompanhado a
qualidade.130
Como a generalidade dos programas apoiados pelo Estado para a habitação social, estes no-
vos fogos são ocupados por um grupo social homogéneo, problema que o LNEC estudava na
década de 80, já que encarava a mistura de classes como fulcral para integração da população
na sociedade e teria encontrado nas cooperativas uma resposta positiva.
A homogeneidade social não era contudo o único aspecto negativo do PER, sendo outro o
facto de não existir qualquer cuidado de manter as massas na sua zona de conforto. Pode-se
assim concluir que o PER teria uma política habitacional mais próxima da dos Bairros Sociais,
do que da criada no SAAL, onde se havia procurado uma resposta muito mais positiva para a
população. 131
Mais tarde o PER ficou também responsável pelo financiamento da construção e pelo realo-
jamento da população que habita as barracas, concede também apoios para a reabilitação de
imóveis devolutos, se estes se destinarem a alojar famílias recenseadas no programa.
Em 1993 surge também o programa de Construções de Habitações Económicas. Este focou-se
principalmente no Porto e Lisboa, e terá aproveitado terrenos disponíveis do IGAPHE, tendo
muitas das habitações construídas no programa alojado famílias integradas no PER. 132
Visando substituir o PER, a longo prazo surge o PROHABITA, programa de financiamento para
acesso à habitação, criado no ano de 2004, não sendo na sua essência um programa de rea-
bilitação, encara a mesma como estratégia a adoptar em vez da construção de novos fogos. 133
Este terá sofrido em 2007 alterações, que criam uma maior articulação entre o Estado e as
famílias carenciadas que iriam beneficiar das habitações. Criam-se directrizes a seguir, princi-
Em 2007 cria-se o Plano Estratégico de Habitação. Para a preparação deste, foram desenvol-
vidos diversos estudos e relatórios, em que se procura perceber as principais dificuldades e
necessidades do país para uma política de habitação eficaz. Nestes estudos conclui-se que
é preciso um controlo apertado da qualidade construtiva, desburocratização dos processos
ligados à construção de habitação, uma maior cooperação entre privados, municípios e Esta-
do, dar o crédito devido à reabilitação urbana, principalmente nas áreas centrais das grandes
cidades onde se verifica um enorme processo de desertificação habitacional e envelhecimen-
to, quer dos edifícios quer da população.139
Neste plano, o Estado deveria reforçar o seu papel no planeamento, regulação e fiscaliza-
ção de forma a acentuar a sua função de subsidiário e regulador, aliando-se a autarquias,
cooperativas e privados que passariam a ser os “fornecedores” directos da habitação para a
população mais carenciada, promovendo a colaboração público-privado. Privilegia-se o regi-
me de arrendamento de habitação pública e privada; a manutenção do esforço de produção
de habitações a custos controlados, por empresas e cooperativas e a utilização de estruturas
económicas e políticas de cidade de forma a gerar maiores reforços na habitação. 140 Sendo a
missão deste plano “garantir a todos os cidadãos o acesso a uma habitação condigna”… bem
como “promover a qualidade de vida urbana, e simultaneamente melhorar a capacidade das
cidades fixarem populações económica, social e culturalmente diversificadas. “141
No recente relatório Habitação em Portugal: evolução e tendências, realizado numa parceria
INE e LNEC, estima-se, com base nos dados dos censos 2011, que, quanto à carência habita-
cional quantitativa, calcula-se a falta de aproximadamente 132 656 fogos142 a nível nacional,
sendo que a existência de alojamentos vagos disponíveis é na generalidade superior ao nú-
mero de alojamentos vagos, verificando-se que a “carência habitacional quantitativa pode
ser considerada residual em Portugal”143, conclui-se que a taxa de sobrelotação, apesar de ter
diminuído, ainda ronda os 450 000 fogos, com carência de infra-estruturas básicas encontra-
ram-se cerca de 76 500 fogos e perto de um 1 milhão de edifícios necessitam de intervenção
(sendo que mais de 600 000 apenas necessitam de pequenas reparações). Os edifícios que
se encontram em pior estado de conservação são na generalidade anteriores a 1960.144 Ainda
138 Portal da Habitação in http://www.portaldahabitacao.pt/pt/portal/reabilitacao/sociedadesreabilita-
caourbana/menusru.html
139 CET-ISCTE/IRIC-UPORTO/A. MATEUS ASSOCIADOS; Contributos para o Plano Estratégico de habitação
2008/2013 – Documento Políticas de Habitação; 2007; Pág. 57
140 Idem; Ibidem; Pág.34
141 Idem; Ibidem; Pág 35
142 LNEC/INE; O Parque Habitacional e a sua Reabilitação – Análise e Evolução 2001-2011; Lisboa; 2013;
Pág.100
143 CET-ISCTE/IRIC-UPORTO/A. MATEUS ASSOCIADOS; Contributos para o Plano Estratégico de habitação
2008/2013 – Documento Políticas de Habitação; 2007; Pág 61
144 LNEC/INE; O Parque Habitacional e a sua Reabilitação – Análise e Evolução 2001-2011; Lisboa; 2013;
81
que de um modo geral o panorama nacional, face à habitação tenha melhorado, está ainda
assim abaixo das médias europeias.
Hoje nas políticas habitacionais procuram-se respostas para o problema, não só na nova
construção, mas também na reabilitação de edifícios recentes e históricos. É importante, por
isso, encontrar maneira de optimizar estas reabilitações a todos os níveis.
Pode-se assim concluir que as políticas de habitação em Portugal continuam com o mesmo
objectivo, “habitação para todos”. Há no entanto uma nova realidade social e económica, a
de um país que tem um excesso de parque habitacional não utilizado e procura sair de uma
crise económica, que já há algum tempo se adivinhava, que faz com que a concretização des-
se objectivo seja radicalmente diferente da que se tem observado até agora.
Pág. 151
“Casa onde entra o Sol não entra o médico”
Ditado Popular
Figura 99 - Entrada de uma Ilha, Rua de S. Victor, 2015
85
3.HABITAÇÃO e
HERANÇA INDUSTRIAL NO PORTO
Portugal, até muito, tarde teve a sua economia assente na actividade mercantil, embora gran-
de parte da população vivesse em zonas rurais e da agricultura. Terá sido numa época de tran-
sição em que população rural procurou nova vida na cidade, tendo esta sofrido uma enorme
enchente populacional para a qual não estava preparada. Foi neste panorama que surgiram
no Porto as Ilhas. Apareceram como forma de habitação operária, e acabaram por represen-
tar todas as classes trabalhadoras. Para se perceber o aparecimento desta nova tipologia, é
importante entender a situação em que Portugal se encontrava, já que são geralmente os
diferentes contextos que levam às diversas respostas por parte da sociedade. Este período
de afluência às cidades é caracterizado, entre outros aspectos, pela industrialização do país.
“Em 1814, de acordo com um inquérito realizado pela Real Junta de Comércio, existiam
no Porto 45 fábricas, mais concretamente quinze curtumes, doze manufacturas de te-
cidos de algodão, sete de seda, três fábricas de chapéus, duas de lanifícios, duas de
estamparias, duas fábricas de louça e duas fábricas de arame. Comparativamente, em
todo o país e no mesmo ano existiam 511 empresas industriais. Em 1822, segundo um
relatório ministral, existiam em Portugal 1031 unidades industriais, que empregavam
14.934 trabalhadores.” (…) “A duplicação do número de fábricas neste período de oito
anos documenta o esforço de desenvolvimento industrial verificado entre 1812 e 1826”
145
145 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T; 1996; Pág. 87
146 Manuel C. Teixeira, Professor Catedrático na Universidade Técnica de Lisboa, apresento a sua tese de
Doutoramento na Architectural Association School of Architecture Graduate School, sobre o As Ilhas do Porto,
para a qual realizou um exaustivo e preciso trabalho de investigação.
147 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T; 1996; Pág. 87-88
86
A primeira máquina a vapor só apareceu em Portugal por volta de 1835, iniciando-se então
um segundo momento de industrialização. Só depois deste data é que, lentamente, Portugal
conseguiu modernizar os seus métodos de produção. O primeiro troço da linha férrea é ape-
nas inaugurado em 1856, ligando Lisboa ao Carregado. Só a partir deste momento é que len-
tamente se vão tornando mais simples as trocas comerciais internas e com a vizinha Espanha.
Em 1863 era finalizada a linha de Leste que iria até à fronteira, o caminho de ferro chegou
ao norte do país já muito mais tarde, sendo inaugurada em 1875 a linha do Minho e Douro
seguida da linha da Póvoa. Todas estas novas ligações ao Porto foram de extrema importância
para o desenvolvimento desta cidade. Entre 1830 e 1850, o Porto era essencialmente uma
cidade mercantil, onde a indústria pouco se tinha desenvolvido. Pode-se assim perceber a
importância dos caminhos-de-ferro para a mudança social, económica e urbana que a cidade
vai sofrer no final do século XIX.148
A conclusão da Linha Norte-Sul com a construção da ponte Maria Pia, que unia o Porto à mar-
gem sul, foi também um factor de enorme importância para o desenvolvimento da cidade
do Porto, quer urbanística, quer socialmente. É fulcral notar aqui a mudança estrutural da
cidade: a ribeira perde parte do seu monopólio como interposto comercial para a zona de
Campanhã, criando-se um novo ponto de expansão da cidade portuense. O terminal da li-
nha dos caminhos-de-ferro de Campanhã confirmou esta área da cidade (Campanhã-Bonfim)
como uma importante zona industrial. Rapidamente esta área, que era até então composta
por baldios e terrenos agrícolas, foi invadida por indústrias, beneficiadas por fácil e rápido
acesso a toda a matéria que passa agora a ser recebida nesta zona da cidade.149
Apesar de a cidade ter iniciado o seu processo de expansão no século XVIII, com plano dos
Almada (João de Almada e Melo, Governador das Armas do Porto, e o seu sucessor Francisco
de Almada e Mendonça), que nasceu devido ao crescimento do comércio de Vinho do Por-
to.150 Aliado a um aumento demográfico pós terramoto de Lisboa. Contudo, com a crise que
se viveu na primeira metade do século XIX esse crescimento estagnou. O plano de expansão
caracterizado pela abertura da Rua dos Almada, seguida de 3 outras grandes ruas (a Rua de
Santa Catarina, a Rua de Cedofeita e a de Sto. Ildefonso) que irradiavam do velho núcleo da
cidade. Estes 4 novos eixos, juntamente com outros secundários que os uniam, faziam parte
da nova estrutura urbana da cidade e ocupavam uma área 3 vezes maior que a da cidade
antiga. Apenas os eixos principais foram sendo ocupados pela burguesia que procurava fugir
à sobrelotação existente no interior das muralhas, acabando por não se construir muito nas
ruas secundárias e deixando uma grande parte de terrenos por urbanizar em toda esta área.
151
Apesar de a indústria fazer já parte da economia portuguesa, a sua existência não é ainda
significativa. Assim, grande parte da produção em Portugal continuará a ser artesanal, execu-
tada em pequenas oficinas, por vezes integradas na habitação do próprio artesão.
O lento e tardio desenvolvimento da indústria em Portugal deu-se então mais intensamente
na segunda metade do século XIX, com Fontes Pereira de Melo, que procurou apoiar o de-
senvolvimento de novos meios de transporte, não só com a construção de vias férreas, mas
também com a abertura de estradas. Entre 1852 e 1884, os quilómetros de estradas passa-
148 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T; 1996; Pág. 5
149 Idem; Ibidem; Pág. 22 a 23
150 RAMOS, Luís A. De Oliveira (coord.); História do Porto - Porto; Porto Editora; 2000; Pág. 378
151 Idem; Ibidem; Pág. 378 a 379
87
ram de 218 para 9 155. Também se criaram novas formas de comunicação que acabaram por
unir o país de norte a sul, parecendo encurtar as distâncias, e fortalecer o país, propiciando
e fomentando a sua economia. A todo este período que se desenrolou a partir dos anos de
1850 chama-se o Período de Regeneração.152
As regiões em que este surto de desenvolvimento tecnológico mais se revelou foram Lisboa,
Setúbal e Barreiro, na zona Sul-Centro do país, e Porto e Guimarães, na zona Norte. O sector
que mais se desenvolveu foi: o sector têxtil de algodão e lanifícios (substituindo as indústrias
domiciliárias do linho), seguido do sector vidreiro e também da indústria do tabaco, cerâmi-
ca, moagem e conservas.153 No Porto, o sector industrial mais importante era o de fiação e te-
celagem, onde algumas das grandes fábricas terão chegado a ter perto 400 trabalhadores.154
Apesar de todas estas mudanças, não se pode afirmar que a actividade económica tenha
sido conduzida pela indústria. Esta tinha um desenvolvimento reduzido que não permitia
assegurar uma melhoria significativa da taxa de crescimento da economia, nem modificar a
estrutura económica do país.
Um último momento importante da industrialização foi o final do século XIX, prolongando-
-se até aos primeiros anos do século XX, momento esse que foi acompanhado por várias
transformações sociais, políticas e, mais importantes ainda, estruturais no sector industrial.
Deu-se um enorme crescimento das indústrias de base, que acabaram por conseguir ganhar
terreno, em detrimento da manufactura artesanal e familiar.
Contudo, este crescimento em Portugal conseguiu não ter surtos industriais muito pronun-
ciados, embora se tenha verificado um grande crescimento demográfico nas cidades em que
as industrias se desenvolviam.
No início de 1800, ainda grande parte da população portuense se encontrava dentro do pe-
queno núcleo central dentro das muralhas da cidade, ainda que seja já visível na planta de
Geoge Black algum transbordo. O centro encontrava-se já por esta altura lotado, e a situação
terá piorado com o agravamento na crise da agricultura começando a surgir grandes mi-
grações de população rural para as cidades e sobrelotando completamente o centro antigo
Porto. As pessoas vinham para a cidade em busca de oportunidades, salários estáveis e vidas
menos duras do que as que viviam nas zonas rurais.155
Estatisticamente, em apenas meio século, a população do portuense aumentou para mais
do dobro, tendo em conta que em 1838 o Porto teria à volta de 59.370 habitantes, em 1864
este número estaria já nos 86.761, e rapidamente passou para os 138.860 habitantes no ano
de 1890. Os cerca de 27.000 habitantes que chegaram entre 1838 e 1864 seriam de origem
humilde e rural e vieram para o Porto incentivados pelas indústrias crescentes.156
Tendo isto em conta é fácil perceber que a cidade não estivesse minimamente estruturada
para um crescimento demográfico tão elevado.
Apesar da estrutura de expansão criada pelos Almada no século anterior, a falta de recursos
152 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T; 1996; Pág. 85
153 PEREIRA, Nuno Teotónio; Pátios e Vilas de Lisboa: a promoção privado do alojamento operário; in
Análise Social, vol. XXIX (127), 1994 (3º); Pág. 509
154 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T; 1996; Pág. 90
155 RAMOS, Luís A. De Oliveira (coord.); História do Porto - Porto; Porto Editora; 2000 Pág. 382 a 383
156 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T; 1996; Pág. 19
Figura 100 - Vista Aérea do Porto, antes das demolições na Sé Figura 101 - Sobreocupação da
Cidade
Figura 102 - Desenvolvimento Urbanos no Final do Século XVII e inícios do XVIII, sobre a Planta Redonda de
George Black, 1833
89
desta população levou a que as pessoas arranjassem soluções de acordo com as suas posses,
geralmente acabando por se acumular em edifícios de 4 e 5 andares da cidade antiga, che-
gando a viver 7 ou 8 famílias, num pequeno espaço. Lá se cozinhava, lá se dormia, lá se vivia,
criando assim, verdadeiras “colmeias humanas” como Gaspar Martins Pereira157 refere.158
Surgem como alternativa as “casas de Malta”, onde por entre 40 a 120 reis se arrendava uma
cama em camarata e pouco mais. Esta era, geralmente, opção de trabalhadores que vinham
sozinhos para a cidade, deixando as suas famílias que iriam frequentemente visitar nos dias
de descanso.
Com todo este panorama, a burguesia que já havia começado a fugir para as zonas mais livres
e novas da cidade, muda-se em massa para as suas novas, espaçosas e belas casas burguesas,
onde podem viver de acordo com o seu nível social e onde evitavam o contacto com a reali-
dade precária das novas gentes da cidade, consideradas de baixo nível.
Até aqui, pode dizer-se que o Porto, se assemelhava a tantas outras cidades europeias, como
Barcelona onde a habitação operária era geralmente sinónimo de habitação colectiva, e os
operários invadiam os edifícios já construídos. A grande diferença é a maneira como a cidade
continua a desenvolver-se face à sobrelotação destes espaços. Nesta cidade, esta tipologia
foi de certa forma a escolhida para os novos edifícios. Em Barcelona a tipologia era usada
tanto para operários como para burgueses, mudavam apenas as dimensões dos espaços e a
qualidade da construção. Isto não quer dizer que estas habitações colectivas não fossem, por
vezes, construções mais deficientes que ocupavam, também por vezes, espaços de quintas
e pátios interiores de terrenos, mas nunca se desenvolveram a ponto de se tornarem uma
tipologia, não passando de uma excepção à regra.
Já no Porto, essa realidade foi bem diferente. Perante a lotação absoluta dos espaços para re-
ceber a população que vinha para trabalhar nas indústrias em crescimento na cidade, criou-
-se uma nova forma de habitação, exclusivamente para o operário e a população de baixo
rendimento.
Esta nova maneira de habitar (as Ilhas) não tinha nenhuma relação formal com o tipo ante-
rior, iniciou-se com a ocupação de terrenos e construções rurais que se encontravam na peri-
feria da urbe. Ocupava normalmente, o interior dos quarteirões, respeitava os estreitos lotes
com de 25 a 30 palmos que serviam de frente de rua prolongando-se por vezes até aos 100
metros de comprimento. Eram frequentemente compostos por vários corredores e múltiplos
alinhamentos de casinhas, muitas vezes agrupadas costas com costas, quando o empreendi-
mento ocupava a traseira de várias casas burguesas ou então, surgiam em baldios que eram
comprados com o propósito de criar este tipo de habitações.
A verdade é que o plano desenhado pelos Almadas tinha como estratégia a rua e, não o inte-
rior do quarteirão, pelo que surgem ruas rectilíneas, formando vastos quarteirões irregulares.
Dada a quantidade de terrenos que havia ainda por edificar para lá das ruas mais ou menos
preenchidas por casas burguesas, e verificada a grande eficiência deste modo de construir,
este tipo de habitação começou a multiplicar-se de modo a dar tecto à população operária,
157 Gaspar Martins Pereira é professor catedrático do departamento de História e de Estudos Políticos da
FLUP. Esteve na direcção do CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço & Memória». Foi
desenvolvendo até hoje vários projectos de investigação sobre história contemporânea portuguesa, mais especi-
ficamente sobre a história da cidade do Porto no século XIX, e das suas famílias.
158 PEREIRA, Gaspar Martins; Percurso das Familias Trabalhadoras do Porto em Finais do Século XIX; Porto;
2010; Pág. 4 a 5
90
159 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T; 1996; Pág. 54 a 56
160 Idem; Ibidem; Pág. 2
161 Idem; Ibidem; Pág. 149
162 Idem; Ibidem; Pág. 169 a 172
163 PEREIRA, Gaspar Martins; As Ilhas no percurso das famílias trabalhadoras do Porto em finais do século
XIX; Porto; 2010; Pág. 4
164 Idem; Ibidem; Pág. 3
92
Figura 105 - Fotografia do Bairro do Vilar Figura 106 - Bairro Alexandre Herculano, 2015
Figura 107 - Aproximação ao Bairro do Vilar, Telles Figura 108 - Aproximação ao Bairro Alexandre Hercula-
Ferreira,1895 no, Telles Ferreira, 1895
Figura 109 - Localização das Principais Ilhas do Porto, Telles Ferreira, 1895
93
urbana portuense, caracterizada por casas burguesas com frentes de 5 a 6 metros com tra-
seiras, que seriam os interiores de quarteirões imensos e sem qualquer função útil, mesmo a
condição económica de quem as edificava foi decisiva para a sua configuração final.
Como já foi mencionado, em Portugal, o crescimento industrial foi lento mas contínuo. Esta
característica verificou-se consequentemente no Porto, reflectiu-se numa classe industrial
que foi também crescendo progressivamente, ao contrário de outras cidades europeias que
foram caracterizadas, logo à partida, por uma forte e sólida classe industrial. Em Portugal,
como a indústria se encontrava associada a outras formas de produção pré-industriais, não
existiu nenhum período de ruptura súbita com o período anterior. Apesar disso, a expansão
da cidade não acompanhou o crescimento demográfico.
A população que vinha para trabalhar, naturalmente, tinha rendimentos muito baixos, com
recursos limitados que não lhe permitiam escolher as condições em que iria viver.
Esta realidade operária não chegou a tornar-se perfeitamente diferenciada na cidade do Por-
to, acabando por ser absorvida pela classe laboriosa já existente, não havendo, por isso,
zonas residenciais específicas. Estas foram edificadas onde havia procura, quer por parte do
proletariado, quer por lavadeiras, polícias, empregados do comércio, podendo-se, verificar a
difusão das Ilhas por toda a cidade e não apenas necessariamente em zonas industriais.
As Ilhas estão, portanto, espalhadas por toda a cidade, mas especialmente em torno de de-
senvolvimentos urbanos do século XVIII. Elas acabam por representar bem os recursos eco-
nómicos não só de quem as habita, mas também dos seus proprietários.
“As operações de pequena escala da maior parte dos seus construtores e os seus recur-
sos limitados constituíram as principais razões para a forma das Ilhas.” 165
As construções acabaram por ser executadas pela baixa classe média, que rapidamente viu
que este tipo de investimento comportava pouco risco, podendo verificar-se, assim sendo,
que esta tinha recursos de capitais limitados.
Não terá sido por pura ganância dos seus promotores, que não se preocupavam com as
condições de vida de quem nestes espaços habitava, que estes espaços se multiplicaram.
A verdade é que existiram algumas tentativas de empreendimentos idênticos que seguiam
os mesmos princípios base, mas procuravam dar mais dignidade aos seus habitantes. Estas
acabaram por se mostrar falhadas e foram a ruína dos seus investidores. São disso exemplo o
Bairro do Vilar, assim como o Bairro Alexandre Herculano.
De um modo geral, eram construídas gradualmente e cresceram no interior dos quarteirões
da habitação comum da classe média. Era uma solução bastante racional, já que promovia
uma utilização intensiva do solo e o uso de fracos materiais, minimizando os custos de cons-
trução. Por tudo isto foi replicada, mesmo quando os limites dos lotes não se impunham.
Edificadas em antigas zonas burguesas ou em locais ainda por urbanizar, as Ilhas eram sempre
implantadas em zonas sem interesse por parte da burguesia. Em certos casos até, o cresci-
mento de indústrias nas proximidades criava o desinteresse e consequentemente a desvalo-
rização da zona, transformando-se em local propício à construção deste tipo de habitação.
As áreas onde estas se implantaram eram as mais variadas, zonas como S. Victor, Paraíso, Pra-
ça da Alegria, Monte Belo, Rua Bela da Princesa, Largo da Fontinha, Rua do Breyner eram al-
gumas das zonas mais preenchidas com Ilhas na cidade. Noutras zonas mais periféricas, como
165 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T.. 1996.
94
Figura 110 - Ilha de Fernão Magalhães Figura 111 - Uma Ilha do Porto
Figura 112 - Interior de Ilha já demolida Figura 113 - Uma Ilha já demolida
95
Massarelos, Lordelo e Ramalde podemos também encontrar Ilhas, mas em menor densidade,
encontram-se estas últimas, geralmente, associadas directamente a indústrias.166
A área de S. Victor é talvez umas das áreas mais curiosas. No início do século XIX, tudo indica-
va que a Quinta da Fraga, actual zona de S. Victor, se viesse a tornar numa zona burguesa, já
que se encontrava no meio das duas zonas mais frequentadas pelas classes mais abastadas.
O Passeio das Fontainhas e o Jardim de S. Lazaro seriam “os jardins mais na moda e era aí que
a burguesia e a aristocracia da época davam seus passeios vespertinos e dominicais.”167 Terá
acabado, contudo, por se tornar no local por excelência das Ilhas da cidade. Segundo Manuel
Teixeira, o primeiro registo de Ilhas na área de S. Victor datará de 1844, sendo por isso, muito
provavelmente, um dos primeiros sítios em que esta tipologia acabou por se desenvolver.
A relação investimento/preço de rendas estava intimamente ligada. Um grande investimento
seria sinónimo de casa com mais qualidade, mas seria também sinónimo de rendas mais ele-
vadas que os operários não teriam condições de pagar.
No início do 1900 havia registo de cerca 10.100 fogos construídos em Ilhas, das quais 50%
foram edificadas no curto período de 12 anos, entre 1879 e 1890.168
Segundo Manuel Teixeira, foram apresentadas à Junta das Obras Públicas cerca de 2.709
casas para aprovação no período que se encontra entre 1864 e 1878, que não eram suficien-
tes para alojar as cerca de 19.000 pessoas que migraram para o Porto no mesmo intervalo
de tempo. Uma vez que o Porto não tinha a tradição de habitação colectiva, se essas 2.709
casas dessem tecto a 10.000 habitantes, sobrariam 9.000 que terão sido muito provavelmen-
te recebidas nas Ilhas, já que este tipo de construção não requeria aprovação municipal nem
licença de construção. Esta probabilidade é confirmada pelos dados dos Censos da População
onde se declara um aumento total de 3.526 fogos. Havendo uma diferença de cerca de 800
fogos entre os dois valores, tudo indica que esses fogos seriam a novas habitações construí-
das nas Ilhas.169
Nos períodos seguintes, o mesmo acontece. Assim de 1878 a 1890, cerca de 14.000 pessoas
habitariam as 4.700 casas com licença camarária, restando dos 33.000 novos habitantes cer-
ca de 19.000 para ocupar as 3.200 Ilhas que terão sido registadas posteriormente. Durante a
última década do século XIX, o número de edifícios novos era de 2.577. Considerando que a
taxa de crescimento demográfico tenha sido idêntica à do período entre 64 e 78 desse século,
existiriam cerca de 10.000 pessoas com novas habitações e cerca de 2.000 tectos terão sido
edificados para os restantes 9.000.170
Assim, se tomarmos estes números como certos, verificamos que de 71.821 recém-chega-
dos, cerca de 45% terá sido recebido em Ilhas e, por ventura, nalgumas quantas casas lotadas
nas edificações antigas da cidade.
Estas habitações com poucas condições acabaram por se tornar as casas de uma população
166 PEREIRA, Gaspar Martins; As Ilhas no percurso das famílias trabalhadoras do Porto em finais do século
XIX; Porto; 2010; Pág. 3
167 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação Popular Na Cidade Oitocentista, As Ilhas Do Porto; Fundação Calouste
Gulbenkian Junta de Investigação Cientifica e Tecnológica; Lisboa; 1988; Pág. 236
168 MATOS, Fátima Loureiro de Matos; A Habitação no Grande Porto - Uma perspectiva geográfica da evo-
lução do mercado e da qualidade habitacional desde finais do séc. XIX até ao final do milénio; Doutoramento,
Faculdade de Letras da Universidade do Porto; 2001; Cap. 4.2.1; Pág. 15 (consulta online)
169 TEIXEIRA, Manuel C; Habitação popular na cidade oitocentista : as Ilhas do Porto; Lisboa : F.C.G..
J.N.I.C.T; 1996; Pág. 177 a 179
170 Idem; Ibidem; Pág. 162
96
Figura 118 - Acesso para Ilha, Rua de S. Victor, 2015 Figura 119 - Ilha com dois pisos, Rua de S. Victor
97
crescente. Cerca de 32.000 novos habitantes da cidade, que chegaram entre 1864 e 1900,
encontraram nestes espaços alojamento, nova vida. Esta época é, portanto, o período con-
siderado de expansão das Ilhas, ainda que esta tipologia se tenha continuado a desenvolver
durante as primeiras décadas do século XX, embora com um crescimento mais moderado.171
Estes pequenos e escuros espaços eram geralmente fracamente ventilados, já que na maioria
das vezes teriam apenas uma porta, uma janela, e uma ou duas telhas deslocadas que re-
mediavam a falta da chaminé na pequena zona que serviria de preparação das refeições. No
exterior da casa, frequentemente ao fundo da Ilha, seriam encontradas as latrinas comuns
que serviriam as 10, 15 ou 20 famílias que lá habitavam. Por vezes tinham um poço, que aca-
bava por, muito frequentemente, estar contaminado pela proximidade das fossas e latrinas
da área.172 O próprio corredor que formava e organizava o espaço era por vezes invadido pelos
tanques, bancos e cadeiras de quem lá habitava. Era quase uma extensão da própria casa.
Aqui as pessoas também viviam, vizinhas comentavam vidas alheias e crianças corriam e
brincavam com outras ou com o que quer que apanhassem. Assim, nas Ilhas vivia-se de uma
maneira muito especial, acabando por transformar as vivências dos habitantes, a vizinhança
vivia como se de uma única e grande família se tratasse. Apesar dos corredores estarem ao ar
livre a maior parte deles eram tão estreitos que acabavam por se tornar também num espaço
escuro e tacanho.
É fácil perceber-se que apesar da proximidade das pessoas nestes espaços, e de geralmente
gostarem de viver nas Ilhas, as condições em que elas viviam não eram as mais saudáveis,
antes pelo contrário: estes espaços eram foco de epidemias, infecção e incêndios. Eram con-
sequências das condições precárias das habitações, mas também por uma grande falta de
preocupação com a higiene urbana, saneamentos, canalização de águas… De certa forma
pode dizer-se que o culminar desta situação aconteceu no final do século XIX, com o surto de
peste bubónica. 173
Seguindo as tendências europeias, começam aos poucos a desenvolver-se e a tomar medi-
das legislativas, um maior controlo das construções e das condições de habitabilidade face à
higiene urbana, como a criação de redes de esgotos, recolha de lixo, ... Em Inglaterra as preo-
cupações higienistas surgem em 1836, em França surgem um pouco mais tarde e são apre-
sentadas geralmente nos planos desenvolvidos por Haussman para Paris, entre 1853-1869.
Em Portugal só em inícios do século XX é que os problemas habitacionais e urbanísticos co-
meçaram a ser estudados. Contudo, medidas foram tomadas apenas mais tarde. A primeira
lei sobre este assunto, segundo Fátima Loureiro de Matos, terá surgido em Portugal por volta
de 1864 e visava limitar a altura dos edifícios. Mas não terá tido muita influência nas Ilhas, já
que estas teriam normalmente um só piso. Nos anos 80 do século XIX terão existido várias
propostas de lei que foram sendo rejeitadas. Propunham a implementação de condições mí-
nimas de higiene nas construções operárias.
Só em 1899 é que as entidades públicas se vêm obrigadas a tomar medidas extremas, aquan-
do do aparecimento da peste bubónica. Apesar desta se ter manifestado um pouco por toda
a Europa, terá sido o Porto a primeira cidade europeia a registar os casos da peste iniciada na
região de Yunnan, China. Também no Porto ela deixou mais marcas. Com cerca de 320 casos
e 132 mortes, esta terá sido a cidade europeia mais afectada pela peste. 175
Várias medidas de precaução foram tomadas, sendo que a mais dramática, na cidade do
Porto, terá sido o fecho da cidade, durante vários meses ficando sob um cerco militar o que
lhe trouxe graves consequências. Com os cuidados sanitários e o medo de contágio, o Porto
teve sérios problemas de abastecimento. O cordão sanitário que havia sido implementado
para proteger a restante população nacional, acabou por agravar a situação dos portuenses
que ficaram presos dentro do cerco sem qualquer tipo de comunicação com o resto do país.
Só durante este surto, e com o choque da imposição do cordão sanitário, é que entidade
oficiais e classes mais elevadas se consciencializaram do problema das Ilhas, perceberam que
este lhes dizia também respeito e eram bem mais graves do que apenas o facto de serem “an-
tros de pessoas miseráveis” que não seguiriam os bons costumes. As Ilhas emergiram assim,
pela primeira vez, à face da cidade e foram expostas à luz dos seusmalefícios. Burgueses e
outras classes não puderam continuar a ignorar a sua existência, como haviam feito durante
as décadas anteriores.
Algumas precauções foram tomadas durante os anos que se seguiram, como o maior con-
trolo dos edifícios construídos, e regras exigindo a construção de fossas sanitárias nos novos
edifícios. Mais tarde, passa a ser instituído um sistema de vistorias e, ainda, a possibilidade
de expropriação de alojamentos insalubres. Iniciam-se inquéritos nas localidades mais popu-
losas do país, que visavam perceber o nível de salubridade.
“O R.G.S. (Regulamento Geral de Saúde) impõe como dever dos subdelegados de saú-
de, o vistoriar com a autoridade policial as habitações que pelas suas condições de
insalubridade exijam beneficiações, obras, ou demolição, e o proceder a visitas domici-
liárias, no caso de invasão ou ameaças de epidemia, ou motivo grave de saúde pública
(nº19 do art. 74)” 177
No Porto, a partir de 1905, surge um novo código que exige a aprovação da Delegação Distri-
174 PEREIRA, Gaspar Martins; As Ilhas no percurso das famílias trabalhadoras do Porto em finais do século
XIX; Porto; 2010; Pág. 5
175 O terceiro surto pandémico da peste apareceu mais de 200 anos depois do segundo surto de peste
negra, e é o primeiro que afecta efectivamente todo o planeta. Tomando assim escalas desmedidas.
176 Cit. Comércio do Porto a 29 de Agosto 1899; in Pontes, David, O Cerco da Peste no Porto, FLUP, Porto
2012 Pág. 72
177 GARRET, Almeida; Manual do Médico Sanitário; 1911; in SEIXAS, Paulo Castro; Higienistas: Textos
que Fizeram Cidade; in Literatura e Medicina. I Encontro de Estudos sobre Ciências e Culturas, ed. Isabel Patim
(Org.); Porto: Ed. Universidade Fernando Pessoa.
100
Figura 122 - Projecto do Bairro do Comércio do Porto, Monte Pedral, de Marques da Silva, 1899
101
tal do Conselho de Melhoramentos Sanitários para a construção e reconstrução de edifícios.
Nessa altura, os construtores passaram a ser obrigados a apresentar o projecto completo de
qualquer construção nova, independentemente da sua relação com a rua, passando então a
incluir as Ilhas. Assim, estas ou passavam a cumprir com as novas regras ou seriam construí-
das ilegalmente.
Apesar destas novas regras demonstrarem uma vontade, por parte do município, de melho-
rar as condições de habitabilidade na cidade, não propõem alternativas de alojamento para
as classes trabalhadoras, pelo que o número de Ilhas continua a aumentar no início do século
XX, ainda que agora ilegalmente.
“Os bairros não foram feitos para abrigar operários indigentes; foram construídos para
recolher mais hábeis, mais assíduos e mais morigerados operários, antes como prémio
aos seus méritos do que como auxílio às suas condições de existência” 178
Apesar das boas intenções, para além do nome de “Bairro Operário”, de operário pouco mais
tinham os bairros. É verdade que as rendas seriam bem mais baratas que as de casas idênti-
cas em situações e locais semelhantes. As suas rendas mensais que rondavam cerca de 1$500
reis que continuavam a ser, à vontade, 1$000 reis a mais do que os tecelões conseguiriam
pagar com os seus humildes salários. Acabaram, assim, a ser ocupadas por empregados pú-
blicos ou particulares de classes bem mais remuneradas.179
Figura 123 - Bairro do Bonfim, 2015 Figura 124 - Bairro do Bonfim - Monte das Antas, 2015
lução do mercado e da qualidade habitacional desde finais do séc. XIX até ao final do milénio; Doutoramento,
Faculdade de Letras da Universidade do Porto; 2001; Capítulo. 4.2; Pág. 25 (consulta online)
180 Visconde Guedes Teixeira (1843-1890), advogado, empresário agrícola e político, de 1883 a 1885 foi o
governador civil do Porto, escreve em 1885 uma – “Circular dirigida aos Bancos do Porto sobre a construção de
casas para operários na mesma cidade, procurava assim que os bancos mobilizassem fundos para a edificação de
habitações operaria.
181 Guilherme Augusto de Santa Rita, deputado do parlamento e proponente de legislação habitacional,
escritor de Habitação Operária e classes Menos Abastadas, 1891
182 MATOS; Fátima Loureiro de Matos; OS Bairros Sociais No Espaço Urbano; in Análise Social, vol. xxix
(127), 1994 (3º); Pág. 683
183 Idem; Ibidem; Pág. 684
104
Figura 128 - Projecto do Núcleo de Saldanha, Porto Figura 129 - Vista do Pátio do Bloco Saldanha, 2015
Figura 130 - Vista do Interior do Pátio do Bloco Figura 131 - Vista do Interior do Pátio do Bloco
Saldanha, 2015 Saldanha, 2015
Figura 132 - Bloco de Duque de Saldanha, Antes da Construção do Bloco que fecha o mesmo para a Rua, 1939
107
cas e pouco urbanizadas da cidade.
Desta forma, o município viu-se forçado a criar uma nova estratégia para tentar acabar com
as insalubres Ilhas da cidade. Em 1938 a municipalidade já teria iniciado a edificação do Bloco
de Saldanha. A estratégia seria construir os novos blocos de habitação o mais perto possível
das habitações a destruir, neste caso especifico as de S. Vítor, uma das zonas da cidade que
mais Ilhas possuía. Este bloco em forma de U teria cerca de 115 habitações, dividas por vários
andares, e seria composto ainda por um pátio interior.186 Este tipo de habitação colectiva era
como acima referido, contra os ideais do regime salazarista, visto como perigoso para a or-
dem social, pelo que, por não respeitar as normas exigidas pelo Estado, o município passou
a ser mais controlado.
A Câmara do Porto viu-se forçada a respeitar as normas impostas, sob pena de não ver finan-
ciadas as suas obras. O segundo bairro camarário edificado na cidade terá sido então o Bairro
de Rebordões, em 42, constituído por 145 casas geminadas, com dois pisos e edificado nos
limites da cidade. 187
A edificação do Bloco de Duque de Saldanha foi, contudo, um marco importante na história
da cidade, pois este terá sido aquele em que a Câmara assumiu o problema das Ilhas como
responsabilidade sua, e mostra também uma vontade de resolver directamente os seus pro-
blemas habitacionais.
Paralelamente, as iniciativas de habitação social do Estado foram poucas, mas existiram algu-
mas privadas, como a da empresa Azevedo, Sousa & Cia, que constrói cerca de 42 casas perto
da sua fábrica na Areosa, ou os dois edifícios colectivos patrocinados pelos CTT, em Ramalde.
Alguns dos bairros construídos desde então teriam por vezes edifícios plurifamiliares, segui-
riam, no entanto, os decretos do Ministério das Obras Públicas e ocupavam por isso, geral-
mente, terrenos mais periféricos. O ritmo a que estes eram edificados não estava mais uma
vez, perto de ser suficiente para as necessidades da cidade. Foi apenas nos anos 50, que por
consequência do surto demográfico, o Governo viu a necessidade de planos de expansão
urbana nacional. Aqui teriam que estar incluídos planos de melhoramento das cidades mais
populosas do país, em que o Porto estaria incluído e, nesse plano, é clara a importância da cri-
se habitacional que se vivia na cidade do Porto. As Ilhas seriam melhoradas, se possível, caso
contrário, eliminadas, e habitações dignas seriam providenciadas para receber os extractos
mais baixos da sociedade portuense.
O ideal, segundo o plano, seria a demolição das 12 000 casas insalubres que se encontravam
registadas, mas tal plano não era viável, pelo que se procuraram alternativas credíveis. Havia
que ter em conta que o objectivo primário desta acção seria dar condições dignas a 50 000
pessoas que habitavam estes espaços.188
A sobrelotação dos espaços era uma das causas de falta de condições mínimas. Assim, um
primeiro plano de salubrização das Ilhas passaria por procurar reduzir o número de pessoas
que viviam em cada Ilha e posteriormente reabilitar o espaço, criando saneamento privado,
canalização de água e instalação de electricidade, criando melhores condições.
Por cada duas casas alinhadas, uma terceira seria demolida, libertando assim uma empena
que levaria à casa mais sol e, também, a possibilidade de melhor ventilação. Isto verificou-se
186 MATOS; Fátima Loureiro de Matos; OS Bairros Sociais No Espaço Urbano; in Análise Social, vol. xxix
(127), 1994 (3º); Pág. 691
187 Idem; Ibidem; Pág. 691
188 PORTO, Câmara Municipal; Plano de salubrização das Ilhas; CMP Porto; Pág. 7
108
Figura 133 - Plano do Bairro Fonte da Moura Figura 134 - Bairro Fonte da Moura
Figura 136 - Localização dos Bairros Camarários e demolições do Plano de Melhoramentos, 1956
109
pouco eficaz. A falta de apoio ao realojamento das pessoas provou que, apesar de melhorar
a situação da Ilha que estava a ser reabilitada piorou o panorama geral, já que estas pessoas
iriam realojar-se noutras Ilhas, geralmente próximas das que teriam sido obrigadas a aban-
donar. Se esse problema de realojamento tivesse sido resolvido, e se fossem seguidas as
consideradas condições mínimas de habitabilidade, teriam de ser edificadas cerca de 4000
casas para que o plano fosse um sucesso. Entre o inquérito e o aparecimento do Plano de
Melhoramentos, de 1956 os critérios seriam já outros, pelo que, para respeitar os mínimos
regulamentares cada duas casas de Ilha contiguas teriam que ser unidas numa casa única,
sendo portanto necessária a construção de 6000 novas habitações.189
O Plano de Melhoramento da Cidade de 1956 teria, então, prevista a construção de cerca de
6000 novos fogos, e introduz uma nova forma de estruturação urbana, o empreendimento,
que pela primeira vez se descola das formas urbanas tradicionais no Porto, as ruas e as Ilhas.
A grande diferença seria que estes não teriam uma relação directa com a rua. 190
Este Plano de Melhoramento da Cidade, terá sido criado como um projecto a 10 anos, e não
visava resolver o problema de insalubridade das Ilhas por inteiro, mas antes alterar radical-
mente a situação que se vivia. Neste plano estava prevista a construção de novas casas em
«bairros colectivos» na zona pericentral entre Lordelo e Campanhã, sendo o primeiro bairro
social de habitação plurifamiliar edificado no Viso. A construção em altura controlada é ne-
cessária, por ser uma solução mais económica. Essa, bem como a construção dos diferentes
blocos poder ser independente do alinhamento da rua, tirando assim um melhor partido
técnico e económico, dos terrenos disponíveis. Foram duas medidas necessárias, para tornar
viável todo o plano. Este teria dois lados muito positivos: por um lado, libertaria os terre-
nos centrais valorizados pelo potencial uso que poderiam ter, quer para fins comerciais quer
para serviços, por outro lado serviria como impulsionador de expansão da cidade por ocupar
maioritariamente zonas periféricas, para as quais seriam criadas novas redes de transportes
e serviços. 191 Não deixa contudo de ser um plano capitalista que procura, como foi menciona-
do, libertar terrenos que têm hoje mais valor desocupados do que com Ilhas.
As rendas das novas habitações seriam entre 90$ e 150$, e o investimento total seria de 270
000$. O Município iria aferir um empréstimo de 190 000$ a pagar em 30 anos, com juros de
2%, no máximo. Pela primeira vez, o Município procura ser merecedor do seu título de cida-
de, procurando melhorar as condições de saúde físicas e mentais da população, esperando
uma melhoria de aspectos de cariz moral.193
Apesar desta iniciativa ter como base uma boa intenção, a de melhorar a vida e as condições
de higiene da população que habitava as Ilhas, a maneira como foi levada a cabo não terá
sido a mais democrática.
189 PORTO, Câmara Municipal; Plano de salubrização das Ilhas; CMP Porto; Pág. 5 a 9
190 PORTO, Câmara Municipal; Plano de Melhoramentos 1956-66; PORTO;1966; Pág. 8
191 Idem; Ibidem
192 PORTO, Câmara Municipal; Plano de salubrização das Ilhas; CMP Porto; Pág. 16
193 MATOS; Fátima Loureiro de; A Habitação no Grande Porto - Uma perspectiva geográfica da evolução
do mercado e da qualidade habitacional desde finais do séc. XIX até ao final do milénio; Doutoramento, Faculda-
de de Letras da Universidade do Porto; 2001; Cap. 4.6; Pág. 12
110
Figura 137 - Capa do Plano de Melhoramentos Figura 138 - Bairro Fonte da Moura
“ E, utilizando a consabida frase da minha avó: onde quatro passam fome, cabem cin-
co... E sempre havia uma malga de caldo para uma vizinha em maré de azar ou um
pedinte a quem era reconhecido o “estatuto” de pobre de pedir ...” 195
As pessoas, que tinham sido obrigadas a mudar para estes novos bairros, deveriam seguir um
conjunto de regras, um código camarário, que se não fosse cumprido era sinónimo de expul-
são. Quem fosse expulso, voltaria para a sua antiga Ilha, caso esta ainda existisse, se não, iria
ocupar uma outra qualquer, ou vaguear pelas ruas. Torna-se fácil perceber que alguns não
aceitariam estas mudanças de bom grado.
O Plano de Melhoramentos que acabou por ser desenvolvido em duas fases, uma primeira
donde resultam 6072 fogos e uma segunda que terá edificado 2179 novas habitações. O re-
sultado terá sido positivo, já que 20% da população fora realojada em casas com melhores
condições, em zonas periféricas. Durante os 17 anos de plano, foram edificados 8251 fogos,
tornando a cidade do Porto o maior senhorio da cidade e do país, segundo Fátima Loureiro.196
É na sequência deste Plano de Melhoramentos da Cidade que surge a necessidade do muni-
cípio de reestruturar o Gabinete de Urbanização da cidade. Isto porque, com a edificação dos
15 complexos residenciais previstos, 197 compostos geralmente por diversos blocos de habita-
ção colectiva, perdia-se a ideia de bairros-jardins que o estado havia apoiado até então, e que
estavam também na base do Plano Regulador da cidade de Almeida Garrett, realizado poucos
194 Azevedo, António de; Habitações Operárias em Portugal: Relatório; Impressão da Universidade; Coim-
bra; 1905; Pág. 3
195 COUTO, Júlio; in AVV; Ilhas; PANMIXIA, Associação Cultural; Porto; 2004; Pág. 10
196 MATOS, Fátima Loureiro de ; A habitação no grande Porto : uma perspectiva geográfica da evolução do
mercado e da qualidade habitacional desde finais do séc. XIX até ao final do milénio; Prova de Doutoramento;
Faculdade de Letras da Universidade do Porto; 2001
197 GRANDE, Nuno; em Jacques Gréber: Urbanista e Arquitecto de Jardins; Porto; Fundação de Serralves;
2011; Pág. 195
112
«o SAAL foi terreno para uma reflexão sobre a cidade e o estabelecimento de novas
metodologias de intervenção, que tendo como principio os mecanismos da democracia
directa, garantissem o direito à cidade e ao lugar, como travões à sua estratificação
classista e à especulação imobiliária, bem como o compromisso com todo o património
edificado e com os seus valores históricos e culturais associados.»203
O SAAL seria o corpo técnico especializado do F.F.H. e teria como principal função iniciar um
204 BANDEIRINHA, José António; O processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974 - Coimbra : Im-
prensa da Universidade; 2007; Pág. 130 a 132
205 TURNER, Jonh F., e FICHER, Robert ; Freedom to Build; The Macmillan Company, New Yor; 1972; Pág.
VII
206 Idem; Ibidem; Pág. 172
207 Portas, Nuno; O Processo SAAL: Entre o Estado e o Poder Local; in: Revista Critica de Ciências Sociais
nº18/19/20 Fevereiro de 1986; Pág. 637
208 Neste seu artigo Nuno Portas deixa claro que o movimento não teria tido qualquer impacto se o pro-
cesso tivesse esperado pelos meios legais, geralmente seguidos. Note-se que pelas via geralmente seguidas uma
operação iniciada pelo F.F.H demorava uma média de 7 anos desde de que era tomada a posição política até ser
possível habitar as casas edificadas. E todo o movimento SAAL foi desenvolvido em apenas 2 anos.
209 Portas, Nuno; O Processo SAAL: Entre o Estado e o Poder Local; in: Revista Critica de Ciências Sociais
115
Nenhuma acção do SAAL seria iniciada, sem pedido formal prévio, por um grupo de mora-
dores que viria mais tarde a integrar uma Associação que faria parte activa de toda a acção,
desde a fase inicial de elaboração de um plano, até à fase final de construção. Estava muito
presente a ideia de pertença e de luta pelo direito à cidade, os moradores teriam o direito
a escolher permanecer nas zonas onde viviam, em vez de serem obrigados a deslocarem-se
para a periferia. No Serviço Ambulatório de Apoio Local, o povo era encarado pela primeira
vez como igual, como alguém com uma voz e direito a ser ouvido.
«Muito para além do recurso a modelos, e sem contudo abdicar deles, os arquitectos
das brigadas percorreram caminhos que permanentemente se bifurcavam, entre o ri-
gor pragmático da discussão do programa, com a participação do “povo” e a dimensão
empírica do objecto arquitectónico.»210
A ideia deste serviço de estado foi revolucionária, não só em Portugal, mas também no resto
da Europa, onde estes empreendimentos sociais eram feitos com base num plano inteira-
mente decidido pelo próprio estado, sendo a vontade dos futuros moradores, bem como
os seus recursos, inteiramente ignorados. Não se refere apenas a recursos monetários, mas
também a outro tipo de activos, como a mão-de-obra.211
Conclui-se que, para tal acontecer, não se poderia recorrer a um projecto-tipo que seria mul-
tiplicado de norte a sul do país, cada caso isolado teria de ser visto e estudado como único.
Isto implicaria, assim, a multiplicação dos técnicos que estariam envolvidos no processo.
No caso do Porto, por exemplo, muito desse apoio veio da forte ligação estabelecida com o
SAAL e a ESBAP, hoje divida na FAUP e FBAUP, (Faculdade de Belas Artes da Universidade do
Porto). Os diversos cursos encetaram uma enorme cooperação interdisciplinar, começando
logo, pela divulgação do programa com elaboração de cartazes que davam a cara ao movi-
mento, e às acções, numa altura em que a palavra de ordem era “CASAS SIM, BARRACAS
NÃO”.
Ainda sobre esta ligação SAAL-NORTE /ESBAP, Francisco Barata afirma :“todo este processo
de experimentação pedagógica foi fundamental para recuperação de uma postura respon-
sável, crítica e autónoma, face à aprendizagem. A contestação do modelo de ensino salaza-
rista-marcelista a que estivemos condicionados da primária à universidade, corresponde à
tomada de consciência de que não há aprendizagem sem liberdade de se criticar tanto aquilo
que se pretende ensinar, como as próprias opções metodológicas. Foi neste processo que se
reconquistou o respeito e atração pela ideia de Escola.”212 Sendo importante notar que este
momento acaba por se traduzir, muitas vezes, num primeiro contacto dos estudantes com a
prática de arquitectura.
Figura 142 - Porto, Maio de 1975 Figura 143 - Manifestação do SAAL, 1 de Maio de Porto
214 BANDEIRINHA, José António; O processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974 - Coimbra : Im-
prensa da Universidade; 2007; Pág. 151
215 PORTAS, Nuno; O Processo SAAL, Entre o Estado e o Poder Local; in Revista Crítica de Ciências Sociais,
nº18/19/20 Fevereiro 1986; Coimbra; Pág. 641
118
Figura 147 - Bairro do Leal Antes da Intervenção em 1974 Figura 148 - Bairro do Leal, por André
Cepeda, 2014
Figura 149 - Bairro do Leal, 2015 Figura 150 - Bairro do Leal, 2015
119
racter residencial em zonas onde, no plano director, se instalavam serviços, aproveitando por
vezes espaços que haviam já sido demolidos para a realização de parques de estacionamento,
como aconteceu no bairro de S. Victor, bem como no bairro do Leal. Pode-se, assim, perceber
que as discussões seriam constantes.
O SAAL actuou por todo o país. A sua intervenção, ainda que curta no tempo, foi notável.
Desde 6 de Agosto de 1974, até 20 de Outubro de 1976, data da extinção do processo, “foram
recebidos no SAAL- NORTE 115 pedidos de intervenção em zonas de habitação degradada,
tendo sido satisfeitos 69, para o que foram construídas 48 brigadas técnicas. Nestas opera-
ções estava incluída uma população de 61.926 pessoas, correspondendo a 13.365 famílias.”216
No Norte do País mais de 50% dos pedidos foram atendidos, o que é, só por si, extraordinário.
Note-se que o estado, em 17 anos (1956-1974), terá construído 8251 fogos, o que significa
que um número idêntico de famílias terá visto a sua condição de vida melhorada de forma
mais ou menos forçada. Em apenas 2 anos, o movimento conseguiu que 13.365 famílias se
movimentassem para que suas condições de habitabilidade fossem melhoradas. 217
Apesar dos números avassaladores de pedidos e adesão ao movimento por parte das As-
sociações de Moradores, dos processos que tinham começado a desenvolver-se na data de
extinção do SAAL no Porto, apenas se tinha iniciado a construção de 374 fogos que corres-
ponderiam a 33 operações, em muitas das quais, apenas uma primeira fase terá sido cons-
truída.218 Encontravam-se, contudo, já concluídos os projectos de cerca de 1.179 fogos, que
esperavam apenas a entrega dos terrenos às Associações de Moradores. Os restantes pro-
cessos a que haviam sido dadas respostas encontravam-se em diferentes fases de desenvol-
vimento: 1.231 estariam, por exemplo, com o anteprojecto concluído, mais de 5.000 teriam
apenas realizados os estudos de implantação e urbanização, enquanto outros 1.100 teriam já
concluído todo o estudo prévio. Caso o processo não tivesse sido extinto, previa-se o início da
construção de mais de 1.700 fogos até ao final do primeiro trimestre de 1977. No entanto é
de notar que, apesar da interrupção do processo, alguns dos projectos terão sido concluídos,
ou até mesmo iniciados depois do fim do movimento.219
No Porto, o SAAL terá intervindo um pouco por toda a cidade: Lapa, Antas, Massarelos, Mi-
ragaia, Prelada, Sé e S. Victor são algumas das áreas donde surgiram pedidos por parte das
associações dos moradores. Assim, neste movimento de moradores do Porto estiveram en-
volvidos os mais variados tipos de habitação precária que abundavam na cidade, sendo im-
portante mencionar as Ilhas, as “casas-colmeia”220, (que se encontravam na zona mais antiga
da cidade como a Sé), os Bairros Camarários e as casas ocupadas. Cada conjunto de associa-
ções lutava pelo seu direito: o direito a não terem de cumprir o código camarário que ainda
estava em vigor, o direito a melhores condições, o direito à habitação, o direito à cidade.221
216 SERVIÇO AMBULATÓRIO DE APOIO LOCAL - Intervenção participada na Cidade: experiência SAAL:
Exposição . Porto ESBAP, 1977; Pag.10 http://www1.ci.uc.pt/cd25a/media/Pdf/SAALnorteDivIntJul77.pdf
217 Serviço de Apoio Ambulatório Local; Livro branco do SAAL / Serviço de Apoio Ambulatório Lo-
cal : 1974-1976; Conselho Nacional do SAAL; 1976; Pág.I
218 Idem; Ibidem; Pág. XXI
219 BANDEIRINHA, José António; O processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974 - Coimbra : Im-
prensa da Universidade; 2007; Pág. 214
220 PEREIRA, Gaspar Martins; Percurso das Familias Trabalhadoras do Porto em Finais do Século XIX; Por-
to; 2010; Pág. 4
221 BANDEIRINHA, José António; O processo SAAL e a arquitectura no 25 de Abril de 1974 - Coimbra : Im-
prensa da Universidade; 2007; Pág. 135
120
Figura 151 - Projecto de Intervenção do SAAL Miragaia, Figura 152 - Projecto de Intervenção do SAAL para
Fernando Távora, Não Construido Miragaia de Fernando Távora
Figura 153 - Fotografia da Maquete da Intervenção SAAL Miragaia Figura 154 - Projecto de Interven-
ção do SAAL para Miragaia
Figura 155 - Estudo para Projecto de Figura 156 - Estudo para Projecto de Recuperação das Ilhas, Alvaro
Recuperação das Ilhas, ALvaro Siza Siza
Figura 157 - Bairro das Antas, Cons- Figura 158 - Rigorosos para o Figura 159 - Implantação do Bairro
trução Bairro das Antas, Pedro Ramalho das Antas, Projecto de Pedro Ramalho
121
«Portas, intervenant sur la base d’une gauche élargie, fait appel aux meilleurs
architectes portugais et étrangers pour soutenir son action. Il se fixa pour objectif de
lutter contre la spéculation foncière en s’appuyant sur la nationalisation des Banques
et des Compagnies d’assurances qui possédaient d’importantes réserves foncières»222
Assim, o movimento vai adoptando diferentes estratégias, dependendo da zona onde inter-
vem. Na área da Sé e Miragaia, as intervenções foram encaradas como um programa de
regeneração urbana, onde se procurou conservar ruínas de interesse arqueológico, recupe-
rar velhos edifícios, e ainda criar mais serviços: balneários, lavadouros, salas polivalentes…
Noutras zonas, a estratégia seria diferente, adaptando-se ao seu local e à necessidade da sua
população, como se irá perceber.
Nas acções do SAAL-NORTE, o tema das Ilhas será constantemente revisitado, e estas ser-
viriam de inspiração para as intervenções, sendo como já foi mencionado, assumidas como
parte integrante da cidade. Interessa por isso analisar alguns casos, em que a memória destes
espaços escondidos da cidade se faça sentir intensamente.
Casos, como o do arquitecto Pedro Ramalho no projecto das Antas que procura respeitar a
estrutura das Ilhas que existiam na área, no que diz respeito aos cheios e vazios. Também no
bairro do Leal, Sérgio Fernandez, procura manter o espírito comunitário e as relações próxi-
mas de vizinhança que se viviam nesses espaços.
Opta-se, no entanto, por desenvolver duas operações que demonstraram a versatilidade de
todo o processo, com duas maneiras diferentes de apropriação do espaço envolvente, de
reviver as Ilhas e de as abrir à cidade, duas brigadas com o mesmo arquitecto responsável,
Álvaro Siza; uma na zona oriental da cidade, projecto que se encontra numa das áreas mais
ocupada por Ilhas, S. Victor; outra numa zona central de malha urbana mais moderna, o
Bairro da Bouça.
S. Victor segue o princípio de habitação unifamiliar, em banda, respeitando de certa forma
a tradição da habitação das classes trabalhadoras, existindo ainda uma intenção de salvar e
preservar a cidade e a sua malha.
Em Junho de 1975, inicia-se a obra com a abertura da estrada de acesso ao futuro bairro que
procura integrar as estruturas habitacionais pré-existentes.
Haveria no projecto 4 tipos de intervenção a fazer nesta acção do SAAL: nos terrenos livres
que se encontravam no interior do quarteirão, em alguns lotes também livres na periferia,
aproveitamento de fundações e paredes dos edifícios existentes, (antigas Ilhas que haviam
sido demolidas em metade do seu limite) e, finalmente, reabilitação e ocupação dos edifícios
vazios e abandonados que se encontravam.
Siza procura preservar a escala, a organização dos fogos, criar acessos idênticos. Todo este
processo revela também, não só por parte de Siza, mas também de outros arquitectos, uma
grande crítica ao urbanismo que vinha sendo feito ao longo do tempo. Uma critica aos gran-
des planos gerais pouco personalizados, que por não serem maleáveis, não têm a capacidade
de se adaptar às diferentes situações, sugerindo que um bom plano urbano tem uma grande
margem de aferimento, dando a possibilidade de se adaptar melhor à população e ao terre-
no. Sobre o assunto, diz Raul Hestnes Ferreira em L’architecture d’Aujourd’hui:
«on peut noter qu’ils correspondent plus à des stratégies individuelles liées à certaines
222 FERREIRA, Raul Hestnes; 25Avril 1974, Et Les Architectes; in L’Architecture d’Aujourd’hui nº185, Histo-
ries et tendencies del’architecture portugaise – La Passion d’Álvaro Siza ; 1977 ; Pág.59
122
Figura 161 - Bairro Figura 162 - Traseiras do Bairro de S. Victor, Figura 163 - Bairro de S. Victor, 2015
S. Victor, 2015 2015
Figura 166 - Bairro da Bouça, 2015 Figura 167 - Bairro da Bouça Figura 168 - Bairro
da Bouça
123
forces de gauche qu’à une politique globale définie avec les grands partis« 223
O movimento SAAL foi de uma duração extremamente curta, mas deixou marcas profundas
na cidade, no país e na Europa, que o analisou; mudou a maneira de ver e pensar o planea-
mento urbano, levantou algumas das questões ainda hoje pertinentes sobre esse assunto,
mostra-nos também a importância do poder local e do Povo. A cidade é encarada como per-
tença de quem a vive e habita.
O SAAL apresenta a relevância que a população pode ter ao intervir activamente na urbani-
zação da cidade, deixando bem presente a ideia de que a cidade é de todos e é para todos
que se deve voltar.
Este movimento abriu as portas das Ilhas e colocou-as à vista de todos, sem os preconceitos
que as perseguiam anteriormente, impedindo, com isso, que fossem escondidas para lá das
ruas outra vez. As Ilhas aparecem-nos aqui como são, parte integrante da cidade, e uma he-
rança que não pode ser ignorada.
Apesar dos benefícios que o PER possa ter trazido para os habitantes das barracas, este pro-
grama terá, segundo a socióloga Isabel Guerra, criado “guetos estigmatizados”. Eram solu-
ções que já 20 anos antes a nível internacional, haviam mostrado ter “efeitos negativos e
perversos”(…) “nos processos de socialização” 229
Este programa terá negligenciado outras formas de habitação precária, como habitações so-
bre ocupadas ou em condições muito degradadas, sendo assim um programa restrito e limi-
tado baseado em alguma injustiça social, segundo a mesma socióloga.230
A reabilitação urbana e a importância do centro histórico foi algo que durante grande parte
do século foi ignorada por parte da autarquia e do Estado. Este tema terá sido já explorado no
processo SAAL (com o projecto de Miragaia por exemplo), a par do tema das Ilhas e do direito
à cidade. Ainda assim, terá sido apenas no trabalho desenvolvido no CRUARB, Comissariado
de Renovação Urbana da Área da Ribeira e Barredo, mais um dos Programas de Acção Prio-
ritário de Nuno Portas, projecto desenvolvido paralelamente ao SAAL (mas com o apoio do
mesmo), que a reabilitação urbana terá recebido alguma atenção.
Este comissariado tinha como objectivo resolver as problemáticas que décadas de abandono
e falta de atenção a estas áreas da cidade terão desenvolvido. A sua finalidade seria reabilitar
a zona mais antiga da cidade, tendo sido para isso desenvolvidos diversos estudos profundos
ao local. Para esse efeito, a função inicial do CRUARB seria, como o próprio nome indica, rea-
bilitar a zona da Ribeira e Barredo, passando também por acabar com as “colmeias”231, edifí-
cios onde grande número de famílias vivia sem qualquer tipo de condições. Para que tal fosse
possível, foram utilizadas várias estratégias como o realojamento da população, a demolição
de prédios devolutos, a reabilitação de grande parte do património.232
Noticias; 5 de Maio de 2013. Disponível em: < http://www.rtp.pt/noticias/> Consultado a: 9 de Jun. 2015
228 CACHADO, Rita Ávila; O Programa Especial de Realojamento - Ambiente histórico, político e social; in
Análise Social, 206, xlviii (1.º); 2013;Pág. 138
229 GUERRA, Isabel; Citada em: LUSA; Programa Especial de Realojamento deu casa a 35 mil famílias mas
também criou guetos; RTP Noticias; 5 de Maio de 2013. Disponível em: < http://www.rtp.pt/noticias/> Consulta-
do a: 9 de Jun. 2015
230 Idem; Ibidem
231 PEREIRA, Gaspar Martins; Percurso das Familias Trabalhadoras do Porto em Finais do Século XIX; Por-
to; 2010; Pág. 4
232 PINTO, Liliana; SANTOS, Teresa; Porto Património Mundial: A Classificação e Intervenção – “Encon-
tra-se o Título do Porto, Património Mundial” em Risco? PORTO, PATRIMÓNIO MUNDIAL; Actas do Seminário
Centros Históricos: Passado e Presente; Porto; Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Departamento de
128
Figura 172 - Reabilitação de Casa na Ribeira Figura 173 - Projecto de Intervenção na zona da Sé
“..onde, o centro histórico se tornou apenas uma pequena parte da cidade e corre sé-
rios riscos de se tornar mais visitado que vivido, mais imagem que conteúdo.”233
A CRUARB terá sido, portanto o primeiro momento em que se procurou reavivar o centro.
Ainda que a sua existência tenha continuado até ao inicio do século XXI, e que a sua área de
acção tenha sido alargada a outras zonas do centro histórico onde se vivia também em situa-
ções precárias e de degradação extrema, não terá sido suficiente para travar a realidade que
se vive ainda hoje no centro antigo da cidade.
As próprias políticas de habitação que incentivavam a procura de casa própria em detrimento
do aluguer e dos realojamentos massivos em bairros camarários (que continuaram durante
as últimas décadas do século XX a ser vistas como a forma mais “eficaz” de providenciar
habitação digna para todos) potenciaram os problemas que são, ainda hoje, parte das pro-
blemáticas que a autarquia pretende resolver. Problemas que são mais regra que excepção
no centro histórico, como: o abandono do mesmo, criando um vazio no centro da cidade
(cidades donuts234); edifícios devolutos e degradados e poucos acessos, com uma população
envelhecida. Aos poucos, a população mais jovem sai do centro, fixando-se em áreas mais
apetecíveis da periferia da cidade (com melhores acessos e uma melhor relação qualidade-
-preço), gerando um enorme conflito entre centro-periferia, sendo que no Porto esta área
periférica é estendida às cidades vizinhas.235
O CRUARB é extinta em 2003, ano em que é como que substituída pela Porto Vivo, que sur-
ge como parte de um novo serviço do IHRU, as SRU’s. Estas procuravam política de gestão
da autarquia e servir de ligação do sector público com o privado, de forma a promover o
desenvolvimento em áreas centrais das cidades, que de uma maneira geral se encontravam
desvalorizadas.236
A ideia desta cooperação entre privado e público teria como objectivo valorizar as zonas de
forma equilibrada, estando a componente social associada à reabilitação e renovação dos
edifícios, componente esta que acabou por não se verificar, já que o sector público apenas
criou as condições necessárias para motivar o privado a investir.237
“os dados existentes sugerem que é naif esperar uma ‘preocupação moral’ por parte do
sector privado na revitalização das áreas desvalorizadas. As decisões de investimento
do sector privado são fundamentadas em grandes medidas no interesse próprio e não
na filantropia.”238
Figura 177 - Ilha de Anibal Cunha, 2015 Figura 178 - Ilha na rua de S. Victor, 2015
Figura 179 - Fachada da Rua de S.Victor com Acesso a uma Ilha, 2015
133
Infra-estruturas Culturais, a Requalificação Urbana e Ambiental da Cidade, e a Revitalização
Económica e Habitacional241. Os dois últimos teriam um carácter social, sendo que no primei-
ro destes, esse carácter passava pela articulação e coesão urbana, que previa intervenções
em bairros socias existentes em zonas de interesse. O último seria mais focado na habitação.
Ainda que tenham sido organizados vários estudos, se tenham delimitado zonas de interven-
ção e orçamentados gastos necessários, este último ponto não terá avançado devido a falta
de acordo entre as diferentes partes envolvidas no projecto, acabando por não ser realizado
de todo.242
Durante a primeira década do segundo milénio, a autarquia terá dedicado algum do seu tem-
po ao centro da cidade e à revitalização do mesmo com o apoio da SRU, mas terá dedicado
muitos esforços aos bairros sociais, que tinham sido construídos havia aproximadamente 40
anos, encontrando-se já degradados, e não dando mais resposta às necessidades de algumas
famílias. Assim, procurou-se resolver vários problemas da cidade contemporânea, excluindo
mais uma vez as Ilhas que não fizeram parte desses problemas a resolver, apesar do estudo
realizado em 2001 pela câmara a esta tipologia.
Nesse mesmo ano realiza-se o estudo socioeconómico das Ilhas. Note-se que haviam já pas-
sado quase 50 anos desde que tinha sido realizado o último estudo deste tipo de habitação.
Existiriam nessa altura cerca de 5 900 casas em Ilhas, das quais 88% estariam habitadas, o
que representaria uma população de aproximadamente 13 500 pessoas. Além disso, cerca de
6 500 indivíduos habitariam ”noutro tipo de Ilhas”, bairros operários, quintas e vilas. Assim,
apesar deste número já não representar uma terça parte da população, como em tempos
representara, retrata uma realidade ainda preocupante.
Em 2014 realiza-se outro estudo a pedido da câmara, conclui-se a existência de 4 901 aloja-
mentos em Ilhas e outras tipologias semelhantes, que perfazem aproximadamente 10 371
habitantes, dando-se por isso uma diminuição de aproximadamente 48% da população resi-
dente nestes espaços.
Apesar da diminuição desta população, verifica-se que estes espaços continuam a ser pro-
curados, já que, cerca de 28% dos seus habitantes estão aí instalados há menos de 10 anos,
e que esse número está em crescimento, visto que no estudo de 2001 era apenas de 19%.
Ainda assim, cerca de 65,3% da população habita os alojamentos há mais de 30 anos, sendo
por isso, pessoas profundamente enraizadas nestes locais.243
Um factor importante a ter em conta é a idade média da população das Ilhas, que será de
aproximadamente 53 anos, sendo que cerca de 37% da população tem mais de 65 anos 244,
mais 14% do que a média municipal registada nos censos 2011. Podemos concluir que as
Ilhas têm uma população envelhecida, 245 uma vez que as populações mais jovens se mudam
para a periferia, aliciadas pela oferta de boas habitações a preços acessíveis.246
Já no estudo realizado em 2001 se concluía que a possível deslocação desta população en-
241 Tribunal de Contas; Auditoria Casa da Música/Porto 2001, S.A; 2004; Pág. 13
242 Idem; Ibidem; Pág. 13
243 VÁZQUEZ, Isabel Breda; CONCEIÇÃO, Paulo (coord.); “Ilhas” do Porto, Levantamento e Caracterização;
Editado por Município do Porto; Porto; 2015; Pág. 74
244 Idem; Ibidem; Pág. 67
245 INE; Quadros Resumo, 1.2 População residente em 2001 e 2011, segundo os grupos etários e sua
evolução entre 2001 e 2011; http://censos.ine.pt, Consultado a 9 de Jun. 2015
246 VÁZQUEZ, Isabel Breda; CONCEIÇÃO, Paulo (coord.); “Ilhas” do Porto, Levantamento e Caracterização;
Editado por Município do Porto; Porto; 2015; Pág. 70
134
velhecida para outras zonas, que não as suas, poderia gerar graves problemas de integração
social.
“a forte presença de idosos nas “Ilhas” levanta problemas específicos em qualquer pro-
cesso de intervenção. Com efeito, no plano social são intensas as relações de vizinhan-
ça e solidariedade que a proximidade física e a convivência de muitos anos propiciam,
o que atenua as situações de solidão e isolamento associadas à velhice.”247
Cerca de 44% dos residentes são reformados e pensionistas, e 19% dos habitantes encon-
tram-se desempregados, podendo assim perceber-se que nas Ilhas se encontra uma popula-
ção de enorme vulnerabilidade social, com pouco ou nenhum poder económico.248
Apesar de grande parte dos fogos, aproximadamente 80%, ter sofrido intervenções nos últi-
mos 10 anos, (das quais 84% terão sido realizadas pelo próprio inquilino), 18,2% encontram-
-se em estado muito degradado ou ruina.249
Apesar das habitações em Ilhas estarem longe de cumprir os mínimos de habitabilidade con-
siderados aceitáveis, cerca de 59.9% da população aí residentes, quando inquirida sobre o
alojamento afirma estar satisfeita ou muito satisfeita com ele.250
Quando questionados sobre uma possível mudança de alojamento 53,6% aceitariam, em-
bora preferissem permanecer na mesma freguesia; ainda quanto a preferência em caso de
mudança, 60% escolheria ficar em casa reabilitada no mesmo local. 251
Isto reflecte que as pessoas gostam da sua zona de residência e de conforto, onde têm as suas
vidas organizadas e mantêm fortes ligações com a vizinhança, visto que 74.5% dos inquiridos
se encontram satisfeitos ou muito satisfeitos com os seus vizinhos.252
No estudo realizado no ano transacto, regista-se a existência de 957 núcleos habitacionais,
concluindo-se, portanto, que em 14 anos este número terá diminuído 19%, (já que em 2001
existiriam 1182).
Dos 957 núcleos registados no estudo de 2014, apenas meia dúzia pertencem à autarquia.
Este facto é um dos maiores problemas das Ilhas: por um lado, existe uma falta de interesse
por parte dos proprietários que há muito não vêem estes espaços como fonte de rendimen-
tos, já que grande parte dos inquilinos têm rendas baixas e antigas, (cerca de 62% dos resi-
dentes têm rendas inferiores a 100 €);253 por outro, elas pertencem a privados, de forma que
o município não tem responsabilidade, nem poder de acção sobre as propriedades. Ainda
assim, o município tem o dever de proteger os seus cidadãos e, idealmente, dotar todos de
habitação digna.
Pode-se assim afirmar que uma das grandes dificuldades de intervenção nos espaços das
Ilhas é a constante falta de coordenação entre as várias partes interessadas: proprietários,
inquilinos e também a autarquia.
Actualmente a câmara do Porto, está a desenvolver um projecto-piloto para a reabilitação da
Ilha da Bela Vista, na rua D. João IV. Este processo experimental de reabilitação urbana conta
247 PORTO, Câmara Municipal; As Ilhas do Porto – Estudo Socioeconómico; Pág.
248 VÁZQUEZ, Isabel Breda; CONCEIÇÃO, Paulo (coord.); “Ilhas” do Porto, Levantamento e Caracterização;
Editado por Município do Porto; Porto; 2015; Pág. 70
249 Idem; Ibidem; Pág. 77 e 79
250 Idem; Ibidem; Pág. 80
251 Idem; Ibidem; Pág. 86 a 88
252 Idem; Ibidem; Pág. 83
253 Idem; Ibidem; Pág. 75
135
com a participação da câmara através do Pelouro da Habitação e Acção Social, e Pelouro do
Urbanismo, o LAHB Social, (Laboratório de Habitação Básica e Social), órgão técnico criado
pela câmara para servir este mesmo propósito, envolvendo parcerias com ISSS, Instituto Su-
perior de Serviço Social, o Gabinete de Arquitectura IMAGO e a Associação de Moradores
da Bela Vista, e numa fase inicial muito ligada também à ESAP, Escola Superior Artística do
Porto. Na Ilha da Bela Vista, pretende-se que este seja um processo participativo, envolvendo
“todas as partes na discussão e problematização no sentido de encontrar um programa e um
projeto sustentável, eficiente e inclusivo de reabilitação.”254
A autarquia quer assim dar uma nova imagem às Ilhas, pretendendo que a Ilha da Bela Vista
seja um exemplo do que pode ser conseguido, não vendo as Ilhas como um “mal a erradicar”
são antes encaradas como lugares de oportunidades, não só para os residentes mas também
para o proprietário e para a cidade.
Manuel Pizarro, actual vereador do Pelouro de Habitação e Acção Social do Porto, assume
as Ilhas como sendo “um património identitário da cidade que seria grave desprezar”255, de-
monstrando uma nova visão da câmara face ao problema Ilhas.
Seria interessante procurar uma solução flexível e adaptável a cada um dos núcleos, abrindo
canais de conversação entre as partes, de forma que todos possam ver os seus direitos e de-
veres cumpridos. Soluções que procurem uma habitação de interesse social idêntica à que se
desenvolveu nos anos 70/80 onde a habitação era enquadrada com a vizinhança, bairro e a
cidade, não sendo algo isolado, mas como a parte de um todo.
Esta habitação de interesse social que segundo António Baptista Coelho deve ser caracteri-
zada entre outras coisas “por uma estimulante diversidade de soluções”…”nomeadamente a
adequação aos velhos e novos modos de vida e à aliança entre o habitar e a regeneração ur-
bana “256, onde se encontram diferentes modos de promoção de habitação (municipal, priva-
da e cooperativista), estes conjugados geram uma maior coesão social e, consequentemente,
potenciam “uma cidade mais amigável e humanizada”257
Nota-se assim, contudo, uma pequena mudança na atitude da Câmara, e percebe-se que a
renovação única e exclusiva das habitações municipais, ainda que dê dignidade e conforto
às classes desfavorecidas, não resolve por si só os problemas inerentes à pobreza e exclusão
social. Para os solucionar seria necessário criar meios que acompanhassem a população que
reside nesses espaços e as que lá se vão instalar. 259
“Toda a política habitacional de uma Cidade deve centrar-se também nos critérios da
participação, da contratualização e da inclusão das classes mais desfavorecidas, de
forma a possibilitar-lhes o direito à habitação e à vivência plena do território.” 260
258 Manuel Pizarro; in RODRIGUES, Fernando Matos; Ilha da Bela Vista; Edições Afrontamento; Porto;
2014; Pág. 5
259 MOREIRA, Rui; Porto, Nosso Partido – Manifesto Eleitoral, Autárquicas 2013; Pág. 9
260 Idem; Ibidem; Pág. 9
140
261 VÁZQUEZ, Isabel Breda; CONCEIÇÃO, Paulo (coord.); “Ilhas” do Porto, Levantamento e Caracterização;
Editado por Município do Porto; Porto; 2015; Pág. 146
262 Em Conversa com José António Ferreira, do Gabinete de Estudos e Planeamento da Domus Social
263 CONCEIÇÃO, Paulo; VÀZQUEZ, Isabel Breda (coord); “Ilhas do Porto - Programa Estratégico; Julho 2015;
Pág. 3
142
Alguns destes incentivos podem ser mais facilmente obtidos, casos em que as Ilhas se en-
contrem em Áreas de Reabilitação Urbanas, ARU, para as quais já estão criados incentivos
idênticos.
O programa refere ainda a hipótese de criação de instrumentos de comparticipação a fundo
perdido, sendo desenvolvidos acordos com os proprietários que visam proteger o interesse
do próprio Município, relacionado maioritariamente com o uso dos espaços, e estabelecendo
limites a nível de rendas pedidas.275
Estes incentivos não se aplicam apenas a este modelo de intervenção, podendo também ser
aplicados no modelo de alteração de relações de propriedade, e em alguns casos na mudança
de usos também.
O modelo de alteração das relações de propriedade, será indicado em casos que se conside-
rem também resolúveis económica e tecnicamente, mas em que não se verifique interesse
nem disponibilidade por parte dos proprietários. Neste caso, a acção será desenvolvida por
terceiros, podendo esta ser executada por órgãos públicos ou sociais que expropriam os ter-
renos (à semelhança do que aconteceu na Ilha da Bela Vista), ou privados que adquiram o
núcleo. 276
No modelo de saída prevê-se o realojamento do agregado familiar que deseja a mudança de
residência, para outro tipo de habitações, já edificadas ou construídas de raiz. 277
Nos novos tipos de ocupação, prevê-se isso mesmo, utilização destes espaços para outro tipo
de programa que não a habitação.278 Esta última medida, ainda que não seja ideal, já que as
279 CONCEIÇÃO, Paulo; VÀZQUEZ, Isabel Breda (coord); “Ilhas do Porto - Programa Estratégico; Julho 2015;
Pág. 42
280 Idem; Ibidem; Pág. 43
281 Idem; Ibidem; Pág.57
146
É então baseado nesta ideia de Ilha enquanto oportunidade, que o município avança com o
que se espera ser o primeiro passo concreto de muitos e se inicia o processo da Ilha da Bela
Vista, pretendendo com ele incentivar e mobilizar a revitalização das Ilhas, já não como locais
de miséria e degradação, mas antes “um modo portuense de ser, ao mesmo tempo rude e ca-
rinhoso, individualista e solidário, mas sempre esforçado, frontal e determinado.”285 Esta Ilha,
a Ilha da Bela Vista, surge neste trabalho como um primeiro e actualmente único exemplo
prático de uma mudança de atitude da autarquia em relação às Ilhas da cidade.
282 CONCEIÇÃO, Paulo; VÀZQUEZ, Isabel Breda (coord); “Ilhas do Porto - Programa Estratégico; Julho 2015;
Pág. 60
283 Idem; Ibidem; Pág. 62.
284 Manuel Pizarro; in RODRIGUES, Fernando Matos; Ilha da Bela Vista; Edições Afrontamento; Porto;
2014; Pág. 5
285 Manuel Pizarro; in RODRIGUES, Fernando Matos; Ilha da Bela Vista; Edições Afrontamento; Porto;
2014; Pág. 5
148
286 SILVA, Germano; À descoberta do Porto: Rua duquesa de Bragança; Jornal de Noticias; 23 de Março de
2014
287 RODRIGUES, Fernando Matos; Ilha da Bela Vista; Edições Afrontamento; Porto; 2014; Pág. 21 a 22
288 Idem; Ibidem; Pág. 22 a 23
289 RODRIGUES, Fernando Matos; Ilha da Bela Vista; Edições Afrontamento; Porto; 2014; Pág. 22
290 Idem; Ibidem; Pág. 23
150
Ainda assim e como continua, Fernando Mato Rodrigues, “Não existem registos ou marca-
ções agressivas e marginais no Espaço-Ilha”292, demonstrando com isso a proximidade e res-
peito que se vive, nestes espaço que os habitantes partilham.
A Ilha da Bela Vista terá integrado o Processo SAAL, altura em que se terá formado a associa-
ção de Moradores da Bela Vista. Ainda que tenha sido feito o levantamento e iniciado o pro-
jecto, à semelhança do que aconteceu com tantas outras acções do SAAL, não se conseguiu
concluir, por causa da interrupção do processo em 1976.
A Bela Vista terá iniciado a sua operação, com uma brigada técnica coordenada pelo arqui-
tecto Mário Moura, a 3 de Abril de 1975; esta acabou por ser substituída, em Junho do ano
que seguinte, por uma nova brigada, visto verificar-se um atraso na proposta projectual para
a Ilha, sendo esta nova equipe liderada por Mário Trindade.293
Para elaboração do relatório pré-projectual, foi realizado um levantamento ao espaço, e à
população. Na altura a Ilha teria 158 habitantes que ocupavam 52 fogos, dos quais 30 e 27%
seriam indivíduos com mais de 50 e menos de 14 anos de idade, respectivamente.
Todos os fogos já tinham água e electricidade, mas nem todos beneficiavam de instalações
sanitárias próprias, e os que as tinham haviam à custa dos próprios moradores.
No projecto pretendia-se a construção de uma ala contínua de habitações que estabeleceria
uma ligação das habitações existentes com o bloco que seria edificado à face da rua. Bloco
este, que viria substituir as casas burguesas, e que não excederia os 3 pisos de altura, alber-
gando habitações, uma sala de reuniões e convívio da Associação de Moradores. Para além
do acesso existente seria criado um outro no lado Sul, “possibilitando várias opções de per-
curso entre os diversos sectores do bairro.” Estava ainda prevista a criação de uma plataforma
dupla num ponto de confluência entre a zona recuperada e a zona nova e ficaria também
livre bastante terreno para jardim, procurando-se com estes espaços promover as relações
de vizinhança.
Sobre as células que iriam ser reabilitadas, previa-se apenas o aproveitamento das paredes
de pedra, sendo o resto substituído por novos materiais, com melhor qualidade. Sempre que
possível usar-se-iam as caixilharias existentes, tentando assim manter o aspecto da frente
das habitações. Previa-se a substituição da cobertura por uma estrutura aligeirada coberta a
telha, acabando deste modo com as infiltrações constantes que ocorriam dentro dos fogos.294
Hoje, 40 anos depois, a realidade deste espaço é bastante diferente da que se vivia então,
o processo SAAL foi interrompido e os projectos para a Ilha não se realizaram, a Bela Vista
continuou esquecida nas traseiras da Rua D. João IV.
291 LahbSocial; Memória Descritiva e Justificativa - Renovação da Ilha da Bela Vista, Operação 2014-2015;
Porto; 2014; Pág. 15
292 Idem; Ibidem; Pág. 15
293 RODRIGUES, Fernando Matos; Ilha da Bela Vista; Edições Afrontamento; Porto; 2014; Pág.58
294 RODRIGUES, Fernando Matos; Ilha da Bela Vista; Edições Afrontamento; Porto; 2014; Pág. 62
152
4.2 O PROJECTO
A reabilitação da Bela Vista, projecto que se encontra já na 1º fase de execução, procurou
considerar em primeiro lugar os habitantes da Ilha, as pessoas que aqui vivem de um modo
geral há mais de 40 anos, tornando este projecto participativo, onde profissionais, técnicos
e moradores trabalham em conjunto, de modo a encontrar soluções menos evasivas e mais
confortáveis para os que aí viviam.
Na memória descritiva do projecto de reabilitação da Ilha é claro que este visa manter e in-
centivar o espirito comunitário, que sempre existiu neste espaço. Foram para isso incluídos
no programa espaços comuns e de encontro, como praças, jardins, hortas sociais, lavandaria,
centro de convívio, associação de moradores, estando estes 3 últimos integrados num edifí-
cio colectivo, e onde se prevê também a inclusão das instalações do LAHB Social.
Este Laboratório foi criado como órgão complementar da DOMUS Social para este projecto
e pretende continuar a sua procura de soluções expeditas para os problemas de habitação
básica e social.
Esta complexidade programática promove a integração social dos futuros habitantes, tendo
em atenção aspectos sociais, económicos e ecológicos.
Os espaços de encontro contrariam de alguma maneira a ideia do corredor, que de um modo
295 LahbSocial; Memória Descritiva e Justificativa - Renovção da Ilha da Bela Vista, Operação 2014-2015;
Porto; 2014; Pág. 1
296 Idem; Ibidem; Pág. 6
154
Dos espaços individuais da Ilha, serão reabilitados um total de 32 fogos. No projecto previu-
-se apenas o aproveitamento das paredes exteriores. Os interiores existentes eram os mais
variados, somas de pequenas obras executadas pelo próprio habitante, ao longo dos anos
não revelando qualquer economia de meios, estruturas e espaços. Isto verifica-se porque os
interiores eram resultado de pequenas obras ocasionais, executadas pelos próprios habitan-
tes, quando eram uma necessidade máxima, ou quando a sua situação económica o permitia.
Para a execução deste vasto programa - 32 células habitacionais, 20 hortas sociais, o edifício
comunitário e espaços de estar - foi necessário agregar ao espaço da Ilha original duas outras
Ilhas que estariam justapostas ao limite Sul. Nesta nova proposta a área da Ilha aumenta de
1.707 para 2365 m2, dando-se por isso um aumento de 39% do terreno original.298
Ambas as Ilhas se encontravam em estado total de ruína, das antigas casas que faziam dela
parte quase nada se distingue, pelo que será aí que se concentrarão as hortas sociais. Aqui
será também criado um novo ponto de acesso, que procura facilitar a chegada a este espaço,
permitindo aos moradores vários percursos dentro do espaço da Ilha.
Quem vem pelo novo ponto de entrada, a sul, depara-se com uma praça e espaço de recreio,
que promove a interacção entre as pessoas da Ilha e da cidade que continua para além dos
muros. Encontra-se também na praça um acesso ao edifício comum. Por uma escadaria (um
percurso dos possíveis acessos à Ilha) sobe-se até à Rua do Lado que estabelece a ligação aos
corredores de acesso aos habitáculos, a Rua de Cima e Baixo.
É desta praça, também, que parte o percurso principal de chegada à Ilha da Bela Vista, o
qual se faz por uma escadaria mais ampla que vence o desnível acentuado do terreno. Esta
escadaria procura ser um percurso de ligação entre as ruas internas da Ilha.299 Com estes ele-
mentos procura-se criar como que um filtro natural entre o espaço público e privado da Ilha.
Há no entanto um limite físico, que terá sido criado a pedido dos moradores, que prezam a
privacidade da sua vida quase comunitária.
A rematar o acesso norte criou-se também uma pequena praça, a praça da Magnólia, que
procura, criar um outro momento de encontro e pausa para os habitantes.
Os espaços exteriores são também reabilitados prevendo-se a regularização dos pavimentos.
De maneira quase nostálgica, mantêm-se os tanques da roupa, que são parte da identidade
das Ilhas. Adossado na fachada forma-se um banco corrido que remata o edificado. Preten-
297 LahbSocial; Memória Descritiva e Justificativa - Renovção da Ilha da Bela Vista, Operação 2014-2015;
Porto; 2014; Pág. 9
298 Idem; Ibidem; Pág. 27
299 LahbSocial; Memória Descritiva e Justificativa - Renovção da Ilha da Bela Vista, Operação 2014-2015;
Porto; 2014; Pág.
156
Figura 191 - Esquema Explicativo, Sector Técnico, Projecto de Reabiltação da Ilha da Vista
157
de-se com este banco convidar o habitante a permanecer no espaço comum da Ilha, man-
tendo no corredor de acesso aos fogos, o uso que sempre teve, promovendo dessa forma as
relações de vizinhança.
A volumetria das bandas habitacionais mantem-se idêntica à original, havendo um aumento
ligeiro da cércea dos edifícios para os 4.65 e 6.92 metros, de forma a tornar os espaços inte-
riores mais amplos e arejados.300
Estas diferem entre si na estrutura e organização do fogo. No tipo A temos as habitações com
2 pisos + sótão onde se encontra um +1, que pode servir de arrumos e é acedido por uma
escada em caracol, o tipo B funciona como Studio com mezanino. Dentro desta estrutura a
organização do piso inferior é de um modo geral idêntica, alterando-se apenas a organização
do espaço superior, e o número de quartos na habitação. Com isto, pretende-se que a célula
habitacional se adapte às necessidades do agregado familiar.
Assim, com a excepção da Casa Alcova, o piso inferior tem as zonas sociais, e zona de banho.
A porta dá para um pequeno espaço de entrada, de frente para a escada que se desenvolve
em U, e é iluminado pela janela que se abre para o saguão, e pela da janela da sala. No pa-
tamar das escadas encontra-se um curto espaço de estudo ou escritório, composto por uma
pequena secretária e cadeira. A sala abre-se para a zona da cozinha, que se organiza em L.
É neste piso que se encontra também o quarto de banho de pequena dimensão, no espaço
debaixo da escada de acesso ao piso superior.
A Casa-Colmeia (Tipo A) é um T2+1, os dois quartos encontram-se no 1ºpiso, um quarto maior
encontra-se na fachada principal, o segundo quarto, mais pequeno, abre-se para o pequeno
ságuão. A Casa-Camarata, tem no piso superior apenas um quarto aberto prevê a ocupação
livre do espaço, existindo a possibilidade de uso de beliches de maneira a optimizar o seu uso.
Na tipologia B a Casa-Mezzanine desenvolve-se como o próprio nome indica em mezanino,
sendo que a zona da entrada e de estar do piso inferior são beneficiadas por um pé direito
mais elevado. No quarto, na varanda interior do fogo, um móvel faz a guarda da varanda do
interior da célula.
Por último temos a Casa-Alcova, um T1 com mezanino, tendo assim duas áreas de dormir.
Esta habitação caracteriza-se por ter um quarto no piso inferior. Este fogo terá sido desenha-
do para moradores com problemas de mobilidade.
Nestas 2 tipologias, e 4 modelos de habitação, procurou-se que a pequena habitação funcio-
nasse como um todo, coerente e não apenas como soma das pequenas partes, daí a “utiliza-
ção de conceitos como espaço fluído e aberto”307; permitindo assim que dentro dos escassos
25 a 45 m2 o espaço reduzido não se sentisse como uma limitação.
309 Em Conversa com o Vereador do Pelouro da Habitação e Acção Social, Dr. Manuel Pizarro, na Camara
Municipal do Porto, Dia 11 de Agosto de 2015
163
CONCLUSÃO:
As Ilhas da cidade do Porto chegam-nos hoje como representação fidedigna do que foram,
por excelência, as habitações das classes trabalhadores do Porto, desde a segunda metade do
século XIX, altura em que este tipo de habitação terá proliferado um pouco por toda a cidade,
até aos dias de hoje.
Estas habitações que se encontram nas traseiras da cidade foram durante essas décadas e nas
que se seguiram o ponto de entrada na cidade, que receberia a população que aqui chegasse.
Acabaram assim por se tornar num espaço de transição entre a antiga vida rural e a nova vida
citadina dos seus moradores.
Acabam contudo por ser espaços fechados, tipo concha, que com os seus muros protegem os
seus habitantes de qualquer intrusão, que se tornam espaços perfeitamente marginais aos
olhos da cidade.
No presente trabalho, procurou-se perceber quais terão sido as influências que estes espaços
tiveram, e como terá surgido o seu desenvolvimento na cidade do Porto. Apesar das similari-
dades que estas possam ter com outras habitações operárias, a maneira como aproveitam o
solo interior dos extensos quarteirões tão característicos da cidade.
Pode-se perceber uma clara aproximação das Ilhas com as típicas back-to-back houses, que
tão bem caracterizam as habitações operárias de Inglaterra. Pode-se no entanto perceber
algumas diferenças entre estas duas tipologias. As Ilhas têm uma expressão claramente rural,
enquanto as back-to-back houses, são representações perfeitamente urbanizadas, que se in-
cluem em zonas e bairros da cidade por qualquer motivo sem interesse para as classes mais
abastadas reflexo directo dessa diferença são alturas dos edifícios: enquanto as back-to-back
houses urbanas chegam a ter 3 pisos de altura, as Ilhas têm geralmente apenas um piso tér-
reo.
A influência britânica terá vindo das relações comerciais estabelecidas pelo vinho do Porto e
de algumas famílias inglesas que aqui se fixaram.
Estas surgiram no Porto, também como consequência da desproporção que se verificava na
divisão dos lotes, que teriam de um modo geral até 7 metros de largura e se prolongavam por
vezes até aos 110 metros de comprimento.
Essencial para o presente trabalho foi também perceber como terão as Ilhas conseguido so-
breviver até aos dias de hoje, pelo que foi realizado um breve estudo que procurou fazer o
enquadramento das políticas sociais em Portugal e das acções (ou não acções) dos sucessivos
governos que acabaram por permitir que por um lado estes espaços fossem preservados até
hoje, mas que por outro se mantivessem cristalizadas no século XIX.
Conclui-se assim que, apesar da indústria chegar a Portugal com quase um século de atraso,
terá sido recebida em cidades tão pouco preparadas como o seriam as cidades de
Inglaterra aquando da Revolução Industrial. Em Portugal, como em outros países, a situação
foi sendo resolvida com a construção de habitações precárias promovidas por pequenos bur-
gueses que rapidamente se aperceberam que o negócio da habitação barata exigia poucos
investimentos e prometia um rápido retorno.
Depressa se ocupou todo o espaço livre das zonas antigas das cidades, quer do Porto quer de
164
Lisboa, num processo que se pode assemelhar ao de Paris e Barcelona, onde as estreitas ruas
estariam em tão más condições como as pequenas casas.
Num momento seguinte, em Lisboa, desenvolveram-se os pátios, que poderão ser associados
aos Courts, de Birmingham ou Liverpool, bem como com as Mietskasernen de Berlim. No
Porto, nasceram as Ilhas, com influências das Back-to-back houses de Leeds, Manchester e
tantas outras cidades inglesas.
No início de 1880 surgem as primeiras preocupações higienistas, no governo de Fontes Perei-
ra de Melo, que se vão traduzir no Inquérito Industrial, onde são estudadas, pela primeira vez
no país, as habitações precárias do operariado.
Será como consequência deste inquérito que em Lisboa começam a surgir as vilas, que ini-
cialmente seguiam as indicações do estudo, e teriam as condições consideradas mínimas da
época; no entanto, rapidamente, devido ao pouco controlo, começam a perder qualidade
construtiva e espacial, tornando-se quase tão precários como os Pátios.
No Porto, mais uma vez à semelhança do que se terá passado em muitas cidades europeias,
só após um avassalador surto de peste é que o Estado revela algum tipo de preocupações
higienistas mais concretas e, ainda assim, não suficientes, traduzindo-se basicamente na cria-
ção de benefícios fiscais, para quem investir em habitações baratas.
Como consequência, surgem as primeiras acções filantrópicas no Porto, promovidas pelo Co-
mércio do Porto. Muda-se também a legislação que passa a prever que toda a obra construída
apresente projecto para aprovação da Câmara, (até então apenas seria preciso registar edifí-
cios que davam a fachada à rua, pelo que não haveria registo da edificação das Ilhas e espaços
semelhantes que se encontrassem nas traseiras das casas de frente de rua) conseguindo com
isto controlar de alguma forma a construção das Ilhas.
O Estado terá, até muito tarde, ignorado a falta de habitação e a situação precária em que
grande parte da população vivia, baseando-se na ideia de que este seria um problema a re-
solver entre inquilino e proprietário, não considerando o facto do inquilino pouco ou nada
poder fazer, devido aos seus escassos recursos económicos.
Apenas no ano de 1918, o Estado aprova a Lei das Rendas, que procura pela primeira vez pro-
teger os direitos dos arrendatários, prevendo apenas aumentos de 10% nas rendas e apenas
de 10 em 10 anos. Esta lei acabou, no entanto, por desequilibrar o mercado imobiliário, que
se terá desvalorizado e criou, a longo prazo, graves consequências para o estado dos edifícios,
que não foram sujeitas a qualquer tipo de investimento na sua conservação.
Nesse mesmo ano, o Estado assume, quase 40 anos depois do Inquérito Industrial, que é ne-
cessário erradicar as Ilhas. Para tal, seria impreterível tomar medidas mais eficazes, iniciando
o primeiro de vários programas de habitação económica patrocinada pelo Governo.
Assim nasce o programa das Casas Económicas, onde se previa a edificação de 1000 fogos
para a população operária. Estas acabaram, no entanto, por ser atribuídas à classe média, já
que as rendas seriam demasiado altas para os operários pagarem. Este programa terá sido
resgatado no ano de 1927, altura em que se previu a edificação de aproximadamente 10 000
fogos. Em 1933 o programa renasce, sendo que nesta altura se assumiu que as casas eram
direccionadas para trabalhadores do Estado.
O Governo evita a construção de habitação colectiva em altura, apesar de representar um
sistema mais rentável e sustentável, por acreditar que grandes concentrações de população
poderiam de alguma forma promover a rebelia popular.
No Porto, em 1929, Almeida Garrett promoveu um Inquérito aos espaços das Ilhas. Face aos
165
resultados obtidos nesse inquérito, concluído em 1933, o Município procurou, por uma pri-
meira vez, respostas concretas para os problemas que estes espaços representariam para a
saúde pública da cidade de modo geral.
Pela primeira vez, também, procura-se resolver o problema da habitação de forma racional,
para que as habitações construídas pudessem ter rendas sustentáveis, para os habitantes a
que se destinavam. Nestes moldes foi então edificado o Bloco de Saldanha, em forma de U,
com cerca de 115 habitações. Este terá sido dos primeiros blocos de habitação colectiva pro-
movido por dinheiros públicos, neste caso pela Câmara.
Só nos anos 40 terão surgido de forma mais generalizada bairros de habitação colectiva, com
as Habitações Económicas, sendo este o primeiro momento no sentido de uma política social
de habitação positiva, programa iniciado em 1946 , extinto apenas em 1972.
Este programa habitacional, apesar de ter sido desenvolvido para todo o país, teve no Porto
acções demasiado reduzidas, pelo que o município terá desenvolvido, em 1956, paralelamen-
te o Plano de Melhoramentos da Cidade (que incluía o Plano de Salubrização das Ilhas), em
que se procurava, de uma maneira geral, acabar com estas habitações precárias das classes
pobres da cidade. Para tal, o Município propôs a edificação 6000 fogos, que serviriam para
albergar a população saída das Ilhas a serem destruídas.
Estas políticas habitacionais desenvolvidas entre o segundo e o terceiro quartel do século XX,
apesar de afectarem públicos diferentes, de se apropriarem de maneira distinta do território
e de serem tipologicamente incomparáveis (já que no segundo quartel o governo terá inves-
tido em moradias com jardim, com baixa densidade populacional e pouco aproveitamento
do solo, enquanto no terceiro investiu na habitação colectiva), têm em comum um factor
essencial: todas elas se focaram nos territórios periféricos da cidade, com poucos acessos e
fraca ligação através de transportes públicos, condenando assim, de modo geral, a população
que aí habitava ao isolamento.
Toda esta situação se terá agravado quando efectivamente as acções se focaram nas classes
mais desfavorecidas, que não teriam qualquer poder de compra e a quem era imposta uma
mudança de casa, de bairro, de vizinhos, para um ambiente onde estariam confinados a um
novo espaço, deixando para trás tudo o que sempre conheceram, e criando situações graves
de desenraizamento da população.
Note-se, no entanto, que se tivesse existido ao longo de todos estes anos uma política de re-
novação e reabilitação do centro histórico, as Ilhas teriam sido provavelmente, todas destruí-
das, já que até então estas terão sido sempre encaradas como habitação precária a erradicar.
As Ilhas tiveram, então, um primeiro momento de reconhecimento com o SAAL no pós 25 de
Abril, altura em que se lutou pelo direito à cidade e se conseguiu melhorar as condições de
vida de muitos portuenses, mantendo-os na sua zona de conforto.
Todo este processo terá apenas sido possível pelo período conturbado que a nível político se
vivia no país, sendo, no entanto também consequência de uma mudança de mentalidade,
preparada por parte dos profissionais da arquitectura e urbanismo ao longo dos anos que a
antecederam. Mudança essa, que terá sido generalizada apenas pela publicação de alguns ar-
tigos e estudos, muitos deles produzidos pelo LNEC, Laboratório Nacional de Engenharia Civil,
sobre os acontecimentos na Europa e no mundo que apreendiam as medidas que poderiam
ser aplicadas em Portugal.
Neste processo participativo, que foi o Serviço Ambulatório de Apoio Local, SAAL, pela pri-
meira vez as Ilhas foram entendidas como parte da cidade, que não precisa, nem deve ficar
166
escondida nas traseiras da cidade, onde sempre estiveram. Estas são, neste movimento, en-
caradas pelo que sempre foram: pequenos agregados de habitações, unidos por um corredor
ou espaço comum, onde os moradores se encontram e convivem. Terá sido sempre nesta
perspectiva que o SAAL terá intervindo nestes espaços.
Construindo quando necessário, reabilitando quando possível, cada espaço foi nestes projec-
tos desenvolvido de maneira que a equipa técnica e os moradores ficassem satisfeitos com
as mudanças.
O processo SAAL ainda que não tenha sido dirigido apenas para as Ilhas, até porque foi um
processo que se desenvolveu a nível nacional, terá sido de extrema importância para estas
começarem a ser encaradas sem os preconceitos que as haviam seguido até então. Todo este
processo surge incluído num conjunto de acções prioritárias promovidas pelo FFH, Fundo de
Fomento de Fomento da Habitação.
Ainda assim, e mais uma vez, as Ilhas voltarão a ser esquecidas com a interrupção do processo
SAAL seguindo-se no país um período ainda muito influenciado por ideias que promoveriam
a habitação de interesse social, e que se viria a reflectir na vasta construção de cooperativas.
Este foi um momento muito interessante, já que estas teriam não só uma enorme preocupa-
ção com o desenho dos espaços interiores do fogo mas também com os dos exteriores, não
estando a edificação de um complexo normalmente destinada apenas um grupo ou classe
social, promovendo a mistura de classes, evitando a segregação e a criação de guetos, como
acontece frequentemente nos bairros camarários (onde apenas habitam as classes insolven-
tes e consequentemente acabam por se tornar espaços de exclusão dentro da cidade).
As cooperativas eram, no entanto, um movimento autónomo, não sendo por isso uma po-
lítica de habitação promovida pelo Estado. Ainda assim, acabaram por ser talvez a solução
mais equilibrada, pelo facto de darem oportunidade a classes mais pobres de conseguirem
condições dignas, sem as separar do resto da cidade.
Ainda assim, no final do milénio, as políticas habitacionais voltam-se de novo para a edifica-
ção de bairros camarários, ocupados por classes sociais homogéneas, com programas como
o PER, que procurava erradicar os bairros de lata que haviam ao longo de todo o século sido
construídos, principalmente em Lisboa e no Porto.
Apenas mais tarde se nota uma preocupação por parte do Estado na recuperação do pa-
trimónio imobiliário, ficando o PER responsável pela reabilitação de imóveis devolutos, se
estes viessem a ser ocupados por famílias recenseadas no programa.
Só já na viragem do milénio o Estado começa a demonstrar alguma preocupação com os cen-
tros históricos das cidades e os seus problemas.
É o caso do Porto, onde por altura do Porto 2001 Capital Europeia da Cultura se começou a
perceber o quão desaproveitados e abandonados estes espaços centrais se encontravam. O
evento iniciou o debate mas não se conseguiu resolver os problemas levantados.
Foram criadas as SRU’s, no caso da cidade nortenha, a Porto Vivo, constituída em 2004, que
de alguma que tem como objectivo a resolução de alguns dos problemas acima referidos.
Estas sociedades que procuram criar as condições necessárias para motivarem o investimento
de privados nas áreas críticas da cidade, gerando uma cooperação público-privada, acabam
contudo por não conseguir de uma maneira geral proteger os interesses públicos que essa
cooperação deveria ter, acabando por se gerar um processo de gentrificação dessas áreas,
obrigando a população, chamemos-lhes “nativa”, desses locais a fugir aos novos e demasiado
altos preços que se passam a praticar nessas áreas.
167
As Ilhas são mais uma vez descuradas já que não integram os espaços de acção destes planos.
Ainda assim, foram realizados estudos a pedido do município, no ano de 2001, que terão sido
actualizados em 2011, mas que não levaram à criação de qualquer acção prática. Este esque-
cimento deve-se em grande parte ao facto destes núcleos serem, na sua maioria, privados e,
consequentemente, não serem considerados como responsabilidade da Câmara.
Como é notório, as Ilhas terão sido, desde a sua construção, espaços claramente negligencia-
dos, inicialmente pela maneira como foram edificadas (com fracos materiais, e pela falta de
cuidado com que os espaços eram desenhados), mais tarde, por se deixar que estes espaços
ficassem escondidos e fossem encarados como a vergonha da cidade.
Assim, durante mais de um século e meio de existência, as Ilhas terão recebido algum pro-
tagonismo em apenas quatro momentos: aquando da peste bubónica no final do século XIX,
onde pela primeira vez a cidade reconhece a existência destes espaços, como um problema,
mas nenhuma atitude se terá tomada; já muito mais tarde nos anos 50 do século XX, quando
é realizado o inquérito a estes espaços, promovido por Almeida Garrett, e se cria o Plano de
Salubrização das Ilhas, que pretendia destruir a grande parte destes espaços; entre 1974 e
1976 no processo SAAL, momento em que estas não serão propriamente protagonistas, mas
onde são encaradas sem preconceitos, e vistas como parte (física, cultural, e ideológica) da
cidade; por último, as acções promovidas pela Câmara Municipal da cidade de hoje, desen-
volvidas no capítulo anterior.
A verdade será que o facto de as Ilhas serem privadas pode ser um problema para a autar-
quia, dificultando de alguma forma uma possível acção, mas podem também e devem até,
ser encaradas como parte de uma possível solução do problema da habitação, envolvendo
menos custos por parte do Estado.
De certa forma, e na sequência da ideia de que as Ilhas são recuperáveis, a Câmara de hoje,
tem promovido acções que se mostram promissoras para estes núcleos. Terá não só desen-
volvido um estudo aprofundado sobre as Ilhas, mas também pedido um estudo detalhado de
formas de acção possíveis para promover a sua requalificação sempre que viável, tendo tam-
bém iniciado o processo de reabilitação da Bela Vista (umas das poucas que são propriedade
da autarquia), promovendo desta forma estes núcleos e mostrando que este tipo de projecto
é possível e viável, mesmo quando executado com um orçamento limitado, que no caso desta
Ilha, se prevê que, não passe dos 21 000€ por fogo tornando este um projecto-piloto e um
exemplo para toda a cidade.
Há uma clara mudança na maneira como a autarquia está a tratar este problema, mais apro-
ximada da metodologia do processo SAAL: prevê uma abordagem mais humana e sensível
com as pessoas que habitam estes espaços, consequentemente mais inclusiva e positiva para
a cidade total, a habitação básica e social no centro da cidade, algo que até hoje nunca se
verifica, reflectindo-se num grande abandono dos espaços do centro.
Termina-se assim este trabalho, deixando, em aberto o futuro das Ilhas que marcam profun-
damente, há mais de um século e meio, não só a estrutura urbana (escondida) da cidade, mas
o carácter da sua população humilde e simples, e também forte, lutadora, solidária e acima
de tudo muito humana.
169
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(3º)
Índice de Imagens
Figura 1 - Rua de Glasgow, Thomas Annan............................................................................................................ 16
San Francisco Museum of Modern Art; Online em http://amica.davidrumsey.com/
Figura 8 - Vista Aérea de Hulme, na periferia de Manchester, e o intenso aproveitamento de solo no bairro
operário edificado no inicio do século XX............................................................................................................. 26
http://www.exhulme.co.uk/
Figura 15 - Modelo típico de das, casas edificadas em Barcelona, Classe 3, encontravam-se geralmente em ruas
com largura de 3 a 4 metros.................................................................................................................................... 30
CERDÀ, Ildefonso; Ensanche de la ciudad de Barcelona, Memoria descriptiva de los trabajos facultativos e estudios
estadísticos hechos de Orden del Gobierno, y consideraciones que se han tenido presentes en la formación del
Ante-Proyecto Para el Emplazamiento y distribución de Nuevo Casario
Figura 18 - Proposta Vencedora do concurso para a Expansão de Barcelona, por Antoni Rovira i Trias, 1859..... 30
Museu d’Historia de la Ciutat, Barcelona online em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EixampleBCN-pro-
jecteRovira
Figura 23 - Demolições para abertura da Avenida da Ópera, Fotografia de Coll Viollet, 1878.............................. 36
PINON, Pierre; Atlas du Paris Haussmanien; Editions Parigramme;2002; Pág. 6
Figura 46 - Os 3 imans........................................................................................................................................... 50
HOWARD, Ebenezer; Garden Cities of To-morow; Faber Editions; 1970; Pág. 46
Figura 50 - Großsiedlung Onkel-Toms-Hütte, de Bruno Taut, Hugo Härig, Otto Rudolf de 1926-32...................... 52
http://ic.ucsc.edu/~jhfrisk/germ119/Architecture/architekturfuhrer/673.htm
Figura 65 - Vista Aérea da construção do Bairro de Alvalade, Augusto Abreu Nunes, 1953................................. 64
PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013
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Figura 66 - Plano de Urbanização da Zona Sul da Avenida Alferes Malheiro, de Guilherme Faria de Costa, ........ 64
PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013
Figura 67 - Plano Geral do Bairro de Olivais-Sul, Casas de Renda Económica da FCP-HE, I plano do GTH....... 66
PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013, Pág.24
Figura 69 - Plano Geral do Bairro de Olivais-Sul, Casas de Renda Económica da FCP-HE, I plano do GTH....... 66
PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013
Figura 71 - 1º Plano Geral do Bairro de Ramalde, Porto, Projecto de Fernando Távora, Habitações Económicas -
FCP........................................................................................................................................................................... 66
Távora, Fernando, Lisboa: Editorial Blau, 1993
Figura 73 - Bairro de Barcelos, Perspectiva do anteprojecto, Nuno Teotónio Pereira, 1959, FCP - HE.................. 66
PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013
Figura 77 - Esquema de relações dos factores que condicionam o uso da casa e que a devem definir, LNEC...... 70
PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013
Figura 78 - Esquemáticas com diferentes tipos de Ocupações possíveis, em lotes estreitos, médio e quadrados,
LNEC, 1971.............................................................................................................................................................. 70
PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013
Figura 88 - Alçados................................................................................................................................................ 72
SARDO, Delfim (coord.) O Processo SAAL: Arquitectura e Participação, 1974- 1976; Porto; Fundação de Serralves;
2014; Pág.176
Figura 89 - Planta da 2ª Fase da Cooperativa dos, Arquitectos, Projecto de Manuel Correia Fernandes.............. 74
Informação Obtida pelo Autor, no decorrer do 3º Ano do Curso; Cadeira de Construção;
Figura 91 - Fotografia Sache, 1ª fase em Ramalde, Projecto de Manuel Correia Fernandes, 1990....................... 74
http://infohabitar.blogspot.pt/2008_08_01_archive.html
Figura 94 - Bairro Da Malagueira, Projecto de Habitação Evolutiva, Plantas e Alçados, Projecto de Álvaro Siza,
1978........................................................................................................................................................................ 74
PORTAS, Nuno (coord); Habitação Para o Maior Número, os anos 1950-1980; Lisboa: Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana; Câmara Municipal de Lisboa, 2013
Figura 122 - Projecto do Bairro do Comércio do Porto, Monte Pedral, de Marques da Silva, 1899.................... 100
Desenho de Fundação Marques da Silva; Online em:https://fims.up.pt/
Figura 126 - Ruas Mousinho da Silveira e das Flores, cerca de 1900................................................................... 102
http://www.portoantigo.org/
179
Figura 127 - Bairro das Condominhas, Fotografia Alvão...................................................................................... 104
Centro Português de Fotografia
Figura 132 - Bloco de Duque de Saldanha, Antes da Construção do Bloco que fecha o mesmo para a Rua....... 106
Azevedo, Maria José, pref; Porto Câmara Municipal Pelouro da Habitação e Acção Social; Porto: Câmara Municipal
do Porto. Pelouro da Habitação e Acção Social, 1997
Figura 136 - Localização dos Bairros Camarários e demolições do Plano de Melhoramentos, 1956.................. 108
PORTO, Câmara Municipal; Plano de Melhoramentos para a Cidade do Porto; Porto; CMP 1956
Figura 139 - Plano Regular da Cidade do Porto - Planta Síntese 1952................................................................. 110
http://portoantigo.taf.net/dp/taxonomy_menu/1?from=1118
Figura 151 - Projecto de Intervenção do SAAL para Miragaia, Não Construido................................................... 120
Exposição do Processo SAAL, Serralves 2014
Figura 155 - Estudo para Projecto de Recuperação das Ilhas, ALvaro Siza.......................................................... 120
Exposição do Processo SAAL, Serralves 2014
Figura 156 - Estudo para Projecto de Recuperação das Ilhas, ALvaro Siza.......................................................... 120
Exposição do Processo SAAL, Serralves 2014
Figura 159 - Implantação do Bairro das Antas, Projecto de Pedro Ramalho....................................................... 120
Exposição do Processo SAAL, Serralves 2014
Figura 165 - Corte Bairro da Bouça, Projecto de Álvaro Siza Vieira..................................................................... 122
https://portuguesearchitectures.wordpress.com
Figura 174 - Mapa dos Limites de Intervenção da, Porto Vivo............................................................................ 128
Figura 175 - Estado de conservação do edificado da zona a intervir................................................................... 130
SRU MAster Plan Volume I
Figura 179 - Fachada da Rua de S.Victor com Acesso a uma Ilha, 2015.............................................................. 132
Fotografia do Autor
Figura 182 - Tabela com dados sobre, o número de núcleos a intervencionar em cada fase do Programa Estratégi-
co........................................................................................................................................................................... 142
CONCEIÇÃO, Paulo; VÀZQUEZ, Isabel Breda (coord); “Ilhas do Porto - Programa Estratégico; Julho 2015; ......... 142
Figura 191 - Esquema Explicativo, Sector Técnico, Projecto de Reabiltação da Ilha da Vista.............................. 156
Material cedido pelo LAHB Socia