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A NOVA FACE

DA VELHA CENSURA
AMOSTRA GRÁTIS

CAPÍTULO

As raízes totalitárias da censura política


(amostra gratis do livro Fake Check: a máfia da censura)

Cristian Derosa
A censura soviética

Não se trata de uma coincidência o fato de que o combate às


fake news, promovido por grandes empresas de comunicação, tenha
um viés tão claramente de esquerda. A idéia da “regulação da
liberdade” já tinha, como vimos, diversas ramificações
revolucionárias e reacionárias ao longo da história. Mas só os países
comunistas contaram com uma estrutura burocrática oficial com o
fim estrito de coibir as “notícias falsas” ou informações
inconvenientes à ideologia oficial do regime.
Na União Soviética, a Diretoria Principal para Assuntos Literários
e de Publicação, conhecida como Glavlit, era a agência estatal
responsável pelo controle de materiais impressos. A imprensa era o
seu foco principal, o que não impedia de censurar outras mídias,
como o rádio, televisão, teatro e cinema. A Glavlit foi criada por um
decreto de 6 de junho de 1922, em substituição da anterior rede de
agências de censura civis e militares que havia sido criada após a
tomada do poder pelos bolcheviques. Apesar de oficialmente existir
liberdade de imprensa na União Soviética, a Glavlit buscava controlar
e impedir a publicação de informações econômicas ou militares com
a justificativa de serem “uma ameaça à segurança soviética”. Isso
incluía assuntos tão diversos como safras de grãos, inflação,
incidência de doenças e localização de indústrias militares etc. Os
líderes militares e partidários compilaram uma lista de fatos e
categorias considerados secretos.
O texto original do decreto de 1922, o governo soviético fala
claramente no combate às notícias falsas que influenciam a opinião
pública, especificamente no terceiro item do artigo terceiro do
decreto.

3. A Diretoria Geral de Literatura e Imprensa e seus órgãos


proíbem a publicação e distribuição de obras que:
a) contenham agitação contra o regime soviético,
b) divulguem segredos militares da República,
c) incitem a opinião pública com informações falsas,
d) incitem o fanatismo nacionalista e religioso,
e) sejam de natureza pornográfica.

A agência também foi acusada de suprimir qualquer material


impresso considerado hostil ao estado soviético ou ao Partido
Comunista. Isso variava de pornografia a textos religiosos e qualquer
coisa que pudesse ser interpretada como crítica ao partido ou ao
estado, implícita ou explicitamente. Os censores individuais
mantinham certa discrição e frequentemente mostravam
considerável criatividade e paranóia em seu trabalho. A severidade
da censura variou com o clima político, tendo sido particularmente
rigorosa na sua “supervisão dos editores privados autorizados a
operar” entre 1921 e 1929, de acordo com o historiador Michael S. Fox1.
Em 1930, todas as impressões e publicações na União Soviética
estavam sujeitas à censura prévia do governo. Desde jornais, livros e
até panfletos, pôsteres, blocos de anotações e ingressos de teatro,
tudo exigia a aprovação de um oficial da Glavlit antes de poder ser
publicado, sendo a violação desta regra uma ofensa criminal grave.
A agência Glavlit também mantinha funções secundárias, como
a censura de literatura estrangeira que era importada para a União
Soviética. Também participou de operações de eliminação de
materiais considerados provenientes de "inimigos do povo" de
bibliotecas, livrarias e museus.
A Glavlit fez parte do chamado “Comissariado do Iluminismo da
República Russa” até 1946, quando foi colocada sob a autoridade
direta do Conselho de Ministros, tendo seu nome mudado várias
vezes, prática comum em agências comunistas. Apesar dessas
mudanças, a sigla Glavlit continuou a ser usada em fontes oficiais e
não oficiais. Tecnicamente uma instituição estatal, Glavlit respondia
diretamente ao Comitê Central do Partido Comunista, que
supervisionava todo o seu trabalho e indicava seu líder. Cada uma
das Repúblicas Soviéticas tinha seu próprio Glavlit, sendo que a
agência russa dava o tom geral para a censura soviética.
O longo período de censura fez com que escritores russos
criassem métodos de autocensura, evitando problemas, o que

1
Michael S. Fox. Glavlit, Censorship, and the Problem of Party Policy in Cultural Affairs,
1922–1928. Soviet Studies (1992).
evidentemente produziu um efeito de silenciamento geral sobre as
críticas à política soviética.
A censura soviética possuía várias agências especializadas, cada
uma alocada em órgãos específicos para cada área. Eles “checavam”
e aprovavam o conteúdo de tudo o que fosse publicado dentro das
suas áreas. Por exemplo, histórias de ficção científica são rejeitadas
pela Glavlit, caso contenham qualquer menção à fissão atômica sem
o carimbo da Comitê de Energia Atômica do Estado no Conselho de
Ministros da URSS, onde havia um escritório especializado de
“checagem”.

“Se assuntos relacionados aos domínios de qualquer


desses censores especializados brotam no texto, ele deve ser
enviado imediatamente para o censor correspondente para a
obtenção do seu carimbo, antes do material seguir para a
Glavlit”.

O documento elaborado pela Agência de Inteligência Americana


(CIA), intitulado “‘Glavlit’: Como funciona a censura soviética”2,
publicado em 1972, traz detalhes deste tipo de trabalho de censura
feito pelos soviéticos.

“Outro censor especializado é a Comissão de Pesquisa e


Exploração do Espaço Cósmico da Academia de Ciências da
URSS. Ela é apenas mais um grupo de censura especializada,
intimamente ligada à Glavlit e funciona no prédio dos
Institutos Acadêmicos, na Vavilov Prospect, nº 18. Esse censor
foi chefiado pelo Candidato de Ciências* Técnicas Mikhail
Galaktionovich Kroshkin desde sua origem em 1957. Todo livro,
artigo, programa de rádio ou TV que contenha voos espaciais
tem que receber autorização do censor de Kroshkin. Quando
os cosmonautas soviéticos participam de coletivas de
imprensa depois de cada voo, Kroshkin senta atrás deles e
“corrije” suas respostas ao vivo”.

2
Vladimirov, Leonid. “Glavlit”: como funciona a censura soviética (1972). Trad. Renato Rabelo.
Estudos Nacionais, 2020.
Os métodos oficiais da Glavlit foram sendo relaxados a partir de
1988, a partir da glasnost de Mikhail Gorbachev, deixando de existir
oficialmente em 1991. No entanto, muitos escritores relatam outras
formas de pressão estatal sobre os meios de comunicação existentes
até hoje na Rússia.

Da censura à autocensura: perseguição ideológica


no Brasil

O Brasil teve um órgão semelhante durante o governo de


Getúlio Vargas, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). De
acordo com o Dicionário Histórico Biográfico do Brasil, as atividades
do DIP eram distribuídas entre cinco divisões principais. A divisão de
divulgação, por exemplo, tinha sob sua competência as atividades de
“elucidação da opinião nacional sobre as diretrizes doutrinárias do
regime e o combate, por todos os meios, à penetração e
disseminação de qualquer idéia perturbadora da unidade nacional”.
Tudo o que era censurado aparecia numa lista publicada no Diário
Oficial.
O DIP promovia concursos de monografias, garantindo às obras
premiadas, nitidamente de caráter apologético do regime, a
publicação e a divulgação por todo o país. Folhetos explicativos sobre
o novo regime do Estado Novo marcaram a atuação doutrinária do
órgão.
O DIP começou a perder o poder com o fim da Segunda Guerra,
a partir da óbvia associação que teve com os regimes ditatoriais que
cerceavam a liberdade de imprensa de modo tão declarado e oficial.
Diante da crescente pressão popular pelo fim de todos os órgãos
cerceadores da liberdade criados durante a vigência do Estado Novo,
o DIP foi extinto em 25 de maio de 1945, explica o trecho do verbete
publicado pela Fundação Getúlio Vargas3.
Mas a atividade de censura e controle da comunicação começou
a ser gradualmente transferida do Estado para os próprios jornais, o

3
Informações do verbete “Departamento de Imprensa e Propaganda” do Dicionário
Histórico-Biográfico Brasileiro, a partir de trechos selecionados pela própria Fundação Getúlio
Vargas.
que foi feito a partir do retorno dos militares ao poder, em 1964, em
um processo lento.
Durante o regime militar instalado em 1964, a censura buscou
resgatar de forma discreta o trabalho do DIP, através do Serviço
Nacional de Informações (SNI), mas com bem menos intensidade. O
filósofo e jornalista Olavo de Carvalho, que trabalhou intensamente
em jornais durante o período, conta que a censura se fazia
principalmente nas notícias, quando tinham erros ou imprecisões
(que coincidiam obviamente com críticas ao regime). Mas a censura
não se ocupava dos textos de opinião, que se mantiveram livres
durante o período.
Carvalho conta ter presenciado a ocupação da imprensa
brasileira por militantes do Partido Comunista, o que obteve grande
auxílio do próprio governo ao exigir a sindicalização dos jornalistas.
Como os sindicatos já eram plenamente ocupados por comunistas,
todas as redações dos grandes jornais passaram a estar em suas
mãos graças ao próprio governo que se dizia oposto ao comunismo.
O resultado desse processo o Brasil colhe até hoje.
O combate dos governos militares à luta armada ganhou toda a
atenção estratégica do regime, deixando de lado e livre o trabalho
editorial e de pequenos jornais de esquerda, que tiveram o período
como de maior atividade, sendo inclusive em alguns casos
financiados com o dinheiro estatal. A censura ou fiscalização de livros
era bastante óbvia e pouco efetiva por ser facilmente burlada.
Embora houvesse uma lista de obras proibidas, uma imensa
quantidade de livros de esquerda entravam no país por meio de
editoras ligadas à Igreja Católica, por exemplo, como a Editora Vozes,
associada ao clero progressista.
Jornais e panfletos de extrema esquerda circulavam livremente
também nas universidades, deixadas em paz por meio da estratégia
de Golbery do Couto e Silva, teórico principal da doutrina de
segurança nacional brasileira que defendia amplo diálogo com a
esquerda. Ele foi um dos principais responsáveis pela manutenção
da atividade revolucionária nas universidades, principalmente a
Universidade de São Paulo, berço de importantes nomes da
esquerda como Fernando Henrique Cardoso. Foi também o período
de grande prestígio de sociólogos e historiadores da esquerda, como
Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes, que trabalhavam
ativamente e formaram toda uma classe política que mas tarde viria
a ocupar a política brasileira.
A partir do poder intelectual exercido das universidades, a
esquerda obteve o controle de diversos meios de comunicação. Em
1979, no auge da atividade acadêmica de esquerda, o marxista
Adelmo Genro Filho publica uma tese de jornalismo em que faz uma
crítica para a implementação uma “teoria marxista do jornalismo”.
Uma de suas sugestões, que já vinha sendo implementada à risca, é
a ocupação das editorias dos jornais ligadas ao noticiário factual, não
apenas o opiniativo. Embora isso já estivesse ocorrendo há tempos, a
orientação clara de Adelmo representa uma tomada de consciência
importante para a tomada do poder esquerdista nas redações.
Para Genro Filho, era preciso superar a idéia ortodoxa do
marxismo de que o jornalismo encarnava o capitalismo
invariavelmente.

“Embora o jornalismo expresse e reproduza a visão


burguesa do mundo, ele possui características próprias
enquanto forma de conhecimento social e ultrapassa, por sua
potencialidade histórica concretamente colocada, a mera
funcionalidade ao sistema capitalista”4.

Com isso, ele conclamava os comunistas a deixarem de lado o


preconceito com a linguagem dos jornais burgueses para ocupar-se
dele de maneira menos constrangida. Ele propõe, portanto, uma
nova ideia de jornalismo, o que nas décadas seguintes foi
perfeitamente adotado e hoje define a atividade jornalística,
especialmente o fact-checking. Afinal, antes de recomendar que os
jornalistas ocupassem as redações, não deixou ele de lembrar o que
deve o jornalista de esquerda ter em mente e o que pretende aplicar
aos jornais:

“A tese de Lênin sobre a necessidade do jornal partidário


enquanto “organizador coletivo”, com funções de análise
crítica, luta ideológica, propaganda e agitação é, ainda
presentemente, insuperada em seus fundamento”.

4
Genro Filho, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto
Alegre: Tchê!, 1987.
Tais apontamentos puseram em nova chave a crítica marxista
dispensada ao jornalismo burguês, historicamente financiado por
grandes grupos. Após o fim da União Soviética, uma imensa
operação de abertura do comunismo ao mundo, a profusão de ONGs
e movimentos sociais aliaram-se ao jornalismo em uma rede de
fontes e definidores primários. Por meio dessa nova estrutura, o
jornalismo parecia, aos olhos do mundo, finalmente “corrigir-se” do
problema da dependência financeira e capitalista.
Nisso voltamos aos anos 90, quando a credibilidade começou a
ser abalada, por um lado pelo acúmulo crítico da própria esquerda
externa ao jornalismo e, por outro, pela própria presença dela na
imprensa, em uma espécie de “ação de duplo efeito”, marca da
dialética marxista: enquanto o ocupavam, criticavam os efeitos
deletérios dessa ocupação, de modo a superar cada etapa em um
processo revolucionário perfeitamente hegeliano e frankfurtiano5.
O jornalismo viu no ativismo aberto a melhor forma de combater
a perda de credibilidade fruto da crescente suspeita sobre o seu
conteúdo. Ao invés de continuar a prometer objetividade, os jornais
assumiram de vez o tom ativista em prol das causas sociais. Afinal,
jornais que se contentavam em ser meros espectadores dos fatos
não tinham lugar no novo mundo em que a transformação social se
convertia na atividade fundamental e obrigatória, mesmo sem uma
ideia clara sobre o sentido de tal transformação. Nem mesmo seus
financiadores bilionários seriam bem vistos no mundo sem a
obrigatória preocupação social.
O percurso histórico que vai da função informativa até o atual
ativismo não precisa ser descrito em tantos detalhes, mas apenas
resumidamente.
A defesa acalorada da objetividade jornalística, retomada do
positivismo diante do avanço tanto das Relações Públicas comerciais
quanto da propaganda comunista, nazista e fascista, parecia impor à
comunicação social a necessidade de distinção fundamental das
outras linguagens, diante da urgência consensual da defesa da
democracia e manutenção da paz. Foi com a mesma disposição que
5
A tese de Marx, da crítica total de tudo quanto existe, baseada na dialética do negativo, de
Hegel, foi eficientemente recuperada pela Escola de Frankfurt, que via no capitalismo todos os
problemas inerentes à deterioração cultural. Ler Olavo de Carvalho: A Nova Era e a Revolução
Cultural.
se chegou à conclusão irremediável de que as divergências de
opinião, quando levadas ao extremo, poderiam provocar conflitos
insolúveis, culminando talvez na repetição dos horrores das guerras6.
Essa convicção justificou a imensa centralização observada na
comunicação do século XX.
Foi a partir dos anos de 1980 que a credibilidade dos jornais
começou a cambalear, chegando aos anos 1990 em grande
descrédito, especialmente nos Estados Unidos, conforme observou o
pesquisador e jornalista português, Nelson Traquina.

“Uma sondagem nacional realizada nos ­Estados Unidos


em 1994 indica que somente 25 por cento das pessoas
inquiridas concordam com a afirmação que os media ajudam
a sociedade a resolver os seus problemas. Outros números são
inquietantes: enquanto, em 1973, 23 por cento das pessoas
inquiridas indicaram que tinham “muita” confiança nos
media, a percentagem desceu para 14 por cento em 1983 e
apenas 10 por cento em 1994. Igualmente, em 1994, 63 por
cento das pessoas inquiridas indicaram que as empresas
jornalísticas são frequentemente influenciadas por pessoas e
organizações poderosas”.

Essa situação provocou grande preocupação, não só com o


jornalismo em si, mas com o futuro da democracia, já que o controle
das opiniões, como se viu, era encarado como verdadeira garantia da
paz mundial. A percepção desta crise levou à redefinição mais clara
do papel do jornalismo, cujo espaço já era disputado entre seus
patrões do que a esquerda chamava de “grande capital” e pela classe
revolucionária, formada por partidos comunistas por meio de
sindicatos profissionais etc. Era preciso um tipo de colaboração entre
ambos, o que impunha a necessidade de um armistício, um pacto.
Esse pacto não veio de forma declarada, mas através de uma série de
reflexões em um nível de discurso que se fez entender, aos poucos, o
que era preciso ser feito.

6
Ver reflexões de Harwood Childs em An Introduction of public opinion, de 1940, republicado
no Brasil pela Fundação Getúlio Vargas sob o título de “Relações Pública, Propaganda e Opinião
Pública”, em 1964.
De certa forma, o papel dos jornais na educação para a
democracia já estava presente nas reflexões do sociólogo John
Dewey7. O debate histórico entre Dewey e Lippmann marcou as
discussões sobre as esperanças na democracia. Lippmann era crítico
do jornalismo e não acreditava que a democracia das massas tinha
capacidade de produzir clareza de uma orientação benéfica para o
mundo. Esse debate produziu grande impressão nas mentes que se
viam como potenciais definidoras dos rumos do mundo.
Em defesa do papel ativo do jornalista, autores como Davis
Merritt, Jay Rosen e outros, escreveram verdadeiros manifestos em
defesa de uma mudança profunda no jornalismo em direção ao seu
papel de garantidor da democracia. Deve-se a eles o início do “civic
journalism”.
O objetivo principal desta nova proposta para o jornalismo era
alcançar uma maior clareza de princípios, abandonando a velha
posição ambígua de transformação social discreta. Como escreve
Rosen: “O jornalismo pode e deve ter um papel no reforço da
cidadania (citizenship), melhorando o debate público e revendo a
vida pública”, cita Traquina em um artigo que revisa o histórico do
movimento.

“Nesse sentido, o movimento em prol do ‘jornalismo cívico’


responde ao desafio de querer mudar o status quo, mas a questão
que fica em aberto reside em saber se este ‘novo jornalismo’
assemelha-se mais a uma reforma ou uma revolução. Não é claro,
ainda mais porque, como os próprios fundadores do movimento
insistem em sublinhar, este ‘novo jornalismo’ ainda está a ser
inventado”.

De fato, o jornalismo cívico, nos EUA, contribuiu muito para a


ampliação da participação popular em questões públicas. O
resultado desse processo pode ser elencado entre as principais
causas da liberdade opinativa e informativa que se verificou mais
tarde com o advento da internet. A sequência de arrependimentos
sofridos pela elite da comunicação por terem financiado todo esse
processo não invalida os seus bons frutos, cujas mentalidades
estavam ainda inseridas na atmosfera libertária dos anos 70 e 80.
7
Dewey, John. The Public and His Problems e Democracy and Education.
Traquina conta como foi fundamental, já na metade da década
de 1990, o apoio financeiro de instituições como o Poynter Institute
(St. Petersburg, Florida), o Pew Center for Civic Journalism
(Washington), o Project on Public Life and the Press (Nova Iorque),
com os quais os mais de 200 projetos de jornalismo cívico buscaram
renovar o jornalismo norte-americano e “contribuir para dinamizar a
participação dos cidadãos na vida pública”. De posse de diversas
técnicas de auscultação do público, como as hoje tradicionais
sondagens de opinião, painéis etc, as empresas jornalísticas
passaram a “ouvir os cidadãos com o intuito de identificar a ‘agenda
dos cidadãos’. Nalguns casos, os jornalistas tornam-se parceiros
ativos na procura de soluções para os problemas da comunidade”,
conta Traquina.
A velha centralização dos recursos e do trabalho empresarial dos
conglomerados econômicos ligados à comunicação foi sabiamente
redirecionado a uma maior participação popular. Esse processo foi
fundamental e pode-se dizer que não poderia ter sido diferente. Mas
é claro que mesmo em um florescimento do “interesse público”
essas empresas e entidades poderosas mantinham a última palavra,
a seleção final de quais opiniões comporiam a “agenda”, a partir do
controle que mantinham da agenda dos próprios jornalistas.

ONGs e o jornalismo: uma liberdade algemada

De certa forma, a parceria do jornalismo com as ONGs (ou


vice-versa) veio preencher o vazio programático daquela proposta de
jornalismo cívico, público, participativo ou cidadão. Podemos usar a
analogia da tornozeleira eletrônica: você é liberado da prisão, pode ir
para casa, mas ainda depende da vigilância. Sob a aparência de um
processo democratizante, os jornais conseguiam manter seus
financiamentos e recursos sem romper com os donos do mundo, em
obediência aos seus critérios de seleção dos fatos.
Afinal, já desde os anos 1930 uma certa preocupação social
gravitava os pensamentos de bilionários temerosos das revoluções
proletárias profetizadas por Marx. Além disso, para conter a
reprovação crescente aos seus anseios de controle da economia
mundial, era preciso uma resposta social à altura do poder financeiro
que tinham. Quando John D. Rockefeller tomou a decisão de investir
pesado na filantropia social, depois de décadas enfrentando o
estigma negativo devido, entre outros fatos, ao Massacre de Ludlow,
ocorrido em 1914, ele dava aos ricos do mundo um valioso conselho,
que só mais tarde foi amplamente aproveitado e originou a corrida
global do marketing da solidariedade que hoje domina o Planeta. Se
uma revolução é inevitável, que seja pelas “mãos certas”. Em
entrevista ao programa brasileiro Roda Viva, nos anos 90, George
Soros declarou acreditar que o mundo caminha em uma curva de
desenvolvimento, mas com o seu dinheiro ele pretendia “forçar essa
curva”.
O desenvolvimento progressivo do Terceiro Setor, no mundo,
esteve intimamente ligado à concepção centralista de certos
princípios vistos como universais e, por que não, planetários.
Inicialmente inspirado pelos valores ocidentais, especificamente pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem, o trabalho das ONGs
foi progredindo na direção de transformações das concepções até o
ponto em que pudessem servir de justificativas para as já populares
“novas práticas”.
Ligadas ao paradigma mundialista ou globalista, o surgimento
das organizações não-governamentais retoma as iniciativas
fracassadas de consenso mundial, como a Liga das Nações, que mais
tarde reapareceram nos princípios das Nações Unidas.
Tais concepções cresceram no ambiente de frequente crítica à
insuficiência de governos nacionais e do meio empresarial para
resolver os problemas do mundo. A própria natureza das ONGs,
portanto, devido seu caráter não empresarial nem governamental,
pôde amoldar-se à concepção globalista, na ideia de uma
estruturação mundial de valores e práticas sociais, na promoção de
um engajamento total, monitorado e controlado por um exército de
ativistas voluntários que se amplia para toda a população.
No Brasil, o chamado Terceiro Setor começou por volta da
década de 1950, mas eram em sua maioria estrangeiras. Assim como
a Fundação Rockefeller, durante a Guerra Fria, as ONGs eram
organismos que fomentavam o desenvolvimento em países do
Terceiro Mundo, uma resposta capitalista à estratégia
terceiromundista da URSS, baseada na tática do incentivo aos
nacionalismos como fomento ao antiamericanismo.
Com o fim do regime militar, mais ONGs nacionais começaram a
surgir e se organizaram principalmente na defesa de presos políticos,
ligadas a movimentos sociais de esquerda, ainda financiadas
internacionalmente. Para compreender as justificativas históricas e
teóricas para a formação dessa intrincada parceria, nada melhor que
valer-se das investigações acadêmicas que buscaram entender a
estrutura da atividade jornalística e sua relação com a função
transformadora, tão festejada por eles. Fontes acadêmicas, neste
caso, são insuspeitas justamente pela sua evidente militância.
"Os Movimentos Sociais dos anos 60 e 70 reivindicavam
identidade social e visibilidade para suas causas: a questão do
feminismo, do divórcio e da liberação sexual são exemplos", escreve
Robson Dias, no artigo Direitos da Criança: Jornalistas, Ong’s e o
Agenciamento da Cidadania8 (2014). A Constituição de 1988 deu
origem a um processo de institucionalização das ONGs, o que
fomentou uma organização maior e deu uma "conotação mais
executiva aos organismos sociais". A conformação dessa nova forma
de atividade foi inteiramente herdada dos movimentos sociais por
direitos que já atuavam durante o regime militar.
A partir da "redemocratização", as ONGs dos anos 90 tiveram
outra forma de apresentação, buscando diferenciar-se das anteriores,
mas com grande penetração social, política e especialmente no
jornalismo.

"As novas ONGs [depois da Constituição de 1988] não


gostavam de ser confundidas com as militantes [antes da
Constituição de 1988] e, por esta razão, autodenominavam-se
simplesmente como Terceiro Setor. O grau de profissionalismo
era alto: técnicas empresariais de organização, gestão
administrativa de mercado, estratégia de marketing, uso de
mídia, divulgação de planos e resultados" (Rebechi, 2002)9.

8
Dias, Robson. Direitos da Criança: jornalistas, ONGs e o agenciamento da cidadania.
Publicatio UEPG: Ciencias Sociais Aplicadas, 2011.
9
Apud, Ibidem, 2011.
Financiadas por organismos internacionais, essas ONGs
precisavam fazer valer cada centavo e não desperdiçar aquele
montante recebido, o que impulsionou novos estudos para ampliar a
efetividade da sua mensagem, ampliação do alcance na opinião
pública. Aí entra o papel dos jornais. Mesmo já tendo desenvolvido
ideias de participação social do “jornalismo cívico”, como vimos, o
jornalismo ainda dependia financeiramente do meio empresarial,
sustentado por anunciantes que pagavam pelo número dos seus
assinantes, um modelo de negócio consagrado pelo tempo.
A atividade jornalística tradicional resumia-se em encher
páginas com notícias do dia-a-dia e da política, recebidas ou
descobertas por meio do que repórteres levantassem de fontes
anônimas, conhecidas ou publicações oficiais do governo e suas
assessorias. O “jornalismo cívico” trouxe novos métodos e, como
vimos, nos EUA as empresas já investiam pesado em novas práticas.
Mas tudo ainda dependia da boa vontade do jornalista, do repórter
ou do editor, em dar voz às necessidades populares ou não. Embora
as relações públicas já se desenvolvessem na direção de uma
crescente influência nos jornais, essa estrutura só se formalizou com
a profissionalização das ONGs e sua consagração como fontes
primárias do jornalismo.
As ONGs foram deixando de ser fontes marginais para se
tornarem as principais fornecedoras de contextualizações sociais e
critérios de pauta. Ao mesmo tempo, essas organizações precisaram
se valer de diversas técnicas de convencimento para captar novos
investidores.

"As organizações do Terceiro Setor, originárias da


Sociedade Civil, institucionalizaram-se numa década marcada
pela profissionalização deste setor. No momento seguinte, se
vêem com dois grandes desafios: buscar visibilidade midiática
a fim de legitimar suas lutas e dominar as técnicas de
comunicação para convencer seus públicos e seus
investidores" (Santos, 2007).

Com isso, o Terceiro Setor trouxe ao Brasil o Jornalismo Público


na versão já profissionalizada que já vinha sendo amplamente
consagrado nos EUA. Este tipo de jornalismo prefere notícias boas,
que promovam a cidadania e defendam causas abertamente por
meio da associação com certa definição de “interesse público”. As
ONGs participavam ativamente dessa definição e pode-se dizer que
essa foi a sua principal preocupação no trabalho de influenciar a
mídia. A prática jornalística originada na simbiose com as ONGs
influenciou profundamente o jornalismo tradicional, dando origem
ao que pode ser chamado "jornalismo integrador", em oposição aos
métodos sensacionalistas.
Robson Dias ressalta o exemplo da Agência de Notícias dos
Direitos da Infância (ANDI), que publica frequentemente cartilhas
para ensinar os jornalistas como reportar o tema de interesse. Em
outra oportunidade, já relatei10 uma dessas apostilas da própria ANDI,
que ensinava o funcionamento da teoria Agenda-Setting para
explicar como a pauta noticiosa (objeto) prenuncia o julgamento e a
formação da opinião (atributo), no caso do tema Mudanças
Climáticas.
Essa simbiose entre jornalismo e o Terceiro Setor mostra como
as pautas jornalísticas atuais pretendem conduzir o leitor a
determinados comportamentos de engajamento naquelas causas
sociais defendidas pelos seus fornecedores de pauta. O tema do
agendamento de notícias é facilmente exemplificado pela luta de
combate a doenças que são vinculados a meses do ano, como
Setembro Amarelo, Outubro Rosa, Novembro Azul, etc, nos quais se
define o tema a ser tratado em uma verdadeira agenda de pauta
para o jornalismo. A perda de liberdade de pauta do jornalismo
dificilmente é notada por editores e pesquisadores do campo
científico, já que o processo age no aspecto mais amplo, do
imaginário social e na construção de uma ideia comum de
cidadania, ditada por esses organismos.
Mas esse permanente esforço de homogeneização das opiniões
e manutenção da ideia de uma Opinião Pública encontrou um
poderoso obstáculo com a chegada da internet, mais
especificamente, das redes sociais. As redes sociais tornaram
realidade a promessa original da democracia: a participação popular.
O problema é que nem a elite proprietária dos grandes veículos e
nem os donos do dinheiro estavam preparados para isso. Na verdade,

10
Ler A transformação social: como a mídia de massa se tornou uma máquina de propaganda
(2016)
eles jamais pensaram que isso seria possível. Para eles, a missão
delineada por intelectuais como H. G. Well, Walter Lippmann, de que
o conteúdo dos jornais deve ser determinado por instâncias
superiores, era algo inquestionável e que não poderia mudar. Com o
objetivo de manter esse status quo, os poderosos começaram a agir
contra a liberdade de expressão, um valor que sempre desejaram
estar associados.
A integração e assimilação do jornalismo pelas agendas globais
representadas pelas ONGs, deu aos grandes veículos o status de
cinco sentidos da elite política de todos os países. Governantes,
parlamentares, juízes de supremas cortes, têm nos jornais o seu
oráculo sobre a realidade. Isso é o que proporcionou o grande levante
das elites contra o povo, seja na criação do fact-checking e de seus
frutos políticos e jurídicos.
Em agosto de 2021, o Supremo Tribunal Federal do Brasil criou o
Programa de Combate à Desinformação (PCD), que elevava a
instituição da checagem finalmente à categoria de tribunal de
exceção, um instrumento de perseguição política e de opinião como
nunca se imaginou que seria possível. Assinado pelo ministro Luiz
Fux, a Resolução de criação do PCD tinha a seguinte redação:

Art. 1º Fica instituído o Programa de Combate à


Desinformação
(PCD) no Supremo Tribunal Federal (STF), com a
finalidade de enfrentar os efeitos negativos provocados pela
desinformação e pelas narrativas odiosas à imagem e à
credibilidade da Instituição, de seus membros e do Poder
Judiciário, a partir de estratégias proporcionais e
democráticas, a fim de manter a proteção da Corte acerca
das liberdades de comunicação.

Art. 2º O PCD será gerenciado por Comitê Gestor, cuja


composição será definida em portaria própria e executado em
dois eixos:
I - atuação organizacional, com as seguintes as ações:
a) organização interna: definição das atribuições dos
responsáveis pela execução de ações e reuniões periódicas
para monitoramento dos resultados;
b) aperfeiçoamento de recursos tecnológicos:
desenvolvimento e
aquisição de recursos de tecnologia da informação para
identificação mais célere de práticas de desinformação e
discursos de ódio;
c) diálogos institucionais: aproximação do grupo gestor
com
instituições públicas e privadas que atuam no combate à
desinformação, órgãos de investigação, entidades e agências
de checagem que buscam solucionar o problema da
desinformação e dos discursos de ódio, bem como realização
de eventos e seminários;
II - ações de comunicação, com as seguintes as ações:
a) alfabetização midiática: capacitação de servidores,
funcionários terceirizados, jornalistas profissionais e
influenciadores digitais para a identificação de práticas de
desinformação e discursos de ódio e as formas de atuação
para combatê-las;
b) contestação de notícias falsas: publicação de notícias
em página especial denominada #VerdadesdoSTF para
contestar boatos ou desmentir notícias falsas sobre a Corte ou
seus integrantes;
c) fortalecimento de imagem: ações constantes de
comunicação, com materiais para públicos diversos, com a
finalidade de disseminar informações verdadeiras e de
produzir conteúdo que gere engajamentos positivos sobre o
Tribunal.
Art. 3º Poderão ser convidadas a participar da execução
das ações, mediante acordos de cooperação técnica não
oneroso ao STF, instituições públicas e privadas, entidades e
empresas com atuação no ramo.
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua
publicação.

A resolução faz do STF efetivamente um “ministério da


verdade”, com disposição para perseguir e punir o que a própria
corte, por meio de seu Comitê, julgar falso sobre a imagem e
credibilidade do Supremo. Com isso, os juízes da corte se tornaram
invioláveis e acima de quaisquer críticas ou mesmo livres de
informações que sejam vistas como danosas à sua imagem.
O PCD pode ser apontado como um resultado direto da
instituição do Fact-Check, que ao pretender tornar o jornalismo um
definidor da verdade ao invés de um reprodutor dela, abre as portas
para o ataque às ideias inconvenientes aos grandes grupos.
A influência internacional nas agências de checagens não fica
de fora do PCD. Como é possível observar na resolução de criação, há
pelo menos dois pontos em que se vê a mão de entidades
estrangeiras a guiar o destino de jornalistas independentes. Na sua
introdução, o documento diz basear-se nos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) da polêmica Agenda 2030, da
ONU, que submete os países a uma centralização administrativa.

CONSIDERANDO que o Objetivo de Desenvolvimento


Sustentável nº 16 da Agenda 2030 da Organização das Nações
Unidas (Paz, Justiça e Instituições Eficazes) estabelece a meta
de promover instituições fortes, inclusivas e transparentes em
todos os níveis; o desenvolvimento de uma sociedade pacífica
e baseada no respeito aos direitos humanos; e a expansão do
acesso efetivo à Justiça;

O mencionado ODS 16, da Agenda, fala em inclusão, mas não


dispensa o cinismo característico dos dispositivos totalitários, já que a
"inclusão" aí significa a exclusão daquelas vozes definidas pela
própria instituição como inválidas e ilegítimas. O segundo sinal claro
de ingerência internacional está obviamente na menção das
agências de checagens como autoridade responsável pela definição
das vozes verdadeiras.

Bonificação por volume: a garantia do poder

Depois de compreendermos a estrutura de ONGs e os


interesses por trás das suas agendas, é possível entrarmos no jogo
financeiro sem cairmos no reducionismo economicista. Para alguns,
tudo é dinheiro. A estrutura financeira explica tudo para quem só vê
essa parte do jogo. Mas é fundamental saber que mesmo não sendo
o principal, essa estrutura econômica é o que permite que tudo
aconteça.
Em janeiro de 2019, o então recém empossado presidente Jair
Bolsonaro se mostrou surpreso diante do montante de dinheiro
público que foi recebido da União pela rede Globo: 10 bilhões, entre
2000 e 2016. O mais intrigante é que, com uma perda de 40% da sua
audiência, programas como o Fantástico continuam com o intervalo
mais caro do mercado publicitário e, com isso, um poder simbólico
sobre a opinião pública.
Mas como ela consegue controlar o mercado ao ponto de
manter seus anunciantes, inclusive governamentais?
A resposta está numa prática proibida em vários países, mas
que já é consagrada no Brasil e ganhou o abrigo de uma lei durante
o governo Lula. Trata-se da “bonificação por volume”, conhecido
como BV, algo que mantém o mercado da comunicação brasileiro
em uma espécie de limbo medieval de clientelismo e poder político
nas mãos da mídia tradicional, especialmente da Globo.
A prática consiste no pagamento por grandes veículos de um
valor a mais como premiação para que agências direcionem
anúncios de seus clientes para o veículo. Esse valor é desconhecido e,
no caso de clientes governamentais, protegido por sigilo. A prática
que esteve no centro de escândalos como o Mensalão, é ainda mais
perigosa quando feita na forma de adiantamento: o veículo
concederia à agência o valor anual da bonificação adiantado,
amarrando a agência ao veículo, criando na prática uma relação
escusa de dependência.
É como se você concedesse a um corretor de imóveis o valor
pela venda de vários imóveis seus ou de um mesmo cliente. O
corretor estaria amarrado a vender somente para cobrir aquele
recebimento, deixando outros imóveis a ver navios. A prática é vista
como um abuso do poder econômico de grandes grupos sobre os
menores, que se vêem prejudicados.
A tradição da bonificação, que remonta aos anos 1950, no Brasil,
é apontada como a principal responsável por encarecer a
publicidade governamental, paga com o dinheiro público para
manter forte a mídia tradicional. Sem saber a margem de
compensação que a agência intermediadora está recebendo, não há
como barganhar e o governo é obrigado a aceitar valores
exorbitantes pelo anúncio para sustentar a relação insidiosa entre
veículos e agências.
O pior é que a prática já é tão consagrada que agências
dependem inteiramente deste dinheiro para sobreviver. Sua
estrutura é toda montada em cima da verba que recebem como
premiação por um clientelismo comprado. Trata-se do dinheiro
público que está sendo conduzido para os mesmos grupos de
comunicação levados pelo interesse máximo na manutenção dessas
bonificações. Até governos petistas tentaram fazer com que os cerca
de 20% voltassem aos cofres públicos, mas sem sucesso. A Lei n.º
12.232, aprovada em 2010, durante o governo Lula, acabou
normatizando o BV, tornando facultativo. Mas a regra manteve-se de
que haja o pagamento, pelos veículos de comunicação, de 20% do
valor que eles cobram para exibir propaganda. As regras para
publicidade na internet são um pouco diferentes, mas também
existe o BV publicitário na propaganda na web.
Uma medida contra a prática acabou sendo tomada pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em dezembro
de 2020. Trata-se da abertura de um inquérito administrativo para
apurar supostos indícios de condutas anticompetitivas por parte do
Grupo Globo de Comunicações em contratos firmados com agências
de publicidade. O Cade adotou medida preventiva contra o grupo
para impedir prejuízos à concorrência.
Na análise realizada, o Cade entendeu que a forma como a
emissora concede a bonificação às agências decorre de exercício
abusivo de posição dominante e induz à fidelidade contratual.
"As cláusulas de bonificação estimulam a discriminação
arbitrária entre os adquirentes de tempo/espaço publicitários e
dificultam o funcionamento de empresas concorrentes, por
incentivar as agências a concentrarem seus investimentos na
emissora, como forma de obtenção da bonificação", apontou o Cade
na ocasião.
Mas o que essa prática de corrupção no mercado da
comunicação brasileiro tem a ver com as agências de checagem?
Acontece que essa tradição é a base estrutural em que se
estriba o jornalismo brasileiro, marcado pela dependência de
grandes veículos através de uma relação simbiótica. O resultado
mais óbvio dessa prática é a manutenção do poder ilimitado de
grandes veículos sobre a sociedade e consequentemente sobre a
política e os rumos do país.
Se mesmo com baixa audiência, a Globo continua mantendo os
horários mais caros do Brasil, isso significa uma falsa sensação de
relevância, mas que tem o poder de produzir grandes mudanças.
Este é o motivo pelo qual um cidadão que já não assiste ao
Fantástico há décadas precisa, de qualquer forma, saber ou opinar
sobre o que foi destaque no último domingo, já que o mesmo tema é
agendado para ser repercutido em outras mídias. Os mesmos
anunciantes que pagam cifras milionárias para aparecerem no
intervalo do Fantástico precisam, para valorizar o seu produto, dar
relevância ou exigir o mesmo de outros canais nos quais anunciam.
Esses canais, por sua vez, na tentativa de fazer com que seus espaços
valham algo próximo do Fantástico, repercutem o mesmo conteúdo
ou acompanham as reações sociais daquelas mensagens, em uma
engrenagem de interesses comerciais em busca de ideias, opiniões
ou fatos com os quais negociam a sua relevância.
Tudo isso por meio do velho jogo de espelhos midiático, que ao
simular relevância e credibilidade, recebe em troca um turbilhão de
interesses fingidos, interesseiros, em busca do tão sonhado lugar ao
sol na opinião pública. Ostracismo e isolamento, na democracia
libera, significa também perdas financeiras insuportáveis.
Embora tudo pareça um jogo de interesses mais ou menos
espontâneos, ele é gerado por uma alavanca que é movida por mãos
humanas. Os globalistas, como verdadeiros especuladores da ação e
reação humanas, apostam alto em suas agências milionárias de
propaganda com sede em Manhattan. É delas que vem o dinheiro
que paga terroristas virtuais como o Sleeping Giant, imbuídos da
função de ameaçar os próprios clientes das agências, empurrando-os
na agenda politicamente correta que orienta comportamentos.
O sonho dos globalistas não é apenas cravar estacas de um
império econômico e financeiro, mas principalmente
comportamental. O interesse por essa transformação vai muito além
das meras utopias socialistas, tecnocráticas ou transumanistas. O
controle dos comportamentos significa controle de pessoas, que são
ativos importantes para quem deseja reduzir custos com mão de
obra. Indivíduos atomizados, sem família, reféns de desejos sexuais
moldáveis e viciados em entretenimento podem ser pagos com
muito menos do que os cidadãos de épocas em que a necessidade
objetiva era o critério do consumo. Eis o interesse dos gigantes no
politicamente correto e sua retórica de aparente sensibilidade. Um
endurecimento de leis trabalhistas, com o almejado retorno da
miséria global, fará necessária uma justificativa humanitária
enganosa e passível de se tornar uma boa e lucrativa propaganda.

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