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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Curso de Artes Visuais - Licenciatura


Centro de Artes

Trabalho de Conclusão de Curso

TRANSPLANTANDO CRIANÇAS PARA O CONTATO COM A NATUREZA


ATRAVÉS DAS ARTES VISUAIS

Acadêmico: Jerônimo Netto de Azambuja


Orientadora: Profª. Drª. Cláudia Mariza Mattos Brandão

Pelotas, Maio de 2023.


BANCA:

Profª Drª Cláudia Mariza Mattos Brandão (Orientadora - UFPel)

Prof. Dr. Cláudio Tarouco de Azevedo (ILA/FURG)

Prof. Dr. Paulo Renato Viegas Dame (UFPel)


Universidade Federal de Pelotas / Sistema de Bibliotecas
Catalogação na Publicação

A111t Azambuja, Jerônimo Netto de


Transplantando crianças para o contato com a natureza
através das artes visuais / Jerônimo Netto de Azambuja ;
Cláudia Mariza Mattos Brandão, orientadora. — Pelotas,
2023.
63 f. : il.

Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Artes


Visuais) — Centro de Artes, Universidade Federal de
Pelotas, 2023.

1. Natureza. 2. Imaginário. 3. Experiência. 4. Arte. 5.


Educação. I. Brandão, Cláudia Mariza Mattos, orient. II.
Título.
CDD : 707

Elaborada por Leda Cristina Peres Lopes CRB: 10/2064


RESUMO

O afastamento das gerações do contato com a natureza é uma realidade que tem
preocupado muitos pesquisadores e educadores. O crescente processo de
urbanização e a vida moderna têm contribuído para que as crianças passem cada
vez menos tempo ao ar livre e em contato com a natureza. Richard Louv (2016)
aponta que esta falta de contato com a natureza pode gerar o “transtorno de déficit
de natureza”, caracterizado pela diminuição da criatividade, do foco e da atenção,
além de aumentar o risco de problemas de saúde. Neste contexto, os professores de
Artes Visuais têm o papel fundamental de estimular o contato consciente de crianças
com a natureza e seus elementos. Nesta monografia, do tipo qualitativa exploratória,
elaboro uma pesquisa autobiográfica alicerçada em uma revisão bibliográfica,
refletindo sobre a minha relação com a natureza e como isso me moldou na certeza
de ser um arte-educador visual. As práticas artísticas podem ser um meio para o
despertar da curiosidade e da criatividade, além de contribuir para o
desenvolvimento da percepção sensível e da consciência ecológica desde a
infância. A pandemia do COVID-19 reforçou a importância de se promover práticas
que envolvam a natureza e seus elementos, principalmente no Ensino Fundamental,
uma vez que muitas crianças ficaram privadas de atividades ao ar livre em um
período importante do seu desenvolvimento. Por meio de relatos da minha história
pessoal e de análise de práticas de estágio, é possível avaliar a efetividade da
sensibilização proporcionada por ambientes naturais e evidenciar a importância do
imaginário e da experimentação nesse processo. Dessa forma, considero que a
pesquisa pode contribuir para a reflexão sobre a importância do contato consciente
das crianças com a natureza e seus elementos e para a adoção de práticas
pedagógicas que valorizem essa conexão na formação dos estudantes.

Palavras-chave: natureza, imaginário, criatividade, experiências, arte, educação,


infância.
ABSTRACT

The distancing of generations from contact with nature is a reality that has concerned
many researchers and educators. The growing process of urbanization and modern
life have contributed to children spending increasingly less time outdoors and in
contact with nature. Richard Louv (2016) points out that this lack of contact with
nature can generate "nature deficit disorder", characterized by a decrease in
creativity, focus, and attention, as well as an increased risk of health problems. In this
context, Visual Arts teachers have the fundamental role of stimulating conscious
contact between children and nature and its elements. In this exploratory qualitative
research, I develop an autobiographical research based on a literature review,
reflecting on my relationship with nature and how it shaped me in the certainty of
being a visual art/educator. Artistic practices can be a means of awakening curiosity
and creativity, as well as contributing to the development of sensitive perception and
ecological awareness from childhood. The COVID-19 pandemic has reinforced the
importance of promoting practices that involve nature and its elements, especially in
primary education, since many children were deprived of outdoor activities during an
important period of their development. Through my personal story and analysis of
internship practices, it is possible to evaluate the effectiveness of the sensitization
provided by natural environments and to highlight the importance of imagination and
experimentation in this process. Therefore, I believe that this research can contribute
to reflection on the importance of conscious contact between children and nature and
its elements, as well as to the adoption of pedagogical practices that value this
connection in the education of students.

Keywords: nature, imaginary, creativity, experiences, art, education, childhood


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Antônio Azambuja, Chácara Cutúba, fotografia analógica, 1991...........17


Figura 2 - Antônio Azambuja, Aventuras no bosque, fotografia analógica, 1991...19
Figura 3 - Antônio Azambuja Cavalgada em pelo, fotografia analógica, 1993.......22
Figura 4 - Antônio Azambuja, Bolanta no meio da Lavoura, foto analógica 1993..22
Figura 5 - Antônio Azambuja, Atoleiro na lavoura, fotografia analógica, 1993.......23
Figura 6 - Antônio Azambuja, Banho de canal, fotografia analógica, 1993............23
Figura 7 - Antônio Azambuja, Velejando na proa, fotografia analógica 1994.........24
Figura 8 - Antônio Azambuja, Banho de canal, fotografia analógica, 1993 ...........25
Figura 9 - Antônio Azambuja, O foguista do acampamento, fotografia analógica,
1994............................................................................................................................26
Figura 10 - Antônio Azambuja, Pescaria em dia chuvoso, fotografia analógica,
1993............................................................................................................................26
Figura 11 - Marlete Farias, Escalada nas traves, fotografia analógica, 1995..........27
Figura 12 - Berenice Netto, Soltando filhote de passarinho na amoreira, fotografia
analógica, 1996..........................................................................................................28
Figura 13 - Família Bittencourt, Turminha embarrada, fotografia analógica,
2000............................................................................................................................29
Figura 14 - Berenice Netto, Casinhas de palitinho feitas em 2007, fotografia digital,
2023............................................................................................................................33
Figura 15 - Jerônimo Azambuja, Série Amigos, entalhe em madeira, 2,5 x 2,5 x
30cm, fotografia digital, 2023.................................................................................... 37
Figura 16 - Professora Roberta, Analisando imagens de pinturas rupestres com a
turma, fotografia digital, 2022.....................................................................................44
Figura 17 - Professora Roberta, Experimentação prática do Sexto A, fotografia
digital, 2022................................................................................................................47
Figura 18 - Professora Roberta, Trabalho prático do sexto ano B, fotografia digital,
2022............................................................................................................................48
Figura 19 - Jerônimo Azambuja, cartaz do J.V. terceira aula, fotografia digital,
2022............................................................................................................................58
Figura 20 - Jerônimo Azambuja, cartaz do J.V. terceira aula, fotografia digital,
2022............................................................................................................................59
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................06

Capítulo 1 - minhas RAIZES ...................................................................................15

1.1 Germinação - Contextualização da minha infância ............................................15


1.2 Reposições de solo - Deslocamentos entre cidade e campo............................19
1.3 Fortes Ventos - Relatos de experiências que me formaram...............................30

Capítulo 2 - crianças PLANTAS EM VASOS .........................................................41

2.1 Substrato - Análise de observações e práticas nas escolas. .............................42


2.2 Vasos na janela - Situação das crianças durante a pandemia. .........................49
2.3 Adubação excessiva - Excesso de informação que as crianças recebem........54

3- REPLANTIO - Considerações finais...................................................................61

REFERÊNCIAS .........................................................................................................63
Origens

Campeando um rastro de glória


Venho sovado de pealo
Erguendo a poeira da história
Nas patas do meu cavalo
O índio que vive em mim
Bate um tambor no meu peito
O negro também assim
Tempera e adoça o meu jeito
...
Sou o guri pelo duro
Campeando o mundo de amor
E me vou rumo ao futuro
Tendo no peito-
Tendo no peito um tambor

Eu sei que não vou morrer


Porque de mim vai ficar
O mundo que eu construí
Compositores:
Euclides Fagundes Filho/Antônio Augusto
Da Silva Fagundes
INTRODUÇÃO

Tendo em vista que a pandemia de Covid-19 impossibilitou, por mais de dois


anos, que as aulas ocorressem no modo presencial, sendo assim adotado o modo
remoto, uma lacuna foi criada no desenvolvimento de algumas crianças. Além disso,
muitas crianças se mantiveram afastadas das ruas, de brincadeiras ao ar livre e do
contato com a natureza, estímulos importantes na infância. Durante esse período de
resguardo, houve a substituição dessas atividades por entretenimentos ligados às
tecnologias e às telas, o que já estava crescendo entre os jovens, de modo que o
consumo de informações aceleradas que esses meios propiciam se acentuou
quando virou o único recurso disponível. Agora, neste momento de retorno às
atividades presencias, existe uma necessidade que se faz mais forte do que nunca,
a de resgatar o contato íntimo das crianças com a natureza.
Muitas áreas do conhecimento podem atuar nesse rumo, ressaltando que,
para alguns dos estudantes do Ensino Fundamental a informação chegou, eles
estão embebidos da teoria, alguns com grande consciência ambiental, noções do
aquecimento global e tudo mais. O que faltou para eles foram experiências que
explorem seus sentidos, caminhadas sentindo a grama nas solas dos pés descalços,
ouvir os pássaros ou apenas parar para contemplar as formas das árvores, coisas
simples, mas que estimulam a percepção e dão ferramentas para explorar e
entender melhor o mundo. São coisas que, por sua simplicidade, podem passar
despercebidas caso os olhares não sejam sensibilizados, e é neste ponto que se
destacam os educadores em Artes Visuais.
O contexto pós-pandêmico, de retorno às atividades escolares presenciais,
impõe as questões que me trazem até esta pesquisa: Qual a importância de
professores de Artes Visuais estimularem o contato consciente de crianças
com a natureza e seus elementos? Este contato pode ser explorado durante as
aulas por diferentes práticas e metodologias, mas de que modo a experimentação se
faz relevante nestes processos?
Considero que os educadores têm um papel muito importante nessa
mediação, posicionados como “jardineiros”, auxiliando para que “plantinhas”
nascidas em vasos sejam transplantadas para um solo fértil a desabrocharem.
Assim, retomarei fatos que me formaram no caminho da docência, utilizando as
experiências pessoais como suporte para contemplar minhas indagações. Porém, o
que embasa esta monografia é uma análise do potencial das aulas de artes, uma
vez que sentimentos, sentidos, imaginação e criação podem ser estimulados durante
as atividades. A investigação tem como objetivo geral de avaliar os possíveis
benefícios de práticas artísticas que envolvem a natureza e seus elementos no
desenvolvimento dos estudantes. Com isso, são objetivos específicos: analisar como
a relação com a natureza repercute em mim; examinar o hiato que a pandemia
causou no desenvolvimento das crianças; estudar abordagens que reaproximem as
crianças do contato com o biossistema ou possibilitem a conexão com elementos
naturais em sala de aula; e também exemplificar a importância da experimentação
nestes processos.
Ana Mae Barbosa (2014) ressalta a importância da sensibilização para
estimular o aluno. A autora fala também do uso de imagens e contextualizações
históricas nas aulas de Artes; o uso de imagens pode até parecer óbvio, pois cada
vez mais esse recurso é explorado por aplicativos e pelas mídias que nos
apresentam muitas informações em uma velocidade muito rápida. Devemos então,
como educadores, conseguir ser agentes do tempo, que nesse processo permitam a
desaceleração impedindo a volatilidade das informações. Considero que um recurso
para auxiliar nisto seria o resgate das crianças do que Richard Louv (2016) chama
de “Transtorno do Déficit de Natureza” entrelaçando com algumas ideias sobre
experiências de Jorge Larrosa (2014)
Esta pesquisa é qualitativa exploratória e transita pela pesquisa
autobiográfica. Tendo como público alvo crianças do Ensino Fundamental da escola
Luiz Augusto de Assumpção, em Pelotas, e partindo da análise da minha trajetória
de vida, de como me reencontrei na certeza de ser um educador em Artes Visuais,
demonstro como o contato com a natureza faz parte dessa convicção, e
entrelaçando a isto alicerço este trabalho com uma revisão bibliográfica. Para fechar,
trago reflexões sobre aulas que apliquei e examino materiais resultantes da prática
em sala de aula.
Sendo assim, são procedimentos metodológicos da pesquisa: primeiro, uma
revisão bibliográfica; na sequência, uma análise da minha história de vida e das
relações que tive com a natureza, pensando como isso influenciou no meu
desenvolvimento e sensibilização do meu ser; o terceiro passo é uma análise dos
materiais resultantes das práticas em sala de aulas durante meu estágio no Ensino
Fundamental, dando ênfase em como se deu o contato com o barro em duas
diferentes turmas.
Quando comecei a buscar questões pertinentes a essa linha de pesquisa,
passei por assuntos como a importância das artes no desenvolvimento e na
alfabetização. Porém, eu queria abranger mais do que apenas a Educação Infantil.
Minha preocupação era conseguir transmitir neste trabalho o que me fez escolher
este caminho que me trouxe até aqui, esta certeza de que as aulas de artes podem
fazer grande diferença na construção dos saberes das crianças. Como eu
apresentaria isso foi se esclarecendo à medida que fui entendendo como eu tinha
formado esta certeza. Ela se concretizou a partir das minhas experiências, minha
trajetória dentro do curso e dos resgates que tive que fazer para me adaptar aos
diferentes cenários que se apresentaram.
Eu sempre fui um tanto artista, mas alguns medos e incertezas me fizeram
tentar outros rumos antes. Cursava Agronomia quando, buscando me encontrar, fiz o
pedido de reopção para Licenciatura em Artes Visuais. O pedido foi aceito e mudei de
curso no meio do ano, quando não há ingressos normais em Artes, sendo assim iniciei
o novo curso com uma grade curricular irregular e completamente bagunçada.
Conseguir vagas nas disciplinas iniciais era concorrido para quem não era regular, e o
critério de desempate, os créditos já cursados, me desfavorecia na disputa. Dessa
forma, fui fazendo as poucas disciplinas que conseguia, aproveitando o resto do
tempo para me dedicar à minha produção artística e estudar outras coisas. Essa
desaceleração, um tanto forçada, talvez tenha sido o que permitiu que “algo me
acontecesse”, pensando na ideia que Larrosa (2014, p. 23) nos traz ao se referir a um
sujeito da formação acelerada:

É um sujeito que usa o tempo como um valor ou uma mercadoria, um


sujeito que não pode perder tempo, que não pode protelar qualquer
coisa, que tem de seguir o passo veloz do que se passa, que não
pode ficar para trás, por isso mesmo, por essa obsessão por seguir o
curso acelerado do tempo, este sujeito não tem tempo. E na escola o
currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos e cada
vez mais curtos. Com isso também em educação estamos sempre
acelerados e nada nos acontece.

Deste modo eu tive tempo, e não perdi tempo como, por vezes, confesso que
pensei. Tive tempo de amadurecer, processar tudo que eu já havia vivido, mesclar
conhecimentos adquiridos em outros cursos até perceber todos os caminhos que
trilhei tentando me encontrar, todas as diferentes linhas que tracei convergiram
sempre para o mesmo ponto, o contato com a natureza.
Um ponto de ruptura importante aconteceu durante esse processo e me
ajudou a me entender melhor. Outra desaceleração, esta bem forçada, causada pela
pandemia. Tudo mudou de repente. As aulas presenciais foram pausadas após a
primeira semana de aulas e eu, que estava acampando, nem cheguei a entrar em
sala. O novo cenário que passou a se apresentar pedia cuidado, sair na rua não era
recomendado. Eu morava em um condomínio com blocos de prédios, ainda lembro
do olhar de julgamento das vizinhas pela janela quando eu saía com o cachorro para
ele fazer suas necessidades. O apartamento que eu dividia com outro estudante
começou a encolher à medida que os dias se passaram. O pouco espaço para criar
nunca havia me incomodado, mas eu também nunca havia parado para pensar que
não era só ali no cantinho que eu montei para esculpir que eu criava. A frase que me
descrevia no Instagram era: “Coletando coisas por aí, eu vou montando meu
universo artístico”. Porém, aquilo era tão natural: fugir para matas e cachoeiras,
coletar galhos, pedras ou qualquer coisa que me chamasse atenção por sua forma;
levar para casa; e lá, esquecendo-me do resto que me cercava, ressignificar aquele
material fazendo pertencer ao meu mundo. Percebi, então, que as peças novas
eram como chaves que me transportavam para além das quatro paredes, mas antes
de trazê-las para meu mundo eram elas que me levavam para o mundo delas.
Diante disto, passei a ter um amadurecimento; o período que forçou com que
ficássemos isolados gerou uma internalização e muitos questionamentos. As
respostas eu fui buscando em uma caixa com galhos “especiais”, que, antes,
quando podia buscar outros por aí, eu deixava guardados, por ainda não me sentir
pronto para entalhar e com medo de não conseguir tirar deles a forma que já via, e
eles ficavam esperando. Ter então que trabalhá-los gerou um aperfeiçoamento na
minha técnica. As respostas que eu buscava não vieram dos galhos especiais, eles
só me trouxeram momentos de fuga em meio a tudo que estava acontecendo. Na
verdade, as respostas nem vieram, o que veio foi uma grande pergunta quando os
galhos acabaram: O que vou fazer agora? Eu sabia do que precisava, só não tinha
pensado ainda como aquilo era importante para mim. Essa inquietação e essa busca
que me direcionou para uma rotina mais constante com a natureza é o que norteia
esse trabalho. Minha vivência e as referências que venho lendo apontam que esta
também seria uma possível ferramenta para a educação, colaborando com a
formação de seres mais conscientes de tudo aquilo que os cercam.
Em um mundo cada vez mais tecnológico e com acesso a recursos digitais,
querer trabalhar distante disto pode parecer arcaico, mas, antes mesmo de
acontecer esse período de restrição mundial, a preocupação com a privação do
contato das crianças com a natureza já estava sendo pensada. Richard Louv, no
livro que se intitula “A última criança na natureza” (2016, p. 54), nos diz: “Como a
maioria de nós, muitos pesquisadores consideraram o vínculo entre criança e
natureza como algo garantido. Como algo tão atemporal mudou em um período tão
curto?”
Na linha de raciocínio apresentada pelo autor, este distanciamento do natural,
que era analisado por ele como gradativo, se tornou repentino quando a maioria de
nós experimentou a reclusão na pandemia. Todos sentimos os efeitos disto, mas
para os jovens, em fase de desenvolvimento, foi ainda maior. Longe das escolas e
com toda atribulação de adaptação ao modelo de ensino a distância, tanto para
alunos quanto para professores, uma lacuna foi aberta na aprendizagem trazendo
consequências que ainda estão sendo dimensionadas, porém já são sentidas no
retorno às atividades presenciais.
Tentando simplificar para nós e expondo sua preocupação, Louv (2016, p. 58)
denomina:

Então, chamaremos o fenômeno de transtorno de déficit de natureza.


Nossa cultura é tão cheia de jargões e tão da medicalização que
hesito em introduzir esse termo. Talvez uam definição mais
apropriada surja com o avanço da pesquisa cientifica. E, como
mencionado anteriormente, não estou sugerindo que este termo
represente um diagnóstico médico. Mas quando falo sobre o
transtorno do déficit de natureza com grupos de pais e educadores, o
sentido da expressão fica claro. O transtorno de déficit de natureza
descreve os custos da alienação em relação a natureza, incluindo a
diminuição no uso dos sentidos, a dificuldade de atenção e índices
mais altos de doenças físicas e emocionais.

Trazendo na sequência a ideia de um possível resgate deste “déficit de


natureza”, as ideias do autor se entrelaçaram com inquietações que eu tive após
minha primeira experiência como educador de Artes Visuais durante o estágio. Dei
aulas para crianças do sexto ano do Ensino Fundamental que estiveram afastadas
por dois anos das atividades presenciais e de experimentações em sala de aula.
Neste exercício, tive duas turmas para trabalhar e apliquei diferentes metodologias,
o que levou a processos e resultados muito diferentes que me geraram reflexões.
Analisando os pensamentos do autor, começaram a se esclarecer algumas
necessidades daqueles estudantes. Com isso, passei a revisitar o contato que tive
com a natureza quando criança, tentando entender como isto vibra em mim hoje.
Sendo assim, a investigação se norteia pelo seguinte plano de capítulos:
No primeiro capítulo, intitulado minhas RAIZES, discuto sobre o que me nutre
e me sustenta, fazendo uma relação poética entre homem e plantas. Começo
trazendo fatos relevantes da minha infância, registros e lembranças que ajudam a
compreender a construção do meu universo artístico e intelectual, examinando
assim como o contato com a natureza se fez presente. Explicando como isso
reverbera em mim, me impulsionando no caminho da docência, falo do
deslocamento entre e campo e cidade. Estas reflexões foram alimentadas pelas
ideais de Louv (2016) dialogando com o que Larrosa (2014) fala.
No segundo capítulo, intitulado crianças PLANTAS EM VASOS, discuto sobre
o afastamento entre as crianças e a natureza. Nele analiso materiais resultantes das
minhas práticas em sala de aula, em que utilizei a abordagem de Ana Mae Barbosa.
Os alunos com os quais tive contato estavam recém voltando às atividades
presenciais, discuto assim a influência da pandemia no comportamento deles. Com
isso, trago a relação das crianças com as informações, estas que já estavam
chegando aceleradas, com uso cada vez maior de telas, se acentuaram no período
pandêmico.
No terceiro capítulo, intitulado REPLANTIO, apresento as considerações
finais desta pesquisa. Busco pensar possibilidades para replantar as crianças em
terrenos férteis e naturais, tendo as aulas de arte como ferramentas de jardinagem
que auxiliariam nesse deslocamento.
Capítulo 1 - minhas RAÍZES

As raízes são estruturas que fazem parte de quase todos vegetais. Estão
localizadas na base, colaborando com a sustentação, e têm como principal
função promover a absorção de água e nutrientes presentes no meio externo, tendo
assim influência direta no desenvolvimento das plantas. Em sentido figurado, as
raízes podem ser algo que provoca um acontecimento, as origens de algo, ou
também um vínculo estabelecido com algum lugar onde se nasce ou se vive.
Brincando com a relação entre homem e planta, para falar da importância do
contato com a natureza, pensarei sobre as “minhas Raízes” analisando como fui
nutrido por essa proximidade com atividades estruturadas no campo, mas também
com liberdade para explorar diversos ecossistemas, avaliarei como isto reverbera
em mim ainda hoje. Trago aqui neste capítulo, autobiográfico, uma divisão por
ciclos, começando pelas primeiras lembranças, o período que vivi ligado à vida rural,
que chamei de Germinação, analisando o período posterior quando já vivia em uma
grande metrópole, falo da importância do deslocamento entre e campo e cidade
tratando isto como Reposições de Solo, prática importante na jardinagem para
fortificar os vegetais, e que para mim foi um complemento essencial, diria que até
necessário para que eu pudesse sustentar minhas ramificações. Então, na última
parte, explicarei como cheguei até aqui, alicerçado e trazido por Fortes Ventos, que
fazem com que a raiz de uma arvore se fixe com maior profundidade e, quando ela
já é madura, ajudam a espalhar suas sementes.

1.1 - Germinação

A germinação é a fase em que a semente rompe a inércia e desenvolve seu


embrião, encontrando umidade e absorvendo água, a qual ativa suas enzimas e
aumenta a respiração de suas células vegetais. Para acontecer a ativação do
metabolismo e o desenvolvimento dos tecidos ter início, até formar uma plântula, as
condições externas precisam se manter favoráveis. Neste período inicial de
desenvolvimento é comum usar recipientes pequenos, semeadeiras, onde se torna
mais fácil garantir a nutrição e proteção da pequena plantinha.
Nós, humanos, de certo modo, também somos germinados em semeadeiras.
Até entendermos os riscos que nos cercam e conseguirmos, aos poucos, a liberdade
de brincar mais livres, explorando o mundo, ficamos sob os cuidados de alguém
mais velho. A bagagem deste cuidador, seja os pais ou em algum momento outra
pessoa responsável, diz os limites para a criança que está germinando e começando
seu desenvolvimento.
Guiados pelos conhecimentos de quem faz o papel de protetor, mas também
influenciados pelos medos, os pequenos descobrem sensações, se abrem ou se
retraem para coisas do cotidiano, passando a percebê-las ou ignorá-las. Essa
influência que recebemos quando pequenos se assemelha às plantas que também
são condicionadas ao que o meio externo oferece para seu desenvolvimento.
As ideias que Richard Louv (2016) apresenta me fizeram perceber que meus
anseios como educador e artista, o que vibra em mim, se relaciona com o modo
como fui criado. Na introdução do livro, Louv (2016, p. 23) afirma: “Em um intervalo
de poucas décadas a maneira como as crianças entendem e vivenciam a natureza
mudou radicalmente”. Assim, explorando as teorias apresentadas que discutem essa
mudança, farei uma contextualização da minha infância relacionando às ideias do
autor.
Eu lembro de coisas desde muito novo, descrevo cenas com riqueza de
detalhes e objetos, coisas que não me foram contadas e também não existe registro
em fotografias, talvez lúdicas, mas lembranças reais. Minha primeira recordação é
de quando eu deveria ter uns três anos, lembro-me de pegar minhas pazinhas,
minha babá encher meu baldinho com água, e saímos em uma jornada para ir ao
bosque preparar bolinhos de barro para o almoço. Ficamos sentados embaixo dos
eucaliptos colocando água na terra seca, depois pegando aquela mistura e
modelando com as mãos. A casa ficava a menos de trinta metros, mas ir até o
bosque era uma grande aventura e voltar com os bolinhos ao meio dia era uma
missão.
Quando nasci meus pais moravam em outro lugar, mas eu não vou falar do
período que não lembro, vou tratar como germinação minha vida desde quando nos
mudamos em diante e passei a formar minhas próprias lembranças. Vivi os primeiros
anos de vida em Jaguarão, meus pais compraram uma chácara próxima à cidade
(Figura 1), onde já havia uma casa velha. Eles construíram uma casa branca com
aberturas de madeira amarelas e dois galpões. Eu tinha dois anos quando a casa
ficou pronta e fomos morar lá. Neste solo fértil germinei e comecei meu
desenvolvimento, a área de pouco menos de cinco hectares era uma imensidão que
tive o privilégio de explorar.

Figura 1: Antônio Azambuja, Chácara Cutúba, fotografia analógica, 1991.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Minhas brincadeiras mais livres começaram sob a proteção do cercado de


madeira que fechava uma esquina entre a casa velha e o galpão. Ali dentro tinha
água nos tanques de lavar roupas e também o abrigo do telhado de zinco, além de
um fácil acesso ao bosque, caso necessitasse de algum recurso. Ainda muito
pequeno, não sei quantos anos deveria ter, mas acordei em uma manhã, fui até o
quarto dos meus pais e anunciei: “Vou fugir de casa”. Eles ficaram me
acompanhando de longe, coloquei uma muda de roupa e uns brinquedos enrolados
em uma fraldinha, saí da casa e fui para o galpão. Minha mãe ficou cuidando da
janela da cozinha. Recordo de ter essa liberdade e de esse ser o meu primeiro
refúgio.
Louv (2016) discute sobre o afastamento gradativo do homem com relação à
natureza. Ao fazer uma recapitulação, nos apresenta a “tese sobre a fronteira”1, de
Frederick Jackson Turner. Turner descreveu como “o ponto de ruptura entre o
estado selvagem e a civilização” o fim da era de terras de livre cultivo nos Estados
Unidos. Cem anos após a tese de Turner, já em 1993, o cancelamento da pesquisa
1
TURNER, Frederick Jackson. The Problem of the West, Atlantic Monthly, setembro/1896.
anual sobre moradores de fazendas, também nos Estados Unidos, marca a morte da
segunda fronteira para o autor, que segue apresentando o que seria o surgimento de
uma terceira fronteira:

Ainda não totalmente formada nem explorada, essa nova fronteira é


caracterizada por pelo menos cinco tendências: a ruptura da
consciência publica privada em relação à origem dos alimentos; o
desaparecimento da separação entre maquinas, humanos e outros
animais; a compreensão cada vez mais intelectualizada da nossa
relação com outros animais; a invasão das cidades por animais
silvestres (até mesmo quando designers urbanos/suburbanos
substituem o ambiente natural pela natureza sintética). E o aumento
de uma nova forma de subúrbio. (LOUV, 2016, p. 41).

Nessa linha de raciocínio esta vivência, dos meus anos iniciais, foi ainda
dentro da “segunda fronteira”. A vida campeira proporcionou sobretudo um contato
direto com a produção de alimentos e criação de bichos, não que uma coisa se
separe da outra, mas, além do cotidiano de tirar leite das vacas todos os dias de
manhã, recolher ovos do galinheiro ou cultivar hortaliças, eu ainda participava do
que Louv chama de “os aspectos mais brutais da produção de alimentos”. Sempre
gostei de dia de abate, principalmente de ovelha; ficava observando tudo de perto,
as galinhas e os cachorros vinham para a volta em festa disputar o sangue que
escorria, e não tinha o peso de morte que alguns pensariam. Lembro-me de esperar
a hora de carnear para pegar um graveto e ir brincar com as tripas, achava muito
curioso elas seguirem parecendo ter vida por mais algum tempo mesmo ali,
espalhadas no chão.
Meus pais foram criados em fazendas, e a chácara possibilitava, de certa
forma, reproduzir um pouco do que eles viveram para me passar. Essa infância
cercada de uma vida rural me permitiu experimentar um contato que certamente me
sensibilizou positivamente. Além de ovelhas e galinhas, que exigiam uma rotina de
cuidados, sempre tivemos muitos cachorros, alguns ficavam soltos e
acompanhavam as aventuras (Figura 2), enquanto outros ficavam presos em locais
estratégicos. O lugar quase mantinha uma subsistência com ajuda do seu Vidalmiro,
à direita da imagem (Figura 2). Ele ia todos os dias ordenhar suas vacas, elas
pastoreavam lá em troca de um pouco de leite para nosso consumo; observando-o
construí alguns conhecimentos, já que ele também cultivava algumas coisas em uns
canteiros cercados na ponta do bosque, do mesmo jeito, deixava algumas coisas
para nós e ficava com o restante para ele. Na minha infância, tais hábitos eram
banais, porém, “Hoje a terapia com animais, ou zooterapia, se juntou a horticultura
terapêutica como abordagem aceita de cuidados com a saúde, especialmente para
idosos e crianças” (LOUV, 2016, p. 67).

Figura 2: Antônio Azambuja, Aventuras no bosque, fotografia analógica, 1991.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

A nossa horta oferecia muito mais do que lazer ou terapia, foi também um
laboratório onde eu pude descobrir sensações. Lá comecei a observar as plantas e
aprender a identificá-las nos canteiros. Lembro que cenoura foi uma das primeiras
que aprendi a distinguir, ver se estava boa, para então retirar da terra e roer na hora.
As minhas raízes se fortaleceram com toda essa riqueza de nutrientes, já
haviam se espalhado para além do cercadinho de madeira do galpão, estavam
quase dominando o espaço todo da chácara, então fui transplantado. Meus pais se
separaram e eu fui morar com minha mãe em Porto Alegre; outro capítulo da minha
vida se iniciou.

1.2 - Reposições de solo

O transplante de uma mudinha gera estresse, a ela sente, mesmo estando


forte na semeadeira, quando a trocamos de lugar. Algumas plantas, para serem
cultivadas longe do seu local de origem, necessitam de adubação para conseguir se
desenvolver, ou até de reposição de solo caso estejam condicionadas a vasos ou
jardins.
Com a minha mudança para Porto alegre, aos cinco anos, passei a ter
contato com a natureza de outra maneira. A vivência não era mais diária, porém
seguia muito incentivada. Lá, sempre morei em lugares próximos a parques aos
quais eu ia com frequência; também visitava sítio de amigos e inventava
brincadeiras nas áreas abertas dos prédios. Além disso, não deixei de ir a Jaguarão,
viajava com frequência para visitar o pai, acredito que as inserções lá tenham
passado a ser vividas com maior intensidade.

A beira das rodovias pode não ser perfeita como um cartão postal. Mas,
por um século, a primeira noção das crianças de como as cidades e a
natureza se encaixam vinha do banco de trás: a casa de fazenda vazia no
limite de uma cidade; a diversidade da arquitetura, aqui e ali; as arvores e
os campos e água para além das fronteiras descuidadas – tudo isso estava
disponível aos olhos. (LOUV, 2016, p. 85).

Tendo conhecimento desta ideia apresentada pelo autor, vejo que meu
entendimento sobre limites urbanos realmente foi formado através da janela de um
ônibus. Eram seis horas de viagem entre as duas cidades, o que eu fazia
acompanhado da minha babá que ia ver a família. Nesse trecho eu decorei as
cidades pelas quais passávamos para saber o quanto faltava para chegar. Era um
tempo diferente, os vidros dos ônibus ainda abriam, a climatização era feita pelo
vento, dava para sentir os cheiros que vinham de fora. Também não tinha aparelhos
de mídia para passar o tempo na viagem, a relação com o que se passava no
horizonte era outra. Eu gostava de observar a velocidade através das árvores
passando na janela, ficava brincando com a relação de como pareciam quase
estáticas quando estavam longe, mas como passavam voando, mal dando a chance
de ser analisadas de perto.
Vivendo em uma metrópole eu pude ser enriquecido com nutrientes que não
estavam disponíveis na vida no interior. Recordo de a minha mãe me levar ao teatro
com frequência; íamos ao cinema, e também no parque da Redenção e no Brique
ver as antiguidades e os artesanatos. Passei a ter contato com coisas que meus
novos colegas de escola já estavam bem familiarizados. O caso mais curioso de
quando eu era uma criança recém-chegada na cidade grande foi um acidente na
escada rolante do shopping: corri para subir na frente e sentei no degrau, na
chegada tive a camiseta e a bermuda mastigadas e a nádega beliscada. Em
contrapartida, eu ficava impressionado quando descobria que algumas crianças não
subiam em árvores.

Na Noruega e na Suécia, pesquisas com crianças em idade pré-


escolar demostram que brincar na natureza gera frutos. Os estudos
comparam crianças que brincaram todo dia em playgrounds comuns
com outras que brincaram pela mesma quantidade de tempo em
meio a árvores, pedras e terrenos não modificados em áreas
naturais. Ao longo de um ano, as que brincavam em áreas naturais
tiveram resultados melhores em testes de coordenação motora,
especialmente em equilíbrio e agilidade. (LOUV, 2016, p. 70).

Ter a chácara como quintal durante a infância certamente me favoreceu, lá fui


sensibilizado e dessensibilizado, aprendi a notar algumas coisas e a achar outras
normais. Nos retornos para lá as influências paternas passaram a se fazer sem
ressalvas e assim fui me arriscando mais, tencionando limites explorando o mundo
que se apresentava. As idas que foram simples visitas, brincadeiras com os primos
na casa da vó, não são lembranças fortes. Talvez isso se explique na pesquisa da
psicóloga ambiental Louise Chawla2 que Louv nos traz, quem chama de “lugares de
êxtase” a vivência em lugares extraordinários que despertam emoção e ficam
gravados em nós reverberando.

Estes momentos de êxtase, de prazer ou de medo, ou ambos, “joias


radioativas enterradas dentro de nós, emitindo energia ao longo dos anos
em nossa vida” como Chawla explica com eloquência, são mais
comumente vivenciados na natureza durante os anos de desenvolvimento.
(LOUV, 2016, p. 116).

Posso afirmar que não me faltaram momentos assim, desde uma cavalgada
em pelo no lombo do cavalo (Figura 3), acompanhado por cachorros campeiros,
vivenciando a cultura gaúcha, até passar dias em uma bolanta (Figura 4), no meio
da lavoura enquanto meu pai trabalhava nivelando os campos para o plantio do
arroz.

2
CHAWLA, Louise. “Ecstatic Places”. Children´s Environments Qarterly3, n. 4 (inverno de 1986).
Figura 3: Antônio Azambuja Cavalgada em pelo, fotografia analógica, 1993.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Figura 4: Antônio Azambuja, Bolanta no meio da Lavoura, foto analógica 1993.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Em muitos instantes poderia até ser chato acompanhá-lo, mas o que me


recordo são as brincadeiras, em especial de um dia que me meti tão fundo no barro
ao lado de um trator atolado (Figura 5) que precisei ser puxado por cordas. Lembro
também de ser assustado pelos peões que tinham medo que eu me afogasse nos
canais, ficavam dizendo que tinha veneno na água, mas sujo de barro no final do dia
eu sempre ganhava a chance de um banho (Figura 6).
Figura 5: Antônio Azambuja, Atoleiro na lavoura, fotografia analógica, 1993.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Figura 6: Antônio Azambuja, Banho de canal, fotografia analógica, 1993.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Para Louv, os jovens estão perdendo a capacidade de se relacionar com a


natureza por não se sentirem pertencentes a ela. Ele conta a história de um jovem
que, ao visitar o Grand Canyon, se deslumbrou com a beleza do lugar. Após admirar
a paisagem de diferentes ângulos, ele já estava pronto para ir embora, porém, uma
forte chuva de granizo o fez procurar abrigo em uma caverna, e uma espécie de
magia aconteceu. Imaginando como os povos nativos faziam para sobreviver
naquele lugar, ele sentiu o prazer de estar naquela imensidão. “O contexto de Jared
mudou. Ele estava imerso em história viva, observando eventos naturais para além
de seu controle, profundamente atento a tudo. Ele estava vivo” (LOUV, 2016, p. 91).
Nessa mesma linha de raciocínio, pouco antes no livro, ele diz:

Um círculo cada vez maior de pesquisadores acredita que a perda do


habitat natural, ou a desconexão com a natureza, mesmo quando ela
está disponível, tem implicações enormes para a saúde humana e o
desenvolvimento infantil. Eles dizem que a qualidade dessa
exposição afeta nossa saúde em um nível quase celular. (LOUV,
2016, p. 65).

Figura 7: Antônio Azambuja, Velejando na proa, fotografia analógica, 1994.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

As exposições que eu tive à natureza, quando criança, não se limitaram a


atividades rurais ligadas à agropecuária. Meus horizontes foram ampliados, aliás,
horizontes era o que eu mais olhava quando saía para navegar com meu pai.
Grandes velejadas pela Lagoa Mirim me permitiram outras conexões. Sair de barco
era uma grande aventura; enquanto saíamos pelo Rio Jaguarão usando o motor, eu
ficava um pouco inquieto, buscando uma distração nas margens pendurado na proa
(Figura 7). Quando ganhávamos a lagoa e podíamos seguir somente com as velas
eu em divertia, ficava na água pendurado na escadinha (Figura 8).
Figura 8: Antônio Azambuja, Navegando do meu jeito, fotografia analógica, 1994.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Conheci muitos lugares e brinquei em todos afluentes da Lagoa Mirim, mas


tinha coisas que não eram brincadeira, às vezes, enfrentávamos adversidades na
água. Em função disso, existia uma organização de funções no barco: o timoneiro,
que guia o leme; o proeiro, que cuida das velas; o tático, que dita qual rumo deve ser
tomado. Nessas horas eu ficava sem função, mas eu não aceitava muito bem isso,
por esse motivo, em terra eram-me dados encargos: ficava responsável por recolher
lenha seca e fazer o fogo; à noite, brincava na fogueira (Figura 9). Outra tarefa que
me atribuíam era conseguir iscas e pescar (Figura 10). Como as refeições
geralmente incluíam traíra frita ou moqueca de pintado, com chuva ou com sol, eu
tinha a obrigação de pescar, a outra opção seria carreteiro de charque. Eu levava a
sério as minhas funções, mas eram grandes as distrações em meio a muitas
brincadeiras.
Figura 9: Antônio Azambuja, O foguista do acampamento, fotografia analógica, 1994.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Figura 10: Antônio Azambuja, Pescaria em dia chuvoso, fotografia analógica, 1993.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Em Porto Alegre, por mais concreto que tivesse ao redor, nunca me afastei
muito das brincadeiras ao ar livre e da natureza. Depois do primeiro endereço,
passamos a morar sempre nos arredores do Parcão. Lá eu também me sentia livre,
dava voltas de bicicleta sozinho, subia em árvores, fazia amigos. Dificilmente eu
usava a pracinha do jeito habitual, estava sempre procurando um jeito mais
desafiador de explorar os equipamentos (Figura 11).

Figura 11: Marlete Farias, Escalada nas traves, fotografia analógica, 1995.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

A vida na cidade grande não foi ruim para mim, sei que fui privilegiado pelos
lugares que morei. Lembro de um prédio que tinha um amplo espaço para jogar bola
em cima dos estacionamentos, o qual em alguns momentos até usei para tentar
andar de roller. Porém, o que eu gostava mesmo era de pular para onde tinha
árvores e pedras (Figura 12), era uma faixa ao redor de todo prédio, onde eu
brincava de alpinismo, inventava esconderijos e colhia amoras.
Figura 12: Berenice Netto, Soltando filhote de passarinho na amoreira, fotografia analógica,
1996

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Algumas vezes, senti o que Louv chama de “criminalização do brincar na


natureza”; nunca tive problemas com os vizinhos, mas sempre tive muitos amigos e
com frequência ia brincar na casa deles. Nos condomínios de alguns só faltava
proibir as crianças de morarem lá, pois qualquer tipo de exploração do espaço
parecia um atentado ao patrimônio. O autor nos também nos fala que:

Incontáveis comunidades têm praticamente banido o brincar não


estruturado ao ar livre, muitas vezes por causa da ameaça de
processos, mas também por causa de uma obsessão cada vez maior
com a ordem. Muitos pais e filhos agora acreditam que brincar fora
de casa é ilícito, mesmo quando não é; a interpretação é nove
décimos da lei. (LOUV, 2016, p. 50).

As diferenças entre mim e meus colegas que haviam sido criados sempre na
cidade ficavam muito evidentes quando tínhamos liberdade para inventar novas
brincadeiras ao ar livre. Não tão ao acaso fui tendo mais afinidade com os colegas
cujas famílias tinham sítios, inclusive meu melhor amigo, Gabriel, morava em um
sítio em Viamão, onde o pai dele tinha um aviário. Muitos finais de semana eu
passava na casa dele; tinha até uma maleta de aventura para ir para lá – era uma
caixa de ferramentas que ganhei para colocar materiais de pesca, mas acabei a
ampliando para itens de sobrevivência na natureza.

Figura 13: Família Bittencourt, Turminha embarrada, fotografia analógica, 2000.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Nessas experiências em sítios, lembro de uma vez que fui para a


fazenda de um colega em Bom Jesus. Tínhamos saído para ir até o açude próximo a
casa, mas, chegando lá, a irmã do meu amigo caiu no barro e acabou escorregando
numa barranca, o que foi um gatilho para mim que vi ali a oportunidade de brincar
em um tobogã natural. O que inicialmente pareceu um desastre para a menina que
ficou com a bunda embarrada, virou diversão quando eu desci escorregando atrás
sem me importar. Quando voltamos para casa, embarrados, não fomos
repreendidos, mas aquilo era algo que não era natural para a família, a mãe do meu
colega correu para pegar uma câmera fotográfica e registrar aquele momento
(Figura 13). Mesmo com aquela enorme fazenda eles não tinham o hábito de sair do
cercado da casa para brincar, e apenas quando iam andar a cavalo se afastavam da
casa.

Segundo Hirshberg, os japoneses reconheceram que a criatividade


americana vem em grande parte da liberdade e do espaço – o
espaço físico e o espaço mental. Ele não disponibilizou estudos que
acadêmicos para amparar essa teoria; mesmo assim, a declaração
me pareceu verdadeira - e eu a guardei. Enquanto crescíamos,
muitos de nós fomos abençoados com espaço natural e imaginação
para preenchê-lo. (LOUV, 2016, p. 117).

Assim como Louv, também encontro sentido nas palavras, sem comprovação,
de Jerry Hirshberg, diretor, fundador e presidente da Nisan Design International,
centro de design da empresa automobilística japonesa nos Estados Unidos. Acredito
que a liberdade que tive na infância, as brincadeiras exploratórias na natureza e
também com elementos naturais que eu levava para casa, me fizeram compreender
o mundo de outra forma, mais criativa e mais inventiva. Certamente isso também
tem influências dos meus pais, que dividiram momentos de suas infâncias comigo,
me contando como faziam pra se divertir quando ainda não havia energia elétrica na
casa deles. Isso me encorajou a fazer meus próprios brinquedos.
Dessa forma, sendo criado não em um vaso, mas em um canteiro que era
enriquecido com reposições de solo, tive meu desenvolvimento na capital gaúcha.
Fui amadurecendo e minhas raízes absorvendo nutrientes. No Ensino Médio minhas
habilidades manuais se apresentaram como algo que eu deveria explorar na vida
adulta. Meus galhos estavam tomando forma, minhas ramificações estavam
crescendo, então jardineiros entraram em ação para tentar guiá-los com um tal de
teste vocacional.

1.3 - Fortes Ventos

Eu fui soprado pelo vento. Em casa nunca fui cobrado sobre um destino na
minha vida ou questionado sobre qual seria a minha formação. Cresci em liberdade,
com raízes que se estendiam para além das fronteiras reais, eu chegava longe e me
nutria. As vivências ligadas à natureza me deram bagagem e impulsionaram o
crescimento de meus ramos. Naturalmente fui desenvolvendo muitas habilidades.
Eu era inventivo e, no espaço reduzido de um apartamento, eu acabava brincando
com miniaturas – assim acabei desenvolvendo uma boa habilidade manual.
A escola que frequentei no Ensino Médio tinha uma preocupação com os
números de aprovados no vestibular, o que repercutia na reputação da instituição
como boa formadora, e essa preocupação era passada para os alunos. Diferente de
outras plantinhas naquele canteiro, eu não sabia qual função eu queria ter –
algumas ali acho que nem tiveram escolha, tinham que seguir a orientação de suas
famílias que já haviam traçado planos para elas. Eu fiz alguns testes vocacionais.
Não me lembro se nas opções de resultado tinha algum caminho direto que levasse
às artes, assim, a opção que se apresentou mais apropriada para mim foi a
odontologia. Os jardineiros que trabalhavam ali na missão de orientar faziam podas
ao seu gosto, estaqueavam e amarravam as mudinhas para que crescessem em
direção ao status. Eu até cheguei a me imaginar dentista, pensava que esculpir
sorrisos poderia ser legal. Quando chegou a hora de prestar vestibular eu não tinha
dúvidas, era isso.
Após a germinação de uma sementinha, ela passa muitos anos crescendo e
amadurecendo até conseguir dar bons frutos. Durante os primeiros processos de
frutificação é comum acontecerem abortos espontâneos, depois ela gera pequenas
frutinhas e tende a ir melhorando ano após ano. Para acelerar isso e tornar o cultivo
mais rentável, principalmente na horticultura, existe hoje a prática do enxerto, que
basicamente consiste em podar a pequena muda em sua base e inserir ali um galho
com a carga genética de uma planta adulta e madura para que ela comece sua
produção em poucos anos. Metaforicamente, o que quero falar é que muitos jovens
hoje também recebem não só uma influência da família, ou do meio em que vivem,
mas são tantas informações voltadas à produção que chegam a deixar de viver suas
próprias vontades para se encaixar em algum modelo tido como apropriado. Krenak
(2020) critica estas formatações, que tratam o mundo como mercadoria e tentam
predestinar o futuro. Sobre as crianças, ele afirma:

As informações que ela recebe de como se constituir como pessoa e


atuar na sociedade já seguem um roteiro predefinido: vai ser
engenheira, arquiteta, médica, um sujeito habilitado para operar no
mundo, para fazer guerra; tudo já está configurado. (KRENAK, 2020,
p. 101).
Eu não passar no vestibular para odontologia chegou a ser sofrido na época,
entretanto, hoje não me imagino conseguindo manter uma roupa branca. Por conta
disso, fiquei plantado em um curso pré-vestibular por dois anos, sofrendo as
intempéries longe daqueles antigos jardineiros. Foi aí que o vento soprou forte a
primeira vez e soltou algumas amarras que me prendiam em um caminho único.
Eu havia crescido com bastante liberdade em casa e sempre me nutrindo de
contatos com a natureza, porém as atividades do colégio, com aula em turno integral
em um dia da semana, deveres de casa com listas intermináveis de exercícios e o
estudo necessário para as provas periódicas, ocupavam um bom tempo na minha
rotina. Então, nos anos de cursinho preparatório para o vestibular, acabei tendo mais
tempo livre, as brincadeiras de criança com materiais que eu coletava deram lugar a
criações mais engenhosas, e mesmo com uma rotina de cidade grande minhas
referências davam asas ao meu imaginário que me transportava para longe. Com
galhos, sementes, pauzinhos eu construía objetos, bonecos e casinhas; criava meu
próprio universo dentro do apartamento que morava.
Como Cláudia Mariza Brandão (2012, p. 56) discorre em sua tese, o
imaginário tem alguns significados; sendo formado pelas bagagens de vida, ele
acaba por manifestar uma espécie de essência do que está se consolidando no
sujeito:

Diferentes significados são atribuídos ao termo Imaginário, sendo


que a imprecisão do termo decorre do fato de a imagem constituir
uma categoria mista e desconcertante (...) entre o concreto e o
abstrato (...) o real, o pensado e o imaginado (...) o sensível e o
inteligível‖ (TEIXEIRA; ARAUJO, 2011, p.41). Esta é a fonte de
estudos do GEPIEM, que tem como aporte principal os estudos
relacionados à Antropologia do Imaginário, alicerçado por uma base
teórica de cunho psico-antro-pedagógico, tendo como autores
principais Gilbert Durand, Gaston Bachelard, Edgard Morin, Michel
Maffesoli e Marie-Cristhine Josso, somente para citar alguns. No
âmbito dessas pesquisas, incluindo a apresentada nesta tese,
percebe-se que os processos formativos e a construção dos saberes
apresentam-se como uma teia que une a arché do passado - que nos
fala sobre as influências psicológicas, sociais e históricas nos
sujeitos - ao presente, como um motor que aciona o télos, o futuro,
expondo a complexidade do ser.
Figura 14: Berenice Netto, Casinhas de palitinho feitas em 2007, fotografia digital, 2023

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Meu imaginário realmente manifestou desejos de um menino, fez o vento


soprar e criou possibilidades para outro futuro, que não o de ser dentista. Foi em um
inverno que eu fiquei admirando o terreno vizinho, vi que a casa estava com as
janelas e portas lacradas e o mato crescia alto. Uma laranjeira carregada de frutas
sem ninguém para apanhá-las foi um bom pretexto para me aventurar por lá.
Coloquei uma escada no pátio do prédio onde conseguia alcançar alguns galhos e
logo já estava em cima da árvore. Colhi algumas laranjas e aproveitei para explorar
o terreno. Quando estava voltando achei um galho muito interessante, ele era
alguma poda já antiga, estava equilibrado com as pontas mais finas tocando o chão.
Aquele achado alavancou minha imaginação, vi ali a possiblidade de construir uma
miniatura de casinha na árvore, a qual poderia ficar dentro do meu quarto e sempre
disponível para eu brincar.
Sensibilizado pela aventura de escalada na laranjeira e sem nunca ter tido
mais do que tábuas encaixadas em forquilhas para brincar, realizei o desejo de ter
uma casinha na árvore. Mesmo sendo uma miniatura, ela era elaborada, com três
andares e toda mobiliada. O sucesso na construção me motivou a procurar outro
galho e dedicar mais tempo para aquela atividade; acabei fazendo outra casinha,
dessa vez tentando conservar as folhas nos galhos e com uma escada caracol para
dar acesso. Ambas ainda existem e decoram o meu quarto na casa da mãe (Figura
14).
Aquela atividade foi tão inspiradora que projetar casinhas ou casas me
pareceu uma realidade prazerosa para o futuro. Aquela tarde na laranjeira mexeu
comigo, me fez retornar às minhas origens e me ajudou a pensar sobre outras
possibilidades. Assim, aos poucos a vontade de ser arquiteto foi surgindo.

A natureza pode estimular a oitava inteligência (e provavelmente


todas as outras) de incontáveis maneiras. Mas meu coração tem um
ponto fraco por casas na árvore, que sempre transmitem certa magia
e conhecimentos práticos. (LOUV, 2016, p. 101).

Essa magia das casas na árvore para mim foi libertadora, me fez pensar no
que eu realmente gostava. A possibilidade de trabalhar com paisagismo era mais um
atrativo desta profissão que já estava me parecendo interessante. Então, com uma
visão romântica, ingressei na arquitetura, pensando em criar projetos em harmonia
com a natureza e quem sabe um dia fazer uma residência habitável em cima de uma
árvore.
O início do curso foi uma maravilha; já no primeiro semestre, consegui um
bom dinheiro fazendo maquetes para os colegas. Eu tinha facilidade em projetar, só
não gostava muito das orientações de projeto, quando os professores definiam
mudanças sem muita explicação, apenas por gostos pessoais estéticos que suas
experiências faziam valer. Isso não era difícil de driblar, mas logo busquei estágio na
área e meu desencanto pela profissão começou. O escritório em que eu estagiava
era conceituado; além do chefe que dificilmente aparecia, tinham outros quatro
arquitetos que batiam ponto e, assim como eu, não saíam da frente do computador
digitalizando os projetos e tentando decifrar os traços a lápis feitos por cima das
plantas baixas. Raras vezes um dos arquitetos saía para fazer acompanhamento de
obra e, quando saía, me chamava para ir junto. Eu ficava auxiliando com
levantamento de métrico e invejando o trabalho dos pedreiros que estavam fazendo
tudo acontecer. Não me contentei com aquilo e fiz estágio em outros três lugares,
dois eram quase iguais ao primeiro, e o terceiro era diferente, na Secretaria do
Patrimônio Histórico, muito mais chato. Minha experiência em acompanhar as obras
se fez valer porque apenas o que eu fiz lá foi tirar e anotar medidas de prédios
antigos, depois passar para o computador.
No sexto semestre da faculdade de Arquitetura, eu me esgotei. Não
conseguia mais sonhar com projetos de casinhas na árvore. As realidades que eu
passei a viver e, consequentemente, a imaginar para o futuro como arquiteto
deixaram de ser agradáveis. Dificilmente eu conseguiria liberdade para criar um
projeto sem nenhuma interferência e, mais do que isso, eu não me contentaria
apenas em projetar e não executar. Como diz Krenak (2020), essa ruptura com o
tipo de existência que eu imaginava me desestabilizou, em consequência eu adoeci.
Tranquei o curso e passei um tempo perdido. Caí em um abismo mesmo, como diz o
autor. Precisei de ajuda para me reencontrar. Tive que dar muito mais do que doze
passos para conseguir enxergar outras realidades possíveis para mim.

Talvez estejamos muito condicionados a uma ideia de ser humano a


um tipo de existência. Se a gente desestabilizar esse padrão, talvez
a nossa mente sofra uma espécie de ruptura, como se caíssemos
num abismo. Quem disse que a gente não pode cair? Quem disse
que a gente já não caiu? (KRENAK, 2020, p. 57).

Os ventos nesse período sopraram forte, foram verdadeiros temporais.


Fizeram podas drásticas em minhas ramificações. Das amarras que os jardineiros
tinham feito nada sobrou. Passei um tempo me recuperando e sofrendo com novas
rajadas de vento que vinham repentinas e me desgalhavam novamente. Sem saber
que rumo tomar e sem conseguir me estruturar para seguir meu desenvolvimento,
precisei voltar para o solo onde germinei. Lá minhas raízes se fortaleceram e eu
consegui desabrochar novamente.
Em Jaguarão, comecei a ver os desafios com menos complexidade. Voltei a
aproveitar os simples prazeres da vida, como passeios a cavalo, pescarias e
acampamentos. Consegui desacelerar os pensamentos e os impulsos.
Diferentemente de Porto Alegre, lá eu não sentia que deveria seguir algum roteiro,
como Krenak (2020) fala. Tudo era mais tranquilo, inclusive as cobranças da
sociedade por um futuro promissor.
As vivências com meu pai, sendo seu auxiliar de trabalho quando ele ia
nivelar lavouras de arroz, despertaram um novo interesse em mim. Com ele aprendi
a caminhar pelos campos sentindo os desníveis e, guiado pela linha do horizonte,
marcar as curvas de nível na cabeça antes de instalar qualquer aparelho para
começar o trabalho. Não era uma atividade fácil, exigia trabalho árduo durante um
período do ano, mas, como o trabalho não era contínuo, permitia que meu pai
tivesse um bom tempo livre entre as empreitadas.
Assim, motivado pela possibilidade de ter uma vida ligada à natureza,
trabalhando por empreitadas e com tempo livre para me dedicar a outras coisas, fui
fazer o curso de Agronomia na UFPEL. As aulas em turno integral no campus do
Capão do Leão eram o oposto do que motivou meu ingresso. Eu saía de casa de
manhã e voltava no meio da tarde, quando retornava para o apartamento, no centro
de Pelotas; sempre tinha coisas para estudar e mal sobrava tempo. O ambiente
social também não era nada do que eu havia imaginado; na verdade, acho que nem
parei antes para pensar ou imaginar como seriam meus professor e colegas, só
imaginei o que seria a profissão e o futuro de formado. Tudo aquilo pelo qual eu
deveria passar antes eu desconsiderei nos meus planos.
Minhas raízes estavam fortalecidas, o conhecimento que era transmitido pelos
professores era interessante e me nutria. Quando tentavam colocar estacas e me
direcionar é que eu me rebelava. Eu não era mais como alguns colegas, recém-
saídos das mãos de outros jardineiros. Eu já tinha meus planos e o jeito que
tentavam me conduzir e amarrar a um destino acadêmico me causava muito
desconforto. Assim, fui me desenvolvendo naquele terreno um pouco isolado. Por
ser tão diferente, eu era quase uma erva daninha ali onde o assunto era
monocultura.
No campus eu até tinha uma turma, alguns amigos de Jaguarão, mas eu
matava mais aulas do que eles, dava mais voltas pelos campos da região
procurando algo que me chamasse a atenção. Então, andava mais solitário por lá.
Não sei se foi esse o sentimento que me impulsionou, somado a toda minha
bagagem, mas em uma ripa de pinos de 2,5 cm por 2,5 cm eu vi a possibilidade de
esculpir um amigo para me acompanhar. Essa brincadeira de esculpir uma madeira
com estilete deu asas ao meu imaginário novamente. Consegui outra ripa e fiz mais
um boneco. Diferente do primeiro, que usava apenas calça jeans, o segundo estava
com uma pilcha completa de gaúcho. Esculpir estava me dando tanto prazer que eu
quase não ia mais às aulas, mas ia para o campus, pois lá eu poderia fazer sujeira
de lascas de madeira mais à vontade do que no apartamento.
Simultâneo a isso, a vida cultural de Pelotas me mostrava outras
possibilidades; coisas que eu talvez não visse como possíveis antes começaram a
se apresentar. Na vida noturna, ao invés de ficar em uma esquina com os colegas,
eu preferia ir para ocupações com pessoas singulares, conversar aleatoriedades.
Minhas esculturas eram valorizadas nestes lugares e isso me estimulava a seguir
esculpindo. Já o ambiente da agronomia estava se tornando tóxico e eu não
conseguia mais ver uma realidade agradável no futuro.

Há um aforismo de Peter Handke que diz assim “A transformação se


faz necessária quando algo que era válido como real deixa de ser
real; se se consegue a transformação, então outras coisas serão
reais; se nenhuma outra coisa se torna real, então a pessoa
sucumbe”. (LARROSA, 2022, p. 107).

Como neste aforismo de Peter Handke, que Larrosa (2022) traz, eu precisei ver
outra realidade válida para não sucumbir. Desta vez, minhas raízes estavam
fortalecidas e uma ramificação inventiva já havia se desenvolvido. Quando o terceiro
semestre de Agronomia estava começando, eu já estava com tudo pronto para pedir
transferência de curso para Artes Visuais. Passei a esculpir no apartamento e deixei
de ir às aulas mesmo antes de sair o resultado da transferência. Impulsionado pelo
meu imaginário e pelas histórias dos meus pais, que faziam seus próprios
brinquedos, fiz mais três esculturas criando um universo em bonecos de madeira
com a série Amigos (Figura 15).

Figura 15: Jerônimo Azambuja, Série Amigos, entalhe em madeira 2,5 x 2,5 x 30 cm,
fotografia digital, 2023.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.


Entrei nas Artes Visuais motivado pelas minhas recentes criações, mas a
transferência foi no meio do ano, quando não há ingressos regulares, então fiquei
um tanto perdido, sem cadeiras do primeiro semestre para fazer e tendo que optar
por algumas de outros semestres que não tinham pré-requisitos. Minha grade
curricular desde o início ficou bem bagunçada, fui cursando as poucas disciplinas
nas quais conseguia me matricular e aos poucos me descontruindo naquele novo
universo. Sem saber, eu carregava em mim ainda muito do mundo que eu habitara
antes.
Os primeiros semestres no Centro de Artes não foram fáceis. Meu
entendimento artístico não conseguia fugir muito do literal e relativizar pensamentos.
Lembro-me de uma atividade em que a sensibilização foi feita com a música Another
Brick in the Wall, do Pink Floyd, e foi solicitado que relacionássemos com alguma
obra de arte. Eu relacionei com o quadro “Operários”, de Tarsila do Amaral, que
representa o rosto de cinquenta e um operários da indústria dispostos formando uma
parede. Não entendi como meus colegas relacionavam com coisas que para mim
não tinham sentido, nem de longe lembravam aquela figuração literal que eu tinha
imposta na minha mente.
Mergulhei naquele universo novo achando que saber nadar bastaria. Porém,
sem conseguir tocar o fundo, “sem ter pé”, precisei buscar um lugar de conforto para
descansar. Optei por trancar a faculdade de Artes por um semestre e trabalhar de
garçom em uma doceria. Mesmo sem me permitir o ócio, afastado tive alguns
entendimentos, que se eu não tivesse interrompido a faculdade talvez eu não
alcançaria. Retornei para os estudos alguns meses depois e a melhora do meu
desempenho nas disciplinas se fez evidente. Mas os esclarecimentos mais
profundos que me consolidam hoje só vieram com uma segunda interrupção no
curso, esta forçada pela pandemia do Covid19, que permitiu uma desaceleração
total:

A experiência a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos


toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar
para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar; parar para
sentir, sentir mais devagar, demorar-se no detalhes, suspender a
opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os
olhos e ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter
paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2022, p. 25).

Uma pausa quase impossível nos tempos de hoje, como Larrosa (2022) fala,
mas que durante a pandemia foi forçada. Assim tive tempo, um tempo sem
cobranças, sem pensar que o mundo estava girando e eu não poderia ficar parado.
No início não me permiti desacelerar, usei o tempo para produzir esculpindo e me
desafiar em esculturas mais elaboradas que requeriam mais calma e dedicação. A
esta altura eu já colecionava esculturas em madeira, mas ainda não tinha percebido
que elas não eram apenas objetos, elas eram fruto de momentos em que eu estive
em contato com a natureza e minha sensibilidade captou algo especial nelas me
levando a querer evidenciar aquilo. Esta percepção começou a se fazer clara à
medida que a matéria-prima que eu tinha estocado no apartamento se esgotava e a
necessidade de ter contato com a natureza começou a aparecer.
Com isso, fui para Jaguarão algumas vezes me isolando em um campo e
ficando acampado só eu e minhas duas cadelas. Imerso em meio a uma imensidão
verde, que ao longe era cortada por máquinas agrícolas, reencontrei-me com o
menino que germinou lá em uma chácara. Como um garoto, consegui realmente
desacelerar e reparar em tudo a minha volta; fiquei alguns dias sem me preocupar
com nada, apenas desfrutando do lugar. Sem luz e sem muitos recursos, fazia um
fogo de chão na hora das refeições e me reconectava com uma essência que estava
apenas no inconsciente.
Voltando às palavras do Larrosa (2022), aquela experiência possibilitou que
algo me acontecesse. Retornei mais sensível e mais forte, ciente de que o contato
diário com a natureza me proporcionava um bem-estar, mais que isso, me nutria por
completo e fazia eu me sentir com mais energia para criar, para estudar, enfim, para
viver seja a realidade que for. O apartamento em que eu morava em Pelotas não
oferecia nesse sentido mais do uma área de serviço lotada de vasos e plantas. Eu
precisava mais, precisava ter um pátio. Assim fui caminhando para o local onde vivo
hoje.
Primeiro, mudei do apartamento para uma casa com quintal grande, mas
ainda no centro. Depois, conquistei um espaço maior, longe do centro e com
bastante áreas naturais em volta. Vim morar no Laranjal ainda durante a pandemia e
aqui eu me achei, aqui a vida tem um ritmo menos acelerado, com barulhos de
pássaros e não de motores. Eu consegui estabelecer uma conexão com o local que
me serve de grande motivação, não só pelo pátio grande que me permite ter horta e
cuidar da terra vendo as plantas se desenvolverem ao seu tempo, ou pela grande
quantidade de matéria-prima para minhas obras que eu encontro pelas esquinas
sem fazer nenhum esforço, mas porque eu acho que entendi o poder da conexão
com a natureza, o poder de me sentir fazer parte de um todo apenas por respirar e
se sentir presente. Quando isso se torna complicado, caminho até a beira da lagoa e
fico observando sua grandiosidade.
Como diz Krenak (2022, p. 99), “Para além da ideia de ‘eu sou a natureza’, a
consciência de estar vivo deveria nos atravessar de modo que fôssemos capazes de
sentir que o rio, a floresta, o vento, as nuvens são nosso espelho da vida.” Assim, o
vento que não para de soprar agora balança uma planta já madura, que teve tempo
para florescer e agora precisa dele para espalhar suas sementes em um terreno
fértil para que outras possam germinar.
Capítulo 2 - crianças PLANTAS EM VASOS

Eu tinha uns vinte anos quando plantei algumas sementes de bergamota em


um mesmo vaso. Quatro germinaram e se desenvolveram. Selecionei três delas e
passei para vasos rasos, uma foi para um vaso grande e ficou com mais espaço.
Alguns anos depois, eu tinha pés de bergamota maduros, e a diferença entre o pé
cujas raízes tiveram profundidade para crescer em relação aos outros era imensa.
Comparar as bergamoteiras que transformei em bonsai com a que virou árvore foi
uma experiência que durou uns oito anos; mesmo adubando todas igualmente, as
pequenas definharam uma a uma, até que a última em forma de bonsai morreu. A
que cresceu vai completar quatorze anos, um tanto apertada em seu recipiente,
nunca deu frutos grandes.
O afastamento da natureza estava sendo pensado como algo gradativo, que
acompanhava a evolução dos centros urbanos e a diminuição de áreas verdes.
Porém, a pandemia modificou completamente o cenário que vinha sendo
pesquisado. As consequências de uma reclusão forçada foram sentidas por todos,
porém as crianças, em momento de descoberta, formando seus hábitos, podem ter
tido uma perda maior. Ficaram confinadas entre quatro paredes como em vasos,
descobrindo o mundo através de telas ou janelas. Agora precisamos dar espaço
para que suas raízes não atrofiem transformando-as em pequenos bonsais.

O exercício físico e a conexão emocional que as crianças desfrutam


em brincadeiras não estruturadas são mais variados e menos
relacionados ao tempo cronometrado do que o que as experiências
nos esportes organizados. O tempo para brincar – em especial o
brincar livre, não estruturado e exploratório – é cada vez mais
reconhecido como componente essencial no desenvolvimento infantil
saudável. As descobertas das pesquisas sobre brincar ao ar livre
muitas vezes misturam tipos de atividades, como andar de bicicleta
no bairro, com descobertas mais especificas sobre a experiência na
natureza. (LOUV, 2016, p. 70).

Seguindo as ideias apresentadas por Louv, pode-se imaginar que


“brincadeiras não estruturadas” sejam algo distante de uma aula de artes, porém
algumas estratégias podem ser pensadas de forma que levem o estudante a uma
sensibilização, aumentando contato com elementos naturais e exercitando os
sentidos, ou seja, dando espaço para que ele mesmo lance suas raízes mais longe e
se desenvolva com acesso a mais nutrientes.

2.1 - Substrato

Substrato é o termo técnico para nomear aquilo no que uma planta é


plantada, serve como suporte em que se fixam suas raízes, também retém o líquido
e disponibiliza nutrientes. O extrato é o que está por baixo, a camada inferior, por
isso pode ser pensado como a natureza mais íntima de algo ou alguém. Aqui é o
que serviu de base e me fez ter alguns entendimentos sobre onde as crianças estão
inseridas.
Em um contexto de retorno às atividades de modo presencial – já que a
pandemia de covid-19 impossibilitou por mais de dois anos que as aulas ocorressem
dessa maneira, sendo adotada a prática de aulas remotas –, busquei através da
disciplina de Estágio Supervisionado em Educação das Artes Visuais I minha
primeira inserção em uma sala de aula como educador. Diante da conclusão da
experiência de regência em duas turmas de sexto ano, da Escola Municipal de
Ensino Fundamental Luiz Augusto de Assumpção, localizada no Balneário dos
Prazeres, na cidade de Pelotas, busco agora desenvolver a análise crítica da
aplicação de um plano de aula de artes nos diferentes sextos anos.
Ao observar e trabalhar com duas turmas durante o estágio, eu consegui
conhecer um pouco melhor cada uma delas e, no exercício de escrever o relatório
final, eu relembrei fatos que me levaram a refletir. Durante a aplicação de um dos
planos de aula, que envolvia atividades com argila, tive uma experiência com o
descontrole no uso do material, o qual resultou em sujeira, causando-me certo
desconforto. Com isso, adotei uma abordagem diferente na hora de aplicar
novamente o mesmo plano de aula para a outra turma. Resolvi o problema da
sujeira, mas me senti mais desconfortável, dessa vez com a interferência que isso
teve no processo das crianças em sala. Explorando uma significativa diferença no
que foi desenvolvido em sala de aula pelas duas turmas, busco analisar a minha
mediação como educador nesse processo. No entendimento de que mudanças e
adaptações às vezes se fazem necessárias, pensarei as alterações no procedimento
metodológico e seus reflexos nas turmas. Discutindo os aprendizados que tive
durante a experiência de estágio e quais contribuições para minha bagagem como
educador de Artes Visuais, analisarei os materiais resultantes das práticas e as
diferenças metodológicas.
Durante a aula de observação, pude fazer algumas constatações que me
ajudaram a construir o plano de aula. O colégio não conta com sala de artes, sua
estrutura simples de prédios em “U” tem as portas viradas para um pátio de chão
batido com uma única árvore em um canto. O estilo avarandado permite a circulação
protegida ao redor desse pátio. Também existem duas quadras poliesportivas de
concreto: uma pequena e coberta na frente e uma um pouco maior e aberta nos
fundos. O recreio das turmas ocorre entre estes três espaços.
Quando entrei na sala, acompanhado da professora regente, os alunos
estavam divididos em dois grupos: meninos de um lado, em menor número, e
meninas, do outro. Durante a aula, a professora apresentou um texto sobre o artista
Xadalu, porém teve dificuldades em conter as conversas nos grupos, tendo que
pedir atenção algumas vezes. No tempo dado para os alunos responderem algumas
questões, enquanto eu conversava com ela, poucos fizeram a atividade. Perto do
final da aula, com alertas de que seriam cobrados por aquilo, passaram a
compartilhar as respostas e preencher suas folhas.
Conhecidas a escola e uma das turmas, fui para casa com a missão de
preparar uma aula e me atrever a fazer alguma diferença na relação da turma com a
aula de Artes. Meu objetivo era não precisar fazer intervenções no sentido de
chamar a atenção dos estudantes. Para isso, fui atrás de algumas referências
metodológica que envolvesse os alunos no conteúdo.
Aprofundei a pesquisa em relação às abordagens de Ana Mae Barbosa para
montar o plano de aula. A autora, que propõe a abordagem triangular no ensino da
arte, nos traz a importância da imagem nesse processo falando da força da
contextualização que facilita a análise a crítica das obras.

A história da arte ajuda as crianças a entender algo do lugar e tempo


nos quais as obras de arte são situadas. Nenhuma forma de arte
existe no vácuo: parte do significado de qualquer obra de arte
depende do entendimento de seu contexto. (BARBOSA, 2014, p. 38).

A afirmação de Ana Mae me conduziu aos primórdios da arte, quando as


manifestações ainda não eram pensadas para apreciação de outros. Lembrando-me
dos “engessamentos” vividos no Ensino Fundamental, ao comparar meus desenhos
com o de colegas, que tinham uma expressão gráfica mais desenvolvida, pensei em
quebrar o que as crianças tivessem por “padrão de um bom desenhista”. Talvez
assim se sentissem mais livres para se expressar e desenvolver a linguagem do
desenho. Para isso, preparei minha aula com o tema “Arte Rupestre”. Visando a
uma contextualização e permitindo a análise, levei imagens de pinturas em cavernas
brasileiras. Minha intenção era trazer um pouco de história da arte para os
estudantes junto com referências visuais, sem que isso norteasse um padrão para
eles seguirem.

Figura 16: Professora Roberta, Analisando imagens de pinturas rupestres com a turma, fotografia
digital, 2022

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Tendo dois sextos anos para assumir, em diferentes dias, dei início a minha
primeira experiência com a turma que eu já havia observado. Buscando diminuir as
conversas paralelas e ficar no centro das atenções, pedi para que os estudantes
sentassem em um semicírculo. Então, partindo de perguntas investigativas, tentando
calcular o conhecimento dos alunos sobre arte na pré-história e despertar a
curiosidade deles, comecei minha aula expositiva. Como a escola não possui
recursos de mídia, levei impresso seis imagens de pinturas rupestres em cavernas.
Para que elas pudessem ser analisadas, circulei com as folhas impressas na mão,
depois as colei lado a lado no quadro (Figura 14). Após a contextualização,
incentivei a análise e pedi para comentarem o que viam e achavam de cada uma
delas, passando para uma conversa sobre as possíveis motivações das pinturas.
Em um segundo momento, voltei a fazer provocações tentando alimentar a
curiosidade da turma, perguntando sobre os pigmentos usados nas pinturas
rupestres, como achavam que eram feitos e como nós poderíamos tentar fazer em
aula. As crianças tinham alguma noção de possíveis cores usando pigmentos
naturais; um menino disse que poderíamos fazer o vermelho com sangue, outra
menina se lembrou da cor rosa da beterraba. Continuei a aula dando razão para eles
e explicando sobre possível adição de aglutinantes para fixar os pigmentos.
Sugerindo que também poderíamos usar barro, falei dos ocres, explicando que eram
argilas com óxidos usados como pigmento para pintura. Então puxei de dentro da
minha mochila um tacape e alguns torrões de argila laranja. A cara de encantamento
dos estudantes refletiu em mim e me deu tranquilidade para apresentar a proposta
prática.

Um currículo que integralize o fazer artístico, a análise da obra de


arte e a contextualização estaria se organizando de uma maneira
que a criança, suas necessidades, seus interesses e seu
desenvolvimento estariam sendo respeitados e, ao mesmo tempo,
estaria sendo respeitada a matéria a ser aprendida, seus valores,
sua estrutura e sua contribuição especifica para a cultura
(BARBOSA, 2014, p. 36).

Assim como Ana Mae (2014) sugere, meu plano de aula estava bem
organizado. Já havia passado da parte que eu julgava mais desafiadora, tinha
conseguido prender a atenção dos alunos sem grandes dificuldades durante o
momento expositivo, então para maior envolvimento no fazer artístico tentei criar um
cenário lúdico. Usei a clava com que bato nos formões para entalhar madeira,
mostrei a eles e disse que era uma ferramenta para esmagar torrões de argila como
se fôssemos pessoas pré-históricas.
Eu estava encantado pelo encantamento deles, a sensibilização tinha dado
certo e eles estavam ávidos pelo que viria. Coloquei meus materiais em uma mesa
no centro do semicírculo e, antes que eu pudesse acabar a explicação, de como
esfarelar a argila, já estava cercado por alguns querendo experimentar aquela
brincadeira. Instruí os primeiros que se aproximaram como macetar o barro laranja;
também mostrei outro barro cinza que já estava em pó, dividi em alguns potes e
exemplifiquei as diferentes texturas que se conseguia colocando mais água, ou mais
barro novamente nos potes.
Eles estavam naturalmente divididos em pequenos grupos por afinidade, não
me preocupei com quem já estava com o pigmento e comecei a chamar quem não
tinha se aproximado ainda e incentivar que participasse. A agitação estava grande,
mas eu estava envolvido em mediar a construção do pigmento com todos, no meu
planejamento estava tudo indo muito bem, até que um dos meninos me chama
incomodado e diz: “Tio, ele me sujou!” Aquilo fez com que eu levantasse a cabeça e
me assustasse com a sujeira. Em seguida, vieram alguns pedidos para ir ao
banheiro se lavar. Eu não poderia liberar todos, achei que tinha perdido o controle
da aula. Querendo retomar alguma ordem, pedi que todos sentassem em seus
lugares. Pensando em amenizar a situação, distribuí os pedaços de papelão que eu
havia levado para eles trabalharem e anunciei: “Esse papelão é a parede da caverna
e vocês têm pigmentos nas mãos”. Minha fala foi suficiente para fazer todos
esquecerem que queriam se lavar e voltarem para a atividade.
Eu estava muito satisfeito com o resultado da aula; apesar de um momento
de descontrole e da sujeira que isso resultou, consegui criar um cenário lúdico e os
estudantes imergiram na ideia. Como Ferraz e Fusari (1993, p. 89) sugerem no livro
em que me inspirei, “A experimentação, a criação, a atividade lúdica e imaginativa
que sempre estão presentes nas brincadeiras, no brinquedo e no jogo, são também
os elementos básicos das aulas de arte para criança”.
Não houve o enunciado de uma proposta, eu não pedi que eles desenhassem
com os pigmentos, era minha intenção, mas eu não tive tempo para estruturar isso.
Assim, as experiências da turma resultaram em papelões com camadas de argila
(Figura 17); uma menina que estava experimentando apenas com a argila vermelha
me surpreendeu ao dizer: “Vou apagar o que fiz, para fazer outro”. Eu fiquei meio
sem entender como ela apagaria, mas, observando-a cobrir todo papelão com o
pigmento, percebi a intensão dela, que logo pegou o outro tom e voltou a desenhar
por cima do fundo vermelho. Quando a aula acabou eles ainda estavam entretidos e,
como era o último período, não tivemos problema com horário. Eu acabei ficando
mais tempo para ajudar a limpar a sala.
Figura 17: Professora Roberta, Experimentação prática do Sexto A, fotografia digital, 2022

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

No dia seguinte, na minha aula pude partilhar da experiência com colegas da


disciplina de estágio e ouvir relatos das aulas deles também. Eu julgava que tinha
sido tudo quase perfeito na minha experiência e que, com exceção de um momento
de sujeira e uma baguncinha entre os estudantes, estava tudo certo. Uma colega
que estava trabalhando com os anos iniciais disse que, para manter o controle
usava uma tática de ditado, com propostas mais imperativas. Eu precisava de outra
estratégia para apresentar a proposta prática, pois, como a segunda turma em que
eu aplicaria o plano de aula era nos primeiros períodos, eu não teria tempo após a
aula para limpar a sala, e as crianças precisavam estar em condições de continuar
os estudos de outras matérias.
Figura 18: Professora Roberta, Trabalho prático do sexto ano B, fotografia digital, 2022.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Retornei à escola, com adaptações em mente; cheguei mais cedo e já fui


organizando as mesas em semicírculo. As crianças foram chegando e sentando.
Mantive a sensibilização inicial, com análise das imagens e contextualização, tal
qual foi com os outros. Até aí tinha sido tudo muito bem, não precisava mudar.
Minha ideia de construir um cenário lúdico também se mantinha. A única coisa que
havia me incomodado tinha sido o aparente descontrole e a sujeira que isso
ocasionou e, para contorná-los, mantive uma ordem: com todos sentados nos seus
lugares demonstrei como seria o procedimento; então pedi que se levantassem três
de cada vez para construir o pigmento, esfarelar a argila e hidratá-la. Após, eu
conduzia o trio até seus lugares com os potinhos de barro e dizia para desenharem
no papelão como se aquilo fosse a parede de uma caverna.
Novamente estava indo tudo muito bem, até o filme parece que se repetiu.
Ouvi gritos mais altos e, quando vi, sem reclamação, um menino que teve seu braço
pintado pelo colega estava revidando, tentando também pintar o outro. Eu precisava
de mais tempo para entregar os potinhos com barro para todos. Pedi que os
meninos fossem sentar para fazer a atividade, mas recebi uma resposta que me
desconsertou: “A gente já acabou”, disse a dupla que estava em atrito. Fui analisar
os desenhos e eram bem mais simples do que os da primeira turma. Poucos tinham
sujado a mão para carimbar no papelão, a maioria usava apenas a ponta dos dedos
e fazia traços simples (Figura 18), alguns até me perguntaram o que deveriam
desenhar.
Percebi o que minha preocupação com o descontrole havia feito: eu ceifei
desta segunda turma o momento de experimentação do material. Essa diferença no
processo era visível nos produtos, que estavam tendo um simples final, com menos
exploração dos recursos, parecendo assim com menos criatividade. As crianças não
haviam mergulhado as mãos na argila, sentindo sua textura de diferentes formas,
tinham apenas seguindo meus comandos e executado o que era proposto sem ter a
oportunidade de viver a própria experiência com o elemento barro. Como Larrosa
(2022, p. 74) fala em seu livro:

A palavra “experiência” serviu a muitos de nós para elaborar uma


distância a respeito do que poderíamos chamar de “a ordem do
discurso pedagógico” esta ordem que está feita de modos de dizer e
de pensar (e de olhar e de escutar, e de ler e de escrever, e de fazer
e de quere) nos quais não podemos nos reconhecer.

Para além das análises do procedimento metodológico e da interferência que


isso ocasionou nas turmas, tive outras percepções que se fazem relevante para esta
pesquisa. Os estudantes do sexto ano estavam recém voltando às atividades de
modo presencial, ficaram mais de dois anos restritos por causa da pandemia do
covid-19, afastados das atividades em sala de aula e de possíveis brincadeiras na
natureza. O pátio da escola oferecia um espaço seguro ao ar livre, porém seu piso
quase todo era de concreto, o que instigava poucas descobertas, impedia que as
raízes daquelas crianças chegassem ao barro, à água, a elementos naturais.
A escola se apresentava como um vaso raso de bonsai. Muito era proposto
para aquelas crianças, como se tivessem arames enrolados nos seus galhos
dizendo qual forma deveriam ter. Quando nutri a primeira turma com um barro novo,
e adicionei água na equação, suas raízes se expandiram, deram força para as
ramificações da criatividade se desvencilharem dos arames e encontraram seu
rumo. Já a segunda turma, que não foi tão nutrida pela experiência, com menos
liberdade, teve menos força para se ramificar, inclusive com pedidos para guiá-los.

2.2 Vasos na janela

O afastamento das crianças do contato com a natureza é uma preocupação


para Louv (2016), como venho relacionando nesta monografia. Sua pesquisa nos
aponta alguns fatores como “o surgimento da terceira fronteira” ou “a criminalização
do brincar na natureza” como algumas das possíveis causas disto. Este processo,
que já acendia um alerta e fazia pensar sobre as consequências desse afastamento,
ainda era tido como gradativo, porém, outra realidade se apresentou diante da
pandemia de Covid-19.
As turmas de sexto ano com as quais trabalhei eram ainda pequenas
plantinhas, ingressando no quarto ano do ensino fundamental, quando
experimentaram o momento de ruptura, o afastamento total da rua e de atividades
em grupo. Em um cenário pandêmico, o isolamento passou a ser uma medida de
proteção indicada a todos, e a privação de sair de casa fez aquelas crianças ficarem
como em vasos, apenas nas janelas.
Neste período de resguardo, os hábitos mudaram. A ansiedade em retornar
às ruas, sair de casa, sentida nos primeiros dias de confinamento, foi dando lugar ao
medo da rua e de tudo que vinha dela. As notícias que alimentavam os noticiários
eram trágicas. Aos poucos, fomos entendendo a proporção do que estava
acontecendo e reinventando maneiras de viver, de ministrar e participar das aulas,
de seguir existindo. Assim, as tecnologias ganharam um papel importante e as
vídeochamadas passaram a ser a maneira mais segura de se reunir com alguém.
Desta forma, as trocas que aconteciam em sala de aula foram substituídas por
atividades à distância.
As doutoras em educação Buss-Simão e Lessa (2020, p. 15) trazem
questionamentos que ajudam a entender os reflexos do confinamento na infância:

Ainda que as pesquisas e as práticas pedagógicas sejam já


orientadas por uma visão crítica ao adultocentrismo, podemos dizer
que este tipo de relação com as crianças continua predominante no
senso comum e, os adultos, acabam não se relacionando com o que,
de fato, elas estão vivendo e sentindo e como estão produzindo
sentidos a tudo isso.
É, para nós, um grande desafio essa reflexão que traçamos, sobre
infância, crianças, corpo(s) e pandemia sem que possamos nos
aproximar dos seus pontos de vistas. Sem saber delas, por meio das
múltiplas linguagens que utilizam para ser e estar no mundo, como
têm significado o isolamento social. Como é, para elas, ficarem
confinadas, às vezes sendo a única criança no espaço e na família?
E, nestes casos, como é estar distanciada de outras crianças, sem o
convívio social e a elaboração e troca de sentidos com seus pares?
Como está sendo viver com as limitações e interdições de sair para
os espaços externos e públicos, de correr, de pular, se movimentar?
Como sentem e vivem a necessidade de uso de máscaras? Como
significam a impossibilidade de tocar as pessoas, de se manter
distantes?

As autoras nos conduzem a pensar sobre a lacuna que muitas crianças


tiveram em seu desenvolvimento, estando privadas de estímulos tão importantes de
atividades ao ar livre e do convívio com outras da mesma idade.
Minha experiência de estágio se deu poucas semanas após a retomada das
aulas em modo presencial, ainda não estávamos livres de medidas sanitárias como
recomendação de distanciamento e a obrigatoriedade do uso de máscaras.
Encontrávamos-nos em um processo de readaptação, nos acostumando a viver
mais próximos do que antes era tido como “normal”, depois de quase dois anos
afastados de atividades presenciais.
Quando fui para a aula de observação, encontrei a professora regente em
uma sala do sétimo ano e me dirigi com ela para a sala do sexto ano, a que eu
observaria. No caminho entre as salas, ela foi me preparando para o que eu
encontraria: “Diferente do sétimo ano, os alunos do sexto ano ainda estão bem
imaturos”, relatou. A diferença era realmente gritante. A idade entre as turmas
parecia maior do que apenas um ano. Curiosamente, o período de isolamento teve
efeitos diferentes para aquelas crianças: enquanto o sétimo ano sofreu uma
adultização, o sexto ano se manteve infantil. Talvez por alguns dos fatores que
Buss-Simão e Lessa (2020) levantam em suas indagações e a faixa etária em que
os jovens estavam quando a pandemia abruptamente os isolou sejam consequência
desse degrau gerado entre eles.
Com referência ao que estudamos durante a disciplina de Estágio
Supervisionado, analisando o Plano Curricular Nacional, para ter noção dos
objetivos que os anos em que trabalharíamos deveriam atingir e as competências
indicadas a serem desenvolvidas, acredito que havia um déficit de aprendizagem
considerável nas turmas de sexto ano. Na aula de observação que fiz, como já
mencionei, a professora de Artes estava discutindo um texto, segundo ela a pedido
da coordenação, na tentativa de exercitar a leitura e a escrita dos estudantes, que
estavam tendo muita dificuldade em acompanhar os conteúdos previstos.
A educação não parou durante a pandemia de Covid-19, mas a necessidade
de utilizar equipamentos eletrônicos para acompanhar as aulas prejudicou a
construção de conhecimento em comparação às trocas que ocorrem nas aulas
presenciais. É como se a professora não entrasse em sala, ficasse apenas na janela
tentando transmitir informações sem poder se aproximar e acompanhar os alunos.
Mesmo em um cenário positivo, segundo relatos da escola, houve um número
significativo de abandono, exigindo a busca ativa dos estudantes por parte dos
funcionários, sendo a dificuldade de conexão a maior causa apontada pelas famílias.
Nestes casos, na tentativa de contornar a situação, foram passadas atividades
domiciliares a serem entregues mensalmente no colégio.
É verdade que com acesso à tecnologia janelas podem se abrir, mas muitas
vezes as janelas reais e as coisas mais sensíveis ao redor deixam de ser notadas.
Eu não nasci nessa nova era, em que muitas crianças crescem com aparelhos
eletrônicos nas mãos, e algumas delas até aprendem os recursos dos dispositivos
de toque na tela antes de falarem suas primeiras palavras. Durante a minha
formação no Ensino Fundamental, tive aulas de informática, aprendi computação no
colégio e fui me familiarizando aos poucos com o mundo tecnológico. Hoje é
diferente, os conhecimentos sobre dispositivos eletrônicos são quase empíricos para
as novas gerações, mas pesquisas apontam que essa conexão e proximidade com
os computadores não produz elos claros na aprendizagem:

Em 2001, a aliança pela infância, organização sem fins lucrativos de


College Park, Maryland, lançou Fool’s Gold: A Critical Look at
Computers in Childhood, relatório apoiado por mais de 85
especialistas em neurologia. Psiquiatria e educação, incluindo Diane
Ravitch, ex assistente da secretaria de educação americana; Marilyn
Benoit, presidente-eleita da American Academy of Child and
Adolescent Psychiatry; e a pesquisadora em primatas Jane Goodall.
Nesse relatório, afirmou-se que trinta anos de pesquisa sobre
tecnologia educacional produziram apenas um elo claro entre
computadores e o aprendizado das crianças. (LOUV, 2016, p. 157).

A pandemia de Covid-19 talvez tenha mudado um pouco isso, já que neste


tempo nos reinventamos e a possibilidade de conexão e uso de computadores na
educação, permitindo o acompanhamento mesmo que remoto de professores, tenha
facilitado para que algumas crianças continuassem os estudos. Porém, nessa
reinvenção, não foram só as salas de aula que passaram para o mundo virtual,
durante isolamento, o contato dos jovens com equipamentos eletrônicos aumentou
muito, substituindo qualquer atividade na rua, que naquele momento poderia
apresentar risco de contágio. A preferência pelo contato com a tecnologia ao invés
de brincar ao ar livre já era uma realidade para algumas crianças, como Louv (2016)
nos traz relatos de um menino que dizia preferir brincar dentro de casa por que é
onde há tomadas – isso antes mesmo do isolamento que pode ter enraizado
comportamentos como o do menino em outras crianças.
Se formos pensar nos jovens como uma geração em construção, aprendendo
hábitos e costumes, o isolamento pode deixar marcas que não serão facilmente
apagadas com a volta da circulação social. O medo de contágio assombrou a todos,
criando um temor do que estava lá fora e trazendo a necessidade de desinfetar tudo
que vinha da rua. Se já estavam caminhando em sentido contrário ao da conexão
com a natureza e atividades ao ar livre, as novas gerações agora estão amplamente
conectadas a eletrônicos e de certa forma aprenderam que isto é o mais seguro:

Diariamente, as crianças passaram a ouvir, por toda parte, um novo


léxico cotidiano não apenas para elas, como para nós:
contaminação, transmissão, contágio, sintomas no corpo, Corona
vírus, uso obrigatório de máscara, álcool gel, mortes, nomes de
drogas medicinais. E a febre, a dor no corpo, a dor de cabeça, dor de
garganta, a tosse e a falta de ar se tornam sintomas físicos do corpo
que anunciam a iminência de algo trágico. Além desses novos
sentidos produzidos e intensificados em nosso cotidiano, as crianças
também foram imersas em bruscas mudanças com relação ao
espaço-tempo de suas rotinas e interações. Para algumas, a
organização de suas vidas passou a ser marcada pelo excessivo
tempo em frente a uma tela, seja ela de televisão, computador,
celular, tanto para dar conta de uma “escolarização” formal no
formato remoto que muitas redes municipais deram sequência,
quanto para dar conta de “gastar” o tempo dentro das condições de
confinamento. (BUSS-SIMÃO; LESSA, 2020, p. 17).

Durante o isolamento, tivemos que privar, por segurança, as crianças de


muitas atividades. E eu me preocupo agora que elas sigam na inércia, mais ligadas
a dispositivos e com menor interesse pelas atividades na rua. As máquinas e
imersões em mundos virtuais podem impedir os jovens de exercitarem amplamente
seus sentidos, terem percepção das coisas reais que os cercam e de criarem novas
relações. Krenak (2019, p. 26), acreditando que estamos virando “um tipo de
humanidade zumbi”, nos fala de sua preocupação ainda anterior às mudanças que
viriam com a pandemia de Covid-19:

Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver


em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera
uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de
experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar.
O autor continua: “É importante viver a experiência da nossa própria
circulação pelo mundo, não como metáfora, mas como fricção, poder contar uns
com os outros” (KRENAK, 2019, p. 27). Ainda distante do que seria o período de
reclusão, Krenak já nos falava sobre o que agora precisamos incentivar.
Do que chamou a minha atenção nas turmas de sexto ano, com as quais
realizei o estágio, um fato é que poucos estudantes saíam da sala durante o recreio.
Em uma das turmas, os encontros eram antes do horário do intervalo, quando eu
encerrava a aula eles apenas puxavam os celulares e seus lanches e ficavam
sentados em pequenos grupos. Outra coisa é o asseio com as salas, todas as
mesas eram frequentemente desinfetadas com álcool gel pelos próprios alunos; com
isso, a preocupação com qualquer sujeira também ficou presente até mesmo na
hora da atividade prática.
Plantas que necessitam de muita luminosidade para se desenvolver, quando
cultivadas dentro de casa, precisam ficar próximas às janelas, assim elas se curvam
para onde entra o sol e tendem a desenvolver mais aquele lado. Com as crianças
que ficaram como em vasos durante este período de reclusão foi parecido: na falta
de luz natural, elas se debruçaram buscando janelas artificiais e cresceram suas
ramificações no sentido das telas. Viradas nesta direção, receberam informações e
se aproximaram das tecnologias, porém o lado que ficou mal iluminado precisa ser
nutrido agora.

2.3 Adubação excessiva – Excesso de informação que as crianças


recebem.

Quando temos uma planta em um vaso devemos garantir a nutrição dela


naquele ambiente limitado. Além da luminosidade, como eu vinha falando, temos
que observar os nutrientes disponíveis no solo para ela não apresentar deficiências.
Para adubação, podemos usar compostos orgânicos ou químicos, mas temos que
ter cuidado na tentativa de fortalecer a planta, pois podemos acabar prejudicando, já
que o adubo químico disponibiliza sais prontos que são absorvidos com grande
rapidez e o excesso pode causar danos graves.
Relacionando com as crianças, podemos dizer que o adubo químico é o uso
de telas e as informações que elas transmitem rapidamente são como os sais que
chegam prontos. Podemos tentar usar a nosso favor essa tecnologia, mas, mesmo
assim, os riscos de exagerar na dose são altos. Com essa fácil “nutrição” os jovens
estão se acostumado com a velocidade de dados que recebem. Nosso mundo está
cada vez mais acelerado, mas ao mesmo tempo estagnado: parados na frente de
telas, às vezes sem ver o tempo passar, deixamos a informação tomar conta do
lugar da experiência. Assim, tudo que não é rápido passa a parecer entediante.
Ainda mais preocupante é o fato de que pesquisas indicam ser esse um dos motivos
para o aumento do diagnóstico de problemas psiquiátricos:

Como uma bebida doce num dia quente, esse entretenimento deixa
as crianças desejando mais – estímulos mais rápidos, mais intensos
e mais violentos. Esse tipo novo e traiçoeiro de tédio é um dos
motivos para o aumento de problemas psiquiátricos entre crianças e
adolescentes, de acordo com um artigo de Ronald Dahl, professor de
pediatria do Centro Médico de Pittsburg, para a Newsweek. Dahl
sugere que essa síndrome faz com que mais médicos prescrevam
Ritalina e outros “estimulantes para lidar com a falta de atenção na
escola ou antidepressivos para ajudar com a perda de interesse e
alegria na vida”. (LOUV, 2016, p. 186).

Não são somente os jovens, todos nos encontramos nessa era acelerada na
qual estar desconectado, para alguns, traz a sensação de alienação ou, o que é pior,
deixa um vazio parecido com a solidão. Quando falo que a informação está tomando
conta do lugar da experiência, baseio-me no que Larrosa (2022, p. 18) afirma:

Em primeiro lugar pelo excesso de informação. A informação não é


experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a
experiência, ela é quase o contrario da experiência, quase uma
antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação,
em estar informado, e toda a retórica destinada a constituir-nos como
sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa
que cancelar nossas possibilidades de experiência.

Os autores pesquisados nos dizem que estão faltando experiências em um


mundo real, que temos captado muito e exercitado pouco os nossos sentidos. Para
as crianças, que ainda não conhecem todas suas capacidades, se torna mais
importante o exercício da experiência livre para suas formações. As facilidades do
mundo contemporâneo já dominavam e o isolamento ainda as afastou mais, e por
um tempo considerável, das brincadeiras ao ar livre em contato com a natureza:

Poucos de nós estamos dispostos a trocar o ar-condicionado pelo


ventilador. Mas um preço a pagar pelo progresso raramente é
mencionado: a diminuição dos nossos sentidos. Assim como “os
donos da rua”, precisamos de experiências diretas e naturais;
precisamos dos sentidos totalmente ativados para nos sentirmos
plenamente vivos. A cultura ocidental do século XXI aceita a visão
que estamos imersos em dados por causa da tecnologia onipresente.
Mas, nesta era da informação, faltam informações vitais. (LOUV,
2016, p. 80).

A lacuna que se formou durante a pandemia não foi por falta de informação. A
informação chegou, e, mesmo os estudantes que não tiveram acompanhamento
remoto, tiveram acesso de outra forma, seja através de televisores ou, o mais
comum hoje, dos smartphones. As pequenas plantinhas estão crescendo
condicionadas a receberem sais de fácil acesso e de absorção rápida.

O modo de vida ocidental formatou o mundo como uma mercadoria e


replica isso de maneira tão naturalizada que uma criança que cresce
dentro dessa lógica vive isso como se fosse uma experiência total.
(KRENAK, 2021, p. 101).

Krenak (2021) critica o modelo de educação que temos hoje. Segundo ele,
não só os aparelhos eletrônicos, mas todo o nosso sistema limita o
desenvolvimento. Uso as palavras dele para pensarmos sobre as crianças limitadas
pelas telas. Acredito que algumas delas estão tendo as experiências virtuais como
“experiências totais”. A desconexão total e forçada de muitas atividades causada
pelo isolamento ainda agravou isso de uma maneira séria, já que realmente durante
dois anos tivemos que nos acostumar com o mundo virtual usando-o como uma
saída para enfrentar o difícil momento.
Durante a última aula que ministrei para uma das turmas, uma situação
mexeu comigo e me levou a refletir, mas o desfecho dela também me deixou
satisfeito. Eu já tinha decorado o nome de quase todos os alunos, e também sabia
localizar a posição que sentavam na sala, próximo de seus grupinhos. Sempre há
alguns alunos que acabam marcando mais e esse havia me marcado. Na primeira
aula, ele participou do momento de sujeira, que me fez repensar a metodologia que
aplicaria para a segunda turma, se envolveu bastante e havia voltado empolgado
para o segundo encontro. Senti a falta dele em sala quando comecei a aula. Já
havia iniciado há mais de meia hora quando ele chegou; sem pedir autorização,
abriu a porta, entrou, sem olhar para nada, fechou a porta quase batendo, caminhou
com cara fechada até o fundo da sala, passando reto por um colega que estendeu a
mão para cumprimentá-lo, e sentou na última fileira. Nesse momento, fiquei
hesitante em parar a aula e falar com ele ou até mesmo cobrar uma postura de
respeito ao entrar, mas fiquei contido e continuei a aula do ponto em que estava.
Quando passou o momento inicial e eu pedi que se reunissem em grupos, fui
falar com ele. Cheguei de leve, perguntando como ele estava e se havia entendido o
que era para fazer. No canto onde ele sentou, afastado dos demais, comecei a
introduzir para ele o conteúdo da aula e aproveitei para conversar e saber o que
tinha acontecido. Ele me contou que estava em casa vendo vídeos no celular e que
não queria ter parado de assisti-los para ir à escola, e que por conta disto havia
brigado com sua mãe. O tema que eu desenvolveria, a pedidos da professora titular
da turma, era conscientização através de lambe-lambe. A proposta prática era que
em grupos eles pensassem em mensagem que gostariam de transmitir aos outros e
planejassem um cartaz que seria aplicado com cola na parede da escola.
Enquanto explicava a aula individualmente para o J.V., fui perguntando quais
vídeos ele ficava assistindo em casa, se ele preferia ver os vídeos a ir para escola
ou se foi só naquele dia. Ele me respondeu que via diferentes vídeos na internet e
que gostava da aula, mas naquele dia a mãe dele brigou com ele porque observou
que ele havia passado a manhã toda com o celular dela. Para me colocar ao lado
dele na situação, contei que quando eu era criança acontecia o mesmo comigo, mas
era para eu sair da frente da televisão, depois considerei: “Telas em excesso podem
nos fazer mal”. As outras crianças da turma estavam me chamando, agitadas em
pequenos grupos, então não pude continuar a conversa.
Enquanto passava nas mesas para ver as produções, impressionei-me
positivamente com o que estava sendo desenvolvido, realmente a informação havia
chegado de algum modo, havia diferentes cartazes com variados temas, o que tem
maior relevância para esta discussão tinha o tema preservação (Figura 19). Fiquei
imaginando que estes outros temas sensíveis estavam sendo passados e intendidos
por eles. Podemos construir muitos conhecimentos em sala de aula, mas já não
temos mais domínio sobre o que chega para eles através das telas.

Em teoria, essas crianças “vão aprender que, recliclando revistas e


embalagens de leite podem salvar o planeta”; vão crescer e se tornar
guardiõessa terra. “votando em candidatos ambientalistas,
comprando carros movidos a energia eficiente”. Mas talvez não. De
acordo com Sobel, o oposto pode ser verdadeiro. “se apresentarmos
em sala de aula exemplos de abuso ambiental, podemos gerar uma
forma sutil de dissociação. Em nosso entusiasmo para torna-los
conscientes e responsáveis, acabamos cortando o contato das
crianças com suas raízes”. (LOUV, 2016, p. 154).

Figura 19: Professora Roberta, Trabalho prático terceira aula, fotografia digital, 2022.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.


Esse pensamento de Louv sempre vem à minha cabeça. Se ficarmos falando
para os estudantes sobre desmatamento, eles podem compreender que cortar
arvores é normal. Algumas informações e como elas chegam podem ser trabalhadas
em sala de aula, tentar calcular como está se dando a absorção deles. Diariamente
são veiculados nos noticiários dados alarmantes dos índices de poluição, de
queimadas, de falta de cuidado dos homens em geral. Será que tendo acesso a tudo
isso eles não podem passar a banalizar essa falta de cuidado e entender isso como
algo natural do ser humano?

Figura 20: Jerônimo Azambuja, cartaz do J.V., terceira aula, fotografia digital, 2022

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.


Nesta última aula senti falta de mais tempo com eles para poder conversar,
saber de onde surgiam as ideias expressas nos cartazes e comentar com a turma
sobre os resultados. O tempo foi curto. Consegui conversar mais com o J.V., ele não
quis se juntar a nenhum grupo, seguiu sozinho onde estava, mas me pediu materiais
para fazer a atividade. A aula acabou e me dei conta de que eu não havia controlado
o tempo, não fiquei cobrando produção acelerada para poder usar em um desfecho,
talvez até devesse ter um terceiro momento de análise junto deles, mas não
aconteceu. Os resultados foram muito bons, apareceram ideias como liberdade de
corpos, igualdade, respeito e outros. Porém, o que me surpreendeu mesmo foi o
produto final do menino que chegou brabo porque queria ter ido à aula para ficar
assistindo vídeos em casa (Figura 20).
Minha experiência de estágio no Ensino Fundamental acabou e me deixou
com mais vontade de dar aulas, de ter tempo para conhecer as singularidades e
assim conseguir planejar melhor os encontros e talvez disponibilizar nas aulas os
nutrientes de acordo com as necessidades de cada uma das plantinhas. Sei que não
é simples. Tive uma amostra disso na última aula. Sei que não é simples cuidar de
um canteiro todo ao mesmo tempo, mas um jardineiro dedicado encontra um
composto orgânico que consiga contemplar todo o jardim.
3. Considerações finais - REPLANTIO

Quando defini o tema desta pesquisa, ainda não tinha consciência de quão
profundo ele poderia ser. Uma pesquisa autobiográfica tem um poder quase
terapêutico para o autor, que revive fatos e atinge ressignificações. Eu vim aqui para
falar da natureza e de como este contato foi sensibilizador para mim. Entretanto,
entendendo o que a pesquisadora em Artes Cláudia Mariza Mattos (2012) fala sobre
o imaginário, pude perceber o quanto esta “ferramenta” foi importante em todo o
processo, inclusive na hora de organizar imagens fotográficas, fatos e emoções para
contar a minha história.
Realmente para mim o imaginário funciona como um motor, ele que me move
e me impulsiona nas minhas buscas, mas o combustível para que ele tenha força de
propulsão são as experiências que vivi, todas elas, em especial as que me
permitiram desfrutar dos encantos de lugares naturais, locais onde encontrei o
êxtase e registrei no meu arquivo mesmo que inconscientemente. Essas vivências e
contatos tiveram força para me nutrir.
As pesquisas trazidas nos mostram que a criatividade e a imaginação têm
origem em grande parte nas experiências na natureza. Neste sentido, fui
privilegiado, germinei em um terreno muito fértil com todos os nutrientes necessários
para desenvolver as raízes da minha criatividade. Com ela, tive alicerce para não
tombar com os temporais, desvencilhei-me de amarras e criei fortes ramificações
que hoje formam um universo real, enfeitado por flores lúdicas que dão um colorido
especial.
Trazendo tudo isto para o consciente e entendendo o que me impregna,
movimento-me agora para ser um educador em Artes Visuais. A experiência de
estágio me deu mais convicção de um caminho a trilhar. Como relatei, intuitivamente
misturei o lúdico com o barro nas primeiras aulas. Analisando todo processo, eu
percebi a potência deste elemento natural, o qual serviu mais do que um pigmento,
deixou espaço para uma experimentação. Além de toda sensibilização e do cenário
que criei, o encantamento se fez no contato livre das mãos com o barro.
Assim, a natureza pode ser transportada para a sala de aula. As práticas
artísticas envolvendo seus elementos podem ser uma forma de despertar a
curiosidade e a criatividade ajudando na sensibilização e apreciação do mundo
natural. Entretanto, também podemos transportar as crianças para um universo mais
natural, não apenas propondo passeios reais nos pátios das escolas, mas
transportando-as de forma lúdica e auxiliando a se familiarizarem com o natural ao
mesmo tempo em que exercitam o imaginário. As histórias que ouvi quando
pequeno, os “causos” dos meus pais, fizeram este papel na minha vida. Mas para
quem não tem estas vivências, a leitura pode ser um artifício, diferente das
informações prontas de telas; ler sobre a natureza para as crianças pode criar um
encantamento e estimular uma imaginação livre, sem direções ditadas.
Deste modo, a ideia de aliar a natureza nas aulas de artes pode ser ampliada,
mas em um contexto pós-pandêmico não podemos esquecer que muitas crianças
ficaram privadas de quaisquer atividades ao ar livre por um tempo considerável,
também sem essa rica bagagem para preencher seus universos. Temos agora que
usar artifícios e criar propostas que desloquem seus olhares para fora de suas
casas, mesmo que seja estimulando que enxerguem pela janela ao invés da tela, ou
até solicitar que coletem alguns tipos de materiais, fazê-los perceber as naturezas
que os cercam, quem sabe despertar um interesse por explorar livremente o que
estiver à disposição deles.
Infelizmente, não é possível garantir que todas as crianças experimentem um
contato mais direto com a natureza em toda sua amplitude de possibilidades, mas
devemos saber a importância que isso pode ter e incentivar sempre que possível a
conexão dos alunos com o mundo natural. Através das artes, diferentemente de
outras disciplinas que voltam o olhar do aluno para a natureza, pode ser dada a
liberdade da experiência, organizando atividades sem estruturar a ponto de interferir
no que possa vir a acontecer, deixando que aconteçam coisas, que a experiência se
faça, talvez com o mínimo de informação, mas sem deixar de ser significativa.
Como um jardineiro, não pretendo cultivar as plantinhas em vasos nem em
canteiros. Acredito que seja possível uma agrofloresta, uma espécie de sistema em
que as diversidades colaborem positivamente para o fortalecimento conjunto, sem
estacas que direcionem ramificações, mas amparando para que possam se
desenvolver em segurança.
REFERÊNCIAS:

BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e
novos tempos / Ana Mae Barbosa. São Paulo: Perspectiva 2014. – (estudos; 126/
dirigida por J. Guinsburg)

BRANDÃO, Cláudia Mariza Mattos. Entre Photos, Graphias, Imaginários e


Memórias: a (re)invenção do ser professor. 2012. 150f. Tese (Doutorado) -
Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas,
Pelotas.

FERRAZ, Maria Heloisa Correa de Toledo/ Maria F. de Rezende e Fusari.


Metodologia do ensino da arte. São Paulo. Cortez 1993.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. (Nova edição). São Paulo.
Editora Companhia das letras, 2019.

KRENAK, Ailton. Avida não é útil. São Paulo. Editora Companhia das letras, 2021.

LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte. Autentica.


2022.

LOUV, Richard. A última criança na natureza: resgatando nossas crianças do


transtorno de déficit de natureza. São Paulo. Aquariana, 2016

SIMÃO, Márcia Buss; LESSA, Juliana Schumacker. Um olhar para o (s) corpo (s)
das crianças em tempos de pandemia. Florianópolis. Zero-a-seis, v. 22, p. 1420-
1445, 2020.

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