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Prólogo

Jordan entrou no mar sem saber que seria o lugar no qual morreria naquela noite.
Estava em seu barco de pesca, um pouco mais distante do que costuma ficar da costa, já que
o lugar de costume não estava lhe trazendo sorte. Assobiava uma melodia desafinada
enquanto puxava a rede de volta para o barco, vendo poucos peixes se debaterem ao
atingirem a madeira. Suspirou e se sentou para remar em direção a um novo lugar.
A lua cheia brilhava e refletia na água, e a leve brisa marinha balançava seus fios dourados.
Queria voltar para casa e descansar, mas sabia que o dia seguinte traria um grande
movimento ao comércio da cidade e à peixaria de sua família, e a quantidade de peixes que
havia pego não satisfaria seus pais.
Assim que parou de remar, segurou a rede com firmeza, dando algumas voltas com a corda
ao redor do seu pulso. Segurou-a com as duas mãos e a lançou na água. Observou-a afundar
lentamente e voltou a assobiar.
Sentiu algo puxar seu pulso e quando estava prestes a arrastar a rede de volta, sentiu ser
puxado com muito mais força, se desequilibrando e quase caindo na água. Jordan se
endireitou, e usou sua força para trazer a rede de volta para si. O que quer que tivesse
capturado nadava contra sua direção com um força que quase se igualava à sua, fazendo-o
gemer com o esforço.
De repente, a pressão parou, e Jordan caiu sentado, fazendo o barco balançar. Se desesperou
e puxou a rede para si, apenas para vê-la sem peixes e com um rasgo enorme.
Xingou, jogando-a no chão do barco enquanto gritava furiosamente. Não tinha mais redes, e
não tinha peixes suficientes para voltar agora. Praguejou sozinho no mar até sua frustração
diminuir, e se sentou para remar novamente.
Quando sua mão foi em direção ao remo esquerdo, viu que estava sendo observado.
Uma garota estava parada ao lado de seu barco, olhos grandes e curiosos o analisando. Ela
tinha cabelos castanhos molhados que pingavam em sua pele. Tinha uma pele que brilhava
como o próprio mar refletindo o luar. Ombros nús que se moveram quando ela apoiou os
braços na embarcação. Tudo que Jordan conseguia pensar era que ela era linda, linda,
linda…
— Me desculpe pela rede — A garota disse.
— O… o que? — Perguntou, desnorteado.
— A rede — Insistiu, virando a cabeça e o observando — Desculpe ter rasgado.
Jordan virou o rosto e viu o objeto esquecido no chão do barco. Lembrava de estar furioso.
Mas por que? Não importava, era apenas uma rede.
— É só uma rede — Respondeu.
A garota riu baixinho, um som melódico que fez os seus ossos vibrarem e o ar escapar de seus
pulmões. Jordan se inclinou em direção a ela.
— Precisa de ajuda? Está sozinha no meio do mar, durante a noite. Eu posso…
— Ora, seu bobo — Ela sorriu, chegando mais perto do seu rosto, fazendo o coração de
Jordan martelar em seu peito — Estou fazendo o mesmo que você.
Piscou, confuso.
— O mesmo que eu? Estou…
— Pegando comida? — O interrompeu novamente, dando um sorriso que mostrava seus
dentes — Também estou.
Ela era linda, linda. Tão linda que Jordan a deixaria arrancar seus olhos e levá-los consigo só
para eles poderem olhar para ela para sempre.
A garota levou sua mão até ele trouxe uma mecha de cabelo até sua orelha. Jordan estava se
inclinando tanto em sua direção que o barco estava quase virando.
—Gosta de músicas? — Perguntou, e ele afirmou freneticamente com a cabeça. Ela sorriu
novamente — Gostaria de ouvir alguma?
Sim, gostaria de ouvi-la cantar para o resto de sua vida. Gostaria de observá-la, tocá-la,
ouvi-la, para sempre, sempre, sempre...
Os olhos da garota se arregalaram quando viu algo atrás dele, e ela suspirou de surpresa.
Rápido demais, ele sentiu suas mãos o puxarem para baixo, em direção à água fria. Algo
afiado perfurou seu barco, que agora flutuava acima de si.
Sentiu alguma coisa se romper dentro dele, sendo inundado por medo e desespero. Não
sentia mais devoção à garota que o agarrava com unhas longas e afiadas e nadava cada vez
mais em direção ao fundo. Gritou, e viu as bolhas de oxigênio subirem para a superfície.
Olhou para cima quando uma luz se projetou no oceano. Um farol.
Viu um navio avançar pelas águas, e percebeu que era isto que a havia assustado. Viu
também que o objeto afiado que havia perfurado seu barco era um arpão.
Se debatia e a empurrava quando ouviu um barulho abafado e agudo. Para ele, não passava
de um apito fraco, mas a garota que o segurava gritou em agonia e cobriu os ouvidos.
Percebendo sua chance, Jordan chutou e nadou o mais rápido possível para cima,
desesperado por ar.
Quando sua cabeça saiu para a superfície, encheu os pulmões com um grande suspiro. Se
agarrou no barco virado, e subiu em cima, pingando água. Ouvia gritos vindos do navio, mas
não levantou o olhar para encontrá-lo. Estava tremendo e respirando rápido. Seus braços,
peito e pescoço estavam cobertos de arranhões e marcas.
— Garoto! — Ouviu uma voz feminina, seguida pelo barulho de algo atingindo seu barco. Um
gancho — Segure isto! Vamos puxá-lo!
Jordan finalmente olhou para o navio. Notou primeiro a cor branca o revestindo
inteiramente, e em seguida viu o símbolo na bandeira que balançava com o vento: Uma lua
crescente.
Via apenas silhuetas femininas correndo pela embarcação.
Caçadoras. Caçadoras de sereia.
Havia sido atacado por uma sereia. E ela ainda estava embaixo de si.
Jordan agarrou freneticamente a corda do gancho, tremendo muito mais do que antes.
Não viu quando a sereia se aproximou novamente, o puxando de volta para água pelo pé.
Tentou chutá-la, mas ela o segurou com firmeza, o levando para o fundo. Levou suas mãos
até o pescoço dele, apertando com força.
Agora, nesta posição, Jordan via seu corpo por inteiro. Ela nadava acima dele, os
empurrando em direção ao vazio escuro do oceano. Seu lindo rosto estava tomado de ódio,
suas mãos fechadas ao redor de sua garganta, e sua metade peixe nadava de uma maneira
que Jordan nunca tinha visto antes.
A visão dele começou a escurecer, e ele a viu arregalar os olhos novamente, a força que usava
para segurá-lo indo embora. Olhou para o seu peito, e o viu atravessado por um arpão igual
ao que perfurou o barco. A sereia parou de nadar, e seu olhar se tornou estático. A corda
presa ao arpão foi puxada, e o corpo da criatura levado para cima, enquanto Jordan flutuava
para baixo, incapaz de se mover.
Nunca soube se as caçadoras voltaram para tentar salvá-lo, pois um corpo metade humano e
metade peixe foi a última coisa que ele viu antes de fechar os olhos e cair para sempre no
esquecimento do oceano.
“Reluzentes, cintilantes,
Olhos como navios afundando na água,
Tão convidativos, que quase pulo dentro”
— Taylor Swift, “Gold Rush”

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