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Wittwer F & Noro M. COMPÊNDIO DE PATOLOGIA CLÍNICA VETERINÁRIA. Versão em Revisão. Tradução Miller, I.

Material divulgado com fim didático da disciplina de Patologia Clínica Veterinária, UNIPAMPA, 2º semestre 2014.

3. BIOQUÍMICA CLÍNICA

3.1. INTRODUÇÃO densidade), radioimuno análise (RIA) e quimiolumi‐


A Bioquímica Clínica é o ramo da ciência médica dedi‐ nescência (hormônios).
cada ao estudo dos componentes químicos do sangue, As técnicas de análise bioquímica podem ser qualitati‐
tecidos e fluidos dos animais com o propósito de co‐ vas, quando se determina somente a presença ou
nhecer sua fisiologia e alterações que possam conduzir ausência de um metabolito; ou quantitativas quando
a uma doença. Seu objetivo é apoiar na prática da se determina a quantidade, concentração ou atividade
clínica veterinária mediante a determinação da pre‐ do metabólito. Algumas técnicas qualitativas tem sido
sença ou quantidade de componentes químicos, de‐ desenvolvidas como semi‐quantitativas ao diferenciar
nominados metabólicos, em amostras biológicas de entre graus de concentração de um analito em base a
um animal ou de um grupo de animais, e sua posterior capacidade visual de reconhecer intensidade de cor,
interpretação. como por exemplo, as técnicas utilizadas nas fitas para
o exame químico de urina.
O emprego das análises bioquímicas clínicas tem sido
cada vez mais frequente na prática veterinária, tanto De acordo com o método que se realiza as análises,
de animais de companhia como de produção, consti‐ estes se classificam como:
tuindo uma valiosa ajuda para avaliar a condição de • Química úmida: Na qual a reação é realizada in‐
saúde. A incorporação de sistemas automatizados, corporando‐se uma amostra líquida a um reagente em
junto a técnicas simples, de baixo custo, precisas e solução em tubos de ensaio, ou também diretamente
exatas tem favorecido seu maior desenvolvimento. Na em cubetas de reação dos analisadores automáticos.
verdade, o uso dos perfis bioquímicos sanguíneos Esta continua sendo a técnica mais empregada, por
permite, além da avaliação clínica dos indivíduos, seu menor custo e melhor qualidade analítica.
determinar a condição nutricional metabólica em
grupos de animais de produção. • Química seca. Quando a reação é realizada incor‐
porando‐se uma amostra líquida a reagentes em pó
As análises bioquímicas são realizadas a partir de a‐ contidos em tubos, ou aderidos a fitas plásticas ou de
mostras bioquímicas obtidas no exercício da medicina papel, como por exemplo as fitas para análise química
veterinária. O sangue constitui a amostra mais fre‐ de urina.
quentemente utilizada para a determinação de meta‐
bólitos no plasma ou soro. Também são utilizados, em Atualmente, existe uma variedade de equipamentos
menor escala, as análises químicas em amostras de que permitem realizar uma ampla gama de análises
tecidos (fígado, rim, músculo, pele, outro), fluidos químicas sanguíneas por parte do veterinário em sua
(abdominal ou torácico, humor aquoso ou vítreo, consulta. Contudo, seu maior custo e menor qualidade
sinovial, cefalorraquidiano, urina, leite, saliva) e outros analítica na maioria dos casos limitam a ampliação de
(líquido ruminal, fezes). seu uso, de modo que são recomendados para salas
O número de analitos a ser incorporado na prática da de emergência e controles, pela rapidez na entrega
clínica veterinária pode ser ilimitado. Contudo, somen‐ dos resultados.
te se justifica a análise daqueles: 1) que possuem
adequado conhecimento de seu metabolismo em A maior utilidade da bioquímica clínica está em de‐
condições de saúde e enfermidade; 2) os resultados terminar metabólitos no sangue. Por isso, neste capí‐
podem ser interpretados; e 3) o custo e qualidade da tulo entregam‐se informações genéricas sobre as
análises serem adequados. bases fisiológicas, indicações, amostra necessária,
análise e interpretação dos metabólitos sanguíneos
A técnica mais utilizada é a fotocolorimetria, que se mais utilizados na prática veterinária. Sendo os mais
baseia em medir a quantidade de luz absorvida por utilizados:
uma solução, da qual resulta um resultado proporcio‐ • Glucídeos: glicose, lactato, frutosamina, hemoglo‐
nal da intensidade de cor da mesma. Como unidade de bina glicada.
medida usa‐se a densidade óptica (DO), comparando a • Lipídeos: colesterol, triacilgliceróis (triglicerídeos),
diferença de cor entre o reativo puro e a reação. Utili‐ ácidos graxos livres ou não esterificados (NEFA ou
za‐se para medir substratos como a glicose, ureia, AGNE), corpos cetônicos (acetona, aceto‐acetato e β‐
proteínas, minerais e enzimas, sendo a técnica básica hidroxibutirato).
que utilizam os analisadores bioquímicos automatiza‐ • Proteínas: proteínas totais, albumina, globulinas
dos. Outras técnicas utilizadas são a espectrofotome‐ [proteínas de fase aguda (fibrinogênio, haptoglobina,
tria de chama (macro elementos), espectrofotometria proteína C reativa, amiloide sérico A, ceruloplasmina)].
de absorção atômica (EAA) (macro e micro elemen‐ • Nitrogênio não proteico: ureia, creatinina, ácido
tos), potenciometria (pH), refratometria (proteínas, úrico.

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• Minerais: macro elementos (Ca, P, Mg, Na, K, CL, S) Patologicamente em animais com diminuída gliconeo‐
e micro elementos (Cu, Zn, Fe, Se, I, Co). gênese (insuficiência hepática), hipoglicemia juvenil e
• Enzimas: AST, ALT, GMD, GGT, ALP, SD, CK, LDH, neonatal, jejum e desnutrição ou síndrome da má
lipase, amilase, colinesterase, pseudocolinesterase. absorção. É também observada em animais com ele‐
• Hormônios: insulina, cortisol, T3, T4, progesterona. vada utilização da glicose (cetose bovina tipo I e ceto‐
se ovina, exercício intenso em cavalos e cães de espor‐
3.2. GLUCÍDEOS te), e animais recém‐nascidos. Quadros clínicos de
Os carboidratos, hidratos de carbono ou glucídeos são hipoglicemia são observados com glicemias menores a
a principal fonte de energia celular dos animais. Exis‐ 2,56 mmol/L em cães, e de 1,7 mmol/L em vacas.
tem na forma de monossacarídeos, açúcares simples,
como a glicose, oligossacarídeos como a sacarose e 3.2.2. Cetoaminas: Frutosamina e Hemoglobina
lactose, e polissacarídeos como o glicogênio. Glicosilada
As cetoaminas são moléculas produzidas pela redução
As alterações mais frequentes do metabolismo dos da glicose com grupos aminos. A frutosamina é uma
carboidratos vistas nos animais são: a diabetes melli‐ glicoproteina formada pela união da glicose à albumi‐
tus, que afeta principalmente cães e gatos; a hipogli‐ na ou outra proteína plasmática, e possui uma vida
cemia dos leitões ou dos cordeiros; a toxemia da ges‐ média de 14 a 21 dias. A hemoglobina glicada é uma
tação nas ovelhas e a cetose bovina tipo I (hipoglicê‐ cetoamina formada pela união da glicose com a he‐
mica ou hipercetonêmica), tipo II (diabética ou hipe‐ moglobina e possui uma vida média similar a dos eri‐
rinsulínica) e alimentar (butírica ou dietética). trócitos (±120 dias).
A síntese e concentração plasmática das cetoaminas
3.2.1. Glicose ou Glicemia correlacionam‐se positivamente com a magnitude e
A glicose é o carboidrato que constitui a principal tempo da hiperglicemia, e sua remoção depende da
fonte de energia para o metabolismo celular e síntese degradação ou perda da albumina ou hemoglobina.
de lactose. É Provem da absorção intestinal em mono‐ Por isso, suas concentrações no sangue refletem a
gástricos e da gliconeogênese, fundamentalmente glicemia no tempo, sem estar sujeita a suas variações
hepática, nos ruminantes. Sua concentração sanguí‐ diárias.
nea depende do balanço entre seu aporte (absorção + Indicação: no estudo, diagnóstico e controle da diabe‐
gliconeogênese) e remoção (utilização celular no san‐ tes mellitus e da resposta a insulinoterapia.
gue e tecidos + deposição tecidual como glicogênio ou Amostra: soro ou plasma.
o glicerol dos triglicerídeos). A glicemia é muito está‐ Análises: na veterinária se utiliza a determinação colo‐
vel já que é regulada por um eficiente controle hor‐ rimétrica de frutosamina mediante nitroazul de tetra‐
monal hipoglicemiante (insulina) e hiperglicemiante zólio (NBT). A unidade empregada é o mmol/L.
(glicocorticoides e glucagon). Interpretação: a concentração plasmática de frutosa‐
Indicação: no estudo e diagnóstico de alterações do mina nos mamíferos varia entre 1,7 a 3,5 mmol/L,
metabolismo energético, como diabetes e cetose. enquanto que a hemoglobina glicada corresponde a
Amostra: plasma de sangue recém obtido (< 30 minu‐ 2,3 a 6,4%, sendo necessários valores de referência
tos), ou ainda, preservado com NaF. para cada espécie para a adequada interpretação. A
Análises: técnicas colorimétricas como glicose oxida‐ hiperglicemia persistente condiciona a um aumento
se, hexoquinase e glicose desidrogenase. A unidade de suas concentrações sanguíneas.
utilizada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,056 = 1
• Hiperfrutosaminemia
mmol/L.
Ocorre na diabetes, pancreatite, e síndrome de Cu‐
Interpretação: a glicemia nos mamíferos varia entre
shing. Falsos positivos são produzidos na hiperprotei‐
2,14 a 7,0 mmol/L, sendo menor nos ruminantes (2,5 –
nemia, diabetes inicial e hipotireoidismo.
4,1 mmol/L) e maior nas aves (11,2 – 16,8 mmol/L), de
modo que é necessário ter disponíveis valores de
3.2.3. Ácido Láctico ou Lactacidemia
referência para sua adequada interpretação. Existem
O ácido láctico ou L‐lactato é produzido pelo catabo‐
condições fisiológicas e patológicas que levam a alte‐
lismo anaeróbico da glicose nos tecidos, especialmen‐
rações na glicemia.
te nos músculos. Sua produção aumenta frente a uma
• Hiperglicemia demanda celular por energia, com consequente au‐
É fisiológica pós‐prandial ou por exercício. E patológica mento na síntese do ácido pirúvico, o qual é converti‐
na diabetes mellitus tipos I e II, pancreatite e carcino‐ do em ácido láctico ao ser incorporado ao ciclo de
ma pancreático, síndrome de Cushing, e estresse. Em Krebs por falta de oxigênio. A lactacidemia basal é
vacas com hipocalcemia clínica e em cavalos com resultado do metabolismo dos eritrócitos e aumenta
rabdomiólise. Também é vista por administração de com a síntese muscular durante o exercício. A concen‐
fármacos como os corticoides). tração sanguínea está regulada por sua produção
• Hipoglicemia (eritrocitária e muscular) e eliminação hepática. As
A forma mais frequente é a produzida pela glicólise in bactérias ruminais produzem D‐lactato que aumenta
vitro em amostras envelhecidas (0,56 mmol/L/hora). em casos de acidose ruminal aguda, e ao ser absorvido

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induz acidose metabólica, contudo este não é quanti‐ Os triglicerídeos e o colesterol encontram‐se no plas‐
ficado pelas técnicas de rotina que somente medem o ma associados a macromoléculas de lipoproteínas
L‐lactato. para se tornarem solúveis. São descritas quatro classes
Indicação: na avaliação da acidose láctica produzida de lipoproteínas (Figura 3.1):
pelo choque e para avaliar a capacidade atlética, espe‐ 1. Quilomícrom
cialmente em equinos e caninos de esporte. 2. Lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL)
Amostra: plasma, sangue recém coletado (menor a 3. Lipoproteína de baixa densidade (LDL)
três horas e refrigerado), ou ainda preservado com 4. Lipoproteína de alta densidade (HDL)
NaF. Os quilomícrons são formados no intestino, os LDL no
Análises: as técnicas colorimétricas enzimáticas utili‐ plasma e o HDL e o VLDL nos hepatócitos. Nas espé‐
zadas somente quantificam o L‐lactato. A unidade cies domésticas com exceção dos suínos, e diferente‐
empregada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,112 = 1 mente dos humanos, a maior parte do colesterol é
mmol/L. transportado no sangue como HDL. As lipoproteínas
Interpretação: a lactacidemia nos mamíferos varia transportam triglicerídeos desde o intestino e fígado,
entre 0,2 a 2,0 mmol/L, sendo menor nos monogástri‐ até o músculo como fonte de energia, e ao tecido
cos, de modo que são necessários valores de referên‐ adiposo como reserva.
cia para sua adequada interpretação. As condições
fisiológicas e patológicas que condicionam a hiperlac‐
tacidemia são:
• Um aumento acima de 4 mmol/L é indicativo
de desequilíbrio entre sua produção e utilização, que
no caso de exercício conduz a acidose muscular e
fadiga. Apresenta‐se em situações de esforço, como as
realizadas por animais que realizam exercícios de alta
demanda de energia em curto período de tempo. É
observada em quadros de acidose metabólica, com
lactacidemia maior a 5 mmol/L.
• No choque hipovolêmico, cardiovascular ou
séptico, e no neonato como consequência do baixo
aporte de oxigênio aos tecidos, e na acidose láctica
ruminal aguda.

3.3. LIPÍDIOS E CORPOS CETÔNICOS


Os lipídios são um grupo heterogêneo de compostos
que tem em comum a insolubilidade em água e solubi‐
lidade em solventes orgânicos. Desempenham diver‐
sas funções no organismo sendo particularmente
importante como fonte de energia (gorduras e ácidos
graxos) e formando parte das estruturas celulares,
assim com de compostos como hormônios e vitami‐
nas. No organismo os lipídios encontram‐se nas for‐ Figura 0.1. Composição das lipoproteínas do ca‐
mas de: nino.
• Esteróis: colesterol, ácidos biliares, hormônios
esteroides e vitamina D.
• Glicerol: fosfolipídios, mono, di e triglicerídeos. 3.3.1. Triglicerol ou Triglicerolemia
• Ácidos graxos: de cadeia curta, média e longa, e O triglicerol é o principal constituinte do tecido adipo‐
seus derivados (prostaglandinas). so formado por glicerol unido a três ácidos graxos e
• Terpenos: vitaminas A, E e K. como tal é a principal fonte de energia para o orga‐
nismo. É originário da dieta ou por síntese hepática. A
Os lipídios encontrados no plasma são o colesterol e o concentração no plasma representa a quantidade que
triglicerol, formando parte das lipoproteínas, além dos é transportada, como lipoproteínas, principalmente
ácidos graxos não esterificados (NEFA ou AGNE) e os quilomícrons de origem intestinal.
corpos cetônicos (acetona, acetoacetato e β‐ Indicação: em suspeitas de alterações primárias ou
hidroxibutirato). A alteração do metabolismo dos secundárias do metabolismo lipídico.
lipídios é conhecida como dislipidemia, entendida Amostra: soro ou plasma. Em caninos e nos felinos é
como o aumento das concentrações plasmáticas de necessário o jejum de 12 horas previamente a obten‐
colesterol ou triglicerol. ção da amostra. As amostras turvas, de cor leitosa,

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indicam um aumento na concentração de triglicerí‐ Em vacas pré parto apresenta concentrações inferio‐
deos, especialmente quilomícrons (Figura 3.2). res (± 27%) comparadas com vacas em lactação, asso‐
Análises: técnicas colorimétricas que consideram a ciado a baixa ingestão de matéria seca. Devido as
lipase para degradar glicerol. A unidade utilizada é o diferenças entre espécies, são necessários valores de
mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,0113 = 1mmol/L. referência para sua adequada interpretação. As condi‐
Interpretação: a triglicerolemia dos caninos e felinos ções mais frequentemente descritas que cursam com
varia entre 0,1 – 1,3 mmol/L, e nos bovinos e equinos hipo ou hipercolesterolemia são:
de 0 a 0,5 mmol/L, sendo menor nos bovinos, sendo • Hipercolesterolemia
necessário valores de referência para a adequada Fisiológica: pós‐prandial.
interpretação. As condições mais frequentemente Patológica: em colestase obstrutiva, síndrome nefróti‐
descritas que cursam com hipertriglicerolemia ou ca, diabetes mellitus, hipotireoidismo, hiperadreno‐
hiperlipidemia são: corticismo e a hiperlipidemia do equino.
• Fisiológica: pós‐prandial em monogástricos e • Hipocolesterolemia
posterior ao uso de corticoides. Ocorre em dietas com escasso aporte de energia ou
• Patológica: hiperlipidemia equina, síndrome de fibra em ruminantes e no hipoadrenocortisismo.
nefrótica, pancreatite aguda, diabetes mellitus, hipoti‐
reoidismo e hiperadrenocorticismo em caninos, coles‐ 3.3.3. Ácidos Graxos não Esterificados (NEFA, FFA
tase. ou AGNE)
Os NEFA são ácidos graxos livres de cadeia longa (>12
C), que provem geralmente da degradação dos trigli‐
cerídeos do tecido adiposo, fígado e glândula mamá‐
ria. São transportados no plasma, tendo como destino
final sua β‐oxidação, ou também a neosíntese de tri‐
glicerol.
Indicação: avaliação do grau de mobilização lipídica,
fundamentalmente em ruminantes, como indicador
de uma deficiência de energia.
Amostra: soro ou plasma.
Análises: técnicas colorimétricas que consideram uma
Figura 0.2. Plasma (esquerda) e sangue total com reação enzimática. A unidade empregada é o mmol/L,
EDTA (direita) com marcada hiperlipemia em um onde 1 mEq/L x 1 = 1 mmol/L.
canino. Interpretação: a concentração plasmática de NEFA
nos mamíferos flutua entre 0,1 a 0,5 mmol/L, sendo
maior após um jejum prolongado. Devido às diferen‐
3.3.2. Colesterol ou Colesterolemia
ças entre espécies, são necessários valores de referên‐
O colesterol nos animais pode ser de origem exógena
cia para sua adequada interpretação.
ou endógena, predominando este último nos herbívo‐
• A condição mais frequentemente descrita
ros onde é principalmente sintetizado pelo fígado, e
que cursa com aumento de NEFA no plasma é o au‐
no tecido adiposo dos ruminantes, a partir da acetil‐
mento de sua mobilização em resposta a um balanço
CoA, sendo logo esterificado. É encontrado nos ani‐
negativo de energia. Sua maior utilidade clínica em
mais como componente das membranas celulares e
ruminantes para avaliar o balanço nutricional de vacas
precursor de hormônios esteroidais (aldosterona,
no período de transição.
cortisol, estrógenos, andrógenos e progesterona),
vitamina D e ácidos biliares.
3.3.4. Corpos Cetônicos (CC) ou Cetonemia
O termo colesterolemia representa o colesterol total,
Os corpos cetônicos correspondem a três produtos
ou seja a forma livre e esterificada formando parte das
intermediários do metabolismo energético, produzi‐
lipoproteínas (LDL, VLDL e HDL).
dos pela β‐oxidação dos ácidos graxos nos hepatóci‐
Indicação: em suspeitas de alterações primárias ou
tos, ao se transformar acetil‐CoA em acetoacetato
secundárias do metabolismo dos lipídios.
(AcAc), β‐hidroxibutirato (BHB), e acetona. A quanti‐
Amostra: soro ou plasma. Em caninos e felinos é ne‐
dade de AcAc e BHB no hepatócito é semelhante, mas
cessário um jejum de 12 horas antes da obtenção da
quando existe uma abundância de NADH se torna em
amostra.
favor de BHB, como o que ocorre na diabetes mellitus.
Análises: técnicas enzimáticas que hidrolisam o coles‐
Indicação: avaliação da via da β‐oxidação dos ácidos
terol associada a uma reação colorimétrica. A unidade
graxos, fundamentalmente em ruminantes, como
empregada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,026 = 1
indicador de uma deficiência de energia com cetose.
mmol/L.
Amostra: soro ou plasma. Também podem ser deter‐
Interpretação: a colesterolemia nos mamíferos varia
minados na urina e no leite, contudo a relação entre
entre 1,5 a 6,5 mmol/L, sendo maior após a ingestão
BHB:AcAc é diferente, sendo maior no plasma e me‐
de alimentos, e em animais de idade mais avançada.
nor na urina.

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Análises: a técnica de Rothera ou do nitroprussiato é a globulinas se localizam entre aquelas. O maior custo e
mais utilizada para determinar AcAc, sendo mais sen‐ tempo desta análise limita a utilização clínica desta
sível em amostras de urina; enquanto que para BHB técnica.
utilizam‐se técnicas colorimétricas que consideram
uma reação enzimática, sendo mais sensível no plas‐
3.4.1. Proteínas totais ou Proteinemia
ma e em menor escala no leite. A unidade empregada
Corresponde a totalidade das proteínas presentes em
é o mmol/L, onde para cada 1 mg/dL de AcAc x 0,098
uma amostra de soro (albuminas + [globulinas – fibri‐
= 1 mmol/L de AcAc, e para o BHB 1mg/dL x 0,096 = 1
nogênio]) ou plasma (albuminas + [globulinas + fibri‐
mmol/L.
nogênio]).
Interpretação: a concentração plasmática de AcAc nos
Indicação: avaliar estados de desidratação, perdas de
mamíferos é menor a 0,1 mmol/L, e a concentração de
proteínas ou aumento de globulinas.
BHB menor a 0,5 mmol/L, sendo maior em animais em
Amostra: soro ou plasma.
lactação; devido as diferenças entre espécies são ne‐
Análises: técnicas colorimétricas como o Biureto, ou
cessários valores referências para a adequada inter‐
mediante o uso de um refratômetro. A unidade em‐
pretação.
pregada é o g/L, onde 1 g/dL x 10 = 1 g/L.
Aumentos de BHB no sangue e de AcAc na urina, e em
Interpretação: a concentração plasmática de proteí‐
menor magnitude no leite, ocorrem em casos de mo‐
nas nos mamíferos é de 5,5 a 9,0 g/dL, sendo maior
bilização das reservas de gordura frente a um balanço
em animais jovens e em caninos e felinos; devido a
energético negativo, sendo ambas provas especial‐
diferenças entre as espécies domésticas são necessá‐
mente úteis em vacas em lactação. A acetonemia ou
rios valores de referência para a adequada interpreta‐
cetose subclínica é vista em vacas com valores de BHB
ção. As condições mais frequentemente descritas que
maiores a 1,2 mmol/L, as que por sua vez, apresentam
cursam com disproteinemia são:
reação positiva a prova de Rothera na urina. Vacas
• Hiperproteinemia
com cetose clínica apresentam valores de BHB maio‐
Pode ser secundária a desidratação, sendo a causa
res a 3,0 mmol/L, e a prova de Rothera é positiva em
mais frequente. Esta disproteinemia também é vista
amostras de urina, sangue e leite, semelhante ao ob‐
em reposta a infecções com aumento de globulinas,
servado em ovelhas com toxemia da gestação, e em
proteínas de fase aguda na primeira fase e de γ‐
todos os animais com cetose secundária a diabetes
globulinas após uma a três semanas.
mellitus e outras enfermidades. Em ruminantes deve‐
se considerar a cetose alimentícia, com aumento de • Hipoproteinemia
BHB, produzido pela metabolização na parede ruminal Ocorre na desnutrição pela menor síntese, e nos casos
do butirato absorvido, especialmente ao utilizar‐se de perdas de sangue por hemorragias ou de proteínas
silagens com fermentação butírica ou pastoreio de em queimaduras, nefrites, e enterites. Nos recém‐
forragens de climas temperados com dieta base. nascidos, e de forma muito significativa nos imunode‐
ficientes as proteínas se encontram diminuídas pela
falta da ingestão do colostro. Também é vista em
3.4. PROTEÍNAS PLASMÁTICAS animais com quadros de desnutrição ou parasitismo
As proteínas são cadeias de polipeptideos conforma‐ crônico.
das por aminoácidos, sendo descritas mais de 1.000 A concentração de proteínas totais é influenciada por
no plasma sanguíneo. Muitas delas encontram‐se seus componentes. Assim, frente a uma enfermidade
combinadas a outras substâncias, como as lipoproteí‐ podem aumentar as globulinas e diminuir as albumi‐
nas e glicoproteínas. nas, de modo que o valor das proteínas totais perma‐
O plasma contem numerosas proteínas em solução, necerá constante.
que em base a seu comportamento eletroforético são
agrupadas em albuminas (±48%) e globulinas (α, ß e γ) 3.4.2. Albumina ou Albuminemia
(±52%). A presença de uma proteína anormal no As albuminas são sintetizadas no fígado, e tem como
plasma é denominada discrasia proteica, enquanto funções o transporte de substâncias como a bilirrubi‐
que a concentração acima ou abaixo dos limites fisio‐ na, ácidos graxos, hormônios, cátions e fármacos;
lógicos presentes no plasma é chamada de disprotei‐ além disso, determinam a pressão oncótica do sangue
nemia. e são uma reserva de aminoácidos. Sua vida média é
A técnica mais precisa para determinar as proteínas de 8 dias nos caninos, 19 dias em equinos, e 14 a 21
plasmáticas é a eletroforese, que separa em quatro a dias nos bovinos.
seis grupos ou bandas, baseando‐se na capacidade Indicação: avaliar problemas na síntese ou perdas
destas de migrar em um suporte de celulose ou agaro‐ associadas a transtornos orgânicos, digestivos, hepáti‐
se quando submetidas a um campo elétrico. A albumi‐ cos ou renais.
na migra mais por seu menor tamanho e carga elétri‐ Amostra: soro ou plasma. O plasma heparinizado
ca; e por outro lado as γ‐globulinas (imunoglobulinas) pode dar valores elevados, por aumentar sua afinida‐
são as que menos migram em função de seu elevado de com corantes.
tamanho e sua cationicidade, enquanto que as α e ß

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Análises: técnicas colorimétricas como verde de bro‐ Pode ser transitória nos recem‐nascidos previamente
mocresol (BCG). A unidade utilizada é o g/L, onde 1 a ingestão do colostro, e logo após as 24 horas de vida
g/dL x 10 = 1 g/L. nos individuos imunodeficientes.
Interpretação: a concentração plasmática das albumi‐
nas nos mamíferos é de 2,1 a 4,1 g/dL, sendo menor 3.4.4. Razão Albumina/Globulina (A/G)
em felinos e caninos, e maior em bovinos e ovinos. É o quociente obtido ao relacionarem‐se as concen‐
Existem outros fatores que induzem diferenças fisioló‐ trações de albuminas e globulinas. Em estados de
gicas, de modo que são necessários valores de refe‐ normalidade é, em geral, menor a 1,0 variando entre
rência para a adequada interpretação. As condições 0,5 a 1,5. Sua interpretação mais precisa requer um
mais frequentemente descritas que cursam com dis‐ perfil eletroforético proteíco.
proteinemia por alterações das albuminas são: A A/G se se mantém dentro dos limites fisiológicos em
• Hipoalbuminemia animais com hiperproteinemia pela desidratação, ou
Pode ocorrem pela menor síntese na desnutrição ou em hipoproteinemia por hemorragias ou queimadu‐
alterações hepáticas crônicas. Por perda em casos de ras.
parasitismo ou alterações renais, peritonite, diarreias, A A/G pode estar diminuída pela hipoalbuminemia ou
e queimaduras extensas. por hiperglobulinemia, enquanto que uma A/G au‐
• Hiperalbuminemia mentada não tem valor clínico.
Sem valor clínico, exceto em quadros de desidratação.
3.4.5. Proteínas de Fase Aguda (PFA)
3.4.3. Globulinas ou Globulinemia Correspondem a diversas proteínas, cuja síntese e
As α globulinas correspondem a glicoproteínas, concentração plasmática modificam‐se rápida e subs‐
lipoproteínas e outras proteínas sintetizadas no tancialmente em resposta a um processo inflamatório.
fígado. As ß globulinas correspondem a lipoproteínas, De acordo ao tipo de resposta se classificam como PFA
hemopexina, transferrina e outras proteínas positivas (fibrinogênio, proteína C reativa [PCR], hap‐
sintetizadas principalmente no fígado. As γ globulinas toglobina, amilóide A, ceruloplasmina e ferritina) ou
correspondem a imunoglobulinas produzidas por negativas (albumina e transferrina). Do mesmo modo,
plasmócitos e linfócitos B, sendo estas as mais são consideradas como parte das PFA as proteínas da
abundantes, seu aumento ou diminuição quantitativa resposta tardia, como as imunoglobulinas que aumen‐
está associada a alterações na concentração de tam após uma a três semanas de instaurado o proces‐
globulinas. so inflamatório.
Indicação: avaliar estados de imunodeficiência, As PFa positivas são de maior utilidade clínica pois
especialmente em recem‐nascidos, ou também como apresentam uma aumento significativo, maior a 25%,
resposta a quadros infecciosos. após poucas horas de produzida uma lesão de origem
Amostra: soro ou plasma. infecciosa, seja bacteriana, viral, fúngica ou parasitá‐
Análises: estimam‐se mediante o cálculo da diferença ria, ou de origem traumática por agentes físicos,
entre a concentração de proteínas totais e de queimaduras ou necrose. A magnitude da variação das
albuminas, ou também, mediante eletroforese. Para suas concentrações plasmáticas fazem com que sejam
avaliar a ingestão adequada de colostro em recem‐ mais sensíveis para o diagnóstico de processos infla‐
nascidos se utilizam técnicas como o “teste de matórios quando comparada com o leucograma.
turbidez do sulfato de zinco”, que permitem Sendo assim, as PFA são de maior utilidade no contro‐
estabelecer quadros de imunodeficiências por le da evolução de processos inflamatórios, especial‐
hipoglobulinemia. Também podem‐se estimar mente em grandes animais. Sua limitação é a falta de
mediante o uso do refratômetro. A unidade especificidade para reconhecer a origem da inflama‐
empregada é o g/L, onde 1 g/dL x 10 = 1g/L. ção.
Interpretação: a concentração plasmática de 3.4.5.1. Fibrinogênio
globulinas nos mamíferos é de 2,5 a 4,5 g/dL, sendo É uma proteína sintetizada pelo fígado e de importân‐
menor nos animais jovens. Devido a presença de cia na coagulação sanguínea, transformando‐se na
outros fatores que induzem diferenças fisiológicas são malha de fibrina do coágulo. É uma das PFA positivas
necessários valores de referência para a adequada da fase aguda da inflamação.
interpretação. As condições mais frequentemente Indicação: avaliar a resposta inflamatória, especial‐
descritas que cursam com disproteinemia por mente em equinos e bovinos.
aumento ou diminuição das globulinas são: Amostra: plasma.
• Hiperglobulinemia Análises: pode‐se estimar de forma simples mediante
Ocorre pelo aumento de γ globulinas em sua precipitação pelo calor a 56°C e posterior centrifu‐
enfermidades infecciosas supurativas crônicas. gação. A unidade utilizada é o g/L, onde 1 g/dL x 10 =
Também é observada nas enfermidades imunológicas, 1g/L.
gamapatias e mieloma múltiplo. Interpretação: a concentração plasmática de fibrino‐
• Hipoglobulinemia gênio nos mamíferos é de 0,1 a 0,5 g/dL. A hiperfibri‐

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nogenemia é vista a partir de duas horas após a ins‐ Amostra e Análise: a amostra necessária é o soro. Os
tauração do quadro inflamatório, e permanece en‐ métodos analíticos desenvolvidos para a PCR e o ami‐
quanto dura a enfermidade, podendo alcançar valores loide A são provas baseadas em reações imunes, defi‐
maiores a 1,0 g/dL. Nos casos de desidratação, au‐ nidas para cada espécie, motivo que limita o emprego
mentam as proteínas totais, de modo que se deve de reativos da medicina humana. Para a haptoglobina
calcular a relação proteínas séricas/fibrinogênio, que tem sido desenvolvida uma prova química colorimétri‐
normalmente é maior a 15, diferentemente de um ca.
quadro inflamatório que é menor a 10. Interpretação: a concentração plasmática das PFA é
muito baixa em comparação a outras proteínas, como
3.4.5.2. Outras PFA a albumina e as globulinas, de modo que seu aumento
Indicação: a incorporação de outras PFA à clínica vete‐ não altera o valor das proteínas totais. Contudo, a
rinária tem sido um processo lento devido à carência magnitude da alteração das PFA que ocorre como
de técnicas analíticas simples, praticáveis, de baixo resposta a inflamação é marcada, duplicando ou mais
custo e de utilidade para as diferentes espécies. As seu valor basal, tornando‐as muito sensíveis, razão
PFA que vem sendo utilizadas em medicina veterinária que tem levado seu emprego como marcados quanti‐
são a haptoglobina, proteína C reativa (PCR) e o ami‐ tativos da lesão produzida por enfermidades infeccio‐
loide sérico A (Tabela 3.1). sas ou traumáticas.

Tabela 0.1. Características clínicas das proteínas de fase aguda (PFA) empregadas nas espécies domésticas.
PFA Espécie mais usada Limite de Tempo de Magnitude da
resposta (h) resposta
referencia
Fibrinogênio Ruminantes e equi‐ < 5 g/L 24 2x
nos
Haptoglobina Ruminantes e suí‐ < 3 g/L 24 3x
nos
Proteína C reativa, PCR Caninos < 10 mg/L 4 95x

Amilóide A Equinos, bovinos, < 4 mg/L 2 800x


felinos

3.5. METABÓLITOS NITROGENADOOS NÃO PRO‐ Amostra: soro ou plasma. Sua elevada permeabilidade
TEÍCOS permite que sua concentração em todos os fluidos
Entre os compostos nitrogenados não proteicos do seja similar a do plasma, de modo que pode‐se deter‐
organismo menciona‐se, por seu interesse clínico, a minar em amostras como leite com similar valor clíni‐
ureia, a creatinina, o ácido úrico e o amônio (NH4), co.
sendo de maior interesse a determinação dos dois Análises: técnicas colorimétricas que consideram a
primeiros devido seu uso na clínica veterinária. urease para desdobrar ureia a amônia. A unidade
empregada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,167 =
1mmol/L. Alguns laboratórios entregam o resultado
3.5.1. Ureia ou N‐ureico (NUS ou BUN)
como “ureia” e outros como “N‐ureico, NUS ou BUN”,
É o produto terminal do metabolismo das proteínas,
sendo este último equivalente a ureia/2,14.
sintetizada no fígado a partir da amônia (NH3) aborvi‐
Interpretação: a concentração plasmática de ureia nos
da no trato gastrointestinal e da transaminação de
mamíferos é de 2 a 10 mmol/L, sendo maior nos ani‐
aminoácidos de transporte e dos absorvidos no intes‐
mais jovens. Devido a presença de outros fatores que
tino. A concentração sanguínea de ureia nos monogás‐
induzem diferenças fisiológicas são necessários valo‐
tricos é dependente da sua síntese hepática, seu
res de referências para a adequada interpretação. As
transporte ao rim e do balaço entre a reabsorção
condições mais frequentemente descritas que cursam
tubular e sua excreção renal. Em ruminantes tem
com aumento ou diminuição da ureia plasmática são:
maior transcendência a formação e uso da amônia no
• Azotemia
rúmen, o qual é dependente da razão entre proteínas
É o aumento das concentrações de ureia plasmática,
e energia da dieta.
que tem como origem causas pré‐renais, renais e pós‐
Indicação: avaliar a perfusão e funcionalidade renal, e
renais.
em ruminantes para determinar a sincronia ruminal de
– Pré‐renais: por diminuição da perfusão renal em
proteínas ruminalmente degradáveis com a energia da
casos de desidratação, choque, insuficiência cardíaca
dieta.
ou por aumento da síntese de ureia em casos de he‐

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morragia gastrointestinal. Nestes casos não se modifi‐ manutenção do equilíbrio hidro‐salino e ácido‐básico;
ca a creatininemia. sendo parte de compostos (ex.: hemoglobina), hor‐
– Renal: por insuficiência renal, com comprometimen‐ mônios (ex.: tiroxina), enzimas (ex.: GPx) ou vitaminas.
to de mais de 50% dos néfrons. Os elementos são agrupados segundo sua quantidade
– Pós‐renal: nos casos de obstrução ou ruptura das presente no organismo como: macroelementos que
vias urinárias. correspondem a 0,01 a 1% do peso vivo (Ca, P, Mg,
Os equinos e ruminantes excretam um volume impor‐ Na, K, Cl e S), e microelementos aqueles que se encon‐
tante de ureia por via digestiva, de modo que a sua tram em quantidades menores (ex.: Cu, Zn, Fe, Se, I,
sensibilidade para diagnóstico de perda de função Mn, Co).
renal é menor, devendo‐se associar a creatininemia.
• A diminuição da ureia plasmática é observada O plasma constitui o compartimento de mobilização
ocasionalmente associada a uma baixa ingestão de imediata através do qual os elementos são transpor‐
proteínas na dieta. tados entre os diferentes compartimentos orgânicos e
• A avaliação da ureia plasmática em ruminan‐ a suas vias de egresso. Por isso, sua concentração
tes é de maior utilidade clínica como indicador da sanguínea é um reflexo da magnitude disponível do
sincronia ruminal entre a degradação de proteínas e elemento, portanto suas diminuições ou aumentos
energia no rúmen. Assim, é utilizada como marcador extremos estão associados a situações de carência e
nutricional do aporte de proteínas e de energia. Um toxicidade. Por outro lado, existem mecanismos bioló‐
aumento da ureia plasmática é consequente de uma gicos que tendem a regular as concentrações plasmá‐
elevada ingestão de proteínas degradáveis e/ou um ticas dos minerais. Em alguns casos ocorrem resulta‐
baixo aporte de energia na dieta. E pelo contrário, dos muito intensos, como o Ca, Na e K, em que seus
concentrações diminuídas de ureia são observadas em aumentos ou diminuições refletem na perda da capa‐
casos de uma dieta com baixa razão entre proteínas e cidade homeostática.
energia.
3.6.1. Cálcio (Ca) ou Calcemia
3.5.2. Creatinina O cálcio é um cátion predominantemente extracelular,
É um metabolito gerado nos músculos a partir da que se encontra na forma livre ou iônica (45%) e unido
fosfocreatina como fonte de energia. Sua produção a proteínas (50%) ou outros compostos do plasma. Ele
em cada indivíduo é constante, sendo eliminada pelo tem como função participar na coagulação, contração
rim mediante filtração glomerular sem reabsorção muscular, estrutura óssea, permeabilidade de mem‐
tubular. Assim a creatininemia é um indicador do grau branas celulares e como regulador celular. O conteúdo
de filtração glomerular. de Ca no sangue representa 1% do total corporal e sua
Indicação: avaliar a funcionalidade renal. concentração plasmática é muito estável, sendo regu‐
Amostra: soro ou plasma. lado por hormônios hipercalcemiantes, o paratormô‐
Análises: técnicas colorimétricas como a de Jaffé. A nio (PTH) e o 1,25 OH‐colecalciferol (vitamina D3); e
unidade empregada é o µmol/L, onde 1 mg/dL x 88,4 = hipocalcemiantes, a calcitonina.
1 µmol/L. Indicação: em alterações de caráter agudo na trans‐
Interpretação: a concentração plasmática de creatini‐ missão nervosa como paralisia ou convulsões, e em
na nos mamíferos é de 15 a 150 µmol/L, sendo mais alterações crônicas do metabolismo do Ca associadas
elevada nos suínos e nos animais que realizam exercí‐ a transtornos ósseos.
cios, como alta massa muscular. Em consequência da Amostras: soro ou plasma com heparina. Não utilizar
presença de outros fatores que induzem diferenças amostras de sangue com quelantes de Ca, como o
fisiológicas são necessários valores de referência para EDTA.
sua adequada interpretação. O aumento da creatini‐ Análises: técnicas colorimétricas que consideram um
nemia plasmática sobre o intervalo de referência, do quelante, ou também mediante EAA. A unidade em‐
mesmo modo que o aumento da ureia, é denominado pregada é o mmol/L (1mg/dL x 0,25 = 1 mmol/L).
azotemia, que possui um valor clínico similar ao da Interpretação: a calcemia na maioria dos mamíferos é
ureia, considerando que aumenta quando diminui a muito constante, devido seu controle endócrino, de
filtração glomerular maior a 70%. Por outro lado, seu 2,1 a 3,2 mmol/L, sendo maior nos equinos. Devido a
aumento é menor em casos de desidratação. presença de outros fatores que induzem a diferenças
Em teoria, a creatinina é um melhor indicador da dis‐ fisiológicas são necessários valores de referência para
função renal já que sua concentração é mais constante a adequada interpretação. As condições mais frequen‐
e não possui reabsorção tubular. temente descritas que cursam com aumento ou dimi‐
nuição da calcemia são:
3.6. ELEMENTOS MINERAIS • Hipercalcemia
Ocorre no hiperparatireoidismo primário, e calcinose
O organismo animal dispõe de uma série de elemen‐
por excesso de vitamina D3 (iatrogênica ou por plantas
tos inorgânicos essenciais para a vida, desempenhan‐
tóxicas [Solanum malacoxylon, Nierembergia veitchii]).
do diversas funções metabólicas: estrutural em ossos;

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Também é vista em neoplasias com produção de PTH mia, a hemoglobinúria puerperal, a hipercalcemia
como linfomas, mielomas, e adenocarcionomas em neoplásica, em quadros de alcalose respiratória, hipe‐
cães. rinsulinemia e cetoacidose diabética.
• Hipocalcemia
É observado na paresia puerperal das vacas [febre do 3.6.3. Magnésio (Mg) ou Magnesemia
leite], hipocalcemia gestacional das ovelhas, eclampsia É um cátion predominantemente intracelular, especi‐
em éguas e cadelas. A hipocalcemia é leve ou ausente almente no osso e músculo. Atua como catalizador na
em casos de raquitismo, osteomalácia e osteodistrofi‐ síntese proteica, na permeabilidade de membranas,
a, hipoparatireoidismo, pancreatite, insuficiência renal no metabolismo do cálcio, fósforo, e regulador do
crônica e hipoalbuminemia. Animais hipoalbuminêmi‐ tônus muscular. Sua concentração plasmática é variá‐
cos apresentam valores diminuídos já que parte do Ca vel, sendo regulada pela dieta e excreção renal.
é transportado no sangue unido a esta proteína. Indicação: em arritmia cardíaca, hipocalemia, hipocal‐
As vacas leiteiras são mais suscetíveis a apresentarem cemia refratária, debilidade muscular, ataxia e convul‐
hipocalcemia, já que seu volume plasmático de ± 3g sões. Em ruminantes, frente a suspeita de tetania
representa apenas somente 2,5% da necessidade hipomagnesêmica.
diária para produzir 30 litros de leite, número que Amostra: soro ou plasma.
reflete o grau de mobilização diária deste mineral. Análises: técnicas colorimétricas que consideram um
quelante, ou também mediante EAA. A unidade em‐
3.6.2. Fosfato inorgânico (P ou Pi) ou Fosfatemia pregada é o mmol/L (1 mg/dL x 0,182 = 1 mmol/L).
O fósforo é um ânion intracelular constituinte dos Interpretação: a magnesemia é variável por não ter
fosfolipídios, ácidos nucleicos, fosfoproteínas e ATP. um controle hormonal, sendo assim um reflexo da
No plasma encontra‐se na forma de fosfatos inorgâni‐ absorção digestiva e do egresso urinário e no leite.
cos e como ésteres orgânicos. A determinação da Seu valor na maioria dos mamíferos é de 0,6 a 1,1
fração inorgânica tem utilidade clínica. Sua concentra‐ mmol/L, sendo maior nos bovinos e ovinos. Devido à
ção plasmática é variável, dependente da excreção presença de outros fatores que induzem variações
renal e da absorção digestiva, sendo influenciada pelo fisiológicas são necessários valores de referências para
PTH, que aumenta a mobilização óssea e excreção a adequada interpretação. As condições mais frequen‐
renal. temente escritas que cursam com aumento ou dimi‐
Indicação: em alterações do metabolismo do fósforo e nuição na magnesemia são:
cálcio associados a transtornos ósseos, avaliação do • Hipermagnesemia
balanço nutricional do fósforo, e alterações renais. É observada em animais, e especialmente em rumi‐
Amostra: soro ou plasma. nantes, com ingestão elevada, ou com insuficiência
Análises: técnicas colorimétricas que consideram a renal severa. Na paresia hipocalcêmica não associada
formação de fosfomolibdato. A unidade empregada é à deficiência de Mg e no hipoadrenocorticismo.
o mmol/L (1 mg/dL x 0,323 = 1mmol/L). • Hipomagnesemia
Interpretação: a fosfatemia é menos constante que a É observada em animais, especialmente ruminantes,
calcemia sendo um melhor avaliador de seu balanço com ingestão escassa ou limitada absorção (excesso
na dieta. Seu valor na maioria dos mamíferos é de 1,0 de K na dieta, maior a 2% da matéria seca). Em casos
a 2,3 mmol/L, sendo de 25 a 100% mais elevada nos de tetania hipomagnêmica, enteropatias, hipoparati‐
animais jovens, e menor nos equinos. Devido à pre‐ reoidismo e secundário ao uso de diuréticos.
sença de outros fatores que induzem a alterações A magnesemia é um bom indicador do balanço nutri‐
fisiológicas são necessários valores de referência para cional de Mg nas vacas, sendo empregada para o mo‐
sua adequada interpretação. As condições mais fre‐ nitoramento de seu aporte na dieta frente a eventuais
quentemente descritas que cursam com aumento ou carências que cursam com hipomagnesemia subclíni‐
diminuição da fosfatemia são: ca, a qual é predisponente a morte por tetania.
• Hiperfosfatemia A determinação do Mg urinário constitui um bom
Observada em animais com absorção intestinal eleva‐ indicador em ruminantes para monitorar o aporte
da como ocorre no hipoparatireoidismo, hiperparati‐ nutricional, considerando um valor menor a 1,0
reoidismo secundário renal e nutricional (ingestão mmol/L indicativo de carência.
excessiva de fósforo ou dietas de baixa razão Ca:P) e
calcinose por intoxicação com vitamina D. Também é 3.6.4. Sódio (Na) ou Natremia
vista em cães e gatos com insuficiência renal severa É um cátion predominante no meio extracelular, atu‐
(maior a 80%); em equinos e bovinos com lesões ós‐ ando no balanço hidro‐salino e ácido‐básico, assim
seas (osteolíticas) e na rabdomiólise, porém a excre‐ como na função neuromuscular. Suas concentrações
ção digestiva limita este aumento. celulares se mantêm baixas pela impermeabilidade da
• Hipofostatemia membrana celular mediante a bomba de sódio e po‐
Ocorre por carência nutricional, hiperparatireoidismo tássio, que retorna o Na ao líquido extracelular. Sua
primário, raquitismo, osteomalacia, osteodistrofia e concentração plasmática ou natremia é muito cons‐
hipovitaminose D. Encontra‐se associada à hipocalce‐ tante, já que é fortemente regulada pelo sistema reni‐

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na‐angiotensia‐aldosterona (reabsorção tubular de • Hipernatremia
sódio e água). Ocorre na desidratação por déficit hídrico em casos de
Indicação: avaliação do equilíbrio eletrolítico e ácido‐ poliúria (diabetes), perda digestiva (vômito, diarreia)
básico em diarreias, vômitos, poliúria, polidipsia, con‐ ou sudorese e respiração (insolação), ou uma baixa
vulsões e desidratação. ingestão de água. Também na intoxicação por sal,
Amostra: soro ou plasma de sangue com heparina doenças renais, queimaduras cutâneas extensas, ou
lítica ou potássica. Não utilizar plasma com anticoagu‐ causas iatrogênicas como o uso de diuréticos, nutrição
lantes sódicos. parenteral, uso de soluções hipertônicas de NaCl ou
Análises: técnicas colorimétricas que consideram um administração de NaHCO3 com restrição hídrica. Ob‐
quelante, ou ainda mediante fotometria de chama ou serva‐se falsa hipernatremia em animais que cursam
o uso de eletrodos íon seletivos. A unidade empregada com hiperproteinemia e hiperglicemia.
é o mmol/L (1 mEq/L x 1 = 1 mmol/L). • Hiponatremia
Interpretação: a natremia é constante devido seu Ocorre em animais com retenção de água (hiper‐
controle hormonal. Seu valor na maioria dos mamífe‐ hidratação, insuficiência cardíaca congestiva) e em
ros é de 132 a 155 mmol/L, com escassas variações perdas crônicas do volume circulante efetivo. Em
entre espécies, sendo ainda necessário dispor de valo‐ ruminantes e equinos com baixa ingestão ou perda de
res de referência para sua adequada interpretação. As Na por diarreia ou sudorese excessiva, aporte insufici‐
condições mais frequentemente descritas que cursam ente, insuficiência adrenal (baixa aldosterona) e em
com aumento ou diminuição da natremia são: sequestros de líquidos.

Tabela 0.2. Condições de saúde associados ao aumento ou diminuição das concentrações plasmáticas de Ca, Pi e Mg.
Condição Ca Pi Mg
Paresia hipocalcêmica na vaca, hipocalcemia gestacional da ovelha, eclampsia em éguas e
⇓ ⇓ ⇑ ou ⇓
cadelas
Hiperparatiroidismo 1º e neoplasias produtoras de PTH ⇑ ⇓ ‐
Hiperparatiroidismo 2º renal e nutricional (osteodistrofia fibrosa) ⇓ ⇑ ‐
Hipoparatiroidismo ⇓ ⇑ ⇓
Insuficiência renal severa ⇓ ⇑
⇑ ou N
Equinos: ⇑ N ou ⇓
Hipervitaminose D ou calcinose ⇑ ⇑ ‐
Hipomagnesemia e tetania hipomagnesêmica ‐ ‐ ⇓

3.6.5. Potássio (K) ou Calemia (Kalemia) quentemente descritas que cursam com aumento ou
É um cátion predominante intracelular, sua concen‐ diminuição da calemia são:
tração plasmática ou calemia, é regulada pela insulina • Hipercalemia
e epinefrina que promovem o ingresso na célula me‐ Devido à saída ao meio extracelular na acidose meta‐
diante a bomba de sódio e potássio. Atua junto ao bólica, disfunção renal terminal, destruição de tecidos
sódio no balanço hidro salino e ácido‐básico, assim (como necrose muscular), choque, hemólise, diarreia,
como na função neuromuscular. exercício intenso e deficiência de insulina.
Indicação: avaliação do equilíbrio eletrolítico e ácido‐ • Hipocalemia
básico em diarreias, vômitos, poliúria, polidipsia, con‐ Ocorre por baixa ingestão (anorexia em vacas, dietas
vulsões e desidratação. Avaliação de insuficiência baixa em potássio em gatos), redistribuição intracelu‐
renal e enteropatias. lar (alcalose metabólica) ou por perdas (vômitos, diar‐
Amostra: soro. Não se deve usar plasma com anticoa‐ reia, insuficiência renal – normalmente crônica –,
gulante potássico. A hemólise produz uma pseudo sudorese em equinos, e uso de diuréticos). É observa‐
hipercalemia. da em quadros de hiperadrenocorticismo e em hipe‐
Análises: técnicas colorimétricas que consideram um rinsulinemia. Uma falsa hipocalemia pode ser vista em
quelante, ou ainda mediante fotometria de chama. A quadros de hiperlipidemia, hiperproteinemia, hipergli‐
unidade empregada é o mmol/L (1 mEq/L x 1 = 1 cemia e azotemia.
mmol/L).
Interpretação: a calemia é relativamente constante 3.6.6. Cobre (Cu) ou Cupremia
sendo um reflexo do equilíbrio entre o ingresso e Oligoelemento necessário em variados processos
egresso desde as células. Seu valor na maioria dos metabólicos, fazendo parte de proteínas como a ceru‐
mamíferos é de 3,1 a 7,2 mmol/L, sendo menor nos losplasmina associada ao metabolismo do Fe e meta‐
equinos e maior e mais variável nos ruminantes, de loenzimas antioxidante como SODCu‐Zn, e outras cito‐
modo que são necessários valores de referência para cromo oxidases. No plasma é transportado unido a
sua adequada interpretação. As condições mais fre‐ proteínas, estando sua concentração regulada pela

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disponibilidade do compartimento de reserva hepáti‐ • Hipozinquemia
co. Carência metabólica nutricional, e paraqueratose.
Indicação: avaliação da disponibilidade metabólica de
cobre. A cupremia constitui um indicador do cobre 3.6.8. Selênio (Se)
disponível enquanto que a determinação do cobre É um oligoelemento necessário em diversos processos
hepático representa uma determinação da reserva metabólicos formando parte de metaloenzimas antio‐
deste mineral no organismo. xidantes como diversas GPx, e de enzimas como a
Amostra: plasma com heparina livre de contaminação. iodotironina deiodinase.
O soro entrega valores diminuídos pelo aprisionamen‐ Indicação: avaliação da disponibilização metabólica de
to no coágulo. Se. Pode ser determinada no sangue, ainda que sua
Análises: mediante espectrofotometria de absorção baixa concentração limite sua análise mediante técni‐
atômica. A unidade empregada é o µmol/L (1 µg/dL x cas rotineiras, empregando‐se a atividade da selênio‐
0,157 = 1 µmol/L ou 1 ppm x 15,7 = 1 µmol/L). enzima GPx, como indicador do balanço nutricional
Interpretação: a cupremia é um reflexo do equilíbrio metabólico de selênio.
entre o ingresso, a mobilização a partir ou para a re‐ Determinação da atividade sanguínea de GPx: se
serva hepática e seu egresso. Seu valor na maioria dos utiliza uma amostra de sangue heparinizado, e uma
mamíferos é de 10 a 22 µmol/L, sendo maior nos suí‐ técnica analítica enzimática cinética NADPH depen‐
nos e menos variável nos caninos, de modo que são dente. A unidade empregada é a unidade de enzima
necessários valores de referência para sua adequada por grama de hemoglobina, U/g Hb.
interpretação. As condições mais frequentemente Determinação da concentração sanguínea de Se: se
descritas que cursam com aumento ou diminuição da utiliza como amostra sangue heparinizado, e a técnica
cupremia são: analítica de espectrofotometria de absorção atômica
• Hipercupremia com geração de hidretos. A unidade empregada é o
Ocorre devido ingestão elevada. µmol/L (1 µg/dL x 0,127 = 1 µmol/L ou 1 ppm x 12,7 =
• Hipocupremia 1 µmol/L).
Carência de cobre primária e secundária (excesso de Interpretação: a atividade sanguínea de GPx está
Mo, SO4), marasmo enzoótico, diarreia negra, e ataxia fortemente correlacionada (r= 0,92) com a concentra‐
enzoótica em ruminantes. ção sanguínea de selênio, em balanço normal ou de
A concentração de ceruloplasmina plasmática se cor‐ carência do elemento, porém não em quadros tóxicos.
relaciona com a do cobre, constituindo uma alternati‐ Assim a GPx reflete o equilíbrio entre o ingresso, sua
va para avaliar o balanço de cobre nos animais. Con‐ mobilização e egresso de selênio no animal. O valor na
tudo, sua especificidade é baixa, já que por ser uma maioria dos mamíferos é GPx = 110 a 550 U/g Hb e de
PFA positiva aumenta nos animais com um quadro Se= 1,1 a 4,4 µmol/L. As variações analíticas e de es‐
inflamatório. pécie fazem necessário dispor‐se de valores referenci‐
ais para a adequada interpretação.
3.6.7. Zinco (Zn) ou Zinquemia Um rebanho ou um animal tem um adequado balanço
É um oligoelemento necessário em diversos processos metabólico de selênio quando sua atividade de GPx é
metabólicos, fazendo parte de metaloenzimas antioxi‐ maior a 130 U/g Hb ou do selênio = > 1,4 µmol/L. A
dantes como SOD, e outras associadas a queratiniza‐ diminuição na atividade da GPx a menos de 60 U/g Hb
ção e formação do tecido córneo. ou de Se a menor a 0,63 µmol/L indica uma carência
Indicação: avaliação da disponibilidade metabólica de de selênio. Os valores anteriores são considerados
zinco. Sua concentração plasmática constitui um indi‐ marginais. Em animais intoxicados por selênio, seleno‐
cador do zinco disponível. ses, a concentração sanguínea é maior a 10 µmol/L.
Amostra: soro livre de contaminação (evitar usar vi‐
dros ou borrachas). 3.6.9. Ferro (Fe) ou Ferremia
Análises: mediante espectrofotometria de absorção É um oligoelemento necessário em diversos processos
atômica. A unidade empregada é o µmol/L (1 µg/dL x metabólicos, fazendo parte da hemoglobina e metalo‐
0,153 = 1 µmol/L ou 1 ppm x 15,3 = 1 µmol/L). enzimas antioxidantes. Sua concentração no plasma
Interpretação: a zinquemia é um reflexo do equilíbrio não é um bom indicador do conteúdo de ferro no
entre o ingresso a mobilização a partir ou para a re‐ organismo, somente indicando a quantidade de ferro
serva hepática e seu egresso. Seu valor na maioria dos unido a transferrina, que corresponde ao disponível
mamíferos é de 10 a 22 µmol/L, sendo maior nos suí‐ para a síntese do grupo heme da hemoglobina.
nos e menos variável nos caninos, de modo que são O uso clínico de sua determinação em amostras de
necessários valores de referência para sua adequada sangue é limitado pela contaminação por hemólise.
interpretação. As condições mais frequentemente Utiliza‐se a avaliação indireta determinando a concen‐
descritas que cursam com aumento ou diminuição da tração de hemoglobina no sangue, de transferrina
zinquemia são: sérica ou da capacidade de captação do ferro (TIBC)
• Hiperzinquemia no soro, analitos que refletem a disposição de trans‐
Ocorre devido ingestão elevada. porte sanguíneo de ferro. A transferina é uma PFA

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negativa de modo que diminui em quadros inflamató‐ coração, músculo e pâncreas, já que cada órgão possui
rios. um perfil enzimático típico.
A síntese de hemoglobina está reduzida na carência de As enzimas celulares, em geral, se encontram cum‐
ferro predispondo a anemia microcítica hipocrômica. prindo seu papel na mitocôndria, membrana ou cito‐
Em inflamações crônicas há um sequestro de ferro plasma das células, sem ter uma função definida no
pelo sistema fagócito mononuclear diminuindo sua plasma. Sua presença no plasma é resultado de sua
disponibilidade para a síntese de hemoglobina. liberação da célula, que nos animais sadios é um pro‐
cesso fisiológico.
Para que uma enzima seja de utilidade clínica deve
3.7. ENZIMAS
expressar na forma mais específica possível a altera‐
As enzimas são proteínas sintetizadas pelas células,
ção patológica que experimenta um órgão ou tecido. É
que catalisam reações químicas, retornando a seu
necessário o cumprimento de duas condições:
estado original ao final da reação. Possuem um nome
I) que seja de fácil determinação e de baixo
genérico com o sufixo “ase”, o qual faz referência ao
custo
substrato sobre o qual atua (ex.: lipase), ou ainda, a
II) a amostra deve se manter estável por um
reação que catalisa (ex.: lactato desidronegase). Além
período adequando de tempo.
disso, cada enzima tem uma abreviatura e um código,
Também é necessário considerar o tempo que per‐
EC nº.nº.nº.nº que a identifica (ex.: alanina amino‐
manece no sangue (T1/2) desde que é liberada do
transferase, ALT, EC 2.6.1.2).
tecido de origem o que permitirá sua detecção no
soro ou plasma.
A baixa concentração as enzimas nos tecidos não
permite sua determinação direta, então são determi‐
Algumas enzimas estão presentes em vários órgãos e
nadas indiretamente através de seu efeito medindo‐se
outras são específicas. De acordo com isso, é possível
a velocidade da reação que catalisam. É assim que as
classificá‐las em:
enzimas são mediadas por sua atividade catalítica, que
• Específicas: se localizam em um tipo de célu‐
é expressa em Unidade Enzimática ou “U”, definida
las. Ex.: ALT e GD no hepatócito.
como a atividade de uma enzima que transforma 1
µmol de substrato em 1 minuto, sobre condições pa‐ • Semiespecíficas: se encontram em dois ou
dronizadas para a técnica. A atividade é expressa em três tipos celulares. Ex.: CK no músculo, miocárdio e
relação a um volume “U/L” ou quantidade de substân‐ cérebro.
cia “U/g proteínas”. O SIU considera o “katal” (1 katal • Inespecífica: se localizam em mais de três
= 1mol/segundo) como a unidade base, mas é muito classes de células. Ex.: LDH no fígado, coração, múscu‐
pouco utilizada, onde 1 U = 16,67 nkatal. lo, eritrócito.

A determinação de enzimas é realizada mediante Também, é possível diferenciá‐las em quanto sua


técnicas cinéticas que medem a velocidade da reação localização intracelular. Por exemplo, nos hepatócitos
da enzima com o substrato. Esta deve ocorrer sobre a glutamato desidrogenase (GMD) está principalmente
condições definidas de pH, temperatura e preparação dentro da mitocôndria e a alanina aminotransferase
do substrato, com o objetivo de torna‐las comparáveis (ALT) no citoplasma (Figura 3.3).
com os resultados obtidos por outros laboratórios ou
valores de referência na literatura. Este aspecto é Algumas enzimas exibem diferentes estruturas mole‐
importante de se considerar devido as grandes dife‐ culares chamadas “isoenzimas”, que correspondem a
renças que existem em razão de alterações de tempe‐ múltiplas formas moleculares de uma enzima que se
ratura de trabalho entre laboratório, 25°C, 30°C ou encontram presentes em uma mesma espécie. Atuam
37°C. Outro aspecto a se considerar é a qualidade especificamente sobre uma mesma reação e diferem
analítica, onde em geral se aceita como nível de im‐ estruturalmente, já que provem de genomas diferen‐
precisão até 5% e de inexatidão um CV menor a 11%. tes. Por exemplo, para a CK se reconhecem três isoen‐
zimas formadas por dois protômeros M (músculo) e B
3.7.1. Bases da Enzimiologia Clínica (cérebro), BB, MB e MM. Deste modo, sua determina‐
As enzimas presentes no plasma podem ser classifica‐ ção entre uma maior especificidade com o objetivo de
das como endógenas, que cumprem sua função no precisar o órgão afetado.
sangue (ex.: enzimas proteolíticas da coagulação); e
exógenas as cumprem sua função nos tecidos (ex.: ALT
e AST), também chamadas enzimas celulares conside‐
rando sua localização e função, sendo estas as de
maior utilidade na clínica veterinária.
A determinação da atividade de enzimas exógenas ou
celulares no soro ou plasma é utilizada para o diagnós‐
tico e diferenciação de alterações ou enfermidades
presentes nos diferentes órgãos, como fígado, rim,

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• Alteração da permeabilidade
Lesão da membrana celular ou necrose celular com
saída extracelular da enzima. Este mecanismo de libe‐
ração da célula, com aumento de sua atividade plas‐
mática, é mais frequente de se encontrar na prática
veterinária, como ocorre com a ALT e GMD na hepati‐
te nos cães e bovinos, respectivamente, a CK na mio‐
patia (Figura 3.3).
• Aumento na produção de enzimas
Associadas a membranas, secundário a proliferação
celular. É observada na hiperplasia biliar com aumento
de GGT nos casos de aflatoxicose, assim como durante
Figura 0.3. Modelo de liberação enzimática posterior a crescimento ou reparação óssea com aumento de ALP.
uma lesão celular. • Indução enzimática
Aumento da síntese celular produzida por substâncias
endógenas (ácidos biliares) ou exógenas (fenobarbi‐
tal), prednisolona ou prednisona com uma maior saída
ao plasma como ocorre com a ALT e ALP.
A atividade plasmática de uma enzima depende do • Diminuição na remoção plasmática
equilíbrio entre seu ingresso e saída do sangue. Em Como ocorre com a amilase e lipase, que são excreta‐
geral, uma enzima aumenta no plasma quando seu das com a urina, que se alteram quando há uma dis‐
ingresso ao sangue excede o grau de inativação ou função renal.
remoção (Tabela 3.3). Esta situação é representada
por:

Tabela 0.3. Mecanismo do aumento sérico das enzimas celulares, sua origem e espécies de maior utilidade clínica.
Enzima Mecanismo do aumento Origem principal Espécie más utilizada
ALT Lesão celular Hepatócito Canino
Indução
AST Lesão celular Hepatócito Ruminantes, equino
Miócito de músculo esquelético e cardíaco
GMD Lesão celular Hepatócito Ruminantes e equinos
CK Lesão celular Miócito de músculo esquelético e cardíaco Equino, canino, felino, ruminante
ALP Indução Célula do epitélio biliar Canino
Hepatócito
Osteoblasto
GGT Indução Célula do epitélio biliar Ruminante, equino
Proliferação celular Hepatócito
AMS Lesão celular e diminuída excreção renal Célula acinar do pâncreas Canino
Célula de intestino
LPS Lesão celular e diminuída excreção renal Célula acinar do pâncreas Canino
Proliferação celular Célula da neoplasia hepática
Célula da mucosa gástrica

O soro é a amostra de eleição para a análise da ativi‐


3000
dade enzimática no sangue. Pode‐se utilizar também
plasma com heparina, já que não inativa as enzimas. 2500
Canino
Como a estabilidade enzimática difere para cada en‐ 2000
ALP (U/L)

zima, é conveniente separar o soro e o plasma rapi‐ 1500


damente e determinar a atividade o quanto antes
1000
possível.
Equino
Existem grandes diferenças entre espécies em relação 500
Ovino
Felino
à utilidade clínica das enzimas (Tabela 3.4). Assim, por 0
0 10 20 30 40 50 60
exemplo, baseado na magnitude do aumento na ativi‐
Dias
dade da ALP, este resultado pode ser útil em caninos
para avaliar a integridade do ducto biliar, mas não em
Figura 0.4. Atividade da fosfatase alcalina (ALP)
ovinos ou felinos (Figura 3.4).
associada a obstrução do ducto biliar em caninos,
equinos, ovinos e felinos. Adaptado de Kaneko et al,
2008.

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Tabela 0.4. Utilidade clínica da determinação das enzimas celulares no plasma de animais. (utilidade: ‐ nula ou sem
informação; + baixa, ++ média; +++ alta)

Enzima Órgão Canino Felino Suíno Equino Bovino Ovino Caprino Alpaca

LDH M‐C‐F‐outros ‐ ‐ + + ‐ ‐ ‐ ‐
CK M‐C‐N ++ ++ ++ +++ ++ ++ ++ ++
AST F‐C‐M + + ++ ++ ++ ++ ++ ++
ALT F +++ +++ +++ + + + + +
GMD F +++ ++ + +++ +++ +++ +++ ‐
SDH F + + ‐ ++ ++ ++ ++ ‐
GGT F + ++ ++ +++ +++ +++ +++ +++
ALP F‐O‐I‐R +++ + +++ ++ + + + +
AMS P‐I‐R +++ +++ +++ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐
LIS P‐I‐R +++ +++ +++ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐
PEP G ‐ ‐ ‐ ‐ ++ ++ ++ ‐

C= coração; F= fígado; I= intestino; M= músculo; O= ósseo; R= rim; P= pâncreas; N= nervos; G=Estomago.

Para a interpretação do aumento na atividade sérica mentam a ALT sérica, observando‐se também um
de uma enzima devem‐se considerar os seguintes aumento moderado em danos musculares severos.
aspectos:
• O aumento de uma enzima identifica a lesão 3.7.2.2. Aspartato aminotransferase, AST (ex GOT), EC
em um órgão, sem ser um marcador específico para 2.6.1.1
uma enfermidade definida. Enzima citosólica e mitocontrial, semi‐específica de
• A magnitude do aumento estabelecido em hepatócitos, músculo estriado e cardíaco.
base ao aumento sobre o limite superior de referência A determinação de sua atividade sérica é de interesse
(LRS) é calculada com o valor da amostra/LRS. Assim em suspeitas de enfermidades hepáticas, muscular
um valor de ALT = 170 U/L com um LRS = 85 U/L sinali‐ e/ou do miocárdio, sendo principalmente empregada
za que é 170/85 = 2x LRS. em equinos e ruminantes, ainda que sua baixa especi‐
• A magnitude do aumento se relaciona com a ficidade limite seu uso. Aumenta devido lesão do he‐
severidade do dano. Assim um dano leve pode alcan‐ patócito, em hepatopatias degenerativas (hipóxia),
çar valores maior que 50 LRS. metabólicas (lipidose, hiperlipidemia), neoplásicas
• A magnitude do aumento não diferencia um (linfoma), inflamatórias (hepatite, cirrose) ou tóxicas
dano reversível de um irreversível, ou se é difuso ou (alcalóides, aflatoxinas) e em danos musculares (exer‐
localizado. cício físico intenso, injeção intramuscular).
• Para definir se a lesão é inicial, encontra‐se
em regressão ou se é persistente no tempo, são ne‐ 3.7.2.3. Glutamato desidrogenase, GMD (ex GLDH),
cessários 0,3 ao menos dois resultados sequenciais. EC 1.4.1.3
Enzima específica do hepatócito, localizada principal‐
mente na zona centro lobular e de localização mito‐
3.7.2. Enzimas Celulares de Interesse Clínico condrial que é liberada ao sangue como consequência
3.7.2.1. Alanina aminotransferase, ALT, (ex GTP), EC de necrose celular.
2.6.1.2 A determinação de sua atividade sérica é de interesse
Enzima citoplasmática, considerada específica do em herbívoros frente a suspeita de alteração hepato‐
hepatócito, ainda que também seja encontrada no celular, já que se encontra aumentada por um período
músculo. Sua atividade sérica é de interesse para ava‐ breve em hepatopatias agudas.
liar alterações do parênquima hepático. Sua baixa
atividade hepática nos herbívoros limita sua utilidade 3.7.2.4. Sorbitol desidrogenase, SDH, EC 1.1.1.14
clínica nestas espécies. Enzima específica do hepatócito que é liberada ao
Encontram‐se aumentada em caninos e felinos com sangue por necrose celular. É inativada rapidamente,
dano hepático agudo de origem degenerativa (hipó‐ de modo que deve ser analisada dentro de 12 horas.
xia), metabólica (lipidose, diabetes), neoplásica (lin‐ A determinação de sua atividade sérica é de interesse
foma, carcinoma), inflamatória (hepatite, cirrose), em equinos frente a suspeita de alteração hepatocelu‐
tóxica (cobre, esteroides, tetraciclina) e traumática. lar, já que se encontra aumentada por um período
Alcança seu maior valor após quatro dias da lesão, breve em hepatopatias agudas.
retornando em duas semanas ao seu valor basal. A
administração de glicocorticoides e barbitúricos au‐ 3.7.2.5. Fosfatase alcalina, ALP (ex SAP), EC 3.1.3.1

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Enzima da membrana microssomal de canalículos Enzimas celulares originadas principalmente pelas
biliares, ossos, intestino, rim e placenta, que é liberada células acinares do pâncreas e excretada pelo rim,
ao sangue em resposta a colestase ou indução com ainda que se descreva uma isoenzima intestinal. A
corticoides ou barbitúricos. Por seu papel no processo amilase hidrolisa o amido e o glicogênio, e a lipase os
de ossificação sua atividade é duas ou três vezes maior lipídios.
em animais em crescimento. A determinação de sua atividade sérica é empregada
Sua atividade sérica encontra‐se aumentada em cães para avaliar alterações agudas do pâncreas nos cani‐
com colestase intra ou pós‐hepática (Figura 3.4). Ob‐ nos e felinos, encontrando‐se aumentada na pancrea‐
serva‐se igualmente aumentada por indução nos casos tite, atrofia juvenil e neoplasias pancreáticas. Sua
de hiperadrenocorticismo e como resposta ao uso de atividade sérica está aumentada em disfunções renais,
corticoides, barbitúricos e esteroides. Pode aumentar pela diminuída excreção. A lipase também se encontra
em animais com alterações na ossificação (raquitismo, aumentada em neoplasias hepáticas e pela terapia
osteomalacia, osteomielite, osteossarcoma), e em com corticoides. Em cães com pancreatite aguda a
cães com patologias variadas como enterites, pancrea‐ AMS aumenta mais de 10 vezes o LRS.
tite, hipertiroidismo, gestação, piometra, nefrite e
tumores de tecido ósseo. Sua vida média em gatos é 3.7.2.9. Desidrogenase láctica, LDH, EC 1.1.1.27
muito curta, de modo que sua determinação é de Enzima citoplasmática inespecífica encontrada nas
baixa sensibilidade. células do fígado, coração, músculo, sangue e outras
células, de modo que sua utilidade clínica é muito
3.7.2.6. Gama glutamil transpeptidase, GGT, EC limitada. É utilizada em equinos para avaliar a adapta‐
2.3.2.2 ção ao exercício.
Enzima semi‐específica da membrana celular do con‐ São reconhecidas cinco isoenzimas tetraméricas for‐
duto biliar hepático, túbulo renal e glândula mamária. madas pelos protômetro H (coração) e M (músculo),
A determinação de sua atividade sérica é empregada sendo de interesse a determinação de LDH1 ou HHHH
para avaliar alterações obstrutivas hepáticas por dano em suínos e cavalos ao encontrar‐se aumentadas em
ou hiperplasia no conduto biliar em herbívoros. lesão do miocárdio.
Sua atividade sérica está aumentada em equinos e
ruminantes com colestase ou hiperplasia biliar resul‐
3.7.3. Outras Enzimas Sanguíneas de Interesse
tante de indução e proliferação celular. É considera
Clínico
específica do fígado, já que em lesão renal se excreta
por via urinária, de modo que seu aumento indica 3.7.3.1. Pseudocolinesterase, pseudoChE, EC 3.1.1.8
obstrução hepática ou dano do conduto biliar. Enzima endógena do plasma já que cumpre seu papel
O colostro tem uma elevada atividade de GGT, de metabólico no sangue catalisando a hidrólise do neu‐
modo que o recém‐nascido apresenta uma atividade rotransmissor acetilcolina. Existem duas colinestera‐
sérica elevada durante a primeira semana de vida, ses, a acetil‐colinesterase ou verdadeira (AChE), e a
constituindo uma alternativa para avaliar o consumo butiril‐colinesterase ou pseudocolinesterase (ButChE),
de colostro em terneiros. tendo esta última maior atividade plasmática e maior
utilidade clínica.
3.7.2.7. Creatina quinase, CK, EC 2.7.3.2 Sua determinação é de interesse clínico em casos de
Enzima semi específica que se localiza preferencial‐ suspeita de intoxicação por organofosforados e car‐
mente em células do músculo esquelético e cardíaco. bamatos, em que sua atividade plasmática diminui ao
Sua atividade no cérebro, útero e intestino é baixa. ser inibida pelo tóxico.
A determinação de sua atividade sérica é empregada
para avaliar enfermidades musculares e dano conse‐ 3.7.3.2. Glutationa peroxidase, GPx, EC 1.11.1.9
quente do exercício físico. Encontra‐se aumentada em Metaloenzima de localização principalmente celular, e
problemas musculares degenerativos (rabdomiólise), que em sua estrutura molecular contém selênio. Sua
nutricionais (deficiência de selênio e vitamina E), in‐ atividade no sangue está relacionada diretamente
flamatórios, tóxicos (monensina) ou traumáticos (e‐ com o balanço metabólico nutricional do microele‐
xercício, estresse do transporte, infecção). O grau de mento, sendo assim de utilidade sua determinação
aumento relaciona‐se com a magnitude do dano mus‐ nos eritrócitos para diagnosticar quadros de carência
cular. Em geral, se observa valores maiores a 10 e de selênio, nos quais está diminuída, como se comen‐
inclusive maiores a 100 vezes o LRS. tou anteriormente na seção sobre o selênio.
A determinação da isoenzima CK‐MB como indicador
3.8. HORMÔNIOS
de dano no miocárdio em cães é útil por sua curta vida
Os hormônios são mensageiros específicos que regu‐
média.
lam funções do organismo. Classicamente têm sido
definidos como compostos químicos sintetizados por
3.7.2.8. Amilase, AMS, EC 3.2.1.1 e Lipase, LIP, EC
glândulas endócrinas e secretados ao sangue em
3.1.1.3
quantidades mínimas para serem transportados aos

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órgãos alvo, onde regulam processos bioquímicos liberação que é pulsátil e dependente da glicemia.
específicos. Quimicamente se distinguem os hormô‐ Seus valores devem ser determinados em jejum. A
nios peptídeos e proteicos (LH, FSH, ACTH, TSH, insuli‐ maioria dos mamíferos são muito flutuantes e variá‐
na, hormônios liberadores) e os esteroides (progeste‐ veis entre espécies: vacas de 0 a 36 pmol/L, e cães de
rona, prostaglandina, testosterona, estradiol, cortisol). 36 a 144 pmol/L, de modo que se requerem de valores
A determinação de hormônios em amostras de fluidos de referência para sua adequada interpretação. Nos
de animais, como o cortisol, T3 e T4, insulina e proges‐ cães com DM tipo 1 possuem valores de insulina dimi‐
terona, tem passado a constituir uma ferramenta nuídos, enquanto que os com DM tipo 2 suas concen‐
básica na prática da clínica veterinária, seja no diag‐ trações estão dentro dos intervalos de referência ou
nóstico de alterações endócrinas em animais de es‐ estão aumentadas.
porte ou de companhia, ou na avaliação de situações
de estresse e infertilidade em animais de produção. 3.8.2. Tiroxina (T4) e Triiodotironina (T3)
Devido sua baixa concentração nas amostras são ne‐ Os hormônios da tireoide T4 e T3 aumentam o metabo‐
cessárias técnicas de alta sensibilidade analítica, como lismo celular e estimulam o crescimento nos animais
radio imunoanálise (RIA), ensaio por imunoabsorção jovens. Induzem a síntese de proteínas associadas ao
ligado a enzimas (ELISA) ou eletroquimioluminiscência crescimento celular, fosforilação oxidativa e o trans‐
(EQL), técnicas que, ainda de custo elevado, entregam porte de eletrólitos através de membranas. O T4 é um
resultados com uma adequada precisão, CV menor a hormônio produzido pela glândula tireoide como res‐
10% e exatidão maior a 90%. Os resultados são ex‐ posta ao TRH, e o T3 é produzido a partir do T4 pela
pressos de acordo com o SI em nmol/L. Sua principal glândula tireoide e outros tecidos. Ambos encontram‐
limitação constitui a disponibilidade e custo dos reati‐ se no sangue em forma ligada a proteínas e na forma
vos para as diferentes espécies na medicina veteriná‐ livre.
ria, já que ao serem técnicas baseadas em imunoen‐ Indicação: diagnóstico e avaliação de terapia em hipo
saio nem sempre é factível utilizar os reativos desen‐ ou hipertireoidismo, primário ou secundário.
volvidos para medicina humana, devido a heterologia Amostra: soro, ou plasma com EDTA ou heparina.
entre espécies. Análises: imunoensaios comerciais validados para
Deve‐se considerar que a concentração de hormônios caninos, felinos, equinos e bovinos baseados em téc‐
em um indivíduo apresenta uma elevada variação nicas de RIA ou EQL que determinam T4 e T3 total ou T4
durante o dia, produzidos por alterações fisiológicas livre. A unidade empregada é o nmol/L (para T4 1µd/dL
associadas ao ritmo circadiano. Esta situação limita x 12,87 = 1 nmol/L, e para T3 1µg/dL x 0,015 = 1
dispor dos valores de referência bases e os limites nmol/L).
estabelecidos para uma espécie apresentam uma Interpretação: as concentrações séricas de T4 e T3
elevada variação produzido pela flutuação horária e total refletem a quantidade de hormônio que está
entre indivíduos de uma espécie. Este fato limita a sendo mobilizada no momento, a qual é basicamente
sensibilidade diagnóstica e, portanto, sua utilidade dependente de sua síntese, e deste modo pela função
clínica. Contudo, para melhorar sua sensibilidade utili‐ da tireoide. Seus valores na maioria dos mamíferos
zam provas de estimulação ou de inibição nas quais variam para T4 entre 13 a 56 nmol/L, e para T3 entre
logo de uma amostra basal administra‐se um fármaco 0,3 a 2,4 nmol/L, com diferenças entre espécies de
que estimula ou inibe sua liberação ao sangue, avali‐ modo que são necessários valores de referência para a
ando‐se sua variação as duas, quatro ou oito horas adequada interpretação. As condições mais frequen‐
posteriores. temente descritas que cursam com aumento ou dimi‐
nuição são:
3.8.1. Insulina
• T4 dentro do intervalo de referência permite
A insulina é um hormônio secretado pelas células β
descartar o hipotireoidismo;
das ilhotas de Langerhans do pâncreas em resposta ao
estímulo da glicose. Seus principais órgãos‐alvo são o • T4 diminuído suporta uma suspeita de hipoti‐
tecido adiposo, fígado e músculo, favorecendo o me‐ reoidismo primário ou secundário, ou por síntese
tabolismo de hidratos de carbono ao potencializar a inadequada em deficiências de iodo ou da inclusão de
captação celular da glicose. substâncias bocígenas na dieta de ruminantes;
Indicação: diagnóstico de insulinoma e diferenciação • T4 aumentado suporta uma suspeita de hiper‐
do tipo de diabetes mellitus (DM). tireoidismo (adenoma ou adenocarcinoma de tireoide
Amostra: soro. em caninos, felinos e equinos)
Análises: imunoensaios comerciais para humanos • T3 tem pouco valor diagnóstico na clínica
validados para canino e baseados em técnicas de ELI‐ veterinária de rotina.
SA, RIA ou EQL, que determinam insulina. A unidade
empregada é o pmol/L (1 mU/L x 7,175 = 1 pmol/L). 3.8.3. Cortisol
Interpretação: as concentrações séricas de insulina Os glicocorticoides, cortisol, cortisona e corticostero‐
refletem a quantidade de hormônio que está sendo na, são produzidos pelas células do córtex da adrenal
mobilizado no momento, sendo dependente de sua em resposta ao ACTH hipofisário liberado frente ao
estímulo do hormônio liberador, CRH, do hipotálamo.

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Sua secreção é pulsátil e manifesta um forte ciclo adenocarcinoma), estresse e de origem iatrogênico
circadiano regulado mediante retroalimentação que (administração de ACTH).
inibe a liberação de CRH. • Hipocortisolemia
Indicação: confirmar o diagnóstico de insuficiência É visto no hipoadrenocorticismo primário ou Addison,
adrenal e hiperadrenocorticismo adrenal ou hipofisá‐ e secundário a deficiência de ACTH, e por iatrogenia
rio (síndrome de Cushing). (cetoconazol, e posterior à terapia com corticoide).
Amostra: de preferência plasma com EDTA, podendo‐
se utilizar soro ou plasma com heparina. 3.8.4. Progesterona (P4)
Análises: o cortisol constitui o glicocorticoide detecta‐ A progesterona é um hormônio esteroide produzido
do por várias técnicas usadas nos laboratórios. Po‐ pelo corpo lúteo de modo que sua presença no sangue
dem‐se empregar as técnicas desenvolvidas para hu‐ está relacionada com o ciclo estral e a gestação.
manos, as que sejam baseadas em imunoensaios de Indicação: avaliação de gestação, e do ciclo estral em
RIA, ELISA ou EQL que devem ser validados para cada ruminantes, equinos e suínos.
espécie. A unidade empregada é o nmol/L (1µg/dL x Amostra: soro ou plasma. Em vacas pode‐se empregar
27,6 = 1 nmol/L). o leite.
Interpretação: a concentração plasmática de cortisol Análises: imunoensaios comerciais baseados em téc‐
reflete a quantidade de hormônio mobilizado no mo‐ nicas de RIA e ELISA que determinam P4. A unidade
mento, que é dependente de sua síntese, e assim da empregada é o nmol/L (1µg/dL x 3,25 = 1 nmol/L).
função adrenal. Seus valores, na maioria dos mamífe‐ Interpretação: alterações em sua concentração sérica
ros flutuam entre 10 a 240 nmol/L, com diferenças ou láctea permitem avaliar a atividade ovariana. A
entre espécies, sendo superior em cavalos, de modo diminuição após três semanas do parto indica reinicio
que são necessários valores de referência para sua do ciclo ovariano. Valores elevados sinalizam persis‐
adequada interpretação. As condições mais frequen‐ tência do corpo lúteo que é vista na gestação. Assim,
temente descritas que cursam com aumento ou dimi‐ em vacas com 21 dias de gestação sua concentração é
nuição são: maior a 6 nmol/L (comumente de 13 a 26 nmol/L)
• Hipercortisolemia comparado ao das vacas vazias onde é menor a 1,6
Observada no hiperadrenocorticismo pituitário ou nmol/L.
síndrome de Cushing, neoplasia adrenal (adenoma,

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