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Wittwer F & Noro M. COMPÊNDIO DE PATOLOGIA CLÍNICA VETERINÁRIA. Versão em Revisão. Tradução Miller, I.

Material divulgado com fim didático da disciplina de Patologia Clínica Veterinária, UNIPAMPA, 2º semestre 2014.

4. PROVAS DE FUNCIONALIDADE DE ÓRGÃOS E PERFIS BIOQUÍMICOS

4.1. Funcionalidade Hepática • Armazenamento


O fígado representa de 2,5 a 5,0% do peso vivo de um Os hepatócitos armazenam glicogênio, triacilglicerol, e
animal adulto, sendo o órgão encarregado de manter elementos como o ferro, cobre e vitaminas do com‐
a homeostasia metabólica do animal. Suas funções plexo B. Além de exercer uma função passiva no ar‐
fisiológicas são: mazenamento das vitaminas A, E, e K, mas ativa na
sua absorção.
• Síntese e Metabolismo de:
o Proteínas Atualmente existem diversas provas laboratoriais,
O fígado sintetiza a maioria das proteínas plasmáticas, fundamentalmente de bioquímica clínica, destinadas a
incluindo a albumina e diversas globulinas (α e β), com avaliar tanto a função como a integridade das células
exceção das imunoglobulinas. Dentro da síntese de hepáticas, assim como do sistema biliar. Estas estão
proteínas vale destacar a dos fatores da coagulação, indicadas para a avaliação de animais que apresentam
exceto o fator VIII e o cálcio. quadros clínicos com sinais de: dor abdominal, vômito,
icterícia, ascite, perda de peso, anemia de origem
o Carboidratos desconhecida ou queda na produção. Além de serem
Os hepatócitos removem a partir do sistema portal a empregadas na avaliação da hepatotoxicidade de
glicose absorvida no trato digestivo, e a armazena
drogas, principalmente em animais de experimenta‐
como glicogênio.
O fígado é o principal órgão com capacidade gliconeo‐ ção. Também são utilizadas em programas de controle
gênica nos animais e de importância fundamental nos preventivo da saúde de animais de produção, especi‐
herbívoros. almente de ruminantes, cujo requerimento energético
necessário para manter elevadas produções é baseado
o Lipídeos no aporte de glicose mediante a gliconeogênese. E
Os hepatócitos metabolizam os ácidos graxos, triacil‐ ainda como prognóstico em avaliação terapêutica,
gliceróis, colesterol e lipoproteínas. Removem lipopro‐
tecidual e de risco anestésico na cirurgia.
teínas e quilomícrons a partir do sistema porta e do
sangue. As provas laboratoriais não permitem o diagnóstico de
doenças específicas do fígado, apenas facilitam a de‐
o Vitaminas tecção e o controle das alterações estruturais e fun‐
Possui papel ativo na síntese da Vitamina D, e das cionais. Visam determinar a presença de alterações
vitaminas do complexo B. hepáticas através de:
• Lesão hepatocelular
• Excreção
• Colestase
Os hepatócitos transformam resíduos metabólicos a
• Diminuição do parênquima hepático
moléculas hidrossolúveis (bilirrubina) ou as degradam
(colesterol a ácidos biliares, amônio a ureia) permitin‐
4.1.1. Enzimas para Detectar Lesão Hepatocelular
do assim sua excreção via biliar, urinária ou intestinal
Lesões aos hepatócitos podem ser produzidos por
(função exócrina do fígado).
traumas, inflamação, neoplasia e drogas. Pode‐se
detectar a lesão a partir da atividade sanguínea de
• Biotransformação e desintoxicação
enzimas que são liberadas ao plasma pelas células
Os hepatócitos degradam metabólitos endógenos,
após poucas horas de danificadas. Estas provas permi‐
como o ácido úrico, amônia, hemoglobina e diversos
tem detectar a severidade da lesão, porém não preci‐
hormônios; e substâncias exógenas como fármacos e
sam se o dano é reversível ou se é de caráter difuso ou
tóxicos.
local. As enzimas mais utilizadas são ALT, AST. GMD e
SDH, as quais foram descritas no Capítulo 3.
• Ação do sistema mononuclear fagocitário
Os macrófagos do fígado removem do sangue células
4.1.1.1. Alanina aminotransferase, ALT
danificadas (eritrócitos, leucócitos, plaquetas) e medi‐
O aumento da atividade sanguínea da ALT é relativa‐
adores inflamatórios favorecendo a função de desin‐
mente específica e sensível em cães e gatos. Em her‐
toxicação.
bívoros sua utilidade é limitada por sua baixa atividade

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nos hepatócitos. A necrose muscular severa, assim toxicidade por ionóforos utilizados como anticoccidi‐
como o estresse ou a administração de drogas (corti‐ ostáticos.
coides, acetominofeno [gatos], barbitúricos, cetocona‐
zol, mebendazol, fenilbutazona, primidona, fenobarbi‐ 4.1.1.3. Glutamato desidrogenase, GMD
tal, nitrofurantoína, sulfonamidas, tetraciclinas e peni‐ A GMD é uma enzima específica para detectar lesão
cilina), ou a hemólise da amostra também aumentam de hepatócitos em todas as espécies. Em ruminantes,
sua atividade no sangue. Um aumento leve na ativida‐ bovinos e ovinos, encontra‐se em elevadas quantida‐
de plasmática da ALT pode ocorrer na congestão e na des no fígado, sendo um importante indicador de
lipidose hepática. necrose hepática ou colestase, aumentando sua ativi‐
Ainda que a magnitude do aumento da ALT não esteja dade plasmática proporcionalmente a magnitude da
correlacionada com a gravidade da enfermidade, esta lesão. Diferente da ALT, o aumento da GMD é apenas
aumenta acima de três vezes seu valor normal em leve em processos inflamatórios, como na hepatite e
hepatites tóxicas ou infecciosas, necrose celular, cola‐ cirrose, devido a sua localização mitocondrial. Aumen‐
gites e colangiohepatites, em obstruções de ducto tos aparentes são observados em doenças hepáticas
biliar e neoplasias. A ALT também aumenta na pan‐ causadas por agentes hepatotóxicos. Contudo, sua
creatite, devido a proximidade entre estes órgãos, o curta vida média limita sua sensibilidade. Normalmen‐
que poderia exercer um dano mecânico no fígado. Em te, sua resposta é mais rápida que a da GGT, retor‐
quadros de cirrose hepática podem‐se observar valo‐ nando a valores normais mais rapidamente.
res aumentados, ou ainda valores normais associados
com a substituição de hepatócitos por tecido fibroso. 4.1.1.4. Sorbitol desidrogenase, SDH
Após uma injúria tóxica se observa um aumento nos O SDH é uma enzima específica para diagnosticar
valores da ALT a 12 horas, alcançando seu máximo no lesão hepática por localizar‐se exclusivamente no
dia dois (vida média de 60 horas nos cães), e retor‐ citosol dos hepatócitos, sendo de maior utilidade em
nando a seu valor inicial em duas semanas. equinos e ruminantes, que nos cães e gatos. Sua ins‐
tabilidade na amostra constitui o principal limitante de
4.1.1.2. Aspartato aminotransferase, AST sua determinação, de modo que deve ser realizada
A determinação da AST sérica é empregada majorita‐ dentro de 12 horas após a obtenção da amostra. No
riamente em herbívoros considerada de média sensi‐ soro bovino perde 25% de sua atividade em uma se‐
bilidade, porém com uma baixa especificidade ao mana e no do equino se mantém apenas de um a dois
encontrar‐se em outros órgãos (músculo estriado, dias. Não podem ser utilizados anticoagulantes como
miocárdio). Em caninos e felinos apresenta um limita‐ o EDTA e o oxalato, já que estes quelam Zn+. Sua curta
do valor diagnóstico, devido a sua baixa quantidade no vida média, de oito a 12 horas, diminui sua sensibili‐
fígado, sendo basicamente de localização mitocondri‐ dade, apresentando um aumento plasmático após a
al, motivo pelo qual seu aumento é relacionado a lesão e retornando ao intervalo de referência em
severidade do dano hepático. A determinação de sua cerca de três dias. Em equinos é de utilidade no diag‐
atividade plasmática tem como limitante sua baixa nóstico de lesão hepatocelular aguda, e também em
especificidade, porém aumenta de forma marcada em ruminantes substituindo a GMD.
doenças agudas, enquanto que em hepatopatias crô‐
nicas seu aumento é leve. O aumento da AST posterior 4.1.2. Provas para Detectar Colestase
a lesões é rápido (seis a oito horas), com um retorno a Entende‐se por colestase a diminuição ou obstrução
normalidade em poucos dias, devido sua curta vida do fluxo ou excreção biliar, que pode ser intra ou extra
média (12 horas nos cães), o que limita sua utilização. hepática. Pode apresentar‐se como consequência de
Geralmente, existe uma relação direta entre o aumen‐ uma obstrução física do fluxo biliar (inflamação, infec‐
to de sua atividade plasmática com a severidade da ção, neoplasia ou colelitíase) ou por alteração metabó‐
lesão celular, estando aumentada em casos de hemó‐ lica (hepatotoxicidade, sepse, defeitos hereditários ou
lise, como efeito do exercício físico intenso, lesão o jejum em equinos). Animais com dano hepatocelular
muscular, necrose muscular por deficiência de vitami‐ também apresentam colestase em função do aumento
na E e selênio. Para diferenciar a origem muscular ou do tamanho dos hepatócitos. Pode‐se diagnosticar
hepática da lesão determina‐se a atividade da CK, a mediante análises que determinam a atividade sérica
qual aumenta em dano muscular e não na lesão hepá‐ das enzimas localizadas nos canalículos biliares e sinu‐
tica. Em aves e outros animais, a AST pode indicar soides hepáticos como ALP e GGT, e a concentração

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sérica de componentes excretados pela bile, como a ovinos após exposição a esporodesmina. Em gatos,
bilirrubina. diferente do que ocorre em cães, a GGT pode ser
utilizada com maior sensibilidade e especificidade que
4.1.2.1. Fosfatase Alcalina, ALP a ALP para problemas hepáticos. Em cães a adminis‐
A atividade sérica da ALP aumenta por indução em tração de prednisolona aumenta sua atividade plas‐
animais com colestase, sendo uma prova de alta sen‐ mática. Em animais recém‐nascidos a GGT aumenta
sibilidade em cães, mas não para gatos, cavalos e acima de 25 vezes o limite superior de referência em
ruminantes. Sua especificidade é limitada, já que au‐ função da absorção de GGT do colostro.
menta em neoplasias ósseas assim como por indução
em resposta a administração de barbitúricos e aos Para interpretar um perfil enzimático hepático deve‐se
corticoides endógenos e exógenos (especialmente em considerar o tempo de resposta e vida média das en‐
cães). Quanto maior o grau de obstrução biliar, maior zimas, e espécie do paciente, o que entrega padrões
a atividade da ALP detectável no plasma. Os maiores ou perfis diferentes de acordo com danos do tipo
aumentos são indicativos de colangites, cirrose biliar agudo ou crônico (Figura 4.1).
ou obstrução biliar. A administração de corticosteroi‐
des eleva em 10 vezes sua atividade plasmática. En‐ A 100
quanto que doenças que afetam as células do parên‐
80 ALT
quima hepático (infecções hepáticas, tóxicos, necrose)

Atividade relativa
AST
produzem um aumento leve e transitório em sua ati‐ 60 ALP
vidade plasmática. O aumento da ALP em cães ocorre
40
aproximadamente após 24 horas da obstrução do
ducto biliar, encontrando‐se 30 a 40 vezes acima do 20
limite de referência quatro a sete dias após a obstru‐
0
ção (Figura 3.3). A atividade sérica da ALP é maior em 0 2 4 6 8 10 12 14
animais jovens que em adultos, diminuindo com o B 100
Dias

fechamento epifisário. Cães de um mês podem apre‐


80 AST
sentar atividade plasmática 10 vezes superior e potros
Atividade relativa

ALT
recém‐nascidos podem apresentar um aumento de 60 γGT
até 300% sobre o limite de referência, devido a pre‐
sença de ALP na placenta. Outros fármacos que pro‐ 40

duzem aumento da atividade sérica de ALP são: cefa‐ 20


losporinas, fenobarbital, fenotiazina, fenilbutazona,
tetraciclinas, tiabendazol e halotano. 0
0 2 4 6 8 10 12 14
Dias
C 100
4.1.2.2. Gama glutamiltransferase, GGT
A GGT localiza‐se nas células do epitélio biliar. A ativi‐ 80
Atividade relativa

dade basal da GGT hepática é muito baixa em cães, 60 AST


gatos e ratos comparada com a de ruminantes, equi‐ ALT
nos e porcos‐da‐índia. Sua atividade sérica aumenta 40 γGT
em ruminantes e equinos com quadros de colestase. 20
Em ruminantes e equinos a GGT é mais específica para
diagnosticar colestase que a ALP. Em geral, por sua 0
0 2 4 6 8 10 12 14
especificidade e sensibilidade tende‐se a utilizar a Dias

determinação da GGT, exceto em caninos já que seu


aumento é muito leve, determinando‐se assim a ALP.
Figura 0.34. Cinética enzimática em um canino (A) e
Em gatos apresenta maior sensibilidade que a ALP
vaca (B) com lesão hepática aguda e vaca com colesta‐
para determinar doenças hepatobiliares, exceto a
se persistente (C).
lipidose hepática. A GGT aumenta cerca de seis sema‐
nas após a infestação por Fasciola hepatica em bovi‐
4.1.2.3. Bilirrubina ou Bilirrubinemia
nos. Um aumento na atividade plasmática de GGT
A bilirrubina corresponde ao produto final do catabo‐
também ocorre na lipidose hepática em vacas, e em
lismo da hemoglobina. A hemólise associada à renova‐

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ção fisiológica dos eritrócitos libera hemoglobina que 1. Pré‐hepática pela liberação da bilirrubina em altas
é transformada em bilirrubina e transportada no san‐ concentrações: ocorre pelo aumento no aporte de
gue unida a albumina (bilirrubina não conjugada ou bilirrubina ao fígado que sobrecarrega sua capaci‐
indireta) até o fígado, onde é captada pelos hepatóci‐ dade de conjugação, principalmente associada a
tos, conjugada com o ácido glicurônico (bilirrubina quadros hemolíticos intravasculares, culminando
conjugada ou direta) e excretada no sistema biliar e com aumento de bilirrubina não conjugada com
parte no sangue. urobilinúria e fezes escuras.
A determinação da bilirrubina em amostras de soro ou 2. Hepática, por deficiência na conjugação: são pro‐
plasma (bilirrubinemia), livre de hemólise e protegida duzidos por uma baixa capacidade enzimática do
da luz, é realizada determinando‐se a concentração da fígado e consequente aumento da bilirrubina con‐
bilirrubina total (bilirrubina conjugada + não conjuga‐ jugada, principalmente por causas tóxicas e infec‐
da), ou ainda apenas da bilirrubina conjugada, e medi‐ ciosas.
ante diferença a não conjugada, sendo a determina‐ 3. Pós‐hepática pela diminuição na excreção: são
ção de bilirrubina total a forma mais utilizada na vete‐ ocasionados por obstrução dos canalículos biliares,
rinária. gerando colestase e acúmulo de bilirrubina conju‐
O aumento da bilirrubina não conjugada é visto na gada, esteatorrea, fezes claras e bilirrubinúria mar‐
hemólise intravascular (hiperbilirrubinemia pré‐ cada.
hepática) e em uma diminuída capacidade de captar e
conjugar a bilirrubina em função de lesão de hepatóci‐ 4.1.2.4. Ácidos Biliares (AB)
tos. Quadros infecciosos com septicemia também Os AB são sintetizados no fígado a partir do colesterol,
produzem uma diminuição na captação da bilirrubina. logo são conjugados e excretados pelos condutos
Aumentos na bilirrubina conjugada em cães e gatos biliares como sais ao trato digestivo, onde solubilizam
ocorrem em casos de colestases, intra ou extra hepá‐ os lipídeos facilitando sua digestão no intestino. A
ticas, assim como pela diminuída capacidade de captar maioria dos AB são reabsorvidos e transportados via
e conjugar bilirrubina por lesão nos hepatócitos. porta ao fígado para ser reciclados (circulação entero‐
Os equinos possuem fisiologicamente concentrações hepática). Suas concentrações sanguíneas são muito
altas de bilirrubina, principalmente a indireta, que em variáveis, devido a ingestão de alimentos, de modo
casos que anorexia ou jejum aumenta ainda mais em que a amostra de soro ou plasma de caninos e felinos
razão da menor capacidade de captação por parte dos deve ser obtida duas horas pós‐prandial e em equinos
hepatócitos. é independente do tempo de ingestão considerando a
Os ruminantes pelo contrário apresentam fisiologica‐ ausência da vesícula biliar.
mente concentrações baixas de bilirrubina e na maio‐ O aumento da concentração plasmática de AB apre‐
ria das afecções hepáticas seu aumento é leve, já que senta‐se pela menor remoção portal em animais com
a hiperbilirrubinemia só é vista nos estados terminais, colestase, perdas de parênquima hepático e com co‐
de modo que sua determinação é de baixa sensibilida‐ nexões porta‐sistêmicas.
de nessas espécies.
O acúmulo de bilirrubina no sangue e tecidos é conhe‐ 4.1.3. Provas para Detectar Diminuição do Parênqui‐
cido como icterícia, a que é reconhecida pelo plasma ma Hepático
com cor amarelada (maior a 40 µmol/L). Assim, a in‐ Uma redução na capacidade funcional do fígado ocor‐
tensidade da cor amarela de uma amostra de soro ou re em função de lesões hepatocelulares, fibrose e
plasma é denominada “índice ictérico”, que em casos atrofia hepática. Dentro das provas utilizadas para
de hiperbilirrubinemia está aumentada. Estimado avaliar o parênquima hepático são consideradas a
comparando‐se visualmente a intensidade do tom capacidade de captar, conjugar e excretar bilirrubina e
amarelo da amostra em relação a um padrão, conside‐ ácidos biliares ou a síntese de proteínas como a albu‐
rando‐se normal um tom amarelo mais suave. Em mina. Contudo, o fígado possui uma grande capacida‐
herbívoros, os carotenos das forragens colorem o de de regeneração e reserva funcional, de modo que é
plasma de amarelo, de modo que se considera como necessária uma perda maior a 70% de seu parênquima
fisiológico uma tonalidade de amarelo a alaranjado para ser detectada mediante análises bioquímicas
leve. sanguíneas. Em geral, corresponde a quadros avança‐
A hiperbilirrubinemia com icterícia pode ser classifica‐ dos de enfermidade aos quais a atividade sérica das
da em função de sua origem como: enzimas pode estar dentro dos limites de referência.

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Sua avaliação é realizada mediante a determinação
dos analitos: 4.1.4. Provas Complementares

4.1.3.1. Bilirrubina total e Ácidos Biliares Sanguíneos 4.1.4.1. Hemograma


De acordo com o descrito anteriormente. Animais com perda crônica do parênquima hepático
cursam com anemia não regenerativa e com eritróci‐
4.1.3.2. Albumina tos pequenos (micrócitos) e com projeções irregulares
A albumina é sintetizada pelos hepatócitos, para então (acantócitos).
circular no sangue com uma vida média de duas se‐
manas. Sua concentração sérica diminui em animais 4.1.4.2. Urinálise
com doença hepática severa crônica, como em disto‐ Animais com hiperbilirrubinemia pré‐hepática, hepáti‐
matose ou seneciose. Sua sensibilidade é baixa, seme‐ ca ou pós‐hepática cursam com bilirrubinúria que é
lhante a sua especificidade, já que também está dimi‐ facilmente detectada ao exame químico de urina.
nuída em animais caquéticos e naqueles que perde‐ Contudo, também é detectada em alguns caninos sem
ram albumina por hemorragias, inflamações digestivas alterações hepáticas. Da mesma forma, nestes animais
e dano renal (ver 3.4.2). é possível observar ao exame microscópico cristais de
A diminuição da albuminemia também ocorre em bilirrubina, que são facilmente reconhecidos por sua
fêmeas prenhes e animais afetados pelo estresse caló‐ forma e cor amarela.
rico, ao aumentar a atividade adrenal e o catabolismo
proteico. E pelo contrário, a desidratação produz um 4.1.4.3. Citodiagnóstico
aumento relativo da albuminemia, fatores que devem Essa técnica permite analisar células hepáticas extraí‐
ser considerados na interpretação dos resultados. das mediante a punção com uma agulha fina e a aspi‐
ração com seringa (ver Capítulo 6). Sua observação
4.1.3.3. Tempo de Protrombina (TP) microscópica permite reconhecer alterações celulares
O fígado sintetiza os fatores da coagulação I (fibrino‐ como a degeneração gordurosa em bovinos, conside‐
gênio), I (protrombina), V, VII, IX, e X, que determinam rando‐se como aceitável menos de 25% de células
a capacidade do sangue para coagular, estes estão com lipidose, esta definida pela presença de vacúolos
diminuídos em animais com disfunção hepática. A de lipídios intracitoplasmáticos. Sua limitação é dada
determinação do TP é realizada em uma amostra de pelas dificuldades na obtenção de uma amostra e pelo
plasma citratado observando‐se um aumento (maior a fato de muitas alterações serem focais.
112 segundos) em cães com perda de no parênquima
hepático (ver em 2.4.4. Avaliação da Hemostasia [p. ]). 4.1.4.4. Histopatologia
A biopsia tem limitações similares a da punção, sendo
4.1.3.4. Outras provas necessário um volume maior de tecido, o que limita
Animais com uma elevada perda do parênquima hepá‐ seu uso na prática veterinária.
tico apresentam alteração na homeostasia da glicose,
com hipoglicemia associada a diminuição da reserva 4.1.5. Interpretação das Provas Hepáticas
de glicogênio e a depuraçãode insulina, e eventual‐ Um resumo das alterações descritas nos analitos bio‐
mente, na gliconeogênese. químicos sanguíneos de animais com alterações hepá‐
O fígado desintoxica a amônia, transformando‐a em ticas encontram‐se na Tabela 4.1.
ureia, de modo que em casos de uma funcionalidade As principais limitações na avaliação e interpretação
deficiente do fígado produz‐se hiperamonemia, prova da função hepática são:
que não é de uso rotineiro devido as dificuldades téc‐ • As diferenças entre espécies, principalmente entre
nicas analíticas e de manejo da amostra. ruminantes, equinos e caninos e felinos.
Os hepatócitos metabolizam os ácidos graxos, triacil‐ • A grande capacidade de reserva funcional hepáti‐
gliceróis, colesterol e lipoproteínas, e removem lipo‐ ca, de modo que mudanças na concentração de
proteínas e quilomícrons a partir do sistema portal e marcadores são observadas somente nos estados
do sangue, de modo que os animais com colestase e avançados das doenças, situação que limita a sen‐
diminuição da funcionalidade hepática apresentam sibilidade diagnóstica da maioria das provas.
um aumento nas concentrações sanguíneas de coles‐ • A limitada especificidade de alguns analitos como a
terol e de lipídios (ver em 3.3.2.). AST, albumina e bilirrubina.

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Tabela 0.1. Achados nos exames bioquímicos sanguíneos, urinálise e na hematologia associados a lesão ou
insuficiência hepática.
Alteração Lesão hepático Patogenia
Bioquímica sanguínea
⇑ ALT, AST, GMD, SDH Lesão hepatocelular ⇑ liberação celular
⇑ALP e GGT Colestase e hiperplasia biliar ⇑ indução de ALP y GGT
⇑ Bilirrubinemia Colestase e ⇓ massa funcional ⇓ captação, conjugação e excreção
⇑ Ácidos biliares Colestase e ⇓ massa funcional ⇓ captação, conjugação e excreção
⇓ Albuminemia e proteinemia ⇓ Massa funcional ⇓ síntese
⇑ Lipemia ⇓ Massa funcional ⇓ clearance lipoproteína
⇑ Colesterolemia Colestase ⇑ síntese e ⇓ clearance lipoproteína
⇓ Glicemia ⇓ Massa funcional ⇓ glicogênio, gluconeogênese e clearance de insuli‐
na
⇑ Amonemia ⇓ Massa funcional ⇓ síntese de ureia
Urina
Bilirrubinuria e cristais de bilirrubina Colestase Inadequada excreção
Cristais de urato ⇓ Massa funcional ⇓ conversão ácido úrico a alantoína
Prolongado TTPa* ou TP** Colestase ⇓ absorção vitamina K
⇓ Massa funcional ⇓ síntese de fatores de coagulação e clearance de
PDF
Hematológicos
Codócitos ⇓ Massa funcional Altera metabolismo de lipídios
Anemia Injuria hepato celular Inflamação
⇓ Massa funcional Altera metabolismo de proteínas
Microcitose ⇓ Massa funcional ⇓ Produçao de transferrina
*TTPa: Tempo de tromboplastina parcial ativada; **TP: tempo de protrombina.

Na Tabela 4.2 encontram‐se as alterações esperadas zimas pancreáticas, observando‐se hiperlipasemia e


em um perfil bioquímico sanguíneo frente a alguns hiperamilasemia. Além disso, no hemograma destes
tipos de doenças hepáticas, devendo‐se ter em consi‐ animais vê‐se um leucograma de estresse (neutrofilia
deração as diferenças entre as distintas espécies ani‐ sem ou com leve desvio a esquerda, eosinopenia,
mais. linfopenia) e monocitose, e hipocalcemia leve.

Tabela 0.2. Mudanças de indicadores bioquímicos em 4.2.1.2. Insuficiência pancreática exócrina, IPE
animais com diversas alterações hepáticas. A IPE é uma condição observada em cães e gatos ca‐
Alteração AST, ALT, GGT, Bilirrubina e Albumina
GMD, SDH ALP ácidos biliares racterizada por uma inadequada secreção pancreática,
Necrose hepá‐ Na Na N com digestão incompleta dos alimentos e absorção
tica massiva
Necrose hepá‐ Na N N
inadequada. Reconhece‐se como causas a pancreatite
tica focal aguda e crônica, e a obstrução do conduto pancreáti‐
Colestase Na Na N
co. Em alguns casos cursa com hiperlipasemia e hiper‐
Fibrose hepáti‐ Na Na Na† lipemia, e pode cursar com hiperglicemia por hipoin‐
ca crônica
Neoplasias Na Na Na Na†
sulinismo. As fezes apresentam esteatorreia (gordu‐
ras), creatorreia (fibras musculares), mau odor e vo‐
lumosas. Uma prova utilizada frequentemente por sua
4.2. FUNÇÃO PANCREÁTICA EXÓCRINA simplicidade e baixo custo, ainda que com limitações
O pâncreas exócrino produz as enzimas tripsinogênio, de sensibilidade e especificidade, é a “digestão de
lipase e α‐amilase, que via colédoco são levadas ao gelatina” que avalia a tripsina fecal, enzima que fre‐
intestino permitindo a digestão de proteínas, lipídeos quentemente está diminuída ou ausente em animais
e amidos. As alterações mais frequentes do pâncreas com pancreatite crônica. Para isso preparam‐se dilui‐
exócrino são a pancreatite aguda e crônica e a insufi‐ ções seriadas de fezes em solução de bicarbonato a
ciência pancreática exócrina (Tabela 4.3). 5% que são colocadas em contato com gelatina, a
mesma deve ser digerida pela tripsina após incuba‐
4.2.1.1. Pancreatite çãoa 37ºC. Em animais com IPE esta prova é negativa a
A pancreatite ocorre em cães e gatos, que cursam com diluições 1:40 e até mesmo 1:10. Pode‐se ao examinar
sinais de anorexia, vômitos, febre e dor abdominal. microscopicamente as fezes observar grânulos de
Ocorre em função da inflamação produzida pelas en‐

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amido (colocação com lugol) e de lipídeos (Sudam III) secretada ao trato digestivo, e é liberada no sangue
em animais com esta doença. onde junto a tripsina são determinados mediante uma
A prova mais sensível e específica para diagnosticar a técnica imunométrica. É uma técnica específica, de
IPE (substituindo o teste de digestão de gelatina) é a modo que são necessários reativos específicos para
determinação da “Tripsina sérica imuno reativa” “TLI” cada espécie animal. Seu valor se encontra diminuído
que corresponde a uma pequena quantidade de trip‐ em cães com IPE e aumentado em gatos com inflama‐
sinogênio que em condições normais de saúde não é ção pancreática.

Tabela 0.3. Diferenças analíticas entre pancreatite e insuficiência pancreática exócrina.


Exame Pancreatite Insuficiência pancreática exócrina
Enzimas lipase e amilase (> 4x) Lipase e amilase
Glicose N ou
Lipídios Absorção N ou † †
Lipemia (jejum) Presente Ausente
Fezes Pode conter gordura e proteínas não dige‐ Pálidas, fétidas, moles, com gordura e proteínas não
ridas digeridas
Presença de tripsina Tripsina ausente
Outros amilase urinária Glicosúria
ureia e creatinina Curva glicêmica alterada
colesterol ou N colesterol
Leucocitose por neutrofilia Leucocitose por neutrofilia ou N
N= normal
4.3.2. Prova de Absorção de Lipídeos
4.3. AVALIAÇÃO DA DIGESTÃO E ABSORÇÃO INTES‐ A prova de absorção de gorduras ou de turbidez do
TINAL plasma permite avaliar a capacidade do intestino para
A presença de diarreia, vômitos ou perda de peso são digerir e absorver lipídeos, empregando‐se em ani‐
sinais que sinalizam a presença de um transtorno mais com suspeita clínica de problema em sua diges‐
digestivo. Contudo, não sinalizam uma enfermidade tão ou absorção. A administração oral de lipídeos
ou causa definida, de modo que a informação entre‐ (óleo de milho, 3 mL/kg peso vivo) produz lipemia em
gue por alguns analitos permite ajudar a avaliação cães e gatos, a qual é reconhecida pela cor leitosa do
clínica de um paciente, especialmente em precisar um plasma pós‐centrifugação em amostras de sangue
diagnóstico ou ainda em estabelecer sua causa. obtidas previamente e após uma, duas e quatro horas
de sua administração. Para sua avaliação determina‐se
4.3.1. Sangue Oculto nas Fezes a turbidez empregando uma amostra coletada previ‐
Pode ser produto da perda de sangue no trato gastro‐ amente como controle. Em animais normais observa‐
intestinal, de até 50% do volume sanguíneo sem que se uma turbidez crescente até as quatro horas, en‐
se observem alterações marcadas nas características quanto que naquelas com digestão ou absorção defi‐
físicas das fezes. A prova para sangue oculto permite ciente é mínima ou ausente.
detectar a presença de sangue nas fezes a concentra‐
ções 50 vezes menores que a detectada a olho nu. É 4.3.3. Prova de Absorção de D‐xilose
uma prova realizada facilmente com um mínimo de Esta prova avalia a capacidade de absorção de monos‐
equipamento que detecta a atividade da peroxidase sacarídeos por parte do intestino, sendo principalmen‐
da hemoglobina. te empregada em cães e cavalos, não sendo indicada
Recomenda‐se realizar esta prova em animais com em gatos. A prova é realizada com o animal em jejum
quadro digestivo agudo ou crônico de origem desco‐ de 18 a 24 horas, para então administrar por via oral
nhecida, e que cursam com diarreia ou com fezes uma solução a 10% de D‐xilose em doses de 0,5 g/kg
pastosas, e em animais com anemia microcítica. E peso vivo para cães e 1 g/kg peso vivo para cavalos.
ainda para pacientes com risco de hemorragia digesti‐ Amostras de sangue obtidas previamente (zero minu‐
va devido a tratamento com drogas ulcerogênicas, to) e após a administração (90 e 180 minutos em cães;
como os antiinflamatórios não esteroidais ou com e 90, 120 e 180 minutos em cavalos). A concentração
histórico de tumores digestivos. sérica de D‐xilose após sua administração deve alcan‐
çar valores maiores a 4,0 mmol/L em cães e 1,33

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mmol/L em cavalos com adequada capacidade de de LRum. É o procedimento mais utilizado para o di‐
absorção, enquanto que a ausência da resposta sugere agnóstico de acidose subaguda, sendo uma técnica
uma má absorção. invasiva, porém com um baixo risco ao ser realizada
por um profissional treinado. A ruminocentese caudo‐
4.4. FUNÇÃO RUMINAL ventral é realizada puncionando‐se o flanco esquerdo
O líquido ruminal (LRum) constitui uma parte impor‐ 15 a 20 cm caudoventral a última articulação coxo‐
tante do animal sem ser parte do mesmo, já que ana‐ condral em uma linha traçada até a patela (Figura 4.2
tomicamente se localiza dentro da cavidade ruminal e A).
portanto fora do organismo. Por isso o consideramos
como um complexo ecossistema composto por mi‐
crorganismos e água na qual se encontra em solução
amônia e ácidos graxos voláteis (acético, propiônico e
butírico) assim como outros metabólicos derivados do
metabolismo do grande número de bactérias e proto‐
zoários em suspensão neste fluido. Este líquido se
mistura com o alimento ingerido pelo animal, que
serve de substrato para a atividade metabólica da
flora ruminal, deste modo é o principal fator determi‐
nante de sua composição.
O objetivo do exame do LRum é estabelecer as carac‐
terísticas físicas, químicas e microscópicas em amos‐
tras frescas, a fim de obter informações de interesse
clínico destinadas a estabelecer a funcionalidade do
rúmen e especialmente avaliar os estados de acidose
ruminal associados a alimentação com concentrados.
Deste modo, sua análise é indicada quando há evidên‐
cias clínicas de alterações digestivas associadas even‐ Figura 0.35. Ruminocentese em vacas. A) ventral; B)
tualmente a uma disfunção ruminal de caráter orgâni‐ dorso‐medial.
co, ou principalmente produzidas pela dieta, como
quadros de acidose aguda e subaguda, alcalose rumi‐ A ruminocentese dorso‐medial é realizada puncionan‐
nal e a inatividade ruminal simples. do‐se um ponto ventral na fossa paralombar esquerda
(Figura 4.2B). O ideal é trabalhar com os animais os e
4.4.1. Obtenção da Amostra imobilizados em uma mangueira e o operador locali‐
A amostra de LRum deve ser de 5 a 20 mL, sendo obti‐ zado no lado esquerdo. Localizada a zona faz‐se a
da mediante ruminocentese nas zonas caudoventral tricotomia e desinfecção cirúrgica e então se punciona
ou dorsoventral, ou ainda mediante sonda ororuminal. com uma agulha 14G ± 10 cm atravessando primeiro a
A obtenção com sonda é realizada utilizando‐se um pele, músculos, peritônio e em seguida o rúmen. Após
tubo plástico ou de borracha de 2,3 m de comprimen‐ introduzir a agulho no rúmen, a mesma deve ser dire‐
to e 1,0 cm de diâmetro, que é introduzido por via cionada ventralmente. Aspira‐se ± 5mL de amostra
oral, e a fim de evitar mordidas deve‐se utilizar um com um seringa de 10 mL e logo se retira a agulha,
abre boca ou espéculo. Existem equipamentos com mantendo uma leve pressão negativa na seringa. A
proteção metálica e bombas aspirantes, como o de agulha frequentemente obstrui‐se com o conteúdo
Dirksen e o de Sorensen‐Schambie. Os principais in‐ ruminal devendo ser desobstruída introduzindo‐se um
convenientes desta técnica é a contaminação com pouco de ar; da mesma forma, deve‐se evitar um
saliva, a qual flutua entre dois a 30% aumentando o excesso de pressão negativa que liberará CO2 do LRum
pH de 0,6 a 1,7 pontos, destruindo a flora e fauna aumentando artificialmente o pH.
ruminal; e a variabilidade do lugar no rúmen do qual Com este procedimento obtêm‐se facilmente ± 3 – 8
se aspira a amostra de LRum. Sua vantagem é a possi‐ mL de LRum, livre da contaminação com saliva e aon‐
bilidade de obtenção de grandes volumes de LRum. de pode‐se determinar imediatamente o pH. No caso
A ruminocentese consiste em puncionar com uma de ser necessário enviar a amostra a um laboratório
agulha o saco ventral do rúmen e obter uma amostra deve manter‐se a mesma na seringa, eliminando com‐
pletamente o ar do interior e selando a entrada da

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seringa para evitar seu ingresso. Desta forma e man‐ 7,5 no LRum indica alcalose ruminal que é vista em
tendo‐se em cadeia de frio, o pH é estável até 10 ho‐ casos de indigestão simples pela elevada ingestão de
ras após a punção. forragens de baixa qualidade, alto consumo de proteí‐
nas degradáveis e putrefação do alimento ingerido.
4.4.2. Análise do Líquido Ruminal
Realiza‐se mediante exames físico, químico e micros‐ 4.4.2.2. Químico (TRAM)
cópico: • Tempo de redução do Azul de Metileno
(TRAM)
4.4.2.1. Físico (cor, odor, sedimentação, consistência e Entrega informação sobre a capacidade redutora da
pH) flora ruminal. Incuba‐se 2,5 mL a 37°C com 0,125 mL
de azul de metileno 0,03%. Uma atividade normal da
• Cor: flora bacteriana ruminal permite retornar a sua cor
Nos animais em pastoreio o LRum é verde, e com o original entre três a seis minutos em animais alimen‐
uso de concentrado ou feno adquire uma cor marrom. tados com forragens, um TRAM mais prolongado é
Uma coloração cinza leitosa indica sobrecarga por proporcional ao grau de inatividade.
grãos com acidose, e uma cor enegrecida sugere reflu‐
xo abomasal ou putrefação da ingesta por excesso de 4.4.2.3. Microscópico (protozoários e bactérias)
proteínas. • Protozoários
Observa‐se ao microscópio (100x) uma gota de LRum
• Odor analisando os protozoários em relação a quantidade,
O LRum possui aroma penetrante, similar ao de sila‐ tipo (grandes, médios e pequenos) e vitalidade (vi‐
gem em vacas saudáveis. Caso ocorra inatividade da vos/mortos em %). A inatividade diminui seu número:
flora ruminal possui odor mais suave e indiferenciado. primeiro os grandes, depois os médios e finalmente os
Um odor ácido forte é visto na acidose ruminal, e um pequenos. Sua vitalidade diminui em amostras após
odor rançoso pútrido na putrefação proteica. uma hora da obtenção e ao diminuir a temperatura.

• Sedimentação • Bactérias
Ao deixar‐se o LRum em repouso em um tubo as partí‐ O conteúdo bacteriano do LRum é de 107 a 1012/g que
culas pequenas sedimentam dentro de quatro a oito pode se agrupado em bactérias que degradam a celu‐
minutos, formando um sedimento de 20 a 40% da lose, amido ou açúcares, as que formam ácidos lático,
amostra. Em casos de inatividade ruminal a sedimen‐ propiônico ou butírico e as proteolíticas. O exame de
tação é mais rápida. Este exame não é realizado em um esfregaço corado com gram é de utilidade clínica
amostras obtidas por ruminocentese. ao observar‐se a relação de bactérias Gram +: Gram ‐,
e suas formas. Em um animal sadio alimentado com
• Consistência uma dieta baseada em forragens e concentrado há
O LRum é levemente viscoso. Em casos de inatividade uma população muito heterogênea de bacilos e cocos
torna‐se aquoso, e em quadros de timpanismo espu‐ gram positivos e gram negativos. Nas alterações rumi‐
moso apresenta abundante espuma. A contaminação nais vê‐se o predomínio de um tipo de bactéria, como
com saliva torna a amostra viscosa. ocorre na acidose com proliferação de cocos e bacilos
gram positivos e posteriormente um predomínio de
• pH Lactobacillus (bacilos curtos gram positivos).
Sua determinação constitui a prova mais valiosa para
avaliar estados de acidose ou alcalose ruminal nos 4.4.3. Interpretação dos Resultados
rebanhos. A amostra deve ser obtida mediante rumi‐ A interpretação do exame de LRum permite estabele‐
nocentese para evitar‐se a contaminação por saliva. cer o estado de saúde ou alteração do conteúdo rumi‐
Sua determinação é realizada com um pHmetro portá‐ nal, associado a alterações produzidas pela dieta.
til, considerando normal um pH de 5,6 a 7,0. Um valor Assim podemos distinguir um fluido de um animal
menor ou igual a 5,5 indica acidose ruminal subaguda. sadio, de um com indigestão simples, acidose aguda
O diagnóstico de acidose ruminal subaguda (SARA) em ou crônica, alcalose e putrefação do alimento ingeri‐
um rebanho é realizado ao obter‐se 25% ou mais de do, cujas características são descritas na Tabela 4.4.
vacas com pH menor ou igual a 5,5. Um pH de 7,0 a

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Tabela 0.4. Características diferenciais do líquido ruminal nos transtornos do rumen.


Parâmetro Saudável Indigestão sim‐ Acidose aguda Acidose Alcalose Putrefação
ples crônica
Cor Verde a café Café esverdeado Leitoso Café Café esverdeado Negro esverdeado
Odor Aromático Mofo Ácido forte Ácido Amoniacal Fezes pútridas
Viscosidade Viscoso leve Aquoso Aquoso Viscoso leve Variável Pastoso
Sedimentação 4a8 <3 <3 <3 Variável Ausente
(min)
pH 5,6 a 7,0 6,8 a 7,5 <5 <5,6 7,0 a 8,5 7,5 a 8,5
TRAM (min) <6 >8 >8 <3 >8 >8
Protozoários 200 a 400 < 100 Ausente Variável 50 a 150 < 50
(x1.000/mL)
Gram Misto, leve pre‐ Misto, predomí‐ Predomínio Predomínio Misto, predomí‐ Misto, predomínio
domínio Gr‐ nio Gr‐ bacilos Gr+ cocos Gr+ nio Gr‐ Gr‐

4.4.4. Diagnóstico de Acidose Ruminal Subaguda iguais a 5,5 são considerados anormalmente baixos;
(SARA) mediante o pH do Líquido Ruminal entre 5,6 a 5,8 são marginais; e maiores ou iguais a 5,9
A determinação do pH do LRum em amostras obtidas adequados. Estabelece‐se um diagnóstico positivo
mediante ruminocentese é o único avaliador direto do para a acidose subaguda quando a porcentagem de
grau de acidose ruminal em um rebanho. vacas com pH menor ou igual a 5,5 for maior ou igual a
As amostras devem ser obtidas duas a quatros horas 25%, para que ações corretivas sejam adotadas (Tabe‐
após a alimentação com concentrado ou quatro a seis la 4.5).
horas se são utilizadas rações totais misturadas (TMR,
RTM). Para animais alimentados com pastagem reco‐
menda‐se obter as amostras após a ordenha da tarde, Tabela 0.5. Interpretação do pH de amostras de
período do dia onde são observados os valores mais líquido ruminal obtidas mediante ruminocentese em
grupos de vacas em periodo de transição pós‐parto
baixos do pH.
(<20 dias de lactaçao) e no pico de lactação (50 a 120
O procedimento em um rebanho leiteiro consiste em dias de lactação.
avaliar o pH do LRum de grupos de pelo menos oito Vacas
animais cada um. Um grupo de vacas até 20 dias de 50 – 120 dias de lactação
+ ‐
lactação (grupo em transição pós‐parto), e outro gru‐
po entre 45 a 150 dias de lactação (pico lactação). Não +
Problemas da ração Problema no
Vacas e/ou em periparto periparto
devem ser amostradas vacas no pré‐parto pelo risco < 21 dias Problema da ração Rebanho normal

de puncionar‐se o útero. Valores de pH menores ou lactação
+: ≥ 25 % das vacas com pH ≤ a 5,5

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