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GINZBURG, Carlo, 1939.

O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um


moleiro perseguido pela inquisição/ Carlo Ginzburg; tradução: Maria Betânia
Amoroso; tradução dos poemas José Paulo Paes; revisão técnica Hilário Franco Jr. –
São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Gislaine dos Santos Nunes

O QUEIJO E OS VERMES

O autor Ginzburg relata a história de um moleiro, Domenico Scandela,


conhecido como Menocchio, no início do século XVI, em pleno momento de contra
reforma. Menocchio foi perseguido pela Inquisição devido a sua visão de época em
relação à igreja. Foi submetido a interrogatórios, onde apresentou suas ideias e origem
de seu ponto de referência, defendendo-se perante a inquisição como “coisas de sua
cabeça”. Era, diferentemente da grande maioria da população do povoado, letrado, já
tendo sido inclusive, administrador da paróquia. Um dos pontos mais graves em sua
acusação era o fato de não tomar a bíblia como ideia universal, o que contribuiu para o
receio com que os inquisidores o tratavam.
O status social que o Menocchio ocupava em meio a sociedade, nos
permite dizer que não era das mais desprezíveis, já que o mesmo em 1581, “havia sido
magistrado da aldeia e dos vilarejos ao redor, [...], e ainda cameraro, isto é,
administrador da paróquia de Monterale” (GINZBURG, 2006, p. 32), pois ele sabia ler,
escrever e somar, e estes administradores quase sempre eram escolhidos entre os que
estudaram em escolas públicas.

Denúncia ao Tribunal do Santo Ofício

No ano de 1583, Menocchio foi denunciado ao Tribunal, sob a


acusação de ter pronunciado palavras heréticas e totalmente ímpias sobre Cristo, que
foram confirmadas pela investigação, abrindo-se o processo em Portogruaro,
prosseguindo em Concórdia e na própria Monterreale. Foi orientado pelo pároco,
quando a caminho do encontro com o vigário-geral que disse que suas ideias eram
caprichos e que não iria mais se meter em tais assuntos. Não era fácil entender pelos
autos do processo qual era a reação de seus conterrâneos. Era visto como uma boa
pessoa, e aconselhado por todos a não ficar falando sobre suas ideias, por serem como
as ideias de Lutero. Muitos anos depois, quando do segundo processo, uma testemunha
declarou que o via conversando com muita gente e que era amigo de todo mundo.
O numeroso acúmulo de testemunhas, Menocchio pressentia que
alguma coisa estava sendo preparada contra ele, e, novamente a conselho de seu amigo
desde a infância, e vigário de Polcenigo, a se apresentar espontaneamente ao Santo
Ofício ou responder prontamente a uma eventual convocação. E assim o fez, mas no dia
seguinte, 04 de fevereiro de 1584 foi preso e submetido ao primeiro interrogatório.
O delator do Menocchio, segundo seus filhos, seria o pároco de
Montereale, dom Odorico Vorai, “Não estavam enganados. [...] Aparentemente
ninguém melhor do que uma pessoa na posição dele para dar informações ao Santo
Ofício sobre o assunto, [...]” (GINZBURG, 2006, p. 34). O Menocchio não acreditava
mais na hierarquia eclesiástica, não acreditava em nenhuma autoridade especial
envolvendo a fé.
O filho Ziannuto, tenta socorrer o pai de todas as formas, ele procurou um
advogado Trappola, de Portogruaro, e junto com os filhos do Menocchio, por meio de
ameaças, convenceu o pároco de Montereale a escrever uma carta, sugerindo que
Menocchio prometesse obediência a Santa Igreja. Menocchio é confirma as acusações
“dirigindo-se ao vigário-geral: "Senhor, o que eu disse por inspiração de Deus ou do
demônio não confirmo nem desminto, mas lhe peço misericórdia e farei o que me for
ensinado". Pedia perdão, todavia não renegava nada.” (GINZBURG, 2006, p. 39).

Houve uma reviravolta no caso foi o convite a presença de um magistrado


secular ao lado dos juízes eclesiásticos, e o processo que havia parado, recomeçou.
Menocchio, além de recusar os sacramentos, confirmava com insolência a própria
independência do julgamento, o direito de ter uma posição autônoma.

E após o interrogatório e sendo reconduzido ao cárcere, implorou a piedade dos


inquisidores para que se resolvesse logo sobre seu caso, se fosse culpado, fosse
condenado logo à morte, e se ao contrário, que lhe fosse permitido viver, queria viver
como bom cristão. No entanto, o processo estava longe de terminar.

Sobre Friuli, uma pequena referência e contexto


Friulli, da segunda metade do século XVI, era uma sociedade
com características arcaicas, com preponderância da nobreza feudal. Os conflitos no
interior da nobreza se agravaram, com a criação de dois partidos: os Zamberlani e o
Strumiere, os primeiros a favor de Veneza. Com a disputa política entre as facções a
nobreza, teve início um violentíssimo conflito de classes.
Menocchio tinha uma atitude diferenciada em relação aos superiores,
questionando a dominação da igreja em terrenos e sua riqueza.

Afinal quem era Menocchio? Luterano, Anabatista, Herege?

Menocchio, negara qualquer valor ao evangelho, rejeitara a divindade


de Cristo e louvará um livro que podia ser o Alcorão, rejeitando uma possível conversão
ao luteranismo. Os anabatistas, depois de serem desmantelados na segunda metade do
século XVI, ainda se reuniam para ler as escrituras, e falar da renovação da vida, da
pureza do evangelho e da abstenção dos pecados, talvez, conforme testemunhas,
Menocchio tenha entrado em contado com esse grupo.
E assim “A insistência na simplicidade da palavra de Deus, a negação das
imagens sacras, das cerimónias e dos sacramentos, a negação da divindade de Cristo, a
adesão a uma religião prática baseada nas obras, a polêmica pregando a pobreza contra
as "pompas" da Igreja, a exaltação da tolerância, são todos elementos que nos conduzem
ao radicalismo religioso dos anabatistas” (GINZBURG, 2006, p. 53), diante disso, ele
nos apresenta vários traços que o diferenciam dos anabatistas “ não parece possível
definir Menocchio como um anabatista” (GINZBURG, 2006, p. 54).

Até porque, os anabatistas acreditavam e viam os papas como Anticristos,


Menocchio aponta que confia no papa pois ele é o representante de Deus na terra ““[...]
acredito que sejam boas, porque, se Deus pôs um homem em seu lugar, que é o papa, e
mandou perdoar, isso é bom, porque e como se recebêssemos de Deus, já que são dadas
por seu representante".” (GINZBURG, 2006, p. 54). Portanto, parece que Menocchio
também manteve contato com os Luteranos, o que também é diferenciado através dos
discursos de Menocchio, os Luteranos, acreditam na predestinação “"Eu não acredito
que Deus tenha predestinado alguém à vida eterna"” (GINZBURG, 2006, p. 55). Seus
discursos poderiam ser considerados influenciados pela grande onda que a reforma
protestante iniciou em fazer com que as pessoas reflitam sobre a religião.
Em seu primeiro interrogatório, Menocchio confirmou que Cristo era um homem
normal como os outros, e era filho de São José e da Virgem Maria, ainda explicou o
porquê Maria era virgem. Segundo ele, Maria foi deixada juntamente com outras
virgens – em número de 10 – para o serviço ao Senhor. Para Menocchio, o elemento
decisivo era a presença de “outras virgens”, que lhes servia para explicar da forma mais
simples o epíteto atribuído tanto à Maria, como às outras companheiras. Desse modo,
um detalhe acabava se tornando o centro do discurso, alterando assim, todo o seu
sentido.

E por fim, Menocchio cita em um dos primeiros interrogatórios que “Cristo


havia sido um homem como os demais nascidos de São José e da Virgem Maria, e
explicou que Maria "era chamada de virgem porque estivera no templo das virgens.”
(GINZBURG, 2006, p. 73), onde existia um templo onde estas eram mantidas, o fato de
ler o fazia ter interpretações distintas, como foi esse o caso a aparição dos anjos isolava
Maria das companheiras, Menocchio

o elemento decisivo era, ao contrário, a presença das "outras virgens", que lhe
servia para explicar da forma mais simples o epíteto atribuído tanto a Maria
como às outras companheiras. Desse modo, um detalhe acabava se tornando
o centro do discurso, alterando, assim, todo o seu sentido.

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