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Questões de
Teologia
Octavius: propostas e
discussões entre um
cristão e um pagão por
volta de 200 d. C.
Resumo: este artigo descreve algumas propostas que Minúcio Félix, através da
boca do cristão Otávio, apresenta ao pagão Cecílio na obra “Octavius”, escrita no
início do séc. II, período em que reinava uma grande confusão no campo religioso
do Império Romano. Nesse contexto, o cristianismo vai estendendo suas raízes e se
infiltrando cada vez com novas ideias, diferentes daqueles das seitas ali instaladas.
Assim, a obra de Minúcio Félix aborda as seguintes questões: existência de um
Deus único e providente; razão e fé na religião cristã; a liberdade, esperança e
heroicidade da vida cristã.
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Introdução
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3. Cf. ORÍGENES. Contra Celso. Tradução de Orlando dos Reis, São Paulo:
Paulus, 2004.
4. Cf. MINUCIUS FELIX. Octavius. Texte établi et traduit J. BEAUJEU. Paris:
Collection des Universités de France, 1964.
5. Cf. V. A. SIRAGO, Involuzione politica e spirituale nell’impero del IIº secolo,
1974, p. 35-60.
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9. Cf. MMF, V, 7.
10. Cf. MMF, V, 8.
11. Cf. MMF, V, 9-11.
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que estas narrações são para crianças e não para gente culta. Depois
de descrever todos os erros da mitologia, Otávio elogia Platão por
ter eliminado os poetas narradores de fábulas imorais e, entre esses,
eliminou o famoso Homero que corrompia a mente das crianças30.
Depois desse esforço para provar aos pagãos que existe uma
providência divina (usando como exemplos a ordem do universo,
da natureza e do homem) e para mostrar que este Deus providen-
te é um só, Otávio afirma que o Deus dos cristãos é invisível aos
olhos da carne, mas a sua força pode ser sentida no movimento do
universo: trovões, raios, relâmpagos, serenidade do firmamento31.
Deus está presente em toda parte e não só perto, mas dentro de
cada homem. Nada escapa aos seus olhos. Ele tem tudo presente32.
Ajuda a todos os que lhe são fiéis em todas as suas dificuldades
dando-lhes o prêmio da felicidade futura33.
Para concluir esse aspecto, para os pagãos representados por
Cecílio, não existe uma Providência Divina que rege o universo,
que é regido pela sorte (acaso). Tudo existe pela combinação dos
átomos, dos elementos seminais. Segundo ele, não se pode acre-
ditar num Deus Providente, que deixa perecer os bons. Ele não
consegue entender porque esse Deus que os cristãos têm como
Salvador dorme nesses momentos de necessidade.
Otávio não responde a todas as acusações que o pagão Cecílio
levantou contra o Deus Único, como por exemplo, o problema das
catástrofes que acontecem no mundo, quando perecem indistinta-
mente bons e os maus. Como já dissemos, para os pagãos, a Provi-
dência deveria intervir e livrar os seus protegidos dessas desgraças.
A verdade é que isso continua a ser um grande problema para a
maioria dos cristãos.
Finalmente, este Deus único e Providente, não pode ser de-
finido ou visto porque ultrapassa a capacidade da mente humana,
mas pode ser sentido e conhecido pelo seu operar no mundo. É
esse Deus que Cecílio acaba aceitando.
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não temos templos por causa de vocês, pagãos, que nos per-
seguem em tudo e por tudo. Cessem de nos perseguir e en-
tão levantaremos nossos templos e celebraremos ao aberto os
nossos cultos; não temos altares conhecidos, mas nas nossas
reuniões subterrâneas, nas catacumbas, nós temos os sepul-
cros dos mártires sobre os quais oferecemos os nossos sacri-
fícios que são superiores aos sacrifícios pagãos, porque é o
sacrifício de um Homem-Deus47.
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do universo52.
Segundo Otávio, no homem está gravada a imagem de Deus,
desse Deus que é ao mesmo tempo transcendente e imanente. Esse
Deus que é honrado, não é capaz de ser mostrado e nem de visto.
Pode-se crer n’Ele porque pode ser sentido na natureza. É nas suas
obras e em todos os movimentos do universo que se percebe a sua
presença. Ele é invisível aos olhos da carne, mas visível aos olhos da
mente. Com os olhos da carne não se é nem capaz de fixar o sol quan-
to menos, então, fixar o artífice deste mesmo sol. Este Deus onisciente
e onipresente, não só está perto, mas está dentro do ser humano53. Por
consequência, é inútil querer representá-lo por imagens.
52. Refletindo sobre a resposta de Otávio, temos que convir que realmente ele
eliminou de cena todos os deuses pagãos e com isto a própria religião oficial.
Onde ele buscou esta resposta? Pensamos que foi nas Sagradas Escrituras.
Sabemos pela Bíblia, que a Lei de Moisés para impedir que o povo caísse na
idolatria proibia a confecção de qualquer representação da divindade. “Não
terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura,
nem embaixo, na terra, nem nas águas debaixo da terra” (Ex 20, 3-4). Não
fazer imagem porque o homem é a imagem de Deus. Otávio deve ter tirado
esta passagem do Gênesis: “Façamos o homem a nossa imagem e semelhança
[...]. E Deus criou o homem à sua imagem” (Gn 1, 26-27). Da Epístola aos
Coríntios: “O homem é a imagem e a glória de Deus” (1Cor 11, 7). Da carta
de Tiago: “Os homens feitos à semelhança de Deus” (Tg 3, 9).
53. “Ubique non tantum nobis proximus, sed infusus est” (MMF, XXXII, 7).
54. São Paulo, no seu discurso aos atenienses, se exprime da mesma maneira (cf.
At 17, 24-25). O profeta Isaías, citado por Santo Estevão nos Atos dos após-
tolos afirma: “Deus não mora em uma casa fabricada por mão de homem”
(At 7,48). O pensamento de Otávio vem dessas passagens escriturísticas.
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55. “[...] cum sit litabilis hostia bonus: animus et pura mens et sincera sententia”
(MMF, XXXII, 2).
56. Cf. IUSTINUS, Apologia I pro christianis X, 1, in PG 6, p. 339-342.
57. Cf. ATHENAGORAS, Supplicatio pro christianis XII, in PG 9, p. 396-915.
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63. O maior elogio que a Escritura faz a um homem é o de chamá-lo justo (cf.
Gn 4, 9; Eclo 44, 17; Mt 1, 19) porque a justiça na linguagem Bíblica consiste
precisamente na observância dos mandamentos no cumprimento exato da lei.
Eis porque no último julgamento os justos serão os eleitos, os que ocuparão
o lugar a direita de Deus (cf. Mt 25, 37.46). O verdadeiro justo é aquele que
cumpre a lei divina. O mais religioso é aquele que realiza todos os deveres
para com Deus e com o próximo. Não podemos duvidar que este seja o pen-
samento de Otávio. Para provarmos esta afirmação basta ver qual é o teste-
munho que ele dá da religião do povo judeu. Os cristãos honram o mesmo
Deus dos judeus. Os judeus gozaram da proteção de Deus por todo o tempo
que lhe prestaram o culto devido a Ele, por todo o tempo que observaram os
mandamentos, mas foram vencidos quando abandonaram a Deus. Portanto,
o que fez a grandeza dos judeus, foi o culto prestado a Deus, um culto puro,
inocente e sincero. Já que os cristãos honram o mesmo Deus, resulta que para
serem verdadeiros religiosos, devem também observar os mandamentos divi-
nos. Assim Otávio pode concluir justamente: “sic apud nos religiosior est ille
qui iustior”. Assim a justiça que prega aos pagãos não é simplesmente uma
concepção filosófica, mas uma concepção bíblica e consequentemente evan-
gélica (cf. Cf. MMF, XXXIII, 2-3; XXXIII, 4-5; XXXII, 3).
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4. Os heróis cristãos
64. “Templum quod ei extruam, cum totus híc mundus eius opere fabricatus
eum capere non possit” (MMF, XXXII, 1).
65. Cf. MMF, V, 5; XII, 2.
66. “Pauperes dicimur non est infamia nostra, sed gloria; animus enim ut luxu
solvitur, ita frugalitate firmatur” (MMF, XXVI, 3).
67. Cf. MMF, XXXVI, 6.
68. MMF, XXXIV, 8.
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69. Cf. MMF, XXVIII. O cristão sabe que na sua luta não é abandonado por
Deus. Sabe que com a morte a vida não termina: “[...] nec morte finitur”
(MMF, XXXVII, 3). Com a morte do corpo, o cristão inicia uma nova vida.
Isto para ele é uma certeza e o melhor conforto para a sua luta.
70. Cf. MMF, XXXVII, l-2.
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semeias, não readquire vida a não ser que morra [...]. O mesmo se
dá com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo
ressuscita incorruptível” (1Cor 15, 36.42).
Otávio se pergunta como é possível negar a ressurreição ten-
do provas como estas. Somente uma má consciência pode fazê-lo.
Cecílio não queria admitir a doutrina cristã da esperança numa
vida futura. Os pagãos temiam o castigo, então ficava mais prático
negar a vida futura88.
Para o pagão Cecílio, os cristãos são injustos. Mesmo que se ad-
mita que sejam justos, a sua ideia de justiça é contraditória, pois o
que os pagãos atribuem à sorte (acaso), os cristãos atribuem a Deus89.
A sorte e Deus estão na origem de todos os atos. O homem é total-
mente condicionado e nem pode fazer-se cristão livremente, porque
é Deus que o quer. Tudo deve ser como Ele quer e o homem deve
somente se submeter. Estando nesta situação, o homem não é livre.
Segundo Otávio, os cristãos não buscam desculpas do seu
comportamento na sorte. A vontade do homem permanece sem-
pre livre. Por isso, a ação cometida deve ser submetida, não à con-
dição social do indivíduo90.
Aqui se encontram as raízes da complexa relação entre uma
consciência de Deus que já conhece o desenvolvimento das ações
humanas, “actus hominis”, e a liberdade, “mens libera”, do agir do
homem. Para Otávio o “fatum” é aquilo que Deus já estabeleceu
para cada um. Mas então como admitir que “mens libera est”? Para
Otávio, a “mens” é livre e, por isso, o seu agir deve estar em harmonia
com aquela liberdade de Deus que é, em diverso grau, explicita em
cada homem.
O cristão é consciente que o seu agir está de acordo com a
vontade de Deus, mesmo que isso lhe custe dores, sofrimentos,
perseguições e martírio. Tudo isto ele suporta com paciência por-
que espera recompensa e a felicidade sem ocaso que Deus lhe re-
servou, porque generosamente combateu até o fim. O cristão não
espera uma coroa tecida de flores, mas a coroa da imortalidade91.
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Conclusão
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Referências
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